ISSN 1984-4700
Ano III | Nº 5 | Julho de 2011 Uma publicação da Fundação Lauro Campos
Os deputados do PSOL, Marcelo Freixo e Janira Rocha falam do movimento que sacudiu o Rio de Janeiro. Entrevistas com os líderes dos bombeiros.
Dossiê Bombeiros
O Rio Vermelho Economia O “Socialismo dos Ricos”, ou “O Polulismo” por Milton Temer Cultura O jogo e o trabalho por Leandro Konder
Opinião É o dinheiro, estúpido! por Chico Alencar Economia Dívida pública e Superávit primário: as minhocas do desenvolvimento brasileiro por Randolfe Rodrigues
Código Florestal Entrevista com Ivan Valente Opinião Miséria humana e roubalheira política sustentam o Poder por Heloísa Helena
Ano III | Nº 5 | Julho de 2011 Uma publicação da Fundação Lauro Campos
Sumário Dossiê Bombeiros
4
Bombeiros anistiados
4
Rio Vermelho por Renata Stuart
5
Entrevista bombeiros Sargento Valdelei, Cabo Fabiano, Capitães Lauro Boto, Demarco e Bilbao
6
Nem um passo daremos atrás!!! por Jefferson Moura
8
Entrevista bombeiro Cabo Daciolo
9
O exemplo vermelho por Honório Oliveira e Israel Dutra
11
Entrevista bombeiro Cabo Souza
13
Entrevista Marcelo Freixo e Janira Rocha
16
Entrevista Beatriz Lugão Greve na Educação
20
Estudantes PUCRS: o renascimento do movimento estudantil democrático
21
Entrevista Ivan Valente Código florestal
23
Belo Monte Carta do Cacique Mutua a todos os povos da Terra
26
Internacional 19-J: indignação massiva por Josep Maria Antentas e Esther Vivas
28
Internacional Os aganaktismeni tomam as praças e as ruas por Yorgos Mitralias
29
Cultura O trabalho e o jogo Leandro Konder
31
Economia As minhocas do desenvolvimento brasileiro Randolfe Rodrigues
32
Economia O “Socialismo dos Ricos”, ou “O Polulismo” Milton Temer
33
Opinião Miséria humana e roubalheira política sustentam o Poder Heloísa Helena
34
Opinião É o dinheiro, estúpido! Chico Alencar
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E então que quereis?... Vladimir Maiakovski
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Dossiê Bombeiros
Bombeiros anistiados A anistia administrativa dos bombeiros foi aprovada por unanimidade na terça-feira, 28 de junho, na Alerj, e sancionada pelo governador na quarta-feira (29/6). Em Brasília, na Câmara dos Deputados, os bombeiros foram anistiados criminalmente na quinta-feira (30/6). Por ocasião da votação da anistia pela Assembleia Legislativa, foi aprovado o reajuste de 5,58% proposto pelo governo Cabral. Um acréscimo irrisório, de apenas R$ 70,00. Os bombeiros reivindicam o piso de R$ 2.000,00.
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Ano III • Número 5
Rio Vermelho Por Renata Stuart
Era uma manhã de sábado; apesar do frio incomum no Rio de Janeiro o céu estava aberto e clima era de euforia e ansiedade. Por volta das 9h os frágeis cavaletes de metal que obstruíam a saída do Quartel de Bombeiros de Charitas, em Niterói, região Metropolitana do Rio foram retirados. O pátio da corporação deu vez a um mar vermelho de homens que marchavam e cantavam o hino nacional. Os 439 bombeiros presos no dia 04 de junho de 2011, acusados de invadir o quartel central da corporação finalmente estavam livres. Os habeas corpus, concedidos pelo desembargador Cláudio Brandão de Oliveira, chegaram ainda de madrugada. Foram oito dias dormindo longe da família, em finos colchonetes e comendo biscoitos e frutas. Esposas e filhos, que por uma semana mudaram de endereço choravam emocionadas e a sensação era de justiça. Bombeiros, familiares, imprensa e colaboradores lotaram dez ônibus cedidos pela prefeitura. Devidamente enfeitados com bandeiras vermelhas e faixas que pediam a anistia
ser feita a passagem de jogadores campeões
agradecia por estar participando daquele mo-
a todos, os veículos seguiram em carreata
de uma Copa do Mundo. Carros e bicicleta
mento histórico.
até as barcas de Niterói, localizada no centro
foram enfeitados com adereços vermelhos e
A saída dos ônibus foi de mãos dadas e
daquela cidade há cerca de 10 quilômetros do
até os vira latas das ruas passavam com fitas
com a conhecida disciplina militar, os bom-
ponto de partida.
amarradas ao pescoço.
beiros formaram uma massa vermelha na
Eu estava lá e fui tomada por uma ale-
O motorista do primeiro ônibus errou o
g r ia que contag iava a todos no colet ivo.
caminho e sem querer toda a carreata teve
O sorriso não saía da boca, o clima era de
que passar em frente ao quartel de bombeiros
As justas reivindicações dos homens do
parceria e fraternidade. Nas ruas éramos
no centro de Niterói. A festa foi ainda mais
Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de
recebidos com aplausos, gritos eufóricos,
emocionante. Unidos a causa, os bombeiros
Janeiro que pedem um salário base de R$2 mil,
assov ios, sorrisos, acenos. O f uncionário
daquele quartel ligaram as sirenes de seus
mais vale transporte e condições dignas de
de uma obra, ao ver os ônibus, agarrou a
caminhões e foram para a rua receber com
trabalho me proporcionaram um dos episódios
camisa vermelha, no lado esquerdo do peito
choro os heróis presos em nome de todos. Por
mais belos na minha vida. Sim nós podemos e
e a beijou com orgulho. A comparação pode
diversas vezes meus olhos encheram d’água,
temos o direito de viver com dignidade!
Julho de 2011
calçada. Uma multidão envolveu o grupo como num abraço.
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Bombeiros I Entrevista I
Sargento Valdelei, Cabo Fabiano, Capitães Lauro Boto, Demarco e Bilbao “É importante citar aqui que tudo isso aconteceu por inúmeras inversões de valores: uma completa e absurda decisão de subordinar o Corpo de Bombeiros à Saúde, uma decisão inédita, que culminou nessa revolta” Entrevistados: Sargento Valdelei, Capitão Lauro Boto, Cabo Fabiano, Capitão Demarco, Capitão Bilbao
não podemos esquecer o miserável salário que
somos cidadãos. É inadmissível que tenhamos
a gente recebe aqui.
hoje, em pleno século 21, no Rio de Janeiro,
Não pode, o Rio de Janeiro, o estado mais impor-
um soldado da Polícia Militar ou do Corpo
tante da federação hoje, que vai sediar mais de
de Bombeiros ganhando menos de 2 salários
O movimento de vocês representa uma virada
vinte jogos militares, Copa das Confederações,
mínimos. A Polícia Militar nos apoiando, está
na história do Rio. Como começou esse
Copa do Mundo, Olimpíada, o estado que mais
se conscientizando que tem que brigar, como
movimento e quais foram as reivindicações?
aparece, que mais arrecada com os royaltes do
nós estamos brigando, por salário, porque as
Capitão Lauro Botto: Essa luta começou em
petróleo, não pode pagar esse salário miserável
gratificações, além delas serem desagregadoras,
2007, mas esse movimento ganhou força mesmo
aos bombeiros e policiais. Na minha leitura,
não são perenes, O que recebemos hoje, amanhã
com os guarda-vidas.
esses foram os fatores que levaram a esse movi-
não receberemos mais… O camarada, se ele se
Isso, na verdade, começou antes de abril, em
mento social que surgiu no Rio de Janeiro.
acidenta, se ele se acidenta em serviço, ele perde
fevereiro. O pessoal de Copacabana se mobili-
Capitão De Marco: É importante ressaltar
essas gratificações, se ele passa para reserva, ele
zou para poder fazer a paralisação. Fizemos a
também que essas gratificações quebraram to-
perde, se ele morre, a pensionista não faz jus a
mobilização em Copacabana (17 de abril). Foi aí
talmente a hierarquia. Tem Tenente ganhando
essas gratificações. Então, os policiais militares
que as coisas foram ganhando corpo. Ganharam
mais do que Coronel.
estão se sensibilizando quanto a isso e estão
a adesão de todos os militares, independen-
Sargento Valdelei: Como o capitão disse no
participando com a gente, estão vindo cada
temente da qualificação deles: guarda vidas,
início, o movimento começou em 2007, foi
vez mais. A gente até espera que isso se resolva
combatentes, mergulhadores, pessoal da saúde.
chamado movimento dos Barbonos. Quando
logo. A gente não quer essa manifestação, não
Então, a gente teve apoio de todo mundo. Por
começamos a perceber que essas gratificações
queria ter chegado onde chegamos. Mas a gente
isso que culminou nessa mobilização gigantesca
eram factoides. O que acontece? O militar se
também não vai recuar agora. Até mesmo por
que a gente viu no dia 12 de junho.
acidenta, se machuca, ou vai para a reserva e
ter recebido tamanha manifestação de carinho
É importante citar aqui que tudo isso aconteceu
perde isso tudo, perde as gratificações. Começa-
e solidariedade da população, a gente sabe que
por inúmeras inversões de valores: uma com-
mos com nosso movimentos dos guarda vidas.
não pode recuar agora, a gente está criando
pleta e absurda decisão de subordinar o Corpo
Começou em fevereiro e ai começamos a marcar
corpo cada vez mais… E a gente pede um valor
de Bombeiros à Saúde, uma decisão inédita,
(podemos dizer agora) reuniões clandestinas e
muita abaixo do que outros estados, com im-
que culminou nessa revolta. Houve a criação
elaboramos o primeiro manifesto.
portância muito menor do que o Rio de Janeiro, pagam! Estamos cada vez mais fortes, com
de inúmeras gratificações sem critério. Foi delas que partiu a quebra da hierarquia. Gratificações
O movimento de vocês, na verdade
mais apoio da Policia Militar, que esta vindo em
políticas. Elas até hoje existem e só beneficiam
acendeu uma fagulha, e a polícia,
massa conosco.
alguns dentro da corporação, desrespeitando
que é muito difícil de se mobilizar, de
o critério de hierarquia, de qualificação, de
se organizar, a partir daí começou a
É um movimento impressionante. Desde o
igualdade entre os postos e as graduações. Acho
aderir. Como vocês enxergam isso?
Fora Collor que o Rio não via algo parecido.
que esses dois fatores são os principais para que
Sargento Valdelei: Eu acho ótimo, porque além
Vocês tinham a dimensão, principalmente
houvesse essa mobilização gigantesca. É claro,
de militares, de estar brigando por nós, nos
os presos, do que estava acontecendo aqui
6
Ano III • Número 5
fora, de que o povo estava apoiando dessa
mesmo que tarde, nos colocando de novo
dimensão histórica? Vocês já têm alguma
forma, com esse tipo de manifestação.
na Secretaria de Defesa Civil, nos retirando
idéia do que isso vai significar pro futuro?
No estado inteiro, várias manifestações
da Secretaria de Saúde, e a gente conseguiu
Cap. Botto: A revolta da chibata foi dos mari-
pipocaram, vários municípios declararam
soltar, mesmo que provisoriamente, nossos
nheiros, do almirante negro, eles também não
apoio. Enfim, o governador deu um tiro no
companheiros que estavam presos. Agora a
tinham idéia que em 2008, 98 anos depois,
pé, E o movimento se transformou em algo
luta é pela anistia administrativa e criminal do
seriam anistiados e condecorados aqui nesta
para muito além do imaginado, muito mais
pessoal que foi preso e por salário, que foi de
própria Assembleia Legislativa. A gente hoje
político, com adesão dos professores…
onde tudo partiu.
talvez não tenha essa dimensão, a gente sabe
Capitão De Marco: Com certeza. Eu sou um
que criou um marco, um divisor de águas, tanto
que ficou preso. Nossa visão era somente pela
no Corpo de Bombeiros como na sociedade
televisão. A gente não podia acompanhar o
fluminense, que desde o Fora Collor, dos caras
que estava acontecendo aqui fora, as janelas
pintadas em 92, não tinha uma mobilização
com panos vermelhos, as fitas vermelhas nos
social como se viu agora. A história esta sendo
carros. A gente sabia o que era amado, o que
escrita, vamos ver como ela vai terminar
gostavam da gente, mas a gente não imaginava
Sargento Valdelei: Ontem mesmo, quando eu
que esse amor era tão grande. E o movimento
fui embora, peguei o ônibus. Eu estava pratica-
não ficou só na cidade do Rio, ele foi no Brasil.
mente fardado, com calça vermelha; o motorista
Recebemos manifestações de New York, da
falou “não, você não vai pagar não! Dane-se a
Espanha, da Alemanha. Na manifestação que
câmera, o patrão pode me mandar embora, que
teve em Copacabana, veio uma jornalista ja-
você não vai pagar não”. O cara deu carona para
ponesa falar comigo, para você ver a dimensão
mim e minha esposa e, quando nós saltamos,
que tomou.
os camelôs que trabalham lá na rua vieram
Capitão Botto: Eu dei entrevista para a CNN
todos me abraçar: “Bombeiro!”. Porque já me
latina. Foi até emblemático. Um bombeiro da
conhecem. É isso. E os nossos companheiros de
Argentina veio com o contracheque em mãos.
quartel ficam ligando, mandando recados pela
Ele ganha 7 mil pesos (aproximadamente 3 mil
internet: “não pode parar”.
reais) e esta lá no inicio de carreira. Ele vaio aqui
Os 439 foram os que deram o grito, que ficaram
demosntrar que, até na Argentina, em Buenos
firme até o final, sendo atacados. Uma ordem
Aires, um país em crise financeira, o salário é
absurda que deram lá. Resistimos. Os bombei-
três vezes maior que o nosso aqui. E o mesmo
ros da brigada 439 ― isso para a gente é motivo
fogo que tem na Argentina, tem no Rio de Janei-
de orgulho.
ro, tem em Brasília. O mesmo salvamento que
Cap. Botto: A gente não sabe nem como isso
é realizado nos mares da Argentina é realizado
Capitão Lauro Boto
aqui, no Rio de Janeiro, também. Eu diria que os
vai ser lembrado, se vai ser a brigada 439, se vai ser o Rio vermelho. A gente não sabe. O que a
daqui são até um pouco piores, considerando
E se o governo tentar vencer o
gente sabe é que muitas histórias vão ser con-
a situação que a gente presenciou e participou
movimento pelo cansaço?
tadas… hoje em dia então, com a internet, com
agora a pouco na Região Serrana.
Cap. Botto: Olha, eu acho que a gente já deu
a facilidade que se tem: livros, filmes… A gente
Capitão De Marco: Somos o primeiro Corpo de
provas de que não vai se cansar, não. A gente
acredita que muitas manifestações dessas vão
Bombeiros do Brasil.
para e volta! Quando volta, volta mais forte. A
acontecer e a gente fica orguilhoso.
Cap. Lauro Botto: Então, isso é muito impor-
Policia Militar está vindo conosco, ficou claro.
Não fiquei preso. Eu estava aqui, do lado de
tante. Um estado tão rico como o nosso pagar
Mas a gente tem confiança de que as coisas vão
fora, mas, enquanto a gente não conseguiu
tão mal. Isso ai nos castiga e, em vários casos,
se resolver agora, que o governo vai reavaliar a
arrumar uma maneira de botar o pessoal para
nos revolta.
posição dele e, enfim, vai dar o que a gente está
fora, eu e muitos outros não descansamos… E
pedindo, que é a nossa dignidade salarial.
já fiquei preso outras vezes. Sei o que os cama-
A primeira vitória foi conseguida, mas é uma
radas passaram.
vitória parcial, que foi a libertade dos 439
Qual é a sensação de vocês agora?
O apoio que a população estava dando para
presos. A gente queria saber agora a pauta do
É muito difícil julgar a história no tempo
a gente era até maior do que imaginávamos.
movimento. Quais são os próximos passos?
presente, agora, no momento, mas, como
Isso com certeza vai ficar marcado na nossa
Cap. Lauro Botto: O governo voltou atrás,
vocês sentem o movimento de vocês na
história.
Julho de 2011
7
Bombeiros
Jefferson Moura*
Nem um passo daremos atrás!!! Os episódios ocorridos no Rio de Janeiro são uma
A combinação de soldados proletários e em grande
policiais do Batalhão de Choque se apresentaram de
virada de página para além da conjuntura, sem ne-
parte cristãos mostrava no mundo real a determi-
camisa vermelha no quartel, a onda vermelha havia
nhuma dúvida a luta dos soldados, praças e oficiais
nação e a convicção dos que estão com a verdade
tomado conta do Rio de Janeiro.
do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio De Janeiro
ao seu lado.
Em Niterói onde estavam a maioria dos presos,
Na madrugada de sábado, sem nenhum aviso
Janira era recebida com a música: “poiera, poeira,
O mais antigo corpo de bombeiros do país, fun-
ou negociação fomos surpreendidos pela covar-
Janira é guerreira”. Freixo esteve presente e atuou
dado pelo Imperador D.Pedro II em 1856, e que tem o
dia do Governador Cabral, que ordenou a invasão
como presidente da Comissão de Direitos Humanos
pior salário do Brasil incendiou os corações e mentes
do Quartel pelo BOPE – Batalhão de Operações
virando neste setor a idéia difundida pelos comandos,
da população Carioca e Fluminense.
entraram para a história brasileira.
Especiais. O BOPE entrou pelos fundos do Quartel e
que direitos humanos só servem para “bandidos”.
