Revista SET

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EDIÇÃO 140 | ANO 12 | R$ 15,00

SET

MARION COTILLARD sensual e viril no papel mais difícil de sua carreira 50 ANOS DE LICENÇA PARA MATAR homenagem aos 50 anos do agente secreto mais famoso do cinema | PELÍCULA X CINEMA DIGITAL a guerra entre a nova e a velha tecnologia | PAUL THOMAS ANDERSON a tragetória de um mestre www.set.com.br 1 SET


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VOCÊ VAI VER O QUE NINGUÉM VIU www.set.com.br 3 SET



SET ABRIL DE 2013 ANO 12 EDIÇÃO Nº 140

06 EDITORIAL E COLABORAÇÃO

08 50 ANOS DE LICENÇA PARA MATAR

EDIÇÃO PASSADA

14 MARION COTILLARD: SENSUAL E VIRIL

18 PELÍCULA X CINEMA DIGITAL

24 PAUL THOMAS ANDERSON: A TRAGETÓRIA DE UM MESTRE


EDITORIAL A edição de número 140 da SET marca o final do nosso décimo-segundo ano de vida a favor da informação cinematográfica de qualidade. Como os mais antigos sabem, muita coisa mudou de lá para cá: como o crescimento e modernização da identidade visual da revista, visando acompanhar o imenso desenvolvimento do mundo do cinema e suas tecnologias. Tudo isso é graças ao trabalho de muita gente, sejam atores, diretores, ou até mesmo vocês, espectadores desse show. Nesta edição trazemos uma reportagem inédita sobre a Guerra da Modernização do Cinema: Película X Cinema Digital; uma matéria exclusiva com a belíssima Marion Cotillard contando sobre sua nova personagem em Ferrugem e Osso, além de homenagear o aniversariante do mês, James Bond, e solidificar a carreira de Paul Thomas Anderson.

COLABORAÇÃO

Capa: Marion Cotillard em ensaio fotográfico para a SET.

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ALEXANDRE ABREU DIRETOR DE ARTE alexandreabreu@set.com

GABRIELA PINTO REDATORA E MARKETING gabrielapinto@set.com

LUIZA NICODEMOS EDITORA CHEFE luizanicodemos@set.com



50 ANOS DE LICENร A PARA MATAR Em nossa homenagem aos 50 anos da saga 007: De Barry Nelson a Daniel Craig, onze homens jรก interpretrarawm o agente secreto mais famoso do cinema.

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o dia 5 de outubro deste ano, foi comemorado 50 anos desde o primeiro filme da série 007, mas, se você perguntar a alguém qual foi o primeiro ator a interpretar James Bond, provavelmente receberá como resposta o nome de Sean Connery. Fazendo uma outra pergunta, de quantos atores já desempenharam o papel de James Bond no cinema, a maioria das pessoas irão responder cinco ou seis. Você pode se surpreender ao saber que as respostas acima estão todas erradas. Mas enfim, quem são os homens que deram vida ao agente do serviço secreto mais famoso do cinema? Confira a lista dos principais nomes:

BARRY NELSON

1954

No início de 1954, Ian Fleming foi pago com mil dólares por seus diretos de imagem televisivos para o filme Casino Royale. O romance foi adaptado para TV com uma hora de duração e foi transmitido na CBS em 21 de outubro de 1954. Foi um episódio de baixo orçamento, preto e branco, adaptado por Charles Bennett, que escreveu os roteiros para a maioria dos filmes de Alfred Hitchcock nos anos 30. Ele estrelou Peter Lorre como Le Chiffre, Christian Linda estava no papel de Valerie Mathis, Michael Pate como Clarence Leiter, e o ator norte-americano Barry Nelson como o primeiro James Bond. Barry fez uma grande interpretação como James Bond dando vida pela primeira vez ao personagem. Apesar de várias cenas de ação que ficaram engraçadas, o episódio foi uma interpretação interessante e agradável de Casino Royale.

