Lendas árabes

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1ª Edição Eletrônica L P Baçan Autor

Edição Eletrônica: L P Baçan Novembro de 2009 All rights reserved Copyright © 2009 do Autor Distribuição exclusiva através do SCRIBD Autorizadas a reprodução e distribuição gratuita desde que sejam preservadas as características originais da obra. 2


LENDAS ÁRABES As histórias de Fadas sempre foram contadas pelas mães a seus filhos e depois a seus netos. Ninguém sabe quão velhas elas são ou quem as contou primeiro. Os netos de Noé podem tê-las ouvido na Arca, durante o Dilúvio. Heitor pode tê-las ouvido na Cidade de Tróia e é quase certo que Homero as conheceu. Algumas delas podem ter surgido no Egito, no tempo de Moisés. Pessoas em países diferentes contam-nas de forma diferente, mas são sempre as mesmas histórias. As mudanças só são percebidas em matéria de usos e costumes, como o tipo de roupa usada, títulos e locais. Há sempre muitos reis e rainhas nos contos de fadas, simplesmente porque, no passado, havia bastante reis e países. Um cavaleiro, porém, poderia ser um escudeiro ou um rei, dependendo de onde a história era contada. Essas histórias antigas, nunca esquecidas e sempre recontadas, foram escritas em tempos diferentes e em lugares diferentes e em todos os tipos de línguas, formando o conteúdo do Grande Livro dos Contos de Fadas. As Lendas Árabes, em sua maioria, são contos de fadas do Oriente, compreendendo Ásia, Arábia e Pérsia, escritas no seu próprio modo de narrar, não para crianças, mas para adultos. Não havia romances então, nem qualquer livro impresso, mas havia pessoas cuja profissão era divertir os homens e mulheres contando contos. Eles recontavam essas histórias, destacando personagens pelos seus valores muçulmanos. Os acontecimentos ocorriam freqüentemente no reino do grande Califa Haroun al Raschid, que viveu em Bagdá do ano de 786 ao de 808. O vizir que acompanhava o Califa também era uma pessoa real da grande família 3


dos Barmecidas. Ele foi condenado à morte pelo Califa de um modo muito cruel e ninguém nunca soube o motivo. As histórias devem ter sido contadas por um longo tempo, depois que o Califa morreu, quando ninguém mais sabia o que realmente tinha acontecido exatamente. Contadores de histórias, finalmente, escreveram os contos, fixando-os em sua forma definitiva, isto é, narrados a um cruel Sultão pela sua esposa. Pessoas na França e Inglaterra não souberam quase nada sobre As Noites Árabes nos reinados da Rainha Anne e do Rei George I, até que fossem traduzidos em francês por Monsieur Galland. Adultos eram então muito apaixonados por contos de fadas, que julgavam essas histórias árabes as melhores que tinham lido. Eles se deliciavam com os Ghouls, que viviam entre as tumbas, com Gênios, com Princesas que faziam feitiços mágicos e com Peris, as fadas árabes. Simbad viveu aventuras que talvez tenham sido inspiradas pela Odisséia, de Homero, da mesma forma que histórias narradas na Bíblia podem ter sido contadas e recontadas, assumindo a forma de um conto de fada, depois de muito tempo. Há estreitas ligações, por exemplo, entre a história narrada no livro de Ester e a história de Sherazade, em Mil e Uma Noites. Nada impediu, também, que ao longo do tempo essas histórias destinadas aos adultos sofressem mudanças e acabassem se tornando histórias para crianças. Após o surgimento do livro impresso e da proliferação de uma nova literatura, retratando valores locais e resgatando aspectos do passado dos povos, o interesse gradativamente se voltou para esses novos títulos. As Lendas Árabes, no entanto, jamais perderam seu encanto e até hoje fascinam, pela criatividade e pela imaginação, leitores de todas as partes do mundo. O motivo de tanta popularidade é fácil de ser percebido? Basta começar a ler AS LENDAS ÁRABES!

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O COMERCIANTE E O GÊNIO Havia um comerciante que possuiu grande riqueza, tanto em terras, mercadorias como também em dinheiro. Ele era obrigado, de tempos em tempos, a viajar para cuidar de seus negócios. Numa dessas vezes, ele montou seu cavalo, levando com ele uma sacola pequena na qual ele tinha posto alguns biscoitos e tâmaras, porque teria que atravessar o deserto, onde nenhuma comida poderia ser encontrada. Ele chegou ao seu destino sem qualquer infortúnio e, tendo terminado seus negócios, partiu em retorno. No quarto dia da jornada, o calor do sol era muito grande e ele decidiu descansar debaixo de algumas árvores. Ele achou, ao pé de uma enorme nogueira, uma fonte de água clara e corrente. Ele desmontou, amarrou seu cavalo a um galho da árvore e se sentou junto à fonte, depois de ter tirado da sacola algumas tâmaras e alguns biscoitos. Quando ele terminou de comer, lavou a face e as mãos na fonte. De repente, ele viu um gênio enorme, pálido de fúria, vindo para ele, com uma cimitarra nas mãos. — Levante-se! — ordenou o gênio, com uma voz terrível. — Deixe-me matalo como você matou meu filho! Ao dizer estas palavras, ele deu um grito horroroso. O comerciante, totalmente petrificado diante da face horrorosa do monstro e com as palavras contra ele, respondeu tremulamente: — Ai, meu bom senhor bom, o que posso eu ter feito a você para merecer esta morte horrorosa? — Eu o matarei! — repetiu o gênio. — Da mesma forma como você matou meu filho. 5


— Mas — disse o comerciante, — como possa eu ter matado seu filho se não o conheço e nunca o vi até agora? — Quando você chegou aqui, você não se sentou no solo? — perguntou o gênio. — E você não apanhou algumas tâmaras de sua sacola e, ao come-las, não lançou os caroços fora? — Sim, eu certamente fiz isso — confirmou o comerciante. — Então, eu lhe falo você matou meu filho. Enquanto atirava os caroços fora, meu filho passou a sua frente e um deles o acertou no olho, matando-o. Assim, eu também matarei você. — Ah, senhor, me perdoa! — implorou o comerciante. — Não terei clemência com você — respondeu o gênio. — Mas eu matei seu filho sem querer, assim eu imploro que me poupe a vida. — Não! Eu o matarei como matou meu filho! Dizendo isso, ele amarrou os braços do comerciante, lançando-o ao solo. Ergueu a cimitarra para lhe a cabeça. O comerciante protestou mais uma vez sua inocência e lamentou as crianças de sua esposa, tentando evitar seu trágico destino. O gênio, com a cimitarra erguida acima de sua cabeça, esperou até que ele tivesse terminado, nem um pouco sensibilizado com as súplicas do outro. Quando o mercador percebeu que o gênio estava determinado a lhe cortar a cabeça, ele disse: — Só mais um pedido, eu peço. Conceda-me um adiamento, apenas um pouco de tempo para eu ir para casa dizer adeus a minha esposa e filhos e fazer meu testamento. Quando eu fizer isto, eu voltarei aqui e você me matará. — Se eu lhe conceder o adiamento que me pede, temo que você não volte mais aqui.

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— Eu lhe dou minha palavra de honra — respondeu o comerciante. — Eu voltarei sem falta. — Quanto tempo você quer? — perguntou o gênio. — Eu lhe peço a graça de um ano — respondeu o comerciante. — Eu lhe prometo que, daqui a doze meses, eu o estarei esperando debaixo desta árvore para lhe entregar a minha vida. Nisso o gênio o deixou perto da fonte e desapareceu. O comerciante, tendo se recuperado do susto, montou seu cavalo e retomou seu caminho. Quando chegou em casa, a esposa e as crianças o receberam com a maior das alegrias. Mas em vez de abraçá-los, ele começou a se lamentar amargamente. Eles adivinharam logo que algo terrível havia acontecido. — Fale, conte-nos o que aconteceu! — pediu a esposa dele. — Ai! — respondeu-lhe. — Eu só tenho um ano para viver. Então ele lhes contou o que tinha acontecido entre ele e o gênio, e como ele tinha dado sua palavra de voltar ao término de um ano para ser morto. Quando eles ouviram esta notícia terrível, entraram em desespero e lamentaram muito. No dia seguinte, ao retomar seus negócios, a primeira coisa que o comerciante começou a fazer foi pagar suas dívidas. Deu presentes para os amigos e grandes esmolas para os pobres. Ele determinou a liberdade de seus escravos e cuidou para nada faltasse à esposa e aos filhos. O ano passou logo, obrigando-o a partir. Quando ele tentou dizer adeus, quase foi vencido pelo sofrimento e, com dificuldade, tomou a direção de seu destino final. Quando lá chegou, ele desmontou e se sentou junto à fonte, onde ele esperou a chegada do gênio terrível. Estava ali, esperando, quando um homem velho que conduzia uma corça veio até ele. Saudaram-se e então o velho indagou:

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— Deixe-me perguntar, irmão, o que o trouxe a este lugar do deserto, onde há tantos gênios maus? Vendo estas belas árvores, qualquer um imagina que o local é habitado, mas, na verdade, é um lugar perigoso para se parar por muito tempo. O comerciante falou para o velho por que era obrigado a estar ali. O outro o ouviu com surpresa. — Mas esse é um acontecimento maravilhoso! Eu gostaria de ser testemunha de seu encontro com o gênio — falou o velho, sentando-se ao lado do comerciante. Enquanto eles conversavam, um outro velho chegou, seguido por dois cachorros negros. Ele os saudou e perguntou o que eles estavam fazendo naquele lugar. O velho que estava conduzindo a corça lhe contou a aventura do comerciante com o gênio. O segundo velho, que jamais ouvira uma história semelhante, também decidiu ficar para ver o que iria acontecer. Sentou-se junto aos outros e estavam conversando, quando um terceiro velho chegou, trazendo em seus braços um pote amarelo. Ele perguntou por que o comerciante que estava com eles parecia tão triste. Eles lhe contaram a história e ele também decidiu ficar para ver o que aconteceria entre o gênio e o comerciante. Estavam esperando, quando viram uma fumaça espessa, como uma nuvem de poeira. Aquilo foi se aproximando cada vez mais e então tudo desapareceu repentinamente. Eles viram o gênio que, sem falar com eles, se aproximou do comerciante, com espada na mão. Segurando-o pelo braço, disse: — Levante-se e me deixe matá-lo como você matou meu filho. O comerciante e os três velhos começaram a lamentar e gemer. Então o velho que conduzia a corça se lançou aos pés do monstro e suplicou: — Príncipe dos Gênios, eu imploro que detenha sua fúria e me escute. Eu vou lhe contar minha história e a da corça que tenho comigo. Se você achá-la

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maravilhosa, eu peço que anule um terço do castigo do comerciante que está a ponto de matar! O gênio considerou algum tempo, e então disse: — Muito bem, eu concordo com isso. — Eu vou começar minha história agora — disse o velho. — Por favor, ouçame com atenção! — pediu ele e iniciou sua história.

A História do Velho e da Corça Esta corça que você vê comigo é minha esposa. Nós não tínhamos nenhum filho nosso, então adotei o filho de meu escravo favorito e determinei fazê-lo meu herdeiro. Minha esposa, porém, sentia uma grande antipatia pela mãe e pela criança, fato que me escondeu até que fosse tarde demais. Quando meu filho adotivo tinha aproximadamente dez anos, fui obrigado a sair em viagem. Antes de ir, confiei a minha esposa a criança e a mão dela, implorando que cuidasse delas durante minha ausência, que durou um ano inteiro. Durante este tempo, ela se dedicou ao estudo das artes mágicas para levar a cabo seus planos maléficos. Quando adquiriu conhecimento e poderes suficientes, levou meu filho e a mãe para um lugar distante, transformando-os num bezerro e numa vaca. Depois pediu a meu mordomo que cuidasse dos dois como se fossem animais que ela havia comprado. Por fim, tratou de dar fim no meu escravo. Quando voltei, perguntei por meu escravo e pela criança. — Seu escravo está morto — disse ela. — Quando ao seu filho, eu não o vejo há dois meses e não sei onde ele está. Eu lamentei ao ouvir falar do morte de meu escravo, mas como meu filho havia apenas desaparecido, eu pensei que logo haveria de encontrá-lo. Porém, oito 9


meses se passaram, sem nenhuma novidades dele. Então chegou a época das festas de Bairam. Para celebrar isso, ordenei que meu mordomo trouxesse uma vaca gorda para sacrificar. Ele assim fez. A vaca que ele trouxe era minha escrava, a mãe de meu filho. Quando eu estava a ponto de mata-la, ela começou a mugir baixinho, como se suplicasse por sua vida. Eu vi, então, que os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Tomado de piedade, ordenei o mordomo para levá-la e trazer um outro. Minha esposa, que estava presente, ridicularizou a minha compaixão, dizendo maliciosamente: — O que está fazendo você? Mate esta vaca. É a melhor que nós temos para sacrificar. Tentei agradá-la, mas novamente o animal mugiu e suas lágrimas me desarmaram. — Leve-a embora! — ordenei ao mordomo. — Mate-a você, eu não posso fazer isso. O mordomo, cumprindo minhas ordens, a matou. Ao esfolada, porém, descobriu que ela não tinha nada além de ossos, embora aparentasse ter muita gordura. Fiquei consternado. — Fique com ela! — disse ao mordomo. — E se tiver um bezerro gordo, traga-o no lugar dela! Em pouco tempo ele trouxe um bezerro gordo que, embora eu não o reconhecesse, era meu filho. Tentou arduamente partir sua corda e vir até mim. Lançou-se a meus pés, com sua cabeça no solo, como se desejasse despertar minha piedade, implorando-me para não lhe tirar a vida. Eu fiquei ainda mais surpreso com essa ação do que fiquei com as lágrimas da vaca. 10


— Vá — ordenei ao mordomo. — Leve de volta este bezerro, com bastante cuidado, e traga imediatamente outro em seu lugar. Assim que minha esposa me ouviu falar isso, indagou: — O que está fazendo você, marido? Não sacrifique nenhum outro bezerro senão este! — Esposa! — eu respondi. — Não sacrificarei este bezerro! Rebati todos os argumentos dela e permaneci firme. Matei um outro bezerro e libertei o primeiro. No dia seguinte, o mordomo me procurou e pediu para falar em particular. — Eu vim lhe contar uma notícia que eu o penso que irá gostar de ouvir. Eu tenho uma filha que conhece magia. Ontem, quando libertei o bezerro que você recusou sacrificar, eu contei a ela e ela sorriu. Imediatamente depois começou a chorar. Eu lhe perguntei por que ela estava fazendo aquilo. — Pai! — ela respondeu. — Este bezerro é o filho de mestre. Eu sorri de alegria ao vê-lo ainda vivo, mas lamentei ao lembrar que a mãe dele foi sacrificada. Essas transformações foram forjadas pela esposa de nosso mestre, que odiava o filho adotado. Ao ouvir essas palavras do mordomo, mal podem imaginar a minha surpresa. Pedi ao mordomo que trouxesse a filha dele e fui para o estábulo ver meu filho, que respondeu a seu modo a todo o meu carinho. Quando a filha do mordomo apareceu, eu lhe perguntei se ela poderia fazer meu filho voltar a sua forma natural. — Sim, eu posso — ela respondeu, — sob duas condições. A primeira é que ele me seja dado como marido. A segunda, é que o mestre me deixe castigar a mulher que o transformou em bezerro.