O que começou como uma luta por salário e
lançou bombas de gás e ao fim, fez disparos de fuzil
Nos atos e na direção desta luta nossa dupla: Janira e
condições de trabalho evoluiu rapidamente para um
como denunciado por Janira que manteve-se dentro
Freixo deram um belo exemplo.
enfrentamento direto com o governo Sérgio Cabral,
do quartel para evitar um massacre. Soubemos que
A força do movimento foi muito grande e deslo-
que mostrou pela primeira vez sua verdadeira face à
mesmo no BOPE foram escolhidos a dedo os que
cou setores, além de nossas bancadas estiveram na
população.
participariam da “operação, pois na porta da frente
defesa dos bombeiros desde o inicio os parlamenta-
o Batalhão de Choque havia baixado seus escudos e
res Lindberg, Clarissa Garotinho, Flávio Bolsonaro
se recusado a entrar.
e Wagner Montes, que vale destacar pois além de
Os bombeiros do Estado que sediará os Jogos Militares, jogos da copa do mundo e as Olimpíadas em 2016 ganham cerca de R$ 950,00 líquidos, tem pés-
Ainda na manhã de sábado após a prisão coletiva
deputado estadual é apresentador de um programa
simas condições de trabalho e sofrem uma opressão
de centenas de cidadãos como nos tempos da ditadura
de grande audiência na Record. Wagner sempre vota
permanente nos quartéis.
o Governador vai a TV atacar os bombeiros.
com o PSOL e nesta batalha abriu seu programa ao
Os companheiros vinham reivindicando ao seu
Sérgio Cabral que detém uma imensa estrutura
movimento o que teve muita importância para romper
comandante R$ 2.000,00 de piso, vale transporte,
de marketing e propaganda realizou uma coletiva
o bloqueio de mídia, merece nosso reconhecimento.
filtro solar e nadadeiras para o Grupamento Marítimo
e transtornado mostrou a população do Rio, pela
No fim da semana estava claro que o governo havia
vanguarda do movimento realizar seu trabalho. Estas
primeira vez a sua verdadeira face. Aos gritos, com a
perdido esta batalha, o todo poderoso Cabral teve
reivindicações começaram a ganhar as ruas em abril
soberba dos que se julgam déspotas acima de tudo e de
que se render aos fatos. Foi marcado para sexta uma
em ações de protesto no entorno dos quartéis e parali-
todos, chamou a corporação mais querida do Estado
reunião com o presidente do Tribunal de Justiça, mas
sações que resultaram em um acampamento em Maio
de vândalos, disse que o RJ não tem o pior salário do
antes que acontecesse um Habeas Corpus impetrado
nas escadarias da Assembleia Legislativa – ALERJ.
Brasil e que as condições de trabalho são ótimas.
em Brasília garantiu a libertação dos presos.
Ficaram detidos 439 companheiros, nesta altura o
No sábado um momento dos mais emocionantes
sente em solidariedade a luta dos bombeiros. A com-
PSOL e a maioria da população já éramos todos bom-
que presenciei na vida, a saída dos presos e a travessia
panheira Janira Rocha nossa Dep. Estadual buscou
beiros. No Domingo bombeiros e populares em soli-
de barca para de Niterói para o Rio. Foi a travessia da
um Canal de negociação com o Governo e junto com
dariedade tomam as escadarias da ALERJ no primeiro
liberdade e o lançamento da campanha pela anistia
Marcelo Freixo a partir da presidência da Comissão
ato pela libertação dos 438 soldados, cabos e oficiais e
dos 439 heróis.
de Direitos Humanos atuaram de maneira exemplar.
da companheira Tenente, nossos 439 heróis.
O PSOL esteve desde o primeiro momento pre-
Domingo uma passeata que reuniu milhares em
Estabelecemos uma linha direta com o comando do
O PSOL lançou a campanha “Herói não é bandido,
Copacabana, como não se via desde o “Fora Collor”
movimento e buscamos fortalecer a luta dos compa-
liberdade para os bombeiros”, fomos para as ruas com
deu vazão a onda vermelha que havia inundado as
nheiros. Nosso partido atuou em equipe e passamos
panfletos e adesivos, participamos e realizamos atos,
casas e prédios com panos nas janelas, os carros
por esta prova de fogo. Do rancho do acampamento,
fizemos plenárias, articulamos entidades sindicais e
com fitinhas vermelhas e as pessoas nas ruas. O Rio
passando pela organização dos atos e mobilizações,
nossos parlamentares Chico, Jean Wyllys, Eliomar e
vermelho venceu!
no dia da ocupação do quartel central até a libertação
Renatinho.
O PSOL seguirá ombro a ombro ao lado dos bom-
Em todo o Estado aconteceram mobilizações,
beiros e como no belo hino da corporação cantado
Na sexta feira dia 03 de junho, o dia em que os
nos quartéis dos bombeiros se distribuíam fitas
tantas vezes nestes dias de luta: “nem um passo da-
bombeiros em luta ao lado de suas esposa e filhos
vermelhas, durante a semana em Cabo Frio PM’s
remos atrás”.
ocuparam seu quartel foi virada uma página na
fizeram uma passeata em solidariedade e na ALERJ
história das lutas e mobilizações em nosso Estado.
o movimento só fazia crescer. Na última sexta feira
dos bombeiros o PSOL se fez presente.
8
*Presidente do PSOL/RJ
Ano III • Número 5
Bombeiros I Entrevista I
Cabo Daciolo “… o governador tem que saber que o verdadeiro patrão de todos nós é a população fluminense. É quem paga o salário do governador, é quem paga os parlamentares, e é ela que paga o corpo de bombeiros.” Ele alegou que não conversava com praça. E
cortado a água, desligado a eletricidade, con-
agora, nesse exato momento, estamos tentan-
versado, mandado o Comandante Geral falar
do falar com nosso governador, para falar das
conosco… Isso não foi feito. Simplesmente
nossas reivindicações. Queremos gratificação
empregaram a força maior, entraram com
e piso salarial líquido de 2000 reais. E o vale
bomba, com fuzis… Se você entrar lá, tem
transporte, que nós não temos.
marcas de tiros, tiros na direção de pessoas, não o alto, tem tiro que acertou guarnição,
O episódio do Quartel General. Relata
viatura. É bom lembrar que em momento
um pouco do que aconteceu lá. Qual
algum os Bombeiros que ali estavam presen-
a postura da polícia? Quais foram as
tes quebraram viatura nenhuma. Muito pelo
ordens dadas? Qual foi o tratamento
contrário, se você pegar as fitas, vai observar
que deram ao movimento de vocês?
que o os bombeiros estavam ali aguardando
Neste período de 2 meses, nós estivemos na
que o Governador viesse conversar, ou alguém
frente do Quartel Central por 3 vezes. Todas
do governo, ou até mesmo o Comandante
as vezes que nos reunimos lá, ca nta mos
Geral. Pode olhar que as viaturas estavam
nosso hino de Soldado do Fogo e nos retira-
todas intactas. Aquilo que fizeram ali foi cau-
mos. Desta vez, no dia 3, não seria diferente.
sado pelas bombas que o BOPE tacou, por todo
Chegamos lá com o mesmo intuito: louvar
aquele confronto que o Bope provocou, que
nosso hino de Soldado de Fogo e nos retirar.
o governo proporcionou. Lembrando ainda
No entanto, chegou uma informação de que
que não houve impedimento de viatura saír.
o BOPE estava v indo, de forma agressiva,
Quando soltaram um alarme, falando que
ali para a rua. Nós entramos ali com nossos
tinha um socorro, nós, primeira coisa que
parentes, filhos, crianças, mães, até porque
fizemos foi chamar o chefe da guarnição, para
Como começou o movimento dos bombeiros?
nós entendemos que o movimento é pací-
perguntar se era verdade, até porque primeiro
Nós temos 155 anos de corporação e já há anos
fico, ordeiro, harmônico, de acordo com a
a vida, depois qualquer manifestação.
estamos em busca de ser tratados com dignida-
Constituição Federal no seu Artigo Quinto,
de. O movimento começou no GEMAR da Barra
inciso 16. E, quando chegou essa informação,
Qual foi o papel dos familiares e
da Tijuca, com 30 militares, já pelo motivo de
nós ocupamos nosso Quartel.. Dentro do
das esposas no movimento?
não ter material, de não ter equipamento, do
nosso regulamento, nós podemos nos aquar-
Nós estamos fazendo caminhadas, passe-
salário de 950 reais… Aí, dentro dessa união,
telar. O que nós fizemos foi isto: entramos
atas, junto com a população, junto com os
começou o movimento.
dentro do nosso quartel. Ficamos sentados
familiares, então, naquele momento, nossos
Cabo Daciolo
dentro do quartel, pedindo que o Comandante
familiares estavam ali de forma natural, como
E durante quanto tempo vocês tentaram
Geral viesse falar conosco. Ou que alguém do
já estavam em outros momentos… Porque nós
abrir o diálogo com o governo, quanto
governo viesse falar conosco. E isso não acon-
entendemos que todas as reivindicações, tudo
tempo durou esse impasse?
teceu. Muito pelo contrario, quebrando todo
que nos estamos pedindo é de forma ordeira,
Estamos há mais de 2 meses tentando falar
o protocolo, o governo autorizou que o Bope
pacífica, mansa, sem armas.
com o Governo. Primeiro tentamos falar com
entrasse, mandou que entrasse, invadisse o
Na prisão, vocês tinham dimensão da como-
o Comandante Geral do Corpo de Bombeiro.
Quartel Central, sem antes ter mesmo, sei lá,
ção que estava aqui fora, que o movimento de
Julho de 2011
9
Bombeiros vocês era tão referendado pela sociedade e que
autoritário e ditatorial, vivendo uma verdadeira
não, é o servidor público, é a população de
tinha tanto apoio popular, tanto apelo?
ditadura. Então, ali, nós entendemos que foi o
bem, todos. A pequena minoria com o poder
Não, lá nos estávamos sem contato. Ali, na
povo clamando por socorro. Foi o povo dizen-
na mão, enquanto que a grande massa vem
pr isão, a lg uns mi lita res que f ica ra m em
do: “Estamos vivendo no século 21”. Vivemos
sofrendo muito.
Charitas tiveram um outro tratamento, dife-
em uma democracia onde, infelizmente, é
rentemente dos militares que ficaram no GEPE.
importante citar, nosso governo não entendeu
O Rio, hoje, é o estado que mais recebe
Lá é um sistema prisional. Ali você fica preso
isso, não esta sendo sensível a tudo que esta
investimentos de todo tipo, privado,
mesmo, em jaulas. Em algusn momentos, nós
acontecendo. O estado do Rio de Janeiro está
do estado. Você acha que o movimento
tínhamos acesso à televisão. Então, víamos
sofrendo com isso, a nação está sofrendo com
de vocês foi um grito para mostrar
que estava acontecendo algo a mais, que a
isso. O Brasil está sendo falado em todos os
a realidade do nosso estado?
população fluminense foi sensível, conseguiu
outros continentes… E mais esta, agravando os
Ele esta sendo favorável para isso. Pegue o
enxergar a gravidade e o que o bombeiro estava
outros setores: hoje, estão vindo ai os professo-
petróleo. Temos ai 9 bilhoes, nós temos as bar-
clamando. Porque um bombeiro viver com 950
res, está vindo a saúde, porque, hoje, quem está
reiras fiscais que pegam em torno de 2 bilhoes,
reais é triste. O problema é o governo, que não
sofrendo é o funcionário público do estado do
temos o Funesbom que é o fundo especial do
teve essa sensibilidade, o governo que chama
Rio de Janeiro. Você pega o estado do Rio, é o
corpo de bombeiros. Com o Funesbom, é bom
os professores de preguiçosos, os médicos de
estado que menos aplica em folha de pagamen-
lembrar que o governador não gasta um centavo
vagabundos, os militares de vândalos e irres-
to, apilica apenas 27%, e pode investir de forma
do estado para pagar viatura, para pagar equi-
ponsáveis. Se parar para analisar a irrespon-
prudente até 46%. Que governo irresponsável!!
pamento, ele só gasta para fazer o pagamento
sabilidade, ela vem toda do governo.
Que atrocidade que vem fazendo!
dos militares, porque isso saiu tudo do bolso do povo, como sempre. Nosso patrão é a popula-
Domingo foi de uma comoção gigantesca.
Os Bombeiros deram o exemplo e
ção. Mas, sai do Funesbom, da taxa de incên-
Você, como liderança do movimento,
outra categorias acompanharam.
dio. Isso é interessante: o governador tem que
tem a dimensão histórica do movimento
Perfeito, a gente escuta dos professores, dos
saber que o verdadeiro patrão de todos nós é a
e da passeata de domingo?
médicos: “Vocês são verdadeiramente nossos
população fluminense. É quem paga o salário
Nós estamos no século 21 e estamos, infeliz-
heróis. Vocês nos encorajaram a lutar pelos
do governador, é quem paga os parlamentares,
mente, no estado do Rio de Janeiro, com o poder
nossos direitos”. Olha, não é só o bombeiro,
e é ela que paga o Corpo de Bombeiros.
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Ano III • Número 5
Bombeiros
O exemplo vermelho Por Honório Oliveira e Israel Dutra
manifestantes. A intransigência do governo
que, durante dias, corroborou com o discurso
Cabral ficou clara desde o início do movimento.
fascista do governador, tentando criminalizar
Não querendo negociar, o governador ordena a
o movimento dos bombeiros. Em nenhum
O sábado da libertação dos bombeiros era
invasão do quartel, com bombas e fuzis, atu-
momento o povo comprou esta ideia. Pelo
realmente especial. Céu de outono azulado em
ando de forma covarde contra os bombeiros.
contrário, hoje, Cabral se encontra em situação
Niterói. Bombeiros comemorando a soltura dos
A primeira ordem, dirigida ao Batalhão de
muito complicada.
companheiros, saltando do Parque da Cidade
Choque não teve efeito. O governador teve de
A semana da libertação dos bombeiros foi
de parapente. Uma grande festa em frente ao
apelar ao BOPE para “evacuar” o local. Depois
coalhada de manifestações de todo tipo em
Quartel de Charitas, onde estiveram presos por
desta truculência, 439 ativistas foram presos.
todos os municípios do estado: passeatas, car-
uma semana os ativistas bombeiros. A viagem
Para completar sua obra, Cabral vai a T V
reatas, “barqueatas”, fitas, camisas, toalhas e
11 de Junho
de ônibus até a estação das barcas foi
até bandeiras do Flamengo na janela
marcada pelo apoio orgulhoso de milha-
indicavam a solidariedade do povo à
res de pessoas nas ruas de Niterói. A tra-
causa dos bombeiros.
vessia foi emocionante. O sentimento de
O acampamento em frente a ALERJ,
unidade, solidariedade estava nos rostos,
que se instalou imediatamente após a
nas lágrimas, no orgulho de ter lutado. A
prisão dos 439, foi o centro de ativida-
chegada à Praça XV anunciava que novos
des, levando milhares a expressar sua
ventos sopravam. Na mesma praça em
simpatia. A força do movimento foi
que, há cem anos, os insubordinados do
capaz de desencadear a unidade com
Encouraçado Minas Gerais escreveram
outros setores que também estão em
a Revolta da Chibata, os bombeiros ver-
campanha salarial, como o caso dos
melhos anunciaram a mudança.
professores e dos servidores da saúde. O SEPE deflagrou greve da rede estadual
12 de Junho
de ensino. A manifestação dos educa-
O domingo iniciou com uma ver-
dores na sexta-feira, 10 de junho, levou
dadeira maré vermelha, nos ônibus,
cinco mil pessoas, junto com muitos
metrô, carreatas. Na orla de Copacabana
estudantes, confraternizando, num
dezenas de milhares de pessoas prota-
momento simbólico, com os bombeiros
gonizaram o maior ato político desde
em frente à ALERJ.
o Fora Collor no Rio de Janeiro. Quem
O ápice do movimento foi a cami-
esteve presente escreveu um pouco da
nhada em Copacabana. Embora desen-
história, participou de um evento que
contrados, os números estimados são
certamente estará presente nos livros.
de 50 mil pessoas. O envolvimento de
É impossível dar a dimensão exata do
trabalhadores, de empresas, restauran-
que está acontecendo, mas uma coisa é
tes, escritórios, repartições públicas,
certa: nada será como antes.
aposentados, jovens, camadas médias, foi imenso.
Uma semana vermelha que mudou o Rio de Janeiro
chamar os bombeiros de vandalos e bandidos.
Expressões de um acúmulo anterior
A luta dos bombeiros por melhores condi-
Logo os bombeiros, que são conhecidos como
Muitos se perguntavam: por que foram
ções salariais e de trabalho vinha marcando
heróis por sua atuação em tragédias como a
os bombeiros que colocaram a luta social no
presença nas principais ruas do Rio. No entan-
da Região Serrana e a do Morro do Bumba.
centro da pauta? A heróica luta dos bombeiros
to, o “salto de qualidade” acontece depois da
A reação da população ao absurdo cometido
tem interessantes raízes. Elas apontam para
passeata do dia 3 de Junho, que termina com
pelo Governador Cabral foi fundamental, pois
uma fissura, ainda pouco exposta, nas forças
a ocupação do Quartel Central por parte dos
serviu de contraponto ao discurso da mídia
de segurança em nosso país.
Julho de 2011
11
Bombeiros No Rio de Janeiro, os bombeiros estiveram
de riqueza no Rio de Janeiro vai aumentar, o
do movimento de massas. O corte orçamentá-
diretamente envolvidos no resgate de corpos
fosso social vai se alargar. Viver no Rio já é, em
rio de 50 bi, em seguida à crise que derrubou
e sobreviventes nas tragédias das chuvas de
alguns aspectos, mais caro do que viver em
Palocci, trouxe o governo federal para uma
2010 e 2011, especialmente em Niterói e Região
alguns países da Europa. Os bombeiros foram
situação incômoda. De outra parte, o levante
Serrana. Além de um convívio humano sem
os primeiros a perceber que o projeto que está
dos operários das obras do PAC foi explosivo e
precedentes, ampliando o nível de humanização
sendo gestado no Rio de Janeiro, que envolve
massivo. Após o “levante de Jirau”. ocorreram
e solidariedade, os bombeiros experimentam na
Copa, Olimpídas, Complexo Petroquímico,
greves parciais da construção civil, de profes-
prática o descaso do poder público para com a
royalties, UPP, Companhia Siderúrgica do
sores, de servidores da justiça, a greve de um
população. A sensibilidade de sua prática pro-
Atlantico, é um projeto para poucos. A ação dos
mês dos metalúrgicos da Volks do Paraná, de
fissional os deixa expostos às tendências mais
bombeiros é grandiosa porque significa um salto
Ferroviários e Condutores do ABC paulista. A
subterrâneas da sociedade. Entre os escombros
na consciência de todo o povo. Os bombeiros
tensão no campo também aumenta.
da tragédia, aprendem muito rapidamente as di-
cumpriram um papel pedagógico, causando
Depois de anos represada, a luta social ganha
ferentes formas como são tratados ricos e pobres
uma fissura nos planos das elites. Daqui para a
uma janela para se desenvolver, ganha terreno
no Brasil. Estão marcados por tais eventos.
frente, tudo vai ser muito mais difícil. O Brasil
no pensamento crítico. Ainda é cedo para afir-
parecia ser um destino seguro para seus investi-
mar que a estamos numa nova correlação de
mentos, um país pacificado, sem luta social.
forças, contudo a dinâmica é de abertura de
E, de outra forma, o impacto da organização das forças militares e civis para a aprovação da PEC 300 foi uma verdadeira
A reação de Cabral, além do seu destempero
um ciclo com mais protestos, mais conflitos. O
“escola” para ampliar o nível de associação e
habitual, mostra que, sendo fiador de um projeto
segundo semestre poderá assistir a novas cam-
participação sindical.
que não tem qualquer objetivo distributivo, ele
panhas salariais. Os militares vão seguir rein-
A jornada de 2011 combinou esses elementos,
não poderia vacilar, tinha que derrotar um mo-
vindicando seus direitos e salários em vários
proporcionando a chance deste novo salto. A
vimento reivindicativo radicalizado, na primei-
estados do país. A juventude pode ser outro setor
consciência de classe adquirida pelos bom-
ra hora, pra que isso servisse de exemplo, ainda
que acompanhe e supere esta dinâmica.
beiros e pelo setor mais avançado da Polícia é
mais sendo os manifestantes militares.
