ENTRE entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura
Francesco Perrotta-Bosch Gabriel Kozlowski Mariana Meneguetti Valmir Azevedo
VIANA & MOSLEY Editora
[ENTRE] entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura Projeto Editorial Marta Mosley Textos Francesco Bruno Perrotta-Bosch Gabriel Kozlowski Maia Mariana Valadão Meneguetti Valmir Soares Azevedo Prefácio João Masao Kamita Revisão dos Textos Ana Kronemberger Impressão e Acabamento Sermograf
VIANA & MOSLEY Editora
Barra Space Center Av. Das Américas, 1155, Sala 805 Barra Da Tijuca Rio De Janeiro VIANA & MOSLEY Editora Rj 22631-000 Tel/Fax: (21) 2111 9206 Diretor Comercial: Richard Mosley Vmeditora@Globo.Com PERROTTA-BOSCH, Francesco; KOZLOWSKI, Gabriel; MENEGUETTI, Mariana; AZEVEDO, Valmir. ENTRE, entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura. Rio de Janeiro: Viana e Mosley, 2012.
E52 ENTRE - entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura / Francesco Bruno Perrotta Bosch ... [et al.]. - Rio de Janeiro : Viana e Mosley 2012 260p.; __cm. ISBN- 978-85-887211.Arquitetos - Brasil - Entrevistas. I.Bosch, Francesco Bruno Perrotta. II. Título: Entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura. CDD- 720.981
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José Carlos dos Santos Macedo - Bibliotecário CRB7 n. 3575
ENTRE entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura
Francesco Perrotta-Bosch Gabriel Kozlowski Mariana Meneguetti Valmir Azevedo
VIANA & MOSLEY Editora
Viana & Mosley Editora Rio
de
Janeiro
VIANA & MOSLEY
2012 Editora
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Prefácio Esse conjunto de 13 entrevistas realizadas por alunos do curso de arquitetura da PUC-Rio ao longo dos anos 2009- 2012 (a exceção da entrevista com João Filgueiras Lima – Lelé -de 2007) , e publicadas no site ENTRE (www.entre.arq.br) oferece uma rara chance de conhecer as palavras de arquitetos e críticos na atualidade: 10 escritórios (4 cariocas, 4 paulistas e 2 mineiros), 2 arquitetos consagrados e um par de críticos (uma carioca, um paulista). Ainda que não tenha a pretensão de se colocar como um inventário da arquitetura contemporânea no Brasil, é mais do que saudável receber este livro, tendo em vista a parca atenção dada sobre ao tema pelas publicações de arquitetura. E não poderia ser de outro modo que não indo direto à coleta das palavras dos que estão hoje operando de forma significativa e atuante no campo da arquitetura. Nas entrevistas temos a chance de conhecer um pouco da formação acadêmica, dos primeiros anos de escritório, dos projetos marcantes, das experiências e frustrações do cotidiano de trabalho, dos impasses da profissão, da herança da arquitetura modernista e da crise do moderno, das redefinições necessárias de conceitos e estratégias, dos novos desafios da cidade contemporânea. Não seria de esperar, é óbvio, unidade de posições, alinhamento de ideias e afinidades de grupo. Pluralidade e heterogeneidade são características evidentes, e não poderia mesmo ser diferente. E embora o traço geracional não seja expressão de muita coisa, é possível flagrar entre os entrevistados certa convergência, pelo menos no reconhecimento dos limites atuais da profissão, inclusive da própria figura do arquiteto e do recuo da ação da arquitetura no processo de construção social do país. Por outro lado, há certa preocupação com as temáticas contemporâneas, expressas no conjunto de referências citadas, bem como a busca de sintonização com as transformações em curso, fenômenos típicos de um mundo já globalizado que desfaz as distinções entre local e global. Nesse sentido, a maior parte desses escritórios encontra-se em rede com o campo internacional, estabelecendo intercâmbios produtivos, algo que no período do modernismo se realizava de modo bem mais tímido e reservado. Não obstante a oportuna ocasião de se conhecer, embora a partir de um recorte exclusivo e parcial, o que pensam e fazem os arquitetos nos dias de hoje, creio que a equação se mostraria incompleta se, para além das respostas, não incluirmos o ambiente que gera a pergunta. Vamos, portanto, recolocar a questão: o que podem os arquitetos dizer aos estudantes de arquitetura? Não se trata de artifício retórico, àquela que surge apenas por ocasião de formaturas, quando se tem de preparar palavras de incentivo para jovens formandos. A resposta dos arquitetos é sempre cheia de confiança, de positividade, de crença na ação construtiva da arquitetura, mesmo momentos de crise. A dos alunos é pergunta inquieta, ansiosa, incerta, sem horizonte delineado justamente porque ainda não se constituem como sujeitos-arquitetos. Mas se estamos vivendo um momento
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Prefácio
João Masao Kamita
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de crise que envolve o questionamento das bases da própria disciplina então é da assunção de fragilidade, de hesitação, de dubiedade que emergem perguntas certeiras, questões incômodas, problemas irrevogáveis, mas absolutamente necessárias para nos posicionarmos nesse all-over contemporâneo. A pergunta se torna ainda mais premente diante da constatação da quase unanime da irrelevância e da precária presença da arquitetura como fato cultural efetivo, incapaz de interferir tal como gostaríamos ou desejaríamos na construção da cidade. Mas o próprio da cidade é justamente existir em perpétua transformação. Na realidade contemporânea de nossas metrópoles, esta condição inacabada e informe parece ser um “diagnóstico” consensual entrevisto. Flagrados e atônitos em meio ao fluxo contínuo e sem direção do cotidiano urbano, em que não há posição fixa ou ponto de vista ideal para captar a complexidade e intensidade dos fenômenos e assim tecer metas e caminhos para a ação, nossos objetos e objetivos se vêem em questão. Um problema prático, um problema teórico. O real do presente contemporâneo é um desafio. Nossos instrumentos projetuais e conceituais, no entanto se mostram defasados diante da velocidade dos novos processos. Parar e pensar não parece mais estratégia possível. Pensar em movimento não se compatibiliza com as possibilidades do juízo crítico. Resultado: “juízos” meramente superficiais e fugazes. Diante da crise dos paradigmas, preocupação e inquietação são sentimentos reais. Na escola, isso é vivido mais do que pelos professores (o mais das vezes acomodados confortavelmente em verdades anacrônicas, em metodologia naturalizadas, em crença na experiência prática), fundamentalmente pelos alunos: preocupados porque diante de problemas reais da cidade, inquietos porque não vislumbram porto seguro nas metodologias, na história, na teoria, nas análises, nos valores morais e seja lá que por aí se veja nas faculdades de arquitetura. Não há conforto sequer na forma de colocar o problema. Estou certo de que a questão antecede à tradicional concepção da escola como lugar da simulação de problemas onde o aluno possa enfrentar sob a orientação de um arquiteto-professor os desafios propostos. Identificar problemas e imaginar/ projetar soluções é já se inserir numa cadeia lógica de passos pré-dados, numa série que estabelece de antemão um lugar confortável para o sujeito-arquiteto – um centro ideal – de onde teria a capacidade de vislumbrar o real, de conquistar uma inteligibilidade que lhe permita identificar problemas, elaborar diagnósticos objetivos e idealizar soluções positivas. Esse lugar estável e centrado do sujeito-arquiteto parece cada vez mais remoto, e por isso mesmo precisa ser problematizado. E justamente o que os alunos, na condição de ainda “não habilitados para o exercício da profissão”, percebem é lugar deslocado do arquiteto na contemporaneidade, o que pressentem é a incongruência entre
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autoconfiança e positividade dos discursos do sistema da arquitetura e a fragilidade da profissão em afirmar suas crenças e convicções. Por trás da aparente ingenuidade juvenil da pergunta “O que é arquitetura?”, desdobram-se obviamente várias definições. Contudo, a diversidade das respostas, quando confrontado com os impasses da situação atual é revelador da fragmentação do campo produtivo do sistema da arquitetura. Os jovens, a escola, o mercado, e escritório, a crítica, a indústria da construção, tantas e tão diversas são as faces apresentadas, mas tudo a meu ver se resume a um problema: o pensamento da arquitetura. Dito de outro como, a questão é como pensar a arquitetura hoje. Apesar das nuances e variações, de modo geral predomina a concepção que reitera que “arquitetura é construção” ou “organização do espaço”. Definições bem clássicas, em vista da revisão em processo do projeto contemporâneo. Mas falando francamente qual das nossas faculdades de arquitetura prepara o aluno para o ato da construção? Qual delas trabalha conscientemente, metodologicamente em toda a sua profundidade e extensão o conceito de espaço e suas possibilidades de articulação/construção? Este livro parte da experiência da escola, ou seja, desse ambiente extremamente idealizado e insular – da formação, da construção, da demanda, do cliente, do programa, da arte, e tudo o mais – que embora seja revelador de uma vitalidade interna destacada, não deixa também de ser a constatação de uma condição privilegiada e à parte da situação social crítica de nossas cidades. Todo esforço desta publicação é estabelecer um enlace, uma interlocução com os produtores e as esferas distintas que envolvem a prática da arquitetura. Mais do que tudo, o ato fundamental deste livro organizado pelos estudantes de arquitetura e urbanismo da PUC-Rio é restituir a responsabilidade ao leitor, reinstituir significativamente a leitura como ato de investimento crítico. À propósito da noção de investimento, me lembrei do belo texto de George Steiner – “O leitor incomum”, no qual comenta o quadro Le Philosophe lisant de Chardin, pintado em 1734. A tela mostra um elegante erudito, solitário em seu estúdio, com um livro aberto a sua frente, tendo ao lado uma ampulheta e uma pena para anotações. Chapéu e trajes de veludo denotam que o ato da leitura exige uma vestimenta elevada e solene. A vestimenta, segundo Steiner, revela o grau de investimento exigido para a leitura. Essa solene preparação revela não se tratar o ato da leitura de uma ação banal, apressada, ou superficial. Ampulheta expõe o contraste entre a vida breve do homem e a longa duração do livro, nos adverte que embora a ação de ler possa se dar em um intervalo pequeno de tempo, o sentido do texto lido permanece; por fim, a pena para anotações expressa que a leitura é um ato de interação: cada texto pressupõe uma resposta, uma reação, uma continuidade. - Entre: um investimento, um intervalo, uma incitação.
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Prefácio
João Masao Kamita
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Apresentação Quando criamos o site ENTRE, no início de 2009, éramos quatro estudantes ainda na metade do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Vivenciávamos uma conjuntura singular: o CAU-PUC havia sido fundado poucos anos antes e se incentivava a participação dos graduandos na sua construção. Iniciativas anteriores de outros alunos, como a Semana de Arquitetura “Ser Urbano” e a Revista NOZ, já indicavam essa direção. O ENTRE deve ser visto, de início, dentro desse panorama, como uma proposta para retratar um momento de nossa busca pela compreensão do que estudávamos, isto é, do que é arquitetura. A graduação intenta, como concepção seminal, o provimento de um ambiente ideal para que o futuro arquiteto comece a entender a profissão em seus mais distintos aspectos, a discernir as intenções e os objetivos próprios à sua prática, a elaborar um olhar crítico sobre a cidade e suas construções, esclarecendo o aluno quanto ao contexto em que está sendo introduzido. Contudo, no tempo presente, essa situação acadêmica fragiliza-se. Recebemos constantemente informações e novidades provenientes de diversos meios externos ao espaço universitário, tornando evidente que a época em que vivemos é caracterizada por transformações tão amplas e rápidas, que é impossível estar a par de todas as novas questões apresentadas. Assim, neste mundo contemporâneo, cuja nitidez perdida leva à imprecisão das diferenças entre os infinitos elementos que o compõem, qualquer posicionamento crítico parece incerto frente a situações cada vez mais complexificadas e, por vezes, ambíguas. A discrepância entre o ritmo das modificações em nossas cidades, as potencialidades proporcionadas na atualidade e as situações ideais às quais éramos apresentados no curso nos encaminhava a um temor sobre o nosso papel após o recebimento do diploma universitário. Nossa percepção era de que talvez estivéssemos, provisoriamente, protegidos numa realidade ideal e utópica, e, assim que nos formássemos, seríamos obrigados a nos inserir num mercado arquitetônico pautado, sobretudo, por relações comerciais e alheio a quaisquer premissas que priorizem a busca por uma qualidade projetiva. Refutando essa suposição, criar o ENTRE foi uma estratégia que encontramos de enfrentar esse temor, buscando alternativas a partir de atuações exemplares no campo arquitetônico. Talvez, por termos estudado arquitetura no Rio de Janeiro, nos sentíssemos especialmente órfãos de referências contemporâneas que se destacassem dos heróis modernistas de meados do século XX. Com o lançamento do ENTRE, rapidamente observamos que algumas de nossas questões eram compartilhadas por estudantes de todo o país: o que se mostrava como conjuntura arquitetônica carioca ultrapassava o universo local. Por isso, a opção pelo formato de site foi a maneira encontrada para expandir nossas buscas, possibilitando trocas com diversas pessoas ao redor do mundo, além de nos permitir ter a liberdade de desenvolver esse projeto independentemente de qualquer instituição, preservando, assim, nossa curiosidade de interesses externos.
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Nas entrevistas realizadas com diferentes arquitetos, importamo-nos em conhecer, em suas trajetórias profissionais, a transição do curso universitário para a posição assumida no presente, os desafios que se puseram para o desenvolvimento de suas carreiras. Com isso, explicitou-se a existência de caminhos possíveis para se fazer boa arquitetura no Brasil. Por essa via, podemos analisar as conversas aqui publicadas como uma pesquisa por uma plataforma de iniciação à prática da arquitetura; ou seja, por um lugar seguro, mesmo que provisório, para esse começo profissional. Para nós quatro, os momentos das entrevistas foram sempre especiais por desconstruírem a aparente enorme distância entre o arquiteto e o estudante, acabando com um receio natural de debater e questionar junto a profissionais com projetos exemplares. A escolha pelo formato de entrevista também se deu pelo potencial desse trabalho como irradiador de questões. Não caberia a nós qualquer papel que monopolizasse a elaboração dos discursos apresentados no site. Pelo contrário, nossa atribuição era gerenciar um possível canal para questionamentos dos estudantes aos arquitetos. Para introduzir as respostas e ampliar a compreensão dos temas que são apresentados pelos entrevistados, mostramos suas “estantes de livros”: listas de dez publicações importantes nas suas formações, de maneira a tentar esclarecer o discurso de cada arquiteto a partir de suas referências. As perguntas, em grande parte, não se restringem a especificidades contidas em exemplos projetuais, mas privilegiam um caráter mais abrangente. Interessamnos, principalmente, os problemas eleitos para serem enfrentados e as posturas críticas adotadas no momento do projeto e no debate arquitetônico. É especialmente interessante a leitura do conjunto das diferentes falas, comparando a relevância que cada arquiteto dá a determinadas questões, como, por exemplo, os distintos modos de operação no cotidiano da prática da arquitetura, as relações criadas entre o que é feito no escritório e os métodos de ensino no espaço universitário, os posicionamentos diante de assuntos como a função social da arquitetura, a sustentabilidade ou a tectônica, as noções pessoais de beleza, as distintas visões de urbanidade, a heroificação de certos modernistas por alguns e o esforço pela desconstrução da aura heróica por outros, a observação de discursos que se estruturam nas relações dadas na escala do tijolo enquanto outros sustentam-se por fenômenos que se sucedem em escala global. Ao transformar o conteúdo do site neste livro, concluímos um trabalho que nos acompanhou durante parte da graduação, ocupando os períodos entre as aulas, os estágios, os concursos, os intercâmbios. O ENTRE é especialmente significativo para nossa formação. Foi um importante meio para o início de uma apropriação crítica do mundo ao nosso redor. Para os leitores, é uma seleção de arquitetos com produção significativa em nosso país, na transição da primeira para a segunda década do século XXI. A escolha dos entrevistados é aberta e representativa da arquitetura brasileira atual, mas de modo algum tem a pretensão de abranger todos os escritórios notáveis. Apresentamos um conjunto de pessoas extremamente capazes de participar ativa e qualificadamente das transformações a que estamos sujeitos no atual momento do Brasil. Fica a você, caro leitor, nosso convite para aproveitar essas entrevistas feitas por estudantes para todos os interessados em arquitetura.
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Apresentação
Autores
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Prefácio Apresentação
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ENTREVISTAS
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28 46 68 86 102 116 146 164 180 198 218 234
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Autores Créditos
Sumário
João Masao Kamita Autores Andrade Morettin Arquitetos Associados BLAC CAMPO aud Carla Juaçaba João Walter Toscano João Filgueiras Lima (Lelé) MMBB Nitsche Arquitetos Associados Rua Arquitetos SPBR Vazio S/A Ana Luiza Nobre + Guilherme Wisnik
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Andrade Morettin
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MAU, Bruce. Massive Change. GAUSA, Manuel. OPOP: Optimismo Operativo em Arquitectura. KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S,M,L,XL. KOOLHAAS, Rem; AMO. El Croquis Rem Koolhas / OMA [I]. SEJIMA, Kazuyo; NISHIZAWA, Ryue. El Croquis SANAA _ n.121/122. Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Vilanova Artigas. ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). Paulo Mendes da Rocha. ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). João Walter Toscano. SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. AB´SABER, Aziz. São Paulo. Ensaios e Entreveros.
Andrade Morettin
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Andrade Morettin
Na manhã do dia 24 de abril de 2009, visitamos o escritório Andrade Morettin Arquitetos, onde fomos recebidos por Vinicius Andrade, arquiteto responsável em conjunto com Marcelo Morettin, para uma entrevista. Ambos graduaram-se na FAU-USP no início da década de 1990 e, atualmente, lideram esse escritório de arquitetura com uma produção das mais notáveis do país. Venceram e receberam menções em diversos concursos no Brasil e no exterior, como, por exemplo, o Comperj, o Living Steel e o Instituto Moreira Salles de São Paulo. Projetando desde pequenas casas até intervenções urbanas, trabalham tanto para o setor público quanto para o privado, com programas e escalas distintos.
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Como aconteceu a transição da academia para a carreira profissional? Vinicius Andrade - No meu caso, não houve ruptura. Como muitos arquitetos, comecei a trabalhar ainda enquanto estava na faculdade, no escritório do professor Eduardo de Almeida, da FAU-USP. Eu estava no terceiro ano da faculdade e ele era o meu orientador. Por conta disso, acabei fazendo a FAU em sete anos, mas não me arrependo. Se soubesse, teria ficado uns dez anos. Após terminar a faculdade, continuei trabalhando com o Eduardo, e, depois, com os arquitetos que trabalhavam com ele, os que criaram o MMBB. Um ano depois de me formar, passei um ano trabalhando em Barcelona e, quando voltei, montei o escritório com o Marcelo Morettin, colega da FAU. Então, a experiência profissional foi quase uma continuidade da faculdade. Quando e por que vocês decidiram abrir um escritório? Vinicius Andrade - Desde que comecei a estudar na FAU-USP, gostava de arquitetura, mas realmente passei a entendê-la frequentando as aulas, a biblioteca, o prédio. Aquele prédio é uma iniciação à arquitetura moderna e à arquitetura como uma forma de vida. Então, eu tinha uma paixão muito grande pela faculdade e projetar era tudo o que queria fazer. Para mim, naquele momento, o lugar para projetar era o escritório próprio. Há nisso certo idealismo de que você quer fazer aquilo em que acredita, há uma vontade de construir a própria experiência. Tanto que o fizemos em condições muito precárias: eu tive um grupo, ainda na época da faculdade, que montou um escritório em cima de uma padaria e nele fazíamos projetos para amigos e familiares sem cobrar. Depois, abri o primeiro escritório com o Marcelo, mas faliu. Então, fui viajar e quando voltei reabrimos o escritório. Trabalhei no Eduardo de Almeida; no Felipe Crescenti; e em Barcelona, com o Emili Donato. Foi muito bom, mas sempre quis fazer o meu próprio caminho, por mais precário que fosse. Hoje, vejo que é necessário ter muita força de vontade, porque é difícil. Muita coisa dá errado. Não sabíamos administrar o negócio, mas acabamos aprendendo na prática. Existe alguma diferença substancial entre o escritório do início e agora que ele está estabelecido e ativo? Vinicius Andrade - São muitas as diferenças. Do ponto de vista do funcionamento interno do escritório, agora temos uma equipe na qual confiamos e que está aqui há anos. É uma equipe muito boa. No início, fazíamos absolutamente tudo sem qualquer apoio. Do ponto de vista da relação do escritório com o mundo exterior, temos alguma experiência e também uma história. No começo, muitas pessoas queriam encomendar um pagode, uma casa tirolesa, o que acarretava em muitos
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desencontros. Isso acabou. Hoje, quando alguém nos procura, já sabe o que podemos fazer ou, na linguagem dos clientes, qual é o nosso estilo. É natural que se acabe tendo uma linha. Não que eu ache que você tem que sair tentando encontrar sua linha de arquitetura. Depois de um histórico, você reconhece algumas características comuns do seu trabalho. Essas características são a cara do seu escritório. Como se relaciona a pesquisa de materiais com o desenvolvimento do projeto? Vinicius Andrade - Os dois pontos são indissociáveis. Temos uma maneira de pensar o projeto na qual não definimos nenhum material a priori. Começamos pelo conceito do projeto, o lugar, o como será feito. Depois, fazemos uma pesquisa de qual material responde satisfatoriamente ao conceito de projeto. Todos os materiais são escolhidos pelo desempenho, por isso temos que pesquisar, falar com o fornecedor, buscar na internet. Como preferimos usar componentes industrializados por várias razões, a cada projeto que fazemos tem um material novo no mercado. É algo inerente à área. Então, é preciso pesquisar sempre, senão você fica parado. Existe algo em arquitetura que é o arquiteto tentar usar sempre o mesmo repertório para construir uma linha identificável. Achamos que não. O que deve ser identificável são as formas de pensar, não o material. Cada projeto é uma pesquisa. Por exemplo: agora, estamos fazendo um projeto grande para a Petrobrás, o COMPERJ. Nós precisávamos de uma membrana de proteção, pois o prédio tem um lado voltado para as ruínas, para o poente, no Rio de Janeiro. Essa face precisava ter transparência visual, mas não sabíamos que material utilizar. Pesquisamos e descobrimos, na Arcelor da França, uma chapa ondulada e perfurada que também pode ser produzida aqui. Ela tem o desempenho e as características de que precisávamos. Qual é a importância do detalhe no projeto? Vinicius Andrade - Por um vício da profissão, sou obrigado a fazer uma distinção: existem os detalhes construtivos e os detalhes de acabamento. São dois pontos muito diferentes na hora de pensar e na hora de construir. Pela própria formação da gente, temos uma preocupação muito grande com o detalhe construtivo, que é aquele que está vinculado à estrutura do prédio, porque, na nossa arquitetura, muito se apresenta pela própria estrutura. Existe a seguinte frase feita lá na FAU: quando a estrutura está pronta, a arquitetura se apresenta por inteiro. Talvez, isso seja radical demais, mas acho que, no fundo, impregna o jeito de pensar. Para nós, o detalhe é muito importante quando desenhamos a construção do edifício. Por exemplo, a forma como a estrutura apoia e a leveza que ela deve ter são obtidas no detalhe. O Artigas dizia que é preciso fazer cantar os pontos de apoio. Quanto aos detalhes de
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acabamento, gostamos das soluções mais simples. Muitas vezes, fazemos uma casa de estrutura metálica bem arrojada e, no final, colocamos um rodapé. Não temos muita preocupação com o detalhe de acabamento. Hoje, parece ser bem comum fazerem uma construção regular, com parede de bloco de concreto, e colocar um rebaixo em gesso, com frestinha. Quer dizer, isso é um detalhamento de acabamento. O detalhamento construtivo, nesse caso, é nenhum. Para fazer oposição a isso, adotamos uma determinada postura ideológica. Tentamos fazer o detalhe de acabamento o mais despojado possível, pois o foco está no detalhe construtivo. Onde exatamente nasce o detalhe em seus projetos? É no início, durante a evolução dele, ou depois? Vinicius Andrade - O detalhe construtivo do edifício é dado logo no princípio, que é o detalhamento de estrutura, de fechamento. O detalhe que nos interessa é como o fechamento pega na estrutura. Ao final, muitas vezes coincide que este também é o detalhe de acabamento. Não é um detalhe sobreposto ao projeto de estrutura pronto. Então, ele surge no começo, no ponto zero. No começo do desenho, já temos isso em mente. Vocês participam de muitos concursos e têm obtido êxito em vários deles, o que o concurso como um momento dentro do escritório significa para vocês? Vinicius Andrade - O concurso é uma hecatombe, uma catarse aqui dentro. É um momento de crescimento do escritório e, ao mesmo tempo, um momento de concentração absoluta. Todo o escritório se envolve. Principalmente, é um momento de afinar o processo de projeto. Então, temos uma tendência meio socrática de projetar. Pode parecer uma pretensão, mas não é. Na verdade, é uma tentativa de projetar conforme alguns preceitos lógicos. O Artigas também dizia isso. No fundo, somos muito paulistas no nosso modo de pensar, mas não na plástica. Artigas dizia que, se você sabe elaborar a pergunta, está com metade do problema resolvido. Depois é só responder. O grande negócio é elaborar a pergunta. O concurso é a hora em que isso realmente pode ser posto em prática, porque, no cotidiano do escritório, não vem uma pergunta em geral, vem uma semirresposta, pois o cliente diz: “quero fazer a sede do meu escritório e quero assim”. No concurso, existe a oportunidade da pergunta. Então, é o momento de praticar essa pergunta. Qual é exatamente? Qual é o problema que tem que ser resolvido? Se você encontra a essência do problema, certamente vai dar uma boa resposta. Durante o concurso, é possível pensar a arquitetura de maneira mais pura. É o momento em que você pratica, desenvolve melhor e expõe sua maneira de interpretar, de responder. Quando você faz isso, é com muito prazer, dedicação,
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trabalhando até mais tarde fazendo um desenho, uma perspectiva. Porque isso é a ilustração do seu pensamento. Você é estimulado a mostrar seu pensamento. Você já participava de concursos com o Marcelo Morettin durante a faculdade? Vinicius Andrade - Na época da faculdade, não. Nós passamos um período de dois anos trabalhando no escritório do Felipe Crescenti, e então fizemos os dois primeiros concursos. Trabalhávamos depois do expediente, das 20h até às 23h no escritório dele. Qual é e qual deveria ser o papel do arquiteto na construção da cidade brasileira? Vinicius Andrade - Hoje é quase nenhum. O arquiteto brasileiro (falo daquele que faz arquitetura mesmo) hoje faz projeto de exceção. Mesmo os grandes escritórios, não só os pequenos. A nossa participação na construção da cidade é ínfima. Um escritório grande como o Aflalo & Gasperini, aqui de São Paulo, tem alguns prédios grandes. A cidade de São Paulo é um colosso, logo, a participação dele é nenhuma. Vista a quantidade de construções, poucas são as obras feitas por arquitetos que fazem arquitetura de verdade. Grande parte dessas construções é feita por construtoras. Até há arquitetos nessas construtoras, mas isso não quer dizer que o que elas fazem é arquitetura. O mais grave é que não temos tradição de desenhar a cidade. São Paulo é uma catástrofe! No Rio de Janeiro, a natureza, de certa forma, impede que a catástrofe seja tão grande. São Paulo não tinha nada para impedir. É a revelação da nossa incompetência em toda a sua plenitude. Nós não conseguimos ter nossa voz ouvida. Isso precisa mudar urgentemente e é fundamental que os alunos ouçam. A participação e a dedicação precisam ser muito maiores. Há uma tendência hoje, aqui em São Paulo, de muitos arquitetos que pensam arquitetura trabalharem nos órgãos municipais. São quase uns infiltrados! Mas é assim hoje. É desesperador! O governo federal lançou o programa Minha Casa, Minha Vida, que é uma medida popular. Tem fila de pessoas para comprar casas. Mas não se faz cidade, só se faz casa! Não muda absolutamente nada. O resultado é que as incorporadoras compram um terreno mais barato, mais fácil de construir, mas bem distante. Lá constroem sessenta mil casas e a população que trabalha no Centro vai morar longe. Ou seja, o programa popular agrava ainda mais uma série de problemas. Não é que os urbanistas não saibam. Eles são bons! Isso acontece porque nós não temos voz ativa! Todo esse preâmbulo para falar do que a gente é hoje também já responde um pouco o que acho que a gente deveria ser. Antes de qualquer coisa, deveríamos poder desenhar a cidade. Isso é o mais importante. As construções, além de terem um impacto menor na qualidade de vida urbana do que é próprio do desenho da cidade, são substituíveis, podem ser derrubadas, reformadas,
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realocadas. Mas o desenho da cidade permanece. Esse é o que não pode dar errado. Então, se tem uma coisa importante para o arquiteto urbanista contemporâneo fazer hoje, é contribuir para a melhoria do desenho urbano. É inquestionável. Essa é a maior contribuição. Você acha que a iniciativa da Idea!Zarvos pode ser vista como uma semente que mostre às pessoas que vale a pena fazer boa arquitetura para o mercado? Vinicius Andrade - Acho a iniciativa muito interessante, mas está numa escala menor. A iniciativa é muito importante para a sobrevivência da arquitetura nacional. Espero que seja uma coisa que, daqui a alguns anos, muita gente faça. Do ponto de vista do negócio, é um grande sucesso que surpreende os incorporadores, que não pensavam em chamar os bons arquitetos do país. O que esses construtores fazem mostra a desvalorização da nossa profissão no Brasil. Chegamos num ponto em que a arquitetura produzida em São Paulo é maciçamente neoclássica ou neoeclética. Antes, isso era considerado de mau gosto pela elite, mas chegou a um ponto que não é mais questão de gosto. É uma coisa ridícula, insustentável. É por isso que esses empreendimentos do Otávio estão fazendo tanto sucesso. Os incorporadores estão precisando de algo novo, mas não tinham pensado em perguntar a um arquiteto. O que é beleza na arquitetura? Vinicius Andrade - A beleza na arquitetura, como em qualquer coisa, está vinculada à essência da coisa. Não estou dizendo que o que importa é a beleza interior. Acho que a beleza é uma coisa mutável. Uma pessoa é bonita porque você a viu se mexendo e achou aquilo bonito. Arquitetura é bonita talvez pelo jeito como ela funciona, como ela se relaciona com o entorno e com você. A beleza da arquitetura vem daí. A primeira coisa que me vem à cabeça para responder a essa pergunta são os exemplos arquitetônicos que acho bonitos. São tantos e tão diferentes, desde o Egito, passando pela arquitetura moderna, passando por algumas loucuras como as do Frank Gehry. O que eles têm em comum? Talvez o jeito como se relacionam no espaço. A beleza também está no momento em que você olhou. Às vezes, pode ser que você olhe depois e não sinta mais isso. O que é arquitetura? Vinicius Andrade - É uma boa pergunta, como diria o Artigas.
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Sede Administrativa do Comperj, ItaboraĂ
Andrade Morettin
Andrade Morettin
EdifĂcio Fidalga 772, SĂŁo Paulo
Arq. Associados
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HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. XAVIER, Alberto. Depoimento de uma Geração. COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. LE CORBUSIER. OEuvre Complète 1-8. MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual. KOOLHAAS, Rem. Delirious New York. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Editora Mondadori. Oscar Niemeyer. VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em arquitetura.
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Arq. Associados
Arquitetos Associados
Numa conversa iniciada no escritório em Belo Horizonte e que prosseguiu em uma visita a Inhotim, os cinco integrantes do Arquitetos Associados receberam o ENTRE para mostrar suas ideias e seus projetos. Apresentaram o ambiente do qual fazem parte através de uma revisão das referências pós-modernas do meio arquitetônico mineiro do último quarto do século XX. Discutiu-se desde maneiras de organização de um escritório com maior liberdade entre as partes até a criação de meios para a ampliação do debate arquitetônico no Brasil, como a iniciativa da MDC. A entrevista deixa clara a importância de um olhar atento para a arquitetura elaborada fora do eixo Rio-São Paulo.
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Como aconteceu o encontro de vocês para a formação do escritório Arquitetos Associados? Alexandre Brasil - Em 1996, o Carlos Alberto Maciel, o André Luiz Prado e eu nos formamos pela mesma turma de arquitetura da UFMG e resolvemos montar um escritório na mesma época. Quatro anos depois, o Bruno Santa Cecília, que também fez a mesma faculdade, se juntou a nós. Mais recentemente, a Paula Zasnicoff Cardoso entrou no escritório. Ela tem uma formação um pouco distinta, tendo feito a graduação na FAU-USP até 2000 e vindo para Belo Horizonte em 2005 para o seu mestrado na UFMG. Carlos Alberto Maciel - Lembremos que, nesse intervalo, houve três outros integrantes: o Renato Pimenta, que esteve conosco por quatro anos, e o Ascanio Merrighi, que foi membro por um ano. E, de 2008 a 2010, Achiles Maciel. Como funciona o escritório? Paula Zasnicoff Cardoso - Nossa associação varia de acordo com a demanda. Os cinco sócios não são sempre autores dos projetos. Nos associamos livremente, conforme cada trabalho; ou seja, nos reunimos em alguns, mas não necessariamente em todos os projetos, o que nos deixa livres para fazer associações fora do escritório também. Carlos Alberto Maciel - Essa estratégia garante longevidade ao escritório. Conseguimos certa flexibilidade que nos possibilita trabalhar internamente de maneira variável e externamente com outras pessoas. Esse modus operandi nos assegura um convívio mais tranquilo entre os sócios e amplas trocas com pessoas de fora da equipe. Interessa-nos manter e reforçar esse modo de operar ao longo do tempo. André Luiz Prado - Grande parte dos trabalhos maiores que desenvolvemos envolve todos os cinco. Já projetos mais simples de serem resolvidos, como casas, acabam sendo resultantes de parcerias entre menos pessoas ou tornam-se até mesmo projetos individuais. Alexandre Brasil - Essa liberdade possibilita a todos realizar outras atividades. Fizemos mestrado (eu fiz em engenharia pela Universidade Federal de Ouro Preto, enquanto os demais fizeram pela UFMG). Com isso, também nos tornamos professores. E, por causa dessa maneira de administrar o trabalho aqui no escritório, conseguimos distribuir nossos horários distintos para projetar e para as atividades de ensino. Quais são os fundamentos e os conceitos que vocês consideram mais presentes em seus projetos atuais?
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Carlos Alberto Maciel - Cada um tem suas próprias ideias, mas há uma linha de pensamento comum. Inclusive, talvez seja isso o que nos une. O ponto de partida comum é a visão crítica com a qual reinterpretamos determinados princípios da arquitetura moderna brasileira de maneira prospectiva. Buscamos entender determinados princípios que possam viabilizar uma prática contemporânea, sem perder a história e a relevância da produção feita nos últimos setenta anos. Há coisas muito importantes e procedimentos muito ricos na arquitetura brasileira que deram a ela uma relevância no cenário internacional que não pode ser ignorada pela prática cotidiana. Isso nos encaminha a um pensamento conjunto, com determinadas diferenças de abordagem e de referências de cada um. Alexandre Brasil - Nesse sentido, é possível notar que a Paula tem uma formação um pouco diferente em relação aos demais. As influências dos quatro que estudaram aqui em Belo Horizonte são diferentes das de um estudante da FAU-USP. Contudo, o pensamento acaba convergindo para essa questão que o Carlos estava expondo: trabalhar criticamente com os princípios da arquitetura moderna. Bruno Santa Cecília - Me lembro que certa vez o Carlos fez uma constatação interessante: nós estudamos numa escola moderna, num edifício moderno, ensinados por professores pós-modernos. Essa ambiguidade, de certa forma, nos marcou. Vocês moram numa cidade que passou por algumas reformas urbanísticas desde a Pampulha, de Niemeyer, a Éolo Maia. O que fica disso para vocês? Carlos Alberto Maciel - A obra do Niemeyer é muito singular. Ela é didática a cada dia. Se você puder andar no Conjunto da Pampulha diversas vezes, descobrirá coisas diferentes. Nesse sentido, ela é uma referência permanente. Quanto ao Éolo Maia, e também incluo a Jô Vasconcellos, além de terem sido referências na arquitetura pós-moderna brasileira, foram pessoas muito próximas com as quais tivemos a oportunidade de trabalhar. Recebemos influência não só da produção deles, mas também de um contato pessoal muito rico e de uma generosidade com a qual sempre tratavam as gerações mais novas. Outro ponto que considero muito interessante é a passagem pelo pósmodernismo que houve em Belo Horizonte. Ela nos permite tratar a arquitetura moderna de modo menos romântico. Todo esse conhecimento acumulado do pósmodernismo, desenvolvido ao longo de muito tempo como consciência crítica sobre o moderno, foi para nós um ponto de partida interessante para se repensar o próprio moderno. Nossa busca pelo entendimento sobre o que de fato ainda é válido pode ajudar a tornar mais contemporânea a tomada de uma produção. Do pós-moderno fica o reconhecimento do contexto e das preexistências, algo menos presente na arquitetura moderna como método de projeto. Toda a crítica pós-
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moderna foi elaborada de maneira muito rigorosa e cria uma base muito consistente para que o arquiteto consiga projetar com base em algo que já exista. Isso é muito importante hoje quando temos uma massa construída relevante (formada também por construções modernas) que precisa de intervenção. Então, não projetamos do nada, mas a partir do que já existe com seus determinados princípios, os quais podem orientar a prática atual. André Luiz Prado - Essa formação pós-moderna influencia mais intensamente os projetos urbanísticos e as intervenções de caráter urbano feitas no escritório, como nos projetos em Betim ou para o Centro Histórico de Santana do Parnaíba, entre vários outros. Eles têm em comum essa leitura muito cuidadosa das preexistências, o que é uma visão de requalificação urbana mais pós-moderna do que moderna. Por serem habitantes de Belo Horizonte, vocês sentem falta de meios de debate mais próximos, como ocorre nos maiores centros do país como São Paulo e Rio de Janeiro? A participação acadêmica de vocês vem da necessidade de suprir essa falta? Alexandre Brasil - Há dez anos, poderíamos dizer que estávamos bem mais ilhados em termos de cultura. Porém, atualmente, com a presença de Inhotim, em Brumadinho, e outros centros culturais que foram surgindo a partir da década de 1990, considero que Belo Horizonte consegue se encaixar de uma forma mais positiva dentro do cenário cultural brasileiro. Junte-se a isso o acesso a diversos meios de comunicação, principalmente a internet, o que não me faz sentir carência de debate. De fato, as duas grandes revistas de arquitetura no Brasil estão sediadas em São Paulo. Assim, o eixo de divulgação de ideias e projetos fica concentrado nessa cidade. Porém, nunca encontramos dificuldade em apresentar projetos nessas publicações. Mas, de fato, seria interessante ter mais revistas em mais estados para poder difundir a arquitetura desses lugares. André Luiz Prado - Quando ouvíamos o Éolo contar as histórias dos anos de 1980, percebemos que o isolamento cultural era maior. Hoje, é evidente que a internet facilita a troca de ideias. Bruno Santa Cecília - A posição geográfica de Belo Horizonte é estratégica. Estamos quase no centro do Brasil, equidistantes de outros centros de produção como São Paulo, Rio, Nordeste, Brasília. Mantemos contato com vários arquitetos colegas que são de outros estados, o que gera outra rede paralela de troca de informações que passa por publicações ou outros meios de divulgação. Carlos Alberto Maciel - Considero que falta contato, de modo geral, com outros países latino-americanos. Há uma produção muito relevante nos países de língua espanhola e que passa despercebida no Brasil. Seria muito interessante um
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estreitamento de relações. Há um aspecto interessante da pergunta que é sobre o papel da prática acadêmica em paralelo à prática profissional. São duas práticas distintas, mas que de alguma maneira se complementam. O fato de você ser um bom arquiteto não quer necessariamente dizer que você será um bom professor. E um bom professor não precisa obrigatoriamente ter uma prática de projeto. Mas, para nós, essas práticas são complementares nos dois sentidos. A exigência do estudo acadêmico abre possibilidades no campo do trabalho prático, evitando uma repetição excessiva e uma estratificação das práticas de projeto. Por outro lado, a experiência prática, com as lógicas da construção, da obra, da elaboração do projeto, facilita e abre possibilidades, especialmente, na orientação de projetos dentro de uma faculdade de arquitetura. Vocês são os idealizadores do projeto MDC. No que ele consiste? André Luiz Prado - O MDC surgiu a partir de uma exposição que realizamos em 2004. Éramos oito arquitetos: Carlos, Bruno, Alexandre, eu, além de Humberto Hermeto, Fernando Maculan, Danilo Matoso e Pedro Morais. Começamos com uma exposição de projetos que, por questões governamentais com relação ao financiamento de projeto cultural, transformou-se na proposta de fazer uma revista. Já tínhamos conversado com colegas de São Paulo e Brasília a respeito de tentar discutir e encontrar questões em comum na arquitetura praticada nesses diferentes lugares. Foi fundada nessa discussão que surgiu a revista MDC, numa brincadeira com o termo matemático: ao invés de máximo divisor comum, fizemos o mínimo denominador comum. Bruno Santa Cecília - É preciso lembrar que houve iniciativas semelhantes anteriores de arquitetos mineiros como as revistas Pampulha e Vão Livre. Por outro lado, o propósito da MDC não é divulgar a arquitetura mineira para fora das fronteiras do estado, e sim colocar algumas discussões que consideramos relevantes e ampliar o debate para pessoas de outros lugares. A MDC, como publicação impressa, não teve uma vida longa (foram somente quatro números). Percebemos que o formato impresso tinha algumas limitações, tanto do ponto de vista do custo quanto da abrangência. Na época do lançamento do quarto número começamos a considerar a possibilidade de transformar a revista num site e agregar um novo tipo de material que não seria possível na forma impressa como, por exemplo, os projetos executivos completos. É uma maneira diferente de apresentar projetos, evidenciando conteúdo construtivo e o raciocínio com a qual eles foram elaborados, o que acaba sendo mais relevante do que mostrar os projetos de maneira simplificada como é comumente feito. Carlos Alberto Maciel - O objetivo era suprir determinada ausência que detectávamos no cenário da mídia especializada da discussão da prática de projeto. O
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que ainda vigora nas publicações de arquitetura é que as obras construídas são quase sempre apresentadas no modo de anteprojetos: um pequeno desenho da planta, um memorial explicativo bem sucinto e algumas fotos. Sentíamos falta de uma discussão mais aprofundada sobre a prática, trazendo arquitetos que produzem e outros que criticam para se encontrar. A ideia de divulgar as informações técnicas contidas nos projetos executivos diz respeito a essa aspiração de apresentar determinadas questões que ficam sempre restritas aos escritórios. Novos tópicos passam a ser colocados em praça pública, as informações acerca dos processos de construção passam a ser difundidas. O projeto executivo predomina na prática atual do arquiteto e ele deve ser apresentado para que todos possam conhecer e discutir sobre como cada arquiteto realmente trabalha. Ao mostrar o processo que leva ao produto final, teremos condições de rediscutir essa prática arquitetônica. Alexandre Brasil - Nos lançamentos de cada número da revista foram feitos eventos na Casa de Baile da Pampulha. Vieram arquitetos de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Brasília e até do Paraguai (Solano Benitez). Acho que isso supria um pouco certo isolamento de que falamos. Não nos sentíamos isolados em termos de informação, porque elas estão disponíveis por aí. Porém ver o arquiteto falando sobre a obra dele era algo que não acontecia muito em Belo Horizonte e em todo o contexto mineiro. André Luiz Prado - Um momento marcante ocorrido num dos eventos foi a explicação do Joaquim Guedes sobre o seu projeto para o Concurso de Brasília. É um registro histórico muito importante para aqueles que estudam arquitetura e quiserem ver a explicação dele de sua proposta para Brasília. Para vocês, o que se coloca como papel social do arquiteto? Bruno Santa Cecília - Na academia, muito se discute sobre qual seria o papel social do arquiteto. Minha crítica a algumas dessas discussões é que elas acabam focando outras coisas que não a própria arquitetura, como se ela fosse a construção de um espaço irrelevante. Considero que uma das principais funções sociais dos arquitetos é fazer bons projetos e bons espaços. Quando os arquitetos cumprem bem o seu trabalho, eles atendem bem a sociedade e, com isso, cumprem uma função social relevante. O que deveríamos passar a discutir é como dar acesso a espaços de qualidade a todas camadas da população. Para grande parte dos arquitetos, a dedicação à essência da profissão dele já é uma grande função social. Carlos Alberto Maciel - Essa questão também inclui a construção e a gestão das cidades, não somente através do trabalho do urbanismo, de legislação e de regulação urbana, mas até na construção dos edifícios. Produziremos edifícios melhores se forem menos comprometidos com sua própria monumentalidade e mais com o entorno
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como organização de território mais ampla. Trata-se de uma consciência sobre a cidade ao reconhecer suas especificidades, tendo cuidado com suas preexistências. Com isso, talvez, conseguiremos melhorar os lugares em que o arquiteto atua. Esse é um sentido central da função do arquiteto. Pensando a partir do trabalho que vocês realizam em Inhotim e ampliando-o para outros projetos, como é que vocês estabelecem relações entre a sua intervenção arquitetônica com o lugar e a paisagem? Carlos Alberto Maciel - No caso de Inhotim, particularmente, a paisagem e as preexistências do sítio foram um ponto central de todos os projetos que lá fizemos. Porém, tratamos cada intervenção como uma possibilidade de editar as relações entre o edifício e a paisagem de maneira ligeiramente diferente. Assim, tentamos estabelecer gradações sutis entre a paisagem constituída pela natureza modificada em jardins misturados à mata e à montanha com o edifício, o objeto arquitetônico, numa sequência de passagens e transições que vão do parque até o espaço interno que abriga a obra de arte. Tratava-se, no início, de uma pesquisa sobre como evitar uma ruptura drástica entre um ambiente climatizado e um jardim: permitindo que a natureza entrasse um pouco no edifício, planejando espaços que configurassem transições abrigadas ainda que integradas à paisagem, até chegar ao espaço controlado, definido e funcionalmente pautado pelos curadores, o espaço da obra de arte. Paula Zasnicoff Cardoso - Em 2006, também em Inhotim, eu e Alexandre fizemos o edifício do Centro Educativo Burle Marx, que não é um espaço expositivo. Quisemos fazer de modo que estivesse completamente fundido na paisagem, com a cobertura em espelho d’água e, assim, o edifício não sobressaísse como um objeto monumental. Visto que ele não é uma galeria, a fusão com esse jardim era possível através das circulações abertas, somente cobertas, numa busca por integrar bem a arquitetura com a paisagem envolvente. André Luiz Prado - As galerias Cosmococas, Miguel Rio Branco e o Centro Educativo Burle Marx são três respostas diferentes para uma mesma situação. As demandas se diferenciavam de acordo com a posição desses edifícios dentro do parque. O Centro Burle Marx estabelece relação com a água: ele fica pousado sobre o lago e a água ainda se repete na cobertura por meio do espelho d’água. Por estar implantada numa área com maior presença da mata, acabamos aproveitando para fazer um prédio escalonado, com três pavimentos, para a Galeria Miguel Rio Branco, tirando partido da clareira que existia. A Galeria Cosmococas, por estar num campo semelhante a um pasto, se coloca quase que dentro da suave encosta, fazendo com que o gramado continue na cobertura. Carlos Alberto Maciel - Outro aspecto importante desses projetos que o
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André descreve são os diferentes modos de lidar com a topografia. Existem situações nas quais há intervenções efetivas no redesenho da própria topografia para situar os volumes construídos, para estabelecer relação entre chão e construção, como na Galeria Miguel Rio Branco, ou para tratar um edifício mais ambíguo, como as Cosmococas — um volume para quem chega de baixo e, ao mesmo tempo, um desenho na paisagem para quem vem de cima. No caso do Centro Burle Marx, trata-se de uma cota de terraço muito precisa que define esse jardim de cima, um elemento potente na paisagem. Vocês abordaram a relação com a paisagem. Igualmente importante é a relação entre o projeto arquitetônico e o objeto que está sendo exposto na galeria. Vocês projetam o espaço para a obra específica que será exposta ou fazem um espaço mais genérico, de maneira a abrigar qualquer tipo de objeto? Paula Zasnicoff Cardoso - A demanda surge do museu e trabalhamos muito próximos à curadoria. Quando trabalhei em Inhotim, antes de me tornar associada aqui do escritório, fiz alguns projetos com artistas (Doug Aitken e Matthew Barney). São ideias específicas para o lugar, cujo projeto executivo desenvolvi em associação com arquitetos dos artistas. Há casos, como o da Doris Salcedo, em que sua galeria, após a obra de arte ter sido comprada por Inhotim, deveria ter as mesmas proporções e características da que havia em Londres. Em tal caso se reproduz certa qualidade de espaço, considerando o local e implantação diferentes. Projetos como o da Grande Galeria têm obras específicas e espaços mais genéricos, para receber exposições temporárias. Porém, sempre discutimos muito a qualidade desses espaços, a ambiência específica de cada caso. Bruno Santa Cecília - A questão do espaço genérico depende de como a questão é encarada, porque genérico pode ser uma falta de caráter mas também aquilo que permite absorver funções e apropriações diversas. Por exemplo, uma coisa que discutimos muito, principalmente no projeto da Grande Galeria, foi a qualidade dos espaços mais do que sua função específica. Cada espaço tem uma proporção, qualidade de luz e uso de materiais específicos, pensados no sentido de articular um percurso expositivo, sobretudo por demanda dos curadores de Inhotim (Allan Schwartzman, Jochen Volz e Rodrigo Moura). Mas essa discussão também se dá em projetos cujos espaços têm destinação mais específica. Nesse sentido, não acho que haja grandes diferenças entre a galeria feita para abrigar os trabalhos do Miguel Rio Branco e a das Cosmococas, cujas cinco salas já estiveram montadas em outros espaços expositivos. Neste último projeto, cada sala tem as proporções que o próprio Helio Oiticica havia deixado registradas. O que acrescentamos foi uma articulação que não gera uma organização hierárquica entre elas. Por outro lado, na galeria Miguel Rio Branco, tínhamos como objetivo prover qualidades diferentes aos espaços expositivos. Assim,
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um espaço é enterrado e possui iluminação superior indireta; o outro é completamente encerrado para abrigar trabalhos que demandam maior controle de luz. Alexandre Brasil - Nesse sentido, a galeria Miguel Rio Branco é bem flexível e permite montagens diversificadas. É possível dividir aquele pavilhão de diversas maneiras diferentes e, depois, reagrupá-las. Carlos Alberto Maciel - Todos os projetos possuem restrições e demandas muito específicas. Quando as obras são permanentes, elas naturalmente se tornam um dado de projeto. Quando não são, os espaços são construídos de maneira a buscar certa flexibilidade que permita diversos usos ao longo do tempo. Sempre temos o cuidado de buscar soluções construtivas que viabilizem as transformações do espaço ao longo do tempo, não congelando o programa como uma verdade absoluta, mas tratando-o como baliza para as decisões de dimensionamento e não como uma única solução arquitetônica. As sequências expositivas, que são pré-programadas nesses casos de galerias, para abrigar exposições temporárias, podem ser facilmente modificadas através de uma lógica estrutural que é completamente autônoma em relação à lógica em que a exposição funciona. É um modo de pensar que amplia a vida útil do edifício, pois, à medida que as demandas mudam ao longo do tempo, a construção é capaz de se transformar num novo espaço, qualificado, com pouco investimento posterior. Há poucos anos, vocês ganharam o concurso do Museu do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. O que vocês consideram sobre esse método de escolha de projetos arquitetônicos? Como vocês veem o fato de tão poucos concursos do gênero se realizarem no país? André Luiz Prado - O escritório participou de quase todos os concursos que foram lançados nesses últimos 15 anos. O concurso é uma forma democrática de propor ideias e de testar certas soluções construtivas que um projeto cotidiano nem sempre permite. Para nossa sorte, todos os maiores projetos que estão sendo desenvolvidos no escritório, atualmente, são resultados de concursos que vencemos e conseguimos levar adiante. Já vimos situações em que o projeto vencedor nem sequer foi contratado ou foi obrigado a sofrer diversas modificações ao ser construído. Não sei se é uma impressão minha, mas isso parece estar mudando nos últimos tempos. Estamos vendo cada vez mais projetos serem construídos. Em Brasília, recentemente inaugurado temos o prédio do Sebrae, do Alvaro Puntoni e do Luciano Margotto, cujo projeto foi fruto de um concurso. Bruno Santa Cecília - Outro aspecto interessante é o fato de que, independente de se ganhar ou não, pode-se experimentar e colocar à prova algumas ideias arquitetônicas e posteriormente observar abordagens diferentes para o mesmo problema feitas por outros colegas.