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— Com a primeira condição — respondi, — eu concordo de todo meu coração e ainda lhes darei um generoso dote. Quanto à segunda condição, também concordo, mas eu só lhe imploro que poupe a vida dela. — Assim será! — disse ela. — Será tratada como tratou o filho. Então ela apanhou uma vasilha de água e pronunciou sobre ela algumas palavras incompreensíveis. Depois, lançou essa água sobre o bezerro, que tomou imediatamente a forma de um homem jovem e belo. — Meu filho, meu querido filho! — exclamei, — beijando-o cheio de alegria. Esta linda jovem o salvou do terrível encanto terrível. Estou certo que, não apenas por gratidão, mas também por amor, você concorda em se casar com ela. Ele consentiu cheio de alegria, mas antes que eles estivessem casados, a jovem transformou minha esposa em uma corça, e é ela quem vê você aqui, ao meu lado. Eu desejei que ela tivesse esta forma, ao invés de a de um animal mais estranho, de forma que ninguém a olhasse com repugnância. Deixei meu filho cuidando de meus negócios e vivo viajando. Como não queria confiar minha esposa aos cuidados de ninguém, eu a levo comigo aonde for. E então, o que achou de minha história? — Realmente, é uma história maravilhosa e surpreendente — afirmou o gênio. — Por causa disso, eu concedo a você um terço do castigo desse comerciante. Quando o primeiro velho terminou de agradecer, o segundo, que estava conduzindo os dois cachorros pretos, disse ao gênio: — Eu gostaria de lhe contar o que aconteceu a mim e estou certo que achará minha história até mesmo mais surpreendente que a que acabou de ouvir. Mas quando eu terminar, também vai me garantir a terceira parte do castigo do comerciante. 12


— Sim — respondeu o gênio. — Contanto que sua história seja mais surpreendente que a história da corça. Com este acordo feito, o segundo velho começou a narrar sua história.

A História do Segundo Velho e dos Cachorros Pretos Grande Príncipe do Gênios, você tem que saber que nós somos três irmãos, estes dois cachorros pretos e eu. Nosso pai morreu e deixou mil cequim para cada um de nós. Com essa quantia, resolvemos ter a mesma profissão e nos tornamos comerciantes. Pouco tempo depois que abrimos nossas lojas, meu irmão primogênito, um destes dois cachorros, resolveu visitar países estrangeiros para vender mercadorias. Com essa intenção, ele vendeu tudo que tinha e comprou para novas mercadorias para a viagem que estava a ponto de fazer. Ele partiu e se passou um ano inteiro. Ao término deste tempo, um mendigo veio a minha loja. — Bom-dia! — eu disse. — Bom-dia! — respondeu ele. — É possível que você não me reconheça? Então eu o olhei bem de perto e vi que era meu irmão. Eu o fiz entrar em minha casa e lhe perguntei o que ocorrera com o empreendimento dele. — Não me questione! — ele me respondeu. — Veja, você vê tudo o que sobrou do que eu tinha. Sinto dificuldade em contar os infortúnios que me aconteceram nesse ano e que me deixaram assim. Eu fechei minha loja e lhe dei toda a minha atenção. Levei-o ao banho, dando-lhe uma de minhas batas mais bonitas. Eu fiz minhas contas e descobri que tinha dobrado meu capital. Entreguei a metade ao meu irmão, dizendo: — Agora, irmão, você pode esquecer suas perdas.

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Ele os aceitou com alegria, e vivemos juntos como vivíamos antes. Algum tempo depois, meu segundo irmão também desejou fazer a viagem de negócios dele. Meu irmão primogênito e eu fizemos tudo que pudemos para dissuadi-lo, mas foi inútil. Ele se juntou a uma caravana e partiu, para retornar ao término de um ano, no mesmo estado que nosso irmão mais velho. Tomei conta dele e, como eu tinha mil cequim para repartir, eu os dei a ele e ele reabriu sua loja. Um dia, meus dois irmãos vieram até mim para propor que nós viajássemos para vender mercadorias. No princípio eu recusei. — Vocês viajaram e o que ganharam com isso? — indaguei. Eles não desistiram e vieram repetidamente a mim e, depois de insistirem durante cinco anos, eu acabei cedendo. Finalmente, quando eles tinham feito os preparativos deles e começaram a comprar as mercadorias que iríamos vender, perceberam que haviam gastado todo o dinheiro que eu lhes havia dado. Eu não os repreendi e dividi minha fortuna, no total de seis mil cequim, da seguinte forma. Deu mil a cada um deles, guardei mil para mim e enterrei os outros três mil em um canto de minha casa. Nós compramos mercadoria, carregamos um navio com elas e partimos com um vento favorável. Depois da navegar dois meses, chegamos a um porto onde desembarcamos e fizemos excelentes negócios. Então nós compramos mercadorias do país e nos preparamos para velejar mais uma vez. Eu estava no barco, parado na praia calma, quando uma linda mas pobremente vestida mulher subiu a rampa e veio até mim, beijou minha mão e me implorou que me casasse com ela e a levasse a bordo. No princípio eu recusei, mas ela implorou tanto, prometendo ser uma boa esposa, que eu, afinal, consenti. Eu comprei alguns vestidos bonitos e, depois de termos nos casado, embarcamos e fixamos a vela. Durante a viagem, descobri tantas 14


qualidades boas em minha esposa que comecei a amá-la cada vez. Mas meus irmãos começaram a ter ciúmes de minha prosperidade e resolveram conspirar contra minha vida. Uma noite, quando nós estávamos dormindo, eles nos jogaram no mar. Porém, minha esposa era uma fada e não me deixou afogar, transportandome para uma ilha. Quando o dia amanheceu, ela disse a mim: — Quando eu o vi naquela praia, fiquei encantada com você e desejei testar sua natureza para ver se era boa, por isso me apresentei na forma em que me viu. Agora eu o recompensei, salvando sua vida. Mas estou muito brava com seus irmãos e não descansarei até levar as vidas deles. Eu agradeci à fada tudo que ela tinha feito para mim, mas supliquei para não matar meus irmãos. Tanto fiz que consegui aplacar sua ira. Num momento, então, ela me transportou da ilha onde estávamos para o telhado de minha casa, desaparecendo em seguida. Eu desci, abri as portas e desenterrei os três mil cequim que eu tinha enterrado. Eu foi para o lugar onde minha loja estava localizada e abri-a, recebendo as boas-vindas de meus companheiros comerciantes pelo meu retorno. Quando eu fui para casa, vi dois cachorros pretos que vieram humildemente ao meu encontro, como me conhecessem. Fiquei surpreso, mas a fada reapareceu e disse: — Não fique surpreso com esses cachorros. Eles são seus dois irmãos, condenados a permanecer durante dez anos nessa forma. E entes que eu pudesse falar alguma coisa, ela desapareceu. Os dez anos já quase se passaram e eu estou viajando a procura dela. Quando passava por aqui, vi esse comerciante e o velho com a corça e fiquei com eles. — Realmente! — disse o gênio. — Sua história é maravilhosa e por isso eu lhe concederei um do castigo do comerciante.

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Então o terceiro velho fez para o gênio o mesmo pedido que os outros dois haviam feito, e o gênio lhe prometeu o último terço do castigo do comerciante se a história dele ultrapassasse as outras. Assim ele contou a história dele ao gênio.

A História do Terceiro Velho e do Pescador Senhor, havia um pescador tão velho e tão pobre que mal podia sustentar sua esposa e três filhos. Saia pescar muito cedo diariamente e havia estabelecido uma regra para si: jamais lançar sua rede mais do que quatro vezes. Ele partiu uma certa manhã, ainda à luz da lua, e foi para a beira do mar. Ele se despiu e lançou a rede. Quando a estava puxando para o banco de areia, sentiu um grande peso. Imaginando ter pegado um grande peixe, ficou muito contente. Mas, no momento seguinte, viu em sua rede, ao invés de um grande peixe, a caraça de um asno. Ele ficou muito desapontado. Aborrecido com tal pescaria, ele consertou a rede que a carcaça do asno havia arrebentado em vários pontos. Em seguida, atirou novamente a rede ao mar pela segunda vez. Ao puxar, ele novamente sentiu um grande peso, de forma que pensou que ela estava cheia de peixe. Mas ele só achou uma enorme cesta cheia de lixo. Ele ficou ainda mais aborrecido. — Ó, sorte! — ele clamou. — Não faça troça comigo, um pobre pescador que não pode sustentar sua família! Dizendo isso, ele jogou fora o lixo, e lavou a rede, limpando-a de toda sujeita. Novamente ele a lançou ao mar, pela terceira vez agora. Dessa vez, só pegou pedras, conchas e lama. Ele estava à beira do desespero. Então ele lançou a rede pela quarta vez. Quando pensou ele nada pescara, ele a puxou com muito 16


dificuldade. Não havia peixes, mas ele achou um pote amarelo, que pelo seu peso parecia conter alguma coisa. Ele notou que estava fechado e lacrado com um selo. Ficou encantado. — Eu o venderei ao fundidor e, com o dinheiro que conseguir, comprarei uma medida de trigo. Ele examinou o jarro por todos os lados, depois o chacoalhou para ouvir algum ruído, mas nada ouviu. Analisando o selo na tampa, ele pensou que, mesmo assim, poderia haver alguma coisa lá dentro. Usando sua faca, com um pouco de dificuldade ele conseguiu soltar a tampa. Virou o pote de cabeça para baixo, mas nada saiu dali. Levantou o objeto à altura dos olhos e estava olhando seu interior, tentando ver alguma coisa, quando saiu dali uma fumaça espessa, fazendo-o recuar alguns passos. Essa fumaça se levantou até as nuvens e estendeu-se para cima do mar e da orla, formando um nevoeiro que muito surpreendeu o pescador. Quando toda a fumaça estava fora do pote, ela se concentrou numa massa enorme, na qual apareceu um gênio duas vezes maior que um gigante. Quando viu aquele monstro terrível olhando para ele, o pescador ficou tão aterrorizado que não conseguiu dar um passo para fugir. — Grande rei dos gênios! — exclamou o monstro. — Jamais voltarei a desobedece-lo! Estas palavras levaram coragem ao pescador. — O que você está dizendo, grande gênio? Conte-me sua história e como acabou encerrado nesse vaso. O gênio olhou o pescador com arrogância. — Dirija-se a mim com cortesia, antes que eu o mate! — Ai! Por que você deveria me matar? — indagou o pescador. — Eu o libertei, já se esqueceu? 17


— Não! — respondeu o gênio. — Isso não me impedirá de matar você. Mas vou lhe conceder um favor: escolha como quer morrer! — Mas o que fiz eu a você? — insistiu o pescador. — Eu não o posso tratar de qualquer outro modo — disse o gênio. — Se quiser saber o motivo, escute a minha história. Eu me rebelei contra o rei dos gênios. Para me castigar, ele me encerrou neste vaso de cobre, lacrando-o com um selo de chumbo, que é o único encanto capaz de me deter e me impedir de sair. Em seguida ele jogou o vaso no mar. Durante o meu cativeiro, jurei que se qualquer um me libertasse antes de cem anos, eu o faria rico até mesmo depois da morte. Aquele século passou e ninguém me livrou. No segundo século, prometi que daria todos os tesouros do mundo para meu libertador, mas ele nunca veio. No terceiro século, eu prometi fazer de meu salvador um rei, sempre estar perto dele e lhe conceder diariamente três desejos. Mas aquele século também se passou e eu permaneci na mesma prisão. Finalmente, fiquei furioso por ter permanecido cativo por tão longo e prometi que se alguém me soltasse, eu o mataria imediatamente e só lhe permitiria escolher de que maneira ele deveria morrer. Como vê, você me libertou, agora escolha de que forma deseja ser morto por mim. O pescador estava muito infeliz. — É isso que um homem azarado como eu ganha por ter salvado você. Eu lhe imploro que poupe minha vida. — Já lhe disse! — tornou o gênio. — Sejamos breves. Escolha, você está desperdiçando meu tempo! O pescador teve uma idéia repentina. — Considerando que eu tenho que morrer — falou ele, — antes de eu escolha a maneira de minha morte, eu suplico por sua honra que me diga se estava realmente dentro do vaso! 18


— Sim, eu estava — respondeu o gênio. — Eu realmente não posso acreditar nisso — afirmou o pescador. Aquele vaso pequeno mal pode conter um de seus pés, quanto mais o corpo inteiro. Eu não posso acreditar nisso, a menos que eu o veja fazer isso. — Pois vou lhe mostrar como! — falou o gênio, com desprezo. Então ele começou a se transformar em fumaça que, como antes, esparramouse para cima do mar e da orla, depois foi se juntando e começando a entrar lentamente no vaso, até que nada restasse do lado de fora. Uma vez saiu do vaso, indagando: — Bem, pescador descrente, aqui estou eu, dentro do vaso. Acredita em mim agora? O pescador, em vez de responder, apanhou a tampa de chumbo e fechou depressa no vaso. — Agora, ó gênio do mal — exclamou o pescador. — Peça perdão a mim e escolhe de que morte morrerá! Mas não, será melhor que eu o lance ao mar e que construa uma casa na praia para avisar a todos os pescadores que aqui vêm lançar suas redes para que se previnam de pescar um gênio tão mau como você, que jura matar o homem que o libertar. A estas palavras, o gênio fez tudo que pôde para sair, mas não podia, por causa do encanto da tampa. — Se me ajudar, eu o farei o homem mais sábio do mundo todo, capaz de desafiar gênios, seduzir fadas e conquistar reinos. — Se eu confiar em você, nada me garantirá que serei tratado com justiça. Além disso, se minha astúcia superou a de um gênio, estou certo de que poderei vencer pela astúcia qualquer outro que aparecer no meu caminho — disse o velho.

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— Poderá ter tudo que jamais teve em sua miserável vida! — continuou o gênio. — Vou fazer melhor! Vou correr o mundo, levando você para ensinar as pessoas a enfrentarem a maldade — finalizou o velho, encarando agora o gênio que queria tirar a vida do pobre e desesperado comerciante. — Devo confessar que sua história é a mais surpreendente e maravilhosa de todas as outras — afirmou o gênio, realmente surpreso, olhando de rabo de olho para o pote que o velho tinha nas mãos. — Por isso eu lhe dou a terceira parte do castigo do comerciante. Ele deve agradecer todos os três pelo empenho demonstrado em salvá-lo. Se não fossem vocês, ele já teria partido desta vida. Dizendo assim, ele desapareceu, para grande alegria do comerciante e de seus companheiros. Ele não soube como agradecer seus amigos e fez tudo que estava ao seu alcance para demonstrar sua gratidão. Convidou a todos para irem morar na casa dele, mas os viajantes agradeceram e cada um tomou seu rumo. O comerciante voltou para sua esposa e para seus filhos, passando o resto de sua vida feliz com eles.