A luta dos bombeiros abriu um proces-
Não por coincidência, há poucas semanas,
so. A passeata de dezenas de milhares em
foi revelado um esquema de compra ilegal de
Copacaba na most rou que não se t ratava
terras em Itaguaí, por parte de Eike Batista,
apenas de solidariedade reativa. Foi realmente
As contradições do projeto Dilma/Cabral
para a construção do Superporto do Sudeste. O
um marco, um rio vermelho.
O movimento dos bombeiros quebrou a ideia
mesmo Eike que mantém relações escandalosas
de estabilidade e paz que hoje é propagandeada
com o governador, que viaja para onde quer em
pelo Governo do Estado Rio de Janeiro, a ideia
seus aviões, responde diretamente pelas obras
Ainda que mantenha certa popularidade,
de estado próspero e moderno. Os bombeiros
do Porto do Açu em São João da Barra. Aliás, em
Cabral sai arranhado deste episódio. O apoio do
expuseram os grandes problemas do estado e
abril, tais obras foram sacudidas com paralisa-
PSOL, através de seus dois parlamentares esta-
revelaram o tipo de governo que temos: o go-
ções e greves dos trabalhadores.
duais, Marcelo Freixo e Janira Rocha, foi muito
fundamental, num estado com altos índices de violência social e política.
Um futuro por construir
verno da invasão do Alemão, do abandono dos
O projeto embalado pela burguesia com
importante. Em meio a uma mudança de con-
desabrigados das chuvas, das privatizações e do
vistas aos grandes eventos tem causado conflitos
juntura, o Partido e suas lideranças experimen-
saque aos orçamentos da saúde e da educação. O
por moradia e muitas remoções urbanas. Tais
tam a construção de um pólo alternativo para
projeto de acumulação traçado paro o Rio sofre
conflitos apenas começam.
lutar por outra política. Apresentar uma visão
um revés porque a luta dos bombeiros revela
de um “outro Rio”, o Rio pintado de vermelho, ao
uma verdade que até então não havia alcança-
O “RioVermelho “abriu uma janela
lado das lutas, dos setores críticos, da intelectu-
do a mente dos milhões de fluminenses. Todo
para a luta social
alidade combativa, das camadas médias, enfim,
este processo de acumulação e realização de
O movimento social e popular “Rio Vermelho”
organizar um amplo movimento político que dê
capital tem uma premissa básica: a viabilidade
acontece num momento especial. Sob vários
vazão ao novo processo que nasce. Certamente
do mesmo só se dará com concentração. A fuga
ângulos. Após vinte anos de recesso de grandes
teremos novos capítulos pela frente.
dos investidores da Europa e dos Estados Unidos
lutas sociais, com boa parte das direções coop-
O projeto de hegemonia que tem no Rio sua
por conta da crise encontrou no Brasil a possibi-
tadas pelo espectro do governismo, estamos
versão mais bem acabada sentiu o primeiro
lidade de acumulação sem distribuição. A luta
diante da possibilidade de um novo ciclo. E este
golpe, é insuficiente ainda, mas histórico
dos bombeiros é emblemática nesse sentido.
ciclo apenas começa.
e grandioso. O método de contestação nas
No estado da Copa e das Olimpíadas, eles só
No ano de 2011, fatores importantes se com-
ganham 950 reais. A tendência de concentração
binam numa escala veloz, afetando o humor
12
ruas volta com força e, dessa vez, o exemplo é vermelho.
Ano III • Número 5
Bombeiros I Entrevista I
Cabo Souza “O ser humano… é muito solidário quando vê outro ser humano sofrendo. Mesmo que a sociedade tenha alguma inveja quando vê um outro ser humano se dando bem, ela é solidaria quando vê um outro ser humano se dando mal.” Como falar da dimensão alcançada pelo mo-
porque é a nossa casa. É nosso o direito de
vimento deflagrado pelos bombeiros?
entrar, errado foi quem tentou fechar o portão.
De fato, o movimento foi um marco, porque,
Naquele momento nós entramos ali como nosso
até então, os militares não poderiam fazer uma
último recurso para tentar ser ouvido e fala-
passeata que seja, uma simples reunião nossa
mos que só iríamos sair dali quando chegasse
já é passível de ser punida Tanto que a primeira
o Governador para negociar. E, ao invés de ir
passeata que nos fizemos, em Copacabana,
lá, mandou a tropa de choque para imvadir.
no dia 17 de abril, foi a primeira vez que nós
O Batalhão de Choque foi muito honesto. Eles
pusemos a cara. Antes disso, só tiveram uns
foram seres humanos naquele momento e
poucos corajosos que falaram sozinhos, mas
se negaram a invadir. Ai ele mandou o BOPE
que ninguém apoiou, com medo de ser punido.
entrar, o Bope que ganha uma gratificação de
E esses corajosos foram punidos, como o sar-
1500 reais a mais do que o bombeiro ganha
gento Valdelei, que já tinha colocado a farda
como salário O Bope ganha como gratificação
de bombeiro e filmado para o youtube, foi
um valor maior, então não sei se ele ouviu, ou
punido. Antes dele, o capitão Lauro Botto,
o que ele ouviu no momento… aquela coisa
alguns anos antes, também fez um movimen-
de ouvir mais o salário dele, de não perder
to. Fez sozinho, porque tínhamos medo ser
a gratificação… Enfim, então eles entraram
punidos… e ele também ficou preso. Desta
com fuzil, tacando bomba de gás. Enquanto
vez, a coisa chegou a tal ponto que as reuniões
isso, nós estávamos com nossa mangueira,
começaram a ser organizadas nos quartéis,
tentando evitar a entrada deles. Foi dito pela
especialmente as dos guarda-vidas. O Dacilo já
mídia que nós impedimos um socorro de sair. Não é verdade! A verdade da nossa visão dali
estava indo para essas reuniões e culminamos na primeira passeata do dia 17 de abril, tinha
de Bombeiros, e, no entanto, a gente percebeu
de dentro, naquele momento, é que tinha um
ainda muitos poucos guarda-vidas, menos de
que determinadas mídias, a maioria delas, não
monte de carros do BOPE, em todas as portas,
100. E enquanto eles estavam ali caminhando,
contava a história inteira.
para entrar na manhã seguinte. No da 4 de
estavam tirando foto do pessoal. Tinha B2.
Se marcou aquela reunião pro dia 3 ou para
junho, às 6h15 da manhã aproximadamente,
Então, por causa dessas fotos, 36 guarda-vidas
comemorar a vitória ou para continuar o mo-
a gente percebeu que, por onde saísse aquele
que trabalhavam na praia começaram a ser
vimento. Então, no dia 3, tinha muita gente
caminhão do bombeiro, entraria o BOPE. E
transferidos para Caxias, Campo Grande, o
ali: bombeiros de Itaperuna, Cabo Frio, Barra
mais ou menos foi assim que aconteceu. Uma
que começou a provocar um esvaziamento da
Mansa, Nova Friburgo. Enfim, a sociedade já
manobra, na verdade! O que a mídia coloca? A
praia. Após um mês de tentativas de conversar
começava a chegar devagar, os estudantes…
Globo, que por muito tempo esteve junto com
com o governador, fomos ao Palácio do Catete.
e ai, naquele momento do dia 3, outras auto-
as idéias do Sergio Cabral, só mudou mesmo
Ele faltou à reunião. Fomos à Alerj… Nosso
ridades ficaram de ir ali e não foram. O bispo
quando a sociedade chegou em massa. Ai, ela
coronel também não queria nos ouvir. Quando
iria também e não foi. O Lindberg disse que
viu que não tinha mais o que fazer, começou a
vimos que esses 36 guarda-vidas foram de fato
iria também e não foi. O que a gente vai fazer
negociar e a falar um pouco dos dois lados, ser
tirados da praia, não vimos outra alternativa
agora… Estávamos ali com nossas mulheres,
menos parcial! A Globo colocava isso, que nós
do que fazer nossa primeira greve. A primeira
nossas crianças. Não havia intenção de guer-
impedimos o socorro de sair, que nós invadi-
greve que já existiu em toda a história do corpo
rear. Então nós entramos no Quartel Central
mos o quartel… Não só ela, como outras mídias,
Julho de 2011
13
Bombeiros também. O próprio O Dia também colocou
lá para a corregedoria de Nova Iguaçu, eu vi lá
outros militares de outros estados estavam
dessa forma. O Pimentel, que é representante
um cara que estava passando de moto, parou e
aderindo à nossa causa. Mais ou menos, essa
da PM, nos defendeu. A única palavra que ele
ajudou as famílias a entrar em contato. Houve
foi a história
coloca que eu não concordo é do invadir. Ele
uma adesão que foi linda de se ver. Teve, então,
coloca: “os Bombeiros invadiram”, ”têm que
essa idéia de demonstrar essa adesão com fitas
Leandro, você falou dos contrastes. De um
ser punidos individualmente”, é só nisso que
vermelhas, panos vermelhos, e isso virou um
lado é triste de se ver, como o governo trata
está o erro na fala dele, mas o tempo todo ele
movimento imenso, casas, carros com fitas ver-
vidas humanas que salvam outras vidas. Por
esta do nosso lado, concordando que nosso
melhas. E isso foi muito bacana. Foi ai que todo
outro, essa solidariedade com os bombeiros,
salário são realmente muito baixos, que, se
mundo se rendeu, foi ai que a mídia percebeu
sobretudo aqui no Rio de Janeiro, palco de
nós tivéssemos sido ouvidos antes, nada disso
que não adiantava ela falar, manipular, porque
muitas tragédias naturais, mas sobretudo
teria acontecido.
ela mesmo estaria se queimando. A sociedade
do descaso de alguns governos com a
inteira já estava com a gente. Foi ai que a gente
população em geral. Como você vê isso dos
Como tudo aconteceu?
conseguiu reverter isso politicamente. Até
fuzis do BOPE, de um lado, e, do outro, as
O BOPE entrou ali com fuzil, dando tiro, ta-
então eram presos muito mais políticos do que
flores, as fitas vermelhas da população,
cando gás. Nós tínhamos ali, conosco, uma
presos por estar indiciados por alguma coisa. A
levantando as reivindicações de vocês?
mulher grávida… a mãe de outro bombeiro
prisão foi política! Por diversas vezes foi tentado
Eu resumo, de uma forma muito simples: a
também faleceu, quando soube que o BOPE
o habeas corpus e chegava na hora vinha um
gente não vive em uma democracia. A gente
chegou e pegou o filho dela… Isso não está
“dedinho” lá de cima e vetava. Nesse momento,
vive na democracia teoricamente. A gente sabe
sendo muito passado. A RECORD a chamou
eles viram que estava todo mundo a nosso favor,
que o voto de cabresto ainda existe. O próprio
essa moça grávida, que perdeu o seu neném,
Bombeiros dos EUA pararam por uma hora
PRONACE que nós estamos recebendo, que é
e o resto da história é que os bombeiros foram
em solidariedade com a agente. Bombeiros de
uma gratificação que nós queremos que acabe,
levados, os 439, e isso foi bom porque deu mais
outros estados, religiosos de todas as religiões..
porque elas são eleitoreiras, a Dilma colocou
fôlego para o movimento. Bom por um lado,
judeus, pastores, católicos… No próprio dia da
que vai continuar com as gratificações, ou seja,
porque de fato causou um problema psicológico
manifestação, que foi a maior que já existiu de
muita gente votou nela porque? Para continuar
nas crianças. Eu acompanhei, vi crianças do
cunho estadual, no domingo dia 12 de junho,
ganhando sua gratificação. O Serra não falou
lado de fora chorando, vendo seus pais sendo
eu fiquei sabendo que teve um padre da Igreja
nada disso, dessa gratificação que nós ganha-
presos. Mas mesmo com a mídia colocando
Santa Rita que não deu a missa como ele dá
mos do PRONASCI. Enfim… isto faz parte do
isso dessa forma, com essa manipulação que
todos os dias as 10 horas da manhã, para que
nosso pleito: acabar com essas gratificações,
a gente conhece, querendo criminalizar o se-
as pessoa fossem para o movimento. Isso eu
que são eleitoreiras, podem ser momentâneas.
guimento e não o todo, dizendo que nós é que
achei muito bacana. Até porque ele é um padre
Queremos que isso vire salário, um salário
estávamos errados por fazer aquilo, ao invés
bombeiro. Então, foi assim: no dia 12 foi o maior
digno, que de fato dê para viver, que seja justo e
de tentar entender o real motivo, mesmo assim
movimento que já existiu no estado do Rio de
que nós tenhamos a dedicação exclusiva. Como
nosso prestígio foi maior. Os sindicatos, que já
Janeiro de cunho estadual. Tivemos ali todos os
eu disse, eu não posso ter uma outra matrícula.
conhecem o que é a mídia, não acreditaram
representantes que eu já disse, clubes de moto,
Como a gente pode ter só esse emprego? O que
naquilo que eles estavam dizendo, viram nossa
comunidades… O Rio ficou vermelho, foi muito
acontece é que todos têm os seus bicos. Não
luta. O pessoal que já é de luta até gostou. O
bonito ver. Os políticos que estavam a nosso
temos uma democracia, que se define pela
movimento em frente à Alerj foi crescendo,
favor, o Chico Alencar, o Ciro Garcia, o pessoal
soberania popular. Os nossos representantes e
enquanto os bombeiros estavam presos, e foi
do Conlutas, enfim, muita gente estava de fato
o governo deveriam estar primeiro tendo esse
chegando professor, que também está numa
lá, desde o inicio, nos apoiando. Na verdade,
diálogo com a população, que não aconteceu
condição terrível, com salário pior que o nosso.
todo esse movimento social foi importante para
com a gente nesses dois meses de tentativa. Essa
Também pararam, de greve, e se juntaram ao
que nós conseguíssemos a liberdade provisória
nossa entrada no Quartel Central aconteceu
movimento, em solidariedade com a gente a
no sábado. Não posso deixar de citar o Molón
simplesmente porque nós tentamos conversar
também por essa condição horrível de receber
e os outros dois parlamentares… Se não fosse
e não conseguimos. Já começa por ai essa falha.
menos de 700 reais. Então, estavam em frente à
dada a liberdade, aconteceria uma revolução
Eu acredito no seguinte: para que nós de fato
Alerj, os professores, os bombeiros, os policiais
muito maior. E ele colocou isso lá, no seu pedido
podéssemos dizer que vivemos em uma demo-
militares, os policiais civis, estudantes, sindica-
de liberdade provisória, que se não fosse dada
cracia, tinha que ter plebiscito todo mês. Todo
to, os cidadãos… Eu presenciei pessoas que não
a liberdade provisória aos bombeiros, iria
mês a gente tinha que estar decidindo alguma
pertenciam a nada, chegando para ajudar. No
acontecer uma revolução, estava próximo de
coisa. A gente diz que vive em uma democracia
próprio dia emque os bombeiros foram levados
acontecer uma revolução nacional, porque
desde 1984. Estamos em 2011. Quase 30 anos
14
Ano III • Número 5
Bombeiros depois, nós tivemos 2 plebiscitos em nossa his-
ali pensando em um dia sair dali. E, hoje,
tória. O povo só decidiu duas coisas dos nossos
depois de toda a nossa união, eu me sinto até
rumos, duas vezes pelo desarmamento, da
mais bombeiro, até questiono minha vontade
outra vez parlamentarismo, presidencialismo.
de sair dali um dia. Foi um movimento nosso
Então, assim, esse é o grande problema. Não é
muito do bem, de união, em nenhum momento
nem o que o governador, da sua cabeça, decide.
a gente estava contra o Corpo de Bombeiro.
Na realidade o povo não decide nada! Nós só
A gente estava ali tentando salvar o Corpo
decidimos quem vai decidir pela gente.
de Bombeiro. Eu lembro até que, quando a gente voltou de nossa primeira greve, de uma
Leandro, você já falou de certa forma disso,
semana, todo mundo ganhou um memorando.
mas você tem condição de mensurar o
Memorando é, traduzindo, uma pergunta que a
tamanho histórico que os bombeiros tiveram?
gente tem que responder por escrito. E a gente
No inicio do movimento, eu conseguia parar e
pode ser punido ou não. Perguntava porque a
olhar para aquelas pessoas na Alerj e falar para
gente faltou ao serviço? E todo muito colocou
alguns companheiros: na verdade, a maior vitó-
a mesma coisa: “estavamos salvando o Corpo
ria nossa foi essa gente botar a cara, porque isso
de Bombeiros”. E, de fato, foi o que aconte-
é uma coisa que começou com esse movimento
ceu. O Corpo de Bombeiros estava prestes a
e vai servir de legado para os próximos, poque
se quebrar. Para muitos Bombeiros, o Corpo
o direito de você se manifestar sobre qualquer
de Bombeiros estava como seu 2º emprego.
coisa que está errada, enfim, essa ditadura que a
ditadura mais do que outras classes, chegou
Eu, de certa forma, também, por mais que,
gente conseguiu, com esse movimento, quebrar
a nos unir. Nós tínhamos nos abraçado, todo
quando eu estou ali, eu faça tudo com muita
bastante, claro que ainda existe, mas agente
mundo antes, colocado ali no meio de uma
dedicação e muita responsabilidade. A gente
conseguiu quebrar bastante esse sistema de di-
oração que se um fosse preso todo mundo
não pode sobreviver com o que ganha ali, para
tadura em que ainda vivem os militares, de viver
seria e quando chegou lá o comandante o
começar. E isso entristece a gente. Acaba que a
em uma péssima condição e não poder falar,
nosso novo Comandante Geral, que já chegou
gente vai perdendo a vibração de estar ali. Esse
não poder nem se reunir. Você veja. Se no dia 17
com outro discurso, porque o governador viu
movimento deu uma chama na gente, ascendeu
de abril nós fomos fotografados porque estáva-
que essa forma de agir, de nosso comandante
novamente a chama de estar buscando nossos
mos caminhando, no final do movimento não
não nos ouvir, não funcionou! Colocou outro
ideais, de tornar aquilo ali uma casa digna, de
tem mais ninguém fotografando… Já passou
comandante já com outro posicionamento,
conseguir ter derrubado um coronel que não
tanto disso, acredito que daqui para frente isso
ele foi em todos os quartéis para nos ouvir,
escutava a gente. Isso tudo, a nossa união… O
vai acabar. porque toda vez que alguém for fo-
que é o que eu acredito que é uma liderança
ser humano tem uma qualidade: ele é muito
tografado, for punido, for transferido, isso vai
representativa e não ditatorial. Ele chegou lá e
solidário quando vê outro ser humano so-
voltar para a mídia. Já viram que, se fizerem de
nós colocamos isso para ele, se o senhor está
frendo. Mesmo que a sociedade tenha alguma
novo, a coisa vai crescer de novo. Então, eu acho
colocando que nos representa, coloca a verdade
inveja quando vê um outro ser humanos se
que essa é a grande conquista nossa, a grande
na mídia. Falamos para ele em um momento
dando bem, ela é solidaria quando vê um
mudança para os militares,. Serviu de exemplo
muito bonito: se esses bombeiros fossem puni-
outro ser humano se dando mal. Essa chama
para as Forças Armadas. A primeira vez que teve
dos, se fossem para a rua, que todo mundo iria
que reacendeu na gente. Se você quiser mudar
na história do Rio, que teve um movimento que
pedir demissão! E todos começaram a levantar
o mundo, você tem que mudar a si, começa
começou com os militares. Como eu disse, até
a mão dizendo que também iria no 3º Gemar, de
arrumando o seu quarto. Partiu da gente essa
então o medo era maior. Nós, quando entramos
Copacabana. Essa união foi muito importante,
união, de dentro da gente, e isso contaminou
ali, somos doutrinados a obedecer. A gente entra
primeiro, a partir da nossa união, para, depois,
outros seguimentos. Isso foi colocado por outro
ali e fica escutando de pé um dois, sentado um
ir para união da sociedade.
segmentos de luta, professores, diversos outros.
dois, fica levantando e sentando como em um
Eu, na verdade, nunca curti muito o militaris-
O SEPE colocou que nossa luta abriu as portas
processo mesmo de domesticação… Como diz
mo. Na verdade, muitos outros guarda-vidas
para que os professores pudessem entrar e le-
o Foucalt, de “adoçar” os corpos.
queriam mesmo que o bombeiro deixasse de
vantar a cabeça novamente, ao invés de estar
ser militar. Eu estou ali porque eu gosto muito
triste, de cabeça baixa com suas condições.