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Carlos Alberto Maciel - A questão do concurso é central, porque é a única maneira que existe, a meu ver, de fazer com que a arquitetura passe a ter maior relevância para as construções na cidade, em um esforço para melhorar a qualidade da produção geral. Os modos convencionais de contratação de serviços de arquitetura geralmente conduzem a projetos de baixa qualidade porque eles utilizam como critério principal o menor preço. Mesmo que a lei de licitações diga que, preferencialmente, um projeto deve ser contratado por meio de concurso, a porcentagem de contratações de serviço de arquitetura feita por meio de concursos é ínfima. O concurso é visto como uma concessão feita por poucos gestores excepcionalmente dentro do panorama de contratações convencionais. Essa é a grande questão que precisa ser modificada: a criação de uma cultura de concursos que abra a possibilidade de um confronto justo entre os jovens e os arquitetos já consolidados no mercado, abrindo democraticamente o mercado para todos e garantindo que as melhores ideias prevaleçam. É fundamental que haja reformulação da legislação, transformando concursos em um método obrigatório de escolha de projeto. Alexandre Brasil - Estivemos conversando com o Fabiano Sobreira, editor do site concursosdeprojeto.org e ele atentava a um possível entrave. Se a lei muda em favor da obrigatoriedade, como iríamos organizar essa quantidade de concursos? Seria necessário desenvolver formas mais simples de organização, realização do julgamento e contratação. A maneira como são feitos os concursos hoje, com frequência através do IAB, ainda é cara. É preciso refletir sobre formas mais rápidas de organizar essas licitações. Talvez seja preciso que haja empresas especializadas na organização de concursos públicos. O que é arquitetura? Carlos Alberto Maciel - Arquitetura é tudo que concerne ao ambiente humano. Todas as construções feitas com o objetivo de mediar as relações humanas e abrigar as pessoas, independente de ser feita por arquitetos ou não. Temos uma tradição de tentar excluir do que seria arquitetura aquelas casas que não são feitas por arquitetos. É um raciocínio corporativista pensar que arquitetura é só o que arquiteto faz. Alexandre Brasil - Gosto muito de um conceito do Joaquim Guedes, que estava procurando uma resposta para dar aos seus alunos e, para isso, consultou um dicionário. Ele encontrou a seguinte definição: arquitetura é a arte de construir para abrigar as necessidades humanas. Mas ele se sentiu na obrigação de complementar, dizendo que, ao construir, se criam significados e linguagens novas, gerando cultura e arte.
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Galeria Miguel Rio Branco, Inhotim
Galeria Cosmococa, Inhotim
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ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. GUMBRECHT, Hans U. Modernização dos sentidos. SOLÁ-MORALES. Ignasi de. Topografias. LE CORBUSIER. Precisões. KAHN, Louis. Conversa com estudantes. LIMA, Luiz Costa. Mimesis: desafio ao pensamento. KOOLHAAS, Rem. Conversa com estudantes. BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo. KRAUSS, Rosalind. Caminhos da escultura moderna. ADORNO, Theodor. Teoria estética.
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BLAC BLAC
Backheuser Leonídio Arquitetura e Cidade
Depois do expediente do dia 16 de junho de 2009, entrevistamos João Pedro Backheuser e Otavio Leonídio, arquitetos e sócios do escritório BLAC – Backheuser e Leonídio Arquitetura e Cidade. Na pauta principal da conversa esteve a cidade do Rio de Janeiro – antes de ser escolhida como sede das Olimpíadas de 2016 – e a situação atual da arquitetura brasileira, especialmente a carioca. Discutimos a trajetória, a parceria, o escritório e seus projetos. A entrevista também se ocupou em debater a importância do ensino e da crítica para a arquitetura. Acima de tudo, foi uma análise preocupada e consciente da situação atual da nossa profissão.
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Como foi a formação acadêmica de vocês? Otávio Leonídio - A minha formação foi muito errática. Entrei na escola de arquitetura, em 1984, depois de cursar um ano de economia, mas fui inicialmente um aluno muito desinteressado. Fiz a Universidade Santa Úrsula, que era, na época em que entrei, uma boa escola de arquitetura, uma alternativa ao Fundão (UFRJ). Fiquei pelo menos os três primeiros anos na universidade sem saber o que estava fazendo lá. A mudança ocorreu somente quando, doente, tive que ficar de cama uns três meses. Depois de curado, as coisas mudaram. Tive um encontro marcante com a Rizza Conde, uma professora de Teoria da Arquitetura muito importante para mim, porque ela me chamou atenção para a importância da teoria. Não de maneira instrumental, para uso no âmbito do projeto, mas por conferir à Teoria da Arquitetura uma dignidade própria. Ela dava aulas muito apaixonadas e motivadoras. Dali em diante, me tornei um aluno exemplar. Foi uma virada que gerou um desencadeamento de eventos. No final do curso que fiz com a Rizza, ela disse que eu devia trabalhar com o [Luiz Paulo] Conde, seu marido. Depois de trabalhar um ano com ele, ainda no meio do curso, fui para a Europa, onde trabalhei dois anos e meio com o Christian de Portzamparc. Quando voltei, quis terminar o curso na FAU-USP. Fiz a prova de seleção, em 1993, e passei. Acabei não indo, porque havia um problema na equivalência de currículo. Voltei então para o Rio e terminei a faculdade dez anos depois de entrar na escola. João Pedro Backheuser - Nasci numa família de engenheiros, mas fiz vestibular para design na PUC, e para arquitetura no Fundão e na Santa Úrsula. Passei para todos, mas optei pela Santa Úrsula, e entrei em 1989. Queria fazer arquitetura, mas também não entendia bem o que era. Entendi com o tempo. Na universidade, tínhamos um bom ambiente, com professores que instigavam bastante, como a Rizza Conde e o Mauro Nogueira na parte de teoria, e a Lygia Pape, o Mario Fraga, o Nelson Felix e a Sheila Dain nas matérias de plástica. Também tive a oportunidade de, no meio do curso, ir para São Paulo, onde passei seis meses. Lá, estudei na Faculdade de Belas-Artes e trabalhei com o Ruy Othake. Foi interessante, pois eu nunca tinha trabalhado num escritório com grandes projetos. Quando voltei, faltava um ano e meio para acabar a faculdade, o que coincidiu com a volta do Otávio. Como se formou a sociedade de vocês dois? João Pedro Backheuser - No susto. Eu me formei no final de 1994. No primeiro ano de formado, com dois colegas de Faculdade (Leonardo Lattavo e Luiz Augusto Navarro), fizemos algumas pequenas lojas e reformas de apartamentos de amigos. Em 1996, passei um ano em Recife e Olinda, onde trabalhei no escritório
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Otávio Leonídio - Trabalhando por conta própria, comecei a projetar assim que voltei da Europa, no começo de 1993. O primeiro projeto, uma casa em Búzios [Casa Pacelli], foi logo publicado, o que foi muito importante para mim. As ideias que tive durante a faculdade e na época em que morei na Europa, de algum modo, se consubstanciaram nesse projeto. Quando houve o lançamento do concurso do Projeto Rio Cidade 2, antes de me tornar sócio do Doica [João Pedro Backheuser], o Índio da Costa me chamou para fazer esse projeto com ele. Conversamos e fui para casa pensar. Cheguei à conclusão de que, pelo fato de o Índio já ter participado – e com grande destaque – do Rio Cidade 1, eu seria um coadjuvante. Logo depois, encontrei-me com o Doica, que me convidou para fazermos o projeto juntos. Para nos inscrevermos nesse concurso, tivemos que montar uma firma legalmente constituída, o que, na época, era um grande risco. Estávamos virando noite para montar o escritório (física e legalmente) e fazer o concurso. Aliás, nunca tínhamos participado de concurso público e todo esforço só se justificaria se ganhássemos. Acho que foram vinte equipes selecionadas para o Rio Cidade 2 e nós fomos uma delas. A partir daí, começou uma maratona de trabalhos, uma vida nova. Durante o período de formação acadêmica, como a herança moderna brasileira era vista? João Pedro Backheuser - No começo dos anos 1990, o momento era de uma crítica muito grande à arquitetura moderna brasileira. Quando cheguei a Olinda, foi o contrário. A arquitetura moderna brasileira era a maior referência e tive que me esforçar para entendê-la melhor. Acho que o Rio foi a cidade do Brasil que mais criticou e que mais procurou lutar contra a arquitetura moderna brasileira. Aconteceu o oposto em São Paulo e em Recife. Otávio Leonídio - Isto é muito importante. Quando entrei na escola de arquitetura, estávamos no apogeu do pós-modernismo na arquitetura. Não devemos esquecer que nesse começo dos anos 80, no Brasil, havia um espírito libertário em relação a tudo, como a abertura política, a Anistia, a campanha das diretas etc. No caso da arquitetura, era uma libertação com relação aos nossos grandes pais fundadores, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e companhia. Essa vontade de superação coincidiu com a grande voga do pós-modernismo dos anos 80. A leitura que faço hoje é que o pós-modernismo entrou no Brasil de uma maneira acrítica. Tenho a impressão de que havia uma proliferação de publicações de
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de José Goiana Leal e cursei especialização em Arquitetura Brasileira na FAUPE. Em 1997, o Otávio e eu nos juntamos para participar do concurso do Rio Cidade 2.
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arquitetura, que à época davam muito destaque ao pós-modernismo. Mais no viés do historicismo italiano, de Aldo Rossi e dos irmãos Krier, do que o pop norte-americano, de Robert Venturi. Era um frenesi pós-modernista, ao qual, por sorte, não dei atenção por ser um aluno muito relapso no começo do curso. Do mesmo modo como ocorreu com o Doica, descobri essa herança da arquitetura moderna Brasileira longe de casa, em Paris. Cheguei ao escritório do Portzamparc sem nenhuma formação consistente sobre arquitetura moderna brasileira e topei com um arquiteto que a venerava. Lembro-me quando o Portzamparc perguntou se eu conhecia o Teatro Castro Alves de Salvador, um projeto do Bina Fonyat que eu não conhecia. Tive muita vergonha. Ele era um francês, um dos protagonistas de um pós-modernismo (embora com uma abordagem mais crítica), e tinha um interesse enorme pela arquitetura moderna, tanto por Le Corbusier quanto pela arquitetura moderna brasileira. Apesar de o Portzamparc ter um vínculo forte com o Brasil, fui o primeiro brasileiro a trabalhar naquele escritório. Por isso mesmo, acho que se esperava que eu trouxesse uma espécie de digital brasileira que, infelizmente, eu não tinha. Então, voltei da Europa muito interessado e sensibilizado com a tradição da arquitetura moderna brasileira. Perguntava-me o que podia fazer com essa herança, como processá-la criticamente. Naquele momento, o Rio de Janeiro estava muito distante desse debate. O pós-modernismo grassou o Rio de Janeiro por conta do vazio no debate e no ensino. Como estamos falando do Rio de Janeiro, o que vocês acham da arquitetura produzida pelos arquitetos cariocas hoje? Otávio Leonídio - Apesar de haver exceções, acho uma desgraça. A boa arquitetura não surge do nada, mas de um ambiente propício à produção. Esse ambiente é formado pelo quê? Por uma escola, um debate, um métier consolidado. É um debate com qualificação, um ambiente de discussão crítica – e isso não há hoje nem havia quando eu estava na escola de arquitetura. Como se sabe, o Lucio Costa tentou fazer a reforma do ensino em 1930, mas fracassou, e acabou expulso pela congregação da universidade. Acho que ele desenvolveu uma mágoa que nunca sarou. O egocentrismo do Oscar Niemeyer que, por um lado se justifica pela qualidade da sua produção, pelo lado do ensino se traduziu num total desinteresse pela faculdade de arquitetura. A nossa geração tem um pouco a consciência de que não se pode fazer boa arquitetura apenas no escritório; é preciso também ensinar. Eu imagino que o arquiteto tem que ensinar, projetar e escrever. Não é acidental que não há boa arquitetura no Rio, porque essa geração de heróis (Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Sergio Bernardes) não se interessou pelo ensino. Analisando as gerações seguintes a essa primeira geração dos arquitetos modernos, é evidente o buraco na escola e no debate no Rio de Janeiro, com
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uma produção que seguia acriticamente as vogas e as modas arquitetônicas. Em São Paulo, é diferente: a geração dos arquitetos que tem cerca de 80 anos hoje, de algum modo, dá continuidade a algo que começou com o Artigas. Vendo a trajetória dos arquitetos paulistas como o [Joaquim] Guedes, o Paulo [Mendes da Rocha], o [João Walter] Toscano, o Abrahão [Sanovicz], são arquitetos que, como o Artigas, conjugam a prática no escritório com o ensino. Os arquitetos cariocas entre 70 e 80 anos são uma montanha russa, porque depois de fazer uma arquitetura interessante nos anos 1960 e 1970, passaram a produzir, nos anos 80, uma arquitetura inteiramente desorientada. São pessoas que faziam edifícios muito interessantes, que seguiam linhas de pesquisas interessantes, que refletiam sobre a gênese da forma guiada por algum conceito, mas que, nos anos 80, começam a fazer algo que não tem nenhum vínculo com o que faziam anteriormente. Curiosamente, depois nos anos 90, com a decadência do pósmodernismo, voltaram a ser “modernos”, como se ser moderno fosse fazer janela fita e pintar as paredes de branco. Quer dizer, não há consistência nenhuma – só mudou a revista: se ela passou a publicar frontão, então passaram a fazer frontão. Uma das raras exceções talvez seja o Conde. Ele sempre teve um engajamento profissional exemplar: foi presidente do IAB; diretor da FAU; patrocinou muito o debate; tinha a preocupação de formação de pessoas. Tinha uma consciência que poucos arquitetos da geração dele tinham, pois diferentemente dos arquitetos que estavam vendo só fotografias da arquitetura pós-moderna, ele quis entendê-la. Tinha um escritório que buscava fazer uma crítica consistente. Mesmo na pesquisa pós-modernista que fez junto com o Mauro Nogueira, o Marcos Sá e Mauro Almada, eles formaram um grupo que estava pensando criticamente e isso é um diferencial. Se a arquitetura que eles fizeram foi ou não de qualidade, isto é menos importante do que o senso de responsabilidade que tinham, pois boa parte dos arquitetos da mesma geração não tinha. A base do problema está na escola. Claro, tem gente boa e séria nas escolas do Rio de Janeiro, mas tudo é ainda muito incipiente. João Pedro Backheuser - Esse vácuo na escola de arquitetura é bastante crítico. Mas o próprio ambiente, analisado pela quantidade de coisas que acontecem e pelos clientes com quem tratamos, é ruim. Em São Paulo, há uma variedade muito grande na arquitetura, com uma produção interessante, mas também há aqueles neoclássicos ruins. No Rio, as pessoas não estão acostumadas a ver algo que não seja aquilo que está ali na frente delas a todo momento. O Conde teve envolvimento com a escola, com o IAB e envolvimento político, querendo valorizar e mostrar o papel do arquiteto perante a sociedade. Então há exceções na escola. Algo que percebemos foi que essas exceções se ligaram às exceções dentro da própria escola. Há grupos de recémformados que estão fazendo um bom trabalho com consistência, porque procuraram, dentro da escola, a orientação de certo grupo de professores.
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Otávio Leonídio - A culpa não é somente da escola. O Instituto de Arquitetos do Brasil, o IAB-RJ, é um coautor dessa arquitetura feita no Rio de Janeiro. Praticamente não há concurso, e quando há, os editais e os consultores são, por regra, muito fracos. Vocês afirmam que a escola de arquitetura é um dos pilares de sustentação da boa arquitetura, especificamente para você, Otávio, qual foi a importância de ser coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio? Otávio Leonídio - O que me estimulou a aceitar a coordenação do curso foi o fato de ser uma escola nova. Por um lado, constituía uma grande dificuldade, porque nada estava consolidado, não tinha aquela espécie de movimento inercial. As paredes não falavam de arquitetura; não havia turma formada; estávamos ainda no meio do terceiro ano. Isso, claro, dificulta o trabalho de um coordenador e dos professores de uma escola jovem. Por outro lado, havia um grau de mobilidade, de criatividade, de coisas que se podiam inventar – era possível pensar conceitualmente a escola. Vi no convite para ser coordenador do curso a oportunidade de colocar em prática algumas das ideias que tenho sobre o ensino de arquitetura. Era muito importante criar um ambiente de escola dinâmico, de pujança, de vitalidade, e esta talvez tenha sido a minha contribuição para o curso de arquitetura da PUC-Rio. Fazer uma escola de arquitetura não é fazer belos programas de curso ou ementas de disciplinas. É construir conjuntamente com professores e alunos um ambiente dinâmico e produtivo. Tentei trazer isso para a escola e o reflexo foram alguns eventos que não são do coordenador e dos professores, mas desse encontro de professor e aluno: a Semana de Arquitetura, o Ser Urbano, a revista NOZ e, hoje, o site ENTRE. Para mim, o que sempre esteve em jogo era a produção e o debate da arquitetura do Rio de Janeiro como um todo, não só na PUC. Eu vou para a UFRJ e faço um trabalho que considero análogo, participando de bancas, concursos, eventos. Ou seja, nossa atuação política não é para fazer essa ou aquela escola. O foco hoje deve ser outro: a arquitetura do Rio de Janeiro e a arquitetura brasileira como um todo. Tenho a sensação de que é preciso atuar no Rio de Janeiro em muitas frentes: projetar, escrever, ensinar, trabalhar em paralelo e, não raro em oposição ao IAB, discutir arquitetura. Convivi com professores e com alunos que fizeram com que esse trabalho fosse muito agradável e estimulante. Mas foi muito difícil, pois o custo pessoal disso foi imenso. O grau de exigência de um cargo administrativo é brutal. Não tenho perfil de administrador. Mas assumi isso como uma obrigação, porque há certas coisas as quais não tenho o direito de recusar.
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Otávio Leonídio - Uma resposta “de arquiteto” seria sugerir ver um pouco o acervo da arquitetura local colonial, mas, sobretudo, o acervo da arquitetura moderna, que é muito encantador. Penso no Hospital Sul América, edifícios que eu vejo cotidianamente e que me tocam, a Casa das Canoas. Mas não é isso que me interessa especialmente nesse momento. O que me interessa é entender a cultura urbana carioca. O urbanismo carioca, talvez brasileiro, tende a pensar que cultura urbana surge exclusivamente no espaço urbano tradicional e denso. Mas isso não é propriamente “cultura metropolitana”. Hoje, gosto de pensar em coisas que não estão muito na pauta do urbanismo carioca, como, por exemplo, a Barra da Tijuca, que é um tema que está me fascinando. Há nisso um pouco de implicância minha, porque os urbanistas cariocas, me parece, não gostam de pensar que a Barra é a cidade. Estou muito interessado nela, com as mazelas que tem, com o processo violento de exploração do território, com a questão fundiária, o capitalismo. O capitalismo, entendido como definidor da evolução urbana brasileira e do Rio de Janeiro explica muito dessa evolução, mas não a esgota. Há de se entender como a Barra exerce um fascínio tão grande numa certa classe média ascendente, a partir dos anos 60 e, sobretudo, durante o Milagre Econômico. Entender também esse fascínio pelo litoral, a peculiar cultura urbana que ele gera. Para mim o urbanismo carioca deve tematizar a praia, essa cultura urbana que nasce do choque do tecido urbano consolidado com a praia. João Pedro Backheuser - Há uma riqueza de tipos de cidade dentro do Rio. O envolvimento com projetos urbanos me colocou em contato com realidades que eu não conhecia. Eu morava na Gávea, do lado de cá do túnel [Rebouças], mas tive a oportunidade de fazer projetos para o Favela-Bairro. Subi o morro [favela], botei o pé no chão enlameado, entrei na casa das pessoas e, assim, entendi aquela situação. A favela é bonita quando se olha do asfalto, mas é diferente quando nos aproximamos. Nosso primeiro projeto foi o Rio Cidade de Realengo e, assim, entramos em contato com lugares que conhecíamos só de nome ou pela televisão. Hoje, temos muitos projetos na Baixada Fluminense. São locais que a maioria das pessoas da Zona Sul nunca viu. Entender essa convivência e esse atrito, esse entendimento do urbano, esse momento de tensão, é muito interessante. Tive uma aluna, que, nascida e criada na Barra, quando vinha visitar a avó em Copacabana, tinha medo de andar na rua, pois as pessoas se esbarravam. Ver essas realidades diferentes dentro de um mesmo espaço é ótimo. Não sei se o Rio é a Cidade Maravilhosa, mas está em um lugar maravilhoso para se ter uma cidade.
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Como vocês apresentariam o Rio de Janeiro para uma pessoa que estivesse visitando a cidade pela primeira vez?
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Para quais locais vocês fizeram os concursos Rio Cidade e Favela Bairro? Eles foram realizados? João Pedro Backheuser - Fizemos o Rio Cidade 2 de Realengo e o Favela Bairro, em Parque Alegria, em Santo Amaro e em Marechal Jardim. Também fizemos um trabalho chamado Morar Legal, em Sepetiba. A maior parte só foi feita em projeto. Do nosso plano para o Rio Cidade, só foi executado um décimo. O momento em que pegamos o Rio Cidade foi quando foram feitos os projetos e não foram feitas as obras. Todos os planos começaram, mas “terminaram sem terminar”. Fez-se o Rio Cidade e, de repente, foi abandonado. Deixou-se o espaço público sem manutenção nem fiscalização. Uma pessoa pode achar que a rua é espaço de ninguém e, por isso, pode ser dela. No momento em que a cidade se reapropria daquilo tem que acompanhar para não voltar ao que era. A cidade está no nome do nosso escritório. Nós estamos muito vinculados às questões das políticas públicas e aquela foi uma época politicamente muito ruim. O arquiteto produz muita coisa e, até vê-las se concretizarem, demora. Otávio Leonídio - O Rio Cidade e o Favela Bairro foram uma escola para nós. Acho que nossos colegas de São Paulo projetaram mais edifícios que nós, mas não tem essa experiência de atuação e de requalificação do espaço urbano. Foi um resgate da dignidade do espaço público urbano, pois, antes do Rio Cidade, as calçadas do Rio de Janeiro eram território basicamente de automóveis. Parece muito simples, mas imaginar, naquele momento, que a calçada podia pertencer ao pedestre era algo muito novo. A ideia de choque urbano, que hoje está na boca do prefeito Eduardo Paes, tinha no Rio Cidade não uma proposta de resgatar uma ordem urbana no sentido policialesco, mas sim a dignidade do espaço público da cidade. O projeto, hoje, sofre pela falta de manutenção. É muito triste, porque os carros estão voltando às calçadas do Rio de Janeiro. O espaço público está sendo privatizado de novo, tanto por camelôs quanto por automóveis; os ônibus não param no sinal; o trânsito parece uma tourada. O Conde, que foi o mentor do Rio Cidade, tinha consciência disso. Minha formação de cidade veio muito através desse projeto. Um dado importante é que, durante o projeto do Rio Cidade de Realengo, havia uma espécie de mal-estar em intervir em um espaço da cidade que tinha sido privatizado – como avançar com a quitanda, a oficina mecânica, o ou comércio ilegal – por classes menos favorecidas. Foi crucial trabalhar com o sociólogo Marcelo Burgos, porque ele afirmava, sem nenhum problema de consciência, que o espaço público não podia ser privatizado, não importava se isso era feito por alguém que pertencia a uma classe social diferente. Há um aspecto didático no uso do espaço público que é
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restaurador de uma sociabilidade urbana. A cultura urbana também é isso. Com a exceção do Conde, a cidade não esteve nas últimas décadas na pauta dos prefeitos do Rio de Janeiro, o que é muito surpreendente, além de absurdo. Isso é um contrassenso, porque a matéria principal da administração municipal é a cidade. As políticas de saúde e educação são importantes, mas a prefeitura deve cuidar das questões próprias da cidade, como o uso de espaço urbano, o transporte, o planejamento estratégico, o plano diretor decenal... Pelo fato de a nossa profissão estar num estado de total abandono no Brasil, aceitamos um discurso que diz que enquanto não houver leitos suficientes nos hospitais da rede pública, não podemos cuidar de calçadas. Não posso imaginar em não cuidar do espaço urbano enquanto não se resolver o problema da saúde e da educação. Esse é um argumento suicida para nós. Essas coisas devem conviver paralelamente! Se acharmos que a nossa profissão é um luxo, que é supérflua, estamos acabados. Nesse caso, eu teria de dizer aos meus alunos para fazer faculdade de Serviço Social até o Brasil resolver suas mazelas sociais. Ora, nossa qualidade de vida não se restringe ao domínio da educação e saúde. A vida no espaço urbano é uma dimensão crucial dela. João Pedro Backheuser - Fazemos nossa parte, propiciando às pessoas um espaço com qualidade e organização. Mas é preciso haver um trabalho de gestão social e de melhoria econômica. Ajudamos muito, conseguindo com pequenas intervenções mudar toda uma área. Mas não vamos melhorar a situação econômica das pessoas ou melhorar o ensino da escola que projetamos. Qual é a sua opinião a respeito da Cidade da Música em relação ao projeto de arquitetura e aos contextos urbano e político? Otávio Leonídio - Pessoalmente, acho que a Cidade da Música se viu envolvida numa disputa político-partidária. A má fama de que ela padece hoje não é produto da discussão sobre a arquitetura. O que há é uma disputa por poder político na cidade alimentada especialmente pelo jornal O Globo. Falam que o projeto custou caro. Eu respondo a essa objeção dizendo que o caro é um conceito relativo. Caro, para mim, é a Vila dos Jogos Pan-Americanos, um projeto lamentável. Considero o projeto arquitetônico da Cidade da Música extraordinário! Eu poderia discorrer criticamente sobre as virtudes desse projeto, mas ninguém parece interessado nessa discussão, nem mesmo os arquitetos! Isso só atesta o buraco em que nossa arquitetura está, porque os arquitetos não participam nem qualificam esse debate. A qualidade da arquitetura não faz parte dessa discussão nos jornais. Sim, questiona-se a inserção urbana, a localização, da Cidade da Música. Tive uma discussão com uma pessoa especializada em urbanismo que afirmou que a Cidade da Música ficava “muito longe”. Perguntei:
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“Muito longe de quem?” Afinal, longe não é um dado absoluto. A minha interpretação só pode ser que ou é longe da “minha casa”, ou é longe do centro histórico. O que é um cacoete de uma visão de cidade segundo a qual o centro metropolitano deve coincidir com o centro histórico. Ora, a metrópole do Rio de Janeiro pode ter mais de uma centralidade! Essa crítica também vem revestida de muito preconceito contra o cidadão da Barra. O debate que se instaurou em torno do texto da Ana Luiza Nobre sobre a Cidade da Musica, publicado no blog Posto 12 e no Vitruvius, é um debate que se completou com o texto de João Masao Kamita sobre essa crítica que não vê na Barra a cidade. Concordo que há problemas e o acesso à Barra é um deles. Então, por que não se faz o acesso por Veículo Leve Sobre Trilhos, uma vez que a cidade discute isso há décadas? O canteiro central da Avenida das Américas comporta isso; em seis meses estaria feito. A Cidade da Música está na confluência de dois principais eixos viários da Barra, as avenidas das Américas e a Ayrton Senna: ela tem uma grande centralidade, e uma acessibilidade potencial extraordinária. A obra também faz uma leitura inteligente do plano do Lucio Costa, que já via na Barra a possibilidade de um novo Centro Metropolitano. Aliás, diferentemente dos ultraconservadores urbanistas brasileiros contemporâneos, Lucio Costa se interessava pela metrópole. Acho que há um preconceito imenso, não só da imprensa, mas também dos arquitetos e urbanistas, em achar que a Barra não é cidade. João Pedro Backheuser - No Rio de Janeiro, a Barra é vista como a “não cidade, aquele lugar ao qual nunca quero ir, onde nunca quero morar, aonde vou, no máximo, para desfrutar da praia”. Mas é o bairro que mais cresce e, daqui a pouco, será o melhor lugar para colocar qualquer equipamento, porque será onde as pessoas estarão (de certa maneira já estão). Outro ponto é que há entre os arquitetos, principalmente, um ranço de que a Cidade da Música foi projetada por [arquitetos] estrangeiros, que receberiam mais pelo trabalho. Quero que eles recebam dez vezes mais para que eu possa pedir esse valor também! Qualquer cidade que quer ser grande no mundo tem uma boa produção arquitetônica. O projeto tem erros e acertos, mas o importante é que a Cidade da Música está lá; existe um edifício enorme que está abandonado. Mais irresponsável é deixar do jeito que está, deixando cair. Otávio Leonídio - Segundo um juízo de valor meu, devo dizer que, juntamente com o hospital do Lelé, foi o melhor edifício feito no Rio de Janeiro desde o Pedregulho e o MAM [Museu de Arte Moderna]. O ponto é que nós temos duas coisas de peso agora. O que se fez de arquitetura expressiva no Rio de Janeiro, na escala da paisagem da cidade, depois do MAM e do Pedregulho? O MAC está em Niterói; não considero que o Sambódromo esteja aos pés da Cidade da Música... Vamos começar um rosário de lamentações, pois vamos citar mais o quê? A Cidade do Samba?
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João Pedro Backheuser - Essa reflexão é a base para uma produção de arquitetura coerente. Ela é essencial para que não se pense somente no edifício em si, mas também em como ele se insere no mundo de hoje, para as pessoas que vão vivenciá-lo e como ele participará da cidade. Afinal, arquitetura recebe e expele coisas. É uma relação de troca. Você não tem condição de fazer uma leitura correta disso se não tem conhecimento teórico. Otávio Leonídio - Considero que a arquitetura é uma atividade, por definição, crítica. Então, é quase uma redundância. O projeto de arquitetura é sempre um posicionamento crítico em relação ao mundo. O projeto parte de uma capacidade de ver o que há e de imaginar outro mundo. A própria essência da arquitetura é também a capacidade de vislumbrar algo que seja diferente do que existe, através de um instrumento que é o projeto. Impressiona-me muito como os arquitetos se satisfazem em dominar a linguagem da arquitetura e não se sentem muito instigados para, justamente, se colocarem perante questões mais importantes, ligadas ao que chamo de crítica. Não consigo imaginar fazer arquitetura que não seja crítica. Escrever um texto crítico, projetar ou ensinar são a mesma coisa. O que me fez dar uma guinada acadêmica foi não entender como podia estar fazendo arquitetura tendo lido e estudado tão pouco. Hoje, os arquitetos que me estimulam são o [Peter] Eisenman, o [Rem] Koolhaas e o [Louis] Kahn, pois a prática deles tem uma abordagem teórica da arquitetura. Já que acabou de ser citado, podem delinear melhor Rem Koolhaas? Otávio Leonídio - O Koolhaas está muito interessado em compreender o processo de gênese da forma. Acho interessante no Koolhaas como ele trabalha o programa de necessidades, buscando entender essa relação específica entre os procedimentos projetuais e a definição do programa. Ou seja, a partir do programa, como se chega a uma forma, de um modo que não seja pela via da pesquisa formal-compositiva tradicional. As obras do Koolhaas pegam a gente no contrapé. A Biblioteca de Seattle é interessante, pois não é possível entender aquela forma segundo uma abordagem compositiva. A investigação dele busca entender o que, afinal, é o programa e como pode atuar na definição da forma: o que é uma biblioteca? Quais são seus elementos constitutivos básicos? Como é possível chegar à definição da forma? Isso em detrimento do contexto, do entorno, do sítio (donde surgiu a famosa frase: “dane-se o contexto”). Por isso, penso que o Koolhaas é politicamente tão importante: combate uma visão
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Qual é a importância da reflexão histórica e teórica para a arquitetura?
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reacionária (mesmo que tradicionalmente tida como “de esquerda”), antimoderna, que é a marca do pensamento contextualista e regionalista-crítico contemporâneo. Essa visão reacionária, reativa ao moderno, é hoje quase canônica, sobretudo no Brasil. Ela é reacionária stricto sensu, pois no lugar do urbanismo moderno que a Carta de Atenas promoveu, sugere a volta à cidade do século XVIII e XIX, à cidade medieval, à cidade pitoresca. É uma visão antimetropolitana. Não custa lembrar que o escritório do Koolhaas chama-se OMA, Office for Metropolitan Architecture [Escritório para a Arquitetura Metropolitana]; é óbvio que ele está de olho na metrópole. Isso é muito incômodo para a tradição do urbanismo, de extração sociológica e historicamente de Esquerda, pois ele não olha o capitalismo como a força que está destruindo a cidade (ou construindo uma cidade ruim), mas também, para o bem e para o mal, como uma força que a está construindo. Constrói uma cidade cheia de mazelas e vicissitudes, mas com aspectos fascinantes. Ele percebeu que essa visão reacionária da cidade cega, de algum modo, a crítica contemporânea, e então usa uma expressão linda: “they are missing a rendez-vous with the sublime”, ou seja, perdendo um encontro com o sublime. Há, de fato algo, algo sublime na metrópole. Atualmente, estamos fazendo uma proposta para a cidade que, de algum modo, requalifica o Viaduto Perimetral. Afinal, virou uma mania querer demolir a Perimetral, mas nem tudo dela é ruim. Creio que, em vez de demolirmos a perimetral, poderíamos demolir parte dos armazéns que estão lá impedindo o encontro do tecido urbano com a Baía. João Pedro Backheuser - Koolhaas teve um papel muito importante também na mudança de como olhar a cidade. Estávamos com uma visão um pouco romântica, de Jane Jacobs: as casinhas e a ruazinha com árvores bonitas e floridas. O Koolhaas perguntou-se: “onde está a vitalidade disso aqui? Está nas metrópoles, no conflito, no atrito de interesses de pessoas, de classes, de tipologias”. Esta é a cidade onde há aglomeração das pessoas, onde as coisas estão acontecendo. Isso foi muito importante, pois estávamos caminhando para essa visão muito romântica da cidade, onde tudo deve ser organizado. Koolhaas afirmou que a cidade é espontânea, aleatória, não temos controle sobre ela. Há uma busca por entender essas maneiras do controle onde não parece ter controle, a descoberta de uma ordem em lugares caóticos. Ele faz um corte de um edifício com hotel, teatro, apartamento, escritório, tudo dentro de uma caixa, num mesmo lugar. Então, ele começa a transportar a lógica da cidade para dentro dos edifícios. As pessoas têm que estar juntas, se encontrando, esbarrando o ombro na rua. Isso é que gera vida.
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Além de estarem pensando a perimetral, vocês estão fazendo outros trabalhos que pensem a cidade neste momento? João Pedro Backheuser - Praticamente só fazemos trabalhos na escala da cidade. Estamos terminando um trabalho grande de urbanismo para Nova Iguaçu. Também estamos fazendo um projeto de revitalização dos rios de sete municípios da Baixada Fluminense, que busca a melhoria da qualidade da água e urbaniza as áreas das margens. Optamos também, nesses últimos três meses, por revisitar uma série de projetos que tínhamos engavetado. Também estamos colocando no papel algumas ideias para, por exemplo, a área do porto, para a Lagoa Rodrigo de Freitas... Estamos produzindo um material para a cidade e pretendemos apresentá-lo à prefeitura. Otávio Leonídio - Infelizmente, de parte da administração municipal, ninguém parece verdadeiramente interessado em pensar a cidade. É importante notar que o Pan-americano não mobilizou os arquitetos da cidade do Rio de Janeiro. A Copa do Mundo também não vai mobilizar. Torço veementemente para o Rio perder a indicação para sediar as Olimpíadas de 2016 , porque, uma vez mais, nós, arquitetos, não seremos ouvidos; a cidade não será repensada; não haverá requalificação urbana; não haverá expansão do sistema de transporte, nem a valorização do espaço público. Vamos ficar de fora mais uma vez e a cidade vai, fatalmente, sair perdendo. Afinal, quem fez a Vila do Pan? Se tivesse sido realizado um concurso, um projeto como aquele não teria sido executado. Na França, o presidente Sarkozy acabou de reunir uma dezena de escritórios de arquitetura para pensar a grande Paris para o século XXI. Chamou o Portzamparc, o Jean Nouvel e outros para que pensem a cidade. Enquanto isso, a região portuária do Rio de Janeiro vai sendo redesenhada sabe-se lá por quem – sem concurso, sem a participação de arquitetos verdadeiramente capacitados para tal. Um escândalo. Há um problema de reconhecimento da profissão? João Pedro Backheuser - Há vários projetos para as Olimpíadas e não se conhece o arquiteto que projetou. Cadê a participação dos arquitetos? Cadê a participação do IAB? Mas a culpa é nossa. Nós deixamos isso acontecer. Fora do
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Otávio Leonídio - Experiências urbanas são legais pela pluralidade. Eu gosto de ir para Siena, caminhar pela cidade medieval; gosto de ir para Petrópolis; de caminhar em Olinda e Paraty. Mas é bom que exista o Rio de Janeiro, a Avenida Rio Branco, a Barra da Tijuca e a Perimetral. Isso transforma a metrópole num universo de experiências urbanas que a pequena cidade não tem.
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país, compram-se livros e boas revistas de arquitetura em qualquer banca de jornal. O arquiteto lá é valorizado. Aqui o arquiteto é visto como o primeiro a cobrar um cheque. Somos os últimos a serem ouvidos, porque a sociedade não entende qual é o papel do arquiteto. Otávio Leonídio - Em relação a essa questão da representatividade, no Rio de Janeiro, hoje, a situação é dramática. Os concursos que estão acontecendo são pouquíssimos. O que está havendo são encargos diretos para arquitetos que ninguém sabe quem são, ou então escolhas que não parecem justificáveis. Um exemplo é o Museu da Bossa Nova. Chamaram o Jaime Lerner para projetar. Mas o Jaime Lerner não tem currículo para fazer esse projeto. Deviam chamá-lo para repensar o sistema de transporte público do Rio de Janeiro. Sobre isso, a contribuição dele é valiosíssima, pois tem o know-how que poucos no Brasil têm. Para fazer aquele projeto, não se justifica. Isso mostra como nós arquitetos cariocas estamos alijados dos processos de pensar a nossa cidade. O que é arquitetura? João Pedro Backheuser - Grande parte do nosso trabalho não tem sido edificações, o que me deu uma visão bem abrangente da arquitetura. Questionei-me sobre isso quando fui fazer uma ponte. Conversando com Luiz Felipe Machado, ele me disse que se você coloca um poste no meio do deserto, já está sendo feita arquitetura, porque ali há interferência no espaço. Isso é arquitetura de fato, mas quando feito com consciência, se embasando, levantando questões, definindo objetivos. Ou seja, é intervir num espaço de uma maneira formulada. O que apaixona muito na nossa formação é que ela nem é só humanas, nem é estritamente técnica. Ela consegue aliar os dois. Em todos os projetos em que temos participado, o arquiteto é a pessoa que consegue sentar com o sociólogo, o engenheiro hidráulico, o engenheiro civil, o paisagista e entender um pouco do que cada um está pensando, ver os conflitos entre os interesses desses profissionais, e chegar a um resultado comum. O engenheiro, por sua vez, só vai olhar para o problema de engenharia dele. Mas a sociedade não sabe disso porque nós, arquitetos, não soubemos mostrar isso a ela. Há profissões às quais se dá importância pela remuneração. Na Europa, o arquiteto é o profissional mais bem pago da equipe. Não se faz projeto sem arquiteto. Aqui, infelizmente é diferente. Otávio Leonídio - Tenho pensado numa definição de arquitetura que a vê como uma maneira muito específica de definir como se ocupa o espaço. Uso como exemplo o jogo de futebol que determina que 22 seres humanos, durante 90 minutos,
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ocupem um espaço de cerca de um hectare de maneira específica, por força das regras do jogo. A arquitetura também faz isso de um modo igualmente específico: através da construção, o que é incrível! Segundo essa definição, o papel da arquitetura é expandir as possibilidades dadas de ocupar o território. Quando é que surgem as grandes arquiteturas? É quando o acervo de ocupações, dadas ao longo da história, é expandido por determinados projetos arquitetônicos. Estive recentemente em Porto Alegre, vendo o edifício do Álvaro Siza Vieira, e ali há uma maneira muito singular e específica – sem precedentes, inclusive – de ocupar o espaço. Esse é o papel da arquitetura: expandir as nossas possibilidades de ocupação do território. Isso faz nosso ofício ser incrível. Infelizmente, por algum motivo, nos acostumamos a nos desculpar por fazer arquitetura. A discussão sobre a cidade acabou virando uma licença ética para que os arquitetos tenham uma espécie de autorização para falar pelo menos um pouquinho – só um pouquinho – dos projetos de edifícios. Acho a cidade uma maravilha, mas acho alguns edifícios singulares tão importantes quanto a cidade. Aliás, essa separação entre edifício e cidade, no limite, não faz nenhum sentido. Não podemos ficar pedindo desculpas por gostar de projetar edifícios. Uma vez, assisti a uma palestra do Paulo Mendes da Rocha e ele disse que não tinha interesse em mostrar ou discutir projetos de casas. Imagine: o mesmo profissional que desenhou algumas das mais belas e marcantes casas do século XX. Sinceramente, acho isso uma bobagem. Porque, por exemplo, o impacto da Villa Savoye para a nossa compreensão e experiência do espaço (também da cidade) é imenso. Le Corbusier, que sabia disso muito bem, não tinha vergonha de falar de suas casas. Muito pelo contrário.
