UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO – FAU ENSAIO EM TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO
Intervenções Artísticas: poesia e engajamento no campus Darcy Ribeiro
Gabriela Cascelli Farinasso – 09/0006437 Orientadora: Drª Luciana Saboia Fonseca Cruz
Brasília, julho de 2013.
Gabriela Cascelli Farinasso
INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS: POESIA E ENGAJAMENTO NO CAMPUS DARCY RIBEIRO
Ensaio
Teórico
referente
à
disciplina
Ensaio de Teoria e História de Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Teoria e História em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.
Orientadora: Drª Luciana Saboia Fonseca Cruz
Brasília, julho de 2013.
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Intervenções Artísticas: poesia e engajamento no campus Darcy Ribeiro Brasília: FAU/UnB, julho de 2013.
Graduanda: ______________________________________ GABRIELA CASCELLI FARINASSO
Orientadora: ______________________________________ DRª. LUCIANA SABOIA FONSECA CRUZ
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Sumário Introdução ................................................................................................................. 6 Intervenções artísticas (Street Art): o que são? .................................................... 9 O campus Darcy Ribeiro e o caráter transgressor .............................................. 12 Grupos de análise ................................................................................................... 18 Revolta e Engajamento ......................................................................................... 19 Poesia e Estética ................................................................................................... 24 Oficial e Não-Oficial ............................................................................................... 30 Arte Engajada ........................................................................................................ 33 Considerações finais .............................................................................................. 40 Bibliografia .............................................................................................................. 43
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O ser humano tem também a necessidade de acumular energias e a necessidade de gastá-las, e mesmo de desperdiçálas no jogo. Tem necessidade de ver, de ouvir, de tocar, de degustar, e a necessidade de reunir essas percepções num “mundo”. [...] Trata-se da necessidade de uma atividade criadora, de obra, necessidades de informação, de simbolismo, de imaginário, de atividades lúdicas. (LEFEBVRE, 2010, pg. 105)
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Introdução O
presente
trabalho
busca
analisar as intervenções artísticas (ações que
buscam
transformar
o
espaço
consolidado) no espaço do campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília. O campus reúne uma grande variedade de intervenções pela diversidade de pessoas que circulam no espaço, é um lugar que esteve em contato com os principais Parte externa do ICC norte – intervenções nos acontecimentos políticos e culturais da
pilares.
cidade (como a ditadura militar e as comemorações do aniversário de 50 anos da cidade) e é propício para a produção e troca de conhecimentos, por ser a maior instituição de ensino superior do Centro-Oeste. Inerente a esse espaço tem-se o caráter transgressor. Já no projeto, tanto urbanístico e arquitetônico quanto educacional, a universidade foi pensada e criada para ser inovadora, aberta à sociedade e à cidade, um lugar que proporcionasse o encontro. A transgressão desse espaço foi uma prática identificada e registrada já na década de 60, após as primeiras invasões dos militares e persiste até hoje, tanto em pequenas ações do dia-a-dia, como pintar uma parede, como em ações coletivas de grande impacto, como mobilizações e paralizações. Esse caráter diz respeito tanto ao espaço físico quanto às ideologias que estão presentes na sociedade e também reflete momentos de apatia da juventude, quanto esta, por exemplo, estava muito vinculada a cultura dos shopping centers e não se inseria no contexto político. Transgredir o espaço é alterá-lo sem que haja autorização. Transgredir ideologias é questioná-las, tentando mudar o senso comum através de ações que são evitadas e/ou proibidas por quem está no comando (líderes tanto governamentais quanto econômicos). No campus tem-se o espaço consolidado, conformado pelos prédios, equipamentos urbanos e o espaço público. A transgressão desses espaços através de intervenções artísticas será analisada de forma a entender a intenção de quem realiza essas intervenções.
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Poderiam as intervenções serem uma forma de ouvir a cidade? Elas são uma extensão do que move as pessoas, do que as indigna, do que a sociedade quer dizer? Transgredir o espaço é uma forma de estimular transformações sociais? E se sim, como essa relação pode ser feita? Para responder a essas perguntas o trabalho será divido em quatro partes: a primeira irá conceituar as intervenções artísticas retomando conceitos de arte, do fenômeno da Street Art (suas técnicas de modificação do espaço: graffiti, stencil, posters, adesivos e esculturas) e da intenção artística. Além disso, irá explicar-se o caráter efêmero desse fenônemo, que não é realizado com a intenção de ser preservado e permanecer no espaço, e o fato de que ele vai contra a estética dominante (a arte vendida pela mídia, museus, galerias e exposições). Pintura em frente ao IDA – março de 2013.
Pintura em frente ao IDA – junho de 2013.
A segunda parte irá discorrer sobre o contexto do campus Darcy Ribeiro, retomar fatos históricos, enfocando no caráter transgressor do campus e das intervenções, mostrando como as transgressões já eram realizadas em 1964 e continuaram até os dias de hoje. Também será visto que a ligação entre as pessoas e o contexto político e cultural reflete diretamente no conteúdo das intervenções que estão sendo feitas e a importância do caráter transgressor como forma de protesto em nossa sociedade. Esse caráter transgressor, muito ligado a prática da pichação, que é
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vista pela maior parte da sociedade como uma agressão ao espaço público, será explicada e comparada a prática do grafite. A terceira irá reunir diversas intervenções coletadas pelo campus e dividí-las em quatro grupos: Engajamento e Revolta, Poesia e Estética, Oficial e Não-Oficial e Arte Engajada. Cada grupo possui uma forma diferente de comunicar-se com o observador, passando mensagens na forma de frases e/ou símbolos. Através desses grupos e das mensagens que são passadas, irá buscar-se um entendimento de como essas intervenções buscam transgredir ideologias ou espaços, ressifignificar objetos ou afirmar-se enquanto parte da sociedade. Na quarta e última parte, haverá uma análise dessas formas de modificação do espaço e sua relação com o contexto (espacial e temporal) e com a intenção de seus autores, buscando responder às perguntas do trabalho e caracterizar as intervenções como forma de diálogo entre os cidadãos e a cidade.