E agora,?
de salvar vidas, amo a natureza. Nunca gostei
Serviu para lembrar para vários seguimentos
Nós não iríamos parar enquanto os bombeiros
de ter que cortar cabelo, ter que fazer barba,
que devemos levantar a cabeça e lembrar que
estivessem presos. Até o fato de vivermos nessa
acho isso um saco. A verdade é essa. Eu entrei
não devemos ser explorados!
Julho de 2011
15
Bombeiros I Entrevista I
Os deputados do PSOL Marcelo Freixo e Janira Rocha falam do movimento que sacudiu o Rio de Janeiro Entrevistado: Marcelo Freixo
As reivindicações são justas? A proposta original era a elevação do piso salarial
Como você avalia as ações do governo
de R$ 950,00 para R$ 2. 000 e a garantia do vale
diante deste movimento? Houve erros?
transporte. O Rio de Janeiro tem o pior piso líqui-
Um desastre. Cometeram todos os erros. O go-
do do Brasil. As condições de trabalho também
verno agiu de forma autoritária e arrogante. O
são aviltantes. Os guarda-vidas, que trabalham
que antes era uma simples pauta salarial do
por toda a orla, não recebem, com regularidade,
Corpo de Bombeiros, hoje é uma luta que en-
protetor solar e nem todos possuem nadadeiras
volve toda a sociedade. O movimento começa
para efetivar um salvamento se necessário. As
no fim de março, com pouco mais de 30 guar-
péssimas condições de trabalho também atin-
da-vidas rondando a Assembleia Legislativa do
gem os bombeiros que trabalham nos aeropor-
Rio de Janeiro e pedindo ajuda aos deputados,
tos, pois nem as suas lanchas estão em condições
pois não conseguiam ser recebidos pelo Co-
de uso. O governo gasta com despesa de pessoal
mandante da Corporação. Por muitas vezes,
apenas 27% de sua receita líquida. O limite pru-
representantes do governo afirmaram que não
dencial diante da lei de responsabilidade fiscal
negociariam com praças (cabos e soldados).
é de 46%. Isso significa que, no último ano, o
Esse movimento cresceu de forma surpreen-
Rio deixou de gastar 7 bilhões de reais com seus
dente e começou a ganhar forte simpatia da
servidores. São Paulo gasta 38% e Minas 31% de
sociedade e de todos os outros servidores pú-
suas receitas líquidas com os servidores. Outro
blicos. A ocupação do Quartel Central do Cor-
ponto importante diz respeito as isenções fiscais
po de Bombeiros, na noite do dia 3 de junho,
de grandes empresas. Nos últimos quatro anos
foi o marco mais importante dessa luta. Mais
do atual governo, o Rio cedeu 21 mil isenções
uma vez, o governo cometeu todos os erros. No
fiscais, o que significou deixar de arrecadar 50
lugar de enviar algum secretário que pudesse
bilhões de reais. Essa artimanha fiscal acabou de ser considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Fe-
iniciar uma negociação e permitir um desfecho pacífico, fez opção pela ação do Batalhão
Morro do Bumba e na tragédia da Região Ser-
deral. Só a poluente Companhia Siderúrgica do
de Operações Especiais (BOPE), que agiu com
rana. Em todos esses momentos, os bombeiros
Atlântico deixou de pagar aos cofres públicos do
forte truculência contra os bombeiros, suas
foram protagonistas das imagens mais emo-
Rio 650 milhões de reais. Sendo assim, podemos
mulheres e seus filhos. Por pouco não registra-
cionantes que assistimos. São esses mesmos
concluir que a gentileza que o governo Cabral
mos uma tragédia sem precedentes.
bombeiros que, lutando por melhores salários
oferece ao capital privado é diretamente propor-
e condições dignas de trabalho, foram chama-
cional a truculência com que trata os servidores.
Você acha que esta é uma mancha no
dos de “vândalos” e “irresponsáveis” pelo go-
governo Sergio Cabral? Por quê?
vernador do estado. A passeata de domingo,
Marcelo, o movimento dos bombeiros é um
Sem dúvida, esse episódio provoca grande
dia 12 de junho, em Copacabana, não deixou
marco histórico para o Rio e para o Brasil.
desgaste na imagem do atual governo. O Cor-
dúvida de que lado a população está. Mais de
O que muda depois deste movimento?
po de Bombeiros é a instituição mais querida
70 mil pessoas se vestiram de vermelho e to-
Os bombeiros estão servindo de exemplo para
pela população. Não são poucas as crianças
maram a orla. Panos vermelhos em todas as ja-
muitos cariocas. A capacidade de organização,
que guardam nos seus sonhos o desejo de se-
nelas e fitas vermelhas espalhadas pela maioria
a solidariedade entre eles, o diálogo com ou-
rem bombeiros quando crescerem. No próprio
dos carros na cidade. Difícil avistar um táxi que
tras categorias, a integração com a sociedade
governo Cabral, o Rio de Janeiro viveu dramas
não venha com uma fita vermelha tremulando
e, principalmente, a coragem para enfrentar as
marcantes, como o deslizamento em Angra, no
ao vento. O governo balançou.
ameaças do governo não serão esquecidos. Há
16
Ano III • Número 5
Bombeiros Entrevistada: Janira Rocha
tempos não víamos no Rio de Janeiro um movimento de tamanha expressão. Ainda é cedo para saber se esse movimento se tornará nacio-
Janira, como começou o movimento e como
nal. Neste momento ainda vivemos a incerteza
você estabeleceu contato com os bombeiros?
do que vai acontecer aqui no Rio. Hoje, tão im-
Na verdade eu estabeleci contato através do twit-
portante quanto a luta salarial, vivemos a neces-
ter. Eles começaram a pedir pelo twitter que os
sidade de conseguir a anistia para todos os 429
deputados apoiassem a luta deles e informando
bombeiros presos no episódio da ocupação do
as atividades. Eu, na verdade, entrei na primeira
quartel. Nenhum bombeiro aceitará qualquer
manifestação em que fui. Foi quando o Cabral
aumento ao preço da demissão de um colega.
estava com a Dilma no Teatro Municipal e eles (os
A mobilização em prol da anistia pode acirrar o
bombeiros) fizeram uma manifestação na frente
movimento no Rio e facilitar sua ampliação por
do teatro. Eu me lembro que estava chovendo
todo o território nacional. As semanas finais do
demais. Comecei a participar. Até antão eu não
mês de junho serão decisivas.
conhecia ninguém. Trocava muito twitter, muito email, tudo pela internet.
No relatório da CPI das Milícias você defendeu o desarmamento dos bombeiros.
A partir de que momento você percebeu
Foi dificil fazer este debate no movimento
que o governo não iria negociar e que
dos bombeiros? Quais foram as
o movimento iria se radicalizar?
dificuldades? Como eles encararam isso?
Bom (risos), antes mesmo de entrar no movimen-
O Brasil talvez seja o único país no mundo,
to, eu sabia que o governo não iria negociar. E, na
onde os bombeiros são militares. Na maioria
medida em que eu fui conhecendo o movimento,
dos países, realizam o trabalho da Defesa Civil,
enfim… Na verdade, eu não achava que o mo-
fora da esfera da Segurança Pública. O grande
mais amplo. Buscamos diálogo com outros par-
vimento iria se radicalizar, até porque, todas as
problema da militarização do Corpo de Bom-
lamentares dos mais diversos partidos e contri-
manifestações deles, eles colocam muito isso, que
beiros é que, por serem militares, passam a ter
buímos, de forma decisiva, para a formação de
é uma manifestação tranquila, pacífica, ordeira,
porte de arma. Em nenhuma circunstância o
um bloco de apoio à luta dos bombeiros.
e eles têm um elemento religioso bastante forte.
bombeiro, para realizar o seu serviço, necessita
Não exatamente religioso, mas uma mística. Eles
de uma arma. Os bombeiros só usam suas ar-
Você é historiador de formação. Dá
têm uma mística espiritual. Religioso seria se
mas quando não trabalham como bombeiros.
pra medir a dimensão histórica do que
fosse evangélico ou católico ou outra religião. Eles
O achatamento salarial e as péssimas condições
está acontecendo no Rio de Janeiro?
constituiram uma unidade muito forte através
de trabalho fazem com que os bombeiros utili-
É difícil fazer essa avaliação vivendo o momento
das orações.
zem suas armas para realizar o que aqui chama-
intenso dessa luta. Ainda não foi possível olhar
Então, não é uma característica de um movimento
mos de “bico”, ou seja, o serviço de segurança
com distânciamento para o que está acontecen-
violento. Muito pelo contrário, sempre nas ati-
privada clandestina. Essa é a grande razão para
do. Na verdade nem sabemos ao certo onde isso
vidades deles, chamavam familiares, crianças.
a forte resistência à desmilitarização. Agora não
tudo vai parar. Se conquistarmos a anistia, me-
Então, não tinha uma característica de um mo-
é hora desse debate, pois temos que garantir a
lhores salários e condições dignas de trabalho,
vimento violento. O que eu acho que existe é que
anistia e as conquistas salariais.
sem dúvida, estaremos diante de uma das maio-
as condições objetivas deles são muito violentas.
res vitórias de um movimento social na história
É uma corporação, um grupo, de pessoas que
Você e a deputada Janira Rocha tiveram uma
do Rio de Janeiro. O mais incrível é que isso terá
estão sempre muito no limite para salvar a vida
ação destacada. Qual foi a importância do
vindo de onde menos esperávamos, de uma
de outras pessoas. São pessoas que arriscam suas
PSOL e da bancada do partido nesta luta?
categoria militar, com seus códigos de conduta
vidas para salvar a vida de outras pessoas. Têm
A deputada Janira Rocha só surpreendeu aque-
oriundos da ditadura. Sempre sonhei com um
um grau de doação muito grande.
les que não a conheciam. Hoje é a deputada
movimento social forte e que fizesse o Rio ficar
Essa contradição começou a ser muito forte. E esta
com maior identidade junto à tropa. Nada mais
vermelho. Nunca imaginei que isso fosse feito
contradição começou a fazer uma cobrança a eles
justo. O PSOL teve um papel importante no diá-
pelo Corpo de Bombeiros. Parabéns a essa tro-
mesmos. O que radicalizou o movimento não foi
logo entre a tropa e a Assembleia Legislativa. Ti-
pa que, agora mais do que nunca, vai alimentar
a intenção. Pelo contrário, eles tinham intenções
vemos a capacidade de compreender que essa
o sonho futuro de muitas crianças. Como eles
pacíficas, a todo o momento eles demonstram
não seria uma luta partidária e sim algo muito
dizem: “nenhum passo daremos atrás”.
isso. Eles continuaram salvando as vidas nas praia,
Julho de 2011
17
Bombeiros continuaram apagando os incêndios, continuaram
na televisão mostram isso. E entraram com as
Tinha um outro tipo de gás que fazia as pessoas
dentro das UPAS prestando socorro., Em nenhum
esposas, com os filhos, sem nenhuma intenção
vomitarem Muita gente fugiu para fora do quar-
momento deste processo eles negaram o trabalho
violenta. Voltaram para casa. É, tinham ali como
tel! Mas esses 439 ficaram, em nenhum momento
deles à população. Eles se mantiveram firmes ali.
sua casa, seu quartel. Durante essa etapa, no
recuaram! A confusão foi tão grande lá dentro que
Eles se mobilizaram através das folgas.
momento em que estavam lá dentro, a indicação
o choque teve que abaixar os escudos, teve que
Então, a radicalização não veio de uma intenção
deles era que o comandante do Corpo de Bom-
parar. O comandante Mário Sergio teve que me
política. A radicalização veio de condições ma-
beiros aparecesse para conversar com eles, o que
buscar de novo para negociar com ele, porque os
teriais, objetivas.
em nenhum momento aconteceu. O desgraçado
439 não iriam sair! Podiam atirar no peito, diziam,
do comandante caiu, mas não conversou com a
não iriam sair!
Como foi o episódio da invasão do Bope
tropa. Então, lá dentro, foi isso que aconteceu.
Depois de muita emoção de todos eles, definiram
ao Quartel Central e quem estava lá?
E ai começou um processo de pressão vindo
que só sairiam como homens, se eles pudessem
Na verdade, esse processo começou com as
de fora, do comando exigindo que eles desocu-
formar enquanto tropa cantando o hino da corpo-
primeiras prisões, ordens de prisão que tinham
passem o quartel. Eles diziam que não, que o
ração. Cantaram, então, o Hino Nacional, dando
acontecido quinze dias antes. Houve ordens de
quartel era deles, era a casa deles, que só sairiam
uma volta dentro do quartel. Depois, o cabo Da-
prisão para os dirigentes do movimento. Essas
se conversassem com o comandante deles. O
ciolo passou a tropa para o comandante Mário
pessoas foram presas. Dpois houve um processo
comandante não apareceu. Algumas pessoas se
Sergio e foi algo muito emocionante! Saíram como
de negociação na Assembleia Legislativa.
desmobilizaram, foram indo embora, até que à
militares. Eles se renderam enquanto tropa. O
Por iniciativa da ALERJ, nós deixamos um canal,
noite, as ameaças começaram a ser mais graves.
comandante Mário Sergio teve que bater conti-
tentamos construir um canal paralelo entre o
A Policia Militar, sob o comando do comandante
nência para o cabo Daciolo, teve que bater con-
movimento e o governo. A posição do governo
Mario Sergio, fechou as portas, colocou caveirões
tinência para a tropa, recebê-los enquanto tropa.
era de se fechar, de não patrocinar nada, Existia
do lado de fora. Eles colocaram, então, os cami-
E foi assim que eles foram presos. Algo realmente
um esforço paralelo dos deputados para achar
nhões do Corpo de Bombeiros do lado de dentro,
muito emocionante, muito sério! Não teve nin-
uma forma de ter os recursos, para poder chegar
para evitar a entrada dos caveirões. Ali começou
guém no quartel esse dia que não chorasse. Pena
às reivindicações, mas isso não era uma posição
um processo de tensão, até que o Bope invadiu
que não tinham mais testemunhas… e isso aqui
oficial do governo, era uma posição da casa. O
pela parte de trás, já atirando, já jogando bomba,
eu recolhi lá dentro, pra mostrar em casa, para
dia 3 era para ser um ato ecumênico. Tanto é que
dando tiro de bala de borracha, tiro de fuzil.
mostrar para a imprensa (referindo-se a vestígios
foram chamadas várias personalidades, vários
Foram dados muitos tiros de arma letal. Vimos
de bomba e cápsulas de fuzil em suas mãos).
deputados, senadores, dos diferentes partidos.
vários carros perfurados, paredes furadas.
Aquela ação foi algo muito violento, agressivo,
Houve um comentário por uma repórter, de
Teve também a contradição das próprias tropas,
desproporcional. Realmente foi um milagre que
que nesse dia a Dilma estaria aqui, no Rio, com
porque o contingente do choque, que estava lá
hoje não tenhamos uns 10 mortos! Eu não sei te
o Sérgio Cabral, e que o governador teria sido
dentro para fazer a desocupação, se recusou.
dizer como. Eu estava lá dentro, vi tiros passar
abordado por uma repórter que comentou que
Vários policiais do choque foram presos porque
perto de mim, vi gente do Bope atirando em cima
“os bombeiros estavam na rua caminhando”, e
se recusaram a prender e jogar bomba e a dar
do Valdelei, que é uns dos dirigentes. Eu não sei
perguntou o que ele faria a respeito? Ele disse,
tiro em cima das pessoas. Mesmo no Bope, que
explicar como não tem 10 mortos pelo menos. É
então, desrespeitosamente, que “caminhar fazia
é uma tropa letal, houve muita gente do Bope
só olhar no site do SOS Bombeiros e ver as filma-
bem a saúde” e que os bombeiros continuassem
chorando, teve muita confusão, os bombeiros
gens que eles conseguiram fazer, que gente lá de
caminhando. Isso desembocou no processo de
que estavam de serviço, os oficiais que estavam
dentro fez depois.
manifestação que acabou indo ao quartel.
lá dentro fardados entraram também na frente do
Nesse dia, eles foram decididos a falar com o co-
Bope para não permitir que eles continuassem
Eles se organizam de forma diferente. Não têm
mandante deles, comandante Pedro. Chegando
atirando sobre as mulheres, sobre as crianças.
experiência sindical, se organizam de uma
lá, o comandante não apareceu, as pessoas esta-
Teve um setor do Bope que jogou bomba em cima
outra forma, que percebemos ser algo novo.
vam com os ânimos radicalizados em função dos
de criança. Isso fez com que os próprios ofiviais
Você notou essa diferença, como é isso? Você
comentários do governador e lá no meio começa-
bombeiros que estavam no quartel fardados
acha que tem a ver com o fato de ser militares,
ram a pressionar a própria direção do movimento
entrassem na frente, não permitindo que o Bope
a questão da disciplina, que eles têm?