SEAN CONNERY

1962 - 1967

Em 1962, os produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman trouxeram James Bond para o cinema com 007 contra o Satânico Dr. No, baseado no romance de Ian Fleming, de 1958. Com Sean Connery em grande estilo, os locais exóticos e um elenco espetacular de apoio, Dr. No se tornou um sucesso instantâneo e é lembrado até hoje como uma grande produção. Sean Connery passou a interpretar James Bond mais quatro vezes em Moscou contra 007 (1963), 007 Contra Goldfinger (1964), 007 contra a Chantagem Atômica (1965) e Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967), antes de se retirar temporariamente do papel.

Sean Connery. Um dos rostos mais marcantes a interpretar 007.

BOB HOLNES

1956

James Bond também já esteve na rádio. Em 1956, Bob Holness fez a voz do espião à serviço da Coroa Britânica em uma adaptação do personagem para uma rádio da África do Sul do romance de Ian Fleming Moonraker. O ator, mais tarde, viria a se tornar um ator de rádio. Esta permanece, a única interpretação do personagem para rádio, foi transmitida ao vivo e sem recursos para gravar nas casas, por isso não há registros conhecidos, apenas relatos de pessoas que viveram na época e que participaram da produção do show, uma vez que os registros originais se perderam com o tempo.

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DAVID NIVEN

1967

Em meados dos anos 60, o produtor norte-americano Charles K. Feldman adquiriu os direitos de filmagem de Casino Royale. Depois de uma tentativa fracassada como uma série oficial, o cineasta decidiu transformar a produção em uma paródia de James Bond. O filme começa com David Niven como 007 aposentado. M implora para ele voltar e, quando Bond se recusa, sua mansão sofre uma grande explosão. M morre na explosão e Bond assume sua posição. Ele decide mudar o nome de todos os agentes para James Bond a fim de confundir o inimigo, resultando em David Niven, Cooper Terence, Woody Allen, Pettet Joanna, Lavi Daliah, Peter Sellers e Ursula Andress juntos em uma produção diferente do personagem.

GEORGE LAZENBY

1969

Após a saída de Sean Connery da série, em 1967, os produtores começaram uma busca por um novo ator a interpretar James Bond e que pudesse substituir Sean com qualidade. Eis que então descobrem o australiano George Lazenby, o modelo mais bem pago do mundo na época. Ao Serviço de Sua Majestade (1969) foi a primeira e última aparição de George Lazenby na série Bond, assim como o fim da carreira do modelo no cinema.

SEAN CONNERY

1971

Depois de muitas negociações, Sean Connery finalmente concordou em fazer um último filme, recebendo 1,25 milhões dólares, mais uma percentagem de 12,5 em cima de todo o lucro da produção. O desempenho de Sean em Diamantes São Eternos (1971) foi tão bom quanto os anteriores. O filme foi um sucesso de bilheteria e crítica. Sean doou seu salário para uma instituição de caridade do seguimento de educação escocesa.

Roger Moore. 007 em sete filmes da saga, dentre eles Viva e Deixe Morrer (1973).

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ROGER MOORE

1973 - 1985 Depois de Diamantes São Eternos, a busca por um novo James Bond estava começando novamente. Roger Moore se encontrava no topo da lista de candidatos a interpretar o espião à serviço do serviço sercreto britânico, e, felizmente, seu programa de TV The Persuaders!, co-estrelado por Tony Curtis, não foi renovado para uma segunda série. Isto significava que Roger estava livre para o papel e este tornou-se James Bond em Viva e Deixe Morrer (1973), um dos maiores sucessos da saga 007.

SEAN CONNERY

1983

Nunca Mais Outra Vez (1983) trouxe de volta Sean Connery como James Bond. Este é considerado pela maioria como o pior filme com Connery da saga Bond para o cinema.

TIMOTHY DALTON

1987 - 1989

Quando Roger Moore aposentou-se, Timothy Dalton deu vida ao espião à serviço de Sua Majestade em Marcado para a Morte (1987) e em Licença para Matar (1989).