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Intervenções artísticas (Street Art): o que são? O fenômeno da Street Art é definido por Johannes Stahl (STAHL, 2009, p. 06) como desenhos e mensagens (que estão relacionados com quem os faz) que são deixados no espaço público, a priori não possuem o objetivo de ser arte, tem caráter efêmero (não há preocupação em preservar as obras), são contextualizados político e esteticamente e a beleza não é o sentido de sua criação, mas surge como recompensa. Stahl explica que a princípio não há o objetivo de ser arte, porque as primeiras manifestações desse tipo iam contra a estética dominte. Com o tempo, essa estética das ruas (marcada principalmente pelos grafites nos metrôs de Nova Iorque) popularizou-se e começou a ser vendida como uma forma de arte, até chegar em galerias e ser vendidas a preços de obras de arte famosas (em torno de R$40.000,00 um quadro).1 Esse fenômeno é composto por diversas técnicas de modificação do espaço público (intervenções artísticas): os graffitis, os stencils, os pôsters, os adesivos e as esculturas. Atualmente, o fenômeno é vinculado a subculturas que guiam a juventude em momentos de revolta, espalhando ideias políticas e poesias desde a década de 70 nos metrôs de Nova Iorque (STAHL, 2009, p. 08) e hoje de forma mais popular e burocratizada, como em projetos como Picasso não pichava. Apesar dos jovens e do metrô de Nova Iorque terem virado marcos no que diz respeito ao surgimento dessa nova forma de fazer Street Art no mundo contemporâneo, tanto o fenômeno em si quanto o graffiti (forma mais popularizada de Street Art) datam da época de Pompeia e surgiram como termos para separar essa arte da arte oficial do governo. Assim, Stahl buscou na história uma forma de compreender o que existe até hoje, contando casos como o de Luís Filipe, Rei da França em 1830, que teve seu retrato pintado e espalhado pela cidade, com sua cabeça substituída por uma enorme pera, que fazia referência a sua cara redonda. Disso, entende-se que a Street Art, desde suas primeiras manifestações, é um
1 (EXIT THROUGH THE GIFT SHOP, Banksy, 2010, documentário) 2 O termo “ralé” é usado por Jésse Souza para designar a parcela da população que é discriminada não só por sua situação financeira, mas também pelo papel social que eles representam, são ditos incapazes. 3
Ver intervenções Não-Oficiais do Grupo 3. Um movimento nomeado de Brandalismo, diz que qualquer anúncio num espaço publico que 9
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movimento que vai contra a estética oficial (arte apreciada pelas referências públicas da sociedade, como museus, galerias e exposições que vendem o produto do artista). Ele também coloca em evidência a importância do lugar para a Street Art, que sendo em âmbito público garante que a arte seja acessível a todos, livre de censuras, tenha ligação com a cultura pública, se faz ouvir de forma imediata e é um meio de confrontação política, podendo incentivar na criação de opiniões ou ao menos de agitação, que é a arte atrelada ao engajamento (STAHL, 2009, p. 65). Esse fenômeno é descrito também pelos Situacionais [“grupo que surge em 1957 e se mantém atuante até o início da década de 70, teve como uma de suas questões principais dar visibilidade à perda de um certo “caráter lúdico” nas cidades” (DIAS, 2007, p. 210)], que sugerem que as cidades são a imagem daqueles que a controlam, e que são os artistas que possuem o privilégio de estimular a radical mudança social e impulsionar ideias no cotidiano (MUSEUM OF CONTEMPORARY ART SAN DIEGO, 2011, p. 20). Para Akay (MUSEUM OF CONTEMPORARY ART SAN DIEGO, 2011, p.22), um artista que apropria-se do espaço público também pode ser um arquiteto ou um urbanista. Aqui destaca-se que essa intervenção tem um diferencial: a efemeridade não está presente. Nesse caso as intervenções são permanentes e afetam de forma mais impactante no trajeto urbano da cidade. Mas de forma geral, a apropriação do espaço público é o que caracteriza
a
intervenção
artística,
pois
é
nessa
apropriação e requalificação do espaço que surge o fenômeno, transformando por meio da arte aquilo que deveria ser de todos para afirmar o espaço como como “meu”, como “seu” e como “nosso”. A intervenção artística, ou Street Art, é uma resposta à cidade, ao espaço público e a tudo que o determina (exemplo na figura ao lado, que questiona como a cidade pode ter diferentes leituras dependendo de quem a vê e como a vê). É uma ação que pretende mudar, transformar e dar novos significados ao que é consolidado. É um chamado para que mais pessoas participem, pensem e se Parte externa do ICC norte – engajem, tanto na ideia que se quer passar com a
“Quantas faces a cidade tem?”
intervenção, como no espaço que a engloba.
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Assim, é pensando que a arte, “meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias” (FISCHER, 1966, p. 17), e aqui particularmente a Street Art (arte de rua), que além disso possui caráter transformador e seus valores estão diretamente relacionados com o engajamento e a curiosidade intelectual, onde ela não pode ser determinada pelo mercado, pelo Estado ou qualquer forma de controle (KEPES, 1972, p. 63), que este trabalho pretende analisar as intervenções artísticas efemêras feitas no espaço público da Universidade de Brasília – campus Darcy Ribeiro.
