arquiteturas do cotidiano fluxos e permanĂŞncias na regiĂŁo da luz
arquiteturas do cotidiano fluxos e permanências na região da luz
gabriela dal secco orientação abilio guerra
trabalho final de graduação apresentado a faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade presbiteriana mackenzie para obtenção do título de arquiteta e urbanista. são paulo, 2017
agradecimentos
Aos orientadores que incansavelmente discutiram comigo este trabalho. Abílio Guerra pelas conversas que contribuíram para este ano, sobretudo para a minha formação profissional. Superando expectativas. Ângelo Cecco pelas provocações projetuais engrandecedoras. Paciência e confiança inigualáveis. Aos docentes Nieri Araujo, Caco Ramos, Edson Lucchini, Alexandre Hepner, Daniel Corsi, Igor Guatelli e Daniela Getlinger, pela sabedoria com que me ensinaram. Matheus que tanto me acalmou e encorajou, tornando tudo mais leve. Por compartilhar comigo a paixão pela profissão. À Karla e Felippe pelas críticas construtivas seguidas por palavras de carinho. Aos meus pais que proporcionaram a oportunidade dessa formação. Pelas palavras acolhedoras ditas no lugar dos abraços, impossibilitados pela distância. Pela inspiração diária e motivação dessa jornada. À minha família por entender minhas faltas em tantos momentos importantes e por me fazer acreditar nos meus sonhos.
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Com tema e metas ainda indefinidos sobre o que abordar nesse trabalho, achei que seria interessante ir à procura de respostas provenientes da necessidade da própria cidade. Curiosamente, em um percurso errático, tive conhecimento do segundo maior cortiço da América Latina localizado entre a Rua Brigadeiro Tobias e Avenida Tiradentes. A partir daí a habitação e a região me pareceram questões intrigantes que deveriam ser abordadas. Ao habitar um local, outros usos apresentam-se necessários para atender aos moradores. Devido à localização estratégica, seria pertinente implantar também um equipamento de caráter público e coletivo para a cidade. O terreno escolhido para intervenção, entre a Brigadeiro Tobias e Avenida Cásper Líbero, tem ainda relação direta com a praça do metrô, que é arquitetonicamente pouco qualificada. Portanto o projeto se desenvolve em três escalas de aproximação do indivíduo: íntima, coletiva e pública.
Ainda tentativa de compreender melhor o lugar, chamou-me a atenção a diversidade do conjunto arquitetônico e seus usos diversos. Em menos de vinte metros, apenas atravessando a rua, programas dos mais distintos coexistem e fazem muito sentido. Grandes equipamentos atraem pessoas de todas as regiões da cidade, do Brasil e do mundo. Contudo, à noite as ruas parecem as ruínas de Pompeia, com todas essas arquiteturas desocupadas. O objetivo a priori é contar sobre a tectônica do lugar. Como se estivéssemos olhando fotos da cidade italiana, só identificamos as estruturas que restaram e suas construções sem vida. Nada do que vemos lá faria sentido se não entendêssemos o modo de habitar das pessoas que ocupavam aquele lugar, seus hábitos e suas atividades diárias. Ao entendermos essas características de acordo com seu tempo, a partir desse ponto de vista podemos interpretar as edificações e a cidade. Portanto, a separação entre arquiteturas e pessoas é proposital e provocativa.
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“Ao entrar no território que tem Eutrópia como capital, o viajante não vê uma mas muitas cidades, todas do mesmo tamanho e não dessemelhantes entre si, espalhadas por um vasto e ondulado planalto. Eutrópia não é apenas uma dessas cidades mas todas juntas; somente uma é habitada, as outras são desertas; e isso se dá por turnos. Explico de que maneira. No dia em que os habitantes de Eutrópia se sentem acometidos pelo tédio e ninguém mais suporta o próprio trabalho, os parentes, a casa e a rua, os débitos, as pessoas que devem cumprimentar ou os cumprimentam, nesse momento todos os cidadãos decidem deslocar-se para a cidade vizinha que está ali à espera, vazia como se fosse nova” (Calvino, 1990: 62)
A região onde se encontra a Estação da Luz funcionava apenas como abrigo de funções vitais e básicas de moradia e comércio. Pouco havia mudado até um século e meio, quando a expansão das lavouras de café nas terras férteis do interior criou uma demanda rápida e necessária de escoamento dessa produção para o porto de Santos. A fim de viabilizar tal escoamento, tornou-se imprescindível a implantação de uma linha férrea, cuja implantação deveria se verificar num local estratégico e plano. Considerando-se que a região da Luz era a área mais próxima não atingida pela inundação do Rio Tamanduateí, decidiu-se por ali erigir a citada linha. Nesse contexto, companhias ferroviárias começaram a construir extensas malhas que ligavam cidades do interior ao Porto de Santos,
(1) Passarela da Pinacoteca do Estado (página 12) (2) Recorte do “Mappa da Viação Ferrea de São Paulo e Partes dos Estados Vizinhos 1910”. Executado pela E.F Sorocabana.
