Encontro como Caminhos - Intervenção urbana na Favela Nova Jaguaré

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Gabriela Meyer Torres


O caminho é algo que acontece. É a distância percorrida entre um lugar e outro. É a distância percorrida até chegar em tal ponto. É o percurso. É o trajeto que fazemos. No meio podemos encontrar aquilo que queremos ou nos surpreendermos com algo que não esperávamos.


É o fim de um ciclo. Mais um ciclo se fecha para dar lugar a outros. É o inicio de novos ciclos com outras ideias, outras palavras, outros autores...

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Agradecimentos A lista de pessoas que contribuíram para a realização desse trabalho e de todos esses longos anos de faculdade é bastante longa. Algumas estiveram presentes durante todo o processo. Outras entraram no meio do caminho. Cada uma com uma parcela de importância e fundamental contribuição. Então por onde eu começo? Em primeiro lugar, meus pais, pelo apoio e incentivo dado durante esses anos, sem eles com certeza nem metade desse caminho seria trilhado. Minha família e amigos, que estiveram ao meu lado em todos os momentos, cada um com seu jeito especial, contribuindo da melhor maneira possível. Por fim, aos meus orientadores, Lucas Fehr, orientador de monografia, e Sami Bussab, orientador de projeto, pela oportunidade, por toda sabedoria e atenção compartilhada, pela paciência, pelo respeito e pelo companheirismo. A cada um deles ofereço minha mais profunda apreciação e gratidão. Gabriela Meyer Torres

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Sumário Capítulo I

Introdução..................................................................................................................... 10

Capítulo II

Favelas - Processo de ocupação e formação de assentamentos precários...... 18

Capítulo III

Favela Nova Jaguaré.................................................................................................. 26 3.1. Contexto Histórico................................................................................................. 30 3.2. Leitura do Território (pós-urbanização de 2000)................................................ 34

Capítulo IV

Direito à Cidade: a cidade como espaço de todos e para todos....................... 54

Capítulo V

Cidade Formal x Cidade Informal............................................................................. 66

Capítulo VI

Espaço Público: relação entre espaço e interações sociais.................................. 78

Capítulo VII

Território Indefinido........................................................................................................ 108

Capítulo VIII

Fragmento, Labirinto e Rizoma................................................................................... 132

Capítulo IX

Conclusão...................................................................................................................... 146

Capítulo X

Referências.................................................................................................................... 170

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Novas possibilidades de habitar e se relacionar com a cidade e o território: intervenção urbana na favela Nova Jaguaré

São Paulo, 2016


Capítulo I Introdução


“Ao lidarmos com as cidades, estamos lidando com a vida em seu aspecto mais complexo e intenso� (JACOBS, 2014, p. 416). 11


Esse trabalho final de graduação aborda o estudo da favela Nova Jaguaré sob a ótica da relação físico-social, analisando o meio urbano e a população residente, de modo a compreender as relações estabelecidas no local quanto moradia, espaço público e urbanidade, além da maneira que esses fatores são influenciados – ou não – pelo meio externo (cidade, sociedade, topografia). A partir de uma pesquisa feita in-loco - com a própria população -, surge como projeto uma melhoria no traçado urbano existente e um novo conjunto de unidades habitacionais. Por diversos fatores históricos e sociais, as favelas acabam ficando excluídas do resto da “cidade formal”. Assim procuro estudar esse problema para planejar uma forma de integrar o sistema caótico de favela ao restante da cidade, particularmente a favela Nova Jaguaré. Para isso, tenho como proposta analisar as características físicas e sociais da favela, procurando compreender o processo de ocupação deste território e como o espaço e a conformação territorial estão associados à morfologia do terreno e as ações e propostas públicas para a área. Esse tema é de grande interesse para mim, pois acredito que seja papel do arquiteto lidar com desafios da cidade contemporânea, como o de reconhecer as pessoas em um território e conseguir integrá-las a este. Dessa maneira, pretendo entender o problema em questão, optando por não negar a favela, mas aceitar sua identidade e aspectos físicos próprios. Para tanto, através da intervenção urbana e da proposição de um conjunto de habitação de interesse 12


social, voltado para os moradores das áreas de risco da comunidade estudada, tenho como objetivo proporcionar qualidade de vida para os futuros moradores e, criar condições ambientais e urbanas mínimas, ou seja, criar uma estrutura urbana legível, para o cidadão sentir-se parte integrante da cidade, detentor de direitos como todos. Sobre a intervenção urbana, a princípio focaria nas vias, vielas, pequenas praças, espaços entre edificações, já que, embora muitas vezes possuam qualidade abaixo do desejável, esses espaços compõem as principais áreas de uso público das favelas brasileiras. Assim, busco qualificar esses espaços urbanos, priorizando sempre o pedestre e seus percursos, e propor um uso público na área de risco existente (local de onde sairão os futuros moradores do conjunto habitacional), de modo a impedi-la de ser futuramente reocupada. Já sobre o conjunto de habitação social, pretendo conceber unidades que superem a pura função de morar, mas que façam parte de uma proposição arquitetônica que vise, acima de tudo, criar uma condição de bem estar social individual e coletivo e as relações humanas possíveis de se constituir a partir de sua realização. Outros fatores também serão priorizados, como: diversidade de tipologias, levando em conta a variedade de composição familiar; aproveitamento do desnível do terreno escolhido; quadra aberta para todos, incentivando o convívio público e a relação com a cidade. Ambas as propostas foram divididas ao longo dessa produção monográfica, segundo 13


assuntos pré-selecionados, a partir de discussões, conceitos e teorias de diversos autores. Ao final de cada capítulo uma parte do projeto, seja sobre o urbano ou sobre o edifício, é apresentada e explicada, de acordo com as relações teóricas discutidas anteriormente. Inicialmente, há uma breve contextualização sobre o processo de formação dos assentamentos precários nas cidades. Em seguida, a Favela Nova Jaguaré, área de intervenção escolhida, é apresentada, como forma de uma aproximação com o território e com a comunidade local. Essa parte compreende o processo histórico de ocupação da região, formação da comunidade e seu crescimento. Logo depois, há uma leitura feita sobre o território, levando em consideração o período de pós-urbanização, realizada em 2000. A partir da participação na oficina “A vida na Nova Jaguaré”, organizada pela Profª Drª Maria de Lourdes Zuquim (NAPPLAC, FAUUSP), e contato com alguns moradores da comunidade, há uma discussão sucinta sobre o cenário da favela Nova Jaguaré, levando em conta aspectos sociais, econômicos, de moradia. Nesse capítulo inicia-se a apresentação do plano urbano, considerando as propostas para a área de risco e para a ligação entre os dois lados do Rio Pinheiros, considerando uma alternativa de deslocamento de pedestres. Após toda apresentação do tema escolhido, inicia-se a fundamentação teórica, dividida em cinco capítulos: direito à cidade; cidade formal x informal; espaço público, sob a ótica das relações existentes entre espaço e a sociedade; território superficial; e fragmento, labirinto e rizoma. Dentre esses assuntos, há 14


uma passagem entre as diferentes escalas das propostas, começando pela macro e mais urbana até a micro e mais local, referente apenas ao terreno de estudo. Além disso, durante todo esse trabalho, busco responder alguns questionamentos formulados que, se não respondidos, pretendo pelo menos me aproximar de algumas respostas, visões e/ou possíveis soluções. Essas questões têm como tema, por exemplo, a relação entre a favela e a cidade; o funcionamento e organização do território; papel do arquiteto e urbanista na sociedade e na construção de uma cidade mais justa e para todos:

- Quais são as estratégias necessárias para trabalhar com o território? - Como resolver um problema de déficit habitacional e qualidade de espaço criado, mas sem interferir de fato na vida e no jeito de morar das pessoas, sem impor um “modo de morar”? - Quais são as questões em torno de projeto e relações sociais que devem ser levantadas, criadas e/ou propostas? - Como se faz habitação em um território consolidado? Quais são os espaços urbanos? Como os espaços urbanos se relacionam com o território?

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- Como é possível propor habitação de qualidade e permitir o acesso à cidade, concomitantemente? Como que se fornece habitação para determinada família e, ao mesmo tempo, rompe barreiras com a cidade formal, fazendo com que essas pessoas fiquem cada vez menos exclusas? - Qual é o real problema da favela? É de fato um problema? Se sim, aos olhos de quem? De quem habita e convive diariamente nesse território ou de pesquisadores e/ou pessoas externas? - Como as pessoas se relacionam com o espaço urbano e público na Favela Nova Jaguaré? Elas realmente sentem a necessidade de aumento quantitativo e qualitativo desses espaços? - Como interferir nesse território consolidado em que o espaço de passeio público é praticamente inexistente com ruas muito estreitas? Como reestruturar o meio urbano e ao mesmo tempo não “destruir” toda a estrutura já consolidada da favela? - Como é possível implantar um conjunto habitacional de modo que, ao mesmo tempo em que supre a quantidade de unidades habitacionais necessárias, também atenda às necessidades gerais e individualizadas dos moradores? E como torná-lo parte de toda a comunidade e não mais um “condomínio fechado” e isolado dentro da favela?

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- Como integrar esse território excluído que é a favela ao resto da metrópole, inibindo a reprodução de condomínios fechados que acabam anulando a cidade como um todo? E como conseguir “perpetuar” essa integração? Para isso, questões sociais e urbanas devem ser resolvidas concomitantemente? - Que projetos e escritórios conseguiram solucionar esses problemas? Se isso foi possível, como eles foram solucionados? Houve um estudo de pósocupação?

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Capítulo II Favelas - Processo de ocupação e formação de assentamentos precários


“As novas carências de moradia enfrentam condições agravadas por causa das pressões imobiliárias e fundiárias que rareiam os terrenos disponíveis. Desocupações de áreas de interesse especulativo movimentam a população carente em direção a terrenos cada vez mais inadequados, quer seja por suas condições de risco, quer seja por serem áreas de proteção ambiental” (RECAMAN, 2014, p. 24). 19


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A cidade de São Paulo sofre com a carência habitacional, com atualmente um terço de sua população morando em favelas e loteamentos irregulares. A maior e mais rica cidade brasileira, segundo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, possui cerca de 11,90 milhões de pessoas¹ e grande parte das famílias de trabalhadores de baixa renda habitam moradias precárias alugadas (cortiços, cômodos de fundo de lote, quitinetes, entre outros). Para a sociedade capitalista, a habitação é uma mercadoria, um objeto comercializado pelo mercado imobiliário às classes sociais. Como grande parcela da população não possui salário que permita pagar o aluguel de uma moradia “legal”, aquela com condições mínimas de habitabilidade segundo a lei, o mercado imobiliário determina quais grupos podem viver em determinadas regiões da cidade, segregando as classes sociais. Como afirma Nabil Bonduki:

Figura 1, página seguinte - Favela Nova Jaguaré: conjunto de barracos localizados na Avenida Engenheiro Bilings. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

“(...) o mercado imobiliário nega aos pobres a possibilidade de habitar no mesmo espaço em que moram os que podem pagar” (BONDUKI, 2011, p. 8). Trata-se, então, de um mercado formal restrito que ignora a grande maioria da população, que excluída do mercado formal e das políticas públicas por não ter dinheiro suficiente para comprar um lote regular, busca ocupar uma área sem interesse, sendo pública ou litigiosa, e, assim, acaba produzindo boa ¹ Dado fornecido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2014. Disponível em http://saladeimprensa.ibge. gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2704. Acesso em 29/09/2016.