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O campus Darcy Ribeiro e o caráter transgressor O campus Darcy Ribeiro, localizado no Plano Piloto, Brasília, foi projetado por Lúcio Costa e localizado entre a Asa Norte e o Lago Paranoá. A área, conformada por ruas curvilíneas, tem em seu centro o Instituto de Ciências – ICC (também conhecido como Minhocão), que tinha como objetivo reunir diversas faculdades e favorecer o uso de diferentes atividades, adaptando-se a elas de acordo com a necessidade. Este prédio foi projetado com 720 metros de extensão e conformado por duas alas, separadas uma da outra por um jardim central. As obras começaram em 1963 (ACROPOLE, 1970, pg. 13). É importante relacionar a ideia deste prédio à estrutura curricular inovadora e ao projeto de educação idealizado por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Isto porque nos dois casos temos projetos vanguardistas, que idealizam o sistema educacional nacional, pensando na educação não como um privilégio, mas como um direito. Uma universidade democrática e aberta à população, que garantisse o direito de ir e vir, apoiada em três pilares: ensino, pesquisa e extensão (VILLAR e CASTIONI, 2012, p. 33). No projeto dos prédios mais antigos da universidade essa ideia estava muito presente, de forma a garantir espaços abertos, jardins e locais de convívio, onde as pessoas poderiam se encontrar e conversar. Apesar do ideal universitário ser ligado a abertura e ao incentivo do encontro, hoje isso não acontece. Os espaços destinados ao convívio como a Concha Acústica, localizada no IDA, e o Teatro de Arena, localizado entre o ICC e a BCE, não possuem iluminação adequada, infra-estrutura ou equipamentos urbanos que facilitem a permanência. O ICC, pensado exatamente para favorecer o encontro de doscentes e discentes, controla a entrada e saída de pessoas e proibe quanquer tipo de confraternização fora dos horários de aulas. Por causa do seu projeto educacional, a Universidade de Brasília já foi criada com cursos de mestrado e doutorado, o que agregou já na sua criação mais de 200 professores do mundo todo. Em 1964, com o golpe militar, os professores e estudantes foram perseguidos e acusados de subversivos pelas ideias libertárias e democráticas que pregavam. No dia 9 de abril desse ano, a universidade foi invadida pela primeira vez pelo exército e policiais. Logo depois, Anísio Teixeira, o reitor na época, e seu vice, Almir de Castro, foram demitidos. Em setembro do ano seguinte
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houve uma nova invasão, seguidas de greves dos professores e alunos. Por conta disso e ameaças de depredassão dos prédios (relacionadas às pichações feitas na época) houve outra invasão em outubro. Depois disso o clima de tensão na universidade só aumentou. 223 professores demitiram-se e a instabilidade causada pela crescente tensão instarou-se. Em 1968 houve a invasão mais violenta, onde 500 pessoas foram cercados numa quadra de basquete. Neste dia, mais de 60 pessoas foram presas, dentre elas, Honestino Guimarães, desaparecido desde então (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA: Invasões, 2013). Em meio a esse cenário, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo também marcou a história da Universidade. Em outubro de 1967 os estudantes da FAU e do Instituto Central de Artes (ICA) fecharam as portas. O motivo era a indignação com a precária qualidade de ensino. Entre as pichações desta época destacam-se duas: “Demitam-se, picaretas!” e “Queremos formação, não formatura”. Apenas um ano depois as aulas voltaram a normalidade, a custo de muitas reuniões e tentativas de acordos (INSTITUTO DE ARTES: O ideal e O golpe. 2013). De acordo com Ann Mische (MISCHE, 1997, p. 134), os jovens brasileiros da década de 60 viam nas universidades o lugar mais importante de suas vidas. Eram nelas - nas universidades - que nasceriam as revoluções sociais, onde o conhecimento seria compartilhado e onde eles se tornariam agentes transformadores da realidade. Com o movimento Diretas Já em 1983 e a redemocratização da universidade em 1984, os jovens voltaram a ganhar espaço. Em 1992 surgiu o movimento Caras Pintadas, principal pressão pública responsável por tirar o então Presidente Collor do poder. Ann faz uma análise muito precisa sobre o perfil da juventude que participou desse importante momento histórico. Para ela, estava em vigor a geração shopping center, no qual as universidades e o movimento estudantil não constituíam mais o centro da vida cultural e política dos jovens. Ser jovem havia deixado de ser sinônimo de ser estudante, a moda passou a ser fazer parte de um estilo cultural, se reconhecer em um grupo, em uma tribo urbana (MAFFESOLI, 1998, p. 199). As diversas tribos (grupo de jovens com interesses parecidos) começaram a ser
promovidas
pela
nova
cultura
capitalista
ligada
aos
shopping
centers
(representação do capitalismo) e o grande número de jovens na rua durante o movimento dos Cara Pintadas foi um evento que não pode ser explicado com
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precisão, pois não se sabe ao certo o que conseguiu fazer com que esse grande número de estudantes voltassem a se mobilizar de maneira tão patriotista, já que eles não estavam ocupando as esferas de discussão política (MISCHE, 1997, p. 134). Anos depois, percebe-se que um pouco do que Ann Mische descreveu se repetiu. Até poucos meses atrás (maio de 2013), fundamentalmente, o acontecimento político que parecia mobilizar mais pessoas no espaço universitário era a Marcha das Vadias e as eleições para o diretório central dos estudantes (DCE). Além disso, haviam diversos grupos do movimento estudantil, como os centros acadêmicos e as Honestinas, que de tempos em tempos conseguiam mobilizar pautas políticas dentro da universidade, como exemplo a palestra sobre Orgulho Hétero realizada dia 28 de fevereiro que mobilizou cerca de 300 estudantes (HONESTINAS, 2013). Atualmente, essa leitura dos fatos sofreu drásticas mudanças por conta da onda de protestos que tomou o país no mês de junho de 2013. Os estudantes de toda a universidade, como também de todo o país, foram circundados por diversos debates políticos, como a Tarifa Zero, 10% do PIB para a educação, “cura” gay, estatuto do nascituro, corrupção, PEC 37, reforma política, democratização da mídia, repressão dos movimentos sociais, ditadura da FIFA, precarização da saúde pública, entre tantos outros, o que inclusive tornou os protestos como carentes de pauta específica (CAPELA, 2013). O porquê de tanta gente ter saído às ruas ainda não foi explicado ou comprovado, mas a ocupação do espaço público tomou proporções enormes e isso mudou o contexto político do país drasticamente, e consequentemente, da universidade. Somente no mês de junho uma assembléia foi convocada pelo DCE para discutir-se o assunto, aulas foram canceladas, oficinas foram organizadas pelos centros acadêmicos e pelos alunos e uma grande quantidade de material como faixas e cartazes foram produzidos. Na FAU uma faixa de mais de 10 metros com os dizeres “this is not fairplay” foi pendurada no corredor interno do ICC. A discussão por conta dessa onda de manifestações é enorme e vem ao caso em até certo ponto neste trabalho: acontece que o fenômeno da Street Art é tão efêmero e tão contextualizado político e culturalmente, que já se encontra no campus intervenções ligadas a crescente indignação publicitada. Observa-se com grande rapidez faixas e cartazes sendo pendurados pelas faculdades chamando todos para irem às ruas. Na Faculdade de Artes, os prédios que normalmente são tomados de