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Casa Pacelli, Armação de Búzios
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Casa na Fazenda, Rio de Janeiro
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LEFEBVRE, Henri. The Production of Space. HARVEY, David. The Condition of Postmodernity. VENTURI, Robert; SCOTT-BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Learning from Las Vegas: The Forgotten Symbolism of Architectural Form. 4 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. 5 AMIN, Ash; THRIFT, Nigel. Cities: Reimagining the Urban. 6 FORTY, Adrian. Words and Buildings: A Vocabulary of Modern Architecture. 7 McGLYNN, Sue; SMITH, Graham; ALCOCK, Alan; MURRAIN, Paul; BENTLEY, Ian. Responsive Environments. 8 ALLEN, Stan. Points + Lines: Diagrams and Projects for the City. 9 LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. 10 McHARG, Ian. Design with Nature.
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Em um antigo casarão em Santa Teresa, Rio de Janeiro, ocupado por alguns escritórios de arquitetura, encontramos os arquitetos do CAMPO aud. Composto por Gabriel Duarte, Renata Bertol e Ricardo Kawamoto – profissionais formados na FAU-UFRJ entre o final dos anos 90 e o início da atual década –, o escritório possui projetos influenciados pelos debates, partidos arquitetônicos e imagens produzidos no exterior. Esta entrevista apresenta essas trocas, experiências e intercâmbios entre os jovens arquitetos do Rio de Janeiro e o mundo.
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Como vocês analisam o curso de graduação que fizeram? Gabriel Duarte – Primeiramente, há uma pequena diferença entre as nossas gerações. Ricardo Kawamoto – Formei-me na FAU-UFRJ em 1997. Renata Bertol – Enquanto o Gabriel e eu entramos em 1998. Gabriel Duarte – Então, existe uma diferença de uns cinco anos. Sobre a graduação, a minha resposta e a da Renata serão muito similares, e a do Ricardo será um pouco diferente. O que há em comum é o fato de nós três termos estudado na mesma instituição, a UFRJ, num período histórico muito difícil da faculdade. Quando ingressamos nela, nos surpreendemos, pois não tínhamos noção de que a UFRJ como instituição atravessava uma fase tão ruim, e, especialmente, não sabíamos da situação na Faculdade de Arquitetura. Somente depois, conseguimos perceber criticamente o que estava acontecendo. A FAU-UFRJ é muito grande: 120 alunos ingressam por semestre e há um grande número de professores com qualidade e dedicação muito díspares. Logo no primeiro semestre, por sorte, conseguimos estabelecer uma concatenação de mestres e pessoas que são bons arquitetos e bons professores – como Pablo Benetti, Flavio Ferreira, Mauro Santos, Mauro Nogueira e Ivan Gil –, que lutavam contra o sucateamento da instituição. Por isso, posso afirmar que nós três e mais um grupo de amigos próximos somos um pouco self-made [pessoa que construiu seu sucesso]. O Ricardo teve experiências diferentes em disciplinas de projeto da faculdade, mas o que todas essas pessoas tinham em comum era o senso – o ideal – que criou uma geração consciente, crítica e com muito rigor dentro do ateliê. Aliás, abraçávamos essa questão do rigor, mesmo que às vezes um pouco excessivo, como um desafio, buscando exceder sempre e desenvolver os projetos da melhor maneira possível. Ricardo Kawamoto – É uma geração de méritos individuais devido a essas dificuldades de equipamentos e professores. Havia uma concorrência grande, por parte dos alunos, pela busca dos melhores professores. Por um lado, havia turmas quase sem alunos, porque eram ministradas por professores notoriamente ridículos; por outro, existiam turmas que enchiam. Tinha uma concorrência interna muito grande dentro das turmas: quando alguém fazia um bom projeto, a turma toda fazia bons projetos. Essa geração, formada na UFRJ, permanece em contato intenso, talvez até mais do que na época em que estudávamos juntos. O diálogo entre os escritórios é positivo, até havendo projetos, de grande escala e com programas amplos, feitos em conjunto.
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Como foi o encontro de vocês três e a formação do escritório?
Gabriel Duarte – Como o Ricardo explicou, existiam grupos de estudantes com objetivos comuns que se formavam de forma natural e que gostavam de participar de concursos, pela frustração em muitas disciplinas deficientes da faculdade. Queríamos crescer, aprender, testar, desafiar e víamos nos concursos de projeto oportunidades fundamentais para isso. Ricardo Kawamoto – Lembro-me de que, na época, a internet era extremamente precária e, para saber de qualquer concurso, em outros estados do Brasil ou no exterior, era algo difícil. Iniciou-se com um pequeno grupo que gostava de fazer concursos e isso foi aumentando, até que várias pessoas passaram a ter noção de que concurso é um bom começo de carreira. Gabriel Duarte – Inicialmente, eu e Renata tínhamos um grupo que trabalhava intensamente. Fazíamos estágio, faculdade, bolsa de iniciação científica e concursos. Foi um período muito intenso de produção e aprendizado. Do nosso segundo ano até o último nem dormíamos direito, mas gostávamos. Entrei como estagiário da Fábrica Arquitetura – uma extensão do ateliê da faculdade – a convite do Pablo Benetti, que tinha sido o meu professor. O Ricardo, recém-formado na época, estava trabalhando no mesmo escritório. Fomos nos conhecendo, nos tornamos amigos, e começamos a perceber uma série de interesses comuns, tanto em arquitetura quanto em discussão e postura. Certo dia, resolvemos fazer um concurso juntos para a Nova Estação de Trens da Supervia, em São Cristóvão. Não tínhamos nem empresa, nem registro no CREA. Pedimos para uma amiga nossa, arquiteta, que tinha esse registro para se inscrever no concurso por nós. Inclusive, usamos o CNPJ do José Carlos Filizola, engenheiro que se tornou um grande amigo e companheiro em concursos e projetos. Assim, nos inscrevemos. Tivemos necessidade de envolver pessoas que tinham mais experiência em engenharia de transportes, em cálculo estrutural etc. Dessa forma, formou-se o embrião do que seria a metodologia de trabalho cooperativo que é a base do nosso trabalho até hoje. O encontro de todas as disciplinas necessárias se desenrolou de uma maneira muito rica e se solidificou em parcerias que duram até hoje. Para nossa surpresa, ganhamos uma menção honrosa. No dia da premiação, fui eu, a Renata e o Vitorio Benedetti – designer e também estudante na época –, sem nenhuma esperança e com intuito de ver os outros projetos dos arquitetos, mas, de repente, falaram o nosso nome. A situação foi engraçada porque eu e Renata – que estávamos no início do terceiro ano na faculdade – fomos premiados num concurso em que concorriam vários
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Ricardo Kawamoto – Nós nos conhecemos no escritório Fábrica Arquitetura.
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professores nossos da faculdade. Depois disso, fizemos vários outros concursos juntos, em que ganhamos e perdemos, fazendo com que nosso relacionamento se tornasse mais maduro. Com isso, percebemos que a atuação coletiva é mais forte do que a individual. Acrescentamos, nesta equação, a importância da multidisciplinaridade. Isso perdura até hoje como alicerce do nosso escritório. Considerando o processo projetual e a divisão de trabalho, de que forma vocês apresentariam o CAMPO? Gabriel Duarte – Percebemos que sozinhos nunca iríamos conseguir atingir os mesmos resultados em termos de qualidade e densidade de reflexão. Desenvolvemos uma metodologia de trabalho muito específica a nossa equipe: a partir da nossa experiência em diversos escritórios, percebemos que um sistema hierárquico e cristalizado de concepção e de tomada de decisões é, na verdade, muito prejudicial. Arquitetura é uma disciplina muito singular – em termos de método, de procedimento, do dia a dia –, que necessita de espaços que são próprios para ela, assim como exige uma estrutura diferente de uma empresa convencional. Percebemos que o modelo de estrutura hierárquica que passa sempre por uma única pessoa, por um só filtro, empobrecia o trabalho na nossa profissão. A questão autoral única do arquiteto nos incomodava muito. Atrás de um arquiteto principal tem centenas de outros profissionais que trabalham em conjunto, colaboram. Consideramos completamente inadequada essa mistificação da figura do arquiteto que dá soluções para tudo em instantes. É necessária muita reflexão e investigação. Ricardo Kawamoto – O próprio nome do escritório reflete isso. Podíamos ter usado nossos sobrenomes para nomeá-lo, mas decidimos por um termo único que refletisse o que fazemos: um trabalho universal no campo de arquitetura, urbanismo e design. Então, CAMPO foi o nome mais simples, forte, fácil de ser lembrado e que reflete essa filosofia do escritório. Fazemos desde projetos pequenos até trabalhos com a escala urbana. E nós três temos funções e vocações que se complementam. Gabriel Duarte – A questão do trabalho coletivo, horizontal e democrático é a nossa grande força como empresa, fábrica de ideias e fórum de debates. Isso é fruto da reflexão sobre o que acreditamos ser a nossa profissão. Nunca vimos a arquitetura exclusivamente como construção, nem nos frustramos tanto quanto outros arquitetos por termos poucos dos nossos projetos construídos, ou demorando excessivamente para serem terminados. O projeto de arquitetura é muito mais do que dizer qual é o aspecto construtivo ou formal de um objeto. Arquitetura é cultura. Arquitetura é pensamento. Então, a estrutura democrática e horizontal do escritório reflete-se não
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somente no espaço físico, mas também na postura de responsabilidades e em como a equipe trabalha. Acreditamos que o projeto é feito com base em consultas coletivas, questionadas e revisadas, propondo um objeto de trabalho de maneira muito mais sólida. Afinal, todos acreditam numa decisão tomada democraticamente. O fato de a equipe acreditar naquele projeto faz com que ganhe muito mais força, não só por uma questão básica de motivação, mas por todos entenderem o processo de maneira plena. Obviamente, mesmo quando falamos em estrutura democrática de trabalho, há responsabilidades diferenciadas que são norteadas de acordo com a experiência de cada um. Nunca iremos delegar certa responsabilidade para um estagiário ou um arquiteto até que ele tenha a experiência e a segurança necessárias para aquilo. Caso um estagiário não venha, faz falta. Se alguém não tomar para si suas responsabilidades, faz muita falta. Então, tentamos buscar essa simbiose de todas as partes, mediada pela responsabilidade profissional. Isso se reflete na estrutura física do escritório: é difícil saber qual é a mesa do sócio ou a do arquiteto ou a do estagiário. Tudo funciona no mesmo território de trabalho e pensamento. Isso permite que tenhamos uma rapidez muito maior ao projetar com uma estrutura relativamente pequena. Ricardo Kawamoto – Acho que essa estrutura enxuta, que tem no máximo 12 pessoas trabalhando ao mesmo tempo, ajuda o escritório a se organizar melhor, em termos de arquivos, de documentos e até de processo de trabalho. O fato de se delegar certas funções a cada um é resultado de um plano de trabalho estruturado para isso. Caso contrário, haverá consequências como atrasos e o desconhecimento de o que o outro está fazendo. Se crescêssemos excessivamente, muito provavelmente perderíamos essa compatibilidade entre os vários integrantes da nossa equipe. Renata Bertol – Às vezes, um de nós fica mais responsável por algum projeto, para organizar e coordenar. Mas todos estão envolvidos sempre, participando e dando suas opiniões. Gabriel Duarte – Essa questão da colaboração transcende também as barreiras do escritório. Não consigo me lembrar de qualquer projeto em que o CAMPO atuou sem a colaboração com outros escritórios e com outros profissionais. Sentimo-nos desafiados e ficamos muito felizes quando temos reciprocidade dos nossos parceiros. Gosto de trabalhar com a Renata e o Ricardo, porque pensamos de maneira diferente e a partir disso chegamos a algum lugar comum. Pelo fato de nos conhecermos há mais de dez anos, temos muita proximidade. Uma coisa que as pessoas até estranham – porque, além de sermos sócios, somos amigos e temos muita intimidade – é o fato de termos liberdade para falar que algo está horrível, rasgar papel na cara do outro, jogar maquetes fora e por aí vai. A nossa postura, de acreditar que a arquitetura
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transcende o projeto e o objeto, é um esforço nosso de transpor as barreiras do ateliê, do escritório, e transformar o CAMPO no que sempre quisemos que fosse: um verdadeiro fórum de discussão e de produção. O fato de ser professor e trabalhar com pesquisa enriquece enormemente. Não projetamos somente; também escrevemos, publicamos artigos, pensamos sobre o que fazemos e transformamos isso em ensaios. Aliás, nunca começamos um projeto desenhando. As primeiras reuniões nunca têm papel, para que criemos uma fundamentação conceitual forte. Buscamos compreender os problemas fundamentais do projeto em questão e nos afastar de alguma especificidade banal, detendo-nos em questões mais estruturantes. Gabriel Duarte e Renata Bertol, vocês fizeram mestrado na Holanda e na Inglaterra, respectivamente. Como foram essas experiências? Vocês as aplicam de maneira crítica na realidade brasileira? Gabriel Duarte – Um pouco antes de me formar na faculdade, eu e Ricardo abrimos um escritório. O protótipo do CAMPO nasceu em 2002, mas só se consolidou mesmo quando eu e Renata voltamos da Europa com mil ideias. O mestrado é, também, resultado da nossa insatisfação com boa parte do nosso ensino na graduação. Comecei a perceber que eram raras as exceções de grandes arquitetos que não tinham uma ligação, qualquer que fosse, com a academia, com o ensino. Via este tipo de perfil em meus próprios professores de projeto, como o Pablo Benetti, o Mauro Santos e o Flavio Ferreira. Perguntava-me se todo bom arquiteto também é professor. Isso gerou um desejo de entender o porquê da resposta desta questão ser sim, na maior parte dos casos. Apesar de o Ricardo e da Renata não darem aula propriamente dita, eles participam da academia como júri ou avaliadores externos ou coorientadores. Então, o mestrado é fruto desse duplo norte que segui na minha vida. Fui desenvolver meus conhecimentos de uma maneira mais completa num ambiente diferente do Brasil, para que pudesse realmente fazer o contraponto, voltar e aplicar isso. Assim, projetei uma vida meio ambígua em relação ao escritório e a faculdade, sabendo que meus sócios e meus amigos tinham anseios bem similares. A Holanda foi escolhida porque, nos anos 90, a arquitetura holandesa estava passando por um momento de efervescência incrível, o que me chamou muito a atenção. Naquela época, o país estava com crescimento e desenvolvimento econômicos muito acelerados, muita coisa acontecendo, e isso ficou claro quando fomos numa Bienal de São Paulo. Tinha um trecho desta Bienal sobre arquitetura holandesa, com três escritórios expondo – Mecanoo, Herman Hertzberger e uma retrospectiva do Aldo van Eyck, que era um arquiteto do Team X – e ficamos muito impressionados com aquilo: sociedade aberta, com muito dinheiro, que permite experimentação; fazendo-se muito mesmo que desse errado. Não foi à toa que, do mesmo grupo de amigos da faculdade, uma parte foi para a Holanda.
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Sobre a Inglaterra, logo quando me formei, comecei a dar aula como assistente, na vaga de um professor da UFRJ. Naquela época, surgiu a oportunidade de organizar um workshop internacional com uma turma da AA (Architectural Association), de Londres. Mantive contato com alguns professores (Eva Castro e o Holger Kehne), que são amigos até hoje. Por pouco não fui para AA de Londres; acabei indo para a Holanda por circunstâncias da época. Depois, quem acabou indo para Londres foi a Renata. Esses anos na Europa mudaram muito nossa cabeça e moldaram a maneira como tocamos o escritório. Voltamos para o Brasil com uma metodologia de trabalho, uma ferramenta de integração das pessoas do escritório. A organização de um projeto é a mesma o tempo todo, todos sabem onde estão os arquivos do projeto. São coisas banais e cotidianas, mas que víamos muito pouco no Brasil. Renata Bertol – Quando o Gabriel foi para a Holanda, fiquei aqui trabalhando em outros escritórios. Resolvi fazer o mestrado para sair dessa rotina de escritório, na qual se fica muito preso aos projetos executivos. Foi uma maneira de continuar estudando e continuar crescendo. Vocês mantêm alguma relação com os professores e escritórios com os quais tiveram contato nesta vivência fora do país? Gabriel Duarte – Um intercâmbio formal, constante e presente, não existe. Mas existe uma rede de amizades e cooperações que se mantém e que tende a crescer. Ao ir para fora e voltar para o Brasil, cria-se uma rede, que o pessoal de marketing chama de networking, em que mantemos contato com nossos amigos, professores e pessoas que estudaram conosco. Renata Bertol – Há pouco tempo, escrevemos um artigo para uma revista da Turquia cujo editor é um ex-colega do Gabriel na Holanda. Gabriel Duarte – Há uma comunicação, mas não um intercâmbio formal. Desde que terminei meus estudos na Holanda, por coincidência, acabei retornando para lá diversas vezes por motivos profissionais. Essa rede que se forma é muito presente, ainda mais agora com a internet. Por exemplo, Laura Alvarez, uma grande amiga espanhola que trabalhava comigo no SeARCH, em Amsterdã, tem um escritório próprio, atualmente, e projetamos juntos para alguns concursos internacionais. Ela até ganhou um concurso importantíssimo do novo prédio da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Delft.
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Renata Bertol – Mantemos contato com algumas pessoas da própria AA, como o Jorge Fiori, para saber o que está acontecendo lá e para que eles também saibam o que estamos fazendo aqui. Gabriel Duarte – Isso foi um tema de papo de bar da semana retrasada, um dos encontros mais recentes do pessoal da UFRJ. Foi após uma palestra do arquiteto americano Greg Pasquarelli, do Shop Architects, no Centro de Arquitetura aqui do Rio. Saímos com o próprio arquiteto e amigos como o Pedro Rivera, Pedro Évora, Fabiana Izaga e a Solange Carvalho. Conversamos muito sobre como o Brasil, hoje, se volta para seu umbigo, o que acaba nos limitando muito. Não conseguimos explicar o porquê disto ocorrer. Queremos reverter essa situação, queremos que venham Jean Nouvel, Christian de Portzamparc, Herzog e de Meuron e muitos outros. Queremos o intercâmbio, vendo e trabalhando juntos, porque isso é fundamental. Nenhum desses países – Inglaterra, Holanda etc. – cresceu olhando para o seu próprio umbigo. É necessário mudar, mais ainda com o Rio de Janeiro tendo sido eleito para as Olimpíadas de 2016. Acho que ganhei mais e-mails de parabéns, dos amigos gringos, por 2016 do que quando faço aniversário. Isso diz que está na hora de o Rio de Janeiro voltar a ter o seu lugar no debate internacional da arquitetura, perdido ao longo de quarenta anos. O que o Otavio Leonídio e o João Pedro Backheuser comentaram sobre o esvaziamento acadêmico do Rio de Janeiro pela geração moderna na entrevista ao ENTRE é correto. Quais são as possíveis oportunidades para um escritório jovem, como o CAMPOaud, nesse cenário futuro de Olimpíadas no Rio de Janeiro, Copa do Mundo no Brasil e revitalização da Zona Portuária? Gabriel Duarte – Ficamos muito emocionados no dia em que foi anunciada a Olimpíada no Rio, mas depois nos lembramos das mil propostas prontas de projetos para a cidade que ninguém sabe quem fez e de onde saíram. Entendemos que, como escritório individual, é quase impossível modificar a natureza desses processos. É algo que extrapola a profissão da arquitetura propriamente dita, passando por questões legais muito complexas, como lei de licitações, questões políticas, relações de poder etc. De maneira muito pragmática, obviamente desejando o melhor, achamos que, bem ou mal, alguma coisa vai acontecer! Caso não aconteça, podem apagar as luzes e fechar as portas, porque o Brasil estará amaldiçoado para sempre. Pessoalmente, aceito que seja uma arquitetura medíocre, desde que a cidade tenha benefícios com isso de uma maneira geral, havendo a construção de um legado forte. Mas, obviamente, me incomoda a mediocridade da arquitetura que está sendo apresentada. Demos uma olhada nos blogs de arquitetura de fora do país e todos ridicularizaram a apresentação do Brasil, entretanto, nada se falou sobre isso por aqui.
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Acho que os escritórios pequenos e jovens da nossa geração não vão se beneficiar das propostas de planejamento envolvidas diretamente nos Jogos: grandes estações esportivas e conexões. No entanto, lutaremos pela chance de poder contribuir, pois esse é um evento de uma magnitude tão grande, que temos que nos articular para saber aproveitar a oportunidade. Talvez, através dos trabalhos – desdobramentos – que surgirão em paralelo a este evento. O CAMPO tem dois anos e meio, e temos sido bem afortunados. Começamos com quatro pessoas, chegamos a ter 12 integrantes no auge de trabalho, e somos uma instituição economicamente viável. Estamos cansados de ver escritórios abrirem e fecharem com um ano de vida, e acreditamos que nosso sucesso seja sintomático da maneira como levamos os negócios. A verdade é que jovens arquitetos, para serem competitivos, só conseguem projetos fazendo melhor, dez vezes mais rápido e cobrando dez vezes menos, infelizmente. Quero um dia poder estar sentado na minha cadeira e não precisar correr atrás, com os clientes vindo até mim. Mas a realidade é muito dura e complicada. Visto isso, precisamos atuar nos desdobramentos da Olimpíada com um olhar crítico, não esperando uma benevolência do governo para fazer um concurso em que, eventualmente, possamos participar. Precisamos ser mais ativos, falar e reclamar. Ricardo Kawamoto – Sobre o projeto das Olimpíadas, a discussão levantada pelo Sergio Magalhães, de levar a Vila Olímpica para a Zona Portuária, é correta. Existe um paralelo bastante nítido com Barcelona. Apesar de os projetos para as Olimpíadas e para a área do porto não terem sido compatibilizados, há um começo de discussão do espaço urbano. Contamos com projetos que são desdobramentos desses eventos. Não acho que vamos fazer um estádio, mas talvez uma urbanização do entorno; ou seja, projetos consequentes desse movimento. Haverá muito investimento residencial pelo mercado imobiliário, como hotéis. Teremos que chamar a atenção de quem vê de fora da cidade; logo não poderemos deixar o espaço urbano degradado. Também estão sendo planejados os grandes projetos viários, ligando os polos olímpicos da Barra e de Deodoro; o metrô Barra-Zona Sul; o trem-bala Rio–São Paulo. Na Copa do Mundo, o fato de São Paulo e Rio estarem conectados, gerará nas duas cidades um grande movimento financeiro. Vocês poderiam fazer um balanço da produção atual da arquitetura nacional? Gabriel Duarte – O Rio de Janeiro ainda tem uma produção muito pobre em termos arquitetônicos. Não falo disso reclamando, pois nos incluímos nesse grupo também. O sistema de contratação, no Rio, valoriza muito pouco a questão do desafio, da qualidade, da inovação. Há, também, uma desconfiança generalizada com os jovens profissionais. As parcerias que fizemos com escritórios maiores foram o nosso primeiro
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passo. Assim, conseguimos acumular uma documentação para ser usada em licitações. Mas isso é uma questão específica nossa, pois tivemos a sorte de juntar um acervo de projetos no portfólio que nos capacitam a entrar em concorrências. Imaginem como se começa a carreira em um escritório pequeno que não tenha contatos. Não é possível participar de licitações que exigem, como precondição, que o coordenador da equipe tenha 15 anos de formado e tenha um projeto igual ao que está sendo feito no seu acervo técnico. Depois, percebemos que só uns cinco escritórios no Brasil têm esse perfil. Daremos um salto fundamental quando houver uma mudança de postura nisso; quando o mercado priorizar a qualidade em detrimento de atributos quantitativos e financeiros. Um projeto não sai mais caro porque um arquiteto pensou mais nele, muito pelo contrário. Não será, necessariamente, mais caro por ser melhor. Ricardo Kawamoto – No Rio, não há uma discussão arquitetônica ampla pela sociedade. Com estes futuros eventos, a cidade torna-se o grande portão do país. Assim, é necessária uma postura crítica para mudar a situação atual de falta de qualidade arquitetônica. Gabriel Duarte – Todos concordam que São Paulo tem uma produção superior muito admirada, mas ficar repetindo isso não faz sentido. Preferimos ver isso como um desafio: quando conseguiremos nos igualar ao status deles em matéria de produção e qualidade? Não é inveja! Queremos ter também um ambiente de discussão rico. E não é só em São Paulo que há esse ambiente; em Minas Gerais, tem um pessoal jovem muito bom, como o Alexandre Brasil e o Fernando Maculano. O Rio Grande do Sul tem o Studio Paralelo e tantos outros. Mas precisamos admitir que quase não há comunicação entre as regiões. As gerações mais antigas que me desculpem, mas o movimento de mudança parte das cabeças jovens, como a Oficina de Arquitetos, a BLAC, a DDG, o Pedro Rivera e muitos outros no Rio. Qual é a importância da imagem para representação da arquitetura? Gabriel Duarte – É necessário fazer uma distinção muito clara entre o desenvolvimento de uma metodologia visual para pensar e projetar, e a representação posterior de um projeto, que consideramos dever ser rica, sendo capaz de construir um cenário de ambientação. Somos muito rígidos e criteriosos com a maneira como a imagem do projeto é colocada para fora, com o que ela representa, para que não seja esvaziada de significado. Isto vai desde um diagrama de projeto até uma imagem banal na qual um roteiro de representação do objeto é construído. Costumamos brincar que gastamos mais tempo colocando figuras humanas nas perspectivas do que fazendo as perspectivas em si, porque aquilo cria um cenário com vitalidade. Temos raiva dessas
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fotos de projeto que não têm pessoas. Arquitetura foi feita para ser usada, para ter personalidade, para ser suja. Prezamos por uma qualidade gráfica tremenda, até no desenho técnico burocrático; a prancha tem que estar bem-organizada, pois é a maneira como falamos e expomos nossa produção. O modo como nossos projetos respondem e se adaptam à cidade é reflexo do nosso processo de pensar visualmente. Um projeto nasce da conceituação, mas logo o discurso e a ideia de objeto se fundem no desenho; assim, a representação deve ser carregada intensamente de questões conceituais de operação e reflexão. O croqui, o desenho, o diagrama ajudam a desenvolver e ordenar as ideias, sendo tanto parte do processo quanto a discussão. Não é feita, simplesmente, uma foto final! Para chegar a ela, foram feitas outras trezentas. O que é arquitetura? Gabriel Duarte – Enxergamos a nossa profissão como uma questão de transformação do território, entendendo o edifício, a cidade e a paisagem de maneira mais global. Qualquer objeto é inserido numa trama de relações complexas – sociais, culturais, econômicas, políticas – e, por isso, acreditamos que a arquitetura transcende os limites do objeto construído. Discordamos de quem fala que arquitetura só é arquitetura quando é construída. Fazer arquitetura é pensar a cidade e aquilo que a compõe. Então, acho que, como profissão, o sentido da palavra “arquitetura”, às vezes, é um pouco limitador. Arquitetura engloba projeto, mas não é só isso. É como dizer que o bolo de chocolate é só o ovo, ou somente calda de chocolate, ou só farinha, ou só açúcar, sendo que, na verdade, o bolo é o resultado da relação entre estes ingredientes. Renata Bertol – Arquitetura não é somente uma disciplina, mas engloba várias coisas ao mesmo tempo. A prioridade é pensar o espaço, mas, ao pensá-lo, devese considerar como vamos influenciar na vida das pessoas, na economia, na política da cidade. Pensar nos mil desdobramentos gerados que não são isolados. Ricardo Kawamoto – Acrescento que a arquitetura é temporal, entendendo que um objeto arquitetônico que é para o dia é diferente de outro que é para a noite. Por exemplo, um prédio comercial que tem vida de dia e é um grande vazio à noite. São considerações a serem levantadas. Entender seu comportamento não somente durante os dias, mas durante os anos, observando como o tempo agrega valor. Ou seja, pensa-se em qualidade de projeto quando se entende que uma imagem poderá durar vinte, trinta, quarenta ou mesmo mil anos, como os palácios europeus.
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Centro de Exposições Agropecuárias, Brasília
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Central do Brasil - Our Cities, Ourselves, Rio de Janeiro
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TANIZAKI. El elogio de la sombra. PAZ, Octavio. La casa de la presencia. PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. TORROJA MIRET, Eduardo. Raz贸n y Ser de los tipos estructurales. RICE, Peter. An engineer imagines. KAHN, Louis. Silence et lumi茅re. GUY-LECAT, Jean. El circulo abierto. BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. BROOK, Peter. A porta aberta.
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Carla Juaçaba
Entrevistamos a arquiteta Carla Juaçaba em meados de julho de 2009. Meses antes dessa conversa, ela havia representado os arquitetos brasileiros na Bienal de Arquitetura Latino-Americana, em Pamplona, na Espanha. Com entusiasmo, falamos de arquitetura, matéria e construção. Juaçaba mostrou, além de um portfólio com belos exemplos de residências unifamiliares, um discurso apoiado pelas referências aos seus autores preferidos, encontrados nos livros próximos a sua mesa de trabalho.
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Como foi sua formação como arquiteta? Carla Juaçaba - Eu me formei na Santa Úrsula, uma faculdade muito interessante porque era muito experimental. Levei a “zona” a sério. A Lygia Pape, que tinha uma cabeça educativa, foi uma das bases intelectuais do curso. A faculdade na Santa Úrsula foi boa, mas também tive contato com o Sérgio Bernardes, que foi um mestre. Fiz arquitetura por causa das conversas que tive com Sérgio. O discurso dele fazia a cabeça de todo mundo que estava em volta, pois falava do sonho na arquitetura, de como ela pode mexer com o imaginário. Parece ingênuo falar disso, mas, na faculdade, é difícil ouvir algo tão encantador. Gosto especialmente do Sérgio como artesão, que inventava telha, sistemas construtivos, como o próprio sistema de construção das favelas com o tijolo de barro e vigotas de concreto, que considero um marco. Ele misturava os materiais como a viga de concreto dentro da pedra, que foi referência no meu projeto da Casa de Rio Bonito. O modo como ele usava os materiais me interessa. Como se deu a transição da formação acadêmica para a atuação profissional? Carla Juaçaba - Acho que descobri que sou arquiteta fazendo arquitetura. Nem fiz estágio em arquitetura durante a faculdade, pois não conseguia trabalhar como “cadista” por muito tempo. Comecei trabalhando com cenografia, por três anos, com a Gisela Magalhães, que era da geração do Niemeyer e do Darcy Ribeiro, e fazia cenografia de museus pelo Brasil inteiro. Achava que ia trabalhar nisso. De repente, me descobri arquiteta ao fazer minha própria casa com o Mário Fraga. Depois, um amigo do Mário me chamou para fazer uma casa em Rio Bonito; em seguida, a Renata Bernardes, neta do Sérgio, ao olhar essas casas, disse que gostaria de fazer a dela comigo também. Um projeto puxou o outro. Assustou-me muito passar da arquitetura que se faz na faculdade, que é sonho e fica no papel, para o real, a materialização da ideia. Mas acho muito fascinante sair do pensar para o fazer. Se eu não fosse arquiteta, seria uma profissional com uma relação direta com a mão. A segunda casa que fiz, a Casa de Rio Bonito, por exemplo, é a junção de duas imagens: a imagem antiga do muro de pedra e a imagem moderna da possibilidade do grande vão que o aço pode dar. Eu me questionava: o que é o suporte da arquitetura? O que é o suporte moderno? O pilotis do Le Corbusier? Por que ele mostrou essa possibilidade? Por que a técnica mostrou essa possibilidade? Mas por que tenho que usá-la? A partir dessas questões, o projeto da casa apresenta o peso do muro que suporta o peso da viga, que, por sua vez, suporta o peso da laje. O artista plástico Richard Serra escreveu um texto sobre o peso:
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Tem gente que busca leveza em tudo. O Renzo Piano, por exemplo, é um arquiteto que procura a leveza, a delicadeza. É um caminho. Não há um melhor do que o outro. Por isso, houve a escolha dos muros de pedra, dos suportes. Acredito na construção de uma ideia, de um pensamento, que pode se cristalizar ou não. Quando se cristaliza, dá medo pela responsabilidade técnica e, principalmente, por ser uma arquitetura experimental. Apesar de o fazer muro de pedra ser antigo, ainda é experimental colocar uma viga de aço dentro de uma pedra, ainda mais no meio de uma floresta. Não é à toa que há poucas mulheres na arquitetura! O ato da arquitetura em si, o ato de construir, é um ato masculino: ver uma construção levantando, lidar com o operário e com o engenheiro... Foi o que senti nessas obras que aconteceram. O medo também vem da constatação de como a arquitetura é poderosa, monumental! Observei isso ao projetar uma casa de setenta metros quadrados! Imagine quão assustador é a construção de coisas imensas. Afinal, transforma-se a realidade, transforma-se um material. Não fico muito tranquila. Os três projetos que você citou são de residências unifamiliares. Você considera ter alguma expertise nessa tipologia de projeto? Carla Juaçaba - Não, foi por acaso que fiz três residências. Mas cada caso é completamente diferente do outro. Uma casa levou à outra. Afinal, ninguém vai me chamar para fazer uma escola porque fiz essas casas. Acho que é preciso participar dos concursos. Já participei de um, vou entrar em outro, mas fico adiando porque não me sinto tão madura ainda para isso. Arquitetura é muito difícil. Para entrar em um concurso, se você não tiver uma questão, uma coisa para pensar, nem vale à pena mostrar. Você falou de matéria, principalmente da pedra, mas também utiliza o aço recorrentemente. Qual é a razão disso? Carla Juaçaba - Na época em que construí a casa da Renata Bernardes [Casa Varanda], ela queria uma casa com estrutura em aço, com um teto semelhante ao da
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“(...) o peso é para mim um valor. Não que seja mais premente que a leveza e, portanto, tenho mais a dizer a seu respeito. (...) Sobre somar peso, subtrair peso, dispor peso, o desequilíbrio do peso, dos efeitos psicológicos do peso. (...) Somos contidos e condenados pelo peso da gravidade. (...)... O processo construtivo, a concentração e o esforço cotidianos me fascinam mais do que a leveza da dança, da busca do etéreo. Tudo que escolhemos na vida por ser leve logo nos revela seu peso insustentável”.
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Casa Lota, que o avô projetou. A casa foi levantada em 15 dias e o teto colocado em um dia. Então, foi rápido e barato. Já na primeira casa [Casa Atelier], o uso do aço foi uma escolha estética, um encantamento pelos projetos do Mies van der Rohe. Há também uma questão econômica; naquela época era vantajoso usar aço. Hoje, a situação inverteu, e sai mais caro utilizar estrutura em aço. A Casa Varanda não tem muita coisa de novo em relação aos projetos anteriores. O mais bonito é a luz entre os dois planos opacos do teto. É o rasgo de luz que atravessa a casa inteira e cria um ritmo que vai se modificando durante o dia. A luz caminha. Aliás, é importante dizer que foi no momento de fazer a maquete que percebi isso. Junto com o escritório paulistano FGMF, você representou a arquitetura brasileira na Bienal de Arquitetura Latino-Americana, na Espanha, em maio deste ano. Como foi a experiência? Carla Juaçaba - Quem me indicou para essa Bienal foi o Angelo Bucci. Lá estavam arquitetos da América Latina inteira, dois por país, todos com menos de quarenta anos. Foi interessante porque a pergunta mais frequente para mim era: “por que o Brasil é tão isolado? Por que vocês não se comunicam com a América Latina?”. Eu não sabia o que dizer. Será que somos arrogantes e não sabemos? É como se estivéssemos numa grande ilha. Eles falam espanhol, que não é tão diferente do português. Dá pra se comunicar. Na apresentação, eu quis começar falando da situação atual no Brasil e no Rio de Janeiro. Abordei as propostas de cercamento das favelas por muros, que, na verdade, não vão contê-las. O muro não está contendo nada. Historicamente, muros nunca contiveram nada – serviram para serem construídos e derrubados. Falei também dos improvisos das favelas, como tudo ali é destruído e construído muito rápido. De vez em quando, aparecem coisas muito bonitas nesses locais. Falei da capacidade de improvisação do brasileiro, de como ainda temos espaços para inventar. Na Europa, há tanta regra e tão pouca possibilidade para o jovem arquiteto! Todo lugar parece já estar construído. Eles falaram assim: “Não podemos fazer uma casa de pedra como essa, ou uma casa de tijolo. Não podemos.” Também achei importante mostrar um arquiteto e sua obra. Para mim, falar de arquitetura no Rio é falar do Sérgio Bernardes, que é falar de um mestre. Falar de um mestre não é só falar do Oscar. Todo mundo já sabe demais do Niemeyer. Então, mostrei o trabalho do Sérgio, em específico a Casa Lota, porque ali ele pega uma barra de ferro e a amassa, fazendo uma viga treliçada. Isso é trabalho de um artesão! Então, a meu ver, ele é um artesão industrial. Fiz questão de falar do Sérgio porque ele é uma referência muito grande para mim.
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Não tive o que falar sobre arquitetura contemporânea do Rio de Janeiro, por isso falei da escola paulista de arquitetura. Hoje em dia, é difícil falar de arquitetura brasileira. Até existem alguns casos isolados aqui ou em Minas Gerais, mas a escola paulista, marcada pelo que o Álvaro Puntoni chama de “sublimação ou razão construtiva”, é sem dúvida a mais representativa. Acho que isso vem das bases mesmo: a FAU-USP surgiu da escola de Filosofia e da Politécnica, enquanto a Escola Carioca foi fundada no curso de Belas-Artes. Incrível como está presente até hoje. Apresentei quatro casas: as três que já foram citadas e mais uma quarta que chamo de Casa Mínima, de referência histórica com a planta da igreja gótica. Esta casa é um anexo da Casa de Rio Bonito, no topo da montanha. A anterior, perto da água, tem uma relação com o barulho do rio, que é forte. A presença da natureza é muito forte nas duas, mas de maneiras diferentes. Na Casa Mínima, ao ser no topo da montanha, a luz do sol, o ar e a terra são muito presentes. A escolha do tijolo de barro vem daí, por ter sido o primeiro material feito pelo homem. Tem algo de vernacular. Há uma ligação muito forte com a terra e, por consequência, com o lugar. Era difícil carregar material até o local. Tinha que ser uma peça que coubesse na mão de um operário, para que ele pudesse levar até o topo da montanha. Houve um trabalho de definição do encaixe das peças de tijolo, de ritmo, de acabamento entre eles. E isso foi definido lá no local, junto com o Jabá [o mestre de obras]. A casa é muito pequena, de 24m2; a planta em cruz apareceu para que houvesse o mirante. É mais uma questão de eixos e restrição do tamanho do terreno. Você falou de forma elogiosa da arquitetura paulista. Você se sente isolada na cena arquitetônica carioca? Carla Juaçaba – Sim. Tenho ligação com os paulistas, sobretudo com o Angelo Bucci e o Álvaro Puntoni. Os paulistas são muito acolhedores. O único arquiteto que me mandou e-mail, parabenizando pela minha participação na Bienal, foi o Álvaro Puntoni, que sempre me indica para participar de livros e mostras de arquitetura brasileira. Existe ligação entre os trabalhos que você realiza em cenografia e em arquitetura? Carla Juaçaba - Não. É bom separar as duas coisas. A cenografia é o trabalho que demanda uma relação espacial com o interno. Geralmente, é ligado a um tema, a um assunto. Então, cenografia, de certa maneira, é um trabalho de arquitetura de interior, lidando com o espaço da mesma forma. Mas arquitetura é mais ampla, é diferente. Ela lida com os materiais de uma forma diferente. Peter Rice diz que a arquitetura é linda quando é tátil para os olhos. Quando os materiais são bem usados, eles quase falam.
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Ele fez as gerberettes do Pompidou, que têm um pensamento estrutural tão lindo por trás! Os encaixes e a monumentalidade das peças são fascinantes! Você não precisa tocar; elas são táteis para os olhos. É lindo quando ele fala isso, ainda mais vindo de um engenheiro. Esses engenheiros, como o Peter Rice, Eduardo Torroja, Maillard, Freyssinet, Ove Arup, têm me interessado bastante. Ninguém os conhece muito porque são lá do início do século XX e faziam estruturas que tinham pensamentos estruturais fantásticos. Eles pensavam os materiais. Hoje, dizem que os arquitetos não estudam estrutura, mas o problema é não entender os materiais. Quando vejo algo sendo bem usado, como é o aço nas gerberettes, fico impressionada. O Peter Rice, o Louis Kahn e o Gaston Bachelard falam da mesma coisa, cada um com sua linguagem. Um é engenheiro, o outro é arquiteto e o terceiro é filósofo. O Louis Kahn tem um texto em que narra uma conversa entre ele e os materiais, no qual ele fala com o concreto e com o tijolo: “(...) quando temos afeição ao tijolo, é preciso perguntar ao tijolo o que ele quer, ou o que ele pode fazer. Se você pergunta ao tijolo o que ele quer, ele vai responder: ‘eu quero um arco’. Então você responde: ‘mas os arcos são difíceis de fazer. Eles custam caro. Eu acho que poderíamos utilizar o concreto como arquitrave’. E o tijolo responde: ‘eu sei, eu sei que você tem razão, mas se você me pergunta o que eu amo, eu amo o arco’. Então você contesta: ‘mas por que ficar tão teimoso’. E o tijolo responde: ‘posso fazer uma pequena observação? Você se dá conta de que está falando de um Ser, e que um Ser de tijolo é um arco?’. Esse é o conhecimento da natureza da matéria. É reconhecer o que se pode fazer. Respeitar isso em absoluto. Se escolher um tijolo, não faça isso como um a segunda escolha, ou porque o preço está melhor. Se você tem afeição pelo concreto, é preciso conhecer a sua natureza. Na verdade, o concreto quer ser um granito, mas ele não consegue. As ferragens do concreto são obra de um maravilhoso artesão secreto que revela a força desta dita pedra moldável. É um produto do espírito. O aço nos diz que ele pode ser um inseto e ser forte e as pontes de pedra serem construídas como elefantes. Nós conhecemos a beleza de cada um. Se você reveste um muro de pedra, você tem a impressão de ter feito algo de inferior (...)”.
Esse diálogo é lindo, quase infantil. Ele fala em conhecer e respeitar a natureza dos materiais. O material não é uma escolha secundária, é uma escolha primeira. Deve-se pensar um projeto a partir da matéria que você escolheu. Não se pode pegar um tijolo e construir como se fosse uma pedra. Já o muro de pedra não poderia ter sido feito de outra coisa. Isso é falado muito pouco na faculdade aqui no Rio, onde a palavra materialidade vem depois do projeto, quase como revestimento.
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Carla Juaçaba - O que fiz até agora em cenografia estava ligado a exposições. Por exemplo, numa exposição usei oito quilos de cacos de vidro. Jamais usaria algo que imitasse o caco de vidro. O Peter Brook, diretor inglês de teatro, usa a palavra cenografia no sentido pejorativo: “Isso é cenográfico”, querendo dizer que não é verdadeiro. Quando falamos de cenografia, até nós usamos a palavra nesse sentido. Então, quando perguntam se faço cenografia, tenho que explicar. Por isso, vou usar oito quilos de cacos de vidro e não oito quilos de outro material que imite o caco de vidro. Isso acontece lá na Rede Globo! Outro projeto que fiz era uma mesa de água e usei água! Numa outra exposição de joias, usei a terra pigmentada e não uma imitação. Não é no sentido pejorativo, são os materiais mesmo sendo usados. Gosto muito da cenografia para museus, pois você entra em um tema e, depois de tudo, faz uma cenografia para aquilo. Por exemplo, no Museu da República, é preciso entrar na história do Brasil. Numa relação com o espaço, é preciso colocar uma ideia no espaço. É difícil achar um termo que nomeie esse trabalho. Podemos chamar de arquitetura de interior, mas a Lina Bo Bardi não gostava muito dessa expressão. Não posso falar de cenografia, já até inventaram design de interior... É difícil achar essa palavra porque se trata de uma relação com o espaço interno. Mas até que essa dificuldade é boa, pois libera um pouco a imaginação. O que é beleza? Carla Juaçaba - Talvez a beleza seja isso: você descobre uma coisa realmente bela quando ela é essencial. O engenheiro Peter Rice via beleza nas estruturas do século XIX e góticas. Não pela sua grandeza, mas, sim, por perceber um visível “cuidado humano” no fazer e no pensar de cada obra. Você fez a maior parte dos seus trabalhos sozinha. Considera, por isso, seu trabalho autoral? Carla Juaçaba - Trabalhei sozinha porque foram projetos pequenos, mas tenho a intenção de não trabalhar somente sozinha. É uma questão de escala do projeto. Em trabalhos como as casas que projetei, não faz sentido chamar alguém para fazer junto. Até tenho muito prazer em trabalhar sozinha. Arquitetura residencial é um exercício meio solitário mesmo e, por isso, autoral sim. Quando a escala muda e passa para um concurso, por exemplo, acho legal formar um grupo, para pensar junto e trocar ideias. Para trabalhar em conjunto, é necessário afinar uma linguagem com alguém. Como
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Carla Juaçaba
Você disse que arquitetura e cenografia são duas coisas diferentes. O que é a cenografia?