PIERCE BROSNAN

1995 - 2002

Uma das mais famosas interpretações do agente do serviço secreto britânico. Em 1986, Pierce Brosnan foi convidado para desempenhar o papel de 007. Brosnan passou a interpretar James Bond quatro vezes, em 007 Contra GoldenEye (1995), O Amanhã Nunca Morre (1997), O Mundo Não é o Bastante (1999) e Um Novo Dia Para Morrer (2002).

Pierce Brosnan. O ator trouxe rejuvenescimento ao papel, quebrando recordes seguidos de bilheteria.

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Daniel Craig em sua performance como o agente 007, muito elogiada pelos críticos.

DANIEL CRAIG

2006 - 2013 Depois de um hiato de quatro anos, James Bond voltou aos cinemas com Daniel Craig em Casino Royale (2006). O ator veste o terno do herói novamente em Quantum of Solace (2008) e, recentemente, volta às telonas com Operação Skyfall (2012), que conta também com a participação do ator espanhol Javier Bardem. Craig já assinou contrato para mais cinco filmes da franquia do agente secreto à serviço de Sua Majestade.

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Texto GABRIELA OLIVEIRA PINTO


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MARION COTILLARD, SENSUAL E VIRIL.

“Foi um grande desafio pessoal, mas também um dos mais emocionantes de minha carreira.” SET 14 www.set.com.br

Marion Cotillard alcança em Ferrugem e Osso o papel mais desafiador de sua vida. No mais novo filme de Audiard, que será exibido hoje no encerramento da Semana de Cinema Francês, a bela dá vida a uma domadora de baleias que sofre um grave acidente.


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ompreendido como o papel mais complexo e incompreensível de sua rica trajetória no cinema. Pelo drama e pela personalidade de Stéphanie, personagem que encarna em Ferrugem e Osso, o esplêndido filme de Jacques Audiard que, esta noite, no encerramento da Semana de Cinema Francês, será exibido às 20 horas no Cinemark Palermo, é que Marion, que nos encantou em Meia-noite em Paris (2011) e ganhou o Oscar por sua comovente atuação em Piaf, Um Hino de Amor (2007) interpreta uma domadora de baleias que, em um trágico acidente, perdesuas pernas, situação esta que, embora desmorone a atual situação de sua vida, também ajuda em sua reinvenção como pessoa. “Quando eu li o roteiro, fiquei chocada com a história. Normalmente tenho uma compreensão imediata do personagem ao ler o enredo, mas, nesse caso, não sabia quem era Stéphanie. Esse caminho pelo qual a personagem passou, da mulher bela e confiante a uma inválida de pernas amputadas, cativou-me e levou-me a aceitar o papel mais difícil da minha vida”, admite Marion para a revista Set. Stéphanie começa sua lenta, porém ascendente, volta á vida através de sua relação com Ali (o belga Mathias Schoenaerts), um segurança que, na realidade, faz seu dinheiro com lutas selvagens. Ali, gradualmente, de-

volverá à personagem de Marion uma certa normalidade e reintegrará sua auto-estima e sua sexualidade. Embora transpareça certa morbidez, Cotillard mantém sua sensualidade mesmo sem os membros inferiores, assim como vale ressaltar o cuidado de Audiard, também responsável por O Profeta (2009) outra excelente produção, em não utilizar golpes baixos e de mal gosto, dada a temática dramática e pesada do enredo. Ao contrário, Jacques aposta em uma reafirmação positiva sobre o trauma, deixando o personagem de Marion como alguém que está disposto a voltar a desfrutar, o ammor, a caminhar e nadar no mar. “Foi um grande desafio pessoal, mas também um dos mais emocionantes de minha carreira”, cita a parisiense de 37 anos. Audiard, que também surpreendeu com Leia Meus Lábios (2001), mostra-se orgulhoso de seu trabalho com Marion. “Estava seguro de que a conheceria algum dia. Marion faz parte do seleto grupo de grandes atrizes do cinema atual, atrizes com quem quero trabalhar. Hoje não poderia imaginar mais ninguém interpretando Stéphanie, assim como ninguém mais poderia ter dado vida à Edith Piaf em Piaf, Um Hino de Amor como Marion. Há uma autoridade viril em sua forma de atuar e, ao mesmo tempo, exala sensualidade”, pontua sabiamente o diretor.