funcionando São Paulo como cidade central. Em meio a esse processo, o desenho urbano da Capital paulista começou a se distanciar da cidade tropeirista. Ao subir a serra, os vagões que transportavam café para o litoral, traziam consigo novos materiais, estilos e profissionais. A paisagem, então, começou a adquirir novo formato, podendo-se destacar, nas novas construções, a substituição da taipa de pilão pelos tijolos, como principal técnica construtiva. Começava-se a ver na região o uso dos materiais importados, como telhas de ardósia e de cerâmica Marselha, vidros coloridos belgas, o aço inglês e pinho de Riga. A estética da cidade começou a mudar velozmente, tendo Benedito Lima de Toledo denominado essa fase de “a segunda fundação de São Paulo”. (Toledo, 1983: 86).
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Charles Henry Driver, arquiteto inglês com produção considerável em estações ferroviárias, foi o responsável pelo projeto do terceiro edifício erguido pela São Paulo Railway para atender ao crescente fluxo da Estação da Luz. Parte dessa composição engloba a plataforma do trem, plataforma esta coberta por uma sinuosa estrutura metálica. Beatriz Kuhl a caracteriza como “a expressão das mais emblemáticas do processo de industrialização e sua repercussão na arquitetura”. Cerca de cem anos depois, o aço – material de expressão forte e arrojada – seria novamente utilizado como principal ferramenta na reforma da atual Pinacoteca, projetada por Paulo Mendes da Rocha, e na nova cobertura da Estação Júlio Prestes, por Nelson Dupré.
(3) Estação da Luz em construção 1899.
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O uso de tijolos aparentes é observado no edifício de Driver e no Liceu de Artes e Ofícios de Ramos de Azevedo, os quais, juntamente com o Jardim da Luz, compõem um conjunto arquitetônico e urbano harmônico. A escala e a proporção das edificações são bem articuladas com o parque e a largura da rua, a qual simbolicamente demarca os limites. Antes de atravessar o Viaduto General Couto Magalhães, se tem essa rua como a extensão das arquiteturas e do parque, como local de passagem e permanência. Nesse cenário é possível mergulhar em um universo lúdico e transcender, nem sequer lembrando que, a menos de 50 metros dali, situa-se uma das vias rápidas mais movimentadas da Capital, a Avenida Tiradentes. Concebido originalmente para ser um jardim botânico, o Jardim da Luz é o mais antigo parque do Município. A relação espacial entre o Liceu de Artes e Ofício e a Estação da Luz marca um espaço liso, fluído entre as construções imponentes. Anteriormente à concepção das edificações, toda essa área pertencia ao parque que, desde a sua abertura, abrigava uma rica variedade de espécies de vegetação. A composição entre os edifícios históricos e a área verde cria uma nova espacialidade que se destaca pela sua amplitude no sentido horizontal, em contraposição ao entorno (4) Passagem em nível na Estação da Luz
altamente adensado verticalmente. Qualquer proposta a ser apresentada para ocupação do terreno, que foi canteiro de obras da estação de metrô da Luz, não poderia ignorar nenhuma dessas questões citadas acima, tão peculiares e únicas do local. Localizado aos fundos da Estação da Luz, o espaço vazio ao lado da praça do metrô apresenta proximidade imediata com o referido conjunto e as torres verticais modernistas. Apresentase a necessidade de contemplar a articulação da escala vertical e horizontal que caracteriza o entorno, e é cartão postal da capital paulista. Partindo das considerações acima, idealizei a proposta ora apresentada. Trata-se de um redesenho da praça do metrô da Luz, dando continuidade à generosidade urbana do consolidado conjunto, composto no início do século XX. Para tanto, tomei como lição a possibilidade de sair da Pinacoteca, atravessar a rua e passar em nível pela Estação da Luz, chegando a Rua Mauá. Percorrendo um pouco adiante, tentei usar o mesmo raciocínio no acesso à Linha-4 Amarela do metrô: o percurso em nível, sem fronteiras físicas, para atravessar da Avenida Cásper Líbero em direção à Rua Brigadeiro Tobias. Assim como na estação de trem, desloquei à plataforma de acesso para um nível abaixo da rua.