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é que você vai dividir esses pensamentos, como os que falei aqui na entrevista, com alguém durante a elaboração de um projeto? Essas ideias são objetos de reflexão meus. Hoje em dia, poucas pessoas trabalham sozinhas, principalmente na nossa geração. Na Bienal de Arquitetura Latino-Americana, não havia outra arquiteta que trabalhasse sozinha. Havia um ou outro arquiteto homem, mas a grande maioria trabalhava em grupo. Além disso, só havia mais duas mulheres do Chile apresentando trabalhos. Então, essa minha situação virou assunto, o que foi muito engraçado. Depois, ainda falei que o ato de construir era um ato masculino. Então, virou polêmica! Você tem interlocutores aqui no Rio? Na PUC, onde você dá aulas? Carla Juaçaba – Estou há pouco tempo na PUC. Estou começando a conhecer as pessoas agora. Da minha geração, são poucos os amigos com quem consigo trocar ideias. Algumas trabalham com arquitetura de interior. Na Europa, arquitetura e decoração são profissões diferentes. Aqui são vistas hoje como uma coisa só. Converso com o Geraldo Filizola, engenheiro e professor de estrutura, pois tive aulas de concreto protendido com ele. E como ele se interessa por arquitetura, consigo ter um bom diálogo. Quando fizer mestrado, minha intenção é buscar essa união entre arquitetura e engenharia de novo. O Lelé e o Paulo Mendes da Rocha são de uma geração em que o estudo dessas disciplinas era mais próximo e, assim, eles têm uma habilidade muito maior para pensar o projeto. De que maneira estar dentro da sala de aula é importante para você, para a sua prática arquitetônica? Carla Juaçaba - Vejo como duas coisas separadas. Acho que não contribui para minha prática. Educação é uma coisa e a prática é outra. Posso falar da minha prática para os alunos, dos materiais, dos sistemas construtivos... Mas não acho que o contrário aconteça. A educação é um olhar para o outro. Você vai para um ateliê de arquitetura e tem que entrar na cabeça do aluno, ver o que ele tem de melhor, e dali surge uma conversa para que ele desenvolva. Pelo menos, tento fazer isso e gosto muito. O professor para mim é aquele que tenta buscar o que tem de melhor no aluno, desenvolver, buscar referências. O Angelo, quando deu aula em Harvard, viu uma coisa fantástica: cada aluno tinha uma pilha de livros do lado para conversar com seus orientadores. Aqui deveríamos fazer isso. O aluno deve buscar e dizer que em seu projeto há referências de certos arquitetos. Afinal, ninguém está inventando. É maravilhoso “estar copiando”. Só vamos inventar quando tivermos consciência do que foi feito. Mas é preciso ter cuidado com esse negócio de referência internacional. Paulo Mendes contou que, no projeto para a Praça do Patriarca, estava lá fazendo uma
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cobertura de vidrinho. Estava tão esquisito esse vidro com estruturinha, uma coisa tão europeia! Então, ele decidiu fazer algo que tivesse a ver com o peso da cidade. Em São Paulo não dá para fazer uma coisa delicada; só mesmo um pensamento brutalista pode suportar essa cidade! Então, é preciso ter cuidado com essas referências internacionais. Há muita coisa que vi em viagens, mas não me encanta. Acho muito bom para onde estão. Temos que pensar para onde estamos projetando. Não podemos fazer aqui algo que fazem na Suíça.
Carla Juaçaba - Arquitetura é construção. Tem gente que fica somente no mundo das ideias, mas é preciso concretizar essas ideias. Arquitetura tem uma relação direta com o fazer. Não consigo imaginar só pensar sobre arquitetura.
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Carla Juaçaba
O que é arquitetura?
Casa Varanda
Carla Juaรงaba
Casa em Rio Bonito
Casa Varanda Carla Juaรงaba
Toscano
Em mem贸ria de Jo茫o Walter Toscano (1933 - 2011)
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Toscano
João Walter Toscano
Num chuvoso final de tarde do dia 23 de abril de 2009, João Walter Toscano abriu as portas do seu escritório, na Vila Madalena, São Paulo, para uma conversa que ele definiu como um bate-papo de botequim. Nessa que foi uma das últimas entrevistas dadas por Toscano, perguntamos pouco, ouvimos mais. Ouvimos as histórias de vida de um senhor que viu e participou ativamente da cena arquitetônica paulista e brasileira por mais de cinquenta anos. Toscano, natural de Itu, fez a graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi professor doutor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto na mesma faculdade e suas obras mais conhecidas são a Sede da Faculdade de Itu e a Estação Largo Treze. 107
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Como o senhor decidiu ser arquiteto? João Walter Toscano - Eu gostava de desenhar. Sempre ia para a rua fazer desenhos. Um dia, um amigo do meu cunhado, que fazia engenharia no Mackenzie, sugeriu que eu deveria estudar lá. Respondi: “Não, eu gosto de Itu. Eu estou querendo desenhar melhor”. Ele disse: “Já que você desenha bem, poderia fazer arquitetura”. Lembro que eu perguntei: “O que é arquitetura?”. Ele respondeu “Olha, arquitetura é uma coisa que você não acredita: os alunos, lá no Mackenzie, põem umas aquarelas ao sol”. Eu fiquei fascinado com aquilo! O poder fazer desenhos me entusiasmou para a profissão de arquiteto. No fundo, é uma questão de criação, a vontade de fazer alguma coisa com liberdade, uma coisa diferente. Quando vim para São Paulo, fui morar no porão de uma pensão com o meu irmão, que estudava química, pois eu não tinha dinheiro, nem meu pai podia sustentar dois filhos em São Paulo. Nesse porão, eu ficava admirando as pernas das moças, distraído, em vez de ficar estudando. Um dia, falei para ele que não podia ficar mais na pensão, pois eu tinha que fazer vestibular e lá não podia me concentrar. Em outro dia, ele só apareceu às dez da noite e me disse para pegar as coisas, porque íamos nos mudar! Ele arranjou um quarto onde poderíamos ficar, num palacete sustentado pela Cúria, na avenida Higienópolis. Éramos quatro no quarto. Um deles era o Carlos Zara, casado com a Eva Wilma, que gostava de ficar cantando Billy Eckstine. Enfim, depois acabei entrando na FAU-USP, na minha primeira tentativa. Vilanova Artigas foi seu professor na FAU-USP. Que influência ele teve na sua formação? João Walter Toscano - Quando fui aluno do Artigas, ele era jovem, mas já conhecido. Ele era comunista, então, em vez de ficar dando aula normal, abria a cabeça dos alunos para o mundo. Ainda mais eu, que, quando vim de Itu, não sabia nem quem era o presidente da República! Comecei a ver e a entender as coisas. Os alunos que aproveitaram as aulas do Artigas são alguns dos bons arquitetos de São Paulo. Além do Artigas, também fui aluno do Rino Levi, que era mais velho; do Abelardo de Souza; entre outros bons. Os professores eram pessoas de respeito, profissionais. Então, do ponto de vista de arte, de história, de técnica, tive uma formação realmente boa. Tínhamos muitas aulas práticas, muita discussão, muito convívio entre alunos, muita gente envolvida em política. Era muito diferente de hoje, pois quando eu entrei na FAU-USP, na época ligada ainda à Escola Politécnica, havia 33 vagas por ano. A única outra escola de arquitetura da cidade era o Mackenzie. Não era essa loucura de hoje, quando se formam por ano 180 aqui, duzentos ali. Aqui em São Paulo existem dez escolas de arquitetura.
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Fora da faculdade, o senhor citaria outro nome importante na sua formação? João Walter Toscano - O arquiteto que sempre me entusiasmou foi o Reidy. Certo momento, percebi que minha arquitetura ficava meio parecida com a arquitetura dele.
João Walter Toscano - Acho que um jeito de o arquiteto conquistar o caminho dentro da profissão e fazer coisas interessantes é através de concursos. O projeto Iate Clube de Londrina, que fiz com dois colegas da faculdade, Roberto Katinsky e Abrahão Sanovicz, foi o resultado de um concurso nacional de arquitetura que vencemos. No dia em que fomos receber o prêmio, havia alguns velhos milionários, donos de empresas de café, que disseram: “Os arquitetos não vieram!”. Nós passamos por eles e dissemos que nós éramos os arquitetos. Eles ficaram surpresos, pois ainda éramos moleques. Com isso, saiu no jornal de Itu que um arquiteto ituano tinha ganhado concurso. Após ler essa notícia, o mestre de obras das freiras ligou para mim, pedindo que eu fosse a Itu, porque as freiras queriam fazer uma faculdade, e ele nem sabia o que era faculdade. Lá fui eu falar com a freira responsável. Ela logo perguntou: “É o senhor quem vai fazer o nosso prédio? Esse menino?”. Eu respondi a ela que não precisava se comprometer comigo, que eu poderia fazer um estudo. Provavelmente, ela só conhecia prédios neoclássicos, e eu fiz algo totalmente moderno. Em 15 dias, levei uma maquete e uns desenhos para mostrar o projeto a ela. Ela olhou e falou: “Gostei! O senhor constrói também?”. Eu nunca tinha construído na vida! Mas o mestre, que estava atrás dela, fez sinal para que eu respondesse que sim. Então falei: “Eu construo!”. Assim, o edifício foi construído. A Faculdade de Filosofia de Itu tem todos os elementos que compunham a arquitetura moderna brasileira: o elemento vazado, a rampa, o pilotis, o brise. Fui um aluno que aprendeu a lição. Mas não copiei; é uma coisa original. O Lourival Gomes Machado, que era representante do Brasil na Unesco, junto com um grupo de intelectuais, foi para Itu ver a obra do Jesuíno do Monte Carmelo, um padre do século XVIII que pintou tetos da Igreja Matriz e telas. Eles foram recebidos pelas freiras da faculdade que projetei e que estava sendo construída. Durante a visita, uma freira perguntou: “O doutor não quer ver a nossa faculdade?”. Como eles devem ter falado que não tinham tempo, ela insistiu e eles foram conhecer a Faculdade. Lourival olhou, ficou admirado e perguntou quem tinha feito o projeto. Falei que tinha sido eu. Ele falou que era muito interessante e perguntou se poderia
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Como foi o início da sua atuação profissional?
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mostrá-lo. Só mostrei os melhores ângulos. No dia seguinte, ele escreveu o artigo “Três notas sobre Itu” para o Estado de São Paulo. A maior parte do texto é sobre o Jesuíno do Monte Carmelo, mas há uma parte sobre a minha obra. O texto elogia o meu projeto e afirma: “uma tranquila confiança na criação limpa, bela, legítima, que a mais jovem geração de arquitetos brasileiros começa a dar ao seu País”. Essa obra ficou tão conhecida que hoje está no Acervo Permanente do Centre Georges Pompidou, de Paris. Além dela, estão também nesse acervo os meus projetos do Balneário de Águas da Prata e o da Estação Largo Treze. Com o reconhecimento por Itu, o diretor da Faculdade de Assis foi ver esse projeto e pediu para que eu fizesse a Faculdade de Assis. Depois, veio a de Araraquara e todas pertencem à Unesp [Universidade Estadual Paulista] hoje. Vejam quantas obras vieram juntas porque fiz a primeira bem-feita. Eu só tinha 26 anos quando fiz Itu. Em 1964, cinco anos depois de ter saído da FAU, a Acrópole, uma revista de arquitetura aqui de São Paulo, fez um número especial só sobre o meu trabalho. O senhor conta muitas histórias: suas lembranças de Itu, sua vinda para São Paulo... O senhor diria que suas memórias influenciam seus projetos, tanto durante o fazer projetual quanto no resultado? João Walter Toscano - A memória é que faz com que se produza alguma coisa. Não estou falando de uma memória limitada a determinadas coisas, pois a memória está ligada a sua vida. A minha memória, por exemplo, começa quando eu era um molequinho e passa pelo meu convívio com os colegas, por situações que eu vi, quando eu viajei etc. Tudo isso é importante para que eu tenha o meu arquivo. Quando você está iniciando um projeto e vê um papel em branco, não começa no rabisco. Tem que pegar algumas amarrações. Uma das coisas importantes nesse começo é a memória. Veja só o exemplo de Le Corbusier: o livro A Viagem do Oriente mostra, através de comentários e desenhos, que ele viajou, viu, observou. Isso deu a estrutura para ele ter um caminho. Essa estrutura tem muita ligação com a arquitetura do Ocidente e do Oriente. Isso mostra que foi um sujeito que teve uma visão e uma formação muito ampla da história. No sentido de algo que estruture o projeto, as características do lugar/terreno são importantes nesse momento? João Walter Toscano - São fundamentais. Como disse [Oscar] Niemeyer, quando fez a sede do Partido Comunista, em Paris, ele viu um edifício curvo. Você deve ter um partido que, no fundo, está ligado a uma forma. Essa forma vem das experiências que você já teve, daquilo que está pesquisando, ou daquilo que gostaria
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de fazer. Posso até criar depois, mas antes eu peguei algo. Então, normalmente, qual é o procedimento do arquiteto ao fazer um projeto? Primeiro, ele tem um programa básico, que já lhe dá condições de criar. Por exemplo, quando o cliente pede três salas juntas, o arquiteto, pela sua experiência, pode sugerir um grande espaço único. Acrescenta-se a escolha de materiais, que podem ser os que estamos acostumados, ou os que ele viu e experimenta. Depois, tem o onde você vai colocar esse programa; quer dizer, o lugar. Louis Kahn diz que todo edifício deseja aquilo que ele quer ser. Isso significa que o edifício deve ter personalidade. Kahn diz que uma estação, antes de ser uma estação de trem, foi o caminho do trem. O caminho é a estação. Uma coisa deriva da outra, como consequência da continuidade que o espaço necessita. Você olha a Estação Largo Treze e ela parece uma estação de trem. Nunca dirá que parece um clube. Logo, ao fazer um edifício, procure dar identidade a ele, como fiz no Largo Treze. Hoje, nada tem identidade, nem as pessoas. O terreno e a paisagem do entorno também são importantes. Para isso, cito Lucio Costa, quando diz que há de se descobrir, na estrutura superficial do terreno, o caminho onde vai passar a comunidade. Então, quando olhamos o terreno e descobrimos arquitetura nele, nos apoiamos em eixos. Você começa a preferir o primeiro eixo, depois o cruzamento lhe dá outro eixo. Isso aparece nos croquis que vão delineando uma forma. O senhor poderia explicar o projeto da Estação Largo Treze? Por que houve essa mudança da utilização do concreto, seguindo as ideias do modernismo brasileiro, para o aço? João Walter Toscano - A forma foi consequência de uma série de elementos que fui descobrindo naquele local, do que podia fazer com aquele material e de que partido iria tomar. Eu necessitava de uma faixa de 25 metros para projetar, relativos ao comprimento do trem. Os empreendedores queriam que a estação ficasse embaixo de uma ponte, na Marginal Pinheiros. Mas o local da estação foi revisto, pois não é possível ter ponte e estação juntos. A estação é importante, é um lugar de referência. Para que isso ocorresse, comecei escolhendo um ponto naquele descampado, que era à margem do rio, que pudesse ser unido ao centro do bairro. Esse eixo determinou a posição da estação. Estando no Largo Treze, é possível ver a estação na posição que está a torre. Logo, a torre se torna a referência visual daquele espaço. A recuperação da torre é produto de um estudo meu de o que é uma estação. O terreno escolhido e, por consequência, a estação ficaram em uma curva. Já a solução para estrutura tinha que ser a utilização de pórticos, pois não é possível colocar
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pilar em cima do trilho. A partir destes dois fatores, começou a criação da forma: inventei aquela curva nos pilares dos pórticos. Um jogo de curva sobre curva. Um amigo falou que, quando chegamos, parece que a estação está fechada, mas ao percorrer o espaço ela vai se abrindo. Se os pilares fossem retos, não haveria essa sensação. Quanto à utilização do aço, foi um pedido do cliente e não uma escolha minha. Foi um desafio, porque eu não tinha trabalhado com aço até então. Francamente, eu nem sabia se era possível fazer uma construção em aço no Brasil. A Fepasa me contratou e, graças a um acordo com a Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista], foi necessário utilizar um tipo de aço chamado Cosacor, que parece enferrujado. Usei o aço como ele deve ser usado: não utilizei estrutura em duplo T ou em L. Fiz algo específico para o lugar, com os pilares com curvas. Qual é a parcela de participação política que o arquiteto deveria ter na comunidade ou na sociedade para ter maior influência nas decisões sobre a cidade? João Walter Toscano - Hoje, alguns arquitetos têm trabalhado dentro do governo, junto às prefeituras e ao estado. Eles têm ideias e compreensão da situação, mas não têm força alguma. Logo, depende-se da visão do político. Aqui em São Paulo, por exemplo, não fizeram um concurso internacional para o projeto da companhia de dança, porque faltava tempo com a proximidade da eleição. Os políticos, erroneamente, atrelam mudanças importantes no espaço urbano com as eleições. Qual é o processo que o senhor considera mais justo para a escolha de arquitetos para algum projeto? João Walter Toscano - A escolha é justa quando há uma concorrência por técnica e preço. Eu ganhei algumas concorrências feitas desta maneira. Na técnica, avalia-se a solução que você vai dar às questões criadas no regulamento. É uma espécie de estudo preliminar do projeto. Quanto ao preço, se avalia pela proposta mais barata. O peso no julgamento é o seguinte: a técnica vale peso 7 e o preço vale peso 3. Essa fórmula faz com que, mesmo que dê preço alto, você possa ganhar a concorrência caso tenha uma boa avaliação técnica, um projeto reconhecidamente bom. Contudo, hoje, a maioria dos projetos ocorre por concorrência só de preço. Outro jeito de contratar é por notória especialização. Mas é complicado definir quem tem notória especialização já que é um julgamento muito subjetivo. Pode ser também por concurso. Mas o problema de concursos é que os júris precisam ter muito bom-senso. Eu fui do júri do projeto da sede do Grupo Corpo, em Belo Horizonte, e foi desgastante, pois não chegávamos a um acordo
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O que o professor João Walter Toscano diria hoje para seu aluno de arquitetura? João Walter Toscano - Vocês, jovens, têm muito apoio. Temos uma tradição arquitetônica importante. Estamos em um país com um desenvolvimento tecnológico considerável. A situação, do ponto de vista de recursos, é boa também. O grande problema é a maneira como o serviço é distribuído, porque as escolas de arquitetura despejam no mercado pelo menos mil arquitetos por ano. Hoje, existem muito arquitetos, mas só têm se sobressaído os jovens que se arriscam e ganham concursos. Um exemplo são estes bons jovens arquitetos que estão no livro Coletivo.
João Walter Toscano - A beleza pode estar em todo o lugar. Eu acho que a beleza pode estar ligada a uma série de coisas. A beleza na arquitetura é quando ela te emociona. É aquele espaço que te emociona. Às vezes, um canto já te emociona. O que o emociona na arquitetura hoje? João Walter Toscano - Pergunta difícil. Os arquitetos que fazem boas obras emocionam. Le Corbusier dizia que o muro que emociona é arquitetura. O que é arquitetura? João Walter Toscano - Arquitetura é a arte de construir o espaço, considerando os fatores que eu falei durante esta entrevista. Mas há algo mais: a arquitetura depende de invenção. O que se aprende já foi feito. É necessário procurar saber e entender como foram criadas as coisas. Você precisa ter uma base que te leve a dar o passo seguinte, sair daquilo que é comum, inventar outra coisa.
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O que é beleza na arquitetura?
Toscano
Estação Largo Treze
Estação Largo Treze, São Paulo
Toscano
Estação Largo Treze, São Paulo
LelĂŠ
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Lelé
João Filgueiras Lima Lelé
“No segundo semestre de 2006, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, proferiu a Aula inaugural do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio. Eu cursava então o oitavo período do curso. Ao final da aula, instigado pela professora Ana Luiza Nobre, fui pedir um estágio: ‘Não temos estagiários e, neste ano, a fábrica está devagar, mas podemos te receber’. Foi assim que, em janeiro de 2007, passei duas semanas de pesquisa intensa no Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), em Salvador. Vasculhei cada canto, observei cada processo e conversei com todo tipo de funcionário. Esta conversa se deu no penúltimo dia da minha visita, pouco depois da comemoração dos 75 anos de Lelé. Esta pesquisa não teria sido possível sem a dedicação e contribuição inestimável da Profa. Ana Luiz Nobre, que me orientou desde o pedido de visita à revisão das perguntas, e sem o generoso apoio da arquiteta Adriana Filgueiras, da equipe do CTRS e, é claro, do Lelé.” Adriano Carneiro de Mendonça 121
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Adriano Carneiro de Mendonça - Em seu livro Arquitetura, Industrialização e Desenvolvimento, Paulo Bruna compara as condições para o avanço da préfabricação na Europa durante o pós-guerra com o cenário da construção civil no Brasil nas décadas de 60 e 70. Segundo ele, o país perdeu grandes oportunidades de industrializar o setor da construção civil, principalmente na época da construção de Brasília. Como o senhor vê as condições para o desenvolvimento da industrialização da construção civil naquela época e hoje? João Filgueiras Lima, Lelé - Infelizmente, esse cenário não mudou. O Paulo Bruna tem razão em dizer que foi uma grande oportunidade perdida. Nós até tentamos na Universidade de Brasília. Em 1962, viajei para os países do Leste Europeu com a intenção de montar um sistema de industrialização dentro da própria Universidade. Seria um setor utilizado pelo nosso Centro de Planejamento, mas funcionaria também para as Escolas de Engenharia e Arquitetura como local de aprendizado prático da construção. Nos países do Leste, principalmente na Rússia, e mesmo na Europa, havia uma demanda muito grande, no pós-guerra, por habitação, e os sistemas industrializados se impuseram rapidamente. Fiquei três meses viajando, com um grupo de cientistas, estudando a tecnologia desses países e vendo o que era possível trazer para o Brasil. Éramos 15 especialistas de todas as áreas, encarregados de trazer tecnologia da Europa comunista para a Universidade de Brasília, em um intercâmbio cultural decorrente de uma transação comercial com a Polônia, cujos recursos o Darcy Ribeiro, uma pessoa extremamente ativa e esperta, aproveitou. Já estavam sendo feitos os primeiros prédios do campus universitário e procuramos trazer tudo que pudesse se relacionar com a nossa usina de pré-fabricação na universidade. Era preciso ir às fábricas, estudar o processo de produção, e ver o que podíamos trazer de lá. Eu trabalhava como um doido. Se não fosse a Revolução de 1964, que fechou a Universidade, talvez tivéssemos imposto esse sistema. Mas o destino não quis. Se a universidade tivesse imposto esse sistema para Brasília, nós teríamos conseguido, através de uma experiência estatal, fazer pelo menos uma pesquisa ampla nessa área. Na UnB, chegamos a fazer alguma coisa, um começo da pré-fabricação no Brasil. Mas não chegamos a nos industrializar para ter sistemas mais pesados, pois faltava unidade produtora. O que tivemos foi muita pré-fabricação no canteiro. Por que isso acontece? O sistema existente no Brasil, um país subdesenvolvido, sempre interessou ao empresariado. Aqui, com o êxodo do campo, a mão de obra desqualificada foi incorporada à construção civil, com salários muito baixos. Com isso, a gente se acostumou com o desperdício. Se houvesse um sistema racional de construção, a cada três prédios que você faz, você poderia fazer mais um. Nem estou
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falando de industrialização, estou falando só de planejamento, de racionalização da construção para redução das perdas. Para eliminar as perdas mesmo, e ter uma construção absolutamente planejada, só através de um sistema industrializado. O grande obstáculo é esse: as construtoras continuam ganhando com a utilização de uma mão de obra desqualificada, ainda muito barata. Para industrializar, é preciso investir. A criação de uma indústria pressupõe um investimento grande, como fizemos aqui no CTRS. Então, se uma empresa vai investir para se industrializar, ela pressupõe, pelo menos, a recuperação desse capital com lucro. Mas para isso seria preciso que existissem programas estatais, principalmente na área de habitação, que mantivessem a continuidade da produção. E isso nem sempre acontece. As empresas de estrutura capitalista querem ganhar dinheiro, não estão aqui para melhorar a qualidade de nada, nem evoluir... só se isso se transformar em lucro. A industrialização do automóvel, por exemplo, decorreu de um mercado enorme. Você não vai fazer um carro artesanal porque fica muito caro. Então você marcha para a robotização da mão de obra, justamente onde pode economizar mais. Matéria-prima é matéria-prima, só se pode economizar não desperdiçando. Então, onde ainda cabe economizar? Na mão de obra. A tendência mundial hoje, para aumentar o lucro, é robotizar tudo: eliminase a mão de obra e cria-se o desemprego. A estrutura capitalista traz em seu bojo essas anomalias. Então você me pergunta: por que a construção civil no Brasil não se industrializou, com toda essa demanda? Eu faço a pergunta oposta: por que se robotiza tudo quando há tanta mão de obra disponível? É preferível extrair o último sangue do operário, mesmo que ele morra depois, desde que ele dê lucro para a empresa. ACM - A diferença é que na Europa, durante a Reconstrução, houve uma escassez geral de mão de obra... Lelé - Mas lá também a mão de obra, culturalmente, já era mais qualificada. No Brasil, além do excesso de mão de obra, temos que lidar com a desqualificação. ACM - Esse quadro sempre serviu, no Brasil, para alimentar a demanda da construção civil tradicional e até justificá-la em detrimento da industrialização, não? Lelé - Sim, mas este é um argumento falso. Os empresários da construção civil não optam pela industrialização porque não querem mudar. A estrutura capitalista não é idealista. Não tem essa de “Ah, vou manter minha indústria com operários senão eles vão ficar desempregados...”
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ACM - Quando o senhor era estudante, havia algum professor seu mais interessado em pré-fabricação? Lelé - Eu não sabia nada sobre isso. Em 1953, a guerra havia acabado e a Europa estava sendo reconstruída através da pré-fabricação. Mas a grande discussão da arquitetura era o moderno. Lutávamos contra o neoclássico e o ecletismo, que eram as formas de arquitetura que tinham que ser subjugadas por uma nova arquitetura, proposta por grandes mestres como Le Corbusier, Mies van der Rohe, Alvar Aalto e Frank Lloyd Wright. ACM - E como o senhor incorporou a situação social brasileira no seu trabalho com pré-fabricação? Lelé - Minha proposta de usar e desenvolver a argamassa armada foi baseada na ideia de tornar a pré-fabricação em concreto mais leve, e permitir que um grande contingente de mão de obra fosse usado no transporte das peças – dispensando guindaste e grua, essas coisas caras que substituem a mão de obra –, mas sem abrir mão de um sistema industrializado, planejado e racionalizado. Por exemplo, num prédio montado a partir de componentes, se eles não se casarem perfeitamente, o prédio não será montado. Então o simples fato daquilo só existir se for planejado já pressupõe o planejamento. E aí você começa de fato a racionalizar a construção. Entra o jogo de ingredientes que é tão importante. Quando se fala em construção industrializada, ela pode ser mais ou menos incipiente. Mas, basicamente, ela tem que passar pela racionalização. Tudo deve ser mais lógico, mais racional, como é a natureza. Ontem mesmo assisti a um documentário sobre a migração das aves. Como elas precisam economizar o máximo de energia, suas rotas são absolutamente econômicas. Elas não podem sair por aí passeando senão não chegam ao seu destino, morrem antes. Na natureza tudo é assim. Mas o homem é perdulário, está destruindo o planeta por causa de um desvio de rota. Ele se desviou da natureza e passou a desperdiçar. O homem é um ser que consome e desperdiça. E se você desperdiça na construção, desperdiça no alimento, desperdiça em tudo. ACM - Paulo Bruna utiliza a seguinte equação: industrialização é igual a racionalização mais mecanização. O senhor relativizaria a mecanização? Lelé - Para mim, a industrialização não pressupõe mecanização. Até digo mais: ela pressupõe mecanização, mas você pode reduzi-la, reduzindo operações de transporte, por exemplo, na medida em que racionaliza. Uma coisa decorre da outra. Por exemplo, quando desenvolvi os primeiros projetos em argamassa, em Abadiânia,
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não havia motor nem luz. A betoneira era à gasolina. É possível usar esses recursos para criar um sistema alternativo em que se pode prescindir da mecanização ou reduzi-la.
Lelé - A eliminação de certas operações pode ser vantajosa. Você não vai eliminar um contingente de operários, mas pode dosar as operações de modo a tornálas mais econômicas. Já fiz de tudo para tentar racionalizar a mão de obra de uma armação: com solda, com ponto de solda, e por aí vai. Existe, primeiro, um desperdício de material incontrolável no corte e na dobra da tela soldada, assim como existe um excesso de mão de obra. Não é possível racionalizar o processo de produção das armaduras porque o material não permite. Então, nesse caso, sou favorável a mudar o material. Essa substituição vai eliminar mão de obra, mas a ideia não é mecanizar para eliminar mão de obra, e sim tornar a coisa mais econômica, mais lógica. Se tivermos um material que não permite uma industrialização melhor, devemos abrir mão dele. ACM - O senhor sempre operou num sistema fechado, em que a fábrica funciona em função das necessidades de uma obra, ou de um conjunto limitado de obras, tendo como cliente o poder público. A que motivos se deve essa decisão, ou que condições o levaram a não se enquadrar no mercado da construção civil? Lelé - A construção civil nunca aceitou a minha proposta. Houve um período, em Brasília, em que trabalhei numa empresa que pensava a industrialização. Depois ela desistiu, pois não conseguiram prosseguir quando acabou o BNH, que, de certa maneira, estimulava a construção de habitações. Eles mantêm a pré-fabricação pesada de concreto, mas apenas quando isso dá um lucro direto. Mesmo assim, você vê esses viadutos sendo construídos agora do mesmo modo como fazíamos há cinquenta, oitenta anos. O processo é tão empírico, não evoluiu nada! Num mundo em que a tecnologia evolui vertiginosamente, a construção civil no Brasil continua fazendo coisas iguais há oitenta anos. Isso, em termos de tecnologia, é um atraso, evidentemente. E o setor público, com essa conversa de proteger a iniciativa privada, já não está dando nem mais espaço para nós funcionarmos como antes. Esta fábrica é um último suspiro. Não vejo mais nenhuma oportunidade. Daqui em diante, vai ser o que as empresas querem, vão ser viadutos afundando porque elas estão ganhando mais dinheiro. As cinco maiores empresas do Brasil se juntam para fazer uma obra que
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ACM - E como o senhor articula isso aqui na fábrica? O Tomaz Bacelar, gerente da oficina de pré-moldados do CTRS, me mostrou, por exemplo, uma nova tecnologia que está sendo introduzida agora, a qual consiste em adicionar grampos metálicos à mistura da argamassa, eliminando o trabalho do armador da tela soldada. Como isso é avaliado?
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afunda! Isso é o paradoxo da construção civil. Nunca vi uma coisa tão primitiva quanto cavar um túnel com dinamite! Hoje existe um “tatuzão” que faz o túnel inteiro. Mas com dinamite, que é um processo mais primitivo, o lucro é maior. De repente, cai tudo. [Lelé se refere ao desabamento da obra do túnel do metrô de São Paulo ocorrido em janeiro de 2007] ACM - Qual a responsabilidade do arquiteto nesse atraso? Lelé - O arquiteto é muito responsável porque está abrindo mão, gradualmente, da sua função de construtor. Para mim, o arquiteto é basicamente um construtor. E com isso não quero dizer que ele vai pegar a colher de pedreiro para assentar massa. O arquiteto precisa conceber a construção do seu objeto, que precisa ficar em pé. Deve estar implícito no projeto como se constrói esse objeto. Agora, se o arquiteto está abrindo mão dessa sua prerrogativa básica para se tornar especialista em fazer fachada, fazer desenhos, isso é um problema nosso, profissional. Não adianta discutir sustentabilidade da construção se não queremos trabalhar. Isso é negligência do trabalho. É preciso enfrentar o problema da construção. ACM - O arquiteto Francisco de Assis Reis, comentando a divergência entre Vilanova Artigas e Sérgio Ferro, lembra que Artigas chegou a dizer que o arquiteto não deveria se envolver muito com os meios produtivos da construção. Essa não seria sua atribuição. Segundo Assis Reis, esse teria sido um grande erro para as gerações seguintes. Lelé - O arquiteto usa soluções técnicas. Sou contra pesquisar matéria-prima, pois não acho que seja essa a função do arquiteto. A pesquisa que venho fazendo com argamassa armada emprega um material que já era usado em 1860 por Joseph Louis Lambot, na França. Não estou tentando descobrir a pólvora. Não sou muito favorável a “vamos descobrir um concreto com palha de arroz”. Mas acredito que é função do arquiteto usar as técnicas disponíveis, já pesquisadas. ACM - A FDE/Fundação para o Desenvolvimento da Educação, em São Paulo, propõe um programa de racionalização e industrialização da construção de escolas estaduais através de um sistema de catálogo e com o parque industrial disponível em São Paulo. A Fundação contrata diferentes escritórios de arquitetura para fazer os projetos das escolas. Propõe-se, então, uma certa interação dos arquitetos com a indústria, de maneira que, eventualmente, os arquitetos podem vir a desenvolver novos componentes e incluí-los no catálogo. Como esse modelo responde ao mercado?
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Lelé - O poder da indústria é tão forte que os arquitetos vão ficar sempre a reboque. Nosso grande problema, como arquitetos, é determinar a interação entre esses produtos. A indústria da construção civil evoluiu, a cerâmica que se faz hoje é muito melhor que a cerâmica que se fazia há cinquenta anos atrás. Mas a integração dessa cerâmica com o edifício é péssima, igual ou pior do que foi há cinquenta anos. Os sistemas produtivos da indústria da construção civil – a produção do aço, do vidro e de outros materiais – evoluiram demais. Esses materiais tornaram-se mais lucrativos para as empresas que os produzem, mas não para a obra, porque nada disso se casa. Não existe um sistema racional capaz de ligar todas essas fases e serviços que interferem numa obra. Às vezes, você tem trinta, cinquenta produtos diferentes, que acabam transformando o objeto num Frankenstein. Um ser, para ser considerado unitário, tem que ter interação entre todos os órgãos. E isso não existe na construção civil.
Lelé - A indústria está muito na frente e impõe tecnologias. Veja só: minha modulação aqui é de 62,5cm por 62,5cm. Se eu pedir ao fabricante do porcelanato, ele, quando muito, consegue produzir peças de 50cm por 50cm, com as folgas que eu preciso para conseguir modulá-las a cada 2,50m. Se eu conseguir um módulo que se ajuste na construção, tenho economia. Se não, tenho desperdício, fatalmente. Por isso acabamos fabricando tudo. Até ventilador, porque no nosso caso o braço do ventilador precisa chegar ao meio da sala. Não adianta comprar um ventilador que tem um braço curto, pois não encaixa na canaleta que está lá para passar os fios. Além disso, ele é feito para ser fixado na laje, mas aqui não tem laje. Nada interage com nada na construção civil no Brasil... zero! ACM - Atualmente a fábrica trabalha muito abaixo do seu potencial produtivo. O Francisco A. N. Filho, superintendente do CTRS, me disse que hoje ele não tem parâmetros para medir a produtividade das oficinas. Lelé - É verdade. Não tenho dúvida de que nossa produção é antieconômica. Ela tem uma infraestrutura pesada para produzir pouco. Só se justifica porque temos que fazer a manutenção dos oito hospitais da rede em funcionamento. É uma vantagem indireta, é um lucro indireto, que a Associação das Pioneiras Sociais [entidade gestora da Rede Sarah] acha cômodo. A Associação não pode abrir mão disso por causa da manutenção dos hospitais. Mas não se justificaria ter um negócio desse tamanho para produzir o pouco que se produz.
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ACM - Então não é possível atuar no parque industrial?
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ACM - Já houve outros momentos ruins como este na fábrica? Lelé - Houve, mas sempre foram transitórios. Este é contínuo, porque é consequência de uma decisão do Tribunal de Contas da União de que a fábrica não pode produzir nada para fora. Antes a Associação podia fazer convênios. Aliás, não há nada, dentro do seu estatuto, que a impeça de fazer convênios. Ela segue apenas um contrato de gestão de um patrimônio público. Afinal de contas, ela compete, na área de saúde, com todos os hospitais privados, só que de graça. Então, dentro da visão da iniciativa privada, a própria Associação produz uma anomalia, porque faz uma cirurgia de graça enquanto os outros cobram uma fortuna. São questões políticas. ACM - O que poderia contribuir pra reverter esse quadro? Lelé - Isso é uma questão ideológica. Qualquer iniciativa pública, hoje, é vista como inaceitável. O que o setor público tem que fazer? Nada. Tem que passar tudo para a indústria, para a iniciativa privada. As universidades públicas estão virando um caco. Existe um contingente enorme de pobreza que acaba usando o SUS/Sistema Único de Saúde, cuja função é transferir dinheiro público para a iniciativa privada. O que o sistema global quer é que o setor público seja um grande arrecadador para repassar o dinheiro, sem gastar em nada. Então é lógico que estamos na contramão. E não vejo como resolver isso. ACM - Esse tipo de fábrica, como muitas outras que o senhor já fez, sempre esteve vulnerável a uma certa flutuação, por trabalhar exclusivamente para o poder público? Lelé - Sempre esteve vulnerável, mas não como agora. Já tive muitas fábricas que acabaram desaparecendo por questões políticas. É lógico que a iniciativa privada nunca viu a competição com bons olhos. Até o caso do TCU, para quem fizemos oito prédios, muito mais baratos. O mesmo TCU que depois nos negou o direito de fazer qualquer coisa para fora. ACM - Por outro lado, o senhor acha que uma indústria que trabalha com o mercado, como a indústria de construção de pré-moldados, está suscetível a flutuações de mercado? Lelé - Inegavelmente. Veja o exemplo da habitação. O governo, o grande arrecadador que repassa o dinheiro, precisa subsidiar a habitação porque a população é pobre e não tem dinheiro para construir ou comprar casa nem nada. Se o governo
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diz hoje: “Eu vou construir milhares de habitações”, uma empresa pode dizer: “Então vou investir, vou me industrializar!”. Mas no dia seguinte, se o governo diz que não vai mais gastar assim, e a empresa tiver feito um grande investimento, ela perde tudo. ACM - De que maneira, através da política ou até das universidades, isso poderia se estabilizar?
ACM - Fala-se muito que o arquiteto vem perdendo espaço social na construção. O instrumento de reversão dessa perda poderia estar na própria universidade? Lelé - A universidade deve reforçar a consciência de que o arquiteto é o responsável pela construção. ACM - Que medidas, tanto no ensino superior quanto no de nível técnico, poderiam ser tomadas nessa direção? Lelé - Quando eu era jovem, trabalhei em obra. Havia uma grande aceitação de arquitetos na obra, como profissionais que aprenderam a construir. Não só havia mercado como também interesse das próprias construtoras. Hoje, quando as imobiliárias admitem um arquiteto, é para mudar uma fachada de um edifício no CAD ou repetir uma planta para economizar. Não existe mais a postura de investir em projeto, como uma coisa fundamental para a obra. Então os projetos são apenas uma base e o arquiteto, cada vez mais, deve fazer o chamado projeto básico, a fim de realizar concorrência para o setor público. Existe a ilusão de que o setor público pagou bem barato por uma coisa que não é nada; não gastou dinheiro algum e repassa isso para a empresa construtora. É como colocar a raposa dentro do galinheiro! Esse acidente que aconteceu no metrô de São Paulo... Quem controlava a obra? Eram as próprias empresas! Controlavam a qualidade, tudo. Depois ninguém sabe como ruiu.
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Lelé - Primeiro, cabe ao arquiteto ver aí algo capaz de dar solução para os problemas de arquitetura e construção no país. Se todos os arquitetos enxergassem assim, já fariam uma pressão para mudar as coisas. Mas no momento em que o arquiteto aceita fazer o que se chama de projeto básico – que nem anteprojeto é –, e com esse projeto básico o poder público faz uma concorrência e entrega para uma empreiteira, evidentemente ele não está contribuindo em nada. Ele está, isto sim, contrariando qualquer ideia de projeto como uma coisa completa, que determina os sistemas construtivos e o que vai ser feito na obra. Está apenas reforçando o lado perverso da construção civil.
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ACM - O senhor trabalha segundo princípios de coordenação modular. No seu caso, como é o processo de definição do módulo, que dados ele incorpora e como se articula com o mercado da construção, em termos de fornecedores, materiais complementares e até normas? Lelé - Tenho variado muito o módulo porque ele não se articula com os fornecedores de materiais. Se você usa um módulo de 62,5cm, como usamos aqui, e a tela soldada é fornecida com a largura de um metro, já pressupõe perda. O módulo inclui outras coisas como as corretas dimensões que estabelecem o conforto dos espaços. Aqui, chegamos à conclusão de que o módulo de 62,5 é o mais confortável para a resolução dos espaços na área hospitalar. Mas é importante que você consiga ajustar a produção industrial para atendê-lo. Por exemplo, no princípio, a Fórmica nos fornecia placas de piso de 62,5cm por 62,5cm. Quando mudamos para o porcelanato, não conseguimos convencê-los de que as placas tinham que seguir este módulo. Eles nos fornecem placas de 50cm por 50cm. Nós aceitamos, mas só conseguimos casar a modulação a cada 2,50m. Logo, tem que haver certa flexibilidade no uso do módulo, pois a indústria não vai te atender. ACM - Na definição dessas dimensões, que questões são levadas em consideração, além dos fornecedores e do uso do espaço? Lelé - Primeiro, o conforto no uso do espaço. Por exemplo, esta sala mede 3,65m por 2,50m. Para mim, é o módulo ideal para o trabalho de um coordenador, como eu. O uso do espaço, no caso do hospital, é particularmente relevante. O módulo deve ser pensado em função da economia dos espaços, o que não significa somente gastar pouco na construção, mas economizar energia e garantir maior eficiência. O hospital é feito de uma série de espaços diferentes. É claro que há espaços que necessitam de maior conforto e dimensões maiores para se caracterizarem como ambientes socializantes, em que as pessoas estejam juntas. Para espaços maiores, qualquer módulo serve. Mas “a porca torce o rabo” é nos espaços pequenos. Com 1,25m você põe um vaso sanitário, com menos que isso, não. ACM - Existe um grau de autonomia dos componentes projetados para as suas obras que possibilitaria seu emprego em outros projetos, a partir de uma eventual catalogação? Lelé - Claro. Aliás, esse é nosso princípio, tanto que usamos esse sistema construtivo nos prédios administrativos do TCU, do TER/Tribunal Regional Eleitoral e em vários outros.
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ACM - Algum componente projetado pelo senhor chegou a ser patenteado ou comercializado? Lelé - Nem pensar. A construção civil não se interessa por isso, mesmo sabendo que é um mercado potencialmente grande. Veja há quanto tempo se constroem passarelas aqui! A passarela que projetei foi feita no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, no Paraná, em vários lugares do Brasil. Onde ela foi industrializada? Que eu saiba, elas continuam sendo feitas aqui na FAET, na Bahia, no Rio de Janeiro – porque levei o projeto para a Fábrica de Escolas – e em Brasília, porque levei o projeto para a fábrica de lá. Todas são montadas por essas três fábricas, que são estatais.
Lelé - Numa ocasião, a Unesco fez uma pesquisa e quis propor essa passarela para a América do Sul inteira. Havia dinheiro, financiamento do Banco Interamericano, mas a ideia nunca saiu do papel porque nenhuma empresa se interessou. Esta passarela é lógica e simples, tanto que continua a ser feita até hoje. Mas não pela iniciativa privada, pois isso significa que ela terá que investir para fazer moldes. Ela nem sabe o que é isso, só faz as coisas mais primitivas. ACM - Caso algum dia a indústria se interesse, o direito de fazer essa passarela poderia ser comercializado? Lelé - Sou contra patentes. Se houvesse interesse por tudo que fiz e continuo fazendo até hoje, eu doaria esses direitos. Nunca foi do meu temperamento segurar essas coisas para ganhar dinheiro. ACM - Houve alguma proposta de catalogação dos seus componentes? Lelé - Sim, mas o problema é que os componentes estão sempre evoluindo. Ainda hoje eu dizia ao presidente da Associação [Dr. Aloysio] Campos de Paz que temos que fazer uma cama-maca nova, porque o perfil do paciente mudou muito. Existe um grande contingente de pacientes paraplégicos, tetraplégicos e com paralisia cerebral que precisam que a cama se abaixe e levante, para permitir que eles passem para a cadeira de rodas. Na vida, nada é estático. E a nossa vontade é de mudar. Por isso, não temos muito interesse em catalogar os componentes produzidos anteriormente, pois sempre surgem ideias novas. Estamos produzindo e investindo sempre em pesquisa para aproveitar o potencial da fábrica. Esta pesquisa se baseia na
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ACM - Isso teria a ver com a necessidade de envolver a iniciativa privada na infraestrutura urbana?
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execução de protótipo e experimentação. A exigência da catalogação, de uma maior organização dos componentes, ocorre quando há uma industrialização em curso, uma grande produção. ACM - Um dos problemas centrais da pré-fabricação é a compatibilização e permutabilidade. Isto está diretamente ligado à normatização, feita no Brasil pela ABNT/Associação Brasileira de Normas Técnicas. O senhor tem alguma relação com essa entidade? Lelé - Pelo contrário. Qualquer normatização é um atraso. No caso da argamassa armada, me convidaram para participar da criação da sua norma. Mas não se pode estabelecer uma norma quando o processo está evoluindo. A evolução pressupõe mudança. E a norma pressupõe estaticidade. Eu seria a favor da normatização, caso ela fosse feita exclusivamente com interesse evolutivo, segundo as experimentações da coisa a ser normatizada. Nunca como algo coercitivo: “De agora em diante, só existe concreto assim! Ninguém produzirá outra coisa!”. As normas têm esses dois lados. Eu as uso quando me interessam. ACM - E em termos de dimensionamento? A norma não é necessária para viabilizar um sistema de pré-fabricação no Brasil? Lelé - Como se chega a uma norma? Depois de experimentar determinada coisa. Se a experiência está em curso, a norma deve ir se ajustando. Ela não é um ponto final, nem serve de apoio. Pelo contrário, ela vem atrás. Ninguém diz: “a bomba atômica é isto aqui e pronto”. Primeiro mataram um monte de gente em Hiroshima e Nagasaki para depois verem que aquela bomba funcionou. A tecnologia pressupõe experiência. ACM - Como atingir um equilíbrio entre repetição e variação? Como isso ocorre, por exemplo, no projeto do Hospital da Rede Sarah no Rio de Janeiro? Lelé - Esse projeto encerra uma pesquisa enorme numa área completamente diferente, que envolve ventilação, aproveitamento máximo das condições climáticas, economia de energia e conforto ambiental. Dada a situação climática do Rio, temos interesses diferentes daqueles que buscam tornar a construção mais econômica, exclusivamente. Como se trata de um grande protótipo, existe uma disciplina no uso dos componentes, que são multiplicados e produzidos em grandes séries. Quando você entra no hospital, vê que existe uma identidade entre os componentes, que são multiplicados muitas vezes. Mas a preocupação maior naquele hospital não foi com a
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racionalização da construção, e sim com o conforto ambiental.