Marion em ensaio para a revista Set.

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ESSE CAMINHO PELO QUAL A PERSONAGEM PASSOU, DA MULHER BELA E CONFIANTE A UMA INVÁLIDA DE PERNAS AMPUTADAS, CATIVOU-ME E LEVOU-ME A ACEITAR O PAPEL MAIS DIFÍCIL DA MINHA VIDA.

Marion Cotillard

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Previsto para estréia em 3 de maio de 2013, Ferrugem e Osso, com seus personagens em tempos de crise e sua história baseada em sentimentos e violência, promete tocar profundamente os expectadores, mesmo aqueles com realidade tão diversa dos personagens da trama. “Nada do que acontece é tão distante das pessoas comuns.” finaliza Marion.

Texto JAVIER FIRPO Tradução LUIZA NICODEMOS Marion Cotillard e Mathias Schoenaerts interpretam um casal lidando juntos com crises pessoais em Ferrugem e Osso.

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Poster de Django Livre, um dos filmes lançados em 2012 a persistirem na película.

PELÍCULA CINEMA DIGITAL

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UMA GUERRA SILENCIOSA A chegada do cinema digital parece trazer uma maré imparável de benefícios e mudanças, mas nem todos estão convencidos e há mesmo quem enumere diversos problemas para a nova tecnologia.

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m novembro de 2011, o IHS Screen Digest Cinema Intelligence Service publicou um extenso estudo que indicava o sucesso comercial do filme Avatar (2010), de James Cameron, como responsável pelo acelerar da transição para a projeção digital nas salas de cinema, relegando a película de 35mm para um quase nicho de mercado (isto é, reservada a instituições museológicas e exibidores privados). Entretanto, em meados de 2012, o digital já ultrapassava a projeção em 35mm. Dentre as inúmeras reflexões que esta revolução tecnológica tem suscitado desde então, é impossível não encontrar mais vantagens do que fragilidades: redução de custos na produção, transporte e recursos humanos para manuseamento de filmes em 35mm; progressivo incremento na qualidade de imagem e som das projeções; e, para estúdios e exibidores, perspetivas de maiores receitas de bilheterias geradas a partir de títulos em 3D. Por outras palavras, numa época em que a rentabilidade financeira determina todas as decisões de qualquer setor de atividade, o digital tem-se assumido como opção privilegiada. Por outro lado, e numa análise atenta às especificidades da projeção digital, surgem as especulações em relação à fiabilidade econômica e logística do formato. Entre algumas contrariedades já detectadas, encontram-se detalhes como: a multiplicação dos fabricantes de projetores digitais, alguns exigindo agressivos contratos de exclusividade com as distribuidoras; existência de três formatos diferentes de compressão de imagem para exibição - 2K (resolução de imagem de 2048 por 1080

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pixels), 4K (4096 por 2160 pixels) e o muito recente 5K (5120 por 2700 pixels) -, o que leva à acelerada obsolescência e/ou descontinuação de equipamentos, implicando elevados custos de atualização para os exibidores; a ameaça de projeções mal configuradas ou com defeitos técnicos (pixelização, “congelamento” da imagem).

alusão em The Digital Dillema, uma resolução a curto prazo que substitua a segurança e resistência ao tempo da película.