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O Liceu de Artes e Ofícios e a Estação da Luz são dois marcos simbólicos e responsáveis por influenciar a difusão do estilo eclético na arquitetura paulista, especificamente a construída pela elite cafeeira. Os edifícios com janelasbalcões coroadas com detalhes refinados se destacam na composição da paisagem atual, compartilhando o cenário com os pilotis dos edifícios modernistas. Mesmo que hoje algumas sejam tombadas, é comum encontrar em baixo estado de conservação estas edificações que sobreviveram ao processo de verticalização da região.
região da Estação da Luz, segregandose o território. “O abandono das áreas históricas e a perda do caráter multifuncional dos antigos centros urbanos, e seu consequente esvaziamento, acabaram por comprometer sua segurança e qualidades intrínsecas, ocasionando decadência e degradação física e humana. A consciência de que essa questão afeta diretamente ao conjunto dos habitantes da metrópole torna-se a cada dia mais premente, e as ações para superá-la são, igualmente, do interesse de todos” (Zein, 2001: 25).
Entre os anos 1930 e 1960, ocorreram mudanças na dinâmica local que explicam essas cicatrizes encontradas até hoje. O processo de substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário, a crise de 1929, assim como o declínio na exportação do café após a 2ª Guerra Mundial foram, aos poucos, deixando a ferrovia à mercê. Se, por um lado, a linha férrea intensificou o comércio, gerando um fluxo de pessoas intenso, de outro, foi o que motivou a migração da elite em direção a Higienópolis e, posteriormente, para a Avenida Paulista e Jardins. Assim, iniciou-se um processo de degradação urbana na
O boom do mercado imobiliário impulsionado pelo novo zoneamento e a facilidade dos financiamentos promoveram a intensa verticalização de edifícios residenciais combinados com salas comerciais. Os empréstimos para compra dessas unidades eram facilitados para as classes média e média alta, o que, segundo Teresa Pires do Rio Caldeira (Caldeira,2011:225), gerou um movimento de emigração da população de baixa renda para as periferias da cidade, situação que persiste até os dias atuais, mesmo que sejam visíveis sinais de mudanças.
(5) projeto visto pela praça (páginas 20 e 21). (6) Avenida Cásper Líbero.
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01. contextualização edifícios entorno
02. torres residenciais alinham-se às empenas existentes
03. bloco esportivo como conector dos edifícios
04. praça rebaixada como espaço intermediário entre cidade e edificício
(7) esquemas de concepção do partido arquitetônico (8) corte perspectivado (páginas 26 e 27).
Como forma de tentar reparar a problemática da marginalização daquela população, torna-se pertinente a implantação de um programa habitacional. Afora isso, busquei desvendar potencialidades escondidas e elevá-las, de modo que funcionem como resposta a uma série de possibilidades a serem exploradas. Partindo das preexistências, encontram-se equipamentos consolidados nos setores de cultura, ensino, comércio, saúde e serviços. Nota-se, porém, que a área de esporte e lazer apresenta carência. De tal aspecto, emerge uma outra parcela do programa. “Áreas habitacionais, em especial, significam boas conexões com espaços comuns importantes da cidade e um reforço acentuado da segurança real e da percebida, mesmo à noite. Então, ainda que a rua esteja deserta, nas áreas residenciais, as luzes das janelas enviam um sinal reconfortante de que há pessoas por perto” (Gehl, 2015: 99). Gehl destaca nessa passagem a importância da habitação na composição do lugar. O ato de morar gera a apropriação do espaço no cotidiano, trazendo movimentação em todos os horários do dia. A proposta, do projeto desenvolvido, consiste em corroborar a pertinência de implantar habitações em regiões centrais, para desfrutar da infraestrutura sólida e subutilizada, em especial a noite. De
tal modo, visa-se potencializar o uso das arquiteturas, dos programas, dos espaços públicos, dos espaços coletivos e dos meios de transporte. Agregar programas, paralelos aos que já existem, é de certa forma uma maneira de reforçar a relevância do local a nível da metrópole. Habitar o território significa criar uma intensa relação com o meio. Segundo Cacciari, a ideia de apropriar-se do espaço constitui fator determinante para sua transformação em lugar. Pessoas tendem a habitar aquilo que se sentem propícias a habitar, aquilo que de algum modo atrele afeto a espaço, criando vínculos que as levam a contribuir para a manutenção do próprio local. No anseio de apresentar uma resposta as problemáticas levantadas através das premissas da arquitetura e do urbanismo contemporâneo, vejo a importância que o projeto tem em atender a um complexo cenário que está em constante transformações. Para isto, é importante que o projeto de arquitetura desenvolvido seja interessante em suas espacialidades, de modo a configurar-se como um local novos percursos, encontros e experiências. A implantação dos volumes construídos ocorre na porção próxima ao limite do lote, liberando grande parte para a praça que se caracteriza como instrumento de articulação entre o edifício e a cidade.