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parte da cidade com suas próprias mãos e suas próprias regras (intrínsecas às condições dessa produção), dando origem às favelas. Em sua tese de mestrado Favela Nova Jaguaré: intervenções de políticas públicas de 1989 a 2011, Thais Pala define favela como sendo representação da desigualdade social e da segregação socioespacial existente nas cidades, resultantes da crescente pobreza. Além disso, complementa afirmando que trata-se de: “(...) um território constituinte da cidade caracterizada por algumas referências comuns, como insuficiência histórica de investimentos do Estado e do mercado formal; forte estigmatização socioespacial” (2011, p. 37). Embora verifica-se um processo, mesmo que tímido, de distribuição de renda e incorporação das camadas do subproletariado no mercado interno de consumo entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, a reforma urbana ainda não ganhou espaço nessa agenda. Por isso, a realidade das cidades brasileiras, quanto este assunto, continua muito parecida (MARICATO, 2014). Portanto, é fundamental entender o espaço urbano das favelas como resultante de condicionantes sociais, econômicas e políticas que ocorrem durante seu processo de formação e produção, sendo esses fatores determinantes de sua forma. Só assim torna-se possível conseguir 23


trabalhar com esses locais de maneira adequada, propondo intervenções realmente significativas. De acordo com Luis Mauro Freire o ambiente urbano deve ser analisado pelos sistemas físicoespaciais que o compõe, os sistemas naturais e os sociais, compreendendo todas as dimensões (ecossistêmicas, sociais, culturais e estéticas). Está análise deve ser feita considerando as inter-relações entre os vários elementos, como crescimento, traçado e parcelamento, a tipologia dos elementos construídos e a relações e articulações existentes entre eles. Para tanto, define desenho urbano, segundo o pensamento de Vicente DEL RIO como: “campo disciplinar que trata da dimensão físico-ambiental da cidade, enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a população através de suas vivências e percepções e ações cotidianas” (DEL RIO, 1990. Apud FREIRE, p.92, 2006). E constata que a qualidade ambiental de um espaço urbano está sob influência de três esferas: apropriação, como sendo as atividades ou usos que se dão no espaço; a percepção, como as concepções e imagens deste ambiente, e por fim a conformação, como sendo forma urbana, dada pelos atributos físicos (FREIRE, 2006). Assim, pode-se dizer que a forma urbana sofre alterações ao longo do tempo e, por isso, deve24


se considerar sua evolução, as transformações, as inter-relações e os processos sociais como modificadores e geradores do tecido urbano. No caso da cidade de São Paulo, como na grande maioria das cidades brasileiras, a informalidade urbana está intimamente ligada ao processo de industrialização, especialmente na segunda metade do século XX, quando há aumento populacional e da demanda por serviços, recursos naturais e moradia. A segregação espacial seguiu três padrões diferentes, separados em diferentes momentos: do final do século XIX até os anos de 1940, de 1940 a 1980 e, por fim, de 1980 até os dias atuais. No primeiro momento, essa diferenciação era marcada pelos diferentes tipos de moradia, já que a estética e as técnicas de construção e acabamento da casa variavam de acordo com a renda dos moradores. O tipo de ocupação da cidade era mais concentrado. No segundo período a ocupação era centroperiférica, onde as diferentes classes eram separadas pela distância. As classes mais altas se instalavam no centro da cidade ou próximas a ele, onde a infraestrutura era consolidada, e as classes mais baixas ficavam nas periferias, áreas mais precárias e distantes. Já o terceiro momento, que vem se formando, sobrepõe o segundo período, uma vez que as classes encontram-se mais próximas uma das outras geograficamente, entretanto, a segregação é mercada por muros e tecnologias de segurança. Além disso, não há compartilhamento do espaço comum, cada um tem seu espaço (CALDEIRA, 2011).

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Capítulo III Favela Nova Jaguaré


“A invasão de terras urbanas no Brasil é parte intrínseca do processo de urbanização. (...) Ela é estrutural e institucionalizada pelo mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais” (MARICATO, 2012, p. 152). 27


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3.1. Contexto Histórico

A favela Nova Jaguaré, assim chamada pela localização no bairro Jaguaré, está inserida na zona oeste de São Paulo. Possui, atualmente, 12 mil habitantes e 3.619 domicílios cadastrados, distribuídos por cerca de 166.000 m². Nova Jaguaré é a maior comunidade em área contínua da cidade de São Paulo, localizada próxima ao Rio Pinheiros, faz divisa com o Bairro da Lapa e com o Município de Osasco. Os principais meios de acesso à gleba são a Marginal do Rio Pinheiros e a nova ponte do Jaguaré.

Figura 3 - Mapa de localização da área de estudo na cidade de São Paulo. Sem escala. Fonte: Google Earth.

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Figura 2, página anterior - Favela Nova Jaguaré: fachada de dois barracos, um em alvenaria e o outro em madeira, localizados na Avenida Engenheiro Bilings. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

Figura 4 - Planta do empreendimento proposto pela Companhia Imobiliária. Desenhos de parcelamento da área industrial, da área residencial e delimitação da área de parque. Fonte: FREIRE, 2006, p. 98.

Figura 5 - Mirante-Relógio com a vista para o Rio Pinheiros. Tombado em 2006. Fonte: FREIRE, 2006, p. 100.

A ocupação da favela Nova Jaguaré remonta à retificação do Rio Pinheiros em 1930. Até então o rio era tido como uma barreira ao crescimento da cidade, e após a obra a área passou a ser transformada pela Companhia Imobiliária para posterior implantação de indústrias e do loteamento residencial operário (TRENTO, 2011). A Companhia Imobiliária era proprietária de uma grande gleba na área e promoveu diversos movimentos de terra, visando desmonte de colinas e nivelamento do terreno. Isso, atrelado à boa localização (proximidade a linha ferroviária, fácil acesso as ferrovias que conectavam ao interior do estado e à região Sul do país, abundância de água e proximidade a materiais de construção), e a construção de uma ponte responsável por ligar a gleba à Vila Leopoldina, fez com que a região fosse considerada das melhores para a formação de um distrito industrial. A comunidade ocupa hoje a área inicialmente destinada a um parque público, doada ao município de São Paulo, que serviria de área de lazer a todo empreendimento residencial proposto pelo engenheiro Henrique Dumont Villares, diretor da Companhia Imobiliária. A área verde proposta seria implantada onde se concentram as maiores declividades por representar a área mais custosa para construção. Já as novas residências, situadas nas colinas entre as duas áreas planas destinadas às indústrias, seriam casas operárias para serem vendidas aos trabalhadores das indústrias. A proposta apresentada pela Companhia previa a instalação de mirante-relógio, escola, 31


praça de esportes, centro de recreação com restaurantes e cinema, áreas de comércio, centro cívico, correio, posto policial e escola profissionalizante para gerar mão de obra qualificada para as indústrias locais. Como no lançamento do bairro residencial apenas algumas casas foram construídas, a maior parte dos lotes foi vendida sem qualquer tipo de construção e a execução completa do projeto foi prejudicada e não finalizada. Isso fez com que os novos moradores construíssem por conta própria casas mais modestas ou parcelassem o lote para atender a mais de uma moradia no mesmo terreno. O fato do bairro não ter sido ocupado da maneira projetada, permitiu que a indústria se apropriasse do parque público - que nunca foi totalmente implementado - através da derrubada de vegetação e retirada de terra para execução de aterros industriais. Esse fato, em conjunto com o fácil acesso à área e à conjuntura econômicosocial, abriu caminho para as ocupações habitacionais posteriores, datadas de 1965 pela HABI – Superintendência de Habitação Popular. Nova Jaguaré começou a ser formada no final da década de 1950, resultado de sucessivas ocupações pela falta de fiscalização na área com maior declividade, pior orientação solar e exposta aos ventos frios e úmidos. A grande necessidade por mão de obra atrelada à falta de moradia - demanda maior que a oferta - levaram à ocupação desse futuro parque por habitações precárias. Ou seja, sem qualquer alternativa legal de moradia, a população urbana invade as terras que não interessam ao mercado imobiliário, que 32

Figuras 6; 7 - Casas operárias construídas no bairro residencial. Fonte: FREIRE, 2006, p. 100.


são residuais e esquecidas na cidade. O crescimento da favela também ocorreu devido à realocação de dezenas de famílias de outras favelas, resultado de um programa de “desfavelamento” realizado pela COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, na área. Com isso, a favela se expandiu para áreas de maior declividade e risco, onde a vegetação passou a ser retirada gradativamente, o lixo lançado na encosta e o esgoto deixado a céu aberto (PISANI, 2011). Por se encontrar em um terreno de condição geotécnica delicada, sofrendo diversos deslizamentos de terras, a Favela Nova Jaguaré foi palco de diversas intervenções públicas ao longo dos anos, precisamente a partir da década de 1980.

Figura 8 - Mapa localização Favela Nova Jaguaré e do terreno de estudo. Sem escala. Fonte: Google Earth.

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3.2. Leitura do Território (pós-urbanização de 2000) A leitura do território da favela Nova Jaguaré pôde ser apreendida incialmente a partir da participação na oficina “A vida na Nova Jaguaré”, organizada pela Profª Drª Maria de Lourdes Zuquim (NAPPLAC, FAUUSP). A oficina tinha como objetivo construir mapas temáticos e documentos complementares sobre os impactos da intervenção urbanística na vida da comunidade, a partir da memória urbana e coletiva dos moradores, a fim de compreender as consequências da intervenção na vida cotidiana e contribuir para que os participantes aprofundem o conhecimento da realidade local. Após acompanhar a discussão e espacialização no mapa sobre os impactos positivos e negativos da intervenção urbanística no território, ficou bastante claro as consequências que a urbanização trouxe para a comunidade local, quanto ocupação, organização espacial e social, trabalho, serviços de educação e saúde e, habitação. Em termos gerais, baseando-se no relatório final da oficina produzido, conclui-se que houve melhorias nessas questões. Porém, deve-se ressaltar que, quanto às questões apresentadas acima, há alguns pontos negativos a serem considerados. Em relação aos processos de formação e conformação da favela: o fato das pessoas poderem construir suas casas pela “autoconstrução” é muitas vezes levado como ponto negativo, já que é realizada em locais perigosos, com risco de deslizamento; algumas famílias que moravam em casas com alguma qualidade foram removidas e realocadas em conjuntos habitacionais, implantados na 34


Figura 9 - Favela Nova Jaguaré, esquina da Avenida Engenheiro Bilings com Rua Barão de Antonina. Ao fundo, o conjunto habitacional Singapura com autoconstruções na frente, no que resta de espaço. Fonte: acervo pessoal.

favela ou em lugares mais distantes, passando a assumir dívidas com aluguel, que antes não existiam com a casa própria; há divergências quanto à tentativa de localizar a comunidade no mapa elaborado pelos colaboradores por conta da dificuldade de leitura e apreensão do território; a vinda de novas pessoas trouxe como consequência a ocupação do espaço público e invasões no bairro e nas áreas de risco por famílias com dificuldades econômicas.