UMA SEGUNDA VIDA PARA A PELÍCULA O “DILEMA DIGITAL” PARA A PRESERVAÇÃO DO CINEMA Esta alteração no modo de ver um filme na sala de cinema tem óbvios reflexos econômicos, históricos e estéticos em toda a indústria, sobretudo no que toca aos (ainda) duvidosos efeitos do digital para a preservação do Cinema. Com a redução da procura de cópias em 35mm para exibição, aliada à cada vez maior produção cinematográfica em formatos digitais, a fabricação da película está em risco de se tornar inexistente. E, nesse sentido, os fatos relativos aos dois principais fornecedores de película são evidentes: a Fujifilm já anunciou a cessação definitiva da produção de bobinas de filme e a Kodak, apesar de deter 80% de cota de mercado, continua a trabalhar em iminente quebra. Para além disso, a diminuição da película como ferramenta de trabalho para cineastas, projecionistas e outros profissionais tem aumentado o debate relativamente ao recurso a técnicas de armazenamento informático para a conservação de patrimônios audiovisuais. Sobre este assunto, interessa recorrer ao estudo The Digital Dilemma, documento elaborado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA em 2007, que menciona os múltiplos problemas que a preservação enfrenta nos tempos atuais devido à completa adoção, pela indústria, de formatos digitais de produção e exibição. Essas dúvidas - das tecnicamente complexas (inexistência de software que armazene um arquivo digital por várias décadas, vírus informáticos, compressão inadequada de arquivos), passando por decisões inteiramente econômicas (a decisão do que deve ou não ser armazenado ficará a cargo dos grandes estúdios, em detrimento da preservação total de materiais ou a perda de financiamento dos custosos sistemas de preservação digital) até aos riscos da influência humana (ações mal-intencionadas, possível facilitação de pirataria informática) - ainda não encontraram, seis anos após a sua

Depois da exibição e da preservação, o terceiro e último fator de análise será, provavelmente, o mais importante de todos: a própria produção de cinema. Neste âmbito, o panorama revela-se mais animador, pois assiste-se à valorização da película enquanto opção estética singular e privilegiada. Obras recentes como O Mestre (2013) (filmado no raríssimo formato de 70mm), de Paul Thomas Anderson, O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), com o seu realizador, Christopher Nolan, a salientar publicamente que a dimensão épica daquele filme só pode ser obtida por intermédio da película, ou Django Livre (2013), do entusiasta pelo 35mm Quentin Tarantino, mostram que ainda há futuro, artístico e comercial, para o celulóide. O confronto entre película e digital tem, inclusive, ecoado nas temáticas da produção cinematográfica, sendo o documentário Side By Side (ainda sem data de estreia para o Brasil) exemplo maior disso. Produzido pelo ator Keanu Reeves, reúne as opiniões de alguns dos principais realizadores e diretores de fotografia sobre os prós e os contras deste progressivo abandono da película em prol de formatos digitais, estabelecendo eficazmente o ponto de situação no seio da própria indústria. O debate promete continuar, por estas e outras questões (as edições de clássicos em Blu-Ray restaurados a partir da própria película ou locais que concebem um evento especial para cada sessão projetada em película) cuja análise ainda está apenas no início. Mas uma certeza existe: com nuances e protagonistas diversos, está é uma das polêmicas mais intensas e, paradoxalmente, menos mediáticas do momento no seio da indústria cinematográfica. Uma “guerra silenciosa”, tal como foi apelidada pela LAWeekly. Texto SAMUEL ANDRADE

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A TRAGETÓRIA DE UM MESTRE

PAUL THOMAS ANDERSON

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Em O Mestre, seu mais novo longa-metragem, ousado, Paul leva avante sua missão de retratar o avesso do sonho norte-americano, matéria-prima de grande parte da produção hollywoodiana. Aproveitando o lançamento da obra com Joaquin Phoenix e Phillip Seymour Hoffman, apresentamos toda a trajetória brilhante e marcante do jovem diretor e autor no cinema.