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(9) croquis de estudos para volumetria do projeto (elevação) (10) corte longitudinal (påginas 30 e 31).
Rem Koolhass acredita a arquitetura deve ser capaz de “gerar densidade, explorar a proximidade, provocar a tensão, maximizar a fricção, organizar os espaços intersticiais, promover filtros, vigorar a identidade e estimular o impreciso” (Moneo, 2008: 289). Defende que os espaços devem ser flexíveis para acomodar os usos imprevistos. Trata-se de uma arquitetura em que os diferentes programas que a compõem desaparecem no todo, embora ainda seja possível identificá-los.
do abrigo. É a feição da casa na cidade.
Pergunto-me, então, como conciliar tal fluidez dos espaços indeterminados com a necessidade mais íntima do homem, o abrigo? Adoto como ponto de partida a concepção de Vilanova Artigas: “As cidades como as casas. As casas como as cidades”.
Os limites não precisam ser barreiras físicas, o que possibilita conectar espaços de diferentes usos, sem que existam conflitos de fluxos. A proposta do novo projeto da praça é conceber um espaço intermediário entre a cidade e o edifício, dobrando o nível da rua para criar uma cota sobre o solo que interage espacialmente com o bloco esportivo. Os recortes no terreno direcionam os caminhos que conduzem a um nó central, a praça rebaixada. Os beirais na laje do térreo e a vegetação proporcionam sombra e proteção contra a chuva; os acessos ao metrô, agora rebaixados, valorizam a horizontalidade da praça do térreo, ressaltando as edificações históricas tombadas do entorno.
Entendo que quando Artigas alude às casas, não se limita somente à unidade habitacional. Citando como exemplo, têm-se os espaços da ala administrativa do Centro Paula Souza que, por um determinado período, assumem o caráter de casas. Já a praça no nível da rua, originalmente projetada como espaço público do edifício, confunde-se com o próprio passeio da calçada e, juntamente com a cobertura que interliga os dois blocos, apresenta o acolhimento característico
Os edifícios habitacionais propõem a interação delicada com as empenas cegas que tangenciam o terreno. A implantação ocorre de modo a ocupálas, contudo, sem tocá-las, respeitando ainda os gabaritos que oscilam. A baixa porção vertical do embasamento marcado entre as duas torres habitacionais busca reiterar o eixo visual da estação ferroviária da Luz e sua torre do relógio, parte mais alta do edifício e símbolo das arquiteturas de estação ferroviária.
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(11) MARCO; ZEIN, 2001 p. 177 “obra nova: vigas metálicas da cobertura.” Sala São Paulo.