Lelé - Tenho alguns padrões de uso. No Rio, tínhamos que fazer o recolhimento das águas pluviais por meio de canaletas em todo o subsolo. Estas calhas teriam sido feitas com tijolo mesmo, no canteiro de obras. Mas como a construção ficou paralisada, pensou-se em fazer aquilo de uma forma mais econômica, inteligente e lógica. Então, partiu-se para a pré-fabricação em argamassa armada. Para se ter uma ideia da economia de matéria-prima, as nossas calhas têm aproximadamente dois centímetros de espessura, menos do que o revestimento de uma das faces de uma calha de tijolo. O fundo dela não tem concreto, ela própria se assenta. Então, ela é toda de dois centímetros, além de já ter um encaixe para receber a placa de vedação de cima. Avaliamos se valia a pena investir na industrialização dessa peça. Um molde em aço se paga caso sejam feitas mais de cem reproduções. Para mais de quinhentas peças, como é o caso, esse molde metálico já se paga. Em seguida, analisamos o transporte, em comparação ao tijolo etc. Essa é a avaliação prévia que faço: as escolhas são examinadas para que se opte pela industrialização, inclusive de uma canaleta que, dificilmente, será usada depois. É um episódio isolado nessa obra, mas é um exemplo de como se opta ou não pela industrialização. ACM - Nas suas escolhas de uma determinada tecnologia e de eventuais investimentos em cada novo projeto de hospital, a automação tem tido um peso maior. Como se dá essa decisão de investir numa nova tecnologia? Lelé - A tendência de investimento em automação é maior porque o parque industrial do Brasil cresceu muito, principalmente com a indústria automobilística. A oferta de motorização hoje é grande e barata. Antigamente, para fazer esta esquadria [Lelé aponta para a esquadria basculante motorizada da sala da coordenação do CTRS] era só imaginar uma alavanca, um pedaço de ferro enorme e uma madeira curtinha. Mas hoje fica difícil fazer um shed, uma cobertura zenital que se abre e fecha, sem pensar em mecanização. Por serem muito altas, às vezes, essas coberturas são inacessíveis. Logo, vão requerer mecanização. Se elas forem feitas sem automação, sem motorização, vão requerer sistemas desconfortáveis. A enfermagem nunca vai fechar tudo manualmente num dia de chuva. Só se houver um interruptor para fechar tudo. É uma questão de conforto, desde que isso não seja inacessível e antieconômico. A deliberação de fazer aqueles tetos se abrirem é quase uma postura conceitual, pois é preciso que eles se abram para que a ventilação desejada funcione naquele prédio. Assim, com essa grande cobertura que foi criada, cria-se um microclima dentro do
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ACM - E em outras obras?
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hospital, como se entrássemos numa grande mata. O grande desafio de projetar no Rio é lidar com o clima da cidade. ACM - Decisões projetuais como essa partem do senhor ou são discutidas com a Associação? Lelé - Infelizmente, são decisões exclusivamente minhas. Gostaria que fossem mais discutidas. Mas não tenho com quem discutir por aqui, pois não há arquitetos. ACM - O senhor diz que faz um edifício como um designer faz um carro. Então existe aperfeiçoamento de desempenho a cada nova obra? Quais seriam as principais questões técnicas envolvidas – economia, ergonomia etc? Lelé - Gostaria de trabalhar como um designer, mas estou muito aquém disso. Do ponto de vista conceitual, meu trabalho seria isso: juntar partes. A indústria, de um modo geral, assume a recorrência, a repetição, para se aprimorar. Se eu tivesse repetido o shed de Salvador em Fortaleza, não teria aprimorado nada. Através das pesquisas que fiz e da sua aplicação, hoje tenho uma consciência maior de como funciona o shed. O princípio da cobertura em shed é recorrente, mas a cobertura não é a mesma. Tem sempre uma novidade, algum aperfeiçoamento. As questões que levam a este aprimoramento variam de programa para programa. No caso do Rio de Janeiro, dada a nossa experiência na área hospitalar de reabilitação, concluímos que a saída era uma edificação horizontal. Dificilmente um hospital com essa especificidade se organiza bem se tiver vários pavimentos. A realização foi impondo uma série de condições de caráter subjetivo, de difícil avaliação, como a criação de ambientes psicologicamente mais favoráveis ao paciente. A reabilitação é muito difícil porque qualquer tratamento, hoje em dia, não prescinde do acompanhamento psicológico: é preciso que o paciente queira se curar para ser curado. Num projeto como o Hospital Sarah Rio, a preocupação com a funcionalidade é imprescindível. Não no sentido banal, mas no sentido conceitual, do ponto de vista do que é a reabilitação e como ela vai operar melhor. ACM - Como funciona a dinâmica entre o senhor, os usuários, os profissionais aqui dentro e na linha de produção? Lelé - Veja esta cadeira coletora para exames de sangue que estamos pesquisando. Quando iniciei a pesquisa, peguei tudo o que existia no mercado sobre esse tipo de cadeira. A própria chefe do laboratório no hospital, a Celina, fez uma seleção das cadeiras de que mais gostava, visualmente e funcionalmente. No final, ela escolheu
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um modelo que considerava melhor, o qual passou a ser a nossa base. Passei a observar o que estava errado naquela cadeira e o que podíamos melhorar nela, e chegamos a um modelo completamente diferente, inclusive em termos de ergonomia. A partir daí, fizemos um protótipo, que foi testado em várias situações. Foram iluminados os defeitos e fomos corrigindo. E assim produzimos um objeto com várias inovações que não são encontradas nas cadeiras universais. ACM - Depois de concluída, a obra passa para o domínio do uso. Como o senhor incorpora a questão da apropriação e manutenção das construções?
ACM - No caso dos hospitais, a relação com a fábrica é estreita por conta da manutenção. Mas noutros casos, como no TCU, em que não há continuidade na relação com a fábrica, de que maneira o usuário aprende a operar o edifício como um grande equipamento? Lelé - Com o TCU, no princípio, tínhamos contratos de manutenção. Isso garantiu, pelo menos, uns quatro anos de uso. Depois o TCU abriu mão da manutenção. Hoje, ainda há dificuldade de fazer qualquer adaptação, porque isso depende de nós. Fazemos isso informalmente para o TCU, apesar de eles acharem que não podemos fazer nada. ACM - E o aprimoramento de tecnologias em obras com as quais vocês perdem o contato, como as escolas de argamassa armada do Rio? Lelé - Nem sei como estão as escolas do Rio. Devem funcionar pessimamente. Quando fiz a fábrica do Rio, nunca imaginei que ela fosse fechada. Achei que haveria continuidade, por contar com uma tecnologia barata. Hoje é inviável fazer uma fábrica da prefeitura, pois ela não tem estrutura. Mas isso não acontece só com a nossa tecnologia. Toda a indústria da construção civil é um desastre. Um exemplo: nós usamos uma determinada cerâmica no hospital de Brasília, e na primeira reforma não havia mais aquela cerâmica, as medidas já tinham mudado. Então, toda essa indústria está ligando pouco para a manutenção das edificações. Mesmo num prédio construído com sistema convencional, quando se faz uma reforma, quebra-se tudo para fazer de novo. Nos nossos prédios, precisa-se da fábrica para dar suporte, mas na construção
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Lelé - A arquitetura é um processo que nunca termina. A rigor, é uma trajetória: começa com um programa, passa para o projeto, a construção, e, por fim, para o uso e os ajustes necessários, principalmente num projeto hospitalar. Isso para mim faz parte do projeto. Esse processo todo engloba a posição profissional do arquiteto.
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civil as indústrias simplesmente mudam tudo e te ignoram solenemente. ACM - Então a manutenção do edifício é levada em consideração na concepção do projeto? Lelé - Sim, logicamente. Sempre chamei essas escolas de argamassa armada de escolas transitórias, e não provisórias. Isso porque imagino que, em torno de vinte anos, elas já tenham cumprido o seu papel. Foram baratíssimas, resolveram o problema crucial de implantação de escolas nas favelas, por exemplo. Ao invés de fazer uma coisa de madeira que duraria três anos, foi feita uma edificação para sobreviver por vinte anos, pelo menos. Está muito arraigado no pensamento do arquiteto que sua obra será eterna – como as pirâmides dos faraós –, para que as novas gerações o achem um gênio. Mas o arquiteto tem que fazer uma obra que dure dez anos. Você gostaria que toda a urbanização das cidades reproduzisse o modelo das favelas, sem condições de saneamento, sem acessibilidade, pressupondo que o homem é um cabrito que deve subir aquelas escadarias de quarenta metros de altura? Isso não é uma forma humana de implantar uma cidade. A favela é uma coisa transitória, que decorre da inteligência das pessoas pobres em ocupar espaços que sobraram na cidade. A favela muda, como um organismo. Não faz sentido construir uma escola definitiva numa favela; ela tem que ser transitória como é a própria favela. ACM - Há tecnologias utilizadas pelo senhor em diferentes fábricas que aceitam modificações melhor do que outras? Como seria, por exemplo, o aço comparado à argamassa armada? Lelé - O aço é de uma flexibilidade enorme. É fantástico como se pode usá-lo de mil maneiras. As formas de produção do aço são relativamente baratas. Dobradeiras e soldas evoluíram muito. Antigamente, o perfil “I” era produzido pela metalúrgica de modo que não havia muita flexibilidade no seu uso. A produção era limitada às bitolas fornecidas. Hoje, com o desenvolvimento da solda, você produz o perfil I ou T ou U que quiser. Houve um avanço incrível por conta dos problemas das estruturas das grandes construções e, principalmente, da indústria automobilística, que impôs um desenvolvimento enorme para que houvesse maior resistência ao uso, à corrosão. ACM - Foi por conta dessa flexibilidade que o senhor escolheu o aço? Lelé - Não. Cheguei a projetar um hospital todo em argamassa armada. Ele seria muito mais barato, mas exigiria uma indústria dele, com um investimento alto em produção de moldes. Quando começamos a fazer o CTRS, optamos por industrializar
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e montar hospitais a longa distância. Assim, tivemos que escolher uma tecnologia mais leve, que o aço permite. A tecnologia de construção mais leve que existe é a do aço. ACM - A distância foi um fator de grande importância? Lelé - Não isoladamente. Havia outros fatores, mas pesou a opção por uma tecnologia mais fácil de transportar. Tem uma escada sendo feita aqui na fábrica que já foi pré-montada e decidimos como desmontá-la e transportá-la para o Rio em pedaços. A utilização do concreto, neste caso, seria impossível. ACM - No esquema produtivo do CTRS, o ideal seria a máxima simplificação das operações do canteiro?
ACM - Então há uma especialização maior na usina, o que lhe garante um lugar central na produção. Mas é o canteiro que estabelece o ritmo de produção. Como o senhor vê essa relação? Lelé - Deve haver um sincronismo perfeito. Se você estabelece um cronograma de obra e ela vai ser feita, por exemplo, em um ano, quem passa a comandar o processo é o interesse da obra, não a fábrica. Ou seja, é como se a obra fosse uma montadora de automóveis. O cronograma da obra vai exigir que a fábrica produza de tal maneira. Assim, feitos os cronogramas, que devem ser casados, deve haver uma sincronia perfeita entre a produção e a montagem. Por outro lado, deve-se aliviar a obra de serviços que exijam uma qualificação muito grande de mão de obra, senão será necessário transportar operários, e aí começa a complicar. ACM - O fator decisivo, então, seria o transporte? Lelé - O transporte é um deles, mas há muitos outros. Por exemplo, uma obra num local de difícil acesso como o Amapá apresentou problemas. Nós tínhamos a nossa produção de argamassa armada aqui. As peças então tinham que ser colocadas num caminhão, transportadas para Belém do Pará, colocadas numa balsa – que leva mais de três dias para atravessar o rio – e depois carregadas num outro caminhão para chegarem à obra. Isso ficou inviável! Então, chegamos ao cúmulo de fazer a maioria das paredes em alvenaria. Usamos a argamassa armada só naqueles componentes que eram impossíveis de serem feitos lá. Essa opção estava ligada ao transporte e também à
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Lelé - Claro! Quanto mais simplificadas as operações no canteiro, melhor, desde que não se onere muito o transporte.
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mão de obra local. Dificilmente iríamos conseguir mão de obra qualificada no Amapá. Já no Rio, é o contrário. Se você quiser contratar soldadores e pessoal de metalurgia, de um modo geral, você consegue, pois o estado do Rio de Janeiro é um centro de produção metalúrgica, naval, automobilística e de vários outros tipos de indústrias. ACM - O senhor falou brevemente sobre uma experiência com usina temporária em canteiro... Lelé - Em um país organizado, é possível pensar nisso. Quando estudei pré-fabricação nos países do Leste Europeu, por exemplo, o país mais evoluído na proposta de industrialização de concreto e pré-fabricação era a Tchecoslováquia. A Tchecoslováquia sempre foi um país muito aberto a novas experiências. Lá existia uma cidade em que todos os componentes haviam sido produzidos no canteiro. E por incrível que pareça, a melhor fábrica de componentes de concreto que vi foi na Tchecoslováquia. A preocupação deles era de tal ordem que a fábrica ficava na beira de um rio, e o transporte do cimento e da areia era fluvial, para tornar o deslocamento mais barato. Apesar de toda essa racionalização, eles abriram espaço para fazer préfabricação no canteiro. Era uma experimentação no sentido de eliminar totalmente o transporte, uma vez que isso tinha um custo alto, considerando que eles usavam peças pesadas de concreto. ACM - Quais seriam as principais vantagens e desvantagens de uma usina no canteiro? Em que condições ela se mostraria mais adequada? Lelé - Quando falo de usina em canteiro, falo principalmente da produção de concreto e argamassa armada. Existem recursos para se fazer uma cura melhor dentro do canteiro. Na Tchecoslováquia, por exemplo, eles produziam alguns componentes, de grandes coberturas, a vapor. Tudo isso foi pensado, racionalizado no canteiro. A produção em canteiro requer uma visão completamente diferente. Quando eu trabalhava numa empresa construtora, que inclusive desenvolvia seus projetos na área de pré-fabricação, fiz um prédio com produção em canteiro. Era uma edificação de dois pavimentos em concreto para uma indústria gráfica, composta somente por três componentes: o pilar, a cobertura e a laje. Fiz formas em concreto no chão, onde os componentes eram moldados. Todo dia, quando o guindaste passava voltando de uma obra, fazia as montagens. Não havia um guindaste exclusivo para essa obra, porque seria antieconômico. Parecia uma obra fantasma, pois não havia muitos operários: concretava-se de manhã e, depois, as peças ficavam paradas, esperando o guindaste que vinha à tarde, fazia aquela tarefa em 15 minutos e depois ia embora. Com isso, viabilizou-se a construção. Se for necessário um investimento enorme no canteiro para
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montar a produção, você não pode fazer pré-fabricação em canteiro. ACM - E como se deu a formação do CTRS? No início, vocês formaram a metalúrgica e os pré-moldados... Lelé - Na minha cabeça, a fábrica já estava montada desde o primeiro dia. Mas a implantação de uma fábrica deve ser paulatina. As coisas prioritárias vieram antes, e a última coisa que fizemos foi a montagem da unidade de plástico. Hoje, deveríamos incorporar várias coisas novas nessa fábrica. Ela já está obsoleta.
Lelé - Não, mas os que estão montados precisam ser examinados. A construção civil no Brasil é tão atrasada que o que fazemos aqui parece adiantado, mas já existe coisa muito melhor. Esta fábrica tem 15 anos, é claro que precisa ser atualizada. Precisamos de um torno mecânico mais moderno e eficiente, assim como uma dobradeira e equipamentos de solda. Não estamos na Idade da Pedra, mas como não houve investimento, precisamos melhorar. ACM - O senhor poderia falar da sua experiência com a construção de escolas, desde Abadiânia? Lelé - O programa de escolas está mudando muito. As que fiz foram todas episódios muito específicos. No caso de Abadiânia, chamei-a de escola transitória porque achava que ela tinha uma vida transitória. Não como a das favelas, mas porque ficava nos centros de produção, nas fazendas, e depois mudava de lugar. A ideia era fazer uma escola transitória de produção agrícola. Depois isso foi adaptado para as favelas no Rio. Permaneceu a ideia básica de uma escola transitória, mas por outra razão, como já expliquei. O mesmo ocorreu aqui em Salvador, com a ideia de construílas em áreas pouco urbanizadas. ACM - Como a transitoriedade influenciou na concepção do projeto? Lelé - A transitoriedade impõe economia. A ideia de prever uma duração de vinte anos pressupõe uma obra barata. Não no sentido pejorativo, mas econômico. No caso, a argamassa armada não tinha nem pintura. A escola foi pensada de forma quase “depenada” para atender às suas funções de maneira bem simples, com algumas coisas até deixando a desejar em função da economia e de manutenção. Numa escola na favela, não se pode usar vidro, a manutenção é difícil. Há um realismo em função
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ACM - Seriam necessários novos setores?
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do que aquele prédio vai ser. Não que a escola para os mais pobres deva ser mais barata, mas a ideia de uma escola transitória pressupõe que ela seja bem econômica. E a argamassa armada é ideal para isso. Mas o que tem acontecido no Brasil é que as favelas vêm aumentando muito. Quando eu estava no Rio, a Rocinha era uma favela de tamanho médio. Hoje, tem a dimensão de uma cidade. ACM - Durante a campanha eleitoral, o atual governador do Rio, Sergio Cabral, prometeu executar o projeto para a urbanização da Rocinha, vencido em concurso pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo. Qual a sua opinião sobre projetos de urbanização de favelas? Lelé - A urbanização de favelas é decorrência da necessidade de melhorar um pouco uma situação calamitosa. A Rocinha deve chegar a uns 200m. É difícil imaginar que uma pessoa possa subir e descer uma escada de 200m de altura – equivalente a um prédio de sessenta andares – todos os dias. Isso não é o ideal do ser humano. A urbanização não vai resolver o problema da favela, mas pode incluir ações paliativas para melhorar um pouco suas funções básicas. Todo o processo convencional de construção civil para infraestrutura urbana, como a drenagem, por exemplo, é pensado a partir de áreas urbanizadas para os ricos. Então o trabalho voltado para favelas requer o desenvolvimento de tecnologias alternativas que a argamassa armada pode propiciar, como é o caso das escadarias drenantes que fizemos para os morros de Salvador. Mas veja como o poder público e, principalmente, a iniciativa privada são burros. Numa favela de Salvador surgiu o problema do lixo. Os moradores não tinham alternativa: subir 30m com lixo era uma coisa impossível. Então, eles jogavam o lixo pela encosta. Para resolver o problema, desenvolvemos uma espécie de tubo, em argamassa armada, que jogava o lixo da favela num container lá em baixo. É uma coisa tão simples que funciona há vinte anos. Se isso pudesse ser usado em todas as favelas, não haveria lixo derramado pelas encostas, entupindo bueiros. ACM - Voltando às escolas, em que há repetição na produção, como se dá a relação entre o protótipo e cada projeto a ser desenvolvido? De onde nasce o projeto? Lelé - Esses projetos de escola – com exceção da creche, que evoluiu para a construção de abóbadas – foram consequência da experiência em Abadiânia. Gradualmente fomos melhorando, ajustando, mas na fábrica de escolas do Rio de Janeiro nem houve tempo para pensar em tudo diferente, pela urgência do programa político. O conceito da escola de Abadiânia é muito simples: uma grande cobertura, uma grande sombra, com varandas em volta para resolver a questão da intermação; a própria laje resolvendo o problema da impermeabilização do telhado, e uma segunda
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cobertura resolvendo o problema da intermação, ventilação cruzada sempre que possível e sheds para iluminação. Nada mais.
Lelé - Ele não é gerado previamente, aleatoriamente, mas em função de um programa. A forma física do projeto de Abadiânia se ajustou ao primeiro programa do Darcy Ribeiro, da “Casa da Criança”. No Rio, a escola era para crianças de até sete anos, e a escola de Abadiânia era uma escola rural, com somente duas salas que eram usadas para várias séries. São escalas muito diferentes. Então, a forma inicial foi ajustada para o programa. Depois tivemos que ajustar nosso modelo porque os CIEPs, que eram as grandes escolas do Rio, requeriam terrenos imensos que não existiam nos morros. Então as edificações para os morros tinham que ser diferentes, para ocupar os espaços livres dentro das favelas. Depois, em Salvador, desenvolvemos um projeto que foi consequência das escolas no Rio. Era uma coisa bem mais evoluída, do ponto de vista tecnológico, e tinha dois pavimentos. O modelo de Abadiânia tinha 16 componentes. Quando iniciamos a escola do Rio de Janeiro, ela tinha 25 componentes. O modelo do CIAC/Centro Integrado de Ensino, com a mesma vertente do uso da argamassa armada, tinha 220 componentes. Quando você tem mais componentes, resolve melhor os problemas. Quando há escassez de componentes, é obrigado a ter soluções muito amarradas, pouco flexíveis. Quanto mais componentes, maior a flexibilidade. [Programa escolar de âmbito federal criado em 1990, com previsão de construção de cinco mil escolas por todo o país, e interrompido com o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.] ACM - Quando o senhor trabalha com esse modelo – o CIAC, por exemplo –, em que ainda não existe um terreno, o dado inicial é basicamente o programa? Lelé - Não, existem outras condicionantes, principalmente o transporte. Para não complicar, não vou pensar num caminhão, mas numa carroceria de oito metros, e olhe lá. Tenho que pensar que as condições climáticas vão ser muito diferentes, que são necessárias alternativas... Daí a flexibilidade do projeto que tem 220 componentes. É preciso levar essas nuances em conta, inclusive de montagem nos terrenos, considerando topografias muito acidentadas. Para isso, é necessário ter flexibilidade, inclusive do ponto de vista da modulação. Cheguei a projetar uns dez modelos de CIACs diferentes, mas só dois foram construídos no Brasil: em Brasília e no Rio. No caso das escolas do Rio e de Salvador, com poucos componentes, elas têm flexibilidade de layout mas exigem terrenos planos.
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ACM - É possível aplicar esse projeto em lugares distintos? Até que ponto é possível contar com a variação de projetos num sistema gerado previamente?
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ACM - Quais são as principais questões envolvidas na elaboração de um projeto para uma rede de ensino, particularmente em relação ao projeto pedagógico? Lelé - Os programas pedagógicos estão em constante evolução. Com a informática, provavelmente esse modelo ainda vai mudar bastante. O modelo dos CIEPs/Centros Integrados de Educação Pública, adotado no Rio, já é obsoleto, apesar de ainda funcionar muito bem. Quando ele foi criado, há vinte anos, não se pensava em computadores dentro da sala de aula. A computação e a tecnologia vão mudar radicalmente o ensino básico nos próximos anos. O que não muda, há algum tempo, é o modelo da pré-escola. É onde se deveria investir mais. Quando examinamos as favelas, vemos que as crianças começam a conviver com o crime organizado por volta dos cinco anos de idade. É preciso tirar as crianças dessa faixa etária do convívio com o crime. Então, é necessária a construção, em quantidade brutal, de pré-escolas no meio das favelas. A creche é uma proteção para a criança nessa faixa etária mais decisiva, até os sete anos. ACM - A indústria tem um modo específico de pensar e fazer o edifício. O senhor disse que o edifício seria um grande equipamento industrial. Não há outra maneira de pensar arquitetura senão através dos meios produtivos? Lelé - Com 75 anos, não tenho mais tempo de pensar em nada diferente. Mas só me sinto realizado profissionalmente quando estou trabalhando como construtor. Detesto fazer projetos que não sejam para construir. Hoje, se tivesse que trabalhar num escritório para não participar da obra, preferiria não fazer nada. ACM - Em que medida os meios produtivos foram ganhando importância no seu trabalho? Lelé - Principalmente em função da escala. Quando fui para Brasília, tive que enfrentar uma escala de produção compatível com uma cidade que precisava ser inaugurada em três anos. Na minha vida profissional, a grande escala sempre esteve presente como oportunidade de trabalho. E quando você pensa em grandes escalas, a racionalização, o planejamento e a industrialização são consequência. ACM - Como o senhor escolhe os meios de produção? O senhor acha que o talento do construtor está em descobrir e escolher estes meios? Lelé - Os meios são aqueles que a oportunidade oferece. Se eu fosse para a África, teria que me adaptar às condições locais. Não é um talento, mas uma obrigação
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do construtor trabalhar com o que está disponível. Essa é uma lição que a natureza nos oferece. Não só a natureza, mas também a nossa própria experiência de dez mil anos de aprendizado na construção. Sempre foi assim. Os assírios construíam com tijolo porque não tinham pedra. E os egípcios desenvolveram tecnologias extremamente apuradas para erguerem as pirâmides. Não podemos examinar uma pirâmide dessas sem examinar seus processos construtivos. Por outro lado, o fato de termos dominado tantas tecnologias não nos autoriza a abandonar o instinto, muito pelo contrário. Por isso, apesar de trabalhar com lógica e racionalidade, valorizo muito o trabalho intuitivo. Oscar Niemeyer, o maior arquiteto que o país já produziu, é muito movido pelo instinto. Convivi anos com ele e quantas vezes pude captar o instinto que ele tem de descobrir um caminho numa montanha de opções, escolhendo a mais inteligente! Mas arquitetura, como arte, significa trabalho. Existe um documentário sobre Picasso em que ele aparece fazendo vários desenhos e pinturas, mas avisa: “Isto aqui não é arte, é um exercício. Arte é diferente, pois requer trabalho e sedimentação”. Como quem diz: “arte não é só instinto”. Da mesma maneira, Beethoven cristalizou sua obra no momento de maior maturidade, quando já estava surdo. Funcionou o instinto, mas havia um cabedal de experiências e pensamentos. Enfim, o arquiteto não recebe uma inspiração divina e faz o projeto de arquitetura. A intuição é importante, mas não é tudo. É necessário muito trabalho. Em meados de 2009, o que parecia ser o último suspiro se esvaiu. Após a conclusão da obra da unidade Sarah Rio, o CTRS foi desativado, permanecendo em operação em condições mínimas para atender à manutenção da rede e à produção de equipamentos. Ainda conta com a qualidade do seu corpo técnico principal, mas sem a coordenação de Lelé. Lelé, acompanhado de boa parte de seus fiéis colaboradores, deixou o CTRS para criar e presidir o Instituto do Habitat, uma organização sem fins lucrativos voltada para a elaboração de projetos de interesse público.
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Construção do Hospital da Rede Sarah, Rio de Janeiro
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Centro de Tecnologa da Rede Sarah, Salvador
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CERTAU, Michel de. A invenção do cotidiano. SOLÁ-MORALES, Ignasi de. Territórios. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. ROWE, Colin; KOETTER, Fred. CollageCity. MOSTAFAVI, Mohsen. EcologicalUrbanism. HAJER, Maarten; REIJNDORP, Arnold. In search of a new public domain. ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). Paulo Mendes da Rocha. WALDHEIM, Charles. The landscape urbanism reader. NESBITT, Kate. Uma nova agenda para aarquitetura. RUBY, Ilka & Andreas. Urban Transformation.
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Esta entrevista com Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga, sócios do escritório paulistano de arquitetura MMBB, põem em foco as cidades, sua infraestrutura e sua relação com o projeto arquitetônico. Também abordam a arquitetura produzida em São Paulo, seus precedentes e questões atuais, além de discutir a participação de estrangeiros em novos projetos feitos no Brasil. É uma conversa que evidencia uma atuação projetual consciente das responsabilidades inerentes à profissão, além deixar explícita a necessidade de um enfrentamento dos problemas das grandes cidades brasileiras por meio de um pensamento e uma atuação que abranjam a grande escala: a escala urbana.
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Como se deu a formação de vocês após o curso universitário na FAU-USP? Marta Moreira – Nós três ingressamos na FAU-USP no mesmo ano. Fizemos parte da mesma turma. O Fernando e o Milton se formaram em 1986, e eu me formei um ano depois. Fomos alunos do Eduardo de Almeida, do Paulo Mendes da Rocha, do Abrahão Sanovicz, do Gian Carlo Gasperini e do Joaquim Guedes. Trabalhamos em alguns dos escritórios desses arquitetos. O Fernando e o Milton trabalharam no Gasperini, eu e Fernando com o Eduardo de Almeida. Também trabalhei com o Carlos Arcos. Terminada a faculdade, todos nós, em épocas diferentes, viajamos e tivemos experiências de trabalho variadas. Viajei por oito meses, não trabalhei com arquitetura e não estudei, mas foi uma experiência boa. Antes de eu e o Milton viajarmos, conversamos com o Eduardo de Almeida a respeito de ocuparmos uma parte do seu escritório, desenvolvendo os nossos poucos trabalhos na época e, também, sendo a equipe dele quando necessário. Quando todos nós voltamos de viagem, nos estabelecemos no escritório do Eduardo. Inicialmente, eu e o Milton tínhamos o Cândido Malta Campos Neto como sócio. Quando o Fernando e o Vinicius Gorgati voltaram para o Brasil, também entraram no escritório. No escritório do Eduardo, participamos do concurso do Pavilhão do Brasil para Expo de Sevilha de 1992. O Angelo Bucci, em parceria com o Álvaro Puntoni, ganhou o primeiro prêmio com um pavilhão que não foi realizado. Recebemos um prêmio pelo segundo lugar, também concedido a vários projetos na mesma categoria. Com isso, criou-se uma oportunidade para efetivar um escritório que estava se formando. Fernando de Mello Franco – Morei dois anos na Europa e trabalhei com arquitetura em Barcelona e em Londres. Confesso ter aprendido muito pouco de arquitetura nesses escritórios, até porque a preocupação não era arrumar um belo emprego em um belo escritório, mas estar na Europa. Para isso, qualquer escritório estava valendo. Um deles era um escritório bastante mediano e o outro era do Emili Donato, na Espanha. O Emili era um professor da Politécnica da Catalunha e seu escritório era rigoroso. Mas o fato marcante para nós foi a vivência urbana em cidades drasticamente diferentes das nossas cidades brasileiras. Morei dois anos sem carro. Então, tive que virar usuário de metrô e viver, em diversos aspectos, uma condição de urbanidade que talvez haja no Rio de Janeiro, mas que, em São Paulo, há muito pouco. Um dos momentos mais importantes na minha formação específica, após a FAU-USP, foi quando ingressei como professor na USP de São Carlos, em 1992. Estive 13 anos lá e tenho a sensação, mesmo já sendo professor, de que adquiri toda a minha bagagem histórica e teórica nessa época. Digo isso, pois sinto carências da nossa formação na FAU. As disciplinas de projeto e de urbanismo, com um forte conteúdo sociológico de caráter marxista, eram bem-estruturadas, mas disciplinas
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de crítica e teoria da arquitetura, especificamente, foram frágeis. Hoje não é possível formar um arquiteto sem uma boa base teórica. Acredito que esse meu aprendizado em são Carlos deveu-se ao fato de o curso ser pensado por um grupo jovem que se posicionava criticamente em relação ao debate da arquitetura moderna. Talvez, até hoje, a USP de São Carlos seja um dos centros de excelência na pesquisa da arquitetura moderna brasileira. Atribuo meu aprendizado também ao universo da práxis, sem a qual o arquiteto, definitivamente, não se forma. Vocês foram alunos do Artigas? Marta Moreira – Não. Mas na época em que estávamos na FAU-USP, sabíamos que ele participava dos TFGs [Trabalhos Finais de Graduação] e de discussões a respeito do curso de estudos brasileiros.
Marta Moreira – Como essa disciplina era obrigatória, o Artigas tratou de torná-la algo interessante. Eram discutidos assuntos que iam além dos estudos dos problemas brasileiros. Na verdade, convivemos muito pouco com ele, mas a sua presença era sempre forte na escola. Existem aspectos dos projetos atuais feitos pelo MMBB em que persistam características da chamada Escola Paulista de arquitetura? Fernando de Mello Franco – Isso é algo importantíssimo para discutirmos, porque, de certa maneira, tanto o Oscar Niemeyer quanto a Escola Paulista são duas sombras que pairam sobre todos nós. Quando o Artigas estava no ápice de sua produção, nos anos 50 e 60, antes de ser violentamente apartado da universidade, mal tínhamos nascido. O país estava passando por um surto de desenvolvimento decorrente do pós-guerra. O fato de o Brasil ter ficado fora da zona de combate favoreceu o desenvolvimento industrial, que justifica uma série de questões a serem pensadas no âmbito da arquitetura e urbanismo. Entretanto, depois de cinquenta anos, nossas questões são radicalmente outras: São Paulo não é mais uma cidade industrial nos moldes da cidade industrial moderna; há todo um processo de reestruturação produtiva em curso; nossa população já está urbanizada; o muro de Berlim já caiu; há a internet e a globalização... No entanto, toda a produção paulista é tributária do saber acumulado da história profícua da arquitetura
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Fernando de Mello Franco – O curso de EPB, Estudo dos Problemas Brasileiros, foi uma disciplina inventada pelo regime militar, a qual o Artigas era um dos responsáveis dentro da FAU.
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realizada em São Paulo. Mas é pouco se ater a esse passado, no sentido de glorificá-lo e continuar cultuando nossos heróis. Estamos numa fase pouco heroica e deveríamos estar, justamente, redefinindo o paradigma da arquitetura, que está em crise mundial. Se olharmos a literatura específica, todos os países estão falando nessa suposta crise e de um momento de redefinição do próprio campo de ação da arquitetura. Nesse sentido, contribui muito pouco apenas enaltecermos os nossos heróis. Precisamos passar por um processo muito respeitoso, pois somos tributários deles, somos formados com orgulho por eles. Mas precisamos olhar para a frente, tentando entender de que maneira a arquitetura pode responder às questões da “cidade contemporânea“, que são drasticamente diferentes das questões da “cidade industrial” na qual todos eles atuaram. Se não percebermos isso, não avançamos. Marta Moreira – Também vejo uma diferença em relação ao trabalho propriamente dito. Parece que hoje a organização do trabalho depende muito mais do esforço numa coletividade, no sentido da maneira como os escritórios se organizam, as associações, o jeito como desenvolvemos trabalhos fora do escritório, as experiências em sala de aula... Isso faz muita diferença. Então, realmente, a forma de trabalho e de produção, que obviamente tem a ver com um tipo de reflexão que é desenvolvido, é muito diferente da deles. Também tivemos uma formação muito poderosa. Estudar no prédio da FAUUSP faz diferença. O prédio impõe uma atitude muito civilizatória, à medida que tudo é muito exposto, as pessoas se encontram o tempo inteiro, os espaços são muito abertos. Então, todo mundo vê todo mundo, há os encontros, os acasos... Tem espaço para que tudo isso aconteça. Convivemos com essa arquitetura que tinha em si uma forma de pensar a vida, a sociedade, os acontecimentos. O que significa a mostra e o livro Coletivo para o panorama atual da arquitetura paulista? Fernando de Mello Franco – Entendo a pergunta, mas o livro tem somente seis escritórios. Poderia ter cinco, sete ou oito. No fundo, tem muito de um acaso, o que acaba sendo muito injusto com outros. Poderíamos, tranquilamente, fazer uma lista de outros vinte bons escritórios da mesma geração, talvez um pouco mais novos ou um pouco mais velhos, que estão produzindo arquitetura de importância a partir de São Paulo. Então, é preciso relativizar. É claro que temos orgulho de participar, mas há muito mais além dessa pontinha de iceberg. Por outro lado, acho importante – e isso me encanta – essa mobilização de um grupo de pessoas que me parece tão próxima quanto a que vocês estão fazendo
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no Rio, enquanto estudantes, para tentar construir um campo de debate. Esse desejo de construir um campo de interlocução é mais importante do que citar esse ou aquele escritório, esse ou aquele projeto. Porque, mesmo dentro da nossa produção, da produção do Angelo e da produção de todos os que estavam dentro do Coletivo, muitos projetos ficaram de fora também. Talvez, a minha seleção de dez projetos do MMBB fosse uma e a da Marta fosse outra. Então, isso mostra que não houve uma curadoria crítica que tenha estabelecido toda uma razão e um pensamento articulado. Foi uma mobilização espontânea de um grupo para provocar um debate, o que é bem interessante.
O que é mais relevante no processo projetual de vocês: a observação do objeto arquitetônico de forma isolada ou a sua contextualização em relação ao entorno urbano? Milton Braga – Não existe objeto em arquitetura. Arquitetura é um imóvel, sempre relacionado a uma situação, a um contexto. Você pode chamar de objeto arquitetônico, mas nunca é um objeto como um carro, que pode ser o mesmo em Belém do Pará ou em Munique, com culturas e climas diferentes. Como o carro é móvel, eventualmente, pode até sair de Munique e chegar ao Pará, por mais absurdo que pareça. Mas arquitetura nunca é assim. O interessante é como encaramos o contexto. Por exemplo, acho que as cidades brasileiras jamais serão tão organizadas e ordenadas como as cidades europeias, construídas em um tempo em que a regulação era muito mais determinante. Muitas vezes, houve uma cultura construtiva que fazia com que todos os edifícios fossem muito parecidos. Então, ao visitar qualquer uma dessas cidades, vemos o edifício, mas também observamos outra construção: a quadra como uma unidade plástica. Em São Paulo, raramente vemos isso; no Rio, talvez um pouco mais. No Aeroporto de Guarulhos, há uma fotografia que retrata o Parque do Ibirapuera com os Jardins e a muralha de edifícios da avenida Paulista atrás, e à distância isso vira um conjunto, apesar de sua heterogeneidade. Essa é uma das poucas imagens em que percebemos uma unidade plástica, uma escala de conjunto em São Paulo.
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Marta Moreira – Coletivo não quer dizer, necessariamente, que exista uma uniformidade de trabalhos. Existe uma conversa, mas cada um dos escritórios tem suas especificidades, suas características, a maneira de pensar e metodologias diferentes. Talvez isso tenha ganhado tanta conotação pela simples falta de uma crítica efetiva. Esses trabalhos estão sendo publicados a todo o momento, mas não como uma amostra. Como sabemos, às vezes, é apenas uma série de projetos que só estão sendo divulgados. Mas é necessário que sejam publicados com uma crítica, que efetivamente se façam paralelos ou não entre os trabalhos.
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Recomendo aos estudantes que a procurem para entenderem a importância de se ter nas cidades algo além do edifício como unidade plástica, algo que tem um significado visual, sem perder, contudo, a graça das cidades que é essa grande heterogeneidade. É possível ter um pouco mais de composição com os vizinhos sem chegar ao modelo europeu de gabarito e alinhamento únicos. Isso é muito raro em São Paulo e nas cidades brasileiras em geral, mas é algo que deveríamos estimular. Às vezes, pode não parecer, mas até nas casas que projetamos estamos preocupados em ter uma conversa com os vizinhos, não só do ponto de vista de não sombrear demais, não fazer barulho demais, não invadir a privacidade, não expor aquilo que não deve ser exposto – que seriam as relações mais práticas –, mas também no sentido da composição, no sentido plástico. Fernando de Mello Franco – Em vez do termo “contexto”, que remete às discussões historicistas dos anos 60, de Aldo Rossi e outros, eu ressaltaria o ponto de vista mais relacional e sistêmico, que talvez seja um pouco distinto. Mas quando pensamos no objeto, necessariamente caímos na tectônica, na matéria, no design, nos suíços, nos portugueses, na geometria, tudo que vem de Eisenman, Greg Lynn, Jeffrey Kipnis, AA etc. São questões que, hoje, dizem muito pouco respeito ao enfrentamento que nós, como arquitetos, estamos tendo em um país que teve uma modernização tardia e que continua no estado “em potencial”. Quando olhamos para São Paulo, vemos uma cidade riquíssima, apesar de todo o contexto brasileiro, da miséria que está aqui à volta. Mas é uma cidade que ainda deixa muito a desejar, construída sobre princípios muito estranhos, geradores de uma urbanização que podemos adjetivar negativamente por horas. Talvez estejamos menos preocupados com a arquitetura enquanto design e mais com a construção de uma urbanidade que ainda não encontramos em São Paulo, o que faz com que a arquitetura e a cidade sejam coisas absolutamente indissociáveis para nós. Ainda que façamos um pequeno projeto, não o entendemos como projeto de um objeto, mas um projeto de ressignificação de algumas relações que vão estar em curso na cidade. Marta Moreira – Há um aspecto que considero interessante além da simples resposta a uma demanda que vem de um trabalho: a nossa participação desde o momento em que se formula o programa para as atividades que imaginamos que possam ser realizadas. Não é uma simples resposta em forma de algo construído para uma demanda, mas anterior a isso há um importante processo do nosso questionamento do próprio programa. Com isso, forma-se um programa que abrange elementos que nem tinham sido identificados ou com reduções provenientes da análise de que o que se pedia no início não correspondia à real necessidade.
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Fernando de Mello Franco – São Paulo é uma cidade que tem muito investimento público, calcado fundamentalmente em infraestrutura. É comum ouvirmos no Brasil, em função da Copa do Mundo e das Olimpíadas, que precisamos investir em infraestrutura. Então, há dinheiro para isso e, se não houver, o país vai se endividar. Entretanto, o que vem regendo todas as nossas cidades, do ponto de vista da infraestrutura, é a visão delas apenas como uma coisa setorial, técnica e funcional: uma avenida serve para levar carros daqui para lá e as calçadas não importam; os piscinões servem para conter as águas pluviais, e o entorno e o espaço livre resultante não importam. Ora, se há investimentos, talvez seja estratégico que o arquiteto possa se reinserir no plano de decisão do processo de construção das infraestruturas urbanas. Portanto, em primeiro lugar, há uma visão estratégica: se estamos habilitados a discutir a infraestrutura, também estamos habilitados a fazer parte do jogo, onde o jogo toma suas decisões. Em segundo lugar, acreditamos que a infraestrutura pode operar na grande escala, por exemplo, no transporte de pessoas da Zona Sul para o Centro de São Paulo. Muitas vezes, criam-se articulações eficientes para uma escala maior, mas, que na escala local, são verdadeiros desastres. A Marginal Tietê é boa para quem vem do Aeroporto de Guarulhos para cá, mas é péssima para quem mora na Vila Maria. Por que a infraestrutura não pode operar positivamente na escala metropolitana e na escala local? Por que ela não pode agregar outros programas dentro do mesmo pacote de investimento para que possa, além de ser um artefato técnico, ser também um construtor de urbanidade? Isso é estratégico! Vemos a construção de infraestrutura urbana com muito mais potencial do que palácios, arquiteturas exemplares e fotogênicas, as quais são muito pouco eficientes para transformar a cidade. As questões que a cidade está colocando estão em outro nível, tanto que o Frank Gehry, quando foi convidado para fazer o Guggenheim em Copacabana se recusou, pois viu que aquele lugar “estava pronto”. Disse que, caso colocasse um bolo de noiva ali, estragaria a paisagem. Ele teve uma consciência enorme, pois é diferente de colocar o museu em Bilbao, que é uma área portuária, destroçada, desertificada, obsoleta. Em Copacabana, mais um palácio muda muito pouco. Uma das chaves de qualquer projeto, ainda que de âmbito privado, está no résdo-chão, ou seja, na planta do térreo, pois é onde se começa a estabelecer algum nível de mediação entre o público e o privado. Então, mesmo no projeto das casas que são eminentemente privadas, há a tentativa de construção de certas possibilidades que vão
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Observando seus projetos como o estacionamento subterrâneo do Trianon e a proposta para o concurso do bairro da Água Branca, como vocês justificam a importância de tratar projetualmente a infraestrutura urbana, ou seja, vendo o potencial arquitetônico em aparatos técnicos?
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além do objeto, além do lote. Nossas últimas casas tentam construir uma relação com a paisagem. Em São Paulo, ninguém fala de paisagem; parece não haver paisagem, mas é claro que há. Mesmo no projeto de pequena escala há uma estratégia de operarmos dentro de outras escalas mais amplas. Marta Moreira – São Paulo tem um exemplo muito importante disso: as galerias do centro da cidade, que tornam as quadras muito permeáveis. As pessoas andam por muitos lugares, pois os térreos, em geral, são galerias comerciais. O Rio tem uma conformação maior de comércio que abre diretamente para a rua. Aqui, temos essa tradição das galerias. Um exemplo é a Galeria do Rock, que é famosíssima, entre outras tantas. Inclusive, este projeto que o Paulo Mendes da Rocha fez para o SESC 24 de Maio parte deste pressuposto: o térreo é livre, um lugar que todos podem frequentar. Qual é o papel do arquiteto no debate público referente à construção da cidade hoje? Quais são os limites da nossa influência? Como isso se dá atualmente e qual será esse papel no futuro? Fernando de Mello Franco – Um dado dos últimos anos diz que, pela primeira vez na história da humanidade, mais de cinquenta por cento da população mundial é urbana. Portanto, é de se pensar que não somente os arquitetos, mas aqueles que trabalham e pensam as cidades são fundamentais nesse processo. Entretanto, as formas tradicionais nas quais os arquitetos vinham operando, calcadas no planejamento urbano e territorial, se demonstraram totalmente ineficientes no mundo inteiro. São ferramentas que não dão conta dos fenômenos. Isso não quer dizer que os arquitetos ou os governantes são incompetentes. Com o aumento na escala de urbanização das cidades dos países em crescimento nas Américas, na África ou na Ásia, as demandas são impossíveis de serem atendidas. Então, precisamos repensar todas as nossas ferramentas, nossos conceitos e definir outras estratégias. Estamos num período de refundação dos princípios. Sem dúvida nenhuma, o Rem Koolhaas e todos que pensam a arquitetura e o urbanismo a começar dos pós-estruturalistas, colocando o tempo como um dos objetos de estudo e de trabalho de forma tão importante quanto o espaço, indicam que outros caminhos estão sendo traçados. A arquitetura brasileira dialoga pouco com a arquitetura produzida na América do Sul. Na verdade, há um intercâmbio que, quando acontece, é pequeno. Quais são suas impressões a esse respeito?
