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NEGÓCIOS GLOBAIS | europa

O PIOR JÁ PASSOU? A Espanha pode estar saindo da recessão mais longa de sua história recente — mas ainda falta muito até que a vida das pessoas comece efetivamente a melhorar

notícia que tanto ansiavam. Depois de 27 meses de recessão, o país registrou o primeiro trimestre de crescimento. A alta de 0,1% registrada no PIB do terceiro trimestre do ano é modestíssima, quase nula. Estatisticamente, é praticamente igual à variação do PIB no trimestre imediatamente anterior, de -0,1%. Em termos simbólicos, porém, foi o primeiro dado positivo depois de nove retrações consecutivas. Numa economia sedenta por boas notícias, as últimas semanas foram pródigas. As exportações cresceram 7% de janeiro a agosto, somando 156 bilhões de euros, o maior valor desde 1971. A produção de veículos registrou em setembro o sexto avanço consecutivo, com 19% de crescimento em relação a 2012, e os investimentos estrangeiros diretos quase dobraram, para 20 bilhões de dólares — o maior incremento entre todos os países europeus. Para completar, no começo de novembro, a agência de avaliação de risco Fitch melhorou a perspectiva da 94 | www.exame.com

dívida espanhola de negativa para estável, o que indica que a expectativa de calote é pequena. A alta simbólica do PIB foi suficiente para o governo sustentar que o país está finalmente saindo da mais longa crise em quatro décadas. Num tom mais sóbrio, a maior parte dos analistas acredita que o pior pode mesmo ter ficado para trás, ainda que não se descarte a possibilidade de uma eventual recaída. O banco BBVA, um dos maiores do país, estima que o PIB crescerá 0,5% nos últimos três meses do ano, mas que, na média anual, 2013 ficará negativo. O FMI projeta que o PIB registrará uma expansão menor do que 1% em todos os anos de 2014 a 2017. A tímida melhora do PIB é resultado do pacote de reformas que a Espanha conduziu desde o início da crise. Em 2009, os bancos espanhóis começaram a ser recapitalizados com recursos de fundos da União Europeia. Uma série de medidas de contenção de gastos foi adotada por todas as esferas do governo. Em julho de 2012, o país aprovou uma ampla reforma trabalhista, que reduziu o poder dos sindicatos e per-

CENTRO DE MADRI: o nível de confiança dos consumidores ainda é baixo e falta crédito para as famílias e as empresas

UMA LUZ NO FIM DO

O PIB espanhol parece ter escapado de

TÚNEL

uma espiral negativa, mas é muito cedo para decretar o fim da crise no país ...e o investimento estrangeiro direto quase dobrou no primeiro semestre (em bilhões de dólares)

Depois de meses de retração econômica, o PIB espanhol parou de cair... (variação, em %) 0,2 -0,1 -0,3 -0,4

-0,4 -0,5 -0,4 -0,8

-0,4 -0,1

Mas o desemprego permanece em quase 27%, a segunda maior taxa entre todos os países ricos...

0,1 26%

1º tri

2º 3º tri tri 2011

4º tri

1º tri

2º 3º tri tri 2012

4º tri

1º tri

2º tri 2013

11

20

1º sem 2012

1º sem 2013

...e o endividamento(1) do governo está no maior patamar da história recente (em % do PIB)

26,4% 26,6%

40%

54%

62%

70%

86% 94%

3º tri out/2012

jun/2013

set

2008 2009 2010 2011 2012 2013(2) 27 de novembro de 2013 | 95

(1) Dívida bruta (2) Projeção Fontes: OCDE, Unctad, Eurostat e FMI

N

O FIM DE OUTUBR0, OS ESPANHÓIS ouviram a

MARIA GALAN/GETTY IMAGES

VERENA FORNETTI


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CONSTRUÇÃO DE APARTAMENTOS EM MADRI: o setor imobiliário atrai investidores

ANGEL NAVARRETE/GETTY IMAGES

mitiu um aumento no número de horas extras. “As mudanças no mercado de trabalho deixaram a Espanha bem mais competitiva”, diz o americano Roger Farmer, professor de economia na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Isso ajudou o país a registrar grandes aumentos nas exportações — especialmente de máquinas e equipamentos — para Brasil, México e Argélia. Parte da elevação dos indicadores econômicos também é consequência do fato de a crise ter tornado o país barato para os estrangeiros. A bolsa de Madri valorizou 26% nos últimos 12 meses. O mercado de imóveis, epicentro da crise e ainda longe da plena recuperação, passou a atrair o interesse de investidores estrangeiros. Em outubro, o bilionário americano Bill Gates, dono da Microsoft, comprou 6% da segunda maior construtora espanhola, a FCC, num negócio de 113,5 milhões de euros. Apesar desses avanços, a sensação de melhora não é percebida pela população. O índice de confiança dos consumidores espanhóis está em 65,3 pontos, segundo o Centro de Investigações Sociológicas, 30 pontos abaixo do nível pré-crise. Esse resultado tem reflexos no varejo, cujas vendas caíram 2,5% em setembro na comparação com o mês anterior. Há muitas lojas fechadas nas ruas das grandes cidades, as pessoas gastam menos dinheiro nos tradicionais bares espanhóis e todo mundo tem um amigo ou parente sem emprego — a desocupação atinge quase 27% da população economicamente ativa, a segunda maior taxa dos países desenvolvidos. Um dos maiores perigos que rondam a economia é um longo período de deflação, que inibe o consumo porque as pessoas adiam as compras à espera da queda dos preços. Em outubro, a medição da inflação foi negativa pela primeira vez em quatro anos. “Tecnicamente, a economia não está mais em recessão, mas isso não significa que a vida das pessoas esteja melhorando”, diz Manuel de la Rocha Vázquez, economista da Fundação Alternativas, centro de pesquisas com sede em Ma-

Desde o início da crise europeia, o PIB da Espanha já encolheu 7%, e o país passou de nona para 13ª maior economia do mundo dri. Para o especialista, o consumo doméstico ainda é baixo e não há crédito suficiente para as famílias e as pequenas empresas. Nas ruas, o ambiente é de pesar. Desde 2007, a Espanha perdeu 7% de seu PIB. Nesse período, o país passou de nona maior economia do mundo para 13a, sendo ultrapassado por Índia e Austrália. O número de trabalhadores sem emprego passou de 2,2 milhões para 6 milhões de pessoas. Em 2012, pela primeira vez desde que se tem registro, a população espanhola diminuiu 0,2% — em consequência da saída de jovens e estrangeiros. Para Javier Díaz-Giménez, professor de economia na escola de negócios espanhola Iese, o potencial de crescimento só será elevado de forma sustentada se o país fizer uma nova reforma das leis trabalhistas que reduza os

custos das empresas e reformular as contas públicas. O endividamento público deverá fechar neste ano em 94% do PIB — em 2008, o percentual era de 40%. O governo também se diz preocupado com esse tema e já começou a apertar o cinto. O seguro-desemprego continua com o limite de duração de dois anos e um benefício de até 1 400 euros. Isso explica o fato de o índice que mede a pobreza não ter aumentado demais — foi de 23% da população em 2007 para os atuais 28%. Mas o governo, preocupado com os gastos, já fez mudanças. Hoje, quem recusa duas vezes uma oferta de emprego perde o direito ao benefício máximo. Foi um bom começo. Para evitar uma recaída e fazer a economia voltar ao nível pré-crise, porém, o governo terá de fazer mais, muito mais.


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