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A HISTÓRIA DO REI LEPROSO E O MÉDICO DE DOUBAN No país de Zouman, na Pérsia, viveu um rei leproso e todos seus doutores tinham tentado inutilmente cura-lo, quando um médico muito inteligente apareceu na corte. Esse médico era instruído em todos os idiomas e tinha um conhecimento muito grande sobre ervas, poções e medicamentos. Assim que soube da enfermidade do rei, vestiu sua melhor roupa e se apresentou diante do monarca. — Senhor! — disse ele. — Eu sei que nenhum médico pôde curar sua majestade, mas se seguir minhas instruções, eu vou curar sua doença sem usar qualquer medicamento ou aplicação externa. O rei escutou atentamente essa proposta. — Se você é inteligente o bastante para fazer isto, eu prometo para sempre fazê-lo um homem rico e também seus descendentes. O médico foi para a casa dele e fez um bastão de pólo, escavando seu punho e pondo nele a droga que desejou usar. Depois ele fez uma bola e com essas coisas ele foi ver o rei no dia seguinte. Ele lhe falou que desejava que o rei jogasse pólo. O rei concordou e montou seu cavalo, indo para o lugar onde se praticava esse esporte. O médico se aproximou com o taco que havia feito. — Leve este, senhor, e golpeie a bola até que sinta sua mão e todo o seu corpo arderem. Quando o remédio que está no punho do taco esquentar pelo calor de sua mão, ele vai penetrar ao longo de seu corpo. Quando isso acontecer, volte 21


para seu palácio, tome um banho e vá dormir. Quando despertar amanhã, estará curado. O rei levou o taco e esporeou o cavalo, atrás da bola. Ele a golpeou e ela foi rebatida pelo cortesão que estava com ele. Quando ele se sentiu muito quente, deixou de jogar e voltou para o palácio, entrou no banho e fez que o médico tinha dito. No dia seguinte, quando ele acordou, percebeu com grande surpresa que estava totalmente curado. Quando entrou na sala de audiências, grande foi a alegria de todos os seus súditos por aquela cura maravilhosa. O médico de Douban entrou pelo corredor e foi se curvar para o rei, que o viu e o chamou, fazendo-o se sentar ao lado dele, demonstrando toda a sua honra e sua gratidão. Naquela noite, o rei deu ao médico uma bata oficial longa e rica e o presenteou com dois mil cequim. No dia seguinte, ele continuou o cobrir o médico de toda sorte de favores. Acontece que o rei tinha um grão-vizir avarento e invejoso, um homem muito ruim mesmo. Enciumado pelas graças concedidas, ele tramou a ruína do médico. Para isso, pediu uma audiência particular com o rei, alegando que tinha uma importante revelação a fazer. — O que é — perguntou o rei. — Senhor — respondeu o grão-vizir, — é muito perigoso para um monarca confiar em um homem cuja fidelidade ainda não foi provada. Quem pode garantir que esse médico não é um traidor que veio aqui para assassinar sua majestade? — Eu estou seguro disso — afirmou o rei. — Esse homem é o mais virtuoso e o mais fiel de todos homens. Se ele desejasse levar minha vida, por que me curou? Eu sei o que está havendo. Você tem ciúmes dele. Não pense que possa me indispor contra ele. Eu me lembro bem o que um vizir disse ao Rei Simbad, seu senhor, para impedir que o príncipe, o filho do rei, fosse levado à morte. 22


O que o rei disse excitou o curiosidade do vizir, que pediu: — Majestade, eu imploro, seja condescendente e me conte o que o vizir disse ao Rei Simbad! — Esse vizir — falou o rei, — disse a Simbad que jamais acreditasse em tudo que lhe fosse dito, contando-lhe em seguida esta história.

A História do Marido e do Papagaio Um homem bom teve uma esposa bonita a quem ele amou apaixonadamente, e da qual jamais se afastava. Um dia, quando foi obrigado a fazer uma viagem de negócios muito importante, afastando-se da esposa, ele foi a um lugar onde vendiam todos os tipos de pássaros e comprou um papagaio. Esse papagaio não só falava muito bem, mas tinha a facilidade de contar tudo aquilo que presenciava. Ele o trouxe para sua casa em uma gaiola e pediu para a esposa que o pusesse no quarto dela, cuidado dele enquanto o marido estivesse fora. O homem viajou, realizou seus negócios com sucesso e, ao retornar, ele perguntou para o papagaio o que tinha acontecido durante a ausência dele e o papagaio lhe falou algumas coisas que o fizeram ralhar com a esposa dele. Ela pensou que um dos escravos dela devia ter contado sobre dela, mas eles lhe garantiram que fora o papagaio, por isso ela resolveu se vingar dele pessoalmente. Quando o marido dela partiu para uma viagem de um dia, ela ordenou a um escravo para girar um moinho sob a gaiola. Outro deveria lançar água sobre a gaiola e um terceiro para fazer refletir a luz de uma candeia, da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, direto nos olhos do papagaio. Isso durou toda a noite.

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No dia seguinte, quando o marido voltou, perguntou o que o papagaio tinha visto. O pássaro respondeu: — Meu bom senhor, raio, trovão e chuva perturbaram-me tanto a noite toda me, que eu não nada vi nem ouvi. O marido, que sabia que nem tinha chovido nem tinha trovejado na noite anterior, ficou convencido de que o papagaio não estava falando a verdade, tirou-o da gaiola e o lançou tão asperamente no solo que o matou. Não obstante, ele ficou depois arrependido, porque achou que o papagaio tinha falado a verdade. Quando o rei terminou a história do papagaio, ele disse ao vizir: — E assim, vizir, eu não escutarei você, e eu cuidarei bem do médico, no caso de eu me arrepender, como o fez o marido que matou o papagaio. Mas o vizir insistiu: — Majestade, a morte do papagaio nada significou. Quando está em jogo a vida de um rei, no entanto, é melhor sacrificar um inocente que salvar um culpado. Não pode ser uma coisa incerta, no entanto. O médico deseja assassinar sua majestade. Meu zelo exija que eu comprove isso. Se eu estiver errado, mereço ser castigado como um vizir foi castigado uma vez. — Que fez o vizir para merecer o castigo? — quis saber o rei. — Eu contarei, se sua majestade me der a honra de escutar.

A História do Vizir que Foi Castigado Havia um rei que teve um filho que gostava muito de caçar. Ele lhe permitia freqüentemente se dedicar a esse passatempo, mas tinha ordenado o seu grão-vizir que sempre acompanhasse o príncipe e que nunca o perdesse de vista. Um dia, os cães acossaram um veado e o príncipe, pensando que o vizir estava atrás dele, deu 24


início à perseguição. Cavalgou tão velozmente e, depois de algum tempo, percebeu que estava só. Ele parou e, tendo perdido de vista a caça, voltou para se reunir com o vizir, que não tinha tido o devido cuidado de segui-lo. O príncipe se viu perdido. Estava tentando encontrar o caminho, quando viu, ao lado da estrada, uma linda senhora, que chorava amargamente. Ele puxou as rédeas do cavalo e lhe perguntou quem era ela, que estava fazendo naquele lugar e se ela precisava de ajuda. — Eu sou a filha de um rei da Índia — respondeu ela. — e rumava para o meu país, mas parei para descansar e adormeci. Meu cavalo fugiu e não sei qual é o seu paradeiro. O príncipe jovem teve piedade dela e se ofereceu para levá-la na sua garupa, o que ela aceitou. Quando passavam por umas ruínas, ela desmontou e entrou. O príncipe também desmontou e a seguiu. Para sua grande surpresa, ouviu alguém dizer: — Regozijem-se, minhas crianças, eu estou lhes trazendo um jovem belo e gordo para vocês. Ao que as outras vozes responderam: — Onde ele está, mama? Será que nós podemos come-lo imediatamente, já que temos tanta fome? O príncipe percebeu o perigo iminente. Descobriu, então, que a mulher que se dizia filha de um rei da Índia era, na verdade, uma ogra que habitava locais ermos e desolados, atraindo e devorando os viajantes perdidos. Aterrorizado, esporeou o cavalo. A suposta princesa apareceu naquele momento e, vendo que havia perdida a presa, gritou-lhe: — Não tenha medo! O que você quer agora? — Estou perdido — respondeu ele. — Preciso achar a estrada. 25


— Siga sempre em frente e a encontrará — disse ela. O príncipe, mal podendo acreditar em seus ouvidos, galopou tão rápido quanto foi possível. Encontrando o caminho, ele voltou ao palácio de seu pai são e salvo, narrando-lhe o perigo que havia corrido por causa do descuido do grão-vizir. O rei ficou muito bravo e o estrangulou imediatamente. — Senhor — insistiu o vizir. — Se não tomar cuidado com o médico de Douban, poderá vir a se arrepender de ter confiado nele. Quem pode garantir que o mesmo remédio que o curou possa vir a matá-lo futuramente? O rei era naturalmente muito fraco e não percebeu as verdadeiras e más intenções de seu vizir, nem era firme o bastante para manter sua decisão inicial. — Bem, vizir, — disse ele, — você tem razão. Talvez ele tenha vindo me tomar a vida. Ele pode fazer isso pelo simples cheiro de uma de suas drogas. Verei o que pode ser feito. — A melhor maneira, Senhor, de pôr sua vida em segurança é mandar cortar imediatamente a cabeça dele — disse o vizir. — Acho que é mesmo a melhor maneira — concordou o rei, que ordenou a um de seus ministros que fosse buscar o médico, que atendeu prontamente. — Eu o chamei para me livrar de você — sentenciou o rei. O médico ficou terrivelmente surpreso com aquilo. — Que crimes cometi, majestade? — Eu sei que você é um espião e pretende me matar. Mas eu serei mais rápido e o matarei primeiro. Golpeie! — ordenou ele a um executor que ali estava. — Liberte-me desse assassino! A essa ordem cruel, o médico se lançou nos joelhos dele. — Poupe a minha vida — suplicou e o rei o empurrou o médico, afastando-o de seus joelhos. — Pelo menos me deixe colocar meus negócios em ordem e deixar 26


meus livros para pessoas que farão bom uso deles. Há um que eu gostaria de presentear a sua majestade. É muito precioso e deve ser mantido cuidadosamente em seu tesouro, pois contém coisas maravilhosas. Quando eu morrer, se sua majestade virar a sexta folha e ler a terceira linha da página à esquerda, minha cabeça responderá todas as perguntas que fizer. O rei, ansioso ver tal maravilha, adiou a execução para o próximo dia e o mandou, sob forte escolta, para casa. Ali o médico colocou seus negócios em ordem e no dia seguinte, havia uma grande multidão reunida para ver sua morte e o que aconteceria depois. O médico entrou e foi até os pés do trono com um livro grande numa das mãos e uma bacia na outra. Disse o médico, então: — Senhor, pegue este livro. Quando minha cabeça for cortada, coloque-a na bacia. Abra o livro e minha cabeça responderá suas perguntas. Mas imploro sua clemência, porque sou inocente. — Suas súplicas são inúteis. Se só posso ouvir sua cabeça falar quando estiver morto, então você deve morrer! Dizendo isso, ele tomou o livro das mãos do médico e ordenou ao carrasco que cumprisse com o seu dever. A cabeça foi cortada tão habilmente que caiu direto na bacia. Imediatamente o sangue deixou de fluir. Então, para grande surpresa do rei, os olhos se abriram e a cabeça ordenou ao rei que abrisse o livro. Ele assim o fez e achando que a primeira folha estivesse grudada à segunda, ele pôs o dedo na boca para umedece-lo e virar a página facilmente. Ele repetiu o gesto até alcançar a sexta página. — Médico, a folha está em branco! — exclamou, então. — Vire mais algumas páginas! — respondeu a cabeça.

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O rei continuou virando as folhas, sempre pondo o dedo na boca a cada movimento. Com isso, o veneno que havia em cada folha começou a fazer efeito. A visão escureceu e ele caiu aos pés do trono dele. Quando a cabeça do médico percebeu que o veneno tinha agido e que o rei só tinha mais alguns minutos de vida, gritou: — Tirano! Veja como são castigadas a crueldade e a injustiça. — Por favor, médico, salve a minha vida e lhe darei tudo o que quiser, até metade de meu reino! — suplicou o rei, sentindo a vida esvair-se de seu corpo rapidamente. — Já tive a minha vingança! — Não foi culpa minha — afirmou o rei pusilânime. — Foi o grão-vizir quem me convenceu a matá-lo. — Ele mente! O rei mente! — protestou o grão-vizir. — Um rei jamais mente, principalmente no seu leito de morte. Cortem a cabeça do grão-vizir pela sua perfídia! — ordenou o rei e sua ordem foi cumprida imediatamente. — Já tive a minha vingança — disse a cabeça, fechando os olhos para sempre. — Não morra! Por favor, eu suplico! Não morra! — ficou repetindo o rei, até silenciar-se para sempre.

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A HISTÓRIA DO JOVEM REI DAS ILHAS NEGRAS (Ao redor da fogueira, na tenda do sultão, que estava de passagem por aquelas terras, fazendo justiça, todos prestavam atenção à história que o jovem contava. Ele escondia o corpo num manto longo. Seu rosto estava parcialmente coberto por um turbante cujas abas pendiam sobre uma de suas faces. O fogo, no entanto, provocava naquela parte de seu rosto estranhos reflexos, como chamas se refletindo no mármore polido.) Saibam vocês que meu pai era Mahmoud, o rei das Ilhas Negras, assim chamadas por causa de quatro pequenas montanhas que um dia foram ilhas. A capital era no lugar onde agora há o grande lago e o deserto. Minha história lhes contará como estas mudanças ocorreram. Meu pai morreu quando tinha sessenta e seis anos e eu o sucedi. Casei-me com minha prima, a quem amei ternamente e acreditei que me amava também. Mas uma tarde, quando eu estava meio adormecido, e estava sendo abanado por duas de suas escravas, ouvi uma dizer à outra: — Que pena que nossa ama já não gosta de nosso senhor! Eu acredito que ela gostaria de matá-lo, se pudesse, porque ela é uma feiticeira. Eu logo acabei concordando com elas. Quando seu escravo favorito ficou gravemente ferido num acidente, ela implorou que a deixasse construir um palácio no jardim, onde o chorou e o lamentou durante dois anos, cuidado e conservando seu corpo. Eu lhe implorei, então, que deixasse de lamentá-lo, pois ele não podia falar nem se mover e somente era mantido conservado daquela forma graças aos encantamentos que ela usava. Ela se virou contra mim furiosa e proferiu algumas palavras mágicas e eu me tornei imediatamente como vocês me vêem agora, meio 29


homem e meio mármore. Essa feiticeira má transformou a capital, uma populosa e florescente cidade, no lago e no deserto que há agora. E não há um só dia que ela não venha a minha procura e me bata com um chicote feito de couro de camelo. Quando o rei jovem terminou sua triste história triste, o Sultão demonstrou ter ficado sensibilizado com seu destino. — Conte-me — ordenou ele, — onde está essa mulher má? — Onde ela vive agora que eu não sei — respondeu o infeliz príncipe infeliz, — mas ela vai diariamente, ao amanhecer, ver se o escravo fala com ela, depois de me bater. — Rei desgraçado! — exclamou o Sultão. — Serei sua vingança! Consultou o rei jovem qual seria o melhor modo para agir, traçando um plano para o dia seguinte. O sultão foi descansar, prometendo ao jovem rei que tudo se resolveria favoravelmente. Quando o dia começou a nascer, o sultão entrou no palácio do jardim onde o escravo jazia. Sacou a espada e destruiu a pouca vida que permanecia nele, depois lançou o corpo num poço. Ele se deitou, então, na cama onde estava o escravo e esperou pela feiticeira. Ela primeiro procurou o jovem rei, em quem aplicou cem chibatadas. Em seguida, ela foi para o quarto onde pensava que o escravo ferido estava, mas o Sultão ocupava seu lugar. Ela chegou até perto do leito e disse: — Está melhor neste dia, meu querido escravo? Fale pelo menos uma palavra para mim. — Como eu posso estar melhor — respondeu-lhe o Sultão, imitando a língua do escravo, — quando eu nunca posso dormir por causa dos gritos e gemidos de seu marido? — Que alegria ouvi-lo falar! — exclamou a rainha. — Quer que eu devolva a ele a forma normal? Peça o que quiser e lhe concederei. 30