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Fernando de Mello Franco – Em São Paulo, temos quase nenhum contato com os outros países da América do Sul. Historicamente, o sul do Brasil tem bastante. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem grande intercâmbio com alguns países vizinhos. Podemos ver que, talvez porque ainda sejamos todos um pouco “caipiras” no Brasil, parte dessa integração com a América Latina se dá pelo olhar estrangeiro. A Bienal de Roterdã está querendo montar uma fundação, um escritório provisório em São Paulo, para usar a cidade como base para entender os fenômenos latino-americanos. Columbia está para montar um estúdio global no Rio de Janeiro ou em São Paulo. A Universidade de Zurique está para montar uma nova área de estudo calcada no urbanismo de países emergentes. Queiramos ou não, nos vemos obrigados – e acho isso ótimo – a estabelecer essas interlocuções, porque são as questões que vão entrar na roda das discussões da arquitetura e do urbanismo nas escolas e nos centros de produção do conhecimento. O que vocês acham da vinda de arquitetos estrangeiros para o Brasil, como Herzog e De Meuron com o projeto para o centro de dança de São Paulo? Fernando de Mello Franco – Herzog e De Meuron não estão tirando nosso trabalho. Não seríamos chamados para fazer aquele projeto de cem mil metros quadrados, que é emblemático para o governo. Por outro lado, se eles vêm e o governo assume a importância da figura do arquiteto, podemos então começar a falar sobre outro nível de contratação. Marta Moreira – Acho absolutamente positiva a vinda dos arquitetos estrangeiros, assim como podemos ter oportunidades de trabalhar em outros lugares. Essas trocas são fundamentais e só tendem a ser enriquecedoras em todos os sentidos. Existe interesse recíproco entre as partes, tanto na prática projetual quanto no âmbito acadêmico.
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Marta Moreira – Historicamente, os países de língua espanhola têm tido mais relação entre si do que com o Brasil. Além de falar a mesma língua, eles estudam praticamente a mesma história nas escolas e, com isso, criam certo vínculo. Aos poucos, isso está mudando. O Brasil tem participado cada vez mais intensamente dos debates. A Colômbia, a Argentina e o Chile têm uma produção absolutamente importante, com questões semelhantes as nossas. Isso é muito interessante, pois se estabelece um debate positivo para ambos os lados devido à semelhança entre questões, emergências e urgências.
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Fernando de Mello Franco – A arquitetura moderna brasileira foi inaugurada com a vinda de Le Corbusier ao Rio de Janeiro. Hoje, ninguém se arrepende de Gustavo Capanema tê-lo chamado para fazer o projeto do MEC. Hoje, a via tem dois sentidos, pois vários arquitetos brasileiros estão projetando fora ou para fora do país nas mais diversas situações. Há muita gente dando aula fora do Brasil, como professores visitantes. A Universidade da Bahia, por exemplo, tem grande relação com Portugal. Em São Paulo, há profissionais dando aula na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Do ponto de vista estrito da profissão, é bom para todos, porque cria jurisprudências para que consigamos rever as condições de trabalho em níveis minimamente aceitáveis. Quem reclama não está entendendo muito bem. Ao projetarem aqui no Brasil, os arquitetos estrangeiros estão ajudando mais do que atrapalhando o mercado local. Se os projetos são bons ou ruins, já é outra discussão. Fernando de Mello Franco, em seu artigo para a Folha de São Paulo e para o Vitruvius, você menciona uma palestra cujo tema era sustentabilidade. A sustentabilidade é de fato algo novo? O que vocês entendem por sustentabilidade? Fernando de Mello Franco – Vi o Rem Koolhaas dando uma palestra, na qual ele mostrou um projeto de sistema energético, na Europa. Ele começou com grande mau humor, pois o haviam chamado para falar sobre sustentabilidade, mas ele disse não ter nenhum interesse pelo tema. Ele não utilizou estas palavras, mas quis dizer: “como vocês me pagam bem para ser professor aqui, resolvi fazer minha lição de casa”. Ele falou de “sustentabilidade” desde Vitruvius até os dias de hoje. Com isso, mostrou que essa questão não é nova! É a mesma coisa que falar que a arquitetura lida com a estática. A estática, as questões ambientais, energéticas, de conforto são intrínsecas à arquitetura. Quer algo mais relacionado a tudo isso do que um iglu ou uma oca indígena? A sustentabilidade está na raiz da arquitetura. É equivocado pensar que sustentabilidade é a grande novidade. Marta Moreira – Concordo. Poderíamos aplicar esse termo para uma questão como o pré-sal, para questionar os impactos, seja do ponto de vista dos recursos, da geografia ou até do impacto naquelas cidades imediatamente ligadas a esse tema. Há também a discussão sobre a transposição do Rio São Francisco, que está muito ligada ao pensamento sobre a ocupação do território. Portanto, deveríamos tratar a sustentabilidade no nível da vida no planeta mais do que na escala do objeto arquitetônico isolado.
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O que é arquitetura? Milton Braga – Se não me engano, Lucio Costa define arquitetura como sendo “a construção feita com intenção”. Essa é uma boa resposta à indagação. Como professor, tenho usado o que disse Lucio Costa, muitas vezes acrescentando que arquitetura é construção feita com intenção para resultar significativa, procurando assim enfatizar a importância da construção ser capaz de intrigar, provocar, para ser arquitetura.
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Fernando de Mello Franco – Não sei definir arquitetura, em parte porque o que nós temos entendido como arquitetura está em mutação. Ainda que as definições anteriores sejam válidas, é muito difícil, pois não há uma definição absoluta. Mas de todas as definições, gosto muito de uma, que também é um clichê: arquitetura começa quando cessa a função. Todas essas definições vão se juntar com outras. Quais são? Eu não conseguiria contar a vocês.
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Escola FDE Campinas, S達o Paulo
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Projeto Urbano C贸rrego do Antonico, S茫o Paulo
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PETIT, Jean. Niemeyer: Poeta da Arquitetura. Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Vilanova Artigas. CINQUALBRE, O; FROMONOT, F; PAQUOT, T; Bร DARIDA, M. Renzo Piano, un Regard Construit. 4 CARTER, Peter. Mies Van der Rohe at Work. 5 FROMOMOT, Franรงoise. Glenn Murcutt. 6 BELL, Eugenia. Shigeru Ban. 7 FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Lina Bo Bardi. 8 ARTIGAS, Rosa Camargo (org). Paulo Mendes da Rocha. 9 KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL. 10 LAMBOT, Ian. Norman Foster. Foster Associates Buildings and Projects Vol.4.
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Nitsche Arquitetos
Entre o centro da cidade de São Paulo e o bairro de Higienópolis, a rua General Jardim se transformou em um núcleo de escritórios de arquitetura paulistanos. Nela, fomos conhecer o Nitsche Arquitetos Associados, escritório formado pelos irmãos Lua e Pedro Nitsche. Ambos fizeram graduação na FAU-USP. Lua se formou em 1996 e Pedro em 2000. Formam um escritório jovem, com crescente produção, cujos projetos mais notáveis são a residências da Barra do Sahy e do Guarujá, e o concurso Living Steel.
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Vocês pertencem a uma família de artistas plásticos. Qual foi o grau de influência disso na escolha pela arquitetura? Lua Nitsche - Recebemos uma educação com foco na liberdade de expressão. Na minha casa ou no ateliê da minha mãe, minha filha pode riscar na parede, no chão, em tudo. É essa liberdade para se expressar que reforça um lado de arquitetura. Pedro Nitsche - A filha da Lua, de um ano e meio, fica pintando com guache, canetinha e sempre procurando um livro na estante. Percebemos que deve ter acontecido isso com a gente. Então, não acho que seja uma questão de talento, mas de influência direta. Lua Nitsche - Crescemos numa casa projetada pelo Paulo Mendes da Rocha, que nunca foi publicada. A casa é toda de vidro; tem muita transparência; a cozinha é junto com a sala; somente os quartos são fechados. Então da sala, você vê a cozinha, a rua, o que favorece o convívio com todo mundo. Nós víamos o que estava acontecendo na casa e isso influenciou o nosso modo de vida. Saindo dessa realidade, percebi que as pessoas vivem em casas compartimentadas, com hierarquia de espaços. Então, o que me levou a ser arquiteta foi a vontade de transmitir às pessoas que é possível viver de um jeito diferente se o espaço for diferente. A arquitetura não determina a maneira como você vive, mas tem uma influência grande. Há incorporação da arte na arquitetura de vocês? Pedro Nitsche - Sim. A arquitetura tem uma parte de arte, que nem a economia e nem a utilização explicam. Talvez, seja por isso que ela está um pouco deslocada em relação à engenharia e ao mercado. Às vezes, ela é lúdica, fantástica, imaginativa, ou algo que não tenha relação direta com o custo-beneficio. A parte da arte e de invenção que há na arquitetura é que pode até se deslocar do mundo atual regido pelo mercado. Lua Nitsche - A arte e a arquitetura estão ligadas. Minha mãe, Carmela Gross, tem feito trabalhos com uma arte maior, de instalações em prédios. Isso nos faz perceber que arquitetura e arte tem têm uma ligação grande para repensar a cidade, repensar o espaço. Pedro Nitsche - Se a arquitetura não cria poesia, não é arquitetura, é outra coisa. Assim como um texto só é poético quando tem arte. O diferencial é que a construção tenha poesia. Se tem poesia, tem arte, tem arquitetura.
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Como se deu a transição da formação acadêmica para a atuação profissional? Lua Nitsche - Eu e o Pedro tivemos trajetórias parecidas. Fiz um estágio durante a faculdade e depois trabalhei em três escritórios. Fazia parte da minha formação trabalhar em alguns escritórios interessantes escolhidos por mim. Trabalhei no Felipe Crescenti, depois no André Vainer e no Guilherme Paoliello, e, por último, no Isay Weinfeld. Foram experiências diferentes: o André Vainer e o Guilherme Paoliello são totalmente despojados, fazem arquitetura que não depende de detalhe. O Isay é o oposto: precisa até do detalhe da fechadura. Isso foi bom na formação. Nesses escritórios aprendi a lidar com os clientes; em outras palavras, como administrar um negócio. Agora, vejo que isso se aprende em dois ou três anos e não deve jamais ser o foco da universidade. Foi um período importante esse de transição entre a faculdade e ter um escritório próprio. Pedro Nitsche - Eu fiquei mais aflito. Quando saí da faculdade, queria fazer estágio em construtora, precisava construir. Hoje em dia, vejo que não precisa. Pode-se ir direto para um escritório de arquitetura, pois nele você aprende como acontece uma construção. Fiz estágio em construtora, no Ruy Ohtake e no Piratininga.
Pedro Nitsche - Durante e depois. Lua Nitsche - Formamos o escritório de fato entre 2003 e 2004. Antes, tínhamos uma salinha no ateliê da minha mãe, onde eu fazia projetos. O Pedro não trabalhava comigo frequentemente. Nós nos comunicávamos, mas ele trabalhava em outros lugares. Eu tinha ganhado o concurso da Faculdade de Medicina da USP, com o Marcelo Morettin e o Vinicius Andrade, então também ficava meio período com eles. Pedro Nitsche - Quando surgiam projetos, nós nos juntávamos. Assim fizemos os conjuntos comerciais na Faria Lima e a Casa da Barra do Sahy. Nesse momento, tivemos um ensaio de formação de escritório. Lua Nitsche - Em 2003, com uma reforma nesse ateliê, nós nos juntamos e contratamos uma pessoa para ajudar. Passamos a trabalhar todo dia no mesmo horário, então o escritório se formou naturalmente. Pegávamos projetos pequenos, até o momento em que sentimos que podíamos sobreviver fazendo projetos sem precisar
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Vocês abriram escritório logo após terem feito estágios
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trabalhar em outro escritório. Mas demora; é preciso ter muita fé. Tenho amigas que tinham fé, mas desistiram, porque há um período em que não tem trabalho. Depois que você desiste, não tem volta. Durante esse período meio latente em que você faz só um trabalho para alguém ou um concurso, o relógio está contando para seu escritório vir a funcionar alguma hora. Então, você tem que acreditar e ir em frente. O que vocês fazem quando não tem trabalho? Lua Nitsche - É preciso participar de concursos. Não pode fechar a porta e se retrair. Isso aprendi com o Vinicius Andrade, pois ele e o Marcelo Morettin sentam para fazer um concurso sem a menor expectativa de ganhar, só de curtir o trabalho. São trabalhos interessantes que nos ajudaram a concretizar as nossas ideias. Há escritórios jovens que não fazem nada, só terceirizam trabalho. Quando se pergunta: “O que você fez de arquitetura? Se você fosse fazer um prédio, o que faria?”, é um vazio, pois a pessoa nunca parou para pensar nesta pergunta. Então, quando não há trabalho, você tem que aproveitar para pensar a arquitetura, pois só o fato de estar produzindo algo, tendo ideias, gera uma energia. Qual projeto vocês consideram ter dado visibilidade ao seu trabalho? Lua Nitsche - Foi a casa da Barra do Sahy. O cliente confiava na gente e disse: “Façam a casa, escolham os materiais, escolham tudo”. Nós fizemos sozinhos e foi aprovado. Ele não foi um cliente que pediu muita alteração. Foi um projeto que ficou meio puro. De que maneira vocês apresentariam o escritório em termos de processo projetual e divisão de trabalho? Pedro Nitsche - A respeito do escritório, existem duas partes importantes. A primeira é a parte interna, o clima dele, a relação de quem trabalha no escritório. Gostamos de ouvir as opiniões de todos, tanto em processos criativos quanto na concepção. Quanto maior é a interação das pessoas, melhor. Tem o outro lado que é o do cliente. Ele é muito importante, precisa ser muito bem tratado e ouvido com atenção. Lua Nitsche - O Pedro e eu discutimos os projetos juntos durante a concepção e nos estudos preliminares. Nós fazemos todas as reuniões juntos, mas naturalmente ele cuida mais de alguns projetos e eu cuido mais de outros. Temos ainda mais um associado, João Nitsche (irmão mais novo) que fez artes plásticas e realiza um trabalho
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com imagens e fotos, e mais três funcionários: dois arquitetos e um estagiário francês. Há seis meses, nos mudamos aqui para a rua General Jardim. Então, o escritório é novo, com mais espaço, mais organizado, mais profissional. O que significa o uso da cor na arquitetura para vocês? Isso é um diferencial? Lua Nitsche - Acho que é influência das artes. Mas é uma brincadeira, para o projeto não ficar muito monótono. Na casa da Barra do Sahy tem cortinas coloridas. Sempre que tem cor envolvida, discutimos a questão com artistas plásticos. Acabamos escolhendo uma verde, uma vermelha e outra amarela. Pedro Nitsche - É uma questão de procurar por diversão também. Já que é tudo cinza, então vamos usar cores primárias. As fábricas de tinta têm aqueles catálogos que são incríveis, lúdicos. Uma vez, fizemos vários painéis para uma escola, usando o catálogo da FDE. Mas a coordenadora do projeto falou: “Assim não. Quero uma coisa colorida, porque é escola.” Falamos: “Então, vamos manter o catálogo inteiro de cores. O painel é um catálogo.” Só enquanto olhávamos o catálogo e procurávamos as cores, já mudávamos o pensamento.
Pedro Nitsche - A concepção vem junto com a escolha do material. Um dialoga com o outro. Então, a concepção se desenvolve até pedir certo material, que, por sua vez, pede uma modificação no conceito. Então, acho que o material e a concepção vão “trocando figurinhas” até ficarem ajustados perfeitamente. Para ter experimentação, é preciso conhecer o material. Para reforçar a concepção, é preciso pesquisar, experimentar, modelar, ver, regular. Quando começamos a entender o material, a concepção se fortalece. Lua Nitsche - Temos um lado prático que tende à simplificação. Nessas primeiras casas que fizemos na praia, tivemos que pensar num lado mais racional de construir. Não iríamos fazer a casa de alvenaria e concreto moldado in loco, porque a mão de obra era ruim. Além disso, tinha que fazer chegar uma betoneira. Tudo parecia inapropriado para o lugar. Então, resolvemos utilizar estrutura pré-moldada. Pedro Nitsche - O que a estrutura pré-moldada te informa? Que a modulação vai ajudá-lo a pensar o projeto também. Então, a maneira de operar com a estrutura pré-moldada indica que você deve modular aquele objeto arquitetônico.
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Como ocorre a exploração do material no trabalho de vocês?
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Sustentabilidade é um termo em voga hoje. O que vocês pensam a respeito? Pedro Nitsche - A flexibilidade é um bom argumento para a sustentabilidade. Se um edifício tem um espaço flexível que pode ser ocupado de várias maneiras, isso garante que ele vá resistir muito tempo e poderá ser adaptado para vários usos. A demolição é muito ruim para a sustentabilidade. Também é importante o controle entre o uso de recursos e a geração de resíduos. É preciso otimizar os recursos. Por exemplo, a água tem que ser bem-utilizada e, para isso, a engenharia chegou a um nível bom de economia, porque a torneira abre e fecha; o arejador economiza 50%; a varanda brasileira protege a fachada do sol. São exemplos que mostram que a arquitetura e a engenharia já avançaram muito na questão de economia do recurso natural. O que se fala de sustentabilidade é reforçar o fato de que a construção vem avançando há muitos séculos. Lua Nitsche - A sustentabilidade deveria ser pensada no planejamento da cidade. Por exemplo, no Rio de Janeiro, a sustentabilidade é a questão dos morros [das favelas]. É um detalhe você ter que certificar um prédio, uma casa, um aparato. Devemos ver o problema do prédio em um segundo momento, porque nós temos outras questões a serem pensadas. São Paulo tem quilômetros de extensão, subocupação, favela e córrego poluído, que são questões bem mais importantes para a sustentabilidade do que a construção em si. Como é construir em São Paulo hoje? Lua Nitsche - São Paulo é uma cidade espalhada, cheia de vazios, com terrenos mal aproveitados, áreas inteiras subutilizadas, galpão industrial vazio, um posto de gasolina. O Rio, por sua vez, é mais concentrado, mais adensado, tem uma urbanização mais bem resolvida. A cidade de São Paulo parece inacabada com esses terrenos subutilizados. Em termos de espaço construído, o centro da cidade é excelente, mas ele está subocupado. Aqui na rua em que trabalhamos, existem vários escritórios de arquitetura. A maioria dos arquitetos que está aqui pensa a arquitetura tendo como pano de fundo a cidade, que precisa ficar mais densa e mudar essa ocupação toda espalhada da periferia para tentar voltar para o centro. Apesar de São Paulo ter muito potencial para novas construções, é difícil ser contratado para construir aqui. Agora, conseguimos uma oportunidade com a Idea!Zarvos, que atende um mercado com uma visão diferente de arquitetura, de qualidade, e não esses empreendimentos imobiliários comuns. Essa iniciativa vem se destacando por convocar vários escritórios jovens e propor construções que são, em sua maioria, prédios residenciais com um conceito de prédio ideal, do tipo que nós faríamos se estivéssemos na faculdade. Ao invés de
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comprar cinco terrenos e oferecer tudo para o mesmo escritório, vários escritórios são chamados e, assim, fazem alguns empreendimentos interessantes. Tudo é vendido muito rápido! Acredita-se nos arquitetos para se fazer uma coisa única. É uma das primeiras oportunidades que temos de fazer projetos grandes em São Paulo. Construir na cidade é difícil. Gostaríamos de projetar prédios, parques, museus, estações, mercados etc. no dia a dia, mas não aparece a oportunidade. As grandes empreendedoras não chegam até nós, talvez porque já têm um formato pronto, padronizado e lucrativo. Por isso, não pesquisam diferenciação de mercado. O foco deles não é arquitetura, mas vender metro quadrado. Talvez, também falte promover uma comunicação entre os arquitetos e os empreendedores. De que forma vocês identificam que seus clientes chegam até o seu escritório?
Vocês poderiam fazer um panorama da arquitetura brasileira contemporânea Pedro Nitsche - Cada vez mais acho que a arquitetura, apesar de ser um contrassenso, se globalizou. A arquitetura não deveria ser globalizada, pois cada país tem o seu clima, a sua cultura. É estranho falar em arquitetura global, mas, como a comunicação se difundiu pelo planeta inteiro, temos referências de arquitetos holandeses e eles, provavelmente, têm influências dos nossos arquitetos. Em São Paulo, esses prédios de pele de vidro são um absurdo. São uma atitude de importar o que vem de fora. Isso acontece desde o neoclássico e do eclético, quando São Paulo e Rio importavam a arquitetura da França ou da Inglaterra. Agora, em São Paulo, existem muitos lançamentos desses prédios neoclássicos. É uma moda, como se fosse uma roupa. Não há ideologia, uma raiz, um princípio; é uma vestimenta. Lua Nitsche - Em São Paulo, tem um lançamento imobiliário por semana, talvez por dia. Nada do que está sendo feito no mercado imobiliário é significativo ou
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Pedro Nitsche - Fomos chamados pela Idea!ZARVOS por indicações. Isso foi fruto dessa coletividade, dessa comunicação entre os escritórios. Também acho que é um pouco pela exposição que nós já tivemos ao fazer concursos, em receber menções. De algum jeito, expor o nosso trabalho faz com que a pessoas antenadas que queiram contratar tenham perspectiva e acabem chegando até nós. O arquiteto tem que se expor. Ele tem que aparecer para receber oportunidades. Sobre a oportunidade, falta conhecer mais quem é esse empreendedor. Falta um pouco de relacionamento para você sair da faculdade e conseguir construir uma carreira, uma profissão ou um escritório, porque com o escritório você está empreendendo. A vida numa empresa é crescer e, para isso, é preciso ter os clientes, que você consegue através da comunicação.
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representa o que os arquitetos pensam. Não existe uma produção forte de arquitetura pensada. É a arquitetura do mercado imobiliário. Então, há uma parcela enorme de construções sem nenhuma participação dos arquitetos, que projetam casinhas, objetos espalhados. Assim, não se consegue compor uma arquitetura brasileira expressiva. Não há oportunidade de pensar a cidade como houve em Brasília, muito por falta de organização política dos arquitetos, mas também por falta de vontade política dos governantes. O que é arquitetura? Pedro Nitsche - Arquitetura é construir algo que mude a relação do homem com a natureza. Também não dá para conhecer arquitetura sem visitar os lugares. Isso é algo que aprendi com um professor da FAU: “Arquitetura não é visual, arquitetura é sensível”. Entrar no espaço é sentir o espaço na pele, não pelo olho.
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Residência em São Francisco Xavier, São Paulo
Edifício João Moura, São Paulo
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Rua Arq.
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VENTURI, Robert; SCOTT-BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. 2 Centro Georges Pompidou (org.). Archigram (Collection Monographie). 3 BOGÉA, Marta. Cidade Errante. 4 MUMFORD, Lewis. A Cidade na História. 5 ROGERS, Richard. Cities for a Small Planet. 6 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. 7 ZIRALDO. Flicts. 8 OITICICA, Hélio. Hélio Oiticica. 9 ANDRADE, Mario de. Macunaíma. 10 KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL.
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A conversa com a dupla de arquitetos cariocas, Pedro Évora e Pedro Rivera, do jovem escritório Rua Arquitetos se deu em meio a grande entusiasmo com as novas possibilidades avistadas para o futuro do Rio de Janeiro e do Brasil. Ambos expõem as potencialidades e os perigos observados em experiências arquitetônicas contemporâneas para as transformações futuras no nosso país, e apresentam sua visão de arquitetura com referências que vão da China ao Haiti, misturadas a questões urbanas cariocas, a busca por espaços para a propagação de ideias e análise sobre o panorama arquitetônico brasileiro atual.
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Rua Arq.
Rua Arquitetos
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Como foi a trajetória de vocês entre o período como estudantes de arquitetura até a formação do escritório? Pedro Rivera - Fiz a faculdade de arquitetura na UFRJ e concluí o curso em 1997. Os anos em que fiz graduação foram um período bastante efervescente dentro da universidade, com um grupo grande de alunos muito atuantes. Era época em que havia os programas Favela-Bairro e Rio Cidade: com isso a cidade do Rio de Janeiro e seus espaços urbanos eram muito estudados e discutidos. Desde esse período dentro da faculdade, a nossa inserção no mercado de trabalho esteve atrelada ao momento da cidade, aos trabalhos para o poder público com ênfase no pensamento sobre o espaço urbano, podendo ter um viés mais próximo de revitalização ou de urbanização. Sempre tive a intenção de ter um escritório e o primeiro passo, logo após o término do curso, foi a parceria com Washington Fajardo, Rafael Balbi e Rodrigo Azevedo. Alugamos uma pequena sala e começamos prestando serviços para escritórios maiores. No início, trabalhávamos separadamente, somente dividindo o mesmo espaço de trabalho, mas em pouco tempo tivemos a necessidade de trabalhar juntos devido às demandas do que fazíamos. Em 1998, convidamos o Flávio Ferreira, que havia sido nosso orientador de Trabalho Final de Graduação, para fazer o concurso do Mercado do Ver-o-Peso, em Belém do Pará. Era um projeto que envolvia restauro e adaptação de edificações emblemáticas e a reurbanização de uma feira com duas mil barracas. Foi um concurso nacional e nós o vencemos. Com isso, tivemos que nos mudar para Belém para desenvolver o projeto, vivenciar aquele lugar, negociando no dia a dia com a prefeitura, os feirantes e todos os agentes envolvidos naquele projeto. Foi uma experiência muito rica porque éramos recém-formados e tivemos que coordenar de lá, na “frente de batalha”, já que o Flávio Ferreira continuava a ter um papel muito importante nesse processo, mas tinha permanecido aqui no Rio. Éramos nós que tocávamos o cotidiano do projeto. Com o término desse projeto, voltei para o Rio, mas a sociedade foi desfeita. Alguns anos depois, eu e Évora começamos a trabalhar juntos. O primeiro projeto que marcou esta parceria foi o Favelité, principalmente por não ter sido uma demanda, nós o inventamos. O terceiro projeto que considero importante na minha trajetória foi a Galeria Progetti, no centro da cidade do Rio. Era um tema que eu já tinha trabalhado muitas vezes: a transformação de edificações históricas através de seu reaproveitamento e reuso. Com uma ênfase que não era de caráter historicista, mas pelo interesse na transformação da arquitetura existente. Foi um trabalho muito prazeroso, desenvolvido entre 2007 e 2008, com clientes ótimos, com um programa – galeria de arte – muito interessante e onde conseguimos desenvolver um trabalho bastante minucioso, desde a etapa de projeto até a execução.
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Pedro Évora - Estudei na FAU-UFRJ e me formei em 2003. Trabalhei por cerca de dois anos na Diplodocus Arquitetos, do Israel Nunes e da Flavia de Faria, que eram meus professores. Mais para o final da faculdade, já tocava alguns projetos, obras, enquanto atendia a outros arquitetos. Me formei e passei a alugar uma sala no escritório do Pedro Rivera, fazíamos a maioria dos trabalhos separadamente, mas começamos a fazer algumas coisas cooperadas. Foi nesse período que surgiu a chance de fazer o projeto Favelité, o primeiro projeto desenvolvido entre a França e o Brasil cujo processo durou um ano e meio. Quando voltei para o Rio, em 2008, estudamos a possibilidade de nos associar e formamos o Rua Arquitetos. É interessante, pois é um escritório no qual os dois sócios têm um perfil muito semelhante. Geralmente, se encontram sociedades em que as pessoas têm perfis muito distintos e se complementam. No nosso caso, a complementaridade se dá de outra maneira. Ambos projetam, ambos propõem. Estamos o tempo todo tentando equalizar essa energia. Talvez a força do escritório venha desse atrito, dessa fricção de ideias.
Pedro Rivera - Em 2005, o Governo Federal promoveu o ano do Brasil na França, com a intenção de apresentar lá a diversidade cultural brasileira, com suas várias expressões. Essa premissa nos incentivou a fazer algo ligado à arquitetura, inclusive porque o Estado pouco reconhece a disciplina como cultura, a não ser que esta seja patrimônio histórico. Assim, começamos a pensar o que seria relevante sobre arquitetura e a cidade naquele contexto. Se iríamos expor alguma coisa na França, o que seria importante apresentar? No Brasil, temos a arquitetura moderna notável, e o que veio depois? O que tínhamos naquele momento? O que havia de mais relevante era a favela. É um tema urbano. Um desafio premente em todas as cidades do país. Com isso, literalmente, inventamos um projeto, submetemos à Lei Rouanet, buscamos apoiadores e financiamento, cumprimos toda a burocracia, pesquisamos e desenvolvemos uma exposição que ocupou uma estação monumental – Luxembourg – do RER, na França, durante três meses. Pedro Évora - Nesse período, estávamos dividindo um escritório no Humaitá. O Pedro Rivera estava trabalhando com a Laura Taves em outro projeto e eu estava fazendo projetos meus. Mas tinha uma movimentação naquele espaço e, entre um trabalho e outro, debatíamos o ano do Brasil na França, o que poderíamos propor, o que poderíamos tentar a partir disso. Nessa época, houve uma coincidência de fatos que ajudou o projeto. A Laura tinha tido contato com a artista plástica Françoise Schein, que havia feito um trabalho no metrô de Paris. Nesse período, eu estava ajudando nas aulas do Guilherme Lassance,
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Vocês poderiam explicar mais detalhadamente o projeto Favelité?
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na UFRJ, e fizemos uma viagem com a turma para Paris. Então, aproveitei essa minha ida para visitar algumas pessoas do metrô, em 2004, já para apresentar algumas ideias que tínhamos formulado aqui. Assim, começou uma conversa com os franceses, que continuou quando voltei, por e-mail, e o projeto foi tomando corpo. Houve uma série de contatos importantes que nos ajudaram a consolidar essa proposta, que foi submetida a uma seleção para a escolha dos projetos que seriam expostos naquela temporada cultural. Após essa escolha, continuou-se em um processo de viabilização e desenvolvimento que tomou mais sete meses até irmos pra a França para a montagem. A instalação foi visitada por milhares de pessoas. Por que vocês adotaram o nome Rua para o escritório? ideias.
Pedro Évora - O espaço público é o que nos encanta e de onde surgem as
Pedro Rivera - Se você falar arquitetura, a primeira associação que você tende a fazer é com casa. Se pensarmos em cidade, essa associação é com rua. O que é cidade? Rua! É o que sintetiza a vida urbana. Pedro Rivera, você está envolvido com o Studio X. Você poderia explicar a iniciativa? Pedro Rivera - Em 2009, tive contato com a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, para dar uma palestra no Studio-X de Nova York. O Studio-X é uma rede global da escola de arquitetura de Columbia com espaços em Nova York, Pequim, Aman, Mumbai e, desde 2011, no Rio, onde sou diretor e curador. Como Mark Wigley – diretor da escola e idealizador do projeto – define, Studio-X é uma rede de espaços vazios – como um ateliê – com uma máquina de café expresso, ou seja, espaços completamente abertos para experimentação. A ideia é que esse lugar seja uma plataforma para se pensar as cidades, o futuro do ambiente construído, sendo aberto a diferentes disciplinas e com uma variedade grande de atividades, como palestras, debates, workshops, exposições, colóquios, lançamentos de livros. Cada Studio-X se conforma de acordo com as possibilidades de cada lugar, sendo orientado a partir do envolvimento das pessoas do local com aquele espaço. Por mais de vanguarda que seja a escola de arquitetura da Universidade de Columbia, não existe lugar mais estabelecido e até, de certa maneira, inerte que a Academia. Academia é o lugar que concentra o saber, o que não é uma tarefa leve. A liberdade proporcionada no Studio-X faz dele um contraponto complementar à faculdade.
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Pedro Évora - Em termos práticos, atende-se uma demanda do perfil dos alunos de Columbia, que é extremamente internacional. Um aluno chinês que faz o curso em Columbia tem demandas que vão além de Manhattan. Então, essa rede funciona para que a faculdade esteja pelo mundo. Pedro Rivera - Um aspecto importante é o estabelecimento de trocas. A ideia do funcionamento do Studio-X não é a de centralização em torno da Universidade de Columbia, em Nova York, mas que também haja trocas diretas entre, por exemplo, Rio e Pequim em determinado tema que seja de interesse das duas cidades. O interessante é a possibilidade de estabelecer trocas de uma maneira global, criando acessos e pontes a outros lugares. Trocar conhecimento com todo o mundo.
Pedro Rivera - Primeiramente, existe uma curiosidade muito grande, pois o Brasil se apresenta de uma nova maneira no cenário internacional, como um jogador com certo protagonismo. Nesse momento, o país tem estofo para negociar numa escala global. Além disso, o Brasil sempre teve a imagem de um lugar exótico, com a Carmen Miranda, as favelas, a sensualidade, Copacabana, Brasília. Nosso país sempre produziu fenômenos muito singulares, fortes expressões próprias da nossa cultura Existe uma mítica em torno do Brasil. A isto se somam a Copa do Mundo, as Olimpíadas, toda a crise mundial que pouco afetou o Brasil e outros fatos novos que estão surgindo e que ampliam esse interesse pelo nosso país. Nessa nova configuração global, em que os Estados Unidos e a Europa não são mais o centro do mundo, o Brasil surge como a nova potência. China e Índia são muito diversos e incompreensíveis aos olhos ocidentais. De certa forma, é muito mais fácil acessar o Brasil do que ainda é acessar o Oriente. Pedro Évora - Esse olhar estrangeiro existe há 500 anos. Tudo é troca. Qual é a análise que vocês fazem da atual situação da arquitetura brasileira? Pedro Rivera - Quando estávamos na faculdade, a arquitetura brasileira ia muito mal. Nos anos 90, além dos projetos de desenho urbano Rio Cidade e FavelaBairro, não havia nada aqui no Rio de Janeiro. Aliás, desde o final da década de 1960, estivemos no ostracismo. As novas gerações, na qual me incluo ainda, começaram a questionar e buscar espaço, com uma ânsia muito grande para fazer coisas novas. Então, existe essa vontade de transformação, de proposição de novas abordagens, novas óticas e novos programas.
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Como vocês observam esse olhar estrangeiro sobre o Rio de Janeiro? Qual é o foco dessas pessoas quando elegem a cidade do Rio como tema?
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Pedro Évora - É uma geração que já faz algumas poucas coisas, mas que tem muita capacidade produtiva e que, agora, está encontrando meios para viabilizar suas realizações. É só observar as publicações, que vocês chegarão a esta constatação. Pedro Rivera - Há três fatores muito importantes nesse fenômeno. O primeiro é a própria vontade dos arquitetos de projetar e trabalhar. Existe inteligência nos trópicos. O segundo fator é a globalização. A internet é algo do fim dos anos 1990. Lembro-me de já ter escritório e não ter e-mail. Há uma grande facilidade em acessar as informações, projetos, referências e questões levantadas em todos os cantos do mundo. Hoje, tornou-se muito fácil estar em dia com o que está sendo feito. E pensar que Lucio Costa foi buscar Le Corbusier na década de 1930 para que ele nos mostrasse o que era arquitetura moderna. Por último, o fator que consolida tudo isso é o momento econômico, pois se constrói. Vai se construir muita coisa ruim, mas no meio disso teremos coisas boas, fato que é inevitável, é estatístico. Com o aparecimento desses bons projetos, as pessoas podem reconhecer o que é interessante e, assim, cria-se uma massa crítica. Acho que arquitetura brasileira tem um futuro brilhante nos próximos dez ou vinte anos, que é o tempo necessário para consolidar isso. Após esse período, estaremos em um lugar muito diferente de onde estamos agora, pois temos o potencial e, recentemente, ganhamos os meios. Pedro Évora, você esteve no Haiti pouco após o terremoto que praticamente destruiu o país em 2010. Que experiências você trouxe desse país caribenho e quais são as capacidades do arquiteto numa situação emergencial como essa? Pedro Évora - Fui para o Haiti com o intuito de fazer planejamento de campos e abrigos. Fizemos o possível durante o tempo que lá estive. Trouxe comigo uma tristeza muito grande pelo lugar, pelas condições e pela realização da possibilidade da falência total da infraestrutura de um país. Ou seja, ver como é uma cidade depois que todas as suas estruturas acabam – o que nos leva a pensar em como se pode projetar a partir do zero na atualidade. Como seria uma tabula rasa atual? Como podemos pensar uma cidade em termos de sustentabilidade, com tecnologia e rapidez de atuação? Como vários países podem atuar em um determinado lugar do mundo com compromisso, numa agenda global para fazer o lugar acontecer e dar certo, já que o Haiti está em um estado de penúria extrema. Isto é papel do arquiteto. Às vezes, esquecemos da nossa capacidade de atuação dentro desses termos-limite, de resposta em desenho a toda a infraestrutura de um país. Pensar na grande escala e também na barraca. É importante lembrar da nossa capacidade de articulação nesses termos.
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Pedro Évora - Trouxe um alerta ao ver o que está acontecendo na China pela inobservância da cultura local, sobreposta por uma certa festa da arquitetura ocidental, sobretudo em Xangai e Hong Kong. A lição é a atenção que devemos ter para que esse interesse global no Rio de Janeiro não se transforme em um festival de arquiteturas quaisquer. É importante que nós, como geração, estejamos atentos para participar desse processo de transformações que ocorrem e ajudemos essas forças, esses agentes, nessa construção do nosso país, para que tenham um olhar mais local e mais cuidadoso em termos de tecnologia, cultura, uso de materiais. Há uma insustentabilidade desses edifícios ocidentais na China. São anacrônicos, já nascem velhos. Vejamos os problemas recentes do sistema capitalista: crise financeira, o desemprego na Europa, a gigantesca crise ambiental, dentre tantos, e a China continua com uma construção desenfreada dessas arquiteturas que representam um modelo em ruínas espetaculares. São edifícios gigantescos e insustentáveis em termos de energia, constituídos por materiais que são transportados da Europa para lá, ou mesmo por madeira brasileira levada para a Ásia. Será que as pessoas não estão aprendendo nada com a crise que está aí? Qual é a sustentação dessa produção contemporânea? Uma constatação interessante é que os andaimes, essas estruturas provisórias para a construção desses edifícios, são ainda de bambu. Esses exoesqueletos de bambu, que envolvem torres de mármore e vidro em construção, são o que há de mais singelo e local dali. Por vezes, por entre os grandes edifícios, brotam também várias casas chinesas quase como parasitas. Essas imagens são exemplares do embate entre o que é de fora e o que está resistindo, como um templo entre dois arranha-céus ou um casulo de madeira saindo pelo centésimo andar. Trouxe isso comigo como alerta para o que acontecerá aqui nos próximos anos. Neste atual momento de grande transformação urbana no Rio de Janeiro, como vocês imaginam que será a qualificação de espaços informais, como as favelas, e a conexão deles com a cidade legalizada e sua infraestrutura? Pedro Évora - Parto do princípio de que a tecnologia pode ser transformadora. Com intervenções feitas de maneira inteligente, criar soluções construtivas para o habitar muito mais condizentes com as questões próprias à atualidade. Pré-fabricação, novos materiais, mobilidade... Considero que o grande desafio é a criação de parâmetros que vão além das qualidades existentes na cidade consolidada. Ou seja, o desafio está
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Pedro Évora, você também esteve na China recentemente. Que lições trouxe do crescimento chinês para as transformações que ocorrem no Rio de Janeiro da atualidade?
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em produzir, na favela, ambientes construídos muito mais saudáveis e sustentáveis do que estamos vendo hoje na cidade como um todo. Pedro Rivera - Por meios tortos, a questão é que a favela é muito mais sustentável do que o restante da cidade atualmente. Como a Índia é muito mais sustentável do que o Canadá, porque a pobreza é muito mais sustentável – em termos ambientais – do que a riqueza. Nesta condição, se consome menos e se reaproveita mais. Porém, com a melhora da economia, um maior número de pessoas começa a consumir muito mais. Hoje, a melhora na qualidade de vida está atrelada ao aumento da capacidade de consumo e ao acesso à tecnologia, e isso traz consequências positivas e negativas. A favela entrar na cidade é a mesma coisa que a população da favela entrar no mercado: ter acesso à cidade e ter acesso à geladeira são partes de uma mesma lógica. É necessário ter cuidado em como essa transformação vai ocorrer. A cidade fica pior a cada recorde na produção e venda de automóveis. Vocês utilizaram o termo algumas vezes; logo, como vocês definem sustentabilidade? Pedro Rivera - A maneira como se vende sustentabilidade é uma falácia. Ter um edifício atestado pelo LEED que consome menos energia, com a aplicação de um material especial para construí-lo, não faz uma vírgula de diferença para o mundo. O que faz diferença para o planeta são as cidades. Buscar excelência numa vírgula é simplesmente criar um outro nicho de mercado. É muito mais eficiente planejar a cidade para que ela se espalhe menos do que fazer um prédio como esse. As questões mais prementes são urbanas. Pedro Évora - A necessidade do planejamento volta a estar no centro das questões. O LEED não é uma solução caso não haja um plano. É o pensamento em grande escala que poderá fazer com que tudo fique mais eficiente. Pedro Rivera - É óbvio que sustentabilidade é algo que devemos perseguir, ninguém discorda disso. Porém, sustentabilidade deve ser vista como uma maneira de agir com inteligência, perseguir eficiência e o bom uso dos recursos. O problema é quando sustentabilidade é vista como um selo que aprova uma parte, mas que encobre os malefícios gerados pelo todo. Uma hipótese exemplar seria um plantador de soja no Mato Grosso que utilizasse um biodiesel de soja e, por isso, suas colhedeiras seriam sustentáveis. Por esse motivo, ele ganha um selo, uma imagem de que ele é “verde”. E o selo encobrirá a devastação contínua dos ecossistemas naturais através de uma monocultura. Infelizmente, na maioria dos casos, é assim. Posso também usar alguns exemplos comuns entre os projetos de alunos de
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arquitetura. É uma moda colocar placa solar. Agora, placa solar é arquitetura? Não é! Jogar aquele negócio em cima do prédio e dizer que o projeto é sustentável por esse motivo é uma piada. Fala-se em ser sustentável e não se sabe realmente posicionar e orientar um edifício de acordo com noções simples de conforto ambiental, como insolação e fluxos de ventos, que são aspectos primordiais. Sustentável não é adjetivo. Sustentabilidade não é um fim. É uma pré-condição. Pedro Évora - Sustentabilidade não pode ser vista como ilha. É uma noção muito mais ampla. É uma ideia de cidade possível. Mesmo que se inicie com ações parciais menores, sustentabilidade lida, invariavelmente, com o conjunto numa escala coletiva maior. Ou se discute nessa escala maior, ou é besteira. Qual será o legado para a cidade do Rio de Janeiro dos grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas?
Pedro Rivera - Concordo com o Évora, considero que o maior legado é uma outra postura. Claro que desejamos que as transformações urbanas sejam as melhores, as mais inteligentes, resolvendo problemas urbanos nas áreas de transporte, habitação, entre outras. Porém, sabemos que isso tem uma perspectiva muito limitada, visto que as Olimpíadas no Rio nasceram de um projeto meio atravessado. Dentro de nossos sonhos e nossas expectativas, serão possíveis algumas coisas, mas outras não. O principal é a maneira como a cidade se enxerga. Até pouco tempo atrás, o Rio de Janeiro estava em um processo de afundamento, num grande pessimismo e falta de perspectiva, com as pessoas deixando a cidade. Houve uma inversão. Hoje, existe otimismo. Há uma crença em que as coisas possam se transformar, o que por si só incentiva as pessoas a se mexerem. Esse momento de virada em que vivemos não pode terminar com as Olimpíadas.
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Pedro Évora - O que será construído nós não sabemos bem. Nem como será construído. Os arquitetos torcem, participam de concurso, militam, escrevem em jornal, ou seja, estamos mais presentes. Portanto, acho que o maior legado é geracional. Os alunos estão aqui debatendo a questão e nós, como profissionais jovens, estamos atuando. Quando este período passar, isso fica como uma energia que acumulamos, como uma capacidade de resposta aos nossos problemas, às nossas questões. E, assim, a arquitetura volta à cena. O maior legado para a cidade é que a arquitetura da cidade ganhe importância perante toda a população. A cidade em si, que estava muito esquecida nas últimas décadas, volta ao centro do debate.
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Pedro Évora - O legado não é composto somente pelos estádios como Cubo d’Água ou o Ninho de Pássaro, de Pequim. O legado não está nos objetos construídos. Pedro Rivera - Também não é o metrô ou o BRT. O legado principal é esse espaço subjetivo. O que é arquitetura? Pedro Évora - Arquitetura é o bom abrigo. Para isso, é preciso atender a todas essas questões que estamos conversando, a complexidade que há por trás do debate da cidade, num sentido de permanecermos vivos como grupo. Pedro Rivera - Assim como a arquitetura não é uma ciência exata, não existe uma resposta exata. O que me interessa na arquitetura e a define é como o homem organiza o espaço – estabelecendo limites, grupos, afastamentos, junções – para que ele possa se complexificar enquanto sociedade.
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Casa do Jongo, Rio de Janeiro
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1500 Gallery Rio, Rio de Janeiro
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ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da Arquitetura. MOTTA, Flávio. Textos informes. PEDROSA, Mario. Dos murais de Portinari aos espaços públicos de Brasilia. 4 SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. 5 AB’SABER, Azis. Geomorfologia do sitio urbano de São Paulo. 6 BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o Arquiteto. 7 ARGAN, Giulio Carlo. Historia da Arte como história da cidade. 8 BORGES, Jorge Luis. Esse Oficio do Verso. 9 CALVINO, Italo. Seis propostas para o Milenio. 10 WILDE, Oscar. Intenções: quatro ensaios sobre estética.
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“Projetar é uma forma própria de transcrever os diálogos em desenhos”. Esta definição foi feita na entrevista concedida por Angelo Bucci e João Paulo Meirelles de Faria, do escritório SPBR. A conversa contém o relato da trajetória de um importante arquiteto brasileiro da atualidade através de seus projetos. A entrevista é também composta por interessantes análises sobre o Concurso de Sevilha, quase vinte anos após o episódio, o ato de projetar em parceria e o atual contexto da arquitetura produzida na cidade de São Paulo.