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Sobre habitação, houve uma discussão e espacialização no mapa sobre os impactos positivos e negativos tanto antes quanto depois da intervenção urbanística no território, realizada em 2000. Antes da intervenção os seguintes aspectos foram levantados: não havia saneamento básico, o esgoto era a céu aberto, despejado direto na rua; os espaços públicos eram mal utilizados pelos adultos; a rua funcionava como continuação das casas; as casas tinham quintais; os terrenos eram maiores; os espaços públicos eram bem utilizados pelas crianças que brincavam nas ruas. Já pósintervenção, quanto os aspectos negativos, foram apresentados: aumento do número de carros nas ruas e uso excessivo desses, não havendo mais lugar para o pedestre andar; as crianças já não brincam mais nas ruas; aumento de vandalismo; aumento das tarifas de energia elétrica; falta de fiscalização por parte dos órgãos públicos; perda do caráter de vizinhança, causada pela perda de convivência. Em relação aos positivos, foram levantados: melhoria do aspecto visual quanto às residências, verificando-se um aumento na autoestima dos moradores, que passaram a cuidar também do exterior das casas; surgimento da possibilidade de conseguir escritura do imóvel por meio da regulamentação e regularização; perdeu-se o estigma de favela, já que ela passou a ser considerada bairro; há facilidade de transporte pela boa localização da área; acesso ao saneamento básico; a comunidade passou a ser considerada como bairro; houve expansão do comércio e do uso misto na região, gerando o surgimento de novos empregos; muitos serviços de entrega a domicílio entram no local; aumento 36


do número de pessoas residentes, estabelecendo novas vizinhanças e reforçando a segurança para os moradores. Outro ponto importante a ser considerado no que diz respeito à habitação e característica do bairro é que houve um aumento no número de estabelecimentos de uso misto. Ou seja, uma casa serve tanto para comércio quanto para moradia: os donos moram no fundo ou em cima das lojas, o que permite pessoas trabalhando no próprio bairro, encurtando as distâncias entre trabalho e moradia. Além disso, é comum duas ou mais casas em um mesmo lote, onde além da casa principal são somadas mais moradias para aluguel, localizadas nos fundos dos terrenos. Em outros casos, dependendo do tipo de ocupação, por exemplo, somam-se diferentes pavimentos, quase sempre, para abrigar uma nova família (eventualmente, parentes). A partir da comparação entre as discussões de pré e pós-intervenção pelo grupo de Organização e Participação Social, observa-se uma diferença quanto o número de equipamentos. Há maior quantidade desses pós-urbanização, sendo considerado positivo ou não. Além do mais, é válido ressaltar que não há uma disposição uniforme desses equipamentos pelo território e, como citado pelos moradores da oficina há certa concentração ou carência em determinados pontos, como por exemplo, na região mais ao norte do mapa não tem muita coisa para fazer, já que faltam comércio e espaços livres para prática de atividades. Quanto o grupo de Mobilidade e Áreas Livres levantou-se que o principal modo de 37


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Figura 10, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: casas autocontruídas com família dividia entre os diferentes pavimentos na Avenida Engenheiro Bilings. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

transporte é a pé, já que a maioria das atividades que os jovens presentes na oficina praticam, incluindo escola e lazer, são nas vizinhanças do Jaguaré (o local citado mais distante foi o parque Villa Lobos). Mas quando os deslocamentos são maiores, os moradores utilizam-se de vans financiadas pela prefeitura, ônibus que passam por fora da comunidade e da linha de trem da CPTM. É válido destacar que as principais áreas de lazer utilizadas pelos jovens estão fora da comunidade, como Parque Villa Lobos e a Praça do Balão. Todos têm conhecimento sobre a geometria sinuosa e acidentada do sistema viário e que a comunidade está bem inserida no contexto urbano do Butantã. Em relação à macro acessibilidade a única coisa que mudou com a urbanização foi a retirada da linha de trem da FEPASA, que passava ao longo da Marginal do Rio Pinheiros, considerada uma barreira para a região. A respeito da micro acessibilidade houve melhoria significativa com a intervenção, já que antes as ruas eram de barro, dificultando o acesso nos dias de chuva. Porém, com a pavimentação das ruas o trânsito local aumentou e consequentemente inibiu as brincadeiras e permanência de pessoas nas ruas. Os moradores também apontam que a largura das vias é estreita e que como os automóveis ficam estacionados, há dificuldades para passagem e deslocamento dos pedestres.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO E TERRITÓRIO DA NOVA JAGUARÉ Usualmente as intervenções públicas ocorrem quando as situações de riscos e as más condições de habitabilidade são extremas, o que acaba gerando baixa qualidade das obras e alto custo para realização e manutenção das mesmas. Os investimentos públicos realizados na Favela Nova Jaguaré nos últimos quarenta anos possivelmente permitiriam a implantação de um bairro regular, abastecido com infraestrutura completa e sem moradores vivendo em situações de risco. Além disso, a falta de monitoramento pelo poder público deixa as áreas de risco suscetíveis a novas ocupações e adensamentos irregulares, já que a boa localização, a existência de oferta de emprego nas redondezas e de espaços vazios presentes na favela possibilitam seu crescimento. Quanto ao que foi percebido e constatado durante as oficinas e as discussões em grupo, em resumo, nota-se que a vida no bairro Nova Jaguaré hoje é melhor do que antes da urbanização. Todos os participantes da oficina concordam que a urbanização trouxe benefícios para a comunidade, ainda que tenham diversos pontos negativos a serem considerados. As pessoas não conseguem mais imaginar morar em outras localidades, já que gostam do bairro que moram e estabeleceram sentimento de identidade e comunidade. É válido também destacar sobre os processos de intervenções urbanas e públicas que, por conta da precariedade conhecida dos ambientes nestes aglomerados chamados de favela, qualquer transformação básica nos dimensionamentos e pavimentação das vias públicas, drenagem e equipamentos de saúde e de educação representam um ganho de grande impacto no cotidiano dessas comunidades. Isso talvez justifique 40


o descaso da grande maioria das ações públicas, que muitas vezes acabam intervindo o mínimo possível dentro das comunidades e áreas mais precárias da cidade. Considerando a questão da auto-organização e das lógicas de sobrevivência comunal como consequência da ausência dos poderes públicos, algumas premissas deveriam ser sempre levadas em conta por qualquer projeto de urbanização, como procurar respeitar as características urbanas, físicas e sociais de cada local. A proposta deste trabalho, tanto urbana quanto do objeto, surgiu como resultado da leitura do território apresentada acima. Alguns pontos, os considerados principais, foram ressaltados, gerando todo o partido arquitetônico adotado. Por conta da falta de fiscalização pelo poder público, as áreas públicas e as áreas consideradas de risco ficam suscetíveis a invasões. A área de risco destacada no mapa seguinte é um exemplo claro desse tipo de situação. A grande maioria das obras de intervenção que ocorrem na comunidade prevê a retirada de pessoas que ocupam esse espaço. Porém, como citado anteriormente, por falta de vigilância e controle por parte do governo municipal e, possivelmente, dos moradores da favela, essas áreas são reocupadas com o tempo. Por isso, a retirada dos moradores dessa região e realocação dos mesmos no conjunto habitacional criado, atrelado à promoção de melhorias urbanas na favela e criação do parque multiuso no local constituem o foco principal da proposta. Para essa área de grande inclinação o objetivo é promover uma reunião de diferentes 41


LEGENDA Pontos de ônibus Trajetos dos ônibus Linha 9 esmeralda da CPTM Vielas existentes Área de remoção (área de risco + áreas com condições insalubres) Figura 11 - Mapa levantamento área de risco e mobilidade urbana. Esc.: 1:10000. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.

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usos de caráter público para que, ao mesmo tempo em que aumente a quantidade de espaços abertos para a realização de atividades de lazer e ao ar livre, também seja capaz, através da sua utilização, de conter e evitar a instalação de futuras famílias. Vale ressaltar que se essa apropriação pública não for garantida, o local voltará a ser ocupado por moradias precárias e irregulares.

Figura 12 - Implantação área de risco. Escala: 1:2000. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.

A importância da criação de atividades coletivas nesse local é de incentivar oportunidades sociais e culturais, buscando atender as necessidades de lazer e convívio da população. A quantidade de pessoas se movimentando, somada as pessoas que permanecem nesses espaços, gera sentimento de proteção, além de atrair mais usuários. Para esse território com aproximadamente 16.650m² de extensão foram propostos um aglomerado de diferentes usos, que fosse capaz 43


de abranger um maior número possível de pessoas e de atividades para serem realizadas nas diversas horas do dia, principalmente no período noturno e nos fins de semana. Foram previstos edificações âncoras voltadas para: educação, como escolas e biblioteca; saúde como ambulatórios e postos médicos; comércio; cultura, como cinema e espaços para apresentações da Igreja, espetáculo de teatro e exposições; lazer e esportes, como áreas para quadras, pista de skate, área para andar de bicicleta; e áreas abertas e verdes. A disposição desses

Figura 13 - Diagrama da proposta de transposição - edifício âncora. Sem escala. Fonte: autoria própria.

Figura 14 - Corte esquemático edifício âncora. Sem escala. Fonte: autoria própria.

usos específicos ao longo do “parque urbano”, e não propositalmente só nos pontos de acesso e conexão, incentiva a circulação de pessoas por todo o espaço. A grande maioria dessas edificações foi projetada para também auxiliar na transposição e deslocamento dos usuários, já que entre as duas ruas que circundam o terreno há um desnível que chega a quase 29 metros de altura. Visando modificar a realidade pós-intervenção, outras ocupações 44


foram propostas para a região. Por ter diminuído ou se perdido o convívio social entre os moradores da favela, o projeto conta com: espaço para cinema e apresentações; áreas de lazer e práticas de esportes; parede de escalada; área de bares e restaurantes; área destinada às crianças, que perderam o espaço da rua para brincarem. Além disso, o parque também conta com atividades temporárias, que variam durante o ano inteiro.