— Por favor! — disse o Sultão. — Livre-o de sua maldição e lhe dê liberdade para que eu não ouça mais os gritos dele. A rainha saiu imediatamente, levando uma xícara de água. Disse algumas palavras que fizeram o conteúdo ferver como se estivesse no fogo. Então ela lançou isso em cima do príncipe, que imediatamente recuperou sua forma totalmente humana. Ele ficou feliz com isso, mas a feiticeira lhe disse: — Suma daqui imediatamente e não volte nunca mais. Se não fizer isso agora mesmo, eu o matarei! O jovem rei fingiu que fugia em desabalada carreira, mas foi ele se esconder para ver o fim do plano do Sultão. A feiticeira voltou ao Palácio das Lágrimas e disse: — Eu fiz o que você desejou! — O que você fez — disse o Sultão, — não é o bastante para me curar. Vá agora mesmo e liberte todas as pessoas que enfeitiçou até agora. Vá e lhes devolva a forma humana. A feiticeira saiu apressadamente e disseram algumas palavras na direção do lago. Os peixes se transformaram em homens, mulheres e crianças. Tudo voltou ao normal. As ruas estavam cheias novamente e as casas e lojas fervilhavam como se nada tivesse acontecido. Assim que ela terminou de desfazer seus encantamentos, a rainha regressou ao palácio. — Você está bem melhor agora? — indagou. — Venha para bem perto de mim — disse o Sultão. — Mais próximo ainda. Ela obedeceu. Então ele pulou sobre ela e com um assobio, sua espada cortoua a meio, matando-a. Então ele procurou e encontrou o príncipe. — Regozije-se — disse ele. — Seu cruel inimigo está morto. 31


O príncipe não sabia o que fazer para agradecer o sultão. — Vá governar seu país com justiça e igualdade. Para que sua felicidade e a minha sejam completas, mandarei vir de Bagdá Suleima, minha sobrinha favorita, para que se case com você e o faça feliz para sempre. Ela será o símbolo da nossa aliança. De agora em diante, você é um protegido meu e nenhum mal acontecerá com você ou com seu reino. Algum tempo depois, a graciosa princesa, sobrinha do sultão, chegou às Ilhas Negras, onde se casou com o jovem rei, numa festa que durou noventa dias. Foram felizes para sempre!

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A HISTÓRIA DO BURRO, DO BOI E DO COMERCIANTE Havia, no tempo do grande Califa Haroun al Raschid, que viveu em Bagdá, um comerciante, senhor de muitas posses, casado e pai de muitos filhos. Alá, o Altíssimo, lhe deu o dom de entender a língua dos animais. Esse comerciante morava numa região fértil à margem de um rio e tinha um burro e um boi. Certo dia o boi chegou ao lugar que era ocupado pelo burro e o encontrou varrido e regado de água. No cocho havia cevada bem joeirada e palha desfiada. O burro estava deitado, em repouso, como se fosse uma figura importante. Indignado, o boi se lembrou que, quando seu senhor montava o burro, era apenas para uma curta viagem, quando havia urgência, pois o burro voltava logo ao seu repouso. Protestou, então, sem perceber que o comerciante o ouvia. — Comes do bom e do melhor e que isso te seja saudável, proveitoso e de fácil! Eu estou fatigado e tu, repousado. Tu comes a cevada bem joeirada, a palha desfiada e és bem cuidado em seu estábulo. Se às vezes, por alguns momentos, teu senhor te monta, bem depressa te traz de volta! Quanto a mim, sirvo apenas para a labuta e para o trabalho pesado do moinho! Então o burro disse em resposta: — Ó pai do vigor e da paciência, em vez de te lamentares, faze o que vou te dizer. Digo-te isso por amizade, simplesmente pelo gosto de Alá. Quando saíres para o campo e meterem o jugo no teu pescoço, atira-te por terra e não te levantes, mesmo que te batam. Quando te levantares, deita-te depressa pela segunda vez. Se te fizerem voltar ao estábulo e te apresentarem favas, não as coma. Finge-te de doente e esforça-te por não comer nem beber por uns três dias. Dessa maneira,

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repousarás da fadiga e do trabalho e te trarão da melhor palha e da melhor cevada para tua alimentação. O comerciante, escondido, ouviu aquelas palavras. Quando o tratador foi para junto do boi para lhe dar forragem, viu que o animal comia muito pouco. No dia seguinte, pela manhã, quando foi buscá-lo para o trabalho, encontrou-o doente. Foi depressa e comunicou o fato ao seu senhor, que lhe disse em resposta: — Leva o burro e faze com que ele trabalhe no lugar do boi, durante o dia todo! O tratador assim fez e levou o burro no lugar do boi, fazendo-o trabalhar durante o dia inteiro. No fim do dia, quando o burro voltou para o estábulo, o boi lhe agradeceu a benevolência, que permitiu que ele, o boi, repousasse de sua fadiga durante aquele dia. Arrependido, o burro não respondeu. Na manhã seguinte, um semeador foi buscar o burro e o fez trabalhar o dia inteiro. O burro voltou com o pescoço esfolado e vencido pela fadiga. O boi, vendo-o naquele estado, agradeceu efusivamente, glorificando o amigo com louvores. Disse o burro, então: — Antes, eu estava muito tranqüilo. A minha esperteza me condenou. Mas é preciso que eu lhe diga que ouvi nosso amo dizer que o boi não se levantar de seu lugar, será dado ao magarefe para que o mate e faça de sua pele um couro para a mesa. Eu ouvi e tive muito medo por ti. Aviso-te, portanto, para tua salvação. Ao ouvir as palavras do burro, o boi agradeceu-lhe e disse: — Amanhã mesmo irei livremente com o tratador, cuidar de minhas ocupações. Na mesma hora começou a comer toda a forragem. Nenhum dos dois percebeu, no entanto, que o comerciante, escondido, ouvia cada uma das palavras 34


deles. Quando o dia amanheceu, o comerciante saiu com a esposa para onde ficavam os bois e as vacas e ali sentaram. Veio o tratador, tomou o boi e saiu. Como não estava acostumado com a comida que havia ingerido durante aquele tempo de inatividade, inesperadamente e à vista de seu amo, o boi começou a agitar a cauda e a soltar ventos ruidosamente, girando como doido de um lado para outro. O comerciante foi tomado de tal ataque de risos que caiu de seu assento. Sua esposa quis saber: — De que te ris tanto? Ele respondeu: — De uma coisa que vi e ouvi, mas que não posso divulgar sem morrer. Ela insistiu: — Eu exijo que me contes a razão de teu riso, mesmo se devesses morrer por isso. Ele replicou: — Não posso divulgar isso, porque tenho medo da morte. Ela lhe disse: — Mas então estás rindo de mim! Concluindo isso, não cessou de discutir com ele e de o atormentar com palavras, teimosamente. Tanto fez que, por fim, ele se sentiu obrigado a lhe contar. Fez vir seus filhos a sua presença e mandou chamar o cádi e testemunhas, pois queria fazer seu testamento, antes de revelar o mortal segredo à esposa, a quem ele amava e com quem tinha vivido um tempo considerável de sua vida. Ao saberem da exigência da mulher, amigos e parentes disseram: — Por Alá! Deixa de lado essa história pelo temor que morra teu marido, o pai dos teus filhos! Mas ela lhes disse: 35


— Não lhe darei paz enquanto não me tiver dito seu segredo, mesmo que deva morrer! Então cessaram de falar com ela. E o mercador se levantou de junto deles e se dirigiu para o lado do estábulo, no jardim, a fim de fazer suas abluções e voltar para contar o segredo e morrer. Ocorre que ele tinha um galo valente, capaz de satisfazer cinqüenta galinhas. Tinha também um cão muito valente. Ele ouviu, naquele momento, o cão que chamava o galo, insultava-o, dizendo: — Não tens vergonha de te mostrares alegre quando nosso senhor vai morrer? E o galo disse ao cão: — Como é isso? O cão contou toda a história e o galo disse: — Por Alá! Nosso senhor é bem pobre de inteligência. Eu, que tenho cinqüenta esposas, sei me desembaraçar delas, agradando uma e ralhando com outra! Ele tem uma só e não sabe nem o bom meio nem a maneira de tratar com ela! Ora, é bem simples! Não tem senão que cortar, em intenção dela, algumas boas varas de amoreira, entrar bruscamente em seu reservado e bater-lhe até que ela morra ou se arrependa: e nunca mais ela tornará a importuná-lo com qualquer pergunta que seja! Ao ouvir aquelas palavras, o comerciante sentiu a luz voltar a sua razão e ele resolveu espancar a esposa. Assim, ele entrou no quarto reservado de sua esposa, depois de ter cortado em sua intenção as varas de amoreira e de as ter escondido. Disse-lhe, chamando-a: — Vem até o quarto reservado para que eu te diga o segredo e ninguém me possa ver morrer depois! Ela entrou com o marido e ele fechou a porta do quarto reservado sobre ambos e caiu-lhe em cima a golpes dobrados, até vê-la desmaiar. 36


Exclamou ela em altos brados, então: — Eu me arrependo! Eu me arrependo! — e se pôs a beijar as mãos e os pés do marido, demonstrando que estava verdadeiramente arrependida. Depois, saiu com ele e toda a assistência se regozijou. O casal viveu no estado mais feliz e afortunado até a morte. O burro jamais tentou ser mais esperto que seu amo e o boi jamais lamentou sua sorte novamente. Como gratidão, o comerciante dobrou a quantidade de galinhas aos cuidados de seu galo. Às vezes, quando o comerciante, sozinho a um canto, começava a rir, lembrando daquilo que não podia contar, sua esposa imediatamente se lembrava da surra de varas de amoreira e espantava toda a curiosidade de seu coração.

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O FALCÃO DO REI DE FURS Contam que o rei de Furs era grande amigo de divertimentos, de passeios e de todo tipo de caça. Possuía um falcão treinado por ele próprio que não o abandonava nenhum momento. Mesmo durante a noite, o rei o trazia preso ao seu punho. Quando ia à caça, levava consigo. No pescoço dessa ave, tinha mandado pendurar uma vasilha de ouro, onde lhe dava de beber. Um dia, em seu palácio, o rei viu, subitamente, chegar o encarregado dos bosques e florestas. Disse-lhe esse encarregado: — Ó rei, estamos de novo na época das caçadas! — Isso me deixa muito feliz! — exultou o rei e começou a fazer os preparativos para a partida. No dia seguinte, com o falcão em seu punho, partiram, rumando para um vale, onde estenderam as redes de caça. Repentinamente, uma gazela ficou presa na rede. Então o rei alertou: — Matarei aquele que deixá-la escapar! Começaram a puxar a rede em torno da gazela, que se acercou do rei, ergueuse sobre as patas traseiras, encolhendo junto do peito as patas dianteiras. Nisso o rei bateu as mãos uma contra outra, espantando a gazela, que saltou e fugiu, passando-lhe por cima da cabeça e desaparecendo no meio das árvores. O rei se voltou para os guardas e viu que eles piscavam os olhos uns para os outros, referindo-se a ele, o rei. Percebendo isso, perguntou ao grão-vizir: — Que têm os soldados? O grão-vizir respondeu: 38


— Eles dizem que tu juraste matar quem quer que deixasse escapar a gazela! Falou o rei, em seguida: — Pela minha cabeça, precisamos perseguir aquela gazela e trazê-la de volta! Começou a galopar, seguindo a pista do animal. Libertou o falcão, incitando-o a perseguir a presa. O falcão rapidamente a localizou e, num vôo rasante e certeiro, atirou-se sobre a gazela, enterrando-lhe o bico aguçado nos olhos, cegando-a. O rei apanhou seu bastão, bateu no animal, fazendo-o rolar. Desceu resolutamente, degolou-a, esfolou-a e prendeu a caça a sua sela. Fazia calor e o local era árido e sem água. O rei teve sede e cavalo também. Olhando ao redor, o monarca viu uma árvore de onde escorria um líquido parecido com manteiga. O rei tinha a mão coberta com uma luva de pele, onde pousava o falcão. Apanhou a vasilha do pescoço da ave, encheu-a com aquele líquido e colocou-a diante do falcão. Inesperadamente, o animal, com um golpe de uma de suas garras, entornou-a. O rei apanhou a taça pela segunda vez, encheu-a, imaginando que a ave também tinha sede, mas o falcão, pela segunda vez, entornou-a. O rei ficou enraivecido com o falcão e deu-lhe o líquido pela terceira vez. O falcão novamente o entornou e o rei disse: — Que Alá te enterre, ave infernal! Dizendo isso, feriu o falcão com sua espada, cortando-lhe as asas. O falcão ergueu a cabeça e sinalizou para o rei: — Olha o que há sobre a árvore! — queria ele dizer. O rei levantou a cabeça e viu uma serpente monstruosa na árvore. O que escorria era seu veneno. O rei, arrependido de ter cortado as asas do falcão, levantou-se, tornou a montar a cavalo e partiu levando a gazela. Mandou o cozinheiro preparar a gazela, depois se sentou no seu trono, tendo o falcão no 39


punho. Percebeu, então, que a luva que vestia estava empapada de sangue. Imaginou que fosse da corça, mas, ao observar o falcão, percebeu as pelas coladas a pele pelo sangue que escorria dos ferimentos. — Meu amigo, você não pode morrer! — lamentou o rei, apertando a ave junto ao peito. O falcão, às portas da morte, apontou a taça que trazia ao pescoço e fez sinais para que o rei a enchesse de vinho. Aflito, o rei assim o fez, aproximando-a do bico da ave. Novamente o falcão fez sinais, dando a entender ao rei que desejava que este tomasse o primeiro gole. O rei o atendeu, bebendo um gole do vinho, depois voltou a oferecer o vinho ao falcão, que soltou um longo soluço e morreu. Vendo aquilo o rei soltou gritos de luto e aflição por ter matado o falcão que o salvara da morte. Sentiu um aperto no coração, mas estava por demais concentrado em seu sofrimento para perceber que o resto do veneno da serpente, que ficara na taça, o estava matando.