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Como foi sua trajetória até a formação do escritório SPBR? Angelo Bucci – Isso está sempre muito relacionado ao contexto, a algumas decisões; resulta de muitas tentativas. Logo após o término da faculdade, em 1987, trabalhei no escritório Aflalo e Gasperini, e, em seguida, com Marcello Fragelli. Com o primeiro, vi o que era a produção num excelente escritório de grande porte em São Paulo e, com o segundo, pude trabalhar muito próximo a um grande arquiteto já muito experiente. Em 1989, eu ainda trabalhava com Fragelli, quando, com Alvaro Puntoni e Álvaro Razuk, montamos um primeiro escritório cujo nome era um manifesto naquele período: Arquitetura Paulista. Aquele passo foi fruto, principalmente, do entusiasmo contagiante do Alvaro Puntoni. Resistimos até 1992. Aqueles três anos podem parecer pouco tempo, mas foram uma conquista importante para todos nós que havíamos iniciado um escritório sem perspectivas objetivas de trabalho. Um projeto importante para nós naquele período foi, sem dúvida, o Concurso para o Pavilhão do Brasil em Sevilha. Paralelamente, começamos, em 1990 ou 1991, a dar aulas de projeto na Faculdade de Arquitetura de Taubaté. E, desde então, venho dividindo minha atividade entre escritório e universidade. Cerca de seis meses após o fim daquele escritório, o Puntoni me convidou para fazer um pequeno projeto com ele: a Pousada no Juquehy, em São Sebastião, São Paulo. Para isso, alugamos uma pequena sala de 27m2 no Conjunto Nacional. Em seguida, o Alvaro foi colaborar em alguns projetos com o Ciro Pirondi. Eu ainda mantive a sala no Conjunto Nacional enquanto colaborava com Eduardo de Almeida no Projeto do Novo Teatro de Ópera, em São Paulo. Quando terminou o trabalho com o Eduardo, em 1994, voltei para aquela sala no Conjunto Nacional e fiz, ainda ali, um projeto de que gosto bastante: a Clínica de Psicologia, em Orlândia. Gosto talvez porque ele sintetize a experiência que havia tido desde os primeiros trabalhos em Orlândia. Foi uma experiência com pequenos projetos, construídos à distância, sem que eu pudesse visitar a obra com frequência. Trabalhar nessas condições me ensinou a enfrentar de modo estratégico a condição de projetar distante da obra. Empacotávamos os desenhos em São Paulo e despachávamos pelo correio a um jovem mestre de obras, o Paulo Balugoli, que os recebia por lá. Assim, fui verificando o que dava e o que não dava resultado; ou seja, media quando um projeto estava ou não conforme as condições de execução da obra. Via que, às vezes, a despeito de gastar semanas desenhando cuidadosamente certos detalhes, isso não garantia resultado. Outras vezes, arriscava soluções que me pareciam de difícil execução e elas eram perfeitamente executadas. Essas precedências me ensinaram a procurar fazer um projeto concentrando atenção naquilo que sabia, porque já havia aferido dar bom resultado. É interessante como
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essa condição da distância acabou por me aproximar, de outro modo, da obra; ou seja, ensinou-me a considerá-la com muita atenção. Talvez eu goste desse projeto do consultório de psicanálise porque ele sintetiza, num momento muito solitário da minha atividade, essa vivência. Essa obra se fez com pouquíssimas ações: [1] estrutura de concreto, que eu sabia não ter erro; [2] duas paredes de pedra; [3] vidros temperados como painéis, suprimindo completamente a caixilharia; [4] painéis de madeira da fachada feitos em pinus reflorestado e autoclavado. Essas peças chegavam à obra na bitola padrão de fabricação e, assim nesse mesmo padrão, eram instaladas; e [5] piso em granilite aplicado diretamente, sem contrapiso, sobre a laje. Foram apenas cinco empreitadas e a obra estava pronta, com uma ótima proporção de acertos e um controle bem-sucedido de um orçamento exíguo. Em 1996, o Milton Braga me convidou para colaborar em alguns projetos do escritório que ele mantinha com o Fernando de Mello Franco e a Marta Moreira, o Via Arquitetura. Logo acabamos nos associando e fundamos o MMBB, onde fiquei até 2002. Foi um período muito importante na consolidação da minha formação. Fiz ali a casa em Ribeirão Preto, o Consultório de Odontologia em Orlândia e a casa em Aldeia da Serra. Além disso, com o MMBB, entre 1996 e 2002, tive o grande privilégio de colaborar com o Paulo Mendes da Rocha em diversos projetos. Creio que a experiência com o MMBB, como colaborador no desenvolvimento dos projetos, marca mudanças importantes na forma de produção e demonstra uma notável capacidade do Paulo Mendes da Rocha em perceber as possibilidades geradas por essas mudanças e saber operar dentro delas. Uma delas é o uso do computador como ferramenta para desenvolvimento do projeto. Outra é a dinâmica de coordenação de uma equipe externa. O domínio dele nessa dinâmica culminaria, como um segundo estágio, na sua extensão a um conjunto de equipes externas, cujo exemplo mais marcante é o projeto para a candidatura de São Paulo à sede dos Jogos Olímpicos de 2012, quando ele coordenou diversos núcleos de produção numa equipe que, somada, contava com cerca de cinquenta arquitetos agrupados em diferentes escritórios: MMBB (já após o meu desligamento), UNA, Metro, Escritório Paulistano de Arquitetura – do Eduardo Colonelli e do Silvio Oksman –, o Piratininga, entre outros. É incrível a demonstração que ele faz, nesse projeto, dessa capacidade de coordenar diversos escritórios sem prejuízo da unidade e da personalidade marcante no resultado do projeto. Merece nota a sua sensibilidade em perceber a potência de agrupamento dessa estrutura produtiva dispersa em pequenos escritórios, que é a estrutura afeita ao nosso contexto profissional paulistano. O ano de 2002 foi de pouco trabalho para o MMBB. Era difícil manter o time todo e conversávamos sobre isso. Então, propus afastar-me por seis meses a fim de me dedicar ao doutorado. Passado aquele período, quando voltei, a situação
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ainda era a mesma e concluímos que era o caso de reduzir a equipe e eu me desliguei definitivamente. No início de 2003, meu irmão Eugênio Bucci, jornalista, queria montar um escritório para ele e me convidou para dividirmos o espaço. Então, encontrei abrigo aqui nesta sala onde estamos conversando. Exatamente quando nos mudamos para cá, o Eugênio foi nomeado presidente da Radiobrás e transferiu-se para Brasília por um período de quatro anos. Então, chamei o Alvaro Puntoni, que na época mantinha uma empresa com o Geraldo Vespaziano Puntoni, seu pai, para dividirem esse espaço comigo. Logo em seguida, fundei o SPBR, mais uma vez com o apoio do Alvaro, que foi meu associado por um período, mas sempre mantendo os nossos dois escritórios. Ficamos juntos aqui apenas durante o ano de 2003. Nesse curto período, fizemos dois projetos marcantes para mim: a Casa em Carapicuíba e a Escola Ataliba Leonel. A partir de 2005, comecei a dar aulas fora do Brasil e, desde então, com certa regularidade. Mas sempre cuidei para não me afastar da Universidade de São Paulo e, menos ainda, do meu escritório. Desde 2003, o SPBR passou por algumas formações distintas, mas mantém certa regularidade de trabalhos. A trajetória sobre a qual me perguntam é feita dessas escolhas, mas, também, pelas circunstâncias e possibilidades. Os escritórios que tivemos abriram por determinação ou oportunidade e fechavam por absoluta falta de trabalho e alternativa. Mas, mesmo assim, passando por diversas estruturas e formações, há uma unidade na trajetória que é amarrada pela sequência daquilo que se produz. Você poderia comentar sobre o concurso do Pavilhão de Sevilha e toda a repercussão em torno da escolha do seu projeto? Angelo Bucci – O Concurso para o Pavilhão do Brasil em Sevilha aconteceu em 1991. O projeto que apresentamos era o projeto de uma equipe, composta por mim, Alvaro Puntoni e José Osvaldo Vilela. Talvez eu possa iniciar o comentário mencionando que estudei na FAU-USP num tempo de coisas desfeitas. Eu poderia dizer, com certa dramaticidade, que ingressar na escola naquele período era como entrar nos escombros, como num cenário pós-guerra. A minha geração não tinha uma plataforma por onde começar. Isso se deu porque o período que nos antecedeu foi duro e, no plano cultural, produziu um vazio que desvinculou minha geração das anteriores. Então, pelas piores razões, minha geração se viu numa condição eminentemente moderna: a nossa precedência, ou seja, as nossas referências em arquitetura eram uma questão de escolha. Creio que fazíamos essas escolhas com grande sentido prático, talvez de modo mais racional do que apaixonado. Nós nos apegávamos às referências que comprovavam seu valor durante a prática de projetos. Claro, encontrávamos também respostas na obra de arquitetos
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que nos precederam e que ganharam reconhecimento profissional debruçados sobre o mesmo ambiente em que nós nos debruçávamos, ou seja, os arquitetos modernos de São Paulo. Digo isso e penso que a ideia de uma escola é uma coisa maravilhosa: juntar um grupo de pessoas com interesses compartilhados, um grupo que vai descobrindo suas razões e vai construindo, juntos, sua própria plataforma de lançamento. O Concurso de Sevilha aconteceu naquele período, que era também um momento difícil para a crítica brasileira. Internamente, eram poucas as publicações, nulas as exposições, inexistentes os concursos públicos de arquitetura. Além disso, eram mais de duas décadas de grande isolamento externo, pois naqueles anos o Brasil deixou de fazer parte dos círculos de diálogo internacional. Nesse cenário difícil, parecia haver um consenso de que o que se consagrara chamar arquitetura moderna brasileira estivesse superado. Na realidade, não era um consenso crítico, era mais uma aparência ditada pelas novidades da produção internacional, a qual também seria logo depois cuidadosamente revista. A questão é que o projeto que apresentamos foi imediatamente tomado pela crítica como um manifesto feito por um grupo de jovens arquitetos — além de mim, Alvaro Puntoni e José Oswaldo Vilela, havia cinco colaboradores: a Fernanda Barbara, hoje do UNA Arquitetos, o Clóvis Cunha, o Edgar Dente, o Vespaziano Puntoni, e o Pedro Puntoni, historiador e irmão do Alvaro — e isso, aos olhos da crítica, parecia inaceitável. De fato, a crítica acertava no sentido de que o projeto era, de fato, emblemático, pois exaltava com nitidez os valores em que se apoiava e definia com clareza seu ponto de partida. Também era acertada a posição da crítica no reconhecimento das precedências que elegíamos. Mas creio que ela não acertava muito mais do que isso. Depois, com o tempo, ela provou um amadurecimento marcante. Mais que isso, creio que houve um amadurecimento importante do contexto em que trabalhamos, com a retomada dos nossos canais de diálogo internos e externos: os concursos, as publicações, as premiações. Nada disso foi mérito daquele projeto. Mas ele, por contingências, assinalou o início desse importante processo de amadurecimento e de reconstrução de uma plataforma para as nossas ações futuras. Há um dado notável nesse episódio de Sevilha, que é a participação do Paulo Mendes da Rocha no corpo de jurados do concurso, que teve muito peso na decisão final. Refiro-me ao evento e não ao projeto; o júri desenhou mais do que os arquitetos. Tanto que, depois, viria uma sucessão de eventos que se desenvolveriam em torno da figura de Paulo Mendes da Rocha: o MUBE, logo a seguir, seria inaugurado, marcando um processo renovado de reconhecimento internacional da obra do Paulo Mendes da Rocha; o artigo da Sophia da Silva Telles foi chave para a revisão da crítica no Brasil e também teve boa repercussão internacional; o livro Paulo Mendes da Rocha, escrito por Josep Maria Montaner e publicado na Espanha; o prêmio Mies van der Rohe, em 2000, e finalmente o Pritzker, em 2006.
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Seu primeiro escritório se chamou Arquitetura Paulista. Em algumas publicações, Escola Paulista é um nome que tem rotulado um grupo de arquitetos de São Paulo. Você se considera pertencente à Escola Paulista de arquitetura? Angelo Bucci – Comecei a compreender melhor a obra do Artigas pelos seus textos. O que ele escreveu me marcou antes que os próprios edifícios e transformaram a compreensão que eu tinha dos edifícios dele. Precisei conhecer algumas coisas e me formar um pouco para compreender melhor a obra de Vilanova Artigas. Então, se vocês me perguntam se me sinto pertencente a uma arquitetura que possa ser representada pela obra dele, eu responderia que sinto que devo muito a ele e a muita gente que veio antes de mim. Devo muito aos professores que tive, às gerações precedentes, pois recebi deles um arsenal teórico e prático para começar. No entanto, a classificação “Escola Paulista” me parece extremamente limitadora. Não concordo, porque não creio que isso ajude em algo. Ao contrário, confunde. Desde a década de 1990, o mundo tem olhado com mais atenção para a produção de arquitetura feita no Brasil como se tivesse encontrado aqui um tesouro, como se nós tivéssemos passado imunes aos episódios que colocaram em cheque alguns preceitos da arquitetura moderna no resto do mundo. É como se olhassem para a produção brasileira do mesmo modo que olhamos para uma construção histórica surpreendentemente preservada. É como se descobrissem aqui um território protegido, onde os ideais da arquitetura moderna tivessem atravessado incólumes as crises todas e como se não tivéssemos vivido o que vivemos, como se o país não tivesse sofrido o que sofreu. Esse olhar externo é, sem dúvida, um olhar atento. Mas, ao mesmo tempo, ele tende a não ver a espessura dos fatos; ele não é capaz de reconhecer a que custo se produziu, aqui, um território cultural não precisamente preservado, mas, em boa medida, desmantelado e isolado. Digo isso, lembrando que minha geração é, também, o produto de um projeto de destruição cultural empreendido no país. Essa percepção de que a arquitetura brasileira preserva aqueles mesmos ideais modernos dos anos cinquenta não é precisa nem correta. É fato que os ideais modernos ganharam um lugar especial no imaginário arquitetônico brasileiro e vicejaram aqui, mesmo após um hiato de duas décadas, de modo próprio e notável. Hoje estamos num momento crucial, pois a possibilidade de diálogo que se abre vai permitir colocar à prova, num contexto abrangente, os preceitos de validade do que foi amadurecido entre nós com um componente de isolamento que nos foi imposto. Não concordo com o termo “Escola Paulista”, porque é uma classificação imprecisa, que tende a igualar nessa classificação, junto da melhor produção arquitetônica de um período específico, obras de arquitetura desprovidas de qualidade, obras que carecem de justificativa, de envolvimento com a atividade e inclusive de engajamento político. Assim confunde. Por outro lado, essa classificação exclui sem
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nenhuma razão grande parte da produção arquitetônica de São Paulo que deveria ser considerada, não fosse por um critério de classificação superficial. Talvez, justamente porque eu preze tanto os dois maiores nomes que, consensualmente, representariam essa “escola” e que, ao mesmo tempo, brilham acima de qualquer rótulo — refiro-me naturalmente a Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha — é que eu a recuso como classificação. Minha geração veio depois de um hiato. Foi uma geração sem nenhum sinal heroico, tampouco com contas a prestar com o que nos precedeu. A minha geração pôde, inclusive, pela lacuna que encontrou, eleger suas precedências; quero dizer, teceu seus vínculos com uma liberdade que faltou à geração anterior. De certo modo, mais livre e mais árduo.
Angelo Bucci – Somente eu e João Paulo temos estado no SPBR nesses últimos tempos. Tem sido um conjunto pequeno. Mas é a mesma prática. Nem sempre há muito trabalho e, mesmo assim, o tempo é restrito, pois tento me dedicar o máximo possível ao que tenho para fazer. Nem sempre é possível trabalhar em equipes grandes. O mais importante é que o arranjo seja produtivo e que, durante o processo, tenhamos interlocução em diversos níveis. Em São Paulo, o contexto e a versatilidade dos arquitetos moldaram uma estrutura produtiva própria: pequenos escritórios que se associam entre si de diversas maneiras, conforme as demandas e conforme as circunstâncias. Então, se você compara, sobretudo com outros países, existe uma agilidade nessa estrutura produtiva por aqui que impressiona. Mais uma vez lembro o caso do projeto para São Paulo sede das Olimpíadas, feito por Paulo Mendes da Rocha liderando uma equipe de cerca de cinquenta arquitetos, todos estabelecidos em escritórios próprios, todos muito bemsucedidos e todos ocupadíssimos. O fato demonstra um acordo entre todos ali num empenho e disposição notáveis. Voltando à questão sobre projetar em conjunto, eu poderia definir o ato de projetar como a forma peculiar de se transcrever os diálogos. Ou seja, desenhamos um projeto na medida em que somos capazes de transcrever os diálogos sobre as nossas expectativas e planos de realização de uma obra de construção. Tanto é assim que, quando chegamos ao final de um trabalho, somos capazes de “ler” todas as conversas na configuração final dos desenhos; somos capazes de descrever cada diálogo que conduziu àquele resultado. Portanto, projetar é uma forma própria de transcrever os diálogos em desenhos, mas, claro, é, sobretudo, a capacidade de dialogar adequadamente com essa finalidade. Se formos capazes de ouvir e de considerar, estaremos multiplicando
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Visto que você já trabalhou com Alvaro Puntoni, com MMBB, e agora no SPBR, qual é a importância do ato de projetar em conjunto?
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as abordagens sobre o objeto, enriquecendo o seu elenco de escolhas. Imagine que você tenha terminado um projeto e alguém faça um comentário sobre ele. Então, você diz: “puxa, nunca tinha pensado nisso”. Isso pode acontecer, nem sempre é mau. Mas o melhor é não deixar escapar nenhuma abordagem possível durante o processo. É desejável que você já tivesse considerado também aquela possibilidade, embora as circunstâncias o tenham feito eleger outra. Estamos aptos ao diálogo quando não cristalizamos um conjunto de saberes, quando não fechamos uma posição antecipadamente. Como funciona o método de trabalho aqui no SPBR? Angelo Bucci – O SPBR é um escritório que, além de mim, conta com outros três arquitetos associados: João Paulo Meirelles de Faria, que está aqui há três anos e agora vai fazer o seu mestrado em Harvard; a Juliana Braga, que acaba de terminar o seu mestrado na FAU-USP; e o Ciro Miguel, que conclui um mestrado na Columbia há um ano. Tenho tentado fazer com que o contrato social do SPBR reflita as formações que temos ao longo do tempo. Essa composição foi formalizada após termos vencido o concurso para a Midiateca PUC-Rio. Creio que esta estrutura formal é adequada e nos dá liberdade, pois a participação de cada um é acordada em cada projeto. Então, o escritório é uma estrutura que nos une e, ao mesmo tempo, permite a cada um, individualmente, conduzir seus planos de estudos, por exemplo, sem cobrar renúncias desnecessárias. Esse arranjo também tem a vantagem de ir tomando forma ao longo do tempo, apoiado na nossa própria prática. João Paulo, como foi esse encontro com o Angelo Bucci? João Paulo Meirelles de Faria – Eu me formei em 2002, na FAU-USP, com um Trabalho Final de Graduação orientado pelo Angelo. Depois de formado, trabalhei por três anos em outro escritório aqui de São Paulo, o André Vainer e Guilherme Paolielo. Posteriormente, enquanto pensava em estudar em Mendrisio. Em 2006, por coincidência, encontrei o Angelo, que estava participando de um concurso para a ponte de Olten, na Suíça. Vim para o SPBR, inicialmente, para colaborar naquele projeto. Sobre o projeto da Midiateca da PUC-Rio, o que significa projetar uma midiateca hoje em dia, considerando a maneira como os arquitetos internacionais – Toyo Ito e Rem Koolhaas especificamente – lidam com esse programa?
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Angelo Bucci – Apesar dos bons exemplos citados nesta nomenclatura tão recente, não há evidentemente uma cultura arquitetônica de midiatecas que se compare com a cultura relativa ao programa biblioteca. No caso da PUC, o edifício projetado surgirá para substituir as instalações da atual Biblioteca Central da PUC-Rio, recebendo todo o acervo existente atual e incorporando novos meios de acesso à informação. Já na ocasião do concurso, havia uma demanda de oitocentos terminais de computadores. Foi esse incremento de recurso que levou a considerar a modificação do nome de “Nova Biblioteca” — como era chamada na época do concurso — para Midiateca. Programas arquitetônicos de espaços de uso público, como este equipamento cultural, são sempre muito interessantes como temas de projeto. Vocês mencionam os projetos de Rem Koolhaas e Toyo Ito. Claro que sim, quero dizer, você deve olhar, na medida do possível, o que se produziu e o que se produz em arquitetura, especialmente aqueles que compartilham o mesmo programa em que se trabalha, pois os programas em arquitetura têm um amadurecimento histórico que molda cada uma dessas instituições — biblioteca, escola, teatro e assim por diante — com maior ou menor clareza. Biblioteca, no caso, é a instituição. O nome midiateca não significa uma oposição à instituição biblioteca. Para demonstrar a importância desse olhar, vale lembrar que a própria PUC-Rio, durante a preparação das bases do concurso, nomeou uma comissão técnica para visitar, em outros países, bibliotecas que julgava exemplares. Ou seja, a promotora do concurso se ocupou em construir uma precedência que informasse o seu desejo e preocupou-se em apresentar isso de modo organizado como referência, ou bases, para os participantes do concurso. Mas as precedências precisam ser tomadas com extremo juízo técnico, para que elas não pesem artificialmente sobre os nossos anseios. Isto é, há que cuidar para que o projeto em que se trabalha não se apoie sobre imagens que não lhe pertencem, sobre sentidos que não lhe dizem respeito. Algumas precedências, como os dois casos que vocês lembram, são excelentes projetos que, no entanto, sofrem em decorrência de uma superexposição na mídia. Esse fato tende a encobrir-lhes a essência. Mas, claro, olhamos também esses projetos. No entanto, talvez todas as referências enriquecem o nosso arsenal sem ser necessariamente a essência nem o foco das nossas ações. Talvez a essência esteja na razão e sentido para fazer uma coisa. Talvez o foco, no caso, seja em grande medida o lugar informado pelo contexto. Afinal, examinávamos repetidamente, através de desenhos e conversas — desenhos como nossa forma de transcrever essas conversas —, o lugar informado pela topografia, sondagem, fotos, programa, arborização existente, entorno e as distintas escalas da Vila dos Diretórios e do Edifício Amizade. Fazíamos isso para ampliar ao máximo as nossas possibilidades para, assim, sermos capazes de fazer escolhas mais ricas ou mais informadas. Isso nos obriga a analisar, inclusive, os desdobramentos das nossas escolhas, pois sabemos que
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a inserção daquele prédio no campus da universidade, ainda que não toque em nada, transformará tudo o que existe ali. Afinal, arquitetura está sempre em relação. No limite, pode-se dizer, o todo é outro se você acrescenta um novo elemento; o mundo é diferente com um novo edifício nele. Pode-se dizer que tudo parece ser assim. Uma biblioteca também é outra quando você coloca nela um livro que não havia antes. É verdade, mas com arquitetura é diferente, porque ela é, em boa medida, justamente a consideração sobre esse fato. É curioso, mas depois de feito, já está. Embora o edifício ainda não esteja construído, ele é um dado real para todos nós. Já não há a PUC sem a Midiateca. Digo isso talvez para justificar o fato de que considerar algo sobre um projeto já configurado não é a mesma coisa que considerar antes de desenhá-lo, pois já não estamos no campo das possibilidades e, sim, do concreto. Já não se trata de criar um critério pertinente de escolhas num campo rico de possibilidades, mas ao contrário, pois agora é um depois onde o que interessa é procurar verificar se aqueles critérios ainda mantêm as necessárias prerrogativas de validade. Creio que é isso que se faz quando se descreve recorrentemente um projeto já configurado. Assim, o que posso fazer agora é simplesmente descrevê-lo para vocês uma vez mais. O que chamamos embasamento destina-se ao acervo e às funções administrativas; é o que não oferece livre acesso ao público. Esse embasamento foi feito na cota dos estacionamentos, considerando a facilidade do acesso de carga e de livros novos. Ele é circundado pelas atividades de trabalho da midiateca, com uma rotina de escritório com horário de serviço muito regulado, como segunda a sexta, das oito da manhã às seis da tarde. Essas atividades são muito diferentes daquelas ligadas ao público, que estão dispostas no que chamamos edifício, logo acima do embasamento. Essa separação por níveis entre embasamento e edifício oferece vantagens. Enquanto o primeiro se vincula diretamente à circulação de veículos, o último se faz na continuidade de nível do pilotis do Edifício Amizade. Além disso, quando alguém vai à midiateca em um sábado, por exemplo, o fato de a administração estar fechada não altera a animação que o edifício requer, ou seja, a administração fecha sem deprimir o edifício. As razões para certas decisões de projeto às vezes são somadas de modo a conferir mais de uma qualidade ao mesmo item do programa, por exemplo: quando circundamos o acervo com as áreas administrativas, os escritórios funcionam também como um amortizador da temperatura externa na área de coleção de livros onde o seu controle exige maior rigor, com monitoramento ininterrupto dos níveis de umidade e temperatura. Durante o período de trabalho, que coincide com os horários mais quentes do dia, os escritórios também estão com o equipamento de ar-condicionado funcionando. Assim, o controle das condições climáticas na área do acervo fica muito aliviado. O embasamento, destinado ao acervo e administração, tem uma escala que se aproxima da Vila dos Diretórios; já o edifício público e principal da midiateca tem
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uma escala próxima ao Edifício Amizade. Assim, o projeto desfruta desse térreo duplo: o pilotis como um espaço de muita concentração de pessoas e a Vila dos Diretórios, o lugar dos estudantes. O eixo longitudinal norte-sul, que corresponde ao lugar de implantação do projeto, separa duas áreas bastante distintas do campus: uma a oeste desse eixo, pertence à instituição; a outra, a leste, é uma área que se somou à PUC há relativamente pouco tempo. A primeira é um bosque importante e a outra é um estacionamento a céu aberto. O projeto de Fernando Chacel é muito sensível a isso e encaminha para o tratamento paisagístico do conjunto de modo a integrar essas duas áreas cindidas. No momento em que se entra no projeto, começa-se a ressaltar o que, para nós, tem um valor especial. Digo “nós” referindo-me ao nosso contexto cultural brasileiro. Com a colaboração do Chacel, projetamos a superfície da laje no nível do pilotis para que tenha uma qualidade paisagística notável, embora seja tão pequena dentro da extensão do campus, fazendo ali um jardim no espelho d’água. Vale notar que, durante o processo de desenvolvimento do projeto, ainda na ocasião do concurso, desenhamos paralelamente duas versões desse mesmo projeto: uma em concreto armado e outra em aço. Sempre com o apoio do engenheiro de estruturas, Jorge Zaven Kurkdjian, desenvolvemos até o limite do tempo de que dispúnhamos as duas possibilidades e somente quando tínhamos a maior quantidade de informação possível sobre cada uma delas, tomamos a decisão. Optamos pela alternativa em aço. A escolha foi motivada por razões somadas: o custo; a segurança do processo construtivo e a qualidade técnica da obra; o peso e o consequente impacto nas fundações; o fato de que o aço nos permitia trabalhar a fachada em diversas camadas, e isso, por sua vez, possibilitava utilizar o modelo no computador para simular o desempenho térmico do edifício e, com ele, graduar a performance do prédio, acrescentando mais ou menos material isolante na parede interna. Voltando ao começo da pergunta, com a citação ao Toyo Ito e ao Rem Koolhaas, a nossa midiateca também vai, como faz qualquer projeto, produzir suas imagens, mas aquilo que ela imprime como característica não é produto da vontade de parecer alguma coisa outra, mas sim produto de considerações muito específicas no caso. Caracterizações como “o tema do edifício único e compacto”, “programa concentrado num volume denso” ou “caixa paulista qualificada” são recorrentes na leitura sobre a arquitetura produzida em São Paulo. Podemos afirmar que a Midiateca da PUC utiliza esses partidos? Seriam eles aprendizados vindos do edifício da FAU, do Artigas? Angelo Bucci – No caso da Midiateca da PUC, qual é o volume único: o de cima ou o de baixo? O volume de baixo não é tão reconhecido como arquitetura; não
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parece muito um edifício, mais se assemelha a uma pedra. No entanto, é arquitetura. O volume de cima é único, mas podemos atravessá-lo de todo jeito. Considerações como “é a caixa grande que faz a biblioteca” são sempre reduções. Nos projetos que temos feito, não buscamos a concisão formal, mas a síntese. Síntese de quê? Ora, das considerações feitas durante o processo de desenho, ou seja, sobre como você organiza as atividades naquele edifício ou as atividades capazes de produzir aquele edifício. Eu trocaria as palavras: ao invés de “concisão em um único volume”, utilizaria o termo “síntese”. João Paulo Meirelles de Faria – O escritor Italo Calvino, em uma das suas “Lições Americanas”, usa o termo “icástico”, que significa algo facilmente reconhecível, memorável. Em uma entrevista do Angelo sobre o Niemeyer, por ocasião do aniversário de cem anos, ele comenta como qualquer criança numa escola primária saberia esboçar algum edifício dele. São projetos que você conhece e depois se lembra muito facilmente de uma imagem, que é como uma síntese. Nos projetos, mais que uma caixa fechada ou um volume denso, essa imagem gera uma lembrança, tem poder de ícone, e isso é mais do que uma questão puramente formal. Angelo Bucci – O problema é que a síntese não tem uma forma. A configuração formal pode ser qualquer uma, mas você deve ser capaz de dizer com clareza o que você considerou. O interessante da forma é o fato de ela ser a estrutura pela qual você organiza o que está pensando. Esta organização demanda certo processo: com uma primeira configuração, sempre formal, e, de acordo com o prosseguimento da conversa, outras configurações vão sendo feitas. Não há nenhuma casualidade, porque o raciocínio acontece de modo encadeado, como a fala. Logo, considero um risco crer que o que nos caracteriza é a concisão de um volume, pois o raciocínio fica restrito a uma forma desejada para o final. Isso seria exatamente o que é chamado de formalismo, ou seja, quando a forma vira tirana do seu pensamento, e você passa a ser comandado por alguma intenção, antes de iniciar o processo. É esse o problema dessas imagens que colonizam o nosso imaginário. O projetista vê algo que considera muito bom e, sem entender bem o porquê, virá refém daquilo. Desta maneira, não se pode construir um processo de trabalho com autonomia. Por que o nome SPBR? Angelo Bucci – SP de São Paulo, BR de Brasil. Mas há muitas considerações. Sobretudo, quis evitar pôr o nome de uma pessoa num escritório, pois considero esse espaço como um lugar onde posso me associar com outras pessoas. Gostaria que o
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escritório tivesse um nome neutro. O nome do autor fica para as responsabilidades, as coisas assinadas, os trabalhos acadêmicos, os artigos. Não precisa fazer sombra a todo um conjunto de atividades que um escritório de arquitetura abriga. Também, não acho bom o uso de um nome próprio para isso – com nome, sobrenome –, pois tende a rebaixar um nome a uma grife. Há também o site, para o qual a sigla parece que funciona bem, facilita: www.spbr.arq.br. SPBR é o lugar, diz onde estou ou de onde venho. SPBR diz o endereço. É o mesmo modo como nomeamos os projetos pela sua localização, pois assim orienta e não expõe ninguém, não rebaixa um nome.
Angelo Bucci – Arquitetura é a minha atividade. Isso é verdadeiro, mas é insuficiente como resposta. Uma possível resposta mais grandiosa seria dizer que arquitetura é onde as atividades humanas encontram abrigo ou, dito de outro modo, arquitetura é a configuração física e palpável das nossas instituições. Às vezes, gosto de pensar numa definição que despe a atividade de qualquer glamour; pensando que a palavra arquitetura é composta de duas outras palavras: “arqui”, que significa principal, e “tektum”, que significa construção ou obra. Então, posso dizer, que arquiteto é sinônimo de mestre de obras. O professor Renato Rizzi, da Faculdade de Arquitetura de Veneza, afirma que a palavra arquitetura tem sua origem na composição de dois termos que convocam dois campos de conhecimento completamente diferentes. A palavra arkhé diz respeito à filosofia, ao campo do conhecimento que classificamos de humanidades. O termo tékton carrega a ideia de construção, de tudo aquilo que pertence ao campo das técnicas, do saber científico. É a partir do encontro desses dois campos do saber numa atividade chamada projeto que se constrói a palavra arquitetura. Acontece, ainda, segundo Rizzi, que vivemos em um mundo técnico-científico e todo o saber contido na palavra arkhé tende a ser descartado. Ora, as escolas, por sua vez, tendem a reduzir o ensino ao campo técnico contido na palavra tékton. Evidentemente, a arquitetura não resiste a essa cisão e deixa de existir com integridade. Se excluirmos o campo contido na palavra arkhé, a nossa atividade perde completamente sua sustentação. A técnica sem um conjunto de princípios que a conduza serve somente para acabar com a gente. É como um recurso imenso sem juízo nenhum. É uma redução inaceitável. Afinal, se arkhé sem tékton seria pura angústia, tékton sem arkhé é uma séria ameaça ao futuro da humanidade.
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O que é arquitetura?
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Midiateca da PUC-Rio, Rio de Janeiro
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Clínica de Psicologia, São Paulo
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KOOLHAAS, Rem; Mau, Bruce. S,M,L,XL. TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction . BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal. ALEXANDER, Christopher. Análise da Síntese da Forma. STICH, Sidra. Yves Klein. COLONNA, Francesco. Hypnerotomachia Poliphili. ZEVI, Bruno. História da Arquitetura Moderna. Fundació Antoni Tàpies. Lygia Clark. MORRIS, Robert. Continuous Project Altered Daily. KOOLHAAS, Rem. Delirious New York.
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Um escritório cujo nome tem origem em uma importante questão comum às cidades brasileiras: Vazio S/A. Realizada em Belo Horizonte, a entrevista com Carlos Teixeira apresenta um arquiteto muito consciente e interessado nos problemas internos e externos a operatividade do cotidiano de um escritório de arquitetura. Conciliando prática e teoria, o responsável pelo Vazio S/A relata um estudo e um trabalho textual notáveis sobre certos aspectos dos espaços urbanos no Brasil, de maneira menos adesiva e mais crítica a correntes de pensamento comuns no meio arquitetônico nacional. A conversa apresenta um arquiteto cujos projetos e discurso não se limitam por especificidades de campos do conhecimento distintos, permitindo-se mesclar arquitetura, arte, design, paisagismo, urbanismo.
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Como foi sua trajetória desde sua formação até os projetos mais recentes do escritório? Carlos Teixeira - A minha formação profissional se iniciou na Escola de Arquitetura da UFMG, aqui em Belo Horizonte. Formei-me em 1992 e, dois anos após a graduação, fiz mestrado na Architectural Association, em Londres, com um trabalho relacionado a habitação social e urbanismo. O escritório foi fundado com o nome Vazio S/A, oficialmente, em 2002. Antes se chamava Casa Design Brasileiro, porque comecei desenhando móveis com minha irmã, Helena Teixeira. Em 2000, nos separamos e ela montou uma loja com esse mesmo antigo nome e passou a produzir os móveis que desenhamos numa escala quase industrial. Mais recentemente, concluímos um prédio residencial – o Montevidéu 285 – que foi projetado e incorporado aqui pelo escritório. Ou seja, em alguns trabalhos mais recentes, nós cumprimos toda a parte burocrática e financeira, acompanhando todo o processo de projeto e construção do edifício, tendo a construtora no papel de uma sócia nossa. Na verdade, não é algo muito fácil, esse processo toma tanto tempo e é tão desgastante que quase desisti nesse segundo prédio, mas é o que tem sido feito. Há trabalhos menos arquitetônicos, como textos, livros, exposições. No início de 2011, entreguei um ensaio a pedido de uma universidade americana sobre a cidade brasileira contemporânea a partir de trabalhos de artistas plásticos e do cinema brasileiro atual. Recentemente, também foi montada, em Nova York, uma exposição chamada New Practices São Paulo, com a apresentação dos nossos projetos e de outros escritórios do Brasil. Por que o uso do termo Vazio para nomear o escritório? E quais são os questionamentos mais presentes nos seus projetos? Carlos Teixeira - Nos últimos três anos, publiquei três livros que são, de certa forma, consequência do meu primeiro livro publicado Em Obras: História do Vazio em Belo Horizonte, de 1999, baseado na tese de mestrado que fiz na Inglaterra e editado pela Cosac Naify. Está fora de catálogo atualmente, mas funcionou como uma espécie de base teórica para o que fiz desde então. O livro é a história de uma cidade criada – Belo Horizonte – a partir da intenção de ser uma cidade planejada, assim substituindo Ouro Preto. Ainda é possível ver vestígios desse antigo projeto da cidade de Belo Horizonte no interior do anel formado pela avenida do Contorno que, segundo a concepção original, delinearia o limite da cidade. Todo o tecido urbano externo a essa avenida não foi feito seguindo qualquer critério de continuidade a esse planejamento original. Ou seja, o livro é sobre uma cidade muito típica dessa falta de cultura de
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planejamento urbano no Brasil. Porém, ao mesmo tempo, aborda certos ímpetos de planejamento que esporadicamente ocorrem nessas cidades. Fato que é de fácil visualização ao se observar o mapa urbano. Discorre-se também sobre a importância da não arquitetura e dos espaços vazios no planejamento urbano, mostrando como a própria cidade de Belo Horizonte, por falta de visão do poder público, teve prefeitos que patrocinaram a ocupação desses vazios urbanos. Por isso, é difícil perceber a capital mineira como uma cidade planejada, como era possível até as décadas de 50 e 60.
Carlos Teixeira - É complicado afirmar com certeza que a população chegará a um nível estável, mas penso que, no Brasil, isso ainda vai demorar algumas décadas. Criando hipóteses, talvez mesmo com o decrescimento da população total, as cidades podem continuar a se expandir devido a um aumento da concentração de pessoas nos centros urbanos. O ponto é que Belo Horizonte, por exemplo, é um município cuja população parou de crescer recentemente, porém o tecido urbano continua a se espraiar. Isso é motivado pelo crescimento, em ritmo ainda considerável, dos bairros periféricos mais pobres e pela procura das pessoas por esses condomínios – semelhantes a pequenas cidades horizontais – de classe média fora das zonas centrais das cidades. Ou seja, as áreas metropolitanas brasileiras têm crescido muito mais em termos periféricos do que pelo adensamento do centro do município principal delas. O livro Em Obras: História do Vazio em Belo Horizonte tem uma ideia geral de aceitação da cidade tal qual ela é, com essa falta de planejamento e com essa certa feiura das descuidadas cidades brasileiras ou, de maneira geral, “terceiro mundistas”. Não é um estudo baseado em comparações com outras cidades, que é um método comumente utilizado pelo poder público e pelos órgãos de patrimônio histórico, comparando nossas cidades com modelos urbanos que em nada se assemelham com as cidades americanas que, de modo geral, não têm uma história homogênea de crescimento. Da época em que escrevi o livro até a atualidade, alguns projetos que fizemos são respostas a essa questão. Uma resposta literal para essa preocupação foi um projeto chamado “Amnésias Topográficas”, que consistiu na ocupação de espaços urbanos temporários. Eram intervenções nos vazios debaixo de prédios residenciais, muito típicos em vários bairros
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Estudos mais recentes preveem que a população de vários países deixará de se expandir em meados do século atual. A partir dessa premissa, podemos cogitar que as cidades deixarão de crescer num futuro próximo, ocasionando talvez o contrário do que ocorreu no passado. Ou seja, como será pensar essa cidade de população decrescente? Visto isso, será que surgirão novos vazios urbanos com os quais teremos que nos adaptar?
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de Belo Horizonte. Como a cidade tem uma topografia muito ruim para crescimento urbano, ela foi crescendo para áreas não muito indicadas para essa expansão. Com isso, várias casas e prédios foram construídos como se não houvesse relação entre topografia e a arquitetura, gerando certos vazios nos “esqueletos” ou “palafitas” de concreto. Em 2004, junto com a arquiteta Louise Ganz, desenvolvemos aqui uma proposta de ocupação desses vazios. Logo depois, teve um projeto, do qual só participei de sua formatação no Ministério da Cultura, chamado “Lotes Vagos” e foi um incentivo para vários artistas e arquitetos a pensar em formas de ocupações temporárias para esses lotes vazios da cidade. Então, essas são duas respostas, mesmo que temporárias, à questão dos vazios urbanos. Quais são as referências que incitaram a esse estudo relacionado aos vazios urbanos e que são exemplares para os projetos feitos pelo escritório? Carlos Teixeira - Quando estava estudando arquitetura na UFMG, um professor meu chamado Joel Campolina, com quem trabalhei logo depois de formado, tinha feito uma tese de doutorado na USP sobre ocupação de espaços urbanos atípicos. Um dos exemplos que ele coloca como ilustração de suas ideias era uma ocupação do espaço entre as estações Dom Pedro II e Brás do metrô de São Paulo. A proposta se estruturava a partir de uma plataforma, com prédios que a poderiam “engolir”, transformando o viaduto em túnel. Como naquele ponto o metrô já não é subterrâneo, mas sim suspenso, ele usava como referência a Ponte Vecchio, em Florença, para tirar partido da ocupação de áreas que não são sujeitas a alguma apropriação convencional de espaço urbano. Posso dizer que Joel Campolina, que chegou a trabalhar com alguns arquitetos holandeses como Herman Hertzberger, me apresentou a esse tema de vazios e como pensar em soluções não convencionais para essas áreas ociosas da cidade. Do ponto de vista teórico, havia dois arquitetos bastante influentes quando estive na Architectural Association. O primeiro deles é Bernard Tschumi, que escreveu um texto bastante importante para mim sobre relações entre cenografia e urbanismo, com intervenções urbanas através de eventos e performances. Na década de 90, Tschumi era um arquiteto muito influente com seu recém-concluído projeto para o Parc de La Villette, em Paris, porém, sua carreira e seus projetos se tornaram mais comerciais e previsíveis nesta última década. De qualquer maneira, o que ele escreveu, no final dos anos 70 e ao longo dos anos 80, foi algo que me impressionou muito e me serviu de base para pensar projetos com grupos de dança e teatro. Inclusive um livro que escrevi recentemente, também de nome “Entre”, é muito influenciado pelos escritos desse arquiteto e contém uma entrevista com o próprio Tschumi feita há uns três anos em seu escritório. O segundo arquiteto que cito é Rem Koolhaas, cujo livro S,M,L,XL me deixou realmente muito impressionado quando foi lançado em 1995,
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pouco após minha conclusão de mestrado em Londres. Lembro que quando o vi pela primeira vez tive certa antipatia e preguiça, mas depois de certo tempo resolvi dar uma lida naquela bíblia e foi um choque também. Comparadas as faculdades de arquitetura americanas e europeias, percebe-se um grande hiato nas universidades brasileiras com relação ao pensamento, às questões debatidas e ao uso e a exploração das possibilidades proporcionadas pela tecnologia atual. Qual seria sua posição com relação ao ensino de arquitetura no Brasil? Carlos Teixeira - Considero as escolas de arquitetura daqui do Brasil ainda muito nostálgicas. O país ficou muito isolado desde a década de 70. Os professores e os alunos parecem permanecer muito acomodados em se manter nessa situação meio saudosista e, ao mesmo tempo, melancólica. Esta é a conjuntura dominante nas escolas de Belo Horizonte e, principalmente, de São Paulo. Aqui em Belo Horizonte, houve um momento, nos anos 80, de certa independência quando apareceram os pósmodernos mineiros, como o Éolo Maia. Mas a situação tendeu a se homogeneizar e, hoje, não consigo ver nenhuma vertente diferente dessa continuidade de arquitetos modernistas no Brasil. No Rio, a minha impressão é que a presença do Niemeyer afoga o aparecimento de novidades na cidade. Parece que a educação dos novos arquitetos é pautada pelo comodismo dos professores de arquitetura das universidades brasileiras.
Carlos Teixeira - Essa análise é verdadeira. Éolo fez bons projetos principalmente na fase inicial de sua carreira. Posteriormente, foi virando uma espécie de devorador acrítico de revistas estrangeiras, parecendo que progressivamente cresceu o apetite dele por esse tipo de informação. Penso que o pós-modernismo, observando-o numa escala internacional, tem um estigma maldito. Mesmo aqueles com uma bagagem conceitual muito forte e consistente, como o Aldo Rossi, são totalmente ignorados na atualidade. Porém, uma visita a alguns projetos dele no interior da Itália mostrará que o retrocesso que pregava é totalmente compreensível. Era algo muito italiano e muito respeitável, mas que não fazia muito sentido ser importado para o Brasil. Por isso, acho que o pós-modernismo daqui é pior do que o pós-modernismo italiano e até mesmo o norte-americano.
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A influência que o pós-modernismo teve no Brasil é um pouco renegada nas escolas de arquitetura atualmente. Os projetos de Éolo Maia são considerados de pouca importância pela crítica arquitetônica atual.