Nos últimos anos tem se discutido propostas habitacionais e projetos para requalificação de edifícios no centro de São Paulo. Ainda que pertençam a um futuro incerto, por questões políticas, pequenos avanços foram feitos reiterando a importância de implantar moradias na região. Como no caso do programa Casa Paulista, iniciativa pública, do governo do Estado, com a parceira privada (PPP) que prevê relocar para o centro pessoas de baixa renda que ali trabalham, mas que moram em áreas distantes. O escritório de arquitetura Biselli & Katchborian venceu uma licitação e é responsável por um projeto com 1200 unidades habitacionais, e será implantado no terreno do antigo Terminal Rodoviário. São estratégias traçadas para trazer mais pessoas para morar no centro, e então recuperar as qualidades da vida urbana local que foram perdidas com o tempo. Trata-se de uma das regiões mais adensadas da cidade, com muitas edificações que tem a estrutura em bom estado de conservação. São prédios propícios para projetos de intervenção, que podem ser qualificados para moradia - uso já apresentado em alguns casos e seus programas complementares. Este processo de reapropriação já ocorreu nas últimas décadas do século passado em algumas edificações historicamente importantes, e demonstra a necessidade de
compreender a evolução da sociedade no tempo. Segundo Ruth Verde Zein, as edificações tombadas, importantes para memória da cidade, devem ser abertas para a cidade e ocupadas com usos de atividades diversas. É essencial incentivar essa prática para que se tenha uma “estrutura relativamente autossustentável” e evitar a museificação de tais arquiteturas. A readequação por meio de projetos de arquitetura proporciona a abertura aos usos contemporâneos, agregando valor urbano à vida em comunidade. Na região há bons exemplos do referido processo: Estação Júlio Prestes, Pinacoteca do Estado, Estação Pinacoteca, Museu de Arte Sacra, Oficina Oswaldo de Andrade, Edifício dos Correios no Vale do Anhangabaú e o recém-incendiado Museu da Língua Portuguesa. Pode-se notar nessas propostas o entendimento daquilo que transcende às questões técnicas e arquitetônicas, pois contempla uma nova inserção no tecido urbano. Os fluxos da rua ultrapassam os limites físicos, adentrando na edificação de modo a propor percursos que antes eram ocultos. Como no caso da Pinacoteca, tem-se a recolocação da entrada principal voltada para a Estação da Luz, antes acessada pela Avenida Tiradentes.
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É no olhar criterioso, do arquiteto, sobre o cotidiano que emergem tais soluções de projeto que propõem uma generosidade com o meio urbano. Ainda que haja a necessidade de cumprir o programa estabelecido, sempre doar, em algum gesto arquitetônico, algo para a cidade. As densidades das construções, ali observadas, são permeadas com os fluxos da cidade, e em muitos momentos os limites entre o edifício e a rua é tão tênue, que pode até passar despercebido. “O espaço sedentário é mais denso, mais sólido e, por isso, cheio, ao passo que o nômade é menos denso, mais líquido e, por isso, vazio. ” (Careri, 2013: 40). Encontro na região da Luz inúmeros espaços lisos e estriados descritos por Careri. Uma das características mais fortes da arquitetura da região central é o alinhamento da fachada dos
(12) térreos com galerias no centro de São Paulo.
edifícios altos, estabelecendo limites claros entre a calçada pública e o espaço interno das edificações. Apesar dessas estrias marcadas pelos muros, é possível encontrar em vários pontos perfurações no lote através de alguns edifícios, denominadas galerias. São dois traços marcantes que nascem do desenho arquitetônico e resultam na composição de espaços distintos. Com isso, é verificar a possibilidade perder-se no centro de São Paulo, local que tanto conhecemos; e, no caminhar entre os espaços construídos, encontrar a delicadeza daqueles simbolicamente construídos; e, no meio desses, divagar, observar as mudanças na paisagem e suas reinterpretações no tempo. Deixar que os lugares nos domine, e nos leve sem pretensões. E observar, quantas são as histórias que as estruturas arquitetônicas nos contam sem dizer palavra alguma.
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“Passa uma moça balançando uma sobrinha apoiada no ombro, e um pouco das ancas, também. Passa uma mulher vestida de preto que demonstra toda a sua idade, com os olhos inquietos debaixo do véu e os lábios tremulantes. Passa um gigante tatuado; um homem jovem com os cabelos brancos; uma anã; duas gêmeas vestidas de coral. Corre alguma coisa entre eles, uma troca de olhares como se fossem linhas que ligam uma figura à outra e desenham flechas, estrelas, triângulos, até esgotar num instante todas as combinações possíveis, e outras personagens entram em cena: um cego com um guepardo na coleira, uma cortesã com um leque de penas de avestruz, um efebo, uma mulher-canhão. Assim, entre aqueles que por acaso procuram abrigo da chuva sob o pórtico, ou aglomeram-se sob uma tenda do bazar, ou param para ouvir a banda na praça, consumam-se encontros, seduções, abraços, orgias, sem que se troque uma palavra, sem que se toque um dedo, quase sem levantar os olhos.” (Calvino, 1990: 51)
(13) Pinacoteca do Estado (pรกgina 36). (14) acidente ferroviรกrio entre as ruas Mauรก e da Cantareira, na regiรฃo da Luz 1965.