“ocupa, ocupa, ocupa”. E ai então se ocupou.
continuasse. Eu vi gente do Bope atirando em
Tem a ver com a disciplina, mas não tem a ver com
cima de liderança!
a hierarquia. Porque o dirigente desse movimento
O choque se recusou a reprimir?
Na verdade, esses 439 são verdadeiros heróis!
é um cabo
É, a polícia saiu da frente, eles entraram, foram
Porque muitas pessoas saíram, por terem levado
O grande elemento diferenciador deles é a mís-
lá pra dentro quase 5 mil pessoas. As imagens
tiros, por não aguentar o gás lacrimogêneo…
tica. Somaram conosco. pessoas do movimento
18
Ano III • Número 5
Bombeiros social. Smaram com a política. Juntou a discipli-
Copacabana, havia mais de 100 mil pessoas. Não
na, a mistica que eles têm, que eu só conheço
era uma mobilização de bombeiros, de profes-
igual no movimento dos trabalhadores sem
sores e da saúde, como a imprensa quer passar.
terra. Eles têm uma mística muito próxima dos
Era o povo carioca, o metrô largava gente de ver-
trabalhadores sem terra.
melho, todas as janelas da orlas tinham lá o pano
O bombeiro é incontestável. Não existe um
vermelho de apoio. A última mobilização como
prédio, não existe uma estrutura burocrática
essa que eu vi foi o dia de preto do Fora Collor
entre a população e o bombeiro. O bombeiro é a vida. Arrisca a própria vida por isso. O caráter
O Rio de Janeiro é o estado da Copa e das
do serviço que ele presta, o grau de doação que
Olimpíadas e tem um crescimento acima
ele tem que ter para prestar esse serviço com o
da média nacional. O que muda no estado
risco da própria vida, a mística, a disciplina… Ai
e no Brasil depois desse movimento?
juntou com um elemento de política e o “negó-
Qual sua importância histórica?
cio” ficou bom!
Uma das coisas que esta sendo muito falada é de que o Rio de Janeiro é a ponta de um processo
Nas respostas anteriores isso já foi
de crescimento econômico que é alardeado pelo
parcialmente respondido, mas gostaria
governo e saudado pelos organismos internacdio-
de insistir, você se tornou uma das
nais por estar conseguindo cumprir esse papel
principais parlamentares do movimento.
de superar uma crise, que não é brasileira, é uma
Você acha que isso se deu por quê?
crise ecomomica mundial, mas o Brasil passou
Eu acho que é porque eu não fui parlamentar no
por essa crise e conseguiu ser uma referência na
sentido da palavra parlamentar. O parlamentar
América Latina, e busca, está atraindo investi-
é o cara que chega de salto alto, faz um discur-
mentos internacionais do vulto para esses me-
so, bate um pouco nas costas das pessoas vai
gaeventos internacionais. Mas, mais do que isso,
embora e depois espera ser acionado dentro
significa 60 bilhoes de reais nos próximos 6 anos.
da Alerj, espera apresentar alguma proposta,
Mas o Rio hoje conta com investimentos como a
votar alguma coisa a favor… mas o parlamen-
CSA, o complexo do Açu, vários empreendimen-
tar geralmente não enfia a “mão” na lama. O
tos econômicos na ordem de 380 bilhoes de reais.
parlamentar é mais superestrutural. Como eu
Então, hoje, o Rio é a ponta de desenvolvimento
sou uma parlamentar do movimento sindical e
do capitalismo brasileiro. Isso é feito sob a forma
do movimento social, eu não sei fazer isso. Eu
Qual foi o papel das esposas no movimento?
de um pacto federativo entre os governos federal,
ainda não aprendi e espero não aprender. Me
Muitas mulheres ficaram lá dentro do quartel.
estadual e municipais, os três poderes, a grande
convidam para uma mobilização. Quando eu
Muitas mulheres foram presas com seus mari-
imprensa, o conjunto da instituições. Mesmo do
chego na mobilização a minha cabeça começa
dos. elas inclusive se coloram como escudo. Eu
ponto de vista da política, eleitoralmente falan-
funcionar como se eu fosse dirigente daquela
vi mulher, assim, na hora mesmo que o Bope
do da Heloisa não ter vindo candidata, o fato da
luta. Então, quando eu chego ali, eu vou mape-
estava entrando, fazendo um escudo de mulhe-
Marina ter vindo com um programa mais conser-
ando aquilo que vejo como debilidade e ai vou
res no portão dianteiro. É que eles entraram por
vador, teve 20% dos votos, acabou se tornando
me aproximo das lideranças e começo a trocar
trás. As mulheres se propuseram, se colocaram
uma referencia, uma alternativa, mas, do ponto
com elas. Entro no quartel, entro na frente das
na frente! Na hora que muitos homens saíam
de vista da política, não rompe significativamente
bombas e enfio o dedo na cara do coronel,
presos, elas davam o braço e iam junto, a PM
com isso. Os bombeiros fizeram isso. Ao colocar
coloco toda a minha estrutura, dou meu tempo,
querendo separar. Estiveram presentes, tiveram
a população na rua pra dizer para esse projeto:
choro junto, sorrio junto, abraço,. como no
um papel fundamental.
“peraí”, não é assim tão monolítico, tem que distribuir alguma coisa!
mesmo prato. Eu viro companheiro:“é deputada mas é companheira”, diz parte da tropa.
Com a libertação dos bombeiros e a
Eles mostram para todo o movimento social que
Eles dizem que eu sou a 440, eles me chamam
passeata gigantesca de Copacabana, qual
esse bloco não é tão intocável quanto se pensa.
de 440. Eles veem uma mulher, uma deputada
são os próximos passos do movimento?
O Rio de Janeiro não é qualquer estado, é a ponta
que normalmente estaria de salto alto, e eles
Eles reafirmaram suas reivindicações: piso
de lança de um novo bloco e os bombeiros estão
passam a respeitar por ver quem esta junto, que
líquido de R$2. 000,00, vale transporte, anistia
mostrando que existe espaço político para mudar
esta ombro a ombro com eles.
tanto criminal, quanto administrativa. Em
essa situação.
Julho de 2011
19
Greve da Educação I Entrevista I
De braços dados com a exigências de melhorias nas condições de trabalho e do atendimento à população “Precisamos organizar grandes lutas nacionais para que a riqueza produzida pelos trabalhadores seja utilizada na garantia de direitos como saúde, educação, moradia, transporte e emprego.” Entrevista: Beatriz Lugão, professora
educação, tem no povo do Estado do Rio seu
e diretora do SEPE
principal aliado. Nossas reivindicações salariais devem andar de braços dados com a exigências
Você tem grande experiência no movimento
de melhorias nas condições de trabalho e do
de profissionais da educação.
atendimento à população.
Qual foi a última vez que assistimos a
Você acha que essa unidade dos servidores
algo desse tipo no RJ? Qual é a dimensão
ganha mais força e, a partir desta demonstra-
desse movimento para os trabalhadores
ção, pode repercutir no movimento sindical
e servidores do Rio de Janeiro?
em nível nacional?
Beatriz Lugão: Tento lembrar os inúmeros
Beatriz Lugão: Todo Brasil assistiu atônito à
atos e ocupações que a educação fez ao longo
prisão de 439 trabalhadores. A solidariedade se
desses anos. Ocupamos a A lerj, o palácio
estendeu a outros estados e tivemos a presença
Guanabara, a Seeduc, a Câmara de Vereadores,
Beatriz Lugão: O movimento dos bombeiros
de parlamentares, lideranças sindicais, artistas,
acampamos por mais de uma semana na Rua
é importante para mudar a lógica do Governo
enfim, um amplo leque de apoio fora do estado do
das Laranjeiras, nas escadarias do Palácio
Cabral de não negociar. Isso ajuda a luta de
Rio. Tudo acontecendo no mesmo momento em
Guanabara, fizemos assembleias com 20 mil
todos os setores do funcionalismo público.
que diversos setores no país inteiro se mobilizam
professores no Maracanazinho. Mas, talvez, um
Também coloca em cheque a militarização da
e fazem greve. Mas é necessário que essas greves
paralelo com o movimento dos bombeiros, pelo
corporação e a política do Cabral de substitui-
se articulem para ter chances reais de mudar a
que significa, já que são militares, acho que po-
ção do pessoal do SAMU pelos bombeiros. Essa
política de destinar a maior parte do orçamento
deria ser feito com a greve da categoria em 1979.
discussão aflora em todos os segmentos que
do país, dos estados e dos municípios para pa-
Não participei desse movimento, pois não era
apoiam essa luta. Com certeza os bombeiros não
gamento da dívida. Hoje o orçamento nacional
professora ainda. Foi um movimento inédito,
serão os mesmos depois desse movimento. Nem
prevê 44,93% (635 bilhões) para pagamento de
por ser a primeira greve do setor no governo
a polícia militar, nem os outros segmentos do
juros e amortização da dívida. Essa lógica se
Chagas Freitas, ainda sob a ditadura militar.
funcionalismo. Podemos resgatar o Movimento
repete nos estados e municípios. Precisamos or-
Lideranças do Sepe foram presas e o sindicato
Unificado dos Servidores Públicos Estaduais,
ganizar grandes lutas nacionais para que a rique-
teve suas portas lacradas. Só reabrindo em 1983.
o MUSPE, de forma mais sólida e amadureci-
za produzida pelos trabalhadores seja utilizada
A partir daí, a organização de nossa categoria
da. O imenso apoio que a população deu ao
na garantia de direitos como saúde, educação,
só cresceu e conquistamos o direito de sindica-
bombeiros é resultado dos serviços prestados
moradia, transporte e emprego. Os educadores
lização na Constituição Federal.
pela corporação, em particular nesses últimos
organizam hoje um movimento nacional em
O movimento dos bombeiros teve manifesta-
3 anos. A atuação dos bombeiros no resgate
defesa da aplicação de 10% do PIB. O movimento
ção de solidariedade ativa de diversas catego-
das vítmias das tragédias de Angra, Niterói/
sindical combativo precisa sair da pulverização
rias, os profissionais da educação deflagraram
São Gonçalo e Região Serrana está fortemente
em que se encontra hoje para ser capaz de levan-
greve e tiveram participação no movimento. O
marcada nos corações e mentes da população.
tar essas bandeiras. Acho que o movimento dos
que muda em relação ao funcionalismo depois
Isso prova mais uma vez que o funcionalismo
bombeiros pode ajudar na compreensão dessa
desse movimento?
público, em particular os setores da saúde e da
necessidade de atuação em conjunto.
20
Ano III • Número 5
Estudantes
PUCRS: o renascimento do movimento estudantil democrático
PUCRS. Junho, 2011. Eleições para re-
Neste mesmo dia, 8 de junho, 15 estudan-
vereador de Porto Alegre Mauro Zacher (PDT).
presentantes da Universidade para o
tes resolveram iniciar um acampamento em
Perpetuaram-se através de fraudes eleitorais,
frente à sede do DCE. O protesto era para
controle de Centros Acadêmicos, agressões e
chamar a atenção para a nova fraude eleitoral
ameaças a oposição. A conivência da Reitoria
estava habilitado como comissão eleitoral.
estabelecida. Nesta noite começou a mudar a
da PUCRS foi um dos fatores determinantes
Quatro chapas inscritas e três impugnadas.
história do movimento estudantil da PUCRS,
que permitiram esta situação.
52º Congresso da UNE (Conune). O DCE
Somente a chapa ligada a atual gestão fora
estagnado há muitos anos por uma verdadeira máfia estudantil.
aceita para a disputa dos 26 delegados da PUCRS para o Conune. Duas estudantes de
Após uma semana de intensas mobilizações, em que milhares de estudantes estiveram envolvidos, o Conselho Universitário
#democraciarealja
da PUCRS, em reunião extraordinária e his
Os ventos da democracia que varreram
tór ica, estabeleceu a seguinte resolução: “A
ditaduras no norte da África e que sacodem
Universidade deixará de reconhecer a legi-
solicitar esclarecimentos. Receberam xinga-
as praças e ba i r ros espa n hóis sopra ra m
timidade de representação da atual direção
mentos e empurrões dos membros do DCE.
suas primeiras brisas no Brasil. Esta mos
do DCE a partir de 01/12/2011, caso não seja
diante da queda do Muro de Berlim desta
realizada eleição para o Diretório Central dos
Universidade. Após 20 anos, o DCE da PUCRS é
Est udantes da PUCRS em novembro de 2011,
controlado por um grupo político liderado pelo
com posse dos eleitos em 01/01/2012”.
duas chapas impedidas de participar foram
Foram literalmente escurraçadas da sede da entidade que deveria representá-las.
Julho de 2011
21
Estudantes Na PUCRS, o M89J acampou em frente ao DCE, realizou marchas de centenas de estudantes, trancaram a avenida Ipiranga por três oportunidades, provocaram a opinião pública, as autoridades e conseguiram descolar a Reitoria do DCE da PUCRS. Com criatividade e irreverência, os estudantes do M89J aceleraram os tempos da história da PUCRS. Fizeram o funeral do DCE, Festa Junina em que aconteceu a “separação” na roça do DCE e da Reitoria, distribuíram milhares de panfletos na PUC e voltaram a fazer política Os estudantes que fizeram oposição durante as últimas duas décadas são todos res-
nas salas de aula – atividades expressamente proibidas pela Reitoria.
calar. Até o Vaticano manifestou preocupação e deu respaldo à Reitoria. A Secretaria de
ponsáveis por esta conquista. Em 2004, oito dias de acampamento, brigas físicas, debates
A Reitoria da PUCRS já não podia mais se
“Quem não pula é da máfia”
televisivos, intervenção judicial e policial,
Os estudantes do M89J souberam articular
investigação da Assembleia Legislativa deter-
uma ampla rede de apoios. Desde o movimento
minaram uma importante derrota da máfia.
estudantil com a pronta participação do DCE
Direitos Humanos da Presidência da República convocou a PUCRS a prestar esclarecimentos sobre as agressões. O M89J nasceu, cresceu e se fortaleceu. Na
A contribuição compulsória para o DCE de
nova eleição organizada para representantes
R$3,00 descontada no boleto de cobrança da
para o 52º Conune, a chapa organizada por
mensalidade de todos os estudantes foi sus-
integrantes do movimento obteve 17 dos 26
pensa. A maior parte da fonte da receita que
representantes, mesmo em meio ao feriado
sustentava o grupo de Zacher secou.
de Corpus Christi e na semana final de provas do semestre, numa votação democrática com
Do dia 8 para 9 de junho
mais de 1500 votantes, algo que não era visto na PUCRS desde o fim dos anos 1980.
Desde então outras manifestações aconteceram, novos grupos de oposição se formaram. Porém, nenhum nestes anos obtiveram a repre-
“Desculpem os transtornos:
sentatividade que hoje possui o Movimento 89
estamos em mudança”
de Junho. Esta nomenclatura foi criada, já que
Depois de tudo, os estudantes da PUCRS ainda
na noite de 8 para 9 de junho aconteceu a pri-
tem muito pela frente. A eleição livre e democrática
meira noite da retomada dos protestos contra
da UFRGS, da UFCSPA, da FAPA, estudantes
para o DCE ainda precisa ser definitivamente con-
o DCE. Não à toa o dia do início do movimento
formados na PUCRS e tantos outros.
quistada. Porém, os tempos já são outros. A máfia
se tornou o seu nome. Assim é na Tunísia o 25
Vereadores de Porto Alegre como Fernanda
nunca esteve tão fragilizada. Estão em brigas internas
de Janeiro, movimento dos que derrubaram
Melchionna e Pedro Ruas do PSOL, a Presidente
no PDT, perderam o respaldo da Reitoria, respondem
o ex-ditador Ben Ali. Em Portugal, a Geração
da Câmara Municipal Sofia Cavedon e Carlos
a processos administrativos sujeitos à expulsão da
à Rasca construiu a maior marcha de jovens
Todeschini do PT, logo manifestaram apoio e
PUCRS, não tem base de apoio entre os colegas da
desde a Revolução dos Cravos de 1974, no
se postularam como mediadores do impasse
Universidade, não possuem mais a articulação de
último dia 12 de Março, criando assim o 12M.
junto à Reitoria.
outrora com torcidas organizadas para coagir a opo-
Já o 15M espanhol é alusivo ao dia 15 de Maio,
A bancada do PT na Assembleia Legislativa
data em que o movimento Democracia Real
aprovou apoio ao movimento. A União Nacional
sição. Estão na defensiva. Buscando fugir do último suspiro. Correm contra o tempo.
Ya iniciou o acampamento de uma semana na
dos Estudantes manifestou seu repúdio as agres-
A derrota da máfia não é uma marcha linear e
Praça Porta do Sol em Madrid. Uma nova leva
sões, que se repetiram no dia 15 de junho, dia da
inexorável. O próximo semestre precisa ser de novos
de lutas que percorre o planeta. De maneira
“eleição” organizada pelo DCE, que havia impug-
atos, de criatividade e muita disposição. É hora de
fragmentada, dispersa, mas que busca sua
nado todas as chapas da oposição. As mesmas
transformar o M89J na força e na voz de milhares e
identidade comum. A democracia e a luta por
estudantes, Paola Piumato e Tábata Silveira,
milhares de outros estudantes da PUCRS. O melhor
outro futuro move povos do Magreb a Porto
foram novamente agredidas, agora com mais
é que agora, já aprenderam o caminho difícil e ne-
Alegre, passando pela Europa e pelos EUA.
violência pelos mesmos covardes do dia 8.
cessário das transformações.