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Você poderia comentar sobre o cenário arquitetônico contemporâneo de Minas Gerais? Carlos Teixeira - Dividimos este galpão em que estamos com um escritório de arquitetura chamado BCMF arquitetos, que é um grupo com projetos de grande porte construídos no Rio de Janeiro, como os equipamentos feitos para o PanAmericano. Eles continuam conseguindo projetar equipamentos de grande escala, como o atual projeto da expansão do estádio do Mineirão para a Copa do Mundo de 2014. São arquitetos com uma verve técnica e uma capacidade de compreender toda a complexidade de parâmetros que programas relacionados a esporte e a grandes eventos exigem. Considero-os o escritório de arquitetura no Brasil mais preparado para projetos de equipamentos esportivos em grande escala. Também há o escritório M3 Arquitetura, dos arquitetos Flavio Agostini e Frederico Bernis, com os quais já trabalhei em alguns projetos, porém estamos um pouco afastados atualmente. Em outras épocas, fiz mais trabalhos em colaboração com arquitetos e, ultimamente, tenho tido que trabalhar de maneira um pouco mais isolada. Para completar o grupo de arquitetos mineiros da minha geração, é fundamental citar também os Arquitetos Associados, que tem feito bons projetos recentemente. Como você analisa o novo projeto para a cidade administrativa de Minas Gerais feito por Oscar Niemeyer? Carlos Teixeira - O projeto é resultado de uma intenção do governador do estado de fazer um monumento sem qualquer conexão com a cidade. Um marco independente das questões políticas da prefeitura do município de Belo Horizonte. Visto que esses prédios administrativos foram implantados no limite do município, fica claro que o governador tinha a ideia de se desvincular de qualquer tipo de proposta urbana e arquitetônica que pudesse ser confundida com algum tipo de política pública da prefeitura da cidade. Pensando nessa cidade cujo centro precisa voltar a ser adensado, esse tipo de projeto teria potencial para incentivar, de maneira mais forte, a ocupação de alguns dos vazios urbanos centrais. Esse complexo de edifícios administrativos fora da cidade poderia ter ocupado uns cinco prédios da região central ou mesmo uma megacontrução que poderia reativar várias dessas áreas que hoje precisam de algum tipo de revitalização. Observando aspectos arquitetônicos e urbanísticos, há uma inspiração nas realizações de Juscelino Kubitschek, em sua época como governador mineiro, e até mesmo de Carlos Lacerda, ao se apropriar da lógica e dos nomes daquelas linhas verde, amarela e vermelha que direcionam o crescimento da cidade. Detendo-se nesse último sentido, a proposta pode ser vista como uma boa ideia, já que a cidade esgotou o potencial de ocupação para o oeste até chegar nas cidades industriais vizinhas – Betim
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e Contagem – e, na direção sul, a cidade encostou numa serra. Nesta última região estão crescendo condomínios de classe alta em cima dos morros, com muitos exemplos de construções de péssimos arquitetos com “palafitas”, que são vazios urbanos também, entre a área ocupada e útil da edificação e os terrenos com topografia muito inclinada. Então, contra esse crescimento ao sul e o esgotamento ao oeste, é louvável a proposta da linha verde em direção ao norte, mas ela não precisava ter sido justificada pela construção desse centro administrativo naquele lugar. Mudando da escala urbana para a escala artística, vocês construíram um dos terreiros da Bienal de Arte de São Paulo de 2010. Pensando nessas intervenções feitas por vocês, qual é a relação entre a arte e a arquitetura e em que momento elas se fundem?
No trabalho “Enxertos Arquitetônicos”, a arquitetura ali se mistura com questões dos domínios do design e da biologia, trabalhando com um elemento artificial dentro de um elemento natural? Carlos Teixeira - Esse é um projeto meio doméstico, foi feito na minha própria casa. É um jardim grande que já existia antes de me mudar para lá, com uma mistura de mata secundária, pomar e árvores de quintal como bananeiras e mangueiras. Essas árvores que já existiam foram mantidas. O que há de novo no jardim são as centenas de objetos que foram pendurados nessas árvores. Criando, assim, vários exemplos de
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Carlos Teixeira - A relação entre arte e arquitetura tem se estreitado recentemente, talvez até se tornando uma certa corrente entre arquitetos europeus e norte-americanos, principalmente nas relações entre edificações e arte urbana. Por exemplo, a Bienal de Veneza de 2008 teve uma exposição específica, chamada Experimental Practices, sobre novas práticas europeias que em grande parte esbarravam em questões mais artísticas. Aqui no Brasil, desconheço algum escritório de arquitetura que busque essa confluência entre arte e arquitetura. No começo da década passada, um grupo de teatro, que faz apresentações em ruas e praças, chamou a artista plástica Louise Ganz e eu para pensar onde poderia ser a próxima peça do grupo. Naquele momento, eles estavam pensando na concepção, ainda sem texto e diretor. Depois de algumas conversas, propusemos a ocupação desses vazios urbanos que denominamos como “palafitas de concreto”, debaixo de prédios residenciais, e fizemos esse projeto que foi uma mistura de cenografia, paisagismo, arte urbana e arquitetura. Houve uma transformação da paisagem daquela encosta coberta pelas palafitas. Outras oportunidades do gênero aconteceram nos últimos anos até chegar ao terreiro da Bienal de Arte.
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possibilidades de se pendurar esses vasos de bromélias nas árvores usando o próprio tronco como suporte. Esses objetos não se restringem somente a vasos. Também há mesas, prateleiras, objetos que partem do princípio de que parte deles são os próprios troncos das plantas do jardim, buscando assim uma certa agressividade da relação entre design e a planta. Tenho registrado com certa frequência, mais ou menos a cada ano, como as plantas têm se modificado em reação a essa agressão e, de certa forma, retomando essas intervenções a favor delas mesmas. Por vezes, as árvores engolem esses elementos artificiais, como próteses inseridas nas plantas. Então, é uma espécie de jardim pessoal e experimental. Na verdade, também não tenho tido qualquer atuação como paisagista tradicional. Trabalhei em parceria com o BCMF no Centro Esportivo de Deodoro para o Pan-americano do Rio de Janeiro, lidando com paisagismo mas em um nível totalmente urbano, quase agricultural. Eram vários hectares gramados que foram submetidos a um projeto de paisagismo de grande escala. O que fiz com eles foi simples, mas se fosse adiante, seria necessária uma parceria entre eu e um paisagista que pudesse especificar as espécies comigo, já que não tenho o conhecimento técnico adequado. Você foi presidente da ONG Arquitetos sem Fronteiras. Qual era o seu trabalho nesta ONG? Você também poderia comentar o papel social da arquitetura? Carlos Teixeira - Montei essa ONG com um grupo de aproximadamente quarenta pessoas e, durante sete meses, fizemos um estudo bem aprofundado dos vazios urbanos em torno de 15 viadutos e passarelas de pedestre da via expressa leste-oeste, entre Belo Horizonte e Contagem. Foi financiado pelo Ministério das Cidades, que tinha uma bolsa para projetos relacionados a revitalização de centros urbanos. Coordenado e idealizado pelo arquiteto Flávio Agostini, o projeto abrangia uma área que começava no centro da cidade e ia até a periferia, na divisa com o município de Contagem. Foi uma espécie de ouvidoria pública para todos os atores que pudessem dar algum parecer, algum tipo de posição sobre o que fazer com esses vazios urbanos em torno de viadutos. Estavam envolvidos cerca de 150 catadores de papel, já que é uma via muito usada por eles. Estivemos próximos também de empresários e moradores dessa avenida. Essas pessoas foram ouvidas, as informações foram processadas e o resultado do projeto foi uma lista de programas mais adequados para ocupação desses viadutos ao longo dessa via expressa. O projeto foi apresentado à Prefeitura de Belo Horizonte, que não levou adiante as sugestões do programa. Com isso, houve um desinteresse geral das pessoas ligadas a ONG. Percebemos que manter uma organização como esta no Brasil é um negócio muito difícil. Também não tenho muito o perfil para ficar tocando isso sozinho. Havia outras pessoas que talvez tivessem
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mais esse perfil, mas que não tinham a fibra para conduzir o projeto, além de ter seus próprios compromissos. Foi por essa falta de energia que a situação da ONG só piorou e, hoje, ela não existe mais. Esse estudo que relatei foi sua única realização. Depois dessa ONG, fizemos um projeto recente bom, porém muito modificado pela prefeitura, chamado Parque da Terceira Água, mas que nós apelidamos como H3O. A ideia do projeto era bem interessante e volta a abordar a questão dos vazios urbanos. Fomos chamados para pensar sobre a ocupação do talvegue de uma nascente que passa no meio de favela muito densa, com cerca de cinquenta mil habitantes, e com topografia complicada, que inclusive, por esse motivo, permanecia não ocupada. Até para os moradores era difícil ocupar esse local e foi exatamente ele que se transformou no Parque da Terceira Água. Num dos poucos platôs, que era boa parte da pequena área sujeita a um mínimo de ocupação, foram inseridos equipamentos. Do que propusemos, somente duas praças e um centro comunitário foram construídos. Apesar de ter sido bastante modificado, o projeto sobreviveu e continua sendo interessante. O que é arquitetura?
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Carlos Teixeira - Não sei responder, é melhor deixar essa resposta em branco.
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Amnésias Topográficas, Minas Gerais
Lagoa Seca, Serra do Curral, Belo Horizonte
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ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. BANHAM, Reyner. Los Angeles. The Architecture of Four Ecologies. BENSE, Max. Inteligência Brasileira. BRITO, Ronaldo. Experiência Crítica. COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas. KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante. MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes. NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil. SIMMEL, Georg. Sobre la aventura (Philosophische Kultur).
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Ana Luiza Nobre
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Entre a Bela Cintra, a certa distância da Paulista, e um Delírio Tropical, em plena Gávea, debatemos arquitetura e cidade com arquitetos que não são projetistas. Os editores do então site [ENTRE] se dividiram para fazer esta entrevista conjunta com Ana Luiza Nobre, no Rio de Janeiro, e Guilherme Wisnik, em São Paulo.
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ADORNO, Theodor e; HORKHEIMEIR, Max. Dialética do esclarecimento. ARENDT, Hannah. A condição humana. BRODSKY, Joseph. Menos que um. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. PAZ, Octavio. Signos em rotação. CORTA’ZAR, Julio; DUNLOP, Carol. Los autonautas de la cosmopista. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. KRAUSS, Rosalind. Caminhos da escultura moderna. KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante. COSTA, Lucio. Registro de uma vivência.
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Guilherme Wisnik
ALN + Wisnik
Pelo Skype, a conversa com dois renomados críticos e teóricos de arquitetura do país abordou temas como o ensino de arquitetura, a crítica e seus espaços, os métodos que utilizam ao produzir textos, e as cidades, em especial o Rio de Janeiro com suas perspectivas futuras. É uma entrevista que deixa claro que também se produz arquitetura fora da prancheta.
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O que é crítica? Ana Luiza Nobre - Pergunta difícil. Basicamente, crítica é problema. É uma atividade que envolve juízo, mas não se confunde com julgamento. Por isso o crítico é, por princípio, uma pessoa incômoda, na medida em que problematiza e interroga algo existente. Guilherme Wisnik - Concordo com o que a Ana falou na medida em que a crítica envolve um incômodo por implicar, primeiramente, num distanciamento – instaurando um estranhamento em relação à obra e ao autor da obra – e, ao mesmo tempo, uma adesão, porque a crítica tem, como uma das funções, impulsionar o trabalho, levá-lo para frente, sem interromper, estancar ou bloquear. Assim, esse distanciamento e esse estranhamento existem porque uma adesão pura e simples gera uma repetição da fala de quem fez, não favorecendo um raciocínio mais estranho. Quando chegamos num lugar, nós, como críticos, nem sempre somos bemvistos ou, pelo menos, pensamos assim. Mas é bom que seja assim, pois se pactuarmos com tudo o que já é, com as pessoas e com os meios que aí estão, não conseguimos fundar esse lugar da diferença que é necessário para poder refletir. O título do meu livro Estado Crítico sugere vários significados, tanto em “estado” quanto em “crítico”. O “estado” pode ser compreendido tanto como Estado empreendedor, o governo, quanto como uma condição de ser. E o “crítico” tanto como alguém que exerce uma função crítica quanto um estado de crise. A junção de tudo isso é que forma os sentidos que estão ali e que tentei dar no título do livro. Esse estado de crise é fundamental para que crítica exista. Ana, você concorda com esta ligação entre crítica e crise? Ana Luiza Nobre - Concordo: crítica e crise são uma única coisa. Não existe crítica sem crise. E, também é da crise que provém boa parte da dificuldade da atividade crítica. A crítica é uma atividade intelectual, de criação e construção, que sempre se dá a partir de algo existente. Nesse sentido, pode-se dizer que é uma criação intelectual de segunda ordem, pois se produz em cima de outro trabalho ou a partir de um diálogo com outro trabalho. O exercício da crítica exige também uma boa bagagem histórica, porque criticar é estabelecer relações, tornando visíveis coisas que estão invisíveis. Então, ao mesmo tempo em que se presume do crítico uma certa adesão, como diz o Guilherme, também espera-se dele uma leitura que tem a ver com aquilo que ele enxerga na obra, enquadrando-a no contexto histórico e cultural em que foi produzida. A crítica busca
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estabelecer essas relações sincrônicas e diacrônicas. É muito importante determinar as relações entre a obra daquele artista ou arquiteto, em particular, com a história da arte ou a história da arquitetura. A crítica não deve ser confundida com opinião. Digo isso porque estou entre alunos e o primeiro passo para mim, como professora, é fazer os alunos falarem. O segundo passo é fazê-los entender que não basta falar qualquer coisa. A crítica não deve ser confundida com a opinião que se exerce despreocupadamente, sobretudo no Rio de Janeiro, em ambientes como as mesas de bares e botequins. Acho muito importante demarcar essa posição e chegar ao entendimento dessa atividade como uma atividade eminentemente intelectual, que se distingue, por princípio, do senso comum. A crítica exige bagagem, conhecimento e disponibilidade. E pressupõe um posicionamento que só é possível na esfera pública. Qual é a importância do crítico no ensino de arquitetura e na formação de um arquiteto?
Ana Luiza Nobre - Antes de tudo, devo ressaltar que na época em que me formei (final dos anos 80), não existia aula de teoria de arquitetura e muito menos de crítica na faculdade. Havia aula de história, e só. Houve uma grande evolução nesse sentido. Mas existem grandes diferenças entre o curso de arquitetura da PUC-Rio, onde leciono, e a Escola da Cidade. A primeira é que a Escola da Cidade é um edifício. O espaço da escola é um espaço extraordinário em que os alunos podem permanecer o dia inteiro. Na PUC, é possível ficar na sala de aula durante as três horas de aula,
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Guilherme Wisnik - É uma questão complexa. Inicialmente, em minhas aulas na Escola da Cidade, tive um prazer meio sádico ao tentar combater os cânones modernistas que são os pilares daquela escola. O grupo do qual faço parte, que formou a Escola da Cidade, a criou com uma ideologia extremamente modernista e um tanto dogmática. Logo, os alunos são formados nessa tradição. Quando passei a dar aulas de História da Arquitetura Contemporânea, que compreende todo período a partir do pós-guerra, decidi abrir um caminho de rasgado elogio ao pós-moderno. De certa forma, despertou uma possibilidade para os alunos serem críticos em relação à ideologia da própria escola, o que considero fundamental. Muitos estudantes tinham visões assim, mas não tinham associado a uma possibilidade discursiva maior. Com isso, noto a abertura de um espaço de reflexão e de questionamento das próprias bases do que foi ensinado, o que é muito importante no momento de pensar arquitetura contemporânea, arte e tudo o que se faz hoje; ou seja, ao refletir e projetar o agora. Através do estudo de história, busco instaurar um estado de crise e reflexão com um distanciamento que visa a formação de um olhar mais atento sobre hoje.
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e quando termina este período, já existem cem alunos de outra disciplina na porta, querendo entrar. Não temos nem mais dez minutos para ficar na sala de aula. Nem um ateliê onde possamos nos encontrar. Isso dificulta muito relações que são vitais para um curso de arquitetura. Relações que, na Escola da Cidade, podem se dar no saguão da escola, no pátio atrás do edifício ou nas escadas. Existem espaços que propiciam encontros fora de sala de aula e são uma extensão do aprendizado dentro de sala. No caso da PUC, estamos muito limitados à sala e ao horário da aula. Por outro lado, a PUC tem algo muito positivo, mas que é, ao mesmo tempo, nosso calcanhar de aquiles: a possibilidade de exercer a crítica dentro do ateliê. E isso porque os professores de Teoria e História se articulam com os professores de Projeto para fazer inserções no ateliê. Eu, por exemplo, faço inserções em ateliês, para acompanhamento de projetos, que totalizam 45 horas por semestre. Isso quer dizer que sento ao lado dos alunos, converso sobre projeto e ajudo-os a pensar e escrever sobre o que estão fazendo. Meu papel ali é, num certo sentido, ajudar os alunos a encontrar as palavras que os permitam elaborar conceitualmente suas ideias. Isso começa no segundo período, há uma concentração no terceiro e depois, alguma continuidade. E dá a possibilidade aos professores da área de Teoria e História de cruzar com os alunos na prancheta, fazendo-os compreender que a atividade crítica não está isolada do projeto. Hoje, é impossível a divisão “você faz o projeto e eu faço a crítica”. Quem projeta está fazendo crítica e não pode abrir mão disso. Neste momento, por exemplo, há um debate em curso no Rio sobre as propostas para a área portuária e as Olimpíadas, que foi muito fomentado pelo Curso de Arquitetura da PUC. A primeira discussão pública sobre o projeto do Porto Maravilha, no ambiente da arquitetura, ocorreu dentro da PUC, por iniciativa dos professores do terceiro e quarto períodos. Alunos e professores quiseram falar; todos tinham algo a dizer, uma questão a colocar. Logo depois fizemos, com os Departamentos de Sociologia e Serviço Social, um segundo debate, que reuniu um número ainda maior de pessoas e lotou o maior auditório da PUC. Isso demonstra a existência de certa massa crítica dentro do nosso Curso. É importante entender que a crítica não se encerra no texto; ela também faz parte da atividade projetual e é inerente ao viver na cidade. A própria consciência urbana da qual sentimos tanta falta deve ser compreendida como um exercício crítico. Vocês poderiam fazer uma comparação entre o método de concepção de um projeto e o método de concepção de um texto? Guilherme Wisnik - Não sei se tenho uma análise formada sobre método, mas é um assunto sobre o qual penso sempre. Não somente sobre a comparação entre texto e projeto de arquitetura, mas também entre outras criações artísticas, como, por
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Ana Luiza Nobre - A primeira coisa a dizer é que não gosto de projetar: detesto obra, cheiro de cimento, ambiente de escritório etc. Então só posso falar da minha maneira pessoal de escrever, que tem a ver com a minha formação e, mais especificamente, com o longo período em que fui aluna do Departamento de História da PUC. Na verdade, a minha formação é mais de crítica de arte, e nisso o Ronaldo Brito teve especial importância, tanto como professor quanto como orientador. Para ele, a crítica começa com a ida à obra, o embate com a obra. E de fato, para mim,
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exemplo, composição de canções. No fundo, considero tudo muito parecido. Acho que cada pessoa deve ter um jeito pessoal de abordar essas diversas atividades, e esse jeito deve ser similar para cada uma delas. Pessoalmente, apesar de ser um virginiano com mania de organização, quando tenho que fazer alguma coisa criativa, sinto necessidade de tentar apagar as referências e dar uma espécie de mergulho no escuro, não sabendo bem para onde se está indo. Quando compus canções, fiquei rondando um assunto sem pensar muito bem qual seria o tema sobre o qual ia falar, mas através de alguma palavra ou sonoridade descobrese um caminho enviesado. Ao projetar, você tem um programa, uma área, uma série de fatores; mas caso você tente resolver diretamente no papel, a solução é, provavelmente, burocrática. Então, às vezes, tem que ficar rondando com aquilo na cabeça para achar um caminho que não é o óbvio. Os textos escritos por mim de que mais gosto surgiram de forma semelhante, ou seja, quando sentei para escrever sem saber muito bem no que resultaria. O que não é o mais comum para mim, pois, geralmente, tento fazer um roteiro sobre o caminho do texto, sobre o onde ele vai chegar. Assim, você já sabe a conclusão, no entanto esse texto é menos inspirado. Quando se resolve escrever sobre uma coisa pela qual está se debatendo, utilizando o momento de escrever como uma grande reflexão, surgem as situações em que a verdadeira reflexão de um modo criativo acontece. Exige-se todo um estágio de preparação, quase ritualístico, para que isso ocorra. Às vezes, na hora de produzir um texto, passa-se o dia inteiro sem escrever nada, nesse tempo você lê algumas coisas, vai na geladeira mil vezes, deita um pouco, sai para dar uma volta no quarteirão e, de repente, engata alguma coisa que faz acontecer aquele texto. O método que sigo, desde quando comecei a escrever mais seriamente – aliás, ultimamente, não sei por que o abandonei – e que funciona bem, é pegar um papel A0, colocá-lo na mesa e ir escrevendo nele fragmentos de leituras importantes, em forma de esquemas e de roteiros. Então, naquele papel tem uma densidade enorme de coisas escritas relativas àquilo que vou escrever e coisas que gravitam em volta. Depois que tudo está naquele papel único, eu releio e fico traçando flechas de modo a juntar aquele caos, um emaranhado de coisas. Esse grande mapa me ajuda na hora de organizar o mergulho no escuro.
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esse é o ponto inicial, anterior a qualquer outra coisa, a qualquer leitura sobre aquilo, a qualquer pensamento a respeito daquilo. Durante essa experiência começo a tomar notas, que às vezes até acabo perdendo, devido à minha desorganização. Mas é assim que o texto começa a tomar forma. Então vem a escolha do título, que passa a me guiar e orientar. Não consigo escrever antes de ter um título. Claro que me permito mudanças, mas procuro, em uma, duas ou três palavras, definir aquilo que vai me guiar. O título é basicamente o trabalho; o resto é consequência. Depois, acho que o texto tem um caminho próprio e passo a persegui-lo. Também sou muito visceral: saio, volto, deito, tomo banho, até aquilo sair de alguma maneira. E devo dizer que é um enorme sofrimento. É um trabalho que me consome muito, inclusive fisicamente. O processo de produção de um texto é bastante angustiante, e sua conclusão é sempre extenuante. Morro de inveja das pessoas que sentam no computador e escrevem. Infelizmente, não tenho esse poder e também não consigo ter um método que me permita vencer essas dificuldades. No final, tem um momento em que o texto se conclui um pouco misteriosamente, onde aquilo se fecha. Então o texto está pronto, naquela versão, para ser publicado. O texto termina quando estou tão extenuada que não quero mais saber daquilo. Mas eu o reescrevo depois. Tenho várias versões 2.0 e 3.0 de textos que já foram publicados. O processo de reflexão não se conclui junto com o texto. Na verdade, o texto tem um processo à parte, que num determinado momento se conclui, mas a reflexão continua e, por isso, muitas vezes um texto se desdobra em outras coisas. Ana, você não projeta, mas orienta projetos de arquitetura. Você transmite um pouco de seu método para seus alunos, como maneira de incentivar ou problematizar o trabalho deles? Ana Luiza Nobre – Confesso considerar-me um pouco caótica. Esforçome para ter um método e poder transmiti-lo. Afinal, espera-se de um professor que ele possa transmitir isso aos alunos. No entanto, o que faço principalmente é convocar meus alunos a se aventurarem em textos, obras, projetos. Acho importante que compreendam que o texto é, em muitos casos, uma parte do projeto, e como tal também envolve escolhas e riscos. Em geral, começo instigando o aluno a buscar as palavras do projeto. Essa busca ocorre na conversa com o aluno, no embate com o projeto que está ali na nossa frente, e tem o objetivo de ajudá-lo a elaborar conceitualmente o projeto e esclarecer para si próprio o que ele está fazendo. Isso funciona um pouco como a escolha do título para o meu texto, ou seja, como aquilo que orienta o percurso do pensamento. É o máximo que posso fazer, porque não me sinto no direito de exigir do aluno que siga um modus operandi meu, quando eu própria tenho tantas dúvidas. Então,
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ajudo-o a entender a necessidade da elaboração conceitual como parte do projeto. Mas incentivo-o também a elaborar o seu próprio método.
Guilherme Wisnik – Quando entrei na FAU-USP, a revista Caramelo, que era feita pelo grêmio dos alunos e existia há pouco tempo na faculdade, estava abrindo para o envio de artigos de qualquer pessoa, inclusive alunos. O primeiro ano de faculdade não foi fácil para mim, porque eu saí de uma escola onde era completamente enturmado e entrei na FAU, que é um edifício maravilhoso, mas muito grande, inserido no campus da USP, aquele lugar disperso, sem que encontrasse alguém conhecido durante o dia. Diante desse grande vazio, a possibilidade de escrever um texto para uma revista era muito interessante. Eu o escrevi, enviei, foi aceito e publicado na Caramelo 3. O texto tem um tom meio de piada, no qual criticava o ambiente da FAU e, de modo juvenil, fazia várias citações de autores fictícios de nome alemão, e também inventava livros. Foi o meu primeiro texto publicado. No ano seguinte, passei a fazer parte da nova safra de estudantes que colaboravam para a revista e fazê-la foi, para mim, uma inserção no ambiente da faculdade. Este meu grupo chegou a fazê-la de modo autônomo nos números 7 e 8. Ao mesmo tempo, trabalhei com cenário da peça Bacantes, no Teatro Oficina, no escritório do Paulo Mendes da Rocha, na produção da Bienal de São Paulo e fazia uma bolsa de iniciação cientifica no Departamento de História. É curioso, pois observando hoje, não sei como eu fazia todas essas coisas ao mesmo tempo dentro de uma faculdade em período integral. A Ana ressaltou a importância do Ronaldo Brito na formação dela. Não sei se tive alguém tão formador no meu caminho. Na faculdade, o Paulo Mendes da Rocha foi mais do que um grande professor de projeto. Não sei como definir a importância do Paulo para quem o teve como professor. Ele é capaz de abrir a cabeça de todos ao nos deixar em um estado de inquietação profunda permanente. Diferentemente da maioria dos professores de projeto que davam somente atendimento de projeto, o Paulo deixava todos em crise com a própria vida e com o mundo. Outra pessoa importante na minha graduação foi um professor de História Antiga chamado Jonas Malaco. Especialista em Atenas, ele deu uma disciplina sobre fundamentos sociais da arquitetura e urbanismo antigo, com foco na Grécia. Passei a segui-lo, fazendo as optativas que ele oferecia. É engraçado: por causa dos meus estudos sobre a Grécia que, pela primeira vez, considerei estudar mais seriamente, pensando, escrevendo e fazendo crítica. Meu trabalho final de graduação na FAU não foi um projeto, mas sim um trabalho teórico. Fato que indicava meu futuro caminho, mesmo
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Guilherme, como foi sua formação até a decisão de que não seria um arquiteto de projeto, mas sim um arquiteto de crítica?
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que naquele momento eu achasse que seria arquiteto e, durante algum tempo, fui mesmo. Mas o meu TFG [Trabalho Final de Graduação] foi um estudo teórico sobre a origem da cidade na Mesopotâmia e na Grécia; ou seja, uma tentativa de pensar o que é a cidade na sua origem, por oposição à aldeia. Quando passa a ser cidade? O que é o que chamamos de cidade? Enfim, foi um trabalho muito influenciado pelo professor Jonas. Através dos livros do Jean-Pierre Vernant sobre a Grécia, que abordavam o espaço político, o plano ortogonal, o desenho informal (orgânico contra o geométrico), que, pela primeira vez, pensei na possibilidade da política estar associada ao urbanismo. A palavra grega polis dá origem ao termo política. A relação entre política e urbanismo é direta. O desenho urbano é político. Apesar de esse pensamento estar ligado à Antiguidade, ele me acendia para questões contemporâneas. Curiosamente, até achei que, talvez, me tornaria um estudioso da Antiguidade, mas logo entrei em crise com esta possibilidade, pois não queria fazer uma opção tão restrita. Nesse momento, apareceu para mim a figura do Rodrigo Naves, que é equivalente ao que Ronaldo Brito é para a Ana Luiza. Ao fazer os cursos dados por ele, me aproximei da ideia de crítica de arte e arquitetura contemporânea. Ele me incentivou a escrever sobre atualidade, na época em que estava organizando a coleção Espaço da Arte Brasileira pela Cosac Naify. Depois esse papel foi complementado pela figura fundamental da Sophia Telles, que é uma intelectual muito exigente (inclusive consigo própria), e sempre generosamente disposta a discutir ideias e estratégias para a crítica de arquitetura entre nós. Outra pessoa importante nesse percurso foi o Pedro Arantes, meu amigo desde a FAU, que também me puxava para a ideia de pensar o mundo de hoje. Ao ser muito critico à arquitetura paulista e ao edifício da FAU – aproximando-se mais dos ensinamentos da Lina Bo Bardi e do Sérgio Ferro –, ele me fez observar um caminho por onde comecei a pensar no Lucio Costa como uma figura, no Rio de Janeiro e no Brasil, importante em um pensamento mais amplo sobre arquitetura. E passei a me interessar, através do trabalho de Lucio Costa, pela possibilidade de compreender a formação brasileira junto com a história, sociologia, literatura e a arquitetura. Ana, como foi sua graduação? Ana Luiza Nobre - Fui uma péssima aluna! Meu curso de arquitetura foi muito ruim. Formei-me em 1986, na FAU-UFRJ. Era um período de muita desarticulação na escola. Os bons professores por vezes não apareciam para dar aula. A palavra “crítica” não existia dentro da escola. Tudo era focado em projeto e este se resumia a composição. Como eu gostava de ler e escrever, tentava me aproximar dos professores de história, mas não era fácil. Só tive um professor, o Alfredo Britto, que falava de
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arquitetura moderna. De resto, arquitetura moderna não era assunto dentro da escola. Nunca tive uma aula sobre Le Corbusier, por exemplo. E foi essa falta, de certo modo, que me moveu depois. Quando terminei a faculdade, percebi que minha formação era muito incompleta, ainda mais porque eu não queria fazer projeto. Então fui fazer o Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, no Departamento de História da PUC-Rio. Ao terminar esse curso, fui estudar dois anos na Itália. Mas o curso que fiz em Turim também era ruim. Então fui buscar o Manfredo Tafuri. Eu pegava um trem todo sábado pela manhã de Turim para Veneza, assistia à aula dele e, depois, voltava para Turim. Era uma coisa meio insana, mas estava indo atrás do professor que considerava importante. Aliás, sempre fui muito mais atrás do professor do que da escola. Isso provavelmente tem a ver com o fato de eu ter estudado em ambientes que não eram propriamente escolas (Rio de Janeiro e Turim), diferentemente do Guilherme, por exemplo, que estava em uma escola muito forte. Os professores que mais me marcaram foram o Manfredo Tafuri, o Ronaldo Brito e, mais tarde, o Alcides Rocha Miranda, que foi um grande mestre para mim. Ele foi objeto da minha dissertação de mestrado, e mesmo já tendo quase noventa anos quando nos conhecemos, tornou-se uma presença muito próxima. Ele me ensinou a enxergar as coisas de uma maneira muito particular. Nossa conversa não era em um ambiente acadêmico, mas no sofá da casa dele. Ou seja, nem sempre a formação se dá em um ambiente acadêmico. Na falta de uma escola, também podemos cobrir as lacunas da nossa formação buscando aquelas pessoas que têm algo a dizer para nós. Mas para isso é fundamental identificá-las. Além disso, posso dizer que faz parte da minha formação o período de dois anos que passei em São Paulo, trabalhando na revista AU. Foi um certo desvio, sair do Rio para São Paulo para trabalhar em uma editora, imaginando que seria possível fazer crítica numa revista comercial. Mas aprendi muito trabalhando com jornalistas como Haifa Sabbag e José Wolf.
Ana Luiza Nobre - Nunca pensei em dar aula, mas foi o espaço que encontrei: o espaço de liberdade da escola. Sobretudo no Brasil, onde não há muitas outras possibilidades, o ambiente acadêmico é o melhor espaço para a crítica, a discussão e a reflexão. E é fundamental que seja assim. As revistas não representam mais um espaço confiável. Sinceramente, tenho me
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Vocês afirmaram que a crítica, necessariamente, se dá na esfera pública. Observando suas atuações – a Ana escreve no blog Posto 12 e o Guilherme Wisnik tinha uma coluna na Folha de São Paulo –, o que poderiam falar sobre esses espaços que a crítica tem? Qual seria o espaço que melhor responderia às demandas da nossa época?
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recusado a escrever para as revistas comerciais. Hoje em dia, existem outros espaços que me parecem muito mais adequados, como a Internet. Daí a ideia de fazer o blog, um meio que me dá grande autonomia porque não dependo dos outros para publicar. O blog oferece liberdade para pensar, pois não existe a necessidade de submeter o que foi escrito a editores que muitas vezes têm interesses distintos dos seus. Além disso, o blog é importante também pela imediaticidade: tudo o que acontece é colocado rapidamente lá e, assim, a crítica pode ser exercida cotidianamente. Nem as revistas eletrônicas têm mais esse caráter. De certa maneira, elas envelheceram. O processo de passar por um conselho de editores, revisores de texto, editores de imagens etc. é longo. Muitas coisas já não podem esperar tanto tempo. A situação que o Rio de Janeiro vive hoje, por exemplo, não pode esperar nem uma semana. Portanto, o blog é fruto da minha necessidade de conquistar um espaço público em que eu tivesse autonomia total. Mas é importante manter, em paralelo, outras formas de atuação. A escola e o blog não bastam. Estou fazendo o roteiro de um filme com apoio da FAPERJ, por exemplo. E quando posso, faço exposições. Crítica não é somente texto. É necessário buscar novas linguagens, novas mídias, espaços alternativos. Não existe um sistema que nos garanta um espaço crítico. Então nós mesmos devemos criar essas redes, com apoio das instituições e dos meios existentes, como a internet, revistas ou jornais, e abrir uma interlocução com outras áreas. Se pensarmos que a crítica só pode se dar nos espaços da arquitetura, estamos fritos. Guilherme Wisnik - Complementando o que foi dito pela Ana Luiza, acredito que se deve agir de modo enfático no que é o meio arquitetônico stricto sensu, por meio do IAB e de outras instituições, mas é necessário ampliar esse leque para outras áreas, atuando de maneira multidisciplinar, seja através de exposições, filmes, peças de teatro. Por exemplo, o Teatro Oficina, ao encenar Os Sertões, se inseriu na discussão sobre a expulsão dos sem-teto do edifício Prestes Maia. Gerou-se uma grande convergência de questões da ordem do teatro, da literatura do livro do Euclides da Cunha, que foi um evento político importante do fim do século XIX, e de questões candentes de São Paulo nesses anos 2000, como o centro da cidade e os sem-teto. Esse tipo de nó é o que chamo de crítica. Em outro exemplo, o Tablado de Arruar, que é um grupo de teatro de rua aqui de São Paulo, fez uma peça que é uma adaptação do livro da Mariana Fix sobre a Operação Urbana da Água Espraiada. Estes cruzamentos são muito interessantes. Apesar de, pessoalmente, não ter uma ação muito grande na internet, a considero o meio mais adequado ao nosso tempo. Recentemente, colaborei para um jornal chamado “ATUAL – o último jornal da Terra”, fundado pelo Sérgio Cohn, criador
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da Azougue. Na verdade, ele é um fanzine impresso em papel jornal e distribuído de graça numa tiragem alta. Assim, com essa grande distribuição e conteúdo aberto, torna-se uma situação similar à internet. Os grandes veículos de mídia, como a Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, também são fundamentais, apesar de todos seus problemas, para veicular e debater publicamente essas ideias.
Guilherme Wisnik - A Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas são fatos gigantescamente importantes hoje e nos próximos anos para o Brasil. Ao que parece, as decisões sobre o que será feito com todo investimento estão acontecendo de maneira não pública, por debaixo dos panos, ou seja, do pior modo possível. É uma grande chance histórica que está sendo posta nas mãos do Brasil. A ideia da chance é muito ideológica, como um discurso para inglês ver, mas, de certo modo, há algo de verdade nisso, uma vez que o olhar do mundo parece que se voltou para o Brasil, o elegendo como bola da vez, representante da América Latina na globalização e ocupando um espaço de grandeza no concerto das nações. Isso significa que o Brasil vai de fato se globalizar nos próximos anos; não o país inteiro, mas uma parcela. O Rio de Janeiro é o foco principal, mas também apenas uma parcela dele. Globalizar significa receber investimentos maciços e também pagar por eles em obras que correspondem a uma expectativa global em termos de arquitetura, infraestrutura, urbanismo e também participar de um movimento global de dinheiro, pessoas, turismo e mercadorias. Apesar de todos os problemas do governo Lula, parece que, diplomaticamente, o Brasil alcançou um patamar importante nesta nova ordem mundial que está se desenhando, pela estabilidade econômica, pelo que representa ideologicamente e por certa confiabilidade que transmite. No entanto, tudo que está ligado a urbanismo, principalmente no Rio de Janeiro, não acompanhou esse salto. As ações práticas no espaço público carioca continuam a ser daninhas, patrimonialistas, corruptas, tacanhas, visando o privilégio de poucos, mantendo todas as contradições e exclusões, e embalando a cidade numa face turística e globalizada no pior sentido. Parece que o Rio de Janeiro não está escolhendo um caminho que gere efeitos positivos, como aconteceram em alguns megaeventos como esses – sendo Barcelona 92 tratada como o caso mais emblemático. Por isso, o nosso papel como críticos é vital. Tudo que fizemos até hoje como crítica de arquitetura e urbanismo no Brasil é nada, tendo em vista o que precisaremos fazer nos próximos anos. Vamos precisar ocupar páginas importantes dos grandes veículos de comunicação para trazer essas discussões à tona. Não será fácil, mas se não fizermos isso, seremos grandes perdedores.
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Que perspectivas vocês veem para a cidade do Rio de Janeiro e sua arquitetura?
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Ana Luiza Nobre - A situação do Rio é muito emergencial e alarmante. Vários projetos estão surgindo cotidianamente na mídia: um vai atropelando o outro sem que haja qualquer correlação entre eles. A cidade está sendo pensada como uma série de polos segmentados: Zona Portuária, Barra da Tijuca, as instalações olímpicas que se espalham pela cidade... Mas não existe sequer um Plano Diretor, já que o nosso é de 1992. Como o Plano Diretor é decenal, o Plano do Rio deveria ter passado por um processo de revisão em 2002, ou seja, estamos atrasados oito anos! Em um debate em outubro, no IAB, técnicos da prefeitura apresentaram estes projetos como o “novo urbanismo”, que eles dizem ser uma nova maneira de projetar, em que não se pensa a cidade como um todo. Ora, isso é uma falácia. Não sabemos sequer quem está por trás desses projetos. Não existe um autor, ou dois, ou dez. Os projetos vão pipocando e temos feito um esforço enorme para, pelo menos, identificar alguns autores, e mesmo quando essa informação é solicitada, ela é negada. Há muitos interesses em jogo e grandes imobiliárias, grandes empresas e corporações que estão orquestrando isso. Hoje, o Rio de Janeiro está numa situação invejável, devido ao alinhamento entre os poderes municipal, estadual e federal, e a uma série de eventos já confirmados, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e até uma Olimpíada Gay. A revitalização da área portuária, proposta há trinta anos, está em vias de ser concretizada. Mas o primeiro projeto do Porto Maravilha, por exemplo, é uma pracinha com arco triunfal, quiosques e espelho d’água em pleno Píer Mauá. E como havia pressa, o próprio Secretário de Urbanismo, engenheiro Sérgio Dias, fez o projeto. Isso nós só ficamos sabendo agora. Mas é um exemplo de como as informações sobre os projetos para a cidade vão surgindo em um ritmo alucinante que ninguém consegue acompanhar, nem mesmo os vereadores que precisam aprovar ou não estes projetos. Não estão sendo sequer cogitados concursos públicos de projetos de arquitetura. A não ser um, para o marco olímpico do Rio de Janeiro. O IAB foi convocado a organizar o concurso e o prefeito diz que o marco ficará, provavelmente, em cima de algum morro, como uma pira olímpica eterna. Isso mesmo: uma pira olímpica eterna! É importante que isso ganhe uma dimensão que ainda não tem. A discussão não pode ser restrita ao Rio. Tem que ganhar uma dimensão nacional, afinal o Rio é uma cidade importante para o Brasil, um símbolo em vários sentidos. Não é um problema somente das pessoas que moram no Rio. As pessoas e a mídia de São Paulo têm que fazer seu papel. Todo mundo tem que se mobilizar. Afinal, estamos correndo o risco de que o pouco que resta de urbanidade nesta cidade seja destruído por esse processo avassalador. Nem estou entrando na questão mais qualitativa, embora eu devesse falar disso também. O argumento da “celeridade”, muito utilizado nos discursos da prefeitura, tem sido justificativa para tudo, mas a maneira como o futuro do Rio de Janeiro está sendo conduzido é assustadora.
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A Revista de Domingo do jornal O Globo, por exemplo, convocou algumas pessoas, que ela chamou de “cidadãos do bem”, para apresentarem propostas para o Rio, numa dobradinha com os arquitetos, que desenharão essas ideias. E os arquitetos, ingenuamente, se submeteram a isso! É uma confusão absoluta: há uma grande incompreensão sobre a ideia de projeto. O que é um projeto? É um projeto de lei, uma ideia, ou um projeto de cidade? Então alguém propõe fazer uma calçada rolante ligando o MAM ao aeroporto; o outro propõe um trenzinho ligando o aeroporto ao Hotel Glória; ou seja, cada um tem uma ideia. Apresenta-se isso ao prefeito e ele vai comprando essas ideias. A gente não pode aceitar isso, mesmo porque estamos falando do Rio de Janeiro! Vamos aproveitar a oportunidade para alavancar a arquitetura e o urbanismo no Rio de Janeiro e pensar a cidade. Tirar a cidade e a arquitetura feita aqui desse buraco. Mas para isso nós, professores, críticos, alunos, precisamos nos posicionar e nos mobilizar. Temos que entender que a discussão sobre a cidade não é uma discussão arquitetônica ou urbanística, exclusivamente. Há de se conversar com todos. Tenho ido até a audiências públicas na Câmara dos Vereadores. Converso com vereadores e secretários, procurando mobilizar e alargar essa discussão. Isso tudo para que a cidade permaneça minimamente habitável. Se as coisas continuarem a serem tocadas com essa irresponsabilidade, daqui a sete anos vamos acordar e só enxergaremos o Corcovado, porque o resto vai acabar.
Guilherme Wisnik - Vou usar um subterfúgio e começar a responder como um erudito. A palavra “arquitetura” é originária do grego arkhé e tékton. Arkhé é um termo interessante por ter diversos sentidos: origem, como algo que está no princípio, e, ao mesmo tempo, comando. Arkhé é uma palavra fundamental na Teogonia de Hesíodo, que aborda a origem do mundo. Tékton está ligado a tudo que é construído pela técnica, ou seja, tectônica. Nesse sentido, arquitetura é aquilo que está na origem e no comando de todas as construções. Arquitetura já foi isso. Hoje em dia, é muito menos. Chegamos a um ponto em que os arquitetos estão se submetendo a desenhar ideias pensadas por “cidadãos do bem”. Mas “arquitetura” é um termo que pode ser utilizado em muitos sentidos. Arquitetar alguma coisa é engendrar, construir um discurso, construir algo que para de pé, seja este concreto ou não. Arquitetura é um princípio de organização das coisas. Ana Luiza Nobre - Arquitetura é a invenção do ambiente da vida humana.
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O que é arquitetura?
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Francesco Perrotta-Bosch CAU PUC-Rio 2006-2012. Realizou intercâmbio acadêmico na Escola da Cidade, em 2010. Estagiou no Atelier de Christian de Portzamparc, em Paris. Atualmente trabalha no escritório SIAA, com Cesar Shundi Iwamizu. Faz pesquisas relacionadas a História e Crítica de Arte e Arquitetura, tendo escrito um conjunto de artigos sobre o MASP, em 2012.
Gabriel Kozlowski CAU PUC-Rio 2006-2011. Organizou a 3ª semana de arquitetura da PUC-Rio “Ser Urbano 3”. Realizou pesquisa com o prof. Khosrow Ghavami e estagiou nos escritórios de arquitetura CAMPO aud e Mecanoo Architecten. Em 2011, recebeu o 3° lugar no “Holcim Awards for Sustainable Construction” e, em 2012, foi indicado ao Archiprix Moscow 2013. gabrielkozlowski.com
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Mariana Meneguetti CAU PUC-Rio 2007-2013. Fez parte do Centro Acamêmico do curso e organizou a 5ª semana de arquitetura da PUC-Rio “Ser Urbano - Cidade Projétil”. Foi monitora do atelier de projeto do terceiro ano. Estagiou no escritório DDG Arquitetura, ACME Space, em Londres, e Mecanoo Architecten, na Holanda.
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Autores
Valmir Azevedo CAU PUC-Rio 2006-2012. Bacharel e licenciado em Letras (línguas portuguesa e inglesa, e literaturas correspondentes) pela mesma universidade. Colaborou com Flavio Ferreira (FFAU) na conclusão da etapa de macrodiagnóstico de favelas para o Programa Morar Carioca.
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Créditos Fotográficos:
páginas:
Autores 2, 3, 46, 47, 86, 87, 88, 112, 113, 114, 115, 164, 165, 234, 254, 255, 258, 259. Adriano C. Mendonça 116, 117, 142, 143, 144, 145. Ana Luiza Nobre 236. AndradeMorettin 14, 15, 16, 24, 25. Arquitetos Associados 28, 29, 30. BLAC 48, 66, 67. CAMPO aud 68, 69, 70, 82, 83, 84, 85. Fran Parente 98, 99. Gabi Abdalla 218, 219. Guilherme Wisnik 235, 238. Leonardo Finotti 42, 43, 44, 45. Marcos Prado 64, 65. MMBB 146, 147, 148, 162, 163. Nelson Kon 26, 27,100, 101, 160, 161, 176, 177, 178, 179, 216, 217. Nitsche arquitetos 166. Odiléa Toscano 102, 103. Rua arquitetos 180, 181, 182, 194, 195, 196, 197. Sofia Mattos 198, 199. SPBR 200, 214, 215. Vazio S/A 220, 230, 231, 232, 233. Capa e conta-capa: foto retirada da estante de livros do conjunto 132, compartilhado pelos escritórios SIAA, Apiacás e Centro.
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Agradecimentos A todos os escritórios e arquitetos que nos receberam e se dispuseram a conversar conosco. A Adriano Carneiro de Mendonça, Carolina Maiolino, Patrícia Rodrigues, Pedro Pedalino e Tatiane de Oliveira pela colaboração nas entrevistas. Ao professor João Masao Kamita por escrever o prefácio deste livro. Aos estudantes, pelo retorno que nos deram ao longo das publicações das entrevistas. A todos que comentaram no site e enriqueceram a discussão.
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Créditos
A nossas famílias e amigos pelo apoio e incentivo constantes.
ISBN 978-85-87721-67-8
9 78 85 88 72 1 67 8
Andrade Morettin Arquitetos Associados BLAC CAMPOaud Carla Juaçaba João Walter Toscano João Filgueiras Lima (Lelé) MMBB Nitsche Arquitetos Associados Rua Arquitetos SPBR Vazio S/A Ana Luiza Nobre + Guilherme Wisnik