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intervenções foram pintados de branco como usualmente ocorre de um semestre para o outro. Dia seguinte à pintura, já encontram-se em suas paredes stencils ligados ao Passe Livre e a Marcha das Vadias. Nas paradas de ônibus diversos cartazes foram colados avisando os pedestres das manifestações que iriam ocorrer nos próximos dias. Não só no campus, como por toda a cidade diversas manifestações apareceram de forma muito mais incisiva que o habitual, trazendo questões referentes às manifestações (e por isso engajadas politicamente), o que pode com ser associado a presença de milhares de pessoas reunidas do espaço pública reinvindicando seus direitos. Além das intervenções que possuem mensagens contextualizadas com o cenário político e cultural, temos diversas outras formas de manifestações. Mensagens de paz e amor, personagens inventados, frases com trocadilhos ou subliminares, figuras históricas, atos de revolta ou de divagação e autoafirmações. Um conjunto de informações tão diverso que às vezes parece não ter conexão. Mas são todos formas de modificação do espaço público através de sua apropriação. Será observado que cada intervenção e/ou tipo de intervenção possui sua peculiaridade. Para isso, foi selecionado um conjunto que pode caracterizar o todo, sem desmerecê-lo. Assim, para melhor explicar, o próximo capítulo irá descrever melhor um pouco do que se observou na prática (in loco). Antes, porém, é importante contextualizar o caráter transgressor das intervenções artísticas, pois o histórico de transgressão da universidade tem relação direta com esse aspecto. Por não ser um fenômeno legalizado e sua prática, quando não autorizada, levar a multa e até prisão por dano ao patrimônio caso a pessoa ou grupo seja pego em flagrante (Brasil. Lei 12.408, de 25 de maio de 2011), e também por ser uma ato muitas vezes até rechaçado pela sociedade (principalmente pelo governo e a mídia), seus atores precisam lidar com situações de perigo - se colocam em risco e desobedecem a lei. Isso faz com que a motivação de quem a pratica não seja aleatória. É necessário um preparo, um pensar o ato a ser realizado, há um planejamento da ação. A adrenalina também é importante no processo, o que faz com que algumas pessoas o pratiquem apenas pelo seu caráter lúdico e libertário. Há relatos (PIXO,
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2009) de pessoas que sentem prazer quando se colocam em situações de risco para realizar as intervenções, como escalando prédios, entrando em áreas de acesso restrito ou andando pelos trilho do metrô. Elas vêem na prática uma pequena aventura, uma missão a ser comprida durante a noite, onde não há certeza do que vai acontecer. Aqui vale ressaltar a importância do caráter lúdico para a pesquisa, pois ele é inerente a qualquer pessoa que faça Street Art, há um prazer que acompanha a realização da intervenção. É, portanto, através do seu caráter lúdico, transgressor e livre de censura, que será feita a reflexão acerca do tema. A ideia de que é com uma ferramenta lúdica que se agregue pessoas e transmita ideias, sem um ostensivo controle político e monetário, sem perseguição a pessoa que criou a intervenção (anonimato) e com interatividade direta com a população. É na busca por uma ferramenta lúdica, que incentive a criatividade e a divulgação da arte ligada a cultura do lugar. O caráter transgressor é uma motivação. Ele contribui para o espírito revolucionário de quem quer colaborar com a construção de uma nova realidade e questiona a existente. A ideologia dominante pregada pelo governo e as grandes mídias, estando os dois subordinados aos detentores do poder financeiro, não reflete as culturas locais e individualidades regionais e individuais. O sistema cria não só uma separação ligada ao poder de aquisição de cada um, mas tambem uma separação social, que coloca as pessoas da ralé 2 em um patamar abaixo do resto, sem questionar o verdadeiro valor social de cada um. Questionar essa realidade é transgredir o sistema vigente. Transgredir ideologicamente e concretamente. Além disso, essa forma de vender a ideologia dominante é opressora, vez que por toda cidade somos obrigados a ver e conviver com enormes outdoors, vitrines, capas de jornais e revistas, telenovelas e filmes, comerciais e propagandas (BANKSY, 2012, pg. 196). Tudo isso pulsa no inconsciente das pessoas todos os dias, criando uma cultura imposta e rotinas que não deixam tempo para as pessoas se manifestarem, ocuparem os espaços públicos e exercerem sua liberdade de expressão (Exit Through the Gift Shop, 2010).
2 O termo “ralé” é usado por Jésse Souza para designar a parcela da população que é discriminada não só por sua situação financeira, mas também pelo papel social que eles representam, são ditos incapazes.
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Então, o caráter transgressor busca questionar essa sociedade burocrática de consumo dirigido, em que boa parte da população não se reconhece ou sequer conhece a forma de funcionamento em que se está inserida (LEFEBVRE, 2010, pg. 99). A democracia é refletida pela atitude que a população tem com a cidade, portanto, se há opressão, há transgressão na prática. As intervenções são momentos de trocas e de encontros criados para integrar lugares desintegrantes, tanto do ponto de vista físico como do ponto de vista emocional (LEFEBVRE, 2010, pg. 101). É interessante observar que apesar do espaço público da cidade estar sendo ocupado, o espaço público da universidade não estava sendo mais ocupado que o usual durante o mês de junho, quando ocorreu a onda de manifestações na cidade. As pessoas que o frequentavam continuaram fundamentalmente as mesmas e nas mesmas proporções (alunos, professores e tercerizados). Mas que, pelo fato de as pessoas que o ocuparam estarem em um contexto maior que o campus, isso o afeta diretamente e se reflete nas intervenções que apareceram. E isso acontece e aconteceu durante todo o histórico do campus, e não só agora. As intervenções são reflexo da relação das pessoas com o espaço público que elas utilizam e uma extensão do que ele representa para cada um que nele intervém. Com isso, percebe-se como o caráter transgressor e o campus Darcy estiveram conectados e como o contexto político e cultural reflete nas intervenções do espaço. Para estender a análise e percebê-la na prática, como de fato ela se materializa, o próximo capítulo irá exemplificar os grupos de análise com exemplos retirados do campus entre os meses de março a junho de 2013.
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Grupos de análise Neste capítulo serão apresentados quatro grupos. Cada grupo é exemplificado com um conjunto de intervenções que foram encontradas no campus Darcy Ribeiro no período de março a junho de 2013. O grupo 1 é o de Revolta e Engajamento, o grupo 2 é o de Poesia e Estética, o grupo 3 é o de Arte Oficial e Não-Oficial e o grupo 4 é o de Arte Engajada. Para facilitar o entendimento, as intervenções agrupadas em cada grupo serão nomeadas de G + número do grupo + uma letra. Por exemplo: intervenção G1A (intervenção nomeada de A do grupo 1), G3F (intervenção nomeada de F do grupo 3), e assim sucessivamente. Essa mesma lógica foi usada para os mapas feitos para cada um dos grupos das intervenções. Cada letra no mapa localiza a intervenção no campus indicando o local aproximado de sua localização. Abaixo, segue um mapa esquemático do campus onde os prédios que serão citadas adiante foram localizados para facilitar a compreensão do espaço.
Mapa de localização dos principais prédios do campus Darcy Ribeiro.
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Revolta e Engajamento
Mapa de localização das intervenções do Grupo 1.
As intervenções deste primeiro grupo, como será observado, foram feitas de maneira muito similar: uma única cor de spray sem planejamento do espaço a ser ocupado, resultando em letras irregulares, linhas tortas e vazios mal aproveitados entre as palavras e nas extremidades. Apesar disso, todas as mensagens passadas são lidas e entendidas com facilidade. Elas são curtas e diretas e possuem um conteúdo intrínseco que é amplo e passível de grandes análises se contextualizados.