Figura 15 - Corte esquemático da proposta de intervenção. Sem escala. Fonte: autoria própria.

Outro ponto de destaque nas considerações feitas a partir da leitura do território é sobre o modo de transporte: para pequenos deslocamentos, muitas vezes entre as vizinhanças do Jaguaré, o principal meio locomoção é a pé. Já para situações de maiores deslocamentos, a grande maioria dos moradores da comunidade utilizam ônibus e trem como meios de transporte. Sobre o transporte público, alguns experimentos de própria autoria foram realizados, relacionando trajetos x relação

entre pessoas e espaço. Conforme demonstra o mapa anterior, a região de certa forma é bem servida quanto pontos de ônibus. Porém, apenas duas linhas diferentes de ônibus que passam por dentro da comunidade servem como meio de ligação com o resto da cidade, sendo a principal com destino ao Parque Continental e Lapa (803810 – Parque Continental/ Lapa). Há outras linhas de ônibus que passam pela região, porém encontram-se mais afastadas, sendo necessário o 45


complemento por outro meio de transporte, seja a pé ou por outro ônibus. Existem linhas Parque Continental/ Metrô – Trianon Masp; Parque Continental/ Metrô Butantã. A outra opção de transporte como forma de deslocamento de pessoas para áreas mais distantes é a linha de trem da CPTM, que se encontra do outro lado do Rio Pinheiros, fazendo-se necessária a transposição pela Ponte do Jaguaré, principal meio de ligação viário entre os dois lados do rio.

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Figura 16; 17, página ao lado Favela Nova Jaguaré: terreno de estudo. Na imagem superior, topografia acentuada, olhando em direção a Rua Guapó. Na inferior, armazém desativado de cimento. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

Figura 18 - Favela Nova Jaguaré: terreno de estudo, olhando em direção a Avenida Dracena. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.


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O terreno fica localizado na parte noroeste da Favela, como mostra a figura x. Inserido no bairro Jaguaré, a área de aproximadamente 9940m² faz esquina com a pista local da Marginal Pinheiros, Avenida Engenheiro Bilings, e a Rua Barão de Antônina. Além disso, tem acesso direto à Rua Guapó e à Avenida Dracena.

EXPERIMENTAÇÃO experimentos baseados nas rotas sugeridas pelo Google Maps • Da Rua Guapó (cota mais alta do terreno de estudo) até o centro da cidade de São Paulo (considerando o edifício Banespa): Utilizando-se do transporte público dá uma média de pelo menos 1h de percurso, contando com percursos compostos por trechos feitos por ônibus e a pé; trechos de metrô/trem e a pé; e trechos feitos por todos os meios de transportes anteriores. Em todas as opções a Ponte do Jaguaré é utilizada como meio de ligação e ultrapassagem entre os dois lados do Rio Pinheiro.

Figura 19 - Trejeto de ônibus da Rua Guapó até Edifício Banespa. Fonte: Google maps.

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Figura 20 - Trejeto de metrô da Rua Guapó até Edifício Banespa. Fonte: Google maps.

• Da Rua Quatro de Dezembro (meio da favela Nova Jaguaré) até o centro da cidade de São Paulo (considerando o edifício Banespa): O google chega a sugerir como rota mais rápida que o pedestre caminhe até a estação Vila Lobos da CPTM, percorrendo cerca de 1,8km (21 min), para assim ir até a estação São Bento do metrô. Deve-se considerar que percorrer diariamente quase 2km para chegar à estação de metrô não é nada confortável, pelo contrário. E, dependendo ainda das condições climáticas, esse trajeto passa a ser ainda mais incomodo. As outras formas apresentadas consideram o ônibus como principal meio de transporte. Porém, pelo fato desse meio de transporte não adentrar a favela, faz com que o pedestre tenha que caminhar até as avenidas do entorno, como a Av. Jaguaré, por exemplo, para conseguir pegar um ônibus e assim estabelecer sua relação com o resto da cidade. Da Rua Quatro de Dezembro até a estação Vila Lobos da CPMT, se traçarmos uma reta, atingimos uma distância de 1km. Já se considerarmos o espaço entre a Rua Quatro de Dezembro e a estação Ceasa da CPMT, a distância é de 715,96m. Considerando que essas medidas são relativas, que ignoram os caminhos realmente percorridos, ainda sim conseguimos ter uma noção de como facilitaria o trajeto diário dos habitantes da comunidade 49


Nova Jaguaré a construção de um novo meio de ligação com o outro lado da Marginal Pinheiros. Uma transposição que fosse voltada unicamente para o pedestre, sendo capaz de criar uma nova possibilidade de acesso, um percurso mais agradável e seguro, diferentemente do que é presenciado na Ponte do Jaguaré.

Figura 21 - Distância Favela Nova Jaguaré e Estação Villa Lobos da CPTM. Fonte: Google maps.

Figura 22 - Distância Favela Nova Jaguaré e Estação Ceasa da CPTM. Fonte: Google maps.

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• De “casa” (considerando a Rua Guapó como lugar de acesso ao conjunto proposto) até o ponto de ônibus mais próximo (Rua Catalunha): O ponto de ônibus da Rua Catalunha encontra-se relativamente perto da Rua Guapó, considerada um dos meios de ligação do conjunto habitacional proposto com a região e, consequentemente, resto da cidade. Obtém-se uma distância de 289,21m. Nesse ponto passa a linha de ônibus 8038-10 Lapa, que passa a cada 10 min, e é responsável por atravessar a Ponte do Jaguaré.

Figura 23 - Distância até o ponto de ônibus mais próximo. Fonte: Google maps.

• De “casa” (considerando a Rua Guapó como lugar de acesso ao conjunto proposto) até o segundo ponto de ônibus mais próximo (Rua Marselha): O ponto de ônibus presente na Rua Marselha é o segundo ponto de ônibus mais próximo à área de estudo, com 428,73m de distância. Nesse ponto também passa a linha de ônibus 8038-10 Lapa, que passa a cada 10 min, e é responsável por atravessar a Ponte do Jaguaré. 51


Figura 24 - Distância até o segundo ponto de ônibus mais próximo. Fonte: Google maps.

A linha de trem da CPTM é o principal meio de transporte próximo capaz de interligar diversas áreas da cidade. Porém, tendo em vista as condições de acesso, feitas pela Ponte do Jaguaré, observa-se a necessidade da proposição de um novo trajeto, uma nova possibilidade de percurso como meio de ligação entre os dois lados separados pelo rio. Dessa maneira, foi prevista uma passarela suspensa, capaz de atravessar o Rio Pinheiros, de modo a criar um percurso ininterrupto e de qualidade, facilitando o caminhar. A proposta ligaria os dois lados prevendo dois diferentes pontos de acesso: a esquina entre as Avenidas Dracena e Engenheiro Bilings, ao lado do terreno 52

de intervenção, e a estação Ceasa da CPTM. O trajeto proposto entre esses dois pontos teria aproximadamente 210,46m (fonte Google Maps, 2016). A proposta da passarela apresenta duas principais vantagens: maior proximidade física com a comunidade e, consequentemente, opção de menor trajeto e maior proteção contra trânsito de veículos; e ligação direta com uma linha da CPTM e, por conseguinte, com o metro, um transporte mais rápido, que depende menos das condições climáticas e de trânsito para seu funcionamento. Além disso, essa passarela é de suma importância por ser responsável em qualificar a relação moradia x trabalho, uma vez que grande


Figura 25 - Distância entre os dois pontos de ligação da passarela. Fonte: Google maps.

parte dos moradores da comunidade sai de casa todos os dias em direção ao centro e bairros mais desenvolvidos da cidade para vender suas horas de trabalho, o que, geralmente, eles têm de mais valioso. Por isso, o projeto prevê acesso direto à passarela através do terreno, permitindo o encurtamento de distâncias e favorecendo, assim, a apropriação do território pela população toda, não só da residente da área projetada. Dessa maneira, busca-se resolver as dificuldades de transposição e conexões do sítio, de modo a aproximar a favela da cidade e sua infraestrutura, seja ela urbana, social ou econômica.

Todos os dias percorremos alguns caminhos. Sejam curtos ou longos, precisamos nos locomover de um ponto a outro. De casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para a casa, etc. Por mais próximo que se chegue ao destino por meio do transporte coletivo, ainda é preciso mais alguns passos até o ponto final. A escolha do percurso não é tão aleatória quanto parece. Instintivamente, escolhemos alguns fatores, na grande maioria, visuais, que tornam a atividade mais agradável e interessante. 53


Capítulo IV Direito à Cidade: a cidade como espaço de todos e para todos


“(...) a representação da ‘cidade’ é uma ardilosa construção ideológica que torna a condição de cidadania um privilégio e não um direito universal: parte da cidade toma o lugar do todo. A cidade da elite representa e encobre a cidade real” (MARICATO, 2012, p. 165).

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As cidades atuais, principalmente nos países subdesenvolvidos, são marcadas pela descontinuidade e fragmentação do território, seja por meio das construções, da setorização e segregação econômica e social. No Brasil, essa característica morfológica, intrinsicamente ligada à história do país, está cada vez mais evidente, como as moradias irregulares, especulação imobiliária, autoconstruções, congestionamentos viários, entre outros. Ermínia Maricato discute o processo de formação das cidades e o urbanismo brasileiro, o qual só diz respeito a uma pequena parte da cidade, já que só se aplica a uma parcela da sociedade, reproduzindo desigualdades sociais. A exclusão social é um dos principais temas apresentados e discutidos pela autora, segundo recortes como favela, periferia e vazios urbanos, abordados sob diferentes visões e linhas de pensamento. Ela defende a inclusão dessa população à “cidade oficial” (conceito utilizado para nomear a pequena fatia da cidade, que é palco dos principais investimentos e obras de desenvolvimento) como merecedora dos mesmos direitos à cidade e à vida urbana. A terra, como propriedade privada, aparece como centro das discussões, sendo definidora de poder social, econômico e político, permeando a luta entre classes, onde quem tem mais e/ou a melhor terra, possui mais poder e direitos. A falta de planejamento urbano, atrelado à especulação imobiliária agrava ainda mais essa situação, demarcando um grande vão entre as duas “diferentes cidades”: a cidade oficial/ cidade legal, tratada como ilha, sendo palco da 56

Figura 26, página anterior - Ilustração cidade para todos. Fonte: autoria própria.


maioria dos investimentos e obras públicas, e a cidade oculta/cidade ilegal, a periferia exilada, carente de infraestrutura e investimentos públicos e sociais. O direito à cidade, segundo Maricato, deve estar ligado à democratização quanto ao uso e ocupação do solo, resultando de uma política urbana de estruturação. Esse conceito está diretamente ligado à qualidade de vida da cidade e da sociedade que a habita, convergindo com o sistema atual de acúmulo de capital, o qual visa apenas o desenvolvimento econômico, ignorando grande parcela da população. Devemos ressaltar que o direito à cidade, como dito anteriormente, deve estar sempre atrelado à democratização de uso e ocupação, uma vez que apenas a garantia do direito à habitação, como proposto por diversos projetos de caráter público, não garante direito à cidade, pois não visam a real inclusão da massa à cidade legal, quanto os aspectos culturais, políticos, econômicos e sociais. O processo de formação e as transformações urbanísticas ocorridas na cidade paulistana sempre foram vinculados à lógica do capital imobiliário, ou seja, fundamentado de acordo com os interesses elitistas. Quando o assunto toca o pano social, o plano se transforma em plano-discurso, já que o planejamento das cidades está diretamente relacionado com os interesses econômicos. Nesse momento há a divisão entre cidade formal e cidade informal.