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uma era em que a indústria cinematográfica de Hollywood está repleta de filmes de orçamentos gigantescos que acabam sendo um fracasso de bilheteria, prequelas, sequências e remakes, a palavra “autor” é raramente usada. No final da década de 90, antes mesmo de completar 30 anos, Paul Thomas Anderson já tinha escrito e dirigido três longa-metragens, dois destes considerados obras-primas pela crítica. Seu jeito único de contar histórias e suas características-chave de produção revigoraram o cinema norte-americano e deram esperança à uma indústria que atualmente fracassa mais do que tem sucesso. A trajetória de Anderson até o cinema é bem interessante. Depois de matriculado na New York Film School, retirou-se da instituição após apenas dois dias e usou o dinheiro das mensalidades para ir até Los Angeles. Paul sentiu que não havia nada que poderiam ensiná-lo ali que já não aprendera assistindo a centenas de filmes. Tal postura arrogante em relação a autoridades é algo que sempre o acompanhou em sua carreira, principalmente ao lidar com chefes de estúdios. Anderson foi aceito no Sundance Filmmakers Lab para trabalhar em seu script de estréia Sydney (1996) (mais tarde chamado de Jogada de Risco) e conheceu seu futuro parceiro de produção John Lyons. “Percebi que ele era particularmente inteligente e um dos diretores mais interessantes que já passaram por lá. Ele possuía uma confiança que não se vê com frequência, nem mesmo em diretores, principalmente para alguém tão jovem. Ele era um grande entendedor, completamente auto-confiante.” disse Lyons. A maturidade de Anderson ficou clara em Jogada de Risco. Escrever e dirigir uma trama sobre um homem decadente de 60 anos viciado em jogos de azar mostrou que Paul Thomas era mais sábio do que sua pouca idade dava a entender.

UMA DAS COISAS QUE EU ACHO MARAVILHOSAS EM PAUL É A HUMANIDADE QUE ELE TEM E O QUÃO SENTIMENTAL ELE É. NÃO HÁ MUITAS PESSOAS QUE TEM A CORAGEM NECESSÁRIA PARA SER TÃO EMOTIVO. PAUL TEM TAL CORAGEM.

Julianne Moore sobre Anderson

O estilo de dirigir de Anderson foi definido em seu segundo filme, Boogie Nights - Prazer Sem Limites (1999). Tomadas longas e uma câmera em constante movimento, que são hoje marcas do diretor, foram elementos usados para realçar a energia da obra, uma história sobre a indústria de filmes pornográficos no fim da década de 70. Muitos temas que seriam mais tarde vistos em outras obras de Anderson apareceram pela primeira vez em Boogie Nights - Prazer Sem Limites. Relações em uma família disfuncional, alienação, arrependimento e solidão foram incorporados nas telas. Ao apresentar tantas temáticas emotivas em um longa sobre a indústria pornográfica, Anderson mostrou sua habilidade em fazer com que o público se simpatize com as personagens. Conhecido por não deixar que as pessoas assistindo a seus filmes se sintam confortáveis demais, o diretor também foi perfeito ao chocar a audiência com diversas cenas, como a memorável morte dupla/suicídio executada pela personagem de William H. Macy e a overdose de cocaína de um menor, ambas cenas extremamente brutais, mas um tanto cômicas. Fazer de Marky Mark um ator sério, apresentar Heather Graham ao mundo e dar uma alavancada na carreira de Burt Reynolds, tudo em um só filme? O jovem diretor não estava ali para brincadeiras. Entre o meio e o fim da década de 90, todos os estúdios de Hollywood estavam em busca do novo Quentin Tarantino. O sucesso de Boogie Nights deu a Anderson passe livre para fazer o que quisesse. Mike De Luca, um jovem chefe de produção da New Line, estava tão empenhado em manter Paul em seu time que o ofereceu a oportunidade de fazer o próprio corte final de sua próxima obra, um privilégio que muitos diretores nunca chegam nem perto de ter. O longa sucessor foi Magnolia (1999) (de três horas de duração), um mosaico de histórias entrelaçadas sobre personagens em busca da felicidade, do perdão e de um propósito de vida. Vários atores de Boogie Nights fizeram parte do elenco, incluindo a atriz Julianne Moore, que disse o seguinte sobre Anderson durante as filmagens de Magnolia: “Uma das coisas que eu acho maravilhosas em Paul é a humanidade que ele tem, e o quão sentimental ele é. Não há muitas pessoas que tem essa característica ou a coragem necessária para ser tão emotivo. Paul tem tal coragem, ele realmente se mostra.” Em uma manobra surpresa, Anderson deu a Tom Cruise o papel de Frank TJ Mackey, um guru de auto-ajuda especializado na arte da sedução. Durante a viagem de divulgação de Boogie Nights ao Reino Unido, o diretor Stanley Kubrick convidou Paul para uma visita ao set de De Olhos bem Fechados (1998). Na noite anterior Kubrick assistiu a Boogie Nights com Cruise e Nicole Kidman. Tom disse a Anderson que amava trabalhar com bons diretores e que esperava trabalhar com ele em breve. Era