De fato, as cidades são apropriadas por pessoas. A arquitetura sem vivências cotidianas e acontecimentos reduzse a ruínas. As pessoas estão para as cidades, assim como os atores estão para o teatro, e, a arquitetura está para as cidades, assim como o palco está para o teatro. São meios intrínsecos, que dependem do outro para a própria existência. Italo Calvino expõe com clareza a relação entre o meio e os homens. Fazer boas arquiteturas é primordialmente entender o indivíduo e os grupos sociais por nós formados. Atentei-me nesse segundo momento em entender as movimentações e seus tempos, identificando substancialmente o papel de condicionamento do desenho arquitetônico e urbano. O tempo é indubitavelmente um fator primordial para entendermos as questões sociais e associá-las as ressignificações do território. No final do século XIX, pelo extenso Jardim Botânico da Luz, era possível passear, participar de oficinas, assistir a apresentações ou fazer atividades recreativas com as crianças, enquanto se observava a exuberante vegetação do parque. Era uma das únicas áreas de lazer de grande escala na cidade. Somado a isso, a qualidade espacial do local fez com que o parque fosse muito frequentado pela população. A Estação da Luz e o Liceu de Artes e Ofícios, implantados em parte do terreno cedido
pelo Jardim da Luz, concretizou uma fase de novos empreendimentos que trouxeram outros usos, incorporando ao espaço uma dinâmica marcante até os dias atuais. No auge do ciclo do café, as ruas que até então eram movimentadas somente pelo comércio e habitação, ganham novos fluxos de ar aristocrata com os barões. Crianças brincavam nas ruas enquanto o pai estava com um olho sobre elas e outro sobre os negócios. Com sorte e após muita insistência, os pequenos ganhavam de seus pais uma ou duas moedas, que colocavam sob o trilho da linha férrea e esperavam o trem passar, só para ter a diversão em ver como elas afinavam e esquentavam. Pessoas viajavam de diversos lugares e às vezes percorriam longas distâncias até chegarem na Estação da Luz. Algumas vinham temporariamente a trabalho e se acomodavam por ali, nos hotéis próximos à linha do trem. Desembarcavam também imigrantes de diferentes nacionalidades que chegavam no porto de Santos e subiam a Serra do Mar. Era a maior confusão para se entenderem com os brasileiros em meio a mistura de tantos sotaques. Alguns estrangeiros seguiam para o interior para trabalhar nas lavouras de café, outros arrumavam emprego nos galpões industriais que se localizavam nas proximidades da Estação, no decorrer da linha férrea.
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(15) judeo e coreanos caminhando nas ruas do Bom Retiro.
O Bom Retiro recebeu um grande número desses imigrantes, sendo que alguns tiveram maior representatividade. Os operários eram os portugueses, seguidos pelos italianos que instalaram suas moradias no bairro - recém loteado e com terrenos a custos reduzidos – gerando para o local um aumento das atividades de comércio, serviços e lazer. Contudo, a caracterização comercial do Bom Retiro tal qual conhecemos se deu pelos judeus que vieram ao Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial, vindos da Rússia e do Ocidente Europeu. Chegaram depois dos italianos e instalaram suas moradias na sobreloja de edificações, que vendiam tecidos e confecções no térreo. A rotina nos dias da semana era alternada entre subir e descer das escadas para trabalhar e dormir, com exceção das crianças que frequentavam as escolas das redondezas. Posteriormente, os coreanos, penúltimos imigrantes a ocuparem o bairro, foram aos poucos tomando o lugar dos judeus no setor comercial. A grande maioria viria a instalar suas lojas de roupas na região e morar em outras partes da cidade. Apesar das dificuldades que encontraram quando chegaram ao Brasil, vários desses estabelecimentos comerciais, fundados pelos orientais, cresceram expressivamente. Recentemente é
possível observar, nas ruas da região, a crescente aparição de novos rostos provenientes do fluxo imigratório de bolivianos para o Brasil. Boa parte desses recém-chegados têm fornecido mão-de-obra para as pequenas fábricas de confecções dos coreanos, que em alguns casos não cumprem com boas condições de trabalho, se favorecendo das necessidades desses refugiados latino-americanos. Nas últimas décadas o bairro conquistou, depois de algum tempo, um espaço sólido no setor de confecção atacadista do Brasil. A circulação de pessoas vindas de todas as partes do país marca um fluxo intenso do turismo de negócios entre o Bom Retiro, Santa Ifigênia, 25 de Março e o Brás. Grupos de lojistas desembarcam no Largo General Osório e se hospedam naquele que já foi um dos hotéis mais luxuoso de São Paulo, o Hotel Piratininga. O expediente começa cedo no Bom Retiro, após as compras de confecção os viajantes atravessam a Estação da Luz e seguem a pé para a Avenida Cásper Libero em direção ao Shopping 25 de Março, pois a caminhada não é muito longa. Na hora do almoço aproveitam para comer o famoso pastel de bacalhau no Mercado Municipal, antes de pegar um táxi para continuar as compras no Brás.