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No projeto ora proposto, como forma de inclusão e possibilidade de diminuição das barreiras existentes entre esses dois cenários distintos, dentro da limitação de uma proposta, o partido arquitetônico inicial foi criar volumes que se integrassem ao terreno e ao tecido urbano como um todo, buscando intensificar a complexidade e a multiplicidade de usos nesse território, com o propósito de torná-lo mais atrativo, criando certa identidade e interação por parte dos usuários. “As pessoas reúnem-se onde as coisas acontecem e espontaneamente buscam outras pessoas. Entre escolher caminhar por uma rua deserta ou uma rua movimentada, a maioria das pessoas escolheria a rua cheia de vida e atividade. A caminhada será mais interessante e segura.” (GEHL, 2013, p. 25). O estabelecimento de conexões entre os pavimentos dentro do terreno, sugerindo uma transposição mais agradável e uma relação entre as esferas sociais (pública a privada), somado à interação proposta a partir de visuais com o entorno consitem nas estratégias principais dessa proposta. Figura 27 - Diagrama propostas projetuais. Fonte: autoria própria.

Dessa maneira buscou-se criar espaços interessantes a partir do desenho arquitetônico e de toda a implantação proposta, que fossem capazes de atrair para o conjunto pessoas todo o tempo e para os mais variados propósitos: uso e manutenção dos estabelecimentos comerciais 58


e de serviços; permanência e possível incentivo a relações sociais; percurso mais agradável como conexão entre diferentes localidades, que tornem o ato de “cortar caminhos” mais interessante. Para possibilitar a concretização desses conceitos e diretrizes, aparecem como propostas de programa usos como: habitação; comércio e serviços, como locais de trabalho; escola técnica, como local de educação e formação profissional; áreas de lazer e convívio social; usos voltados para cultura e entre outros. Assim, com a multiplicidade de usos, buscou-se estabelecer diversas inter-relações entre diferentes pessoas, com diferentes interesses, em diferentes esferas sociais, grupos, horários, entre outros. Trata-se de um edifício polivalente – conceito apresentado por Massimo Cacciari, em A cidade –, ou seja, um lugar que, através das diferentes funções, torna-se

coerente com a forma de vida atual. A arquitetura do conjunto em sua totalidade se define por elementos de escalas variadas organizados de acordo com a relação proposta com o meio, sendo essa pública, semiprivada ou privada. Nos pavimentos ligados diretamente com as ruas, por conta do acesso fácil – ao terreno -, são de caráter público e semiprivado. Esse último engloba a escola técnica proposta e os espaços de transição, responsáveis por marcar a passagem da esfera pública para a privada, e vice-versa, como os jardins frontais das residências térreas, por exemplo. Já as unidades habitacionais, por serem privadas, estão dispostas nos andares superiores, garantindo certa privacidade, ao mesmo tempo em que se cria uma relação com o resto da cidade, através das vistas, por exemplo.

Figura 28 - Diagrama sobre disposição dos programas. Fonte: autoria própria.

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A separação dos programas e das edificações em níveis permite autonomia do volume superior, o de habitação, e uma ocupação otimizada das unidades habitacionais, que estão voltadas para as diferentes orientações. Ao mesmo tempo, permite criar um solo urbano fundamentalmente público, de maneira que a cidade seja parte da definição da arquitetura, pensada como uma sucessão de sólidos e vazios, que acontecem de acordo com os tipos de relações desejadas entre o conjunto e o externo. Os térreos foram concebidos como uma sombra pública para o abrigo e o encontro. Os espaços públicos foram pensados para também ficarem próximos aos pontos de comércio e de trabalho, já que essa combinação contribui para a associação de diversos usuários em horários diferentes e geralmente complementares, ampliando e fortalecendo a vitalidade existente, como exemplifica Jane Jacobs em Morte e Vida das Grandes Cidades: “(...) esses dois usos principais podem imbricar-se perfeitamente, com as ruas ganhando vida com os trabalhadores ao meio-dia, quando os moradores se retiram, e animando-se com os moradores de noite, quando os trabalhadores se retiram” (JACOBS, 2014, p.192).

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Figura 29, página anterior - Corte AA. Escala 1:500. Fonte: autoria própria. Figura 30, página seguinte Imagem do conjunto: térreo 2, entrada no terreno pela Rua Guapó. Fonte: autoria própria.


Caminhantes descobrem ambientes de permanência e pausa. Pessoas que vão para o lazer, usufruem dos pontos de comércio. Consumidores descobrem o espaço público. Trabalhadores, nos horários de folga ou entrada e saída, contribuem para maior movimentação. Forma-se o todo. 63


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CapĂ­tulo V Cidade Formal x Cidade Informal


cidade formal

cidade informal

CIDADE 67


Figura 31; 32, página anterior Ilustração sobre relação estabelecida entre cidade formal e informal. Fonte: autoria própria.

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A conformação das cidades e o modo como elas se organizam passou por diversas mudanças ao longo dos anos. Na história das cidades europeias até o período barroco, por exemplo, as relações eram baseadas na comunhão e comunicação. Apesar da existência de conflitos causados pela proximidade entre as pessoas, o que prevalecia era a partilha comunitária dos espaços. Ou seja, a cidade organizava-se ao redor da vida coletiva e comum. Com o desenvolvimento do capitalismo, essa dinâmica muda e as cidades passam a se organizar e se regular ao redor da logística capitalista, baseando-se nas exigências da indústria quanto ao local, determinadas funções (habitacionais, por exemplo) que devem ser organizadas seguindo tipologias e definições prédeterminadas. O espaço organiza-se ao redor desses corpos conhecidos que geralmente são rígidos e fixos (CACCIARI, 2010). Logo, na cidade contemporânea essa forma de urbis tradicional, baseada no convívio em comunidade, passa a ser dissolvida, assim como toda e qualquer identidade urbana. Agora o sentido da relação humana e social baseia-se na produção-troca-mercado. Desaparecem os lugares simbólicos tradicionais, sufocados pela afirmação dos lugares de troca, expressão da mobilidade e da vida nervosa da cidade. Os lugares simbólicos são determinados por funções fixas e de valores. Assim, cidade passa a abrigar espaços indefinidos, homogêneos e indiferentes nos seus lugares, onde os acontecimentos não correspondem mais a um desígnio unitário de conjunto, e sim a uma lógica de rapidez e de


transformações, que impede a conservação de memórias do passado (CACCIARI, 2010). Por conta disso, a cidade é marcada por um cenário dividido que, de um lado encontram-se os centros representativos e terciários e, do outro, as periferias populares que atingem a degradação aos poucos. Aqui nota-se a clara separação entre cidade formal e cidade informal, dois conceitos apresentados por Ermínia Maricato e introduzidos no capítulo anterior. A cidade formal seria o local das trocas e relações econômicosociais, por conta da localização dos centros terciários e de serviços. Já a cidade informal é caracterizada pelo local das moradias irregulares, da parcela excluída da população, que acaba se relacionando com a cidade formal a partir da troca de serviços, da oferta de mão de obra. Ou seja, essa significativa parcela da população é excluída da cidade oficial como detentora de direitos civis, mas não como mão de obra, uma vez que acabam vendendo tudo o que tem (a força de trabalho) e não recebendo de volta o que é merecido, como moradia, infraestrutura, qualidade de vida, etc. Como afirma Ermínia Maricato no texto As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: “O urbanismo brasileiro (...) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas” (MARICATO, 2012, p. 122). Os princípios do urbanismo moderno dizem se referir na teoria a todos os indivíduos, quando na verdade atendem à apenas uma parcela da sociedade, uma minoria, acentuando a desigualdade social.

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“Em se tratando de países da semiperiferia, como é o caso do Brasil e de outros países da América Latina, esse modelo, definidor de padrões holísticos de uso e ocupação do solo, apoiado na centralização e na racionalidade do aparelho de Estado, foi aplicado a apenas uma parte das nossas grandes cidades: na chamada cidade formal ou legal (...). A cidade brasileira é marcada pela modernização incompleta e excludente” (MARICATO, 2012, p. 123).

Figura 33, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: Rua Guapó. Fonte: acervo pessoal.

A exclusão urbanística da cidade é marcada pela forma como a “cidade oficial” ignora a ocupação ilegal do solo urbano. As favelas, que possuem, segundo Ermínia Maricato, certas semelhanças formais com os burgos medievais, acabam se afastando do urbanismo modernista por não caber no contexto do mercado imobiliário formal/legal. Elas também não cabem nos procedimentos dos levantamentos elaborados pelo IBGE, e nem na aprovação de projetos dos órgãos municipais. Ou seja, é comum a ausência desse território e deste contexto urbano nas representações cartográficas da cidade. A cidade ilegal não é reconhecida em suas dimensões nem características, ela é esquecida. Logo, a ideologia do planejamento urbano funcionalista contribui para ocultar a cidade real, já que o território da pobreza urbana não se refere a uma minoria excluída ou marginal, mas na grande maioria das cidades brasileiras compreende grande parte da população. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, segundo fontes do IBGE – Censo Demográfico 71


2010 – Aglomerados Subnormais² , de um total de 11.216.559 pessoas residentes em domicílios particulares ocupados, 1.280.400 pessoas vivem em aglomerados subnormais, ou seja, mais de 11% da população paulistana encontra-se no território da pobreza, considerando apenas as cadastradas e residentes de domicílios próprios.

Figura 34, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: Avenida Engenheiro Bilings. Fonte: acervo pessoal.