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tudo o que Paul precisava ouvir. Frank iria mais tarde render a Tom Cruise o Globo de Ouro na categoria Melhor Ator Coadjuvante, e também seria saudado pela crítica como uma de suas melhores performances. Magnolia serviu também de plataforma para Anderson mostrar suas habilidades musicais. Depois do sucesso da trilha sonora de Boogie Nights, o cineasta foi inspirado pelas músicas de Aimee Mann durante a criação de Magnolia e usou oito de suas canções no filme, incorporando, também, partes das letras das composições de Aimee aos diálogos do longa. Paul ainda gravou um videoclipe para a música Wise Up, em que cada personagem cantava uma parte da música, e usou uma épica partitura original, que magistralmente criou uma tensão em diversos momentos críticos da trama. A obra ganhou o maior prêmio no Berlin Film Festival. Em uma entrevista após o lançamento do filme, o confiante Anderson disse “Eu tenho a sensação, uma daquelas coisas que vem de dentro, de que farei muitos filmes maravilhosos durante toda a minha vida... Mas acho que o que estou sentindo neste momento é que Magnolia é, querendo ou não, o melhor filme da minha carreira.” Em entrevista para a Film Four em 1998, Anderson comentou sobre o fato das comédias-românticas estarem sendo destruídas por cineastas ruins. Ele disse que já queria há um bom tempo fazer um filme do gênero da forma mais tradicional possível, e ao fim “ferrar com tudo” da forma mais não-tradicional. A melhor maneira de se criticar um filme, Jean Luc Godard disse, é fazer outro filme. E assim nascia Embriagado de Amor (2002).

EU TENHO A SENSAÇÃO, UMA DAQUELAS COISAS QUE VEM DE DENTRO, DE QUE FAREI MUITOS FILMES MARAVILHOSOS DURANTE TODA A MINHA VIDA.

Paul Thomas Anderson

A obra desafia o público a considerar várias coisas acontecendo durante a trama. Por exemplo, o posicionamento de Barry Egan, personagem de Adam Sandler, em cada cena, na maioria das vezes nos cantos, especialmente no começo do filme. A escolha das cores; o azul representa a vida do protagonista Barry e o vermelho, o que Barry quer. E o significado por trás de acontecimentos aleatóri-