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A HISTÓRIA DA SULTANA E SUAS IRMÃS CIUMENTAS Era uma vez, no reino da Pérsia, um sultão chamado Kosrouschah, que desde a sua juventude, vestia um disfarce e saía à procura de aventuras por todas as partes da cidade, acompanhado por um de seus oficiais, também disfarçado. Logo após o sepultamento de seu pai e o encerramento das cerimônias fúnebres, o jovem sultão despiu suas roupas de estado e chamou seu grão-vizir para se preparar. Ambos vestiram roupas simples e saíram como cidadãos comuns, a caminhar pelas ruas menos conhecidas da capital. Passando por uma delas, o sultão ouviu vozes de mulheres em discussão. Espiando por uma fresta da porta, ele viu três irmãs sentadas em um sofá, em um grande corredor, conversando de maneira muito decidida e séria. Prestando atenção, percebeu que cada uma delas explicava com que tipo de homem desejava se casar. — Eu não preciso de nada melhor — disse a primogênita, — que ter o padeiro do sultão como marido. Pensem como seria bom poder comer tudo que puder daquele pão delicioso que é assado apenas para Sua Alteza. Quero ver se desejam mais do que eu! — Eu desejo — respondeu a segunda irmã. — Eu me contentaria com o cozinheiro-chefe do sultão. Com que guisados delicados eu me deliciaria! E, como sei que todos comem do pai do sultão naquele palácio, seu desejo é uma ninharia. Veja você, minha querida irmã, que meu gosto é tão bom, ou melhor, que o seu. Era agora a vez da irmã mais jovem, sem dúvida a mais bonita das três e, além disso, tinha mais juízo que as outras duas.

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— Quanto a mim — disse ela, — gosto de vôos altos e, se tenho que desejar alguém para marido, por que não desejar o próprio sultão para mim? O sultão se divertiu tanto com aquela conversa que decidiu satisfazer os desejos delas. Virando-se para o grão-vizir, mandou-o tomar nota do endereço e, no dia seguinte, pela manhã, levar as jovens à presença dele. O grão-vizir cumpriu a missão. No dia seguinte, mal o dia amanheceu, foi até a casa delas e ordenou que elas o seguissem até o palácio, mal lhes dando tempo de mudar de roupas. Ali elas foram apresentadas uma por uma e, quando se curvaram diante do sultão, ele abruptamente lhes perguntou: — Contem-me o que vocês desejaram ontem à noite, quando conversavam. Não tenha medo e me respondam com sinceridade! Essas palavras tão inesperadas encheram de confusão as irmãs, que abaixaram os olhos. O rubor nas faces da mais jovem causou uma forte impressão no coração do sultão. As três permaneceram em silêncio e ele insistiu: — Não fiquem amedrontadas. Minha intenção não é outra senão a de agradalas. Eu sei o desejo que cada uma de vocês formulou ontem à noite — acrescentou ele, voltando-se para a mais jovem. — Você, que me desejou para marido, terá seu desejo satisfeito hoje mesmo. Quanto a vocês — disse ele, dirigindo-se às outras, — vão se casar com meu padeiro e com meu cozinheiro-chefe. Quando o Sultão terminou de falar, as irmãs se lançaram a seus pés. A mais jovem falou, com voz hesitante. — Senhor, já que ouviu minhas tolas palavras, acredite, eu imploro, foi apenas uma brincadeira! Não sou merecedora da honra que me propõe. Só lhe peço que perdoe a minha ousadia!

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As outras irmãs também tentaram se desculpar, mas o Sultão não lhes deu ouvido. — Não, não! — disse ele. — Minha decisão já foi tomada. Vou satisfazer seus desejos.

O Ciúme das Irmãs e o Tormento da Sultana Assim, os três casamentos foram celebrados naquele mesmo dia, mas com diferença de magnificência. O do mais jovem com o sultão foi marcado por toda a pompa habitual no matrimônio de um Xá de Pérsia, enquanto as núpcias do padeiro e do cozinheiro-chefe foram de acordo com as posições e condições deles. Isto, embora fosse bastante natural, considerando as posições de um e outro, desagradou enormemente às irmãos mais velhas, que, tomadas pelo ciúme, acabaram causando muitas dificuldades e sofrimentos a várias outras pessoas. Na primeira vez em que tiveram a oportunidade de conversarem, depois de algum tempo, numa casa de banhos públicos, não conseguiram disfarçar seus sentimentos. — Você pode entender o que o Sultão viu naquela gatinha insossa? — indagou a esposa do padeiro para a outra. — O que a tornou tão fascinante aos olhos dele? — Ele deve ser cego — devolveu a esposa do cozinheiro. — Só porque ela era um pouco mais jovem do que nós? O que importa isso? Você seria uma Sultana muito melhor distante que ela. — Oh, não falo por mim — comentou a mais velha. — Se o sultão tivesse escolhido você, tudo bem para mim. O que lamento é que ele escolheu justamente aquela criaturinha miserável para se apaixonar. Mas eu vou me vingar de alguma 43


maneira nela, por isso suplico que me ajude nisso. Conte-me qualquer coisa que souber que possa perturbá-la ou mortificá-la. — Conte comigo! — garantiu a outra. Para levarem a cabo seus pérfidos propósitos, as duas irmãos passaram a se encontrar com freqüência, discutindo suas idéias e seus planos. Enquanto isso, fingiam continuar tão amigas como sempre foram da sultana. Esta, sem nada desconfiar, sempre as tratou com generosidade. Por um longo tempo, apesar de todos os planos e do ciúme das irmãs, nada aconteceu, pois não viam surgir uma chance apropriada. Finalmente, a expectativa do nascimento de um herdeiro do sultão deu a elas a chance para a qual elas tinham estado esperando. Eles obtiveram permissão do sultão para transferir seus domicílio para o palácio, sob o pretexto de assistir a irmã, e jamais saíam do lado dela fosse de dia, fosse de noite. Quando, afinal, o menino nasceu, bonito como o sol, elas o puseram num berço e o levaram até um canal que passava próximo do palácio. Então, deixando a criança entregue a seu próprio destino, elas informaram o Sultão que em vez do filho que ele tanto desejava, a Sultana tinha dado à luz um filhote de cachorro. Ao ouvir essa terrível notícia, o sultão foi tomado de tanta ira e pesar que somente com muita dificuldade o grão-vizir conseguiu salvar a vida da sultana. Enquanto isso, o berço continuou flutuando pacificamente ao longo do canal, nos arredores dos jardins reais, até que, de repente, foi visto pelo intendente, um dos cargos oficiais mais altos e respeitados de todo o reino. — Vá! — ordenou ele a jardineiro que estava trabalhando ali perto. — Apanhe aquele berço e o traga para mim! O jardineiro fez como lhe havia sido ordenado e logo colocou o berço nas mãos do intendente. O funcionário do reino ficou muito surpreso ao ver que o berço que ele supunha estar vazio continha um bebê que, embora recém-nascido, já 44


dava mostras de grande beleza. Não tendo nenhum filho, embora já estivesse casado há alguns anos, ocorreu-lhe imediatamente de ficar com a criança como se fosse seu próprio filho. Pedindo silêncio ao jardineiro, ele imediatamente levou o berço e a criança para sua casa. — Esposa! — exclamou ele, entrando no quarto. — O céu nos tem negado filhos, mas aqui está uma criança uma que foi enviada no lugar deles. Chame uma enfermeira. Eu farei o que é publicamente necessário para reconhece-lo como meu filho. A esposa aceitou o bebê com alegria, imaginando que o intendente sabia que o bebê viera de algum lugar do palácio, mas eu não era obrigação dele investigar esse tipo de coisa. No ano seguinte, um outro príncipe nasceu e teve o mesmo destino. Felizmente também para esse bebê, o intendente estava caminhando nos jardins, ao longo do canal, viu-o, salvou-o e levou-o para casa como o primeiro. O sultão, naturalmente, ficou ainda mais furioso por acontecer com o segundo filho o mesmo que ocorrera com o primeiro. Quando o fato se repetiu pela terceira vez, no entanto, ele não conseguiu se controlar, para alegria das irmãs ciumentas. O sultão ordenou que a esposa fosse imediatamente executada. Só que a infeliz sultana era muito amada por todos no reino, que mesmo correndo o risco de compartilhar o mesmo destino dela, o grão-vizir e os principais cortesãos se lançaram aos pés do sultão, implorando que não infligisse o cruel castigo, já que, afinal de contas, não era culpa dela. — Deixa-a viver — pediu o grão-vizir. — Aplica-lhe uma pena mais branda, banindo-a de tua presença pelo resto dos dias dela. A ira se abrandou e o sultão recuperou a calma.

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— Sim, deixem-na viver então — ordenou ele. — Mas eu concedo a vida a ela com a condição de que ela, ao fazer suas preces diárias na mesquita, reze pela sua morte. Construa uma caixa na entrada, ao lado da porta, com uma janela permanentemente aberta. Ali ela se sentará com suas roupas mais grosseiras e todo muçulmano que entrar na mesquita cuspirá no rosto dela ao passar. Qualquer um que se recusar a fazer isso terá o mesmo castigo dela. Você, vizir, cuidará para que minhas ordens sejam cumpridas. O grão-vizir sabia que era inútil dizer mais e concordou. Cheias de triunfo, as irmãs assistiram a construção da caixa, depois ouviram com prazer a zombaria das pessoas, dirigidas à impotente sultana, no interior da caixa. Mas a pobre senhora agiu com paciência, dignidade e mansidão, que ganhou a simpatia de todo mundo.

A Princesa Parizade Enquanto isso, o terceiro bebê, uma princesa, da mesma forma que seus irmãos teve também a sorte de ser encontrado pelo intendente, no canal ao lado dos jardins, adotando-a. Os três foram criados com todo cuidado e toda ternura. Enquanto as crianças cresciam, a beleza delas e ar de distinção mais e mais se evidenciavam, revelando que se tratavam de pessoas de berço nobre. O primeiro deles foi chamado pelo pai adotivo de Bahman. O segundo, de Perviz, nomes de dois reis antigos da Pérsia, enquanto a princesa foi chamada de Parizade. O intendente teve cuidado de apresentá-los sempre como seus próprios filhos, cuidando pessoalmente de sua educação. Mais tarde, designou um tutor para ensinar para à jovem princesa ler e escrever. A jovenzinha, determinada a não ficar para trás, mostrou que ela estava tão ansiosa para aprender com os irmãos dela que o intendente consentiu que ela os acompanhasse. Logo ela sabia tanto quanto eles. 46


Desde aquele tempo, todos seus estudos foram feitos em comum. Eles tiveram os melhores mestres em belas artes, geografia, poesia, história e ciência. Mesmo essa matéria, em que poucos eram instruídos, parecia a eles tão fácil que seus professores ficaram surpresos com o progresso feito. A princesa demonstrou paixão pela música e aprendeu a tocar todos os tipos de instrumentos. Também aprendeu a montar tão bem como seus irmãos dela. Sabia usar o arco e a seta e atirar um dardo ou lança com a mesma habilidade como eles e, às vezes, até melhor. Para incentivar essas habilidades, o intendente resolveu que seus filhos adotivos não mais deveriam ser limitados pelas estreitas fronteiras do jardim do palácio, onde sempre tinham vivido. Assim, comprou para uma esplêndida casa na zona rural, não muito distante da capital, cercada por um imenso parque. Esse parque ele encheu de animais selvagem de vários tipos, de forma que os príncipes e a princesa podiam caçar como gostavam de fazer. Quando tudo estava pronto, o intendente se lançou aos pés do sultão e, depois de se referir à idade dele e aos longos serviços prestados, implorou permissão de Sua Alteza dele renunciar ao seu posto. O sultão agradeceu com palavras corteses, indagando que tipo de recompensa o criado desejava por ter servido tão fielmente por tanto tempo. Agradecendo, o intendente declarou que nada mais desejava que continuar merecendo a consideração do sultão. Prostrando-se mais uma vez, ele se retirou da presença do Sultão. Cinco ou seis meses se passaram nos prazeres do campo, quando a morte atacou o intendente tão de repente que ele não teve nenhum tempo de revelar o segredo do nascimento às crianças adotadas por ele. Como sua esposa já havia morrido havia muito tempo, parecia que os príncipes e a princesa jamais saberiam que eles uma origem muito mais alta do que imaginavam. O pesar pela morte do 47


pai foi tão grande que eles preferiram continuar morando na nova casa, sem nenhum desejo de trocá-la pela corte e suas intrigas.

A Velha Peregrina e as Três Maravilhas Um dia, quando os príncipes saíram para caçar como sempre faziam, a irmã ficou a sós em seus aposentos. Enquanto eles estavam fora, uma velha devota muçulmana surgiu à porta e pediu para licença entrar, pois era a hora da oração. A princesa imediatamente deu ordens para que a velha senhora fosse levada ao oratório privado nos solos. Quando ela terminasse as orações, seriam mostrados a casa e o jardim, depois ela seria conduzida diante da princesa. Embora a velha senhora fosse muito piedosa, não ficou de todo indiferente à magnificência ao seu redor. Depois de visitar e admirar tudo que lhe foi mostrado, ela foi conduzida pelos criados até a princesa, em um quarto que ultrapassava em esplendor todo o resto. — Minha boa mulher! — disse a princesa, apontando um sofá. — Venha e se sente ao meu lado. Estou encantada com a oportunidade de estar por alguns momentos com pessoa tão santa. A velha senhora tentou contestar o elogio que a princesa havia acabado de fazer, mas esta se recusou a ouvi-la, insistindo que sua convidada deveria ficar confortável. Como julgou que ela estiva cansada, ordenou que lhe servissem refrescos e comida. Enquanto a velha estava comendo, a princesa lhe fez diversas perguntas sobre o modo dela de vida, os exercícios piedosos que ela praticava. Finalmente, perguntou o que ela havia achado da casa que acabara de visitar.