22
Ano III • Número 5
Código Florestal I Entrevista I
O projeto aprovado na Câmara é um modelo de desenvolvimento rural insustentável social e ambientalmente Entrevistado: Ivan Valente, deputado federal PSOL/SP
para retirar do texto os pontos incluídos na emenda 164. Isso resolveria o problema? Ivan Valente – De forma alguma. A emenda 164
Socialismo e Liberdade – Em maio, a
consolida a ocupação das Áreas de Preservação
Câmara dos Deputados aprovou o novo
Permanente (APPs) com atividades agrossil-
texto do Código Florestal, que agora
vipastoris e ecoturismo e autoriza os Estados
está sendo debatido no Senado. Na sua
a participar da regularização ambiental. A
avaliação, quais as consequências desta
emenda, no entanto,
mudança aprovada na Câmara?
só piorou o texto original, aprovado com o
Ivan Valente – Caso as mudanças aprovadas
apoio do líder do governo na Câmara. Ao
na Câmara passem sem alteração pelo Senado
contrário do que a base do governo tem dito,
e sejam sancionadas pela Presidenta Dilma, o
o texto aprovado, mesmo sem a emenda 164, já
país terá concedido uma verdadeira licença
autorizava novos desmatamentos. Isso porque
para desmatar. Somado à emenda 164, apresen-
o relatório Aldo Rebelo permite o computo
tada pelo PMDB, o relatório do deputado Aldo
das áreas de Reserva Legal e APPs, ou seja,
Rebelo, aprovado por 410 votos a 63, autoriza
permite a somatória dessas áreas, reduzindo
que a motosserra e os tratores avancem sobre
o total do que deveria ser preservado em cada
as florestas. Por trás do discurso de apoio ao
propriedade. A área preservada que poderia
pequeno produtor rural, o texto aprovado
ser, por exemplo, de 60% em uma propriedade, agora será no máximo de 25%. Não basta, financiada por esses grupos. Basta olharmos o
portanto, alterar no Senado ou vetar apenas
A questão é que, como o Brasil virou um
espaço concedido em artigos e entrevistas aos
os trechos modificados pela emenda. A licença
grande exportador de commodities, com
representantes da Confederação Nacional de
para desmatar está presente nos mais diferen-
pouco valor agregado mas em alta no
Agricultura, em comparação com aquele dado
tes artigos do projeto aprovado na Câmara.
mercado externo, o agronegócio ganhou
aos que fazem um contraponto neste debate
É importante frisar que o governo federal
legitimidade na cúpula do poder ao
político. É esta mesma bancada que barra a vo-
entrou em cena na reta final do debate do
trazer divisas para o país pagar os juros
tação da PEC do trabalho escravo, que impede
Código Florestal na Câmara porque percebeu
da dívida pública.
as investigações da violência no campo e que
que haveria grandes desgastes internacionais
aprovou a MP da grilagem de terras. Durante
para o Brasil diante do aumento do desmata-
o debate na Câmara, houve deputados que fa-
mento que as mudanças trarão. A Presidenta
atende, na verdade, aos interesses do agronegó-
laram explicitamente que o Brasil não deveria
Dilma assumiu em sua campanha que não
cio exportador, e representará um verdadeiro
ter áreas de Reserva Legal ou de Preservação
sancionaria nenhuma lei que autorizasse a
retrocesso na proteção ao meio ambiente e ao
Permanente. É um absurdo.
derrubada de florestas, e o Brasil sediará no próximo ano uma conferência internacional
futuro das gerações brasileiras. Daí a importância de ser barrado no Senado. A correlação
Socialismo e Liberdade – O relator do
sobre meio ambiente, a Rio+20. No entanto, o
de forças estabelecida no Congresso
projeto na Comissão de Meio Ambiente
governo demorou para agir e cedeu demais.
Nacional, no entanto, é desfavorável, com uma
do Senado, Jorge Viana (PT-AC), diz que
Por isso, caso o projeto passe no Senado, é
enorme bancada suprapartidária de fazen-
a ideia é melhorar a proposta votada
preciso cobrar com vigor da Presidenta Dilma
deiros defendendo seus interesses, também
pela Câmara, e o governo federal deu
que cumpra seu compromisso de campanha e
ex pressos por setores da g ra nde m íd ia,
declarações afirmando que vai trabalhar
não sancione o novo Código.
Julho de 2011
23
Código Florestal Ivan Valente – Esperamos que sim. A ciência
sobre os compromissos assumidos pelo Brasil
infelizmente não foi ouvida pelos deputados;
para redução de emissões de carbono. Gostaria
Aldo Rebelo chegou inclusive a debochar da
de destacar ainda o estudo elaborado pela con-
SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso
sultoria legislativa do Senado, que é taxativo
da Ciência), acusando-os de direcionarem seu
ao afirmar que a proposta aprovada em maio
posicionamento contra o Código Florestal por
na Câmara concede anistia a desmatadores
supostamente serem financiados por organi-
ilegais, acaba na prática com as APPs, permite
zações estrangeiras. É um acinte! O estudo do
novos desmatamentos e deixa vulneráveis o
IPEA comprova que o novo Código Florestal
Pantanal, a Amazônia Legal e áreas de man-
irá mesmo causar mais desmatamentos e
gues e restingas. Socialismo e Liberdade – Os dados do
Na verdade, são os pequenos produtores
INPE (Instituto Nacional de Pesquisas
os verdadeiros responsáveis
Espaciais )do desmatamento da Amazônia
pelos alimentos que chegam às mesas
no mês de maio também mostram um
dos brasileiros.
alto crescimento das áreas devastadas. Em relação a maio de 2010, houve um aumento de 144% no ritmo da derrubada
anistiar quem descumpriu a lei, comprome-
da floresta. O senhor acredita que isso está
tendo nossos recursos naturais e favorecendo
relacionado ao Código aprovado na Câmara?
os grandes proprietários de terra. Segundo o
Ivan Valente – Não há dúvidas disso. A área
IPEA, a perda total de área de Reserva Legal re-
desmatada na A ma zôn ia em ma io foi de
lativa aos imóveis de até quatro módulos fiscais
268 Km² e no Mato Grosso, estado com maior
Socialismo e Liberdade – Há quem diga
que ficarão isentos da averbação poderá chegar
ocorrência, de 93,7 km². É certo que as madei-
que o texto aprovado na Câmara piorou
a 47 milhões de hectares. A maior parte dessa
reiras e o agronegócio já estão contanto com a
em alguns pontos o relatório inicialmente
área ocorrerá na Amazônia, com 24,6 milhões
possibilidade de anistia criada pelo no Código
aprovado na Comissão Especial do Código
de hectares. O documento ainda aponta que a
e transmitindo ao conjunto dos produtores
Florestal, em 2010. Que pontos seriam esses?
alteração na lei impactará significativamente
a idéia de que novas infrações serão perdo-
Ivan Valente – São vários. O Ministério Público,
adas. A tendência da taxa anual de desmate
por exemplo, não pode mais agir para esta-
é, portanto, crescente, por conta deste clima
belecer Termos de Ajustamento de Conduta
de impunidade em vigor no país, sobre o qual
(TAC) com os proprietários rurais em descon-
os deputados que votaram a favor deste texto
formidade com a legislação. Em vez de Termo
devem ser responsabilizados.
de Ajustamento de Conduta, haverá agora um Termo de Adesão e Compromisso. Em relação
Socialismo e Liberdade – Uma pesquisa
às áreas desmatadas irregularmente, que pela
encomendada pelas organizações
lei atual devem ser embargadas, o texto insere
ambientalistas ao DataFolha revelou que
a palavra “poderá” na atual obrigatoriedade de
80% da população brasileira são contra
embargo. O acordo fragiliza ainda a proteção a
as mudanças no Código Florestal. Como
terras indígenas e às unidades de conservação.
explicar tamanho descompasso entre o que quer a população brasileira e o voto de
Socialismo e Liberdade – Depois da
seus representantes na Câmara Federal?
aprovação do novo Código na Câmara, o
Ivan Valente – Os números da pesquisa com-
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
provam aquilo que já vínhamos sentindo nas
Aplicada) divulgou um estudo avaliando os
ruas quando o debate sobre o Código Florestal
impactos do PL 1.876/99-C sobre as áreas de
ganhou visibilidade nacional. A população
Reserva Legal no Brasil. Os resultados são
brasileira já compreendeu que preservar o
alarmantes. O senhor acha que isso pode
meio ambiente, nossas florestas e nossa bio-
contribuir para o debate feito no Senado?
diversidade é uma questão estratégica para
24
Ano III • Número 5
I Entrevista I o futuro do país e para o futuro das futuras
informa sobre a questão e as brutais conse-
gerações brasileiras. Sabe que esta é uma
quências deste novo Código para nossa fauna
questão de interesse público, que não pode ser
e flora, aumenta a pressão popular contra o
tratada de forma corporativista, como acon-
projeto. Para contribuir com essa informa-
teceu na Câmara, onde a bancada ruralista
ção da população, o PSOL tem ido às ruas
votou de acordo com seus próprios interesses.
em todo o país coletar assinaturas contra as
Um levantamento divulgado pela imprensa
mudanças no Código Florestal. Nossa meta
revelou que 15 deputados e 3 senadores tem
é levantar um milhão de assinaturas. Mas,
multas aplicadas pelo IBAMA e serão benefi-
caso o texto seja aprovado e sancionado como está, o PSOL recorrerá ao Supremo Tribunal Federal. Na avaliação do Ministério Público Federal, há uma série de princípios constitucionais que estão sendo rasgados com o projeto de mudança do Código Florestal. Com base neles, o PSOL moverá uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra tais mudanças. Também defendemos a realização de um referendo nacional sobre o novo Código. O
commodities, com pouco valor agregado mas
desenvolvimento sustentável e a preservação
em alta no mercado externo, o agronegócio
da biodiversidade são problemas de todos.
ganhou legitimidade na cúpula do poder ao trazer divisas para o país pagar os juros da
ciários pela anistia aprovada no novo Código
Socialismo e Liberdade – Deputado, o
dívida pública. Na verdade, são os pequenos
senhor também tem defendido que o tema
produtores os verdadeiros responsáveis pelos
do Código Florestal seja inserido numa
alimentos que chegam às mesas dos brasilei-
discussão mais ampla, sobre um novo
ros. Daí a importância de o governo auxiliar
modelo agrícola e agrário para o país.
o pequeno produtor com compensação para
Ivan Valente – O modelo do agronegócio que
sua sobrevivência e desenvolvimento para a
saiu ganhando com o projeto aprovado na
agricultura com crédito, assistência técnica
Câmara é um modelo de desenvolvimento
e outros estímulos. É preciso mudar a cultura
rural que atende a uma política agrícola e
política em vigor e promover o desenvolvi-
agrária insustentável social e ambientalmen-
mento tecnológico e o bem estar da humani-
te. E que tem como eixo central a devastação
dade em um ambiente saudável. Tudo isso põe
das f lorestas, a contaminação das águas e
em xeque a visão economicista e imediatista presente no projeto votado na Câmara.
Florestal. Ou seja, o interesse público ficou longe deste debate.
Caso as mudanças aprovadas na Câmara Socialismo e Liberdade – Como o
passem sem alteração pelo Senado e
PSOL está se organizando para barrar
sejam sancionadas pela Presidenta
essas mudanças no Congresso?
Dilma, o país terá concedido uma
Ivan Valente – Nossos senadores em Brasília
verdadeira licença para desmatar.
tem debatido muito o assunto com outros parlamentares, mostrando os equívocos do texto aprovado na Câmara. Há uma perspecti-
solos, a erosão, salinização e desertificação,
va de que alguma alteração seja feita no texto
e o uso excessivo de agrotóxicos. É uma po-
no Senado. Se isso acontecer, o projeto volta
lítica que emite mais gazes de efeito estufa,
para discussão na Câmara e o debate público
gera menos empregos e, em matéria de pro-
sobre o tema ganha tempo. É exatamente isso
dução agrícola para o país, não fica à frente
que não querem os ruralistas, porque sabem
dos pequenos produtores. A questão é que,
que, ao passo que a sociedade brasileira se
como o Brasil virou um grande exportador de
Julho de 2011
25
Belo Monte
Carta do Cacique Mutua a todos os povos da Terra O Cacique Mutua, índio xavante, escreveu esta mensagem dirigida “a todos os povos da Terra”. Trata-se de um texto de rara beleza poética e ultra-eficaz na denúncia de Belo Monte. A missiva começa assim: “ O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos”. Com ela, o cacique xavante prova mais uma vez que todo dia é dia do índio. Vale conferir.
O Sol me acordou dançando no meu rosto.
prendem a água de outro. Xingu vai correr
floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem
Pela manhã, atravessou a palha da oca e brin-
mais devagar. A floresta vai secar em volta.
de correr mundo, soprar o saber da alma da
cou com meus olhos sonolentos.
Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova
Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o
dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como
homem branco está surdo e há muito tempo
o índio.
não ouve mais o Vento.
O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as
Como uma grande serpente prateada, Xingu
Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o
Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes.
desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando
Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara,
Na nossa língua, Xingu quer dizer água boa,
toda a floresta. Xingu vai longe desembocar
da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e
água limpa. É o nome do nosso rio sagrado.
no Rio Amazonas e alimentar outros povos
do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados
distantes.
para nós.
folhas das plantas lá fora.
Como guiso da serpente, o Vento anunciou
Quando um índio nasce, ele se
perigo. Meu coração pesou como
torna parte da Mãe Natureza. Nossos
jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito
O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for
antepassados, muitos que partiram
da floresta estava bravo.
rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por
pela mão do homem branco, são sa-
toda a terra como sangue e seu cheiro será o da morte.
grados para o meu povo.
Xingu banha toda a f loresta com a água da vida. Ele traz alegria
É verdade que, depois que homem
e sorriso no rosto dos curumins da
branco chegou, o homem vermelho Se o rio morre, a gente também morre, os
nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito
Mas hoje nosso povo está triste. X ingu
animais, a floresta, a roça, o peixe tudo morre.
da doença, a gripe que matou nosso povo.
recebeu sentença de morte. Os caciques dos
Aprendi isso com meu pai, o grande cacique
E o espírito da ganância que roubou nossas
homens brancos vão matar nosso rio.
Aritana, que me ensinou como fincar o peixe
árvores e matou nossos bichos. No passado,
na água, usando a flecha, para servir nosso
já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco
alimento.
mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto
aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.
O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela
tempo.
é Belo Monte. No vilarejo de Altamira, vão
Se Xingu morre, o curumim do futuro dor-
construir a barragem. Vão tirar um monte de
mirá para sempre no passado, levando o canto
Na roça, ainda conseguimos plantar a man-
terra, mais do que fizeram lá longe, no canal
da sabedoria do nosso povo para o fundo das
dioca, que é nosso principal alimento, junto
do Panamá.
águas de sangue.
com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta
Enquanto inundam a floresta de um lado,
26
Hoje pela manhã, o Vento me levou para a
a história que Mandioca nasceu do corpo
Ano III • Número 5
branco de uma linda indiazinha, enterrada
Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a
numa oca, por causa das lágrimas de saudades
cidade e no caminho eu só via árvores.
Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo clamou O Vento ligeiro soprará até
Agora, o madeireiro e o fazendeiro espre-
as conchas dos ouvidos amigos ventilou por
O Sol me acordou dançando no meu rosto.
meram o índio perto do rio com o cultivo de
último, usando a língua antiga, enquanto as
E o Vento trouxe o clamor do rio que está
pastos para boi e plantações mergulhadas
folhas no alto se debatiam.
dos seus pais caídas na terra que a guardava.
bravo. Sou corajoso guerreiro, não
Nosso povo tentou gritar contra os
temo nada.
negócios dos homens. Levamos nossa
O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar
gente para fa lar com cacique dos
frentarei o abraço de morte da
reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai
brancos. Nossos caciques do Xingu
jiboia e as garras terríveis da suçu-
voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em
viajaram preocupados e revoltados
arana. Por cima de todas as coisas
calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.
para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo
Caminharei sobre jacarés, en-
pularei, se quiserem me segurar.
acontecer.
Os espíritos têm sentimentos e não
Os caciques caraíbas se esconno veneno. A terra está estragada. Depois de
dem. Não querem olhar direto nos nossos
Eu aprendi desde pequeno a falar com
matar a nossa floresta, nossos animais, sujar
olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas
o Grande Espírito da f loresta. Foi num dia
nossos rios e derrubar nossas árvores, querem
ninguém foi ouvido.
de chuva, quando corria sozinho dentro da
matar Xingu.
gostam de muito esperar.
O homem branco devia saber que nada
mata, e senti cócegas nos pés
cresce se não prestar reverência à
quando pisei as sementes de
vida e à natureza. Tudo que acon-
castanha do chão. O meu arco e
tecer aqui vai voar com o Vento
flecha seguiam a caça, enquan-
que não tem fronteiras. Recairá
to eu mesmo era caçado pelas
um dia em ca lor e sofrimento
sombras dos seres mágicos da
para outros povos distantes do
floresta.
mundo.
O espírito do Gavião Real
O tempo da verdade chegou
agora aparece rodopiando com
e existe missão em cada estre-
suas grandes asas no céu.
la que brilha nas ondas do Rio
Com um grito agudo per-
X ingu. Pronta para desvendar
guntou:
seus mistérios, tanto no mundo
Quem foi o primeiro a ferir o
dos homens como na natureza.
corpo de Xingu?
Eu sou o cacique Mutua e esta
Meu coração apertado como
é minha palavra! Esta é minha
a polpa do pequi não tem cora-
dança! E este é o meu canto!
gem de dizer que foi o represen-
Porta-voz da nossa tradição,
tante do reino dos homens.
vamos nos forta lecer. Casa de
O espírito do Gavião Real
Rez a s, va mos nos for t a lecer.
diz que se a artéria do Xingu for
Bicho-Espírito, vamos nos forta-
rompida por causa da barragem,
lecer. Maracá, vamos nos fortale-
a ira do rio se espalhará por toda
cer. Vento, vamos nos fortalecer.
a terra como sangue e seu cheiro
Terra, vamos nos fortalecer.
será o da morte.
O Sol me acordou brincando no meu rosto.
Rio Xingu! Vamos nos fortalecer!
O Sol me acordou brincando no meu rosto.
E no ca min ho do rio passei pela Gra nde
Leve minha mensagem nas suas ondas para
O dia se abriu e me perguntou da vida do rio.
Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo
todo o mundo: a terra é fonte de toda vida,
Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento
seu nódulo.
mas precisa de todos nós para dar vida e fazer
virar areia. A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta.
Quem a r ra ncou a pele da nossa mãe? gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor.
Pisando as folhas velhas do chão com cuidado,
As palavras faltaram na minha boca. Não
pois a terra está grávida, segui a trilha do rio
tinha como explicar o mal que trarão à terra.
Julho de 2011
tudo crescer. Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do Xingu clamando por viver. Cacique Mutua
27
Internacional
19-J: indignação massiva Os indignados apontaram, sem ambiguidades, que os mesmos que exigem as políticas de cortes não as aplicam a si mesmo. Por Josep Maria Antentas e Esther Vivas
profundo mal-estar social que finalmente veio a publico e, como é habitual, de forma imprevista e com novas manifestações. Não
A indignação superou a todos os cálculos,
estamos diante de um fenômeno conjuntural
tomando massivamente as ruas, e mostrando
ou passageiro, senão diante dos primeiros
a brecha aberta entre o mal estar social e as
tremores de um novo ciclo de mobilização,
políticas nas instituições. Do 15M ao 19J, se
dos quais o 15-M e os acampamentos atuaram
acumulou forças e teceu cumplicidades, e não
como ponta de lança.
só no local (acampamentos e bairros) senão
Do 15-M ao 19-J se recuperou a confiança
com amplos setores sociais que se sentem
na ação coletiva. Superou-se o ceticismo e a
identificados com esta critica tácita contra
resignação ao “sim se pode”. As revoltas no
classe política e contra um sistema bancário
mundo árabe, as mobilizações na Grécia e o
e financeiro que é responsabilizado pela atual
“não pagaremos sua crise” do povo islandês
crise. O lema “não somos mercadoria nas mãos
pesou com força no imaginário coletivos e
de políticos e banqueiros” sintetiza ambas
lhe deu impulso, permitindo recuperar a con-
demandas.
fiança no “nós”. A “globalização da resistên-
As e os indignados apontaram sem am-
cia” daquele movimento “outro-mundista”,
big uidades aqueles que vaci la ra m f rente
de mais de dez anos, se revive de novo num
uma mudança no panorama político e social
aos “mercados” e que, exigindo políticas de
cenário bem diferente, marcado pela crise.
que não prev iam. É necessário conseguir
cortes e ajustes, não as aplicaram a si mesmo.