Buscando mudar a realidade local da Favela Nova Jaguaré, o plano urbano foi elaborado para exaltar os espaços públicos, uma vez que, como colocado por Caldeira, por conta das dinâmicas da cidade, esses espaços comuns e de convívio foram esquecidos e desvalorizados. Além do mais, levando em conta todos os problemas urbanos da favela, a criação de locais para vida pública torna-se ainda mais necessária. Para que o planejamento físico seja eficiente foram considerados algumas premissas básicas, como fomentar ruas vivas e atraentes para a circulação dos moradores; fazer com que essas ruas, somadas, formem uma malha urbana contínua e sólida; pensar na integração dos espaços abertos (parques, praças e outros) e edifícios de uso público com esse tecido viário. É de suma importância que esses elementos surjam no projeto para intensificar a complexidade e a multiplicidade de usos desse tecido, funcionando como uma rede bem definida e estruturada. O complexo multifuncional proposto busca dialogar ² Tabela 1 - Domicílios particulares ocupados e população residente em domicílios particulares ocupados, total e em aglomerados subnormais, e número de aglomerados subnormais, segundo as Grandes Regiões, as Unidades da Federação e os municípios - 2010. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/aglomerados_subnormais/aglomerados_subnormais_tab_brasil_zip.shtm>. Acessado em: 06/11/2016.

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e interagir com o meio urbano, sendo um elemento resultante de respostas do território, mas que, ao mesmo tempo, também exige respostas desse território. A partir de uma leitura da área, algumas diretrizes foram estabelecidas, considerando as diversas escalas, como: quebrar as fronteiras existentes entre a favela e os bairros vizinhos, as regiões do entorno e a cidade; ressaltar as áreas verdes e públicas da região para estimular esse tipo de uso por todo o território; valorizar e qualificar as vielas da favela como encurtamento de caminhos, pontos de encontro, pontos de estímulo à vida social, pública e urbana; trabalhar a área de risco selecionada, somando o caráter e a vocação da região com o desejo da população; criar novos percursos, onde necessário, para encurtar as grandes quadras da favela e conjuntamente conectar as diferentes ruas e níveis do relevo; respeitar a topografia e ao mesmo tempo tornar os percursos agradáveis ao pedestre; priorizar a escala humana no cenário urbano, qualificando e melhorando as ruas, pensando no caminhar e, consequentemente, deixar o carro em segundo plano em determinados locais (acrescentar mapa). Como forma de aproximação entre esses diferentes cenários urbanos, o objeto abre-se para a cidade, a partir do estabelecimento de usos que extrapolem 74

a escala local, seja do território ou do bairro. Tanto a escola técnica proposta quanto os comércios, principalmente os que faceiam a via local da Marginal, voltam-se para a cidade, tornando-se equipamentos de todos e para todos. Além disso, a intensa busca por contato visual com o todo também faz parte dessa intenção de conexão. Ou seja, as visuais propostas e distribuídas por todo o projeto têm a função de estabelecer contato dos usuários com a cidade e vice-versa, já que o conjunto, a partir da sua forma, se mostra para a metrópole.

Figura 36, página seguinte - Favela Nova Jaguaré em segundo plano. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.


LEGENDA

Figura 35 - Mapa de diretrizes. Esc.: 1:10000. Fonte: Mapa Digital da CIdade, 2004.

Demarcação Favelas Linha 9 esmeralda da CPTM Conectar os dois lados do Rio Pinheiros - Passarela Conectar a favela com o entorno Interligar todos os quarteirões da favela entre si Áreas verdes Área de influência das áreas verdes Conectar áreas verdes

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Capítulo VI Espaço Público: relação entre espaço e interações sociais


“A cidade como local de encontro também é uma oportunidade para trocas democráticas, onde as pessoas têm livre acesso para expressar seus sentimentos” (GEHL, 2010, p. 157).

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Figura 37, página anteriorIlustração espaço público. Fonte: autoria própria.

Ao longo da história, o espaço público serviu como ponto de encontro, local de comércio e espaço de conexão. Espaço público é conceituado por Jane Jacobs como sendo algo: “utilizado para a circulação pública geral de pedestres. É um espaço em que as pessoas se movimentam livremente, por livre escolha, no percurso de um lugar a outro” (JACOBS, 2014, p. 291), podendo ser usados livremente como área de circulação e passagem. Os espaços públicos conseguem absorver e anular a maior parte dos pontos mortos da cidade, fazendo-se necessária a variação de intensidade entre o espaço e o público, já que a diversidade das ruas exige tanto pontos pequenos e calmos quanto pontos movimentados. A realidade das cidades de hoje em dia é resultante do pensamento do urbanismo moderno, que tinha como plano a cidade como máquina, com suas partes separadas por funções. Tal pensamento diferencia-se significativamente da conformação e organização das cidades tradicionais, uma vez que, segundo Jan Gehl: “até 1960, mais ou menos, as cidades no mundo todo se desenvolviam principalmente com base em séculos de experiência. A vida no espaço da cidade era uma parte vital dessa riqueza de experiência e acreditava-se, naturalmente, que as cidades eram construídas por pessoas” (GEHL, 2010, p. XIV).

Figura 38, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: crianças brincando na rua, disputando espaço com o automóvel. Fonte: acervo pessoal.

Ou seja, torna-se clara a ideia de que as estruturas urbanas e o planejamento urbanístico influenciam diretamente nas formas de 81


funcionamento das cidades e no comportamento humano. Com o surgimento do modernismo, um novo grupo de planejadores entrou em cena, com propostas e teorias voltadas para garantir melhores condições de tráfego – para o tráfego de veículos. A disseminação do automóvel determinou uma ocupação urbana fragmentada e dispersa que, com o crescimento das cidades, passou a impor a necessidade desse como única maneira de percorrer as longas distâncias estabelecidas. Com isso, a dimensão humana passou a ser esquecida e tratada a esmo no tópico do planejamento urbano, diferentemente do pensamento fundado na circulação de automóveis e acomodação dos mesmos, que passou a ganhar força com o tempo. Consequentemente, tornou-se baixa a prioridade dada ao espaço publico, às áreas de pedestres e ao papel do espaço urbano como local de encontro dos moradores da cidade (GEHL, 2010). A dinâmica urbana das cidades atuais faz com que se dê cada vez menos importância aos espaços públicos e suas funções. Todas as relações, nas últimas décadas, passaram basearse no tempo e não no espaço. O espaço tornouse um obstáculo e não mais uma possibilidade de convívio e troca. Ninguém mais questiona a que distância fica determinado ponto de interesse, mas quanto tempo demora a chegar lá. Porém, da mesma maneira que exigimos nos deslocar pela cidade em tempo real, também queremos que ela seja bela. Nos últimos anos, houve reconhecimento em relação à importância da conexão entre a forma física e o comportamento humano. As cidades e seus 82

Figura 39, página ao lado Favela Nova Jaguaré: pedestres caminhando pela rua, já que a calçada não possui condições mínimas de acessibilidade, e foi tomada pelo carro. Fonte: acervo pessoal.


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habitantes passaram a reivindicar um urbanismo voltado às pessoas e começaram a perceber o quanto a preocupação com as pessoas na cidade é um fator essencial para cidades mais vivas, mais seguras, sustentáveis e saudáveis (GEHL, 2010). Pedimos que nossa cidade ofereça lugares de acolhimento, de longas permanências, como se sentíssemos a necessidade de criar vínculos com o território, sentir a sensação de proteção, algo que diz respeito à nossa estrutura fisiológica. Cacciari apresenta o pensamento de que assumimos uma postura dupla e contraditória em relação à forma de vida que buscamos nas cidades: “(...) por um lado, concebemos a cidade como lugar para nos encontrarmos e reconhecermos como comunidade, um lugar acolhedor, um <<seio>>, um lugar onde residir bem e viver em paz, uma casa (a casa como ideia reguladora através da qual, desde as origens, nos aproximámos desta revolucionária forma de vida associada); por outro lado, cada vez mais consideramos a cidade como uma máquina, uma função, um instrumento que nos permite, com o mínimo impedimento, fazer os nossos negotia, os nossos negócios. De um lado, a cidade como lugar de otium, lugar de troca humana, seguramente efectivo, activo, inteligente, enfim, um lugar para morar; do outro, o lugar onde desenvolver os negotia da maneira mais eficaz possível. Ou seja, continuamos a pedir duas coisas diferentes à cidade. Mas isso é característico da própria história da cidade: quando ela desilude em demasia e se torna unicamente 84


negócio é então que começa a fuga da cidade, como tão bem testemunha nossa literatura: a arcádia, a nostalgia de uma idade mais ou menos não-urbana; por outro lado, quando, ao invés, a cidade assume realmente as características da agorá, do lugar de encontro rico do ponto de vista simbólico e comunicativo, então, imediatamente nos apressamos a destruir este tipo de lugar, pois contrasta com a funcionalidade da cidade como meio, como máquina” (CACCIARI, 2010, p. 26).

A metrópole paulistana é palco de constante movimento e deslocamento de pessoas, mercadorias, capital, entre outros, caracterizase como lugar de negócios e de trocas. Desse modo, há certa ânsia, por parte dos cidadãos, por mais espaços públicos e abertos. Buscam-se locais de encontro e de comunicação no meio de tanta informação financeira e comercial. Ou seja, como afirma Cacciari exigimos da cidade ambas as coisas e na mesma intensidade: que ela seja espaço para o movimento, de mobilidade universal e, ao mesmo tempo, seja um espaço em que existam lugares que propiciem relações sociais, lugares do ponto de vista simbólicos, lugares que representem a pausa e o descanso no meio da realidade movimentada. O caso especificamente da Nova Jaguaré não é diferente. Depois da urbanização de 2000, as relações entre os moradores e os espaços urbanos foram modificadas: as ruas deixaram de funcionar como continuação das casas e servirem de palco para as brincadeiras infantis, já que houve aumento do número de carro 85


nas ruas e uso excessivo desses. Praticamente o espaço disponível no território foi preenchido com veículos, não havendo mais lugar para o pedestre andar. As calçadas, quando existem, possuem dimensões mínimas e muitas vezes são utilizadas como estacionamentos. Todas as ruas foram asfaltadas e possuem inclinações que desrespeitam os limites dos pedestres. De certa forma, o volume do tráfego é arbitrário.

Figura 40 - Favela Nova Jaguaré: Rua Barão de Antonina. Fonte: acervo pessoal.

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Figuras 41; 42, página ao lado Favela Nova Jaguaré: Avenida Dracena e Rua Barão de Antonina, respectivamente. Fonte: acervo pessoal.

Nessas três imagens, nota-se a grande quantidade de carros estacionados nas ruas e a forma dominadora que eles ocupam o espaço urbano. Tanto a Rua Barão de Antonina quanto a Avenida Dracena contornam o terreno e tem acesso à Marginal Pinheiros, sendo uma paralela à outra.


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Figura 43 - Rua Três Arapongas. Fonte: Google imagens.