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— Senhora! — respondeu a peregrina. — Seria preciso ser muito rude para encontrar qualquer falta. É tudo muito bonito, confortável e bem ordenado. É impossível imaginar qualquer coisa mais adorável que o jardim. Mas, já que você me perguntou, eu tenho que confessar que faltam três coisas para torná-la perfeita. — E quais podem ser elas? — suplicou a princesa. — Diga-me agora, para que eu as compre imediatamente. — As três coisas, senhora, — respondeu a velha, são as seguintes: a primeira é o Pássaro Falante, cuja voz puxa o canto de todos os outros pássaros, unindo-os num único coro. A segunda coisa é a Árvore Cantora, onde cada folha é uma canção que nunca se cala. Finalmente, a última é a Água Dourada, da qual só é necessário verter uma única gota em um bacia para ela se transformar numa fonte que jamais secará nem transbordar. - Oh, como possa eu lhe agradecer? — perguntou a princesa. — Você me revelou a existência de tesouros inimagináveis. Por favor, eu imploro a sua bondade para que me diga onde posso achar essas maravilhosas! — Senhora, — respondeu a peregrina, — eu seria indelicada para com a gentil hospitalidade com que me receberam se me recusasse a responder a sua pergunta. As três coisas de que lhe falei podem ser encontradas em um único lugar, na fronteira deste país com a Índia. Só precisa mandar um mensageiro seu seguir a estrada que passa por diante de sua casa durante vinte dias e, ao término desse tempo, ele deve perguntar à primeira pessoa que encontrar pelo Pássaro Falante, pela Árvore Cantora e pela Água Dourada. Ela se levantou, então, disse adeus para a princesa, e saiu. A velha partiu tão abruptamente que a princesa não percebeu, até que ela realmente tivesse sumido de seus olhos. Como a noite caíra, não havia como procurá-la. A jovem princesa

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estava pensando em como seria maravilhoso possuir aquelas três preciosidades, quando os príncipes, seus irmãos, voltaram da caça. — Qual o problema, irmã? — indagou o Príncipe Bahman. — Por que está assim? Está doente? Aconteceu alguma coisa? A Princesa Parizade não respondeu diretamente, mas o brilho de seu olhar demonstrava que nada de mal havia ocorrido. — Mas deve ter acontecido algo — insistiu o Príncipe. — Você não pode ter mudado tanto durante nossa curta ausência. Nada esconda de nós, eu lhe peço, minha irmã, a menos que deseje que a confiança que sempre tivemos um no outro acabe agora mesmo. — Quando eu disse que não era nada — explicou a princesa, comovida com o interesse do irmão, — eu quis dizer que não era nada que nos afetasse, embora tenha que admitir que é certamente muito importante para mim. Como eu, você sempre pensou que esta casa, que nosso pai construiu com tanto cuidado e tanta preocupação, fosse perfeita para nós, mas só hoje eu soube que há três coisas que faltam para completá-la. Essas coisas são o Pássaro Falante, a Árvore Cantora e a Água Dourada. Depois de explicar o peculiares qualidades de cada uma das coisas, continuou a princesa: — Foi uma muçulmana devota que me contou tudo isso, bem como me indicou o local onde podem ser achadas. Talvez você pense que a casa é bonita o bastante como está e que nós podemos passar muito bem sem essas três coisas, mas nisso eu não concordarei com você. Eu nunca serei feliz, enquanto não as possuir. Assim, ajude-me, por favor, a escolher o mensageiro certo para mandar nessa empreitada.

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— Minha querida irmã! — exclamou o Príncipe Bahman. — O que disse é muito importante para você e, assim, passa também a ser importante para nós, seus irmãos. Como seu irmão mais velho, eu reivindico o direito de fazer a primeira tentativa, se me disser que direção tomar e quais os passos que me levarão ao meu destino. O Príncipe Perviz objetou imediatamente, dizendo que, por ser o cabeça da família, seu irmão não deveria se expor ao perigo, mas o Príncipe Bahman não lhe deu ouvidos e se apressou em fazer os preparativos necessários para iniciar a sua viagem. Na manhã seguinte, o Príncipe Bahman se levantou muito cedo e, após se despedir do irmão e da irmã, montou seu cavalo. No momento em que estava prestes a tocar seu cavalo com o chicote, um grito da princesa o impediu. — Oh, talvez no fim de tudo você nunca possa voltar. Acidentes podem acontecer numa viagem. Desista, por favor, eu imploro. Prefiro perder mil vezes o Pássaro Falante, a Árvore Cantora e a Água Dourada que deixar você ir de encontro com o perigo. — Minha querida irmã — respondeu o príncipe, — acidentes só acontecem com pessoas azaradas e eu espero não ser uma delas. Mas, como tudo é incerto, eu lhe prometo ter muito cuidado. Fique com esta faca — pediu ele, prendendo a bainha no cinto dela. — De vez em quando, tire-a e examine-a. Enquanto ela se mantiver luminosa e limpa como está agora, você saberá que eu estou vivo. Se a lâmina estiver manchada com sangue, será o sinal de que eu estou morto e você lamentará para mim. Dizendo assim, Príncipe Bahman disse-lhes adeus mais uma vez e galopou estrada a fora, montado em seu cavalo e levando todas as suas armas.

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O Velho Dervixe Por vinte dias ele seguiu em frente, sem se desviar para a direita nem para a esquerda, até se encontrar na fronteira da Pérsia com a Índia. Sentou-se sob uma árvore à beira do caminho e esperou, até ver um homem velho e horroroso, com um bigode branco longo e uma barba que quase lhe chegava aos pés. Suas unhas não eram cortadas havia muito tempo e estavam enormes. Na cabeça usava um chapéu gigantesco, que lhe servia também de guarda-chuva. O Príncipe Bahman que, de acordo com as indicações da velha senhora, tinha estado desde o amanhecer esperando, reconheceu o imediatamente o velho como sendo um dervixe, um religioso muçulmano. Assim que ele desmontou do cavalo, o jovem príncipe se curvou diante do homem santo, saudando-o: — Meu pai, possam seus dias serem longos na terra e possam todos os seus desejos serem realizados! O dervixe fez o que pôde para responder, mas o bigode dele era tão espesso que as palavras eram ininteligíveis. O príncipe percebeu o problema, apanhou um par de tesouras na bolsa de sua selado sela e pediu permissão para cortar alguns fios do bigode, pois ele tinha uma questão de grande importância para perguntar ao dervixe. O sinal de aprovação do dervixe indicou que o que ele pretendia fazer o agradava. Quando tinham sido podados alguns bons centímetros da barba e do bigode, o príncipe notou que o homem santo não parecia assim tão velho. O dervixe sorriu aos elogios dele e lhe agradeceu o que ele tinha acabado de fazer. — Deixe-me mostrar minha gratidão por tornar mais confortável a minha vida, dizendo o que posso fazer por você — falou o dervixe. — Bom dervixe — respondeu o Príncipe Bahman, — venho de muito longe e procuro Pássaro Falante, a Árvore Cantora e a Água Dourada. Eu sei que eles serão 52


achados em algum lugar por estes partes, mas ignoro a exata localização. Diga-me, eu lhe peço, se você pode, para que eu não me perca em buscas inúteis. Enquanto falava, o príncipe observou uma mudança no semblante do dervixe, que esperou por algum tempo antes de responder. — Meu senhor — disse ele, afinal, — eu sei qual é a estrada que me pede, mas sua generosidade e a amizade que eu recebi de você me fazem negar a mostrar-lhe qual é. — Mas por que? — quis saber o príncipe. — Que perigo pode haver lá? — Talvez mesmo o maior de todos os perigos — respondeu o dervixe. — Outros homens, tão valentes quanto você, trilharam esta estrada, após me fazerem a mesma pergunta que você. Eu fiz de tudo para demovê-los de seus propósitos, mas foi inútil. Nenhum deles escutou minhas palavras e nenhum deles voltou. Fique alerta e não siga em frente. — Eu sinceramente agradeço seu interesse por mim — continuou o príncipe Bahman, — mas não posso aceitar o conselho que me deu. Diga-me, porém, que perigos pode haver nessa aventura em que a coragem e uma boa espada não possam enfrentar? — Imagine se seus inimigos forem invisíveis, como seria então? — argumentou o dervixe. — Nada me deterá — afirmou corajosamente o príncipe. — O tempo está passando, eu lhe peço que me mostre para onde devo ir. Quando o dervixe percebeu que o príncipe estava decidido a seguir em frente, ele tirou uma bola de uma bolsa que trazia a tiracolo e ofereceu-a ao príncipe. — Se deve ser assim — disse ele, com um suspiro, — leve isto e, quando montar seu cavalo, atire a bola a sua frente. Ela rolará até alcançar o pé de uma montanha e parará. Quando isso acontecer, você também vai parar. Lance a rédea 53


no pescoço de seu cavalo, sem qualquer medo de que ele fuja, e desmonte. Em cada lado você verá vastos montes de enormes pedras negras e ouvirá uma multidão de vozes gritando insultos, mas não lhes preste nenhuma atenção. E acima de tudo, previna-se de jamais se virar para trás. Se fizer isso, você se tornará uma pedra negra imediatamente, como todo o resto. Na verdade, essas pedras são homens como você, que foram em busca da mesma resposta e falharam, como eu temo que você também falhará. Se você consegue evitar esta armadilha e alcançar o topo da montanha, você achará o Pássaro Falante em uma gaiola esplêndida. Então poderá perguntar a ele onde você deve procurar a Árvore Cantora e a Água Dourada. Isso é tudo eu tenho para lhe dizer. Você sabe o que tem de fazer e o que evitar, mas se você é sábio que você vai pensar melhor sobre isso e retornar imediatamente para o lugar de onde veio. O príncipe sorridente balançou a cabeça, agradeceu e montou seu cavalo, lançando a bola a sua frente. A bola rolou ao longo da estrada tão depressa que o Príncipe Bahman teve muita dificuldade de acompanhá-la, mas não desistiu um só instante, até que o pé da montanha foi alcançado. Ela parou subitamente. O príncipe desmontou imediatamente e atirou a rédea no pescoço do cavalo. Parou por instantes para olhar em volta e ver a massa de pedras pretas nos dois lados da montanha. Em seguida começou a escalar resolutamente. Mal havia dado quatro passos, quando ouviu o som de vozes ao redor dele, embora nenhuma outra criatura fosse avistada nos arredores. — Quem é o imbecil? — gritou alguém. — Pare imediatamente! — Vamos matá-lo — gritaram outras vozes. — Socorro! Ajuda! Ladrões! Assassinos! Ajude! — ouviu ele claramente vocês dizendo. 54


— Deixa ele — zombou uma voz. — É um jovem tão bonito, tenho certeza de que a gaiola e o pássaro estão reservados a ele. No início, o príncipe não deu nenhuma atenção a todo aquele clamor, mas as vozes continuaram gritando tanto e o insultando, como se seu silêncio mais e mais as irritasse. Novas vozes surgiam e o clamor aumentava, cada vez mais furioso e ameaçador. Agora já não vinham dos lados, mas surgiam a sua frente e atrás dele. Depois de algum tempo, ele ficou desnorteado, seus joelhos começaram a tremer e, achando que iria cair, ele esqueceu o conselho do dervixe. Ele se voltou para enfrentar a queda da montanha e, no mesmo momento, se transformou numa pedra negra.

O Rosário de Cem Pérolas Como era de se esperar, o Príncipe Perviz e sua irmã ficaram todo esse tempo na maior ansiedade, consultando a faca mágica, não uma vez mas muitas vezes por dia. Nesse período, a lâmina permaneceu brilhante e imaculada, mas na hora fatal em que o Príncipe Bahman e seu cavalo foram transformados em pedras negras, grandes gotas de sangue surgiram na superfície. — Ah, meu irmão amado! — gritou de horror a princesa, atirando longe a faca. — Eu nunca mais o verei novamente e fui eu quem o matou. Tola fui eu em ouvir a voz sedutora daquela mulher. Provavelmente ela não falava a verdade. O que são Pássaro Falante, a Árvore Cantora e a Água Dourada em comparação com você? Mas, desgraçadamente, eu ainda almejo aquelas riquezas! O pesar do Príncipe Perviz pela perda do irmão não era menor que o da Princesa Parizade, mas ele não perdeu tempo em lamentações inúteis.

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— Minha irmã, — indagou ele, — por que pensa que a velha queria apenas enganar você sobre aqueles tesouros? O que teria ela a ganhar com isso? Não, não, nosso irmão deve ter conhecido a morte por algum acidente ou por falta de precaução. Amanhã mesmo eu partirei na mesma busca. Terrificada com o pensamento de que ela poderia a perder seu último irmão, a princesa pediu para que ele desistisse de seu intento, mas ele permaneceu firme em sua decisão. Antes de partir, porém, ele deu a ela um rosário de orações de cem pérolas, dizendo: — Quando eu estiver ausente, conte-as diariamente. Se você sentir que as contas estão fixas, de forma que uma não deslize depois da outra, você saberá que tive o mesmo destino de nosso irmão. Mas vamos que esperar melhor sorte, minha querida irmã. Então ele partiu e no vigésimo dia de sua jornada, ele se encontrou com o dervixe no mesmo local que o Príncipe Bahman o tinha conhecido e começou a questionar sobre o lugar onde o Pássaro Falante, a Árvore Cantora e a Água Dourada seriam achadas. Como no caso de seu irmão, o dervixe tentou dissuadi-lo de seu projeto e até mesmo lhe falou que só faziam algumas semanas desde que um jovem muito parecido com ele tinha passado por ali, mas jamais voltara. — Santo dervixe — respondeu o príncipe, — era meu irmão mais velho que agora está morto, mas não sei como ele morreu. — Ele foi transformado em uma pedra preta — respondeu o dervixe, — como todos os outros antes dele. Você fatalmente será mais um, se não seguir fielmente minhas instruções. Então ele instruiu o príncipe, como ele deveria se cuidar e não olhar para trás de forma alguma, quando surgissem as vozes. Depois lhe deu uma bola de sua bolsa e se despediu dele. 56


Quando o Príncipe Perviz alcançou o pé da montanha, ele saltou do cavalo e parou por um momento para recordar as instruções que o dervixe tinha dado. Então ele começou a escalar corajosamente, mas mal havia dado cinco ou seis passos, quando foi surpreendido pela voz de um homem perto da orelha dele, que exclamou: — Pare, precipitado, e me deixe castigar sua audácia! Esta afronta o fez esquecer completamente o conselho do dervixe. Ele puxou a espada e se virou para vingar a afronta, mas antes que tivesse percebido que não havia ninguém lá, ele e o cavalo dele foram transformadas em duas pedras pretas. Não passava uma manhã, desde que o Príncipe Perviz tinha partido, sem que a Princesa Parizade manuseasse as contas. À noite, ela dormia com ele ao redor do pescoço, de forma que assim que despertasse podia se verificar se o seu irmão estava em segurança. Ela estava em pleno ato de mover as contas pelos dedos, no exato momento em que o príncipe tombou, vítima de sua própria impaciência. O coração da jovem bateu doloridamente, quando a pérola seguinte ficou imóvel em seu lugar. Ela soube, então, que seu último irmão estava morto. Após meditar por todo o dia, lamentando a morte de mais um irmão, a princesa tomou uma decisão e, na manhã seguinte, disfarçada como um homem, partiu para sua busca. Como ela tinha sido criada acostumada a montar desde sua infância, pôde viajar diariamente como seus irmãos tinham feito. Como eles, no vigésimo dia ela chegou ao lugar, encontrando o dervixe sentando sob a árvore. — Bom dervixe — disse ela educadamente, — você me permite descansar com você para alguns momentos. E talvez seja tão amável que me fale se você alguma vez ouviu falar de um Pássaro Falante, de uma Árvore Cantora e de uma Água Dourada. Saberia, por acaso, onde poderiam ser encontrados?