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os, como o acidente de carro nos primeiros 5 minutos do longa. Em uma manobra de direção magistral, Anderson fez uma das melhores cenas de acidente automobilístico já produzidas, mas, ao invés de fazer com que Barry investigasse o acontecido, ele simplesmente manteve a câmera e a história ao redor do protagonista como se pedisse ao público que fizesse o mesmo. Com Embriagado de Amor, Paul ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2002. Em entrevista de 2003 para o The Times, o cineasta disse, “Este filme veio de dentro. Não tem referências. Quando você está começando, você se inspira em outros estilos para ajudá-lo a representar o que quer. Mas esse filme é completamente meu e tenho muito orgulho disso.” Cinco anos separaram Embriagado de Amor e o próximo longa de Anderson, Sangue Negro (2007). Baseado no livro de 1927 Oil!, de Upton Sinclair, o filme conta a história de Daniel Plainview, um homem na impiedosa busca por riqueza no fim do século XIX e começo do XX, época em que o petróleo ganhou enorme importância. Daniel Day Lewis ganhou todos os prêmios pelo papel, incluindo o Oscar de Melhor Ator em 2007. O filme engloba tudo o que faz de Anderson um diretor incrível, sua habilidade de maravilhosamente dirigir uma história (durante os primeiros 14 minutos de filme, não há nenhum diálogo. Paul recorre puramente a ação para apresentar a trama ao público). A cinematografia incrível, a música épica (cortesia de Jonny Greenwood, do Radiohead) que mais uma vez foi usada para dar ritmo e emoção aos momentos críticos. A brilhante escolha do elenco. E, finalmente, sua habilidade de autor. Anderson presenteou os atores com diálogos poderosos e soube exatamente como criar tensão e finalizar longas cenas. Mais uma vez, foram cinco anos de espera por mais um trabalho do cineasta, seu mais recente filme O Mestre (2013). Rumores de problemas financeiros devido ao fato da trama ser vagamente baseada em temas da Cientologia junto a um problema na escolha dos atores (Jeremy Renner originalmente iria fazer o papel de Freddie Quell) inicialmente ameaçaram a produção da obra. A história de um veterano da Segunda Guerra Mundial (Joaquin Phoenix) lutando para se adaptar à sociedade pós-guerra, e seu eventual encontro com um pastor carismático (Phillip Seymour Hoffman) teve sua primeira exibição no Venice Film Festival setembro passado. O filme colecionou grandes honrarias no festival, tais como um prêmio conjunto de Melhor Ator para Phoenix e Hoffman e o troféu de Melhor Diretor para Anderson. O Mestre tornou-se um sucesso entre os críticos quando lançado em outubro e foi escolhido Melhor Filme de 2012 pela Sight & Sound, Rolling Stone e The Village Voice, entre outras. Entretanto, o longa não foi tão bem sucedido quanto à bilheteria, até agora rendendo apenas metade dos 30 milhões de dólares gastados na produção.


Heather Graham em Boogie Nighs - Prazer Sem Limites (1997).

Para o público, O Mestre é provavelmente o menos acessível dos filmes de Anderson graças à falta de uma progressão narrativa típica. O que o filme faz é pedir algo mais dos espectadores, algo semelhante ao que Terrance Malick pediu com A Árvore da Vida, de 2011: seja levado a algo além da história contada. Enquanto A Árvore da Vida foi um estudo sobre a vida, fé e existência, O Mestre é um estudo sobre um personagem que não poderia ser feito sem os fascinantes retratos de mentes inquietas e perturbadas. É realmente um filme com atuação e direção de primeira classe.

Phillip Seymour Hoffman em Magnolia (1999).

QUANDO VOCÊ ESTÁ COMEÇANDO, VOCÊ SE INSPIRA EM OUTROS ESTILOS PARA AJUDÁ-LO A REPRESENTAR O QUE QUER. MAS ESSE FILME É COMPLETAMENTE MEU E TENHO MUITO ORGULHO DISSO.

Paul Thomas Anderson sobre Embriagado de Amor (2002) Paul Thomas Anderson está inspirando uma nova geração de jovens cineastas da mesma forma que a geração Scorsese/Altman o inspirou. Um autor no sentido mais genuíno da palavra, Anderson é considerado um dos maiores diretores vivos nos dias de hoje. Para a nossa sorte, não teremos que esperar por mais cinco anos até seu próximo filme, já que o plano é começar a gravar Inherent Vice (ainda sem título em português) neste mês. O longa, uma adaptação do livro de mesmo nome do escritor Thomas Pynchon, conta a história de um detetive usuário de drogas, Larry ‘Doc’ Sportello, e um famoso caso de sequestro que ele resolve investigar. A trama acontece nos dias de paranoia causados pela família Manson em 1969 e já tem Joaquin Phoenix como o protagonista. Tais ingredientes são o suficiente para fazer com que os apaixonados por cinema comecem a contar os dias até o lançamento do filme.

Daniel Day Lewis em Sangue Negro (2007).

Joaquin Phoenix em O Mestre (2012).

Texto KURT MAYES Tradução LAIZA NICODEMOS

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