Figura 44 - Rua Três Arapongas. Fonte: Google imagens.

Como ilustrado nas imagens, a introdução dos carros na favela dificultou a relação entre as escalas e as dimensões urbanas, fazendo com que essa correlação passasse a ser significativamente negativa, já que apenas uma escala, a do carro, passou a ser considerada importante e priorizada no cenário urbano. Os pedestres são prejudicados diariamente na realização de suas atividades sendo elas necessárias, opcionais ou sociais -, seja pelo dimensionamento do seu espaço (calçadas muito estreitas e irregulares) ou pelas grandes 88

Essas duas imagens são da Rua Três Arapongas que, ao longo de sua extensão, tem diferentes funções: na região sul, por delimitar a área da favela, serve como um meio de ligação entre a comunidade e o bairro vizinho; já mais ao norte, quando adentra a favela, tem função local, devido ao menor tráfego de veículos. Porém, nota-se que, mesmo nas diferentes situações, a rua praticamente mantém a mesma largura. Além disso, as calçadas, quando existem, são muito estreitas ou encontram-se obstruídas, mesmo na área de acesso ao conjunto habitacional, composto por dez blocos com cinco pavimentos.


O cenário da Rua Assum Preto não é diferente dos comentados anteriormente: grande quantidade de carros estacionados nas ruas, calçadas estreitas e obstruídas, impedindo a circulação confortável dos pedestres. No canto direito da imagem encontra-se a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, local onde a oficina “A vida na Nova Jaguaré” foi realizada. A Paróquia oferece alguns cursos técnicos noturnos para jovens e adultos e, mesmo com a grande movimentação de pessoas durante o dia todo, ainda sim é o carro que ocupa maior espaço.

Figura 45 - Rua Assum Preto. Fonte: Google imagens.

inclinações e condições geográficas. O ideal seria estabelecer uma relação de perfeita harmonia entre as escalas de pedestres, automóveis, nível da rua e térreos. Assim, o plano urbano proposto como um todo busca retomar características mais sociais e comunitárias, ressaltando os espaços públicos urbanos existentes, muitas vezes ignorados no cotidiano, e propondo novos locais de convívio e encontro. Além disso, visando solucionar o problema do fluxo intenso de carros pelas vias locais e tornar o pedestre protagonista do cenário urbano, um estacionamento ao pé do morro, fora da favela, é criado. Como a favela é bastante consolidada e não tem como modificar as dimensões das ruas, essa alternativa surge para diminuir o tráfego de carros circulando internamente. Agora o carro seria estacionado e o acesso se daria a pé. 89


Levando em consideração a importância de uma cidade mais humana e mais viva, foi dado um tratamento especial para as ruas, vielas e calçadas, já que funcionam como espaços de circulação de pessoas e interação social e, constituem as principais paisagens da cidade. Além disso, esses elementos são responsáveis por interligar diferentes pontos da região, a comunidade com a cidade, o espaço urbano com o privado e íntimo, e contribuir para sustentar a articulação do objeto projetual com a malha urbana. As ruas e vielas devem ter suas funções para além dos indícios da vida diária, precisam ser convidativas às pessoas, assim o tráfego de pedestres e a vida urbana aumentam em proporção. Como as ruas da favela possuem traçado irregular, elas se tornam um sistema viário de difícil compreensão, as pessoas se perdem facilmente e têm dificuldades para constituir um mapa mental das ruas, principalmente as que são de fora da favela. Torna-se interessante criar nos encontros de ruas algum elemento de identidade, responsável por marcar o local, sua individualidade e características, que funcione como ponto de referência. As vielas aparecem como protagonistas no plano urbano principalmente por desemprenharem na favela a função de áreas de respiro que servem para deslocamento interno, encurtamento de caminhos, ligação entre ruas principais, locais para acontecimento da vida cotidiana, como encontros, por exemplo. Elas realmente fazem parte e contribuem para o funcionamento e organização da favela como um todo. 90

Figura 46, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: crianças utilizando a escadaria, na Rua Guapó, como forma de superar a topografia acidentada da área. Vale reforçar que a escada não possui condições mínimas de acessibilidade e infraestrutura. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.


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As conexões propostas entre esses elementos viários visam também a criação de uma visão serial. Buscouse ligar, através de percursos, um extremo ao outro, seja o local de inicio ou fim presente na favela ou fora dela, e, ao longo dele, criar diversos pontos de vista, uma sucessão de variações, saliências, paisagens e escalas, capazes de revelar descobertas e experimentos. Todos esses elementos já fazem parte do território, eles apenas foram reorganizados e conectados. Assim, foram imaginados percursos de um transeunte ao se deslocar pela favela, permeando o território que,

TORRE HABITACIONAL

TÉRREO 2 729.22/730.57

INTERMEDIÁRIO 720.87/722.22 TÉRREO 1 720.87/722.22

TERRENO NATURAL

Figura 47 - Diagrama dos pavimentos. Fonte: autoria própria.

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durante o processo de deslocamento, acaba se deparando e descobrindo novos elementos, novos interesses. Uma rua em linha reta desembocando num pátio, numa área aberta e, saindo deste, outra rua que segue uma curva e desemboca em outro respiro e depois, segundo esse caminho, depara-se com uma construção, ou um conjunto delas. Desse modo, a paisagem urbana, quando conectada, na maioria das vezes, surge como uma sucessão de surpresas e revelações súbitas. De maneira geral, todas as medidas adotadas para a região visam priorizar o pedestre e sua


interação com o espaço. Utilizou-se, portanto, da funcionalidade de tais elementos urbanos, que servem como pontos de passagem e encontro, para potencializar a interação entre o conjunto proposto e o meio urbano. Assim, buscouse através do estabelecimento de rotas que interajam com o projeto, tendo-o como destino final ou parte do trajeto, estimular o caminhar pela quadra para chegar a algum lugar e nesse meio tempo se surpreender com a paisagem, como o que o projeto tem a oferecer. Buscando reforçar essa relação entre sociedade e território, encurtar caminhos é uma das principais diretrizes projetuais propostas. Aproveitando-se do desnível do terreno, três níveis diferentes (cotas 720,87/722,22; 726,69; 729,27/730,57) foram criados e dispostos verticalmente para viabilizarem essa transposição. Vale ressaltar que a função desses níveis vai além do papel de travessia do terreno, a partir da criação de espaços convidativos e atraentes para as pessoas, capazes de serem presenciados e experimentados. Busca-se criar um ambiente que seja agradável, que possa fazer parte do percurso do caminhante, criando novas possibilidades de trajeto. Os dois pavimentos de caráter mais público no conjunto, as cotas 720,87/722,22 e 729,22/730,57, também são responsáveis por conectar o terreno com a região, assim como trazer um novo olhar da cidade para a escala local, a partir da forma como acontecem e tocam o urbano. O edifício se relaciona com a cidade de fora para dentro.

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Cota 722,22 – Térreo 1: Inicialmente resolveuse traçar quais seriam as diretrizes iniciais a serem consideradas e priorizadas no terreno: estabelecer a conexão entre a Rua Barão de Antonina e Avenida Dracena, por questões geográficas (sentido mais longo e quase plano) de forma a encurtar caminhos e conectar as duas localidades pela predominância do uso habitacional (do lado da Barão de Antonina o CDHU e perímetro da Favela Nova Jaguaré com habitações precárias da Avenida Dracena); estabelecer uma área de permanência central, nomeado de “espaço público de transição”, por ser responsável por estabelecer uma conexão entre as esferas públicas e privadas. Esse espaço, localizado mais internamente no terreno – caráter íntimo – e ao mesmo tempo aberto para quem quiser desfrutar dessa área, visa possibilitar a vida cotidiana para além do espaço privado, sendo pertencente tanto aos usuários “fixos” e moradores do conjunto, quanto aos visitantes e transeuntes. Após definir e traçar essas condicionantes, começou-se o processo de observar o terreno e implantar os usos de acordo com premissas básicas, como comércio faceando ruas movimentadas; escola técnica faceando a Marginal, estabelecendo diálogo com a cidade e, virada para dentro do terreno, estabelecendo ligação local/ interna; usos públicos especializados nos térreos e próximos a ruas de acesso. O volume

Figura 48 - Corte chave: térreo 1, cota 721,87/722,22. Sem escala. Fonte: autoria própria.

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do institucional ganhou forma a partir da diretriz de tentar conectá-lo à praça central (ele abraça o espaço vazio interno) e, ao mesmo tempo, criar uma entrada significante voltada para a cidade (fachada para a Marginal Pinheiros). Logo após, definiu-se os acessos para o terreno, os espaços vazios, distribuídos por todas as ruas que contornam o lote, visando a real conexão do projeto com o entorno e a sugestão de diferentes e variadas possibilidades de acesso. Pela localização e fluxos de veículos e pessoas, o comércio foi estabelecido no perímetro do terreno, no lado nordeste, esquina da Marginal Pinheiros com a Avenida Dracena. Por conta da coordenação modular, os módulos de comércio podem organizar-se de acordo com a necessidade de espaço e demanda, podendo assim ocupar um ou mais módulos – considerando o módulo mínimo de 6,25 metros – permitindo a criação de uma fachada ativa e interessante, por conta da possível variedade de estabelecimentos. Além disso, a dimensão proposta para as lojas, 10 metros de comprimento, permite a utilização de duas fachadas, uma voltada para o exterior (rua) e outra para o interior da quadra. Dessa maneira, as fachadas comerciais, além de serem vistas de qualquer lugar, o que possivelmente possibilita sua manutenção e permanência, também são responsáveis por criar uma relação de conectividade entre o lado interno e externo do conjunto. Elas são capazes de garantir um diálogo com o entorno imediato, propiciando certa unidade à continuação das ruas, como também de sugerir novas experiências para os pedestres em curtos espaços de tempo. 95


Para essa área comercial foi prevista a instalação de estabelecimentos de grande e médio porte (aproximadamente 120 metros quadrados), como restaurantes, mercearias, mercados; de pequeno porte (com cerca de 65 metros quadrados), como estabelecimentos de primeiras necessidades de consumo, e de antigos comércios locais, retirados por conta das condições precárias, como por exemplo, o “bar do Cicero”, localizado anteriormente na Rua Barão de Antonina, que teve seu lugar assegurado dentro do conjunto, próximo ao local original. O restante do pavimento foi destinado à criação de um espaço público que, a partir do traçado urbano, permite distintas configurações de ocupação, densidade e fluxos. Para essa área aberta, foram propostos diversos tipos de programas, complementares ou distintos que, espacializados de forma contínua e fluida, têm a função de atrair diferentes tipos de pessoas, sem nenhuma segregação ou restrição, quanto preferência, faixa etária e/ou mobilidade. Todos os programas contam com áreas que possam ser usufruídas como lugares para o lazer e convívio, e contam com a presença de elementos urbanos e interativos, como bancos, jardins e diferenciações de piso. Além da presença de árvores e vegetações menores, utilizadas como elemento de sombreamento e qualificação climática. Nessa cota aparecem usos como: bicicletário, vestiário, anfiteatro aberto com arquibancada, café e restaurante, deck, áreas de rede e interação com água, espelho d’água, jardim, espaços de leitura, para crianças e idosos, 96

Figura 49 - Favela Nova Jaguaré: Bar do Cícero, localizado na Rua Barão de Antonina . Fonte: acervo pessoal.