Depois da jornada do 15-M, na que o movi-
vitórias concretas. A paralisação de vários
“Queremos políticos mileuristas” era uma
mento se viu imerso em uma batalha por legi-
despejos, ainda que pequenas vitórias de-
das consignas calorosamente aplaudidas nas
timidade, o 19-J se apresentava como um teste
fensivas, assinala o caminho e aponta novas
manifestações. A democracia atual resulta
para mostra sua solidez frente aos ataques re-
energias. Em geral, o movimento tem o desafio
ser cada vez mais vazia de conteúdo para
cebidos. Trata-se de traduzir em ação na rua as
de combinar seu caráter generalista, de critica
uma sociedade com vontade de decisão e de
simpatias populares que este havia despertado.
global ao atual modelo econômico e a classe
controle sobre suas próprias vidas. Um voto a
E assim tem sido. O 19-J mostrou a ampliação
política, com o fortalecimento das lutas con-
cada quatro anos não é suficiente para aqueles
do movimento, sua capacidade de mobilização
cretas, contra os cortes sociais e as políticas
que reivindicam a política como o exercício
de massas e sua explosiva expansão em um
que buscam transferir os custos da crise para
cotidiano de seus direitos, no dia a dia e de
tempo muito curto. Seu crescimento em rela-
as e os debaixo.
baixo para cima.
ção ao 15-M não só quantitativo senão também
O 19-J marcou o ponto de inf lexão que
qualitativo, em termos de diversificação de sua
culmina a primeira fase aberta com o 15-M e
base social e composição etária.
prepara a etapa seguinte de um movimento
O cerco ao movimento, depois da ação ao Parlamento catalão no 15-M, não deu conta
que não fez mais que começar.
de barrar a indignação coletiva que supera as
E agora, o quê? Os desafios do movimento
e os que estiveram nos acampamentos. Quem
passam por reforçar seu enraizamento terri-
acreditava que o movimento era uma coisa de
torial, potencializar assembleias locais e me-
Tradução: Antonio Cunha Neto
jovens, ativistas… se equivocou. Também se
canismos de coordenação estáveis. Da mesma
Josep Maria Antentas é professor de sociologia
equivoca quem considera os fatos como mero
forma, trata-se de buscar laços com a classe
na Universitat Autònoma de Barcelona.
problema de ordem publica. Os de sempre
trabalhadora, os setores em luta e o sindica-
Esther Vivas é membro do Centro de Estudios
passaram a ser muitos. Dois anos e nove meses
lismo combativo, e manter a pressão sobre os
sobre Movimientos Sociales da Universitat
de crises, pesam. O movimento expressa um
sindicatos majoritários, desconsertados por
Pompeu Fabra.
28
Ano III • Número 5
Internacional
Os aganaktismeni [indignados] tomam as praças e as ruas na Grécia Por Yorgos Mitralias
Duas semanas depois de seu início, o movimento dos “Indignados” gregos desbordar as praças das cidades do país com enormes multidões que gritam sua cólera e fazem tremer o governo Papandreu e seus apoios locais e internacionais. Já não se trata de um simples protesto, nem de uma mobilização de amplitude contra as medidas de austeridade. Desde já, é uma verdadeira revolta popular, que está varrendo toda a Grécia. Uma revolta que grita aos quatro ventos seu rechaço de pagar “suas crises” e “sua dívida” ao mesmo tempo que abominam o bipartidarismo neoliberal, quando não o conjunto de um pessoal político em Neste momento se impõe entretanto uma
o momento em que a algumas centenas de
interrogação: como é possível que tal mo-
metros mais para lá enormes multidões mani-
vimento de massas que, além do mais, está
festam até muito tarde, passada a meia noite,
Quantos estavam, no domingo 5 de junho
fazendo balançar o governo grego, o centro
fazia duas semanas…
de 2011, na Praça de Sintag ma (praça da
de interesses europeu, passou sob completo
Se trata, ainda que pareça mentira, de uma
Constituição) no centro de Atenas, justamen-
silêncio para todos os meios de comunicação
censura de dimensões desconhecidas até o
te em frente ao Parlamento? É difícil dizer,
ocidentais? Praticamente nem uma só pala-
dia de hoje. De uma censura política muito
já que uma das particularidades destas reu-
vra durante seus 12 primeiros dias, nenhuma
organizada e metódica, motivada pela preocu-
niões populares é que, na falta de discurso
imagem dessas multidões sem precedentes, que
pação de bloquear o contágio deste movimento
central ou de concerto, há um ir e vir perma-
gritavam sua cólera contra o FMI, a Comissão
grego, de impedir que se estendesse como uma
nente de manifestantes. Mas, se levarmos em
Europeia, a troika (FMI, Comissão Europeia
mancha de óleo pela Europa. Frente a esta nova
conta os responsáveis do metrô de Atenas,
e Banco Central Europeu) e também contra a
arma da Santa Aliança dos tempos modernos,
que sabem como calcular o número de seus
Sra. Merkel e o gotha neoliberal internacional.
teremos todos que reagir, tanto para denunciar
passageiros, ao menos 250.000 pessoas con-
Absolutamente nada. Salvo, de quando em
esse escândalo, como para encontrar os meios
f luíram a Sintagma nesta memorável noite!
quando, algumas linhas sobre as “centenas
de eludir essa proibição de informar a opiniãn
Em suma, várias centenas de milhares, se
de manifestantes” nas ruas de Atenas, ao cha-
pública, mediante o desenvolvimento da comu-
a isso se agregam as multidões “históricas”
mado da CGT grega. Estranha predileção por
nicação entre os movimentos sociais de toda a
reunidas nas praças centrais de dezenas de
esqueléticas manifestações dos burocratas
Europa e a criação e reforço de nossos próprios
outras cidades gregas.
sindicais, totalmente desacreditados, desde
meios de comunicação alternativos…
situação desesperadora.
Julho de 2011
29
Internacional Vo l t a n d o a o s I n d i g n a d o s g r e g o s
praticamente em todo o país. Seu estande
a Praça mesma e controlando a Assembleia
(Aganaktismeni, em grego), há que se notar
em plena Praça de Sintagma está perma-
Popular e o acampamento permanente.
que se trata de um movimento cada vez mais
nentemente assediado por uma multidão de
Sem dúvida, se bem que esta esquerda
popular ou inclusive plebeu, à imagem de uma
pessoas que quer assinar sua convocatória
radical dê o ton e deixe sua pegada em todas
sociedade grega habituada, após 25 anos de
ou oferecer seus ser v iços como voluntá-
as atividades e manifestações em Sintagma,
dominação absoluta da ideologia (neoliberal)
rios… [2]
tingindo-as de um vermelho intenso, não
cínica, patrioteira, racista e individualista,
Primeiro, quase completamente desorga-
se pode concluir que os diversos matizes
que transformou tudo em mercadoria. É a
nizados, os Indignados de Sintagma se deram
da direita populista, patrioteira, racista ou,
razão pela qual a imagem que surge é a miúdo
prog ressiva mente uma orga ni zação cujo
inclusive, francamente neonazi vão cessar
contraditória, misturando o melhor e o pior
ponto culminante é a Assembleia popular que
suas tentativas de inf luenciar este gigantes-
nas idéias como nos atos de cada um dos
atrai a cada noite, às 21 horas, várias centenas
co movimento popular. Vão persistir e tudo
manifestantes. Como por exemplo, quando a
de participantes, ante milhares de ouvintes
depende, em última instância, da capacidade
mesma pessoa manifesta de maneira patente
muito atentos. Os debates são, a miúdo, de
da vanguarda do movimento de enraizá-lo
um patriotismo grego com ares racistas, ao
grande qualidade (por exemplo, aquele sobre
profundamente nos bairros, nos centros de
mesmo tempo que desfralda uma bandeira
a dívida pública), ultrrapassando de longe
trabalho e nas escolas, ao mesmo tempo que
tunisiana (ou espanhola, egípcia, portuguesa,
tudo o que há de melhor nos grandes canais
o dotem de objetivos claros, que sirvam de
irlandesa e argentina) para manifestar sua
de televisão. E tudo isso apesar do ruído (es-
ponte entre suas enormes necessidades ime-
solidariedade… internacionalista aos povos
tamos em pleno centro de uma cidade de 4
diatas e a raiva vingadora e antissistema.
em luta desses países.
milhões de habitantes), do ir e vir de dezenas
Bastante diferente de seu homólogo espa-
Devemos concluir, então, que estamos
de milhares de pessoas e, sobretudo, da com-
nhol, por suas dimensões, sua composição
em presença de uma multidão de manifes-
posição variegada destes auditórios colossais
social, sua radicalidade e sua heterogenei-
tantes esquizofrênicos? De modo nenhum.
em meio de um acampamento permanente
dade política, o Sintagma grego compartilha
Como não há milagres, nem protestos sociais
que, por momentos, se assemelha a uma ver-
com a Praça Tahrir do Cairo ou a Porta do
polít ica mente “puros”, o mov imento dos
dadeira Torre de Babel.
Sol de Madri o mesmo ódio pela élite polí-
Indignados gregos se radicaliza a olhos vistos,
Toda s esta s v i r t udes da “Democracia
tica e econômica que acapara e esvazía de
ao mesmo tempo em que está marcado por
Di ret a” ex per i ment ada d ia após d ia em
todo conteúdo a democracia parlamentar
estes 25 anos de desastre social e moral. Mas,
Sintagma, não devem nos fazer esquecer suas
burguesa em tempos do mais arrogante e
atenção: todos seus “defeitos” se subordinam
debilidades, suas ambiguidades ou seus de-
desumano neoliberalismo. Ao mesmo tempo,
a sua característica principal, que é o recha-
feitos, como, por exemplo, sua alergia inicial
está impregnado do mesmo desejo participa-
ço radical do Memorandum, da troika, da
a tudo o que se refira a partidos, a sindicatos
tivo, democrático e não violento que marca
dívida pública, do governo, da austeridade, da
ou a qualquer coletividade estabelecida.
profundamente toda a revolta popular neste início do século X XI.
corrupção, desta democracia parlamentaria
Se bem que seja indiscut ível que esta
fictícia, da Comissão Europeia, em suma, do
aversão pelos “partidos” é predominante nas
Nossa conclusão não pode ser senão muito
sistema em seu conjunto.
multidões dos Indignados gregos que têm
provisória: independentemente da evolução
Não é pois por casualidade, que as cente-
tendência a rechaçar o conjunto do mundo
dos acontecimentos, que se já a nuncia m
nas de milhares de Indignados gregos gritem
pol ít ico sem d ist i nção, há que se nota r,
como um cataclismo, o movimento atual dos
há 14 dias, repetindo consignas eloquentes,
ainda quando a evolução espectacular da
Indignados gregos haverá marcado um hiato
tais como “Não devemos, não vendemos,
Assembleia Popular, tanto em Atenas como
na história do país. Daí para a frente, tudo é
não pagamos”, “Não se vende e não nos ven-
em Sa lónica, que passou do rechaço dos
possível e já nada será como antes…
demos”, “Que se vaiam agora todos, memo-
sindicatos ao convite para desembocar suas
rándum, troika, governo e dívida” ou “Nós
manifestações em Sintagma, para que seus
Notas:
ficamos até que eles se vaiam”. É um fato que
trabalhadores se unam aos Indignados…
(1) Veja-se Eric Toussaint, “Grécia: símbolo da
consignas desse tipo unem todos os mani-
Por suposto, não é nenhum segredo que,
festantes, como também tudo o que tenha
com o pasar do tempo, houve uma clarificação
relação com o rechaço de assumir e de pagar
da paisagem política da Praça de Sintagma,
a dívida pública.[1]
a direita e a extrema-direita popular estando
Yorgos Mitralias anima o Comitê grego contra
É , a lém do ma is, a ra z ão pela qua l a
representada na multidão da parte alta da
a dívida, que é membro da rede internacional
campanha da Iniciativa por uma Comissão
Praça, justamente diante do Parlamento, e a
CADTM. Veja a página Web do comitê grego:
de Auditoría da Dívida Pública tem tal êxito
esquerda radical e anarquizante ocupando
http://www.contraxreos.gr/
30
dívida ilegítima”. (2) www.cadtm.org/18/06/11
Ano III • Número 5
Cultura
Leandro Konder*
O trabalho e o jogo Os brasileiros estão jogando cada vez mais.
escritor argentino Jorge Luis Borges já escreveu
dizem com muita eloquência que no mundo do
A prática das apostas ganha novos adeptos
uma vez: “Yo soy de un pais donde la loteria és
trabalho quase não há espaço para a esperança.
parte principal de la realidad”. As sociedades do
O sonho, expulso pela remuneração aviltante,
nosso continente nasceram, todas, sob o signo
emigra para o jogo.
a cada dia. O jogo do bicho prospera. O Governo federal e os Governos estaduais
da aventura: os europeus que destruíram as
A paixão pelo jogo cresce paralelamente à
promovem suas diversas loterias. Muita
culturas indígenas e importaram negros escra-
constatação de que o trabalho está caracteriza-
vizados apostavam no enriquecimento rápido.
do como ocupação de otário. O que conta, para
gente faz fila para arriscar a
o trabalhador, não são os discursos
sorte na sena, na quina da loto ou nas numerosas raspadinhas.
O fenômeno está preocupando
em que os políticos e os empresários o
As proibições com frequência são dolorosas, traumáticas
cobrem de elogios: é o salário que lhe
e inócuas. Em lugar de tentar resolver os problemas
mostra o que ele realmente vale aos
prendendo e arrebentando, devemos procurar discernir
olhos do Estado e do patrão. O homem do povo, o homem
suas raízes históricas e culturais. Devemos ter a coragem
muitos setores da sociedade. Nos
de indagar se o poder de atração do jogo não tem
comum, está valendo pouco na nossa
círculos conser vadores se fa la,
a ver com o tipo de sociedade que foi criado aqui,
sociedade. Quando ele joga no bicho
com escândalo, na “generalização
ao longo da nossa história.
ou na loto, aposta no futebol ou nas
da jogatina” e se adverte contra a
corridas de cavalo, é claro que não
expansão da “influência perniciosa
está contribuindo, concretamente,
do vício”. Outras áreas lamentam
para superar a situação frustrante para a qual foi empurrado, como vítima, pelos
que os poucos recursos economizados pelos
No caso brasileiro, as condições se agra-
assalariados sejam investidos numa aventura,
varam enormemente com a modernização
em vez de serem sabiamente poupados e postos
autoritária e a sucessão das negociatas. A
A “fézinha” só pode resolver o problema
a render dividendos.
população tinha a impressão de que as elites
de um ou outro no meio de muitos milhares.
Mesmo entre os que enxergam os aspec-
haviam transformado a sociedade num imenso
No entanto, o movimento que leva a pessoa
tos desagregadores do jogo, entretanto, há
cassino. Entre os grandes trambiqueiros do
a jogar manifesta, também ao lado da ilusão,
donos do poder político e econômico.
muitos espíritos críticos que pro-
certo inconformismo diante do vazio
curam compreender o que está
do presente. Quem joga, afinal, ainda
acontecendo e repelem a tentação autoritária do recurso simplista a medidas de repressão. As proibições com frequência são dolorosas, traumáticas e inócuas. Em lugar de tentar resolver os problemas prendendo e arreben-
está mostrando que é capaz de ansiar
A paixão pelo jogo cresce paralelamente à constatação de que o trabalho está caracterizado como ocupação de otário. O que conta, para o trabalhador, não são os discursos em
por um futuro melhor. Como se pode canalizar esse inconformismo e essa ânsia de um futuro
que os políticos e os empresários o cobrem de elogios: é o
mais bonito para uma ação histori-
salário que lhe mostra o que ele realmente vale aos olhos
camente mais fecunda do que a febre
do Estado e do patrão.
das apostas? Como mobilizar coletiva-
tando, devemos procurar discernir
mente as energias que se dispersam na
suas raízes históricas e culturais.
aventura individualista do jogo?
Devemos ter a coragem de indagar se o poder
nosso país, quantos foram exemplarmente
Creio que a direção política em que deve
de atração do jogo não tem a ver com o tipo
punidos? E quantos permaneceram (e perma-
ser buscada uma resposta democrática para
de sociedade que foi criado aqui, ao longo da
necem) impunes?
essas indagações passa, necessariamente, por
nossa história.
Obrigado a dar duro para sobreviver, o tra-
A questão – note-se – não é exclusivamente
balhador vem observando esse espetáculo e
brasileira: é fácil percebermos que ela tem uma
tentando extrair dele sua lição. A experiência
presença marcante na América Latina. O grande
quotidiana e o sufoco do salário arrochado lhe
Julho de 2011
uma enérgica valorização do trabalho – e dos trabalhadores. *Filósofo
31
Economia
Randolfe Rodrigues*
Dívida pública e Superávit primário: as minhocas do desenvolvimento brasileiro Em seu artigo na página da Revista Veja na
da dívida interna (63%) se encontra não mão
Dessa maneira, a dívida e seus credores
internet, de 27/6/2011, o colunista Ricardo Setti
de bancos e grandes investidores, que assim
agem como verdadeiras minhocas na maçã, e
alega que a minha emenda à Lei de Diretrizes
ganham a maior ta xa de juros do mundo.
vão fazendo tuneis no desenvolvimento bra-
Orçamentárias para 2012, pleiteando o fim do
Out ros 21% estão na mão dos cha mados
sileiro, acarretando o corte nos investimentos
superávit primário, seria um projeto “estapa-
“Fundos de Investimento”, o que completa o
sociais e concentrando renda e riqueza na mão
fúrdio, próximo do ridículo”, e ainda pede que
percentual de 84% da dívida, principalmente
de poucos.
eu “tenha juízo, e não minhoca na cabeça!”.
na mão de grandes investidores.
Lembremos que a principal justificativa do
Porém, é preciso esclarecer que minha
Apesa r de muitos a na listas a rg umen-
corte de R$50 bi no orçamento do governo fede-
emenda foi aprov ada pela Com i ssão de
tarem que tais “Fundos de Investimento”
ral neste ano, que atingiu centralmente as áreas
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para
ter ia m como pr i ncipa is benef iciá r ios os
sociais e estratégicas do País teve como objetivo
ser apresentada à Comissão de Orçamento, ou
pequenos i nvest idores, a recente CPI da
o ajuste fiscal para cumprir as metas do superá-
seja, já é um projeto de toda a CCJ, e não só meu.