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— Senhora — respondeu o dervixe, — sua voz a traiu, apesar das roupas de homem. Ficarei orgulhoso se puder lhe servir de alguma forma. Mas posso perguntar o propósito de sua pergunta? — Bom dervixe — respondeu a princesa, — eu ouvi a descrição dessas maravilhas e não descansarei até possui-las. — Senhora, com certeza foi uma descrição das mais bonitas, mas você parece ignorar todas as dificuldades, senão já teria desistido. Desista, por favor, eu lhe peço, e retorne para sua casa. Não me peça que a ajude a rumar para a morte certa. — Pai santo — respondeu a princesa, — eu venho de muito longe e cairia em desespero se retrocedesse sem ter atingido meu objetivo. Você falou de dificuldades. Conte-me quais são para que eu saiba se posso superá-las ou se estão além de minhas forças. Assim o dervixe repetiu suas orientações, enfatizando firmemente sobre o clamor das vozes, os horrores das pedras negras em que se transformaram os homens e as dificuldades de escalar a montanha. Mostrou como ter sucesso se nunca olhasse para trás, até que apanhasse a gaiola. — Até onde eu posso ver — disse a princesa, — a primeira coisa é não prestar atenção ao tumulto das vozes que me perseguirão até alcançar a gaiola e nunca olhar para trás. Sobre isto, penso ter bastante autocontrole para olhar diretamente a minha frente, mas como é possível que eu possa ficar assustada pelas vozes, como os homens antes de mim o foram, eu tamparei minhas orelhas com algodão, de forma que, mesmo que eles façam o maior dos alaridos, eu nada ouça. — Senhora! — exclamou o dervixe. — De todos os que me perguntaram como chegar ao alto da montanha, você é a primeira que se previne, pensando numa forma de escapar do perigo! É possível que você possa ter sucesso, mas, mesmo assim, tenha em mente sempre que o risco é grande. 58


— Meu bom dervixe — acrescentou a princesa, — eu sinto que terei sucesso e só me resta perguntar o modo como chegar lá. Então o dervixe disse que era inútil dizer qualquer outra coisa e lhe deu a bola que ela arremessou a sua frente. A primeira coisa que a princesa fez em chegar ao pé da montanha foi tapar os ouvidos com algodão. Assim que decidiu qual a melhor maneira de escalar a montanha, ela começou sua ascensão. Apesar do algodão, um pouco do eco das vozes chegavam até seus ouvidos, mas não eram suficientemente altas para incomodá-la. Elas cresceram mais e mais, insultando-a o mais alto que podiam, mas princesa ria e continuava sua escalada, dizendo que jamais deixaria que algumas palavras ásperas se pusessem entre ela e sua meta.

O Pássaro Falante Finalmente, ela percebeu a gaiola e o pássaro, cuja voz se uniu às vozes que ficavam para trás, ordenando: — Retorne, retorne! Não ouse se aproximar de mim. À vista do pássaro, a princesa acelerou seus passos e, sem se importar com o clamor que se tornara ensurdecedor, ela caminhou diretamente até a gaiola e, segurando-a, ela disse: — Agora, meu pássaro, eu o tenho e tomarei o maior cuidado para que não me escape. Assim que ela falou, retirou o algodão das orelhas, porque já não mais precisava disso. — Valente senhora — falou o pássaro, — não me culpe por ter me juntado às vozes que gritavam, mas fiz isso para preservar minha liberdade. Embora limitado em uma gaiola, estava contente com meu destino, mas se devo me tornam um 59


escravo, não poderia desejar como ama alguém mais nobre e constante. De agora em diante, eu a servirei doce e fielmente. Algum dia você me porá para a prova, porque eu sei quem é você melhor do que mesma. Enquanto isso, conte-me o que posso fazer por você e eu a obedecerei. — Pássaro — respondeu a princesa, cheia de uma alegria que lhe parecia estranha quando pensava que o pássaro tinha custado as vidas de seus dois irmãos. — Pássaro, deixe-me primeiro lhe agradecer por sua boa vontade, depois me deixe perguntar onde encontrar a Água Dourada. O pássaro descreveu o lugar, que não era distante. A princesa foi até lá e encheu um pequeno frasco prateado que ela tinha trazido para esse propósito. Ela retornou à gaiola e indagou: — Pássaro, ainda há uma outra coisa: onde poderei encontrar a Árvore Cantora? — Atrás de você, naquela bosque — respondeu o pássaro e a princesa caminhou naquela direção, procurando pelo som mais doce que ela havia escutado, até encontrá-la. Só que a árvore era alta e forte e ela ficou desesperada, pensando em como levá-la consigo. — Você precisa arrancá-la — disse o pássaro, quando ela retornou. — Tire apenas um galho e o plante em seu jardim. Ele criará raízes e crescerá, até se tornar uma árvore magnífica. Quando a Princesa Parizade teve em suas mãos as três maravilhas prometidas pela velha senhora, ela disse ao pássaro: — Tudo isso não é o bastante. Por causa de vocês, meus irmãos se transformaram em pedras negras. Eu não posso distingui-los das outras pedras, mas você deve saber e pode me indicar. Eu imploro, diga-me onde eles estão, pois desejo levá-los comigo. 60


Por alguma razão que a princesa não soube, suas palavras pareceram desagradar o pássaro e ele não respondeu. A princesa esperou alguns momentos, depois retornou, em tom severo. — Você se esqueceu que disse que seria meu escravo para fazer minha vontade e também que sua vida está em meu poder? — Não, eu não esqueci, — respondeu o pássaro, — mas o que você me pede é muito difícil. Porém, eu farei o melhor que puder. Se você olhar ao redor, verá um jarro aqui perto. Leve-o e, quanto desce a montanha, esparrame um pouco da água nele contida por sobre as pedras negras e logo achará seus irmãos. A Princesa Parizade levou o jarro, junto com a gaiola, o ramo e o frasco, descendo a montanha. Foi parando em toda pedra negra e borrifando-a com a água do jarro. As pedras que ela ia molhando imediatamente se transformavam em um homem. Quando ela teve seus irmãos diante de si, finalmente, foi tomada pela emoção. — O que houve com vocês? — soluçou ela. — Nós estávamos adormecidos — responderam eles. — Com certeza, mas sem mim o sono de vocês duraria até o dia do julgamento final. Já se esqueceram que vieram aqui à procura do Pássaro Falante, da Árvore Cantora e da Água Dourada e encontraram as pedras negras ao longo da escalada? Olhem em volta e vejam se alguma delas ficou. Esses cavalheiros e também vocês e todos os seus cavalos foram transformados em pedras e eu os salvei, borrifando-os com a água deste jarro. Como eu não poderia voltar para casa sem você, embora eu tivesse conquistado os prêmios nos quais eu tinha fixado meu coração, eu forcei o Pássaro Falante a me contar como quebrar o feitiço. Ao ouvir essas palavras, os dois príncipes compreenderam que deviam suas vidas à irmã. Os cavaleiros que estavam ali também sentiam isso e declararam-se 61


escravos dela, prontos para realizar qualquer desejo dela. A princesa agradeceu a cortesia deles e explicou que ela desejava apenas a companhia de seus irmãos e que todos os outros estavam livres para voltar para suas casas. Terminando de dizer isso, a princesa montou seu cavalo. Recusando a oferta do Príncipe Bahman de levar a gaiola com o Pássaro Falante, ela lhe confiou o ramo da Árvore Cantora, enquanto o Príncipe Perviz ficou encarregado de levar o frasco que continha a Água Dourada. Então eles partiram, seguidos pelo cavaleiros, que imploraram permissão para escoltá-los. Era intenção deles parar e contar suas aventuras ao dervixe, mas descobriram que ele estava morto, talvez pela idade avançada, talvez pelo fato de ter e cerrado sua tarefa. Isso eles jamais saberiam. Seguiram seu caminho e o número deles foi diminuindo cada vez mais, pois os cavaleiros partiam, quando se aproximavam se suas próprias casas. Finalmente, restaram apenas os irmãos, que chegaram aos portões da casa. A princesa levou a gaiola imediatamente para o jardim e tão logo o pássaro começou a cantar, rouxinóis, cotovias, tordos e todos os tipos de pássaros entrosaram suas vozes à dele em um coro maravilhoso. O galho da árvore foi plantado em um canto perto da casa e em poucos dias tinha crescido e se transformado numa enorme árvore. A Água Dourada foi vertida numa grande bacia de mármore especialmente preparada para isso. A água aumentou, borbulhou e então atirou-se para cima alguns metros, formando uma linda fonte. A fama dessas maravilhas logo se esparramou e de todas as partes vinham pessoas para vê-las e admirá-las.

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O Encontro com o Sultão Depois de alguns dias o Príncipe Bahman e o Príncipe Perviz voltaram ao seu modo normal de vida, passando a maior parte do tempo caçando. Um dia, aconteceu que o Sultão de Pérsia também estava caçando ma mesma região. Não desejando interferir com o esporte dele, os jovens, ao ouvir o ruído dos caçadores se aproximando, trataram de se retirar, mas acabaram tomando o mesmo caminho da comitiva do sultão. Repentinamente, eles se viram frente a frente com o monarca. Vendo quem era o cavaleiro que vinha à frente, os dois irmãos saltaram dos cavalos e se prostraram diante de seu rei. O sultão ficou curioso ao ver as faces deles e ordenou que se levantassem. Os príncipes se levantavam respeitosamente, mas totalmente à vontade. O sultão os olhou para alguns momentos sem nada dizer, depois lhes perguntou que eram eles e onde eles vivia. — Senhor — respondeu o Príncipe Bahman, — nós somos os filhos do intendente anterior dos jardins de Sua Alteza e moramos em uma casa que ele construiu antes de sua morte, esperando até que ocasionalmente pudesse voltar a servir Sua Alteza. — Parecem apaixonados pelas caça — observou o sultão. — Senhor — disse o Príncipe Bahman, — é nosso exercício habitual e uma atividade que não deveria ser negligenciada por nenhum homem que espera seguir os costumes antigos do reino e manejar armas. O Sultão ficou encantado com essa observação e disse imediatamente: — Nesse caso, terei grande prazer em acompanhá-los. Venham, escolham de que tipo de bestas gostariam de caçar. 63


Os príncipes montaram seus cavalos e seguiram o sultão. Não tinham ido muito distante, quando viram vários animais selvagens aparecem. Imediatamente o Príncipe Bahman começou a perseguir um leão e Príncipe Perviz, um urso. Ambos usaram suas lanças com tal habilidade que, com arremessos certeiros a uma distância considerável, eles derrubaram o leão e o urso. Então o Príncipe Perviz procurou um leão e o Príncipe Bahman um urso e, em alguns minutos, perseguiram-nos e os mataram da mesma forma. Quando eles estavam se preparando para uma terceira arremetida, o sultão interferiu e enviou um dos funcionários dele para chamá-los. Disse-lhes sorrindo: — Se eu os deixar continuar, logo não restará nenhuma fera para ser caçada. Sua coragem e seus modos ganharam meu coração. Assim como eu, vocês não têm de se arriscar e avançar para o perigo. Estou convencido de que algum dia ou outro eu acharei utilidade para isso. Ele os convidou calorosamente a permanecer na sua comitiva, mas eles agradeceram a honra e imploraram suas desculpas, aceitando ser hóspede deles. O Sultão, que não estava acostumado para ter seus convites rejeitados, pediu que eles explicassem o motivo da recusa. O Príncipe Bahman explicou que eles não desejam deixar a irmã sozinha e que estavam habituados a nada fazer, sem que todos os três fossem consultados. — Perguntem a ela, então — disse o sultão, — e amanhã, quando eu voltar a caçar aqui, venham me dar sua resposta. Os dois príncipes voltaram para casa, mas a aventura causou tão pálida impressão em seus espíritos que eles se esqueceram completamente de comentar o assunto com a irmã. No dia seguinte, quando foram caçar, encontraram o sultão no mesmo lugar e ele lhes indagou qual havia sido a opinião da irmã deles. 64


Os jovens olharam um para o outro e ruborizaram.Finalmente, depois de um silêncio constrangedor, o Príncipe Bahman disse: — Majestade, nós temos que suplicar a clemência de Sua Alteza. Nem meu irmão nem eu nos lembramos de comentar o assunto com ela. — Então seguramente vocês não esquecerão de fazer isso hoje e de me trazerem a resposta amanhã — falou o sultão. Porém, quando a mesma coisa aconteceu uma segunda vez. Eles temerem que o sultão pudesse se enfurecer com o descuido deles. Mas ele relevou isso e, tirando três pequenas bolas de ouro de sua bolsa, entregou-as ao Príncipe Bahman, dizendo: — Coloque-as dentro de sua camisa e você não esquecerá pela terceira vez. Quando remover seu cinto, as bolas cairão e seu ruído o fará lembrar de meu pedido. Tudo aconteceu como o Sultão tinha previsto e o dois irmãos foram até o quarto da irmão, no momento em que ela se preparava para dormir. Eles contaram tudo que havia acontecido. A Princesa Parizade ficou muito preocupada com as notícias: — Seu encontro com o Sultão foi uma honraria muito grande para vocês — disse ela, — e irá, ouso dizer, ser muito proveitosa para vocês, mesmo me colocando numa posição incômoda. Importo-me muito com vocês, mas sei que resistiram aos pedidos do sultão por minha causa. Eu lhes sou muito por isso, mas os reis não gostam de ter seus pedidos recusados e, com o tempo, poderia ter rancor de vocês e isso me faria muito infeliz. Consultem o Pássaro Falante, que é sábio e enxerga longe e vamos ver o que ele nos diz. Assim, o pássaro foi chamado e o caso apresentado a ele.

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— Os príncipes não devem, em hipótese alguma, recusar a proposta do Sultão — aconselhou ele, — e até mesmo devem convidá-lo para vir até esta casa. — Mas, pássaro — objetou a princesa, — você sabe como afetuosamente nós nos amamos. Tudo isso não acabará deteriorando a nossa amizade? — Não! — respondeu o pássaro. — Vai torná-los mais íntimos. — Então o sultão terá que me ver — disse a princesa. O pássaro respondeu que era necessário que ele a visse e conhecesse e que tudo se tornaria melhor ainda. Assim, na manhã seguinte, quando o Sultão inquiriu se eles tivessem falado com a irmã e que resposta ela lhes tinha dado, o Príncipe Bahman respondeu que eles estavam prontos para acatar o convite de Sua Alteza e que a irmã os havia reprovado pela hesitação deles. O Sultão recebeu as explicações com grande generosidade e lhes falou que ele estava seguro de que os jovens lhe seriam fiéis e prometeu mantê-los ao seu lado pelo resto de seus dias, para aflição do grão-vizir e do resto da corte. Quando o séqüito entrou pelos portões da capital, os olhos das pessoas que se aglomeraram nas ruas estavam fixos nos dois jovens, estranhos para todos. — Oh, quem dera que o sultão tivesse tido filhos assim! — murmuraram. — Eles parecem tão distintos e têm a mesma idade que os filhos dele teriam. O Sultão ordenou que aposentos esplêndidos deveriam ser preparados para os dois irmãos, depois insistiu para que eles se sentassem à mesa com ele. Durante o jantar, ele conduziu a conversa sobre vários assuntos científicos e também para história, da qual era particularmente aficionado. Mas, qualquer que fosse o tópico que discutissem, percebeu que os jovens falavam apropriadamente e que todos se calavam para ouvi-los. "Se eles fossem meus próprios filhos", pensou ele, "não poderiam ser mais ou melhor educados! Em voz alta, elogiou o aprendizado deles e sua prova de conhecimento". 66


Ao término da noite, os príncipes se prostraram mais uma vez diante do trono e pediram licença para voltar para casa. Depois, encorajados pelas palavras corteses de despedida articuladas pelo sultão, o Príncipe Bahman ousou dizer: — Senhor, podemos ousar ter a liberdade de perguntar se Sua Alteza nos daria e a nossa irmã a honra de descansar em nossa casa, na próxima vez que for caçar naquela região? — Com o máximo prazer — respondeu o Sultão. — E como estou impaciente para conhecer sua sábia irmã, podem me esperar para depois de amanhã.