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Por
exemplo,
a
intervenção G1A, feita em uma parada
de
ônibus,
possui
cunho revolucionário, uma vez que afirma que a revolução não
será
transmitida
pelas
televisões, o que pode fazer com que o observador se pergunte se ele pode e deve acreditar em tudo que assiste e procurar outras formas de G1A – “A revolução não será televisionada”. receber informações. A G1B, por outro lado, contextualiza a militarização do campus. Afirmando de forma incisiva “Fora PM!”, traz um outro debate muito frequente, principalmente depois da intervenção militar que ocorreu na USP em 2011. Por causa de uma série de roubos aos carros da UnB e a casos de agressão registrados, houve uma corrente de pessoas que clamavam pela intervenção da polícia, que poderia vir a controlar essas situações e trazer mais segurança. Por outro lado, essa possível militarização, como é chamada, poderia diminuir a liberdade de expressão e inibir o direito de ir e vir dos estudantes, uma vez que estariam sob controle e vigília. Principalmente por conta das intervenções feitas durante o período da ditadura, esse tipo de solução ainda é indesejada por boa parte dos
usuários.
Principalmente depois de junho deste ano, onde a PM
foi
flagrada
por
diversas vezes por abuso de
poder
e
violência
indiscriminada,
a
presença policial
dessa para
força
resolver
problemas de seguranças é G1B – “FORA PM! MEPR.ORG.BR ABAIXO A MILITARIZAÇÃO DO CAMPUS!”.
ainda
mais
questionada. Ela foi feita
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em um tapume de cercamento da obra do novo prédio da FT (faculdade de tecnologia) e fica virada para a L3. É maior que as outras e por isso pode ser lida com facilidade até de um automóvel em movimento. A G1C, G1D e G1E foram feitas nos pilares do ICC. A G1C na parte externa, diz respeito a escolha de voto nulo para pessoas que não sabem em quem votar. Como no Brasil
o
intervenção
voto
é
clama
obrigatório, pelo
a
voto
consciente, uma vez que aconselha a votar nulo quem não possui domínio sobre
a
situação
política
para G1C – “Não sabe em quem votar? Vote nulo”.
escolher o candidato que melhor lhe representa. A G1D e G1E localizam-se na parte interna do ICC. A G1D fica em frente ao centro acadêmico de psicologia e foi feita logo após um episódio de homofobia ocorrido na FD, onde foram encontradas pichações agressivas e homofóbicas no centro acadêmico de direito. Como uma resposta a este acontecimento a intervenção alega que homofobia é
recalque.
combate
O às
opressões
das
minorias (homofobia e racismo) e o combate ao
machismo
são
pautas que aparecem com frequência nas intervenções universitárias. A G1E é uma divulgação do G1D – “Homofobia é recalque”.
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slogan
da
campanha
feminista: “Mexeu com uma, mexeu com todas”. A G1F, que fica na lateral do prédio da BCE (biblioteca central), também
traz
feminista,
a
pauta
alegando
que
vivas ou mortas as mulheres jamais
serão
escravas
G1E – “Mexeu com todas”.
novamente. A G1G, localizada no mezanino da faculdade de arquitetura,
é
uma
mensagem agressiva contra o
estilo
arquitetônico
de
Renzo Piano que era muito admirado pelos arquitetos na época
da
símbolo
intervenção de
uma
e
“boa
arquitetura”. A intervenção tenta
desconstruir
essa G1F – “Vivas ou mortas, jamais escravas!”.
“verdade” de que arquitetura de
qualidade
está
ligada
necessariamente tecnologia
de
a ponta
e
estética modernista. Observa-se grupo Revolta
foi e
que
chamado
o de
Engajamento
porque
apropriando-se
do
caráter
transgressor
das G1G – “Renzo Piano de cu é rola!!!”.
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intervenções, as mensagens passadas são de insatisfação com a realidade, com o governo, com a ideologia dominante, com o sistema vigente ou com o senso comum. Ou seja, mensagens que chamam o observador a transgredir o que lhes é imposto no cotidiano, a contestar o sistema, a engajar-se e a indignar-se. São diretas e curtas, se utilizam de espaços com grande visibilidade, como tapumes e paradas de ônibus. Não possuem uma preocupação com a forma como a mensagem é passada, desde que ela seja passada, por isso, normalmente são palavras jogadas sem planejamento ou apelo estético, feitas como se fossem um ato espontâneo de revolta.
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Poesia e Estética
Mapa de localização das intervenções do Grupo 2.
Neste grupo, ao contrário do grupo 1, temos o uso de várias cores e de várias formas inusitadas de intervir. Essas foram
feitas
primeiras em
objetos,
intervenções tanto
em
mobiliários públicos como em placas, na condição de ressignificá-los, agregando a eles algum valor estético ou simbólico. A G2A e a G2B são, respectivamente, uma colagem e um stencil feitos em placas de
G2A – borboleta.
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G2C – Kombi.
G2B – cogumelo.
trânsito. A G2C e G2D são pinturas feitas em bancos de concreto. A primeira mostra uma borboleta que tem o desenho de uma caveira em cada asa. A segunda,
G2D – Banco pintado de centopéia.
um cogumelo. A terceira é uma kombi com asas, onde no vidro da frente aparece uma bunda, que faz referência às performances de Bia Medeiros nas kombis. A quarta transformou o banco em uma centopéia. A G2E é uma colagem em uma caixa de passagem, que teve seus quatro lados transformados. Também
foi
ressignificada,
como
nos exemplos acima, mas
não
tem
tanta
visibilidade por não ser usada
ou
vista
rotineiramente.
G2E – coruja.
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G2F – Rostos pintados.
G2G – Pessoas pintadas.
G2J – Obey Icon e coelho pintados.
G2H – Pessoas pintadas.
A G2F, G2G, G2H, G2I, G2J e G2L trasformaram componentes estruturais da arquitetura (pilares e vigas) em murais, onde foram pintados persongens e trechos de poemas. O G2I traz escrito: “HÁMOR HÁBRAÇOS HÁPREÇOS HÁCASOS ARTERÊ” G2I – “Hámor hábraços hápreços hácasos arterê”.