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comércio acesso metrô edifício tombado
Para atender ao público extenso, é grande o número de trabalhadores que se descolocam todos os dias para a região da Luz. Alguns vêm de muito longe e enfrentam até três horas de transporte público, outros demoram bem menos e ainda outros têm a sorte de caminhar para o trabalho. Aos poucos é possível observar tentativas de reverter essa dura realidade, que é enfrentar tanto tempo nos meios de transporte para se deslocar. A espera dos empreendimentos habitacionais e a requalificação de alguns edifícios do centro, muitas dessas pessoas estão tem se inscrevendo nos programas para poder morar perto do emprego e substituir o longo tempo de locomoção pelo tempo de lazer com a família e os amigos. No futuro, que podemos descrever como se fosse hoje, sobre a cobertura da praça em frente à Estação da Luz, passam uns que rapidamente encostam no balcão para tomar um café e logo seguem com pressa para adiantar-se, e escapar do horário de pico metrô. Outros param por ali, e como o expediente de trabalho já acabou, tomam uma cerveja e aguardam a diminuição do fluxo da Linha-4 Amarela, afinal hoje tem a apresentação de
(16) esquema isométrico explodido
uma banda. Ao começar os barulhos musicais, - os músicos fazem testes de som para começar o show – o pessoal que estava terminando o treino de basquete avista a movimentação no patamar intermediário da praça e então sobe as escadas à procura de um espaço para se acomodar. A família que está chegando em casa percebe a movimentação e decide parar para ver o que está acontecendo, uma outra que chega pela Brigadeiro Tobias só quer saber de descansar após um longo dia e então pega o elevador para seu abrigo. Aqueles que moram nos edifícios vizinhos não precisam se incomodar porque que o barulho logo acabará antes de escurecer. E o que restará são os encontros, a conversa que começou ao se esbarrar no banco da praça. Os fluxos agora se dispersam em direções diversas para aqueles que vão embora de trem ou de metrô, de bicicleta ou de ônibus, ou atravessam a rua para continuar as conversas no bar da esquina e depois subir para casa. Mas alguns seguem para a Sala São Paulo, vai ter concerto, é dia de ver a Orquestra Sinfônica. Não sem antes parar na padaria e pegar um pão na chapa e um pingado para matar a fome.
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uh 3d torre A área= 81.65m² escala 1:250
uh 2d torre A área= 64.00m² escala 1:250
uh 3d torre B área= 80.00m² escala 1:250
uh 2d torre B área= 61.00m² escala 1:250
Ali moram os operários das confecções do Bom Retiro, uma família de seis pessoas se acomoda confortavelmente em um apartamento de três quartos e dois banheiros. No apartamento vizinho - o casal que trabalha na 25 de março - chegam rapidamente a pé nas lojas ondem trabalham, quando não acabam indo de ônibus. Moram também ali, em um apartamento maior do edifício vizinho, os proprietários de uma loja da Santa Ifigênia e seus filhos que fazem a lição da escola em frente à janela do quarto que enquadra a Pinacoteca do Estado. Como um casal que mora por ali, e vai receber no final de semana alguns amigos para um jantar oriental, e após a caminhada matinal no Parque da Luz, vão às compras no mercado coreano da esquina da rua de casa. No caminho a menina não resiste às vitrines das lojas na Rua José Paulino que aos sábados abrem para compras no varejo. Ao chegar na casa dos anfitriões, os amigos comentam
(17) planta unidades habitacionais. (18) vista interna do apartamento (páginas 46 e 47). (19) vista corredor pavimento tipo (páginas 48 e 49).