Pepinos Com Pérolas A princesa estava muito ansiosa e sabia que tinha de receber o sultão de modo apropriado. Como ela não tinha nenhuma experiência nos costumes da corte, recorreu ao Pássaro Falante e implorou que ele a aconselhasse sobre que pratos deveriam ser servidos. — Minha querida ama — respondeu o pássaro, — seus cozinheiros são muito bons e você pode deixar tudo por conta deles, excerto ter o cuidado de mandar preparar uma receita de pepinos, recheados com molho de pérolas, servida com o primeiro prato. — Pepinos recheados com pérolas! — exclamou a princesa. — Por que, pássaro? Quem já ouviu falar de tal prato? O sultão espera um jantar onde ele possa comer e não um onde ele só possa admirar a comida. Além disso, se eu fosse usar todas as pérolas que possuo, elas não seriam o bastante. — Ama, faça o que lhe digo e tudo sairá bem. Quanto às pérolas, amanhã, ao amanhecer, vá até o jardim e cave ao pé da primeira árvore à direita. Ali achará tantas quantas você precisar. 67


A princesa teve fé no pássaro que sempre provara estar certo em seus conselhos. Na manhã seguinte, seguida por um jardineiro, ela seguiu as instruções do pássaro e mandou o empregado cavar ao pé da árvore indicada. Após cavar algum tempo, ele retirou dali uma caixa dourada, cuja tampa estava presa por alguns fechos. Estes estavam tão estragados que facilmente se abriram. A caixa estava cheia de pérolas, não muito grandes, mas de bom formato e perfeitas na cor. Deixando o jardineiro enchendo o buraco que havia feito sob a árvore, a princesa levou a caixa para casa. Os dois príncipes a tinham visto sair e estavam ansiosos para saber o que a fizera se levantar tão cedo. Cheios de curiosidade, eles se levantaram, vestiram-se e foram ao encontro da irmã, que retornava com a caixa. — O que você andou fazendo? — perguntaram eles. — Os criados estão comentando que o jardineiro encontrou um tesouro. — Pelo contrário — respondeu a princesa, — fui eu que achei um — acrescentou, abrindo a caixa e lhes mostrando as pérolas. Então, ela lhes contou que havia consultado o pássaro a respeito dos costumes da corte e em como ele a aconselhara e ainda a ajudara a encontrar as pérolas. Os três juntos tentaram adivinhar o significado daquela sugestão tão singular, mas foram afinal forçados a admitir que a explicação estava além deles, mas que deveriam obedecer cegamente. Então, a primeira coisa que a princesa fez em seguida foi mandar cozinheiro-chefe preparar a refeição para o sultão. Quando ela terminou, acrescentou a seguinte ordem: — Além dos pratos que eu mencionei, há um que você tem que preparar expressamente para o sultão e no qual pessoa nenhuma poderá tocar, além de você. Consiste em um pepino recheado e o recheio será feito com estas pérolas. O cozinheiro-chefe, que nunca em sua vida e com toda a sua experiência ouvira falar de tal prato, recuou assombrado. 68


— Você pensa que eu estou louca? — indagou a princesa, ao perceber o que se passava na mente dele. — Sei muito bem o que estou fazendo. Vá e dê o melhor de si. Leve as pérolas com você. Naquela mesma manhã, os príncipes foram para a floresta e logo se juntaram ao sultão. A caçada começou e continuou até o meio-dia, quando o calor ficou tão forte que foram obrigados a parar. Então, como haviam combinado, eles rumaram para a casa dos irmãos. Enquanto o Príncipe Bahman permanecia pelo lado do sultão, o Príncipe Perviz se adiantou para avisar sua irmã. No momento em que Sua Alteza entrou no pátio, a princesa se atirou aos pés dele, mas ele se curvou e a ergueu, contemplando-a por algum tempo, cativado pela graça e pela beleza dela e também por aquele indefinível ar de realeza que parecia emanar do corpo daquela menina do campo. "Eles são tão dignos, tanto um como outro, e tão unidos", pensou ele, "que não fico surpreso pelo fato dos dois darem tanta importância às opiniões dela. Eu tenho que saber mais sobre eles". Passado o constrangimento inicial, a princesa se recuperou e tratou de fazer seu discurso de boas vindas. — Esta é só uma casa do campo, simples, senhor — disse ela, — adequada a pessoas que, como nós, apreciam a vida calma e a quietude. Não se compara com as grandes mansões da capital, muito menos, é claro, com o menor dos palácios do sultão. — Eu não posso concordar totalmente com você — respondeu ele, — pois o pouco que vi já me causou grande admiração. Reservarei meu julgamento para depois que você me mostrar toda a casa. A princesa conduziu o sultão ao quarto de hóspede e, após examinar tudo cuidadosamente, ele disse:

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— Você chama esta uma casa rural simples? Se toda casa rural fosse assim, as cidades seriam logo abandonadas logo. Eu entendo agora porque seus irmãos não evitam deixá-la. Mas vamos agora conhecer o jardim. Estou certo que deve ser ainda mais bonito que os aposentos desta cada maravilhosa. Uma porta se abriu diretamente para o jardim e a primeira coisa que os olhos do sultão viram foi a Água Dourada. — Que água de cor tão adorável! — exclamou ele. — Onde é a fonte e como você a faz subir tão alto? Jamais vi qualquer coisa como isto em todo a minha vida — acrescentou, examinando de perto. Quando satisfez sua curiosidade, a princesa o levou até a Árvore Cantora. Próximos dela, o sultão foi surpreendido pelo som de estranhas vozes, mas não podia ver nada. — Onde estão os músicos escondidos? — ele quis saber, dirigindo-se à princesa. — Estão no ar, debaixo da terra? Seguramente os donos de vozes tão encantadoras não precisam se esconder! — Senhor — informou ela, — as vozes vêm da árvore que vê a sua frente. Se caminhar um pouco mais até ela, verá que as vozes ficam mais claras. O Sultão fez como ela lhe falou e, absorto e deliciado, ficou algum tempo em silêncio, ouvindo. — Diga-me, senhora, — disse ele, afinal, — como uma árvore tão maravilhosa veio parar em jardim? Deve ter vindo de muito longe, pois estudioso como sou a respeito de todo tipo de curiosidade, eu já teria ouvido falar dela. Digame, como a chama? — O único nome que ela tem, senhor, é a Árvore Cantora. Não é uma planta nativa de nosso país. Sua história está misturada com as da Água Dourada e do

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Pássaro Falante, que não viu ainda. Se Sua Alteza assim o desejar, eu lhe contarei a história inteira, quando se recuperar de sua fadiga. — Realmente, senhora, — devolveu ele — você me mostrou tantas maravilhas que é impossível sentir qualquer fadiga. Deixe-me ir olhar mais uma vez a Água Dourada, depois quero conhecer o Pássaro Falante. O sultão não conseguia se afastar da Água Dourada, que o instigava cada vez mais. — Você diz que esta água não vem de qualquer fonte nem é trazida através de tubos? Tudo que eu sei que nem ela nem a Árvore Cantora são deste país. — É como você diz, senhor — respondeu para a princesa. — Se examinar a bacia, você verá que é feita em uma peça única, sem ligação com tubos. Ficará ainda mais surpreso ao saber que eu apenas esvaziei um pequeno frasco na bacia e o conteúdo dela aumentou na quantidade que vê agora. — Bem, eu voltarei a examinar isso um outro dia. Leve-me agora ao Pássaro Falante — pediu ele. Ao se aproximar da casa, o Sultão notou uma quantidade enorme de pássaros cujas vozes enchiam o ar. Quis saber logo por que eram tão numerosos ali que em qualquer outra parte do jardim. — Senhor, vê aquela gaiola numa das janelas do salão? Ali está o Pássaro Falante cuja voz pode ouvir acima de todas as outras, mesmo acima da voz do rouxinol. Os pássaros se aglomeram neste lugar para somar suas vozes à dele, num coro único e maravilhoso. O Sultão caminhou até a janela, mas o pássaro não lhe deu atenção e continuou sua canção como antes. — Meu escravo, — disse a princesa — este é o Sultão. Faça-lhe um belo discurso. 71


O pássaro parou de cantar imediatamente, e todos os outros pássaros também pararam. — Seja bem vindo, ó sultão! — disse o Pássaro Falante. — Eu lhe desejo vida longa e toda prosperidade. — Eu agradeço você, bom pássaro — respondeu o sultão, sentando-se para comer numa mesa que fora arrumada perto daquela janela. — Eu estou encantado em conhece-lo, Rei dos Pássaros. O Sultão, notando que seu prato favorito de pepino fora servido diante dele, preparou-se para comê-lo, mas ficou pasmo ao descobrir que estava recheado de pérolas. — Uma novidade, realmente! — exclamou ele. — Mas eu não entendo a razão disto. Uma pessoa não pode comer pérolas! — Senhor — disse o pássaro, antes que os príncipes ou a princesa pudessem falar. — Seguramente não pode ficar surpreendido assim diante de um pepino recheado de pérolas, quando acreditou sem nenhuma dificuldade que a Sultana tinha, em vez de crianças, dado à luz um cachorro, um gato e um tronco de madeira. — Eu acreditei — respondeu o Sultão, — porque as mulheres que a atenderam assim me falaram. — Essas mulheres eram as irmãs da Sultana, consumidas pelo ciúme, pela honra concedida à irmã mais nova. Para se vingar, inventaram essa farsa. Interrogue-as duramente e elas o crime delas. Estes são seus filhos, salvos da morte pelo intendente de seus jardins e criados por ele como se fossem seus próprios filhos. Como um relâmpago, a verdade veio à mente do Sultão.

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— Pássaro — gritou o sultão, arrependido, — meu coração me fala que o que você diz é verdade. Meus filhos — acrescentou ele, — abracem-me e abracem-se, não só como irmãos e irmã, mas como tendo em vocês o sangue real da Pérsia que não poderia fluir em veias mais nobres. Quando os primeiros momentos de emoção terminaram, o sultão, tendo terminado sua refeição, virou-se para seus filhos e disse: — Hoje vocês me receberam como seu pai. Amanhã eu vou trazer a sultana. Estejam prontos para receber sua verdadeira mãe. O Sultão montou seu cavalo e galopou rapidamente para trás a capital. Sem a demora nenhuma, ele enviou seu grão-vizir, ordenando-lhe que interrogasse as irmãs da sultana. Isso foi feito naquele mesmo dia. As duas pérfidas irmãs foram confrontadas e interrogadas e, quando a culpa ficou provada, foram executadas. O sultão não esperou para ver se suas ordens eram cumpridas. Saiu imediatamente e caminhou até a grande mesquita, libertando pessoalmente a sultana da prisão estreita onde ela tinha passado tantos anos. — Senhora! — soluçou ele, chorando e abraçando-a com lágrimas de arrependimento nos olhos. — Eu vim pedir seu perdão pela injustiça que cometi e consertar meu erro na medida do possível. Eu já comecei por punir as responsáveis por esse crime abominável e espero que você me perdoe, quando eu a apresentar aos nossos filhos. Eles são as criaturas mais encantadoras do mundo inteiro. Venha e terá volta sua posição e todo a honra que lhe é devida. Esta promessa foi dita na presença de uma enorme multidão que tinha se juntado, unindo pessoas de todas as partes da cidade, tão logo a notícia do que estava acontecendo foram passadas de boca a boca. No dia seguinte bem cedo, o sultão e a sultana, vestidos com suas roupas reais e seguidos por toda a corte, partiram para a casa de campo, onde moravam seus filhos. Ali, o sultão os 73


apresentou à sultana um por mm e, durante algum tempo, nada mais fizeram que se abraçar, chorar e murmurar palavras de ternura. Depois eles comeram uma refeição magnífica que havia sido preparada para eles e, em seguida, foram se refrescar no jardim, onde o sultão mostrou a sua esposa a Água Dourada e a Árvore Cantora. Com o Pássaro Falante, ela havia travado relações durante o almoço. À noite, eles montaram e viajaram juntos para a capital, cada príncipe de um lado do pai e a princesa ao lado de sua mãe. Muito antes que alcançassem os portões, as ruas estavam forradas de pessoas, à espera deles. O ar se encheu de gritos de boas vindas, que se misturavam às canções do Pássaro Falante, sentado em sua gaiola, no colo da princesa, seguido por todos os outros pássaros do jardim. Dessa maneira, eles voltaram para o palácio do pai deles. Mais tarde a princesa descobriria que o Pássaro Falante era, na verdade, um príncipe que havia sido encantado por uma terrível madrasta. Mas essa é uma outra história...

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LOURIVALDO PEREZ BAÇAN O MAGO DAS LETRAS Atividades: • Professor de primeiro, segundo e terceiro graus • Bancário aposentado • Instrutor de Treinamento Profissional • Escritor: poeta, contista e novelista • Compositor letrista • Tradutor • Palestrante: Redação Criativa e O Processo Criativo

Publicações: • Em 1991, participou da Antologia Poesias, Contos e Crônicas, publicada pela FENAE com os resultados do I Concurso Nacional de Literatura, categoria Contos, primeiro lugar, Brasília-DF. • Em 1995, traduziu a obra "El Contubérnio Judeo-Masónico-Comunista", de José Antonio Ferrer Benimelli para a Coleção "Biblioteca do Maçon", Série: Traduções, Editora Maçônica "A Trolha" Ltda, em dois volumes com o título de Maçonaria e Satanismo, Volumes I e II, Londrina-PR • Publicou em 1996 a novela rural Sassarico, sobre o fim do ciclo do café, início da rotação de culturas (soja e trigo) e surgimento dos bóias-frias

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• Em 1997, participou da Coletânea de Poesias Poema, Poesia... Maçom, Maçonaria, organizada por Mário Cardoso, Arte Real Editora e Distribuidora de Livros Ltda, Londrina-PR. • Publicou em 1998 o livro de poemas Alchimia e em 1999 o livro Redação Passo a Passo. • Em 2001 editou e prefaciou o livro Os Templários, de Lori Andrei Perez Baçan, Gráfica e Editora Modelo Ltda. • Publicou em 2007 os livros A Sabedoria dos Salmos, A Sociedade Secreta dos Templários e O Livro Secreto da Maçonaria. • Entre 1975 e 2005, escreveu mais de 900 textos, publicados em sua maioria, sobre os mais diferentes assuntos, como: romances, erotismo, palavras cruzadas, charadas, passatempos, literatura infantil, passatempos infantis, horóscopos, esoterismo, simpatias populares, rezas, orações, intenções, anjos, fadas, gnomos, elementais, amuletos, talismãs, estresse, manuais práticos, religião e livros de bolso com os mais diversos temas, letras para músicas.

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