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A G2L é uma intervenção que sofreu uma intervenção, pintada na viga de uma laje da faculdade de arquitetura que foi feita em um atelier, acabando assim com seu pé-direito duplo. O que talvez tenha causado muita indignação nas pessoas que se identificam com esse lugar, além de G2L – “Você não precisa discordar com tudo”.
ter impedido a continuidade do pédireito duplo ao longo de todos os
ateliers, é que a execução da laje não trouxe nenhum benefício, uma vez que o espaço criado por ela nunca foi ocupado e/ou utilizado. A intervenção que dizia “Você não precisa concordar com tudo” passou a ser “Você não precisa discordar com tudo”. A G2M e G2N são intervenções na forma de esculturas. As duas apropiaramse de objetos que não tinham mais valor e agregaram a eles simbolismo e estética. A G2M era o tronco de uma árvore que havia sido podada pela prefeitura do campus. O que era apenas um tronco passou a ser um conjunto de cabeças
e
corpos
que
se
sobrepõe, configurando uma intrigante
escultura,
localiza-se
em
frente
que ao
estacionamento da Faculdade de
Direito,
(Faculdade
antiga de
FA
Ciências
Aplicadas). A G2N era uma apenas a lataria de uma kombi de um ferro velho. Ela foi coberta por imagens
e
passagens
de
poesias
e
colocada
no
komboio,
um
gramado
localizado entre o Instituto de G2M – Tronco de árvore esculpido.
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G2N – Kombi.
Biologia, o Beijódromo e a via L3. Esse komboio é um conjunto de kombis que passaram pelo mesmo processo, tendo algumas delas inclusive árvores plantadas, para evitar que dali sejam retiradas futuramente. Por último temos a G2O, que no mesmo sentido dos dois exemplos anteriores, ressignificou um lugar que não tinha mais valor utilitário. Localizada em uma via que não é mais utilizada, que leva do balão em frente ao Beijódromo até o komboio, essa intervenção é uma frase que se estende por aproximadamente 123 metros, cada letra tendo em média 7,5 metros de altura. O interessante é que apesar do tamanho, essa intervenção só pode ser vista de duas formas: ou andando pelo local (que não é passagem comum aos pedestres) ou observando pelo Google Earth uma vista aérea. Pintada com tinta branca e preta, as letras formam os dizeres “MAR(IA-SEMVER)GONHA”, que pode ser entendido de duas formas: ou “Maria sem vergonha” ou “ia sem ver”, que relaciona-se diretamente ao fato de inúmeros pessoas que passam ao lado dela não a verem. O grupo 2, então, foi nomeado de Poesia e Estética, por suas intervenções possuirem o uso de cores, incentivarem a criatividade, a interpretação, criação de personagens e divagações. As intervenções ressignificam objetos e criam murais em
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áreas de concreto aparente. Podem ser uma extensão das emoções e vivências de quem as faz, uma forma de representar o íntimo, um desabafo ou o pedaço de uma história. Não possuem uma mensagem clara, ficando a cargo do observador a interpretação do que se vê e do que se entende, que varia de acordo com a vivência (acúmulo de experiências no espaço-tempo ao longo da vida) de cada um. Assim, uma intervenção deste grupo pode ter um grande valor para uma pessoa e nenhum significado para outra, mas resultam de um esforço voltado para a apreciação da obra pelo próprio artista no final.
G2O – “MAR(IA-SEM-VER)GONHA”. Fonte: Google Earth, abril de 2013.
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Oficial e Não-Oficial
Mapa de localização das intervenções do Grupo 3.
Neste grupo há duas vertentes, a oficial e a não-oficial. A Oficial é a arte aprovada por uma instância que tem o poder de autorizar intervenções no espaço público. Elas são ditas por essas instâncias como sendo arte, mas as intervenções que são feitas dessa maneira necessitam de uma aprovação prévia, e por isso, sofrem censura. A censura, como foi dito no capítulo anterior, leva ao suicídio criativo do artista, e consequentemente, descaracteriza a obra que deixa de ser arte. A Não-Oficial foi assim chamada porque ela não é considerada arte pela sociedade. São as pichações, muito comuns por toda a cidade, porém quase nunca bem aceitas e por vezes consideradas feias. Isso porque o código usado para pichar não é compreendido pela maioria da população, e consequentemente, não faz sentido para quem não o conhece, o que gera rejeição. Mas ainda assim o “pixo” é considerado arte para alguns estudiosos e muitas vezes pelas próprias pessoas que o fazem, que o consideram uma forma legítima de manifestação e que é feita para
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incomodar e chamar a atenção das pessoas para a exclusão social que essas pessoas sofrem. Então, elencaremos alguns exemplos, pois apesar de não se enquadrarem nas características das intervenções artísticas, possuem uma grande importância para o contexto das intervenções dentro do campus.
G3A – Pôsters colados nos pilares do ICC.
G3B – Parada de ônibus pintada.
G3C – Pichação no prédio do IDA.
G3D – Pichação no prédio do IDA.
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G3E – Pichação no ICC sul. G3F – Pichação na caixa d`água do Centro Comunitário.
A G3A e a G3B são exemplos de intervenções oficiais. A G3A são enormes posters colados nos pilares internos no ICC-centro. Essas imagens fizeram parte da exposição UnB-50 anos e retratam trabalhadores. A G3B é um grafite feito em uma parada de ônibus em frente a BCE. Tem um estilo infantil e retrata duas crianças brincando de bola. A G3C, G3D, G3E e G3F são exemplos de intervenções não-oficiais. São pichações feitas com spray. A G3C e a G3D foram feitas nas paredes externas do IDA, a G3E nos pilares externos do ICC e a G3F na caixa d’água do Centro Comunitário. Percebe-se que essas intervenções ocupam espaços de grande visibilidade. A Oficial normalmente é constituída de intervenções de artistas que recebem apoio institucional para expor seu trabalho ou projetos como Picasso não pichava, que como o próprio nome diz, reprime as pichações e exaltam o grafite como única forma legítima de intervir no espaço público. Em sua maioria são temas infantis, que não comunicam uma ideia ou constestam o sistema, apenas reproduzem desenhos previamente acordados entre os alunos e os professores. A Não-Oficial busca sempre espaços de grande visibilidade, como caixas d`água, placas e muros cegos. Normalmente não se importam com o patrimônio. No caso da UnB, no entanto, percebe-se que mesmo no IDA, no prédio em que há azulejos do artista Athos Bulcão na fachada, a pichação foi feita de maneira a preservar a obra e resignou-se ao portão metálico.
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Arte Engajada
Mapa de localização das intervenções do Grupo 4.
O que podemos notar em comum nas intervenções
deste
último
grupo
é
uma
integração entre uma ação criativa ou dotada de técnica de execução e uma mensagem que está inserida no contexto político, cultural ou social. Então temos de um lado a estética ou a poesia e do outro a revolta ou o engajamento. A G4A e G4B são exemplos de onde foi usado o simbolismo (criação de símbolos para passar uma mensagem de forma sintética). A G4A, localizada em uma placa na via L2, em G4A – Placa com folha de maconha.
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frente a FT, simboliza a folha da maconha, droga ilegal que vem se tornando aceita aos poucos em várias partes do mundo. No Brasil, e mais especificamente em Brasília, há marchas que reunem milhares de pessoas que saem às ruas para reinvidicar a legalização da droga.
G4B – stencil de bicicletas.
A G4B, localizada na entrada do ICC norte, reúne dois símbolos: um homem andando de bicicleta e a força da bicicleta destruindo o transporte automotivo individual. A construção de ciclovias na cidade e a crescente quantidade de engarrafamentos
causados
pelo
aumento da frota na cidade estão estimulando o abando dos carros e o uso de bicicletas como forma de transporte. A G4C e G4D são exemplos de intervenções onde a forma de interver está relacionada com a
G2C – “Paridade”.
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mensagem que está sendo passada. A G4C, localizada no ICC norte, faz um relação com o significado da palavra “paridade” e a forma como ela foi escrita, separando suas sílabas pelos pilares, dividindo assim o todo. A paridade na universidade é um direito que foi adquirido recentemente. No ano de 2012, durante as eleições para reitor da universidade o voto paritário foi implementado, dando direito a não só os professores votarem, mas como também os servidores e os discentes. Ela é vista como uma maneira
mais
democrática
de
eleger
os
representantes, diminuindo a concentração de G4D – “Quantas faces a cidade tem?”. poder de um determinado grupo e dividindo-o entre os demais. A G4D também localiza-se na parte externa do ICC-norte. O slogan “Quantas faces a cidade tem?” foi divulgado em 2012 pelos alunos do curso de arquitetura durante a semana acadêmica ESCALA, cujo tema eram as diferentes escalas da cidade. Usando uma face do pilar pouco usual para intervenções, a intervenção faz uma brincadeira chamando o observador a olhar de uma maneira diferente para o que normalmente pode lhe passar despercebido. As G4E, G4F, G4G e G4H são stencils que foram feitos após as manifestações que tomaram as ruas do país no mês de junho. Localizadas no IDA, inauguraram as paredes que haviam sido pintadas de branco em junho deste mesmo ano, sumindo com o conjunto de intervenções que antes cobria o prédio. Estas possuem ligação direta com as manifestações, divulgando, respectivamente, a luta feminista, a tarifa zero, a mobilidade urbana e as máscaras de gás (símbolo da repressão policial).
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G4E – símbolo feminista.
G4F – “Tarifa zero”.
G4G – Mobilidade urbana. G4H – Máscara de gás.
A
G4I
é
um
conjunto
de
colagens que foi ligado por um desenho feito em tinta preta. Os quatro cartazes que formam o conjunto, que também se encontra no prédio do IDA, trazem a foto de quatro pessoas com o título de “CUIDADO!”. Abaixo da foto há a descrição do porquê essas pessoas são perigosas. As características descritas para cada figura são, respectivamente: feminista,
negro
bohemio,
drag
asmática
e
e
ateu;
queen;
ocioso,
possessiva,
cleptomaníaca;
com
contradições agudas, histérica, lua em G4I – “Cuidado!”.
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câncer e obcecada por pés. A ironia que está presente nessa intervenção é a de que não há motivo para essas pessoas serem consideradas perigosas, como são colocadas pelo cartaz, como se fossem procuradas pela polícia. Há um jogo em que essas características que antigamente (ou mesmo hoje em dia) eram consideradas por alguns como motivos para se evitar uma pessoa, hoje foram desmistificadas e tidas como peculiaridades do ser-humano. Nesse caso, a mensagem não é clara e direta, necessita de uma interpretação para que se entenda a ironia. As quatro últimas intervenções que serão dadas de exemplo possuem uma relação direta com o lugar onde foram feitas, ou seja, além de serem contextualizadas no momento político e terem relação com a política e/ou cultura que existe no campus, também possuem uma relação entre o conteúdo delas e o local escolhido pelo interventor. A G4J é um stencil com partes em spray que mostra um rato segurando uma placa que tem escrito “Cadê a reitoria?” e uma indicação que diz “Sorry mom”. Essa intervenção localiza-se numa central de abaixamento de voltagem que tem por ironia ao seu fundo o prédio da
reitoria.
A
intervenção contesta o papel que a reitoria tem no campus e o que ela tem feito para cumprir esse papel, mas
não
explicita
exatamente o que ela deveria estar fazendo de diferente para se mostrar presente.
mais G4J – “Cadê a reitoria? Sorry mom”.
A G4L e a G4M compõe um enorme painel pintado com vários stencils com muitas cores e figuras. Esse painel é, na verdade, o tapume do novo prédio da FS (faculdade de saúde) que está sendo construído. As intervenções contestam o sistema único de saúde – o SUS, trazendo as frases: “Quem paga o pato? O quê? O pa(r)to” e “Sorriso cura?”. Além destas, há muitas outras, como: “O sistema de escuta?”,
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G4L – “Quem paga o pato? O quê? O pa(r)to”.
G4M – “Sorriso cura?”.
“Doença é mercadoria? Quem lucra?”, “Seu médico usa o SUS?”, “Fé cura?”, “Você se toca?”, “Sorrisus sorri!”, “Os médicos são deuses?”, “A saúde está doente?”, “Há delicadeza no diagnóstico?”, “Quem me prepara, a academia ou a vida?”, “Acesso a informação é democracia?”, “Há democracia na informação?” e “Promover, prevenir ou remediar?”. Por último temos a G4N, localiza-se nos pilares externos do ICC-norte, próxima a faculdade de arquitetura. A intervenção é uma brincadeira poética com o enaltecimento dos nomes responsáveis pela construção de Brasília: “JotaKristo, meu salvador, São Lucio e São Oscar, vida eterna, amém.” Apesar de não haver um apelo estético, há poesia e engajamento, vez que as figuras históricas são citadas como em uma oração. Este último grupo, então, além de ter uma preocupação com a mensagem que é passada, tem uma preocupação também com a forma como ela é passada. A intervenção pode usar de símbolos para passar a mensagem (G4A e G4B), pode relacionar a forma como a mensagem é passada com o seu conteúdo (G4C e G4D), pode trazer uma mensagem ligada a acontecimentos recentes G4N – “JotaKristo, meu salvador, São Lucio e São Oscar, vida eterna, amém.”