Dívida na Câmara dos Deputados (proposta
vit primário que só nos quatro primeiros meses
Além do mais, para garantir o pagamento da
pelo Deputado Ivan Valente – PSOL/SP) des-
do ano alcançou em tempo recorde o valor de
questionável dívida pública e o cumprimento
mascarou esta informação. Respondendo a
R$ 57,3 bilhões, o que equivale a 49% da meta
da meta de “superávit primário”, as pessoas
requerimento oficial da CPI, que solicitava
para 2011. O objetivo para este ano foi fixado em
morrem nas filas dos hospitais, se apertam em
o perfil (tamanho) dos principais credores
termos nominais, em R$ 117,9 bilhões. Ou seja,
ônibus que mais parecem latas de sardinha,
da dívida via tais Fundos e outras aplicações
enquanto cortava dos investimentos sociais o
sofrem com a má qualidade do ensino público,
bancárias, o governo afirmou simplesmente
governo em um terço do ano, fez a metade da
esperam indefinidamente pela garantia do
que não dispunha desta informação.
meta de pagamentos ao capital financeiro.
Interessante ressaltar que o próprio ar-
Mas a ma ior ilega lidade da dív ida é o
Segundo o colunista, caso o superávit pri-
ticulista diz que os brasileiros credores da
desc umprimento do Art. 26 das Disposições
mário fosse extinto, “o país e todos os bancos
dívida seriam “centenas de milhares”, ou seja,
Transitórias da Constituição de 1988, que prevê
quebra r ia m imediata mente, centenas de
não chegam a um milhão, representando no
a Auditoria da Dívida, jamais realizada, e que
milhares de brasileiros levariam um monu-
máximo 0,5% da população.
poderia apurar a fundo todos estes fatos, mos-
direito de acesso a terra, etc.
trando que dívida é essa, como cresceu absur-
mental calote, os investidores estrangeiros
Na realidade, sabemos que são os grandes
sairiam correndo, haveria desemprego em
investidores os principais beneficiários da
massa e a paralisação da economia e o Brasil
dívida pública que, conforme mostrou a CPI
A auditoria da dívida foi executada recen-
levaria uns 10 anos, ou mais, para voltar aos
possuem diversos e graves indícios de ilegali-
temente com grande sucesso pelo governo do
patamares de hoje.”.
dade, tais como juros sobre juros, falta de do-
Equador, que assim pôde provar a ilegalidade
Porém, os EUA e a União Européia não têm
cumentos e informações, a não autorização do
da dívida, e impor aos rentistas a anulação
metas de superávit, mas praticam imensos
Senado em operações de dívida externa, e até
de 70% do débito com os bancos privados
déficits, e nem por isso seus bancos quebram,
mesmo a realização de reuniões entre o Banco
internacionais. Nem por isso houve crise ou
ou há crise. Na verdade, há uma grande crise
Central e “analistas independentes” – que, na
desemprego, mas sim, um grande aumento
global sim, mas causada pela irresponsabili-
realidade são, em sua maioria, rentistas – para
dos gastos sociais.
dade dos próprios bancos, que tiveram de ser
definir variáveis como inflação e juros, depois
Auditar a dívida é conquistar a soberania
salvos pelo próprio Estado, à custa do povo,
usadas pelo COPOM na definição da taxa Selic,
do país frente ao setor financeiro, que no
gerando, aí sim, uma imensa dívida pública,
que beneficia os próprios rentistas.
Brasil continua sugando a maior parcela do
que está sendo paga à custa da grande retirada de direitos dos trabalhadores europeus. No Brasil, os bancos também são sustentados pelo Estado. A maior parte dos títulos
32
A t é me s mo o S e c r e t á r io de Pol ít ic a Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio
damente, e se realmente devemos ou não.
orçamento, em detrimento da garantia dos direitos sociais.
Holland, criticou os superávits do governo, criticando as metas anteriores e futuras.
*Senador PSOL/AP
Ano III • Número 5
Economia
Milton Temer*
O “Socialismo dos Ricos”, ou “O Polulismo” Deu na primeira página do “Valor Econôm i
com os sequestradores, esse neopetista real-
destinado à Bolsa família, em 12 meses, corres-
co”, um dos espaços de mídia onde se encontra
mente progrediu. Virou, junto com Gerdau, os
pondia ao lucro, em 9 meses, do segundo maior
jornalismo de qualidade. Abilio Diniz vai atrás
controladores do Bradesco e Itaú; junto com os
banco privado brasileiro, o Bradesco. Porque o
de R$ 3,9 bi do BNDES, para uma operação de
predadores do agronegócio, um dos principais
primeiro, o Itaú, nesses mesmos 9 meses, tivera
fusão Pão de Açucar-Carrefour, onde não en-
“aliados” do lulismo pragmático.
um lucro exatamente R$ 500 milhões maior que o despendido com o “social”.
trará com UM TOSTÃO, mas passará a controlar 32,2% das vendas do varejo
Pois bem; sob a ótica do prestígio
nacional. Sem colocar um tostão do seu
ao desenvolvimentismo, sobre o mo-
bolso, vale repetir. Logo a seguir,”Commodities representam 71% do valor das exportações” mancheteia uma matéria que, no corpo,
Abilio Diniz vai atrás de R$ 3,9 bi do BNDES, para uma
netarismo – na essência, louvável –,
operação de fusão Pão de Açucar-Carrefour, onde não entrará com UM TOSTÃO, mas passará a controlar 32,2% das vendas do varejo nacional.
estamos, mais uma vez e de fato, diante de uma proposta clara de privatização do lucro, com socialização previsível do prejuízo.
revela a fragilidade da operação – a
Os recursos que faltam para as po-
maior parte está baseada em produtos, cujo preço não controlamos-. Ou seja; se a crise
Esta mais recente ameaça de tenebrosa
líticas públicas, em virtude de um criminoso
da dívida norte-americana radicalizar por
transação comprova como o polulismo, digo, o
superávit fiscal, voltado a garantir retorno aos
disputas eleitorais entre democratas e republi-
populismo lulista, foi competente na matamor-
bancos, e sem risco de tudo o que se especula
canos, nos Estados Unidos, e a China mudar o
fose em que transformou um projeto classista
com a dívida pública – crescente em progressão
eixo do comércio internacional, diminuindo
de transformação radical da realidade brasileira
geométrica desde que o modelo macroeconômi-
importações, olha nós, aí, no brejo.
no mais eficaz agente do capital monopolista
co se iniciou lá no mandarinato tucano-pefelista
em nosso país.
de FHC – são acrescidos agora pelos constantes
O grave é que o porcentual de commodities sobre manufatarados aumentou na balança de
Em oito anos, conseguiu gerar um modelo
“empréstimos” que o Tesouro vem fazendo ao
exportações. Em relação ao ano passado, au-
em que todos ganham – uns muito mais que
BNDES. Empréstimos que se transformam em
mentaram 39,1%, enquanto os manufaturados
outros, evidentemente –, mas suficientemente
transferências subsidiadas para as operações –
subiram apenas 15,1%.
para colocar colchões amortecedores entre
reitero, sem riscos – do grande capital, em suas
Resta o plano inferior da página:
operações de fusão. Operações de fusão
“Na Olimpíada, uma antevisão da crise
que, é bom ser dito, em nada vêm impe-
grega”. Por que? Simples. Gastos iniciais de US$ 1,5 bilhões, terminaram em US$ 11,9 bi, oficialmente, porque há indícios, diz o texto, de que possa ter chegado a 30 bilhões de Euros – mais
dindo a constante desindustrialização
Operações de fusão que, é bom ser dito, em nada vêm
do nosso parque produtivo, em benefício
impedindo a constante desindustrialização do nosso parque produtivo, em benefício de operações financeiras que ninguém sabe onde vão dar.
de operações financeiras que ninguém sabe onde vão dar. Barra pesada que, no dia seguinte ao desligamento de um quadro histórico
que US$ 40 bilhões.
e simbólico, como Vladimir Palmeira,
Mas vamos tratar especificamente da manchete principal, porque a lusitana ainda
classes em conflito. Sintetizando, esses quase
deve servir de reflexão aos petistas que ainda
está girando, e a torcida é grande para que o
R$ 4 bi que o BNDES pode proporcionar à ma-
acreditam que o PT seja “socialista”, como
sócio francês de Diniz, o Casino, consiga melar
nobra de Diniz, correspondem à metade do que
consta do programa.
a baderna.
foi destinado a tornar “felizes” 11 milhões de
Ou será que estariam de acordo em defender
Para quem gerou um “sequestro” suspeitíssi-
famílias com a Bolsa, em 2007. E cito 2007, pois
o que Noam Chomsky definiu como “socialismo
mo na véspera do segundo turno em 1989, com
foi o último ano em que me preocupei em seguir
dos ricos”?
Lula tendo grandes chances de vitória compro-
a relação lucros bancários x combate à miséria
metidas pelas suspeitas de ligações políticas
por políticas assistencialistas. Naquele então, o
Julho de 2011
* Jornalista
33
OPinião
Heloísa Helena*
Miséria humana e roubalheira política sustentam o Poder O simbolismo das datas – ao longo da
A população, em maioria, rapidamente
insensibilidade, da incompetência das
história da humanidade – auxilia a todos
se esquece da roubalheira política, da
Excelências Calhordas… de fato é uma
nós a refletir sobre acontecimentos diver-
indigência social, da miséria humana…
necessidade deles para que se possam
sos e assim poder comemorar em alegria
se esquece dos que estão nos Hospitais
perpetuar reinos putrefatos de riqueza
exuberante as conquistas ou chorar em
Públicos com feridas fétidas e mergu-
roubada e ostentada vulgarmente… é uma
melancolia e tristeza profunda as perdas
lhados em fezes e urina; das mulheres
necessidade para sobrevivência desses
ou criticar com veemência as omissões e
com terríveis câ nceres de ma ma que
parasitas políticos que continuem consu-
cumplicidades que destroem a dignidade
mais parecem couve-flor apodrecida e
mindo dia após dia a dignidade humana,
humana ou simplesmente preferir nem
que não conseguem leitos hospitalares
os talentos infantis, a possibilidade con-
conhecimento delas tomar e ponto!
nem para mastectomias; dos flagelados
creta de vida vivida em plenitude!
O mês de junho, para o Nordeste espe-
das enchentes e das secas nas tendas de
Os Calhordas da Política precisam que
cialmente, tem a lindeza das recordações
calor, sujeira e promiscuidade; das famí-
não exista o acesso à educação, conheci-
das meninas de tranças – que todas nós do
lias vulneráveis socialmente, penduradas
mento e cultura para que a maioria conti-
interior já fomos – a pular fogueiras com
em barracos ou casebres nas encostas,
nue a ser manobrada e manipulada pelas
vestidinhos de todas as flores e a gritar nas
sem conseguir vivenciar a delicadeza do
conveniências dos que compram consci-
quadrilhas juninas… “…olha pró céu meu
cheiro de terra molhada, pois têm que sair
ências… eles precisam de um poderoso
amor… ” ou “…só porque não vem quem
correndo em desespero antes que sejam
setor da classe média que tem diploma
tanto eu queria… ” e os sorrisos e olhares
arrastadas pelas águas… São muitos que
universitário, mas é acovardado de forma
e suspiros e lágrimas de amor primeiro!
se esquecem das crianças cujas infân-
vergonhosa… eles precisam que os servi-
Além das muitas atividades articuladas,
cias são roubadas para sempre quando
ços de saúde não funcionem para obrigar
também neste mês, pelos agentes públi-
utilizadas como mão-de-obra escrava
a pobreza a mendigar desesperados pelo
cos e movimentos sociais especialmente
do narcotráfico; das trabalhadoras de
atendimento nos comitês deles… eles
para datas relacionadas a temas de grande
educação que ao v ivenciar a angústia
precisam que a Esperança seja aniquilada
importância nas Políticas Sociais como a
dos salários ridículos e a violência no
das nossas vidas – todos os dias – para que
Defesa do Meio Ambiente, Erradicação do
cotidiano de trabalho sequer conseguem
ao perdê-la eles possam, na sordidez e im-
Trabalho Infantil, Combate à Violência
exercita r a del icadeza em ensi na r as
punidade, continuar a construir castelos
ao Idoso, etc.
lições aos seus filhos; da precariedade
de riquezas conquistadas pelos roubos e
Nos festejos ju n i nos d iga mos que
extrema das condições de trabalho na
medos impostos pelo poder!
mudou um bocado! As lindas e gigan-
segurança pública, na saúde… no campo,
Mas… apesar dessa gentalha que está
tescas festas, com raras exceções, estão
na cidade; …dos filhos assassinados e
na polít ica pa ra rouba r cinica mente,
recheadas do propinódromo onde a vi-
chorados dia após dia feito o maior dos
assassi na r cova rdemente, ex plora r a
garice política ganha muito dinheiro nos
lamentos das suas mães… Renatinho,
pobreza friamente e destruir a natureza
contratos fraudados e consolida poder
Fernando, Alexystaine, Fábio, Giovana,
impunemente… e como mentem! Vamos
ludibria ndo o povão! Setores da elite
Maria, José… e tantos(as) muitos mais
aproveitar a beleza e alegria das Festas
política bebem todas, cheira m muito
assassinados(as) por serem pobres e pelas
Juninas para renovar as nossas forças,
pó, conquistam votos e se perpetuam
mais diversas formas de intolerância,
mas sem esquecer as trincheiras em que
na administração pública ao ritmo de
covardia e preconceito.
realmente estamos e das lutas – por ética
muitas festas e de profunda e triste mi-
A desestruturação ou ausência das
e justiça social – em que ainda somos
séria social. Nas festas da manipulação
Políticas Públicas, da máquina estatal,
os derrotados… por enquanto! Assim…
política – e no consumo desvairado das
do planejamento e gestão com eficácia e
S a u d a ç õ e s a q u e m t e m C or a g e m …
drogas lícitas ou ilícitas por muitos do
resolutividade, do rigor técnico necessá-
Desprezo à Pusilanimidade!
povo – está o antídoto perfeito da rebel-
rio não é apenas uma demonstração da
dia social!
desprezível mediocridade intelectual, da
34
* Vereadora de Maceió PSOL/AL
Ano III • Número 5
OPinião
Chico AlencaR*
É o dinheiro, estúpido! Sob a aparente “normalidade”, entretanto, algo se move. As revoltas populares nos países árabes e as praças ocupadas por jovens e desempregados na Europa, em especial na Espanha, na Grécia e em Portugal, chegam até nós. A famosa exclamação do publicitário
Ontem como hoje, o Estado não é
empresas que produzem a mercadoria
James Carville –”É a economia, estúpi-
fortalecido para prover à população os
voto, cujo combustível de fidelização é
do!”– aventando a derrota de Bush pai para
serviços fundamentais, mas, sim, para
a política de clientela e um governismo
Bill Clinton, em 1992, admite paráfrase
viabilizar riquezas e a perpetuação dos
atávico. A militância de ideias e de causas
sobre o Brasil de hoje. O caso
encolhe diante do poder dissol-
Palocci vai muito além da con-
vente do dinheiro.
sultoria milionária que prestou
A cobrança mobilizadora tem eixos culturais mudancistas,
enquanto exercia mandato de
como eliminação de privilégios, serviços públicos
volucionário. Na administração
deputado federal.
de qualidade, garantia de direitos sociais, combate às
pública, a simples prática dos
O essencia l da questão
desigualdades, controle das movimentações financeiras e
pr incípios const ituciona is da
produz, recorrentemente, ca-
democracia participativa. Questionando o sistema político
legalidade, da moralidade, da im-
racterísticas regressistas à nossa
e o cinismo partidário, a multidão na Porta do Sol, em Madri,
pessoalidade e da publicidade, em
República: a total promiscuida-
proclama: “Nossos sonhos não cabem nas suas urnas”.
todos os níveis, seria transforma-
No Brasil, cumprir a lei é re-
de entre negócios privados e
dora. Esses preceitos já deviam ter
interesse público.
vedado qualquer atividade empre-
O deus dinheiro dogmatiza a afirmação
seus operadores.
sarial privada concorrente com a função pública, que exige dedicação integral.
de que a vivência como gestor público “é
Privatiza-se a política: os fetiches de
experiência única, que dá enorme valor
dinheiro e prosperidade, ícones da cultu-
Sob a aparente “normalidade”, entre-
de mercado”.
ra dominante, estão inoculados no nosso
tanto, algo se move. As revoltas populares
sistema eleitoral.
nos países árabes e as praças ocupadas
Enriquecimento patrimonial atípico não provoca desconforto sequer em parti-
A eleição de representantes da popu-
por jovens e desempregados na Europa,
do de inspiração socialista, cada vez mais
lação demanda crescentes recursos, res-
em especial na Espanha, na Grécia e em
vinculado às grandes corporações. Afinal,
tritivos a que maiorias sociais se tornem
Portugal, chegam até nós.
“enriquecer não é crime”, e até para o pro-
maiorias políticas. Dos eleitos para o
A cobrança mobilizadora tem eixos cul-
curador não há o que procurar.
Congresso, 55% tiveram financiamentos
turais mudancistas, como eliminação de
de grandes empreiteiras.
privilégios, serviços públicos de qualidade,
Um autor muito caro aos petistas de antigamente, Karl Marx, em “As Lutas de
Os amálgamas das bancadas parlamen-
garantia de direitos sociais, combate às de-
Classe na França”, com sua análise acurada
tares não são doutrinas e projetos, mas
sigualdades, controle das movimentações
do contexto europeu da metade do século
interesses imediatos: do banco, da bola,
financeiras e democracia participativa.
19, ainda joga luz ao que acontece aqui: “As
da bala, da motosserra. Todos os chama-
Questionando o sistema político e o cinis-
enormes somas que passavam pelas mãos
dos “grandes candidatos” ao Executivo
mo partidário, a multidão na Porta do Sol,
do Estado davam a oportunidade para
têm os mesmos provedores: instituições
em Madri, proclama: “Nossos sonhos não
fraudulentos contratos de fornecimen-
financeiras, mineradoras, construtoras,
cabem nas suas urnas”.
to, corrupção, subornos, malversações
agroindústrias.
e ladroeiras de todo gênero. A pilhagem
Os partidos políticos, desideologiza-
por atacado do Estado pelos financistas
dos, consórcios para ocupação de espa-
repetia-se a varejo nas obras públicas”.
ços clientelistas da administração, são
Julho de 2011
Por d iver sa s for ma s, esse cla mor também crescerá aqui. * Deputado federal PSOL/RJ
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Wassily Kandinsky, detalhe da obra Black and Violet, 1923
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Ano III • Número 5
Vladimir Maiakovski
E então que quereis?... Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas.
Julho de 2011
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