Figura 50, página ao lado - Implantação térreo, cota 721,87/722,22. Escala: 1:1000. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.


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área de pomar, entre outos. A proposta é fazer com que o pedestre, durante seu percurso, descubra espaços novos, abertos e públicos, já que o projeto pretende criar uma área mais convidativa e acessível e, ao mesmo tempo, qualificar o espaço urbano local, através da relação entre pessoas, território e cidade. Buscase que os espaços exerçam, de certa maneira, um impacto de caráter emocional nos usuários. Essas reações são resultados da nossa posição perante o espaço, de experiências sensoriais provocadas por espaços abertos e fechados, como a possível apreensão do que é “dentro” e “fora”, por exemplo (CULLEN, 2006). Por conta das características do relevo, existe uma diferença entre os pisos decorrente da adequação do projeto aos desníveis do terreno. Como solução, foram projetadas uma rampa e uma escada como meios de acesso agradáveis ao caminhar do pedestre, permitindo variedade de percursos e acesso universal a todos os níveis propostos. Imagine-se agora os volumes colocados de maneira a permitir o acesso ao interior do conjunto. Então o pedestre sentirá que esse espaço delimitado tem uma vida própria, como se a sua existência fosse independente das construções que o originam e envolvem. Passa-se a definir dentro e fora, a pensar “estou a entrar aqui” (Baseado em CULLEN, 2006). 98


Cota 726,39 – Intermediário: Por esse pavimento estar localizado na cota intermediária entre os dois pisos de acesso, os térreos 1 e 2, ele também tem um caráter público e de circulação de pessoas. Além disso, tem como função principal conectar as duas cotas distintas por meio de circulação vertical e de visuais, proporcionadas pelos vazios criados da laje. Por conta da localização e, consequentemente, do menor fluxo de pessoas, esse pavimento possui uma área menor, o que também possibilita a criação de um pé direito significativamente alto na parte oeste da cota inferior, além da interação entre esses dois pavimentos. Esse piso abriga: o primeiro pavimento da escola técnica, onde acontecem as salas de aula; e espaço destinado a áreas comerciais ligados à gastronomia ou serviços de primeira necessidade que podem ou não ter relação com os módulos comerciais inferiores, ou seja, variam de acordo com cada situação e necessidade, podendo ser sobrelojas ou lojas independentes.

Figura 51 - Corte chave: piso intermediário, cota 726,39. Sem escala. Fonte: própria autoria.

Figura 52, página seguinte - Planta piso intermediário, cota 726,39. Escala: 1:1000. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.

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Figura 53, página anterior - Imagem do conjunto: térreo 1, vazio central, que se relaciona com os outros pavimentos. Fonte: autoria própria.

Figura 54 - Corte chave: térreo 2, cota 729,22/730,57. Sem escala. Fonte: autoria própria.

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Cota 729,29/ 730,57 – Térreo 2: Como esse pavimento acontece na cota da Rua Guapó (cota mais alta, considerando o terreno) e tem ligação direta com a rua, adota-se também a diretriz de criar um espaço que faça parte do solo urbano, que aconteça como continuação deste, permitindo que a relação entre o “interno e o externo” aconteça de forma harmônica e continua. Porém, nesse nível isso acontece de uma maneira diferente: aqui, busca-se uma interação a partir da contemplação da paisagem, criada através da elevação do volume habitacional e institucional, que permite relação direta do pedestre com o entorno. Além disso, essa solução adotada cria contato direto com o Rio Pinheiros, na intenção de remeter a toda sua importância histórica e significado, fazendo alusão à recuperação da antiga, e agora ocupada, área de várzea e à proximidade dos cidadãos com a água. Considerando maior aproveitamento do terreno segundo suas características físicas, vazios periféricos foram criados de modo a formar pequenas passarelas de ligação entre a calçada e o pavimento proposto. Dessa forma, o ato de adentrar o projeto torna-se mais contemplativo e interessante, já que, além do contato direto com o talude, permite-se uma relação visual com os pavimentos inferiores, assim como descobrimento de espaços novos e públicos. Esse último aspecto de interação visual


também acontece nos vazios mais centrais. Nesse pavimento não há usos fixos, marcados por construções, mas áreas abertas destinadas ao convívio e lazer, definidos por desenhos de piso, utilização de diferentes materiais e paisagismo. A partir de determinados elementos, como textura, natureza, personalidade, entre outros, a construção traz sensibilidade e passa a tocar seus usuários. Respeitando os desníveis naturais da área, somados às alturas mínimas exigidas pelos pavimentos inferiores criados, nesse piso acontece uma diferenciação de cotas, solucionado pela criação de uma rampa de inclinação baixa, menor que 5%, permitindo que essa diferenciação de pisos não seja percebida e seja superada de forma tranquila pelos pedestres. Devido à racional e econômica modulação do volume habitacional, a malha estrutural de pilares chegaria ao térreo de forma repetitiva e desagradável. Dessa maneira, pensando na circulação de pessoas e no caráter público do pavimento, foi utilizado um sistema de vigas de transição, permitindo menor número de pilares aparentes no térreo e uma altura de pé direito mais intimista, que se relaciona com a escala humana. Além disso, visando qualidade arquitetônica, esses pilares foram desenhados, propondo outro tipo de interação entre construção e seus usuários. Nas zonas mais periféricas do terreno, onde não há contato direto com a rua, encontram-se os usos mais privados, ligados à habitação: unidades térreas e área de lazer. Dessa maneira, permitese que ao longo do percurso a mudança de usos, desde as esferas públicas até as privadas, ocorra 103


a partir de uma transição sútil. A estratégia de continuação das ruas, como acesso ao terreno, aos blocos de residência e ao comércio e, consequentemente, dos fluxos de pessoas também contribuiu para a conexão com a cidade, suavizando a separação urbana e garantindo certa unidade ao todo, além de proporcionar um caráter mais extrovertido e dinâmico ao conjunto. A apropriação do espaço é proposta para que ocorra tanto pela ocupação do território quanto pelo movimento. O primeiro caso acontece a partir da ocupação de determinados locais, como recintos, pontos focais e paisagens, incentivada pelo uso de elementos capazes de tornar esses espaços mais atraentes e convidativos. Há uma busca em implantar causas e condições que propiciem essa ocupação, sejam elas criadoras de abrigo e sombra, mobiliários, desenhos de piso, pontos focais e assim por diante. Independente da intensidade dessa ocupação, apenas sinais dela são capazes de conferir à cidade e, no caso, ao conjunto, um caráter mais humano e diverso. Já a apropriação pelo movimento é pela ocupação do espaço por pessoas em movimento. A proposta apresentada busca incentivar os dois tipos de apropriações: as que se dão pela permanência, para isso foram 104

planejados determinados usos, utilização de mobiliários e outros artifícios, como diferentes materiais, vazios internos e desenhos de piso, que permitam a interação social; e as que acontecem por conta do movimento, levando em conta a proposta de encontros e desencontros, encurtamento de caminhos e percursos do dia a dia, como a ida ao trabalho, por exemplo. Dessa maneira, a partir da relação das duas diferentes escalas, a macro e mais urbana e a micro e mais específica, buscou-se criar uma conexão entre arquitetura, paisagem, meio urbano e cidade, segundo as possibilidades de expressão individual e coletiva das pessoas.

Figura 55 página ao lado - Implantação térreo 2 - cota 729,22/730,57. Escala: 1:1000. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.

Figura 56, página seguinte - Corte CC. Escala: 1:500.Fonte: autoria própria.


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Capítulo VII Território Indefinido


“Uma produção arquitetônica – globalizada, ensimesmada e excludente – exibe essa crise de significados, dilapida o caráter original de vida na metrópole, e demonstra resistência à capacidade de produzir sentidos para a vida coletiva” (XAVIER, 2007, p. 23).

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Vida coletiva? O que seria isso mesmo? Hoje em dia é comum vermos como parte da paisagem uma cidade monótona e sem identidade, composta por conjuntos de edificações de estética similares, com mesma tonalidade cromática, mesma textura e cercados por grades e muros altos. Faz parte do nosso dia a dia essa relação impessoal com a cidade, com o meio urbano. A vida coletiva foi perdida. A cidade hoje em dia é tida como algo monótono, sem identidade. A construção segue um ritmo acelerado de produção em série, que parou de diferenciar o que foi lançado ontem do que será lançado amanhã. É preciso parar e olhar para a cidade que estamos criando. É essa realidade que queremos? Uma cidade onde as pessoas estão cada vez mais isoladas e afastadas umas das outras? As grandes cidades estão cada vez mais cercadas. Para onde se olha, notamos a presença de grades e altos muros, demarcando territórios, fechando comunidades. Se as pessoas estão habituadas com esse cenário no dia a dia, seja a partir da relação com a moradia; por simples passagem ou por trabalho, como podem não associar que as coisas próprias não precisam ser protegidas e muradas? Infelizmente é um pensamento comum e cotidiano que acontece muitas vezes inconscientemente. Essa realidade torna a paisagem da cidade algo igual e sem vida. Onde termina uma cidade e começa outra? Pela semelhança construtiva as fronteiras passam a ser meramente administrativas e artificiais, sem qualquer sentido simbólico, geográfico ou político. O território torna-se algo indefinido. 110

Figura 57 - Ilustração da cidade carimbada, como alusão à reprodução excessiva de soluções iguais. Fonte: autoria própria.


As cidades brasileiras, em sua grande maioria, têm como característica a anulação da cidade existente por meio do desdobramento do foco no edifício-objeto. Por conta da cultura diretamente influenciada pelo capital financeiro, há uma paralisia da dinâmica urbana ao mesmo tempo em que se intensifica o caráter icônico do objeto, resultando na espetacularização mercantil. Ou seja, atualmente vivemos em uma sociedade do espetáculo, onde a cópia é mais importante do que o original, onde as construções aparecem como uma avalanche de imagens sem referência, sem informação propriamente dita (ARANTES, 2000. Apud AMORIM, 2009). As pessoas não criam mais vínculo social e emocional com as construções que estão se erguendo em volta delas. As construções surgem como um carimbo pela cidade. É preciso reavaliar a relação entre