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(G4E, G4F, G4G e G4H) e pode ter uma relação direta com o lugar onde ela foi colocada (G4J, G4L, G4m e G4N). Observa-se também que todas as mensagens que foram transmitidas por essas intervenções tem ligação ou com cultura ou com política, e por isso, são ditas engajadas.
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Considerações finais Como foi visto, o campus Darcy Ribeiro desde sua criação esteve ligado a acontecimentos políticos em nível local, regional e nacional. A grande quantidade de estudantes que conformam a elite intelectual da universisdade acompanhou os processos políticos, culturais e históricos pelos quais passaram o país, como a ditadura militar, a democratização, a luta por direitos e a ocupação de espaços públicos. O caráter transgressor, tanto do projeto educacional, quanto da conformação do espaço através do projeto arquitetônico, foram acompanhados pelas transgressões artísticas que foram feitas ao longo dos anos. A apropiação de espaços para questionar a realidade sempre foi feita, como exemplificado pelas pichações nas invasões que ocorreram após o golpe militar. Essas intervenções são portanto uma forma de ouvir o que a cidade está dizendo. Principalmente agora, por conta das atuais manifestações, fica fácil visualizar isso. Os cartazes e pichações que surgiram na cidade e no campus nas últimas semanas retraram exatamente a indignação do povo diantes dos acontecimentos políticos dos últimos anos. Na UnB percebe-se que a ocupação dos espaços públicos é um pouco confusa. Isso porque por direito todo o espaço da universidade é público, mas a ocupação segue uma lógica ditada pela infraestrutura disponível e as questões de segurança impostas pela reitoria. Por exemplo, apesar de haver espaços que favorecem a ocupação pública, como o Teatro de Arena e a Concha Acústica, esses lugares são subutilizados pela falta de iluminação. O prédio principal – ICC ou Minhocão – foi pensado e projetado para possibilitar o encontro de pessoas, através de seus amplos corredores sombreados, arejados e com jardins que unem diferentes áreas do conhecimento científico. Porém, atualmente ele encontra-se fechado durante os horários em que não há aulas, como os finais de semana. Assim, fica comprometida tanto a chance que os estudantes tem de utilizar os espaços abertos e protegidos, como a chance de se encontrarem. São fatos como esses que influenciam as pessoas a acabarem por tomar ações transgressoras, ocupando o espaço e passando mensagens da forma que
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melhor encontram para isso, mesmo que isso seja ilegal do ponto de vista jurídico, como as pichações. Essas ações transgressoras, como foi mostrado nos grupos de análise, podem ser de diversos tipos e muitas vezes se confundem, tanto em sua impressão como em sua intenção. A medida que o assunto ganha espaço nos debates, desconstrói-se a ideia de que pichação e grafite são a mesma coisa. Mas quando se aprofunda o debate, percebe-se que são maneiras diferentes de fazer a mesma coisa: são formas de dar voz à cidade. O contexto cultural é determinante neste caso, pois para os pichadores suas intervenções3 são belas e legítimas, estão contestando o sistema e afirmando eles como grupo reprimido e dito incapaz pela sociedade. Eles sentem-se agredidos e agridem de volta, para serem reconhecidos socialmente. É a voz do povo nos muros. É o esporte da periferia. É engajado politicamente e é lúdico. Em contrapartida, para os grafiteiros as pichações são rabiscos feitos por baderneiros, muito diferente da bela arte que eles podem alegar fazer para embelezar a cidade. Arte esta feita com noções de proporção, harmonia e estética, que eles provavelmente aprenderam, pois tiveram acesso a educação (PIXO, 2009). Outra prática adotada que pode ser observada no campus, tanto por grafiteiros e pichadores quanto por outros artistas, é a da repetição. É a ideia de que se você vê algo várias vezes, mesmo sem saber o que é, aquilo irá ficar marcado na sua memória. É a mesma ideia adotada pela propaganda que pretende vender uma mercadoria. Assim, alguns interventores criam símbolos que espalham por vários lugares de forma a disseminar sua marca ou ideia. A diferença simbólica entre este tipo de intervenção e a feita pelas grandes empresas através das propagandas é o dinheiro envolvido. As empresas tem capital para bancar o que o governo cobra para tornar a propagando algo aceitável e legalizado. No casos das intervenções artísticas, como não há venda de produto, não há acúmulo de capital. Logo, há impossibilidade de pagar pelo espaço, que contraditoriamente, é público.4
3
Ver intervenções Não-Oficiais do Grupo 3. Um movimento nomeado de Brandalismo, diz que qualquer anúncio num espaço publico que não permite que você escolha se quer vê-lo ou não é seu. Ele lhe pertence. Você pode se apropiar dele, rearrumá-lo e reutilizá-lo. Pedir permissão para isso é como perguntar se você pode ficar com a pedra que alguém jogou na sua cabeça.
4
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Na UnB encontramos alguns símbolos que são espalhados seguindo essa prática repetitiva. A maioria são stencils, como as kombis (G2C), os coelhos (G2J), algumas frases (G2L) e o rosto de Honestino Guimarães (foto ao lado). Outros são pôsters, colados com grude. Dentro destes temos como exemplo as corujas (G2E) e a borboleta (G2A). Nesse caso percebemos
que
dentre
os
exemplos
encontrados poucos são os que possuem engajamento político. Em sua maioria possuem um aspecto poético, símbolos que demoraram a Pilares do ICC norte - Stencils do rosto de Honestino Guimarães.
ser produzidos e que não necessariamente tem uma mensagem clara a passar. Mas comunicam algo, são entendidos e compreendidos, possuindo diversas interpretações. Eles também possuem uma grande capacidade de síntese (resumem significados a imagens), pois são símbolos criados para transmitir uma ideia de forma lúdica, para atrair a atenção dos observadores e gerar inquietação. Estimular transformações sociais requer inquietar as pessoas com a possibilidade de uma mudança positiva em suas vidas. Há várias maneiras de fazer isso, mas a única que pode ser relacionada às intervenções é a ludicidade. O caráter lúdico reune as pessoas em torno de um conteúdo. Uma cultura, uma educação, uma formação e uma informação só não levam ao tédio quando possuem um caráter lúdico. E essa forma de estímulo que é feita pelas intervenções que tira o observador da inércia e o leva a ação, através da meditação sobre o que foi percebido por ele. As ideologias dominantes, que se sobrepõe ao racionalismo e ao realismo, podem ser questionadas quando através de pequenas iniciativas revolucionárias feitas na prática tenta-se romper um ciclo vicioso da manuntenção de uma ordem imposta.
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