sobre como a movimentação dos moradores trouxe mais segurança para o local, e que se sentiram mais confortáveis e tranquilos para circular à noite pelas ruas do bairro. Elogiam a comida e a vista exuberante para a torre do relógio da Estação da Luz. À noite as salas de aula continuam a funcionar, são muitos os estudantes das diversas escolas de música perto da antiga Estação Sorocabana. Tem ainda, na Rua Aurora, o pessoal do Centro Paula Souza e o da Etesp, na praça Cel. Fernando Prestes. E no meio do caminho entre esses, em frente a Estação da Luz, tem aqueles que praticam natação, futebol, basquete e capoeira. Alguns desses frequentadores já se conhecem de vista e até se cumprimentam mesmo sem saber os nomes uns dos outros - acontece que todo dia no mesmo horário se encontram na lanchonete perto da entrada do metrô ou dentro do vagão do trem.
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Aos finais de semana a movimentação aumenta ainda mais, a Pinacoteca tem entrada gratuita e muitas execuções escolares desembarcam na região. Os alunos se encantam com a arquitetura dos edifícios históricos da Estação Júlio Prestes, da Estação da Luz e da própria Pinacoteca. Percorrem também a Avenida Cásper Libero em direção à Avenida Ipiranga para ver os exemplares modernistas de Oscar Niemeyer e o famoso encontro da avenida com a São João. Percorrem também as galerias do centro, passando pelo Vale do Anhangabaú chegando ao Pátio do Colégio. Após o passeio, estão todos muito cansados de andar, alunos e professores retornam para o Jardim da Luz onde está estacionado os ônibus. Com o sol abaixando, é o cenário perfeito para montar no parque um piquenique e reabastecer as energias antes de pegar a estrada de volta para suas cidades. Outros grupos de alunos também estão famintos e se reúnem no refeitório em cima da quadra para conversar sobre o torneio e encontrar os amigos que estavam na competição de natação. O pessoal (20) jardim da luz. (21) vista para quadra poliesportiva (páginas 52 e 53).
que estava lutando na sala de judô, no caminho para o almoço para e vê o gol, no finalzinho do jogo de futebol que está ocorrendo na quadra. Geralmente no segundo sábado ocorrem os torneios de todas as modalidades. Algumas famílias e amigos dos competidores vem assistir, vem também alguns vizinhos que já estão acostumados com o evento e aproveitam para reencontrar com os conhecidos e colocar a conversa em dia. Tem uns que sempre estendem a reunião e seguem para o bar em frente a Estação, virou tradição. Entre uns que passam e uns que ficam, a vida de cada um que segue em meio à multidão de tantos outros indivíduos únicos. E a junção de muitas dessas pessoas é capaz de transformar o meio e pelo meio serem transformadas. Apropriar os espaços para as atividades que lhe interessam naquele momento, e se amanhã o interesse for outro, os espaços também serão transformados em outros. As estruturas generosas tendem a habitar relações pessoais mais intensas. Quando penso sobre onde descrevi tais acontecimentos, vejo que foi nessas arquiteturas.
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planta tĂŠrreo escala 1:500 N
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planta subsolo escala 1:500 N
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planta primeiro pavimento escala 1:500 N
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planta convivĂŞncia residencial escala 1:500 N
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planta pavimento tipo escala 1:500 N
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laje de concreto
núcleo rígido 67
pilares e vigas
painéis de vidro
estrutura de apoio para painéis os de vidro
estrutura metálica cobertura quadra
laje de transição
laje nervurada pilares em concreto passarela atirantada na cobertura (22) (23) (24) (25) (26) plantas (páginas 54 a 63). (27) esquema estrutural. (28) corte transversal (página 66).
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bibliografia
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imagens
(1) acervo pessoal (2) http://www.rosana.unesp.br/#!/ pesquisa/laboratorio-de-patrimoniocultural/projetos/projeto-memoriaferroviaria-pmf/documentos--relatorios/mapas/ (3) http://spempretoebranco.blogspot. com.br/2015/02/blog-post_29.html (4) acervo pessoal (5) projeto (6) acervo pessoal (7) (8) (9) (10) projeto (11) MARCO; ZEIN, 2001 p. 177 (12) Mapa por Gabriela Dal Secco (13) acervo pessoal (14) http://img.estadao.com. br/thumbs/910/resources/ jpg/7/4/1460668636447.jpg (15) por Jessica Fiuza (16) (17) (18) (19) projeto (20) acervo pessoal (21) (22) (23) (24) (25) (26) (27) (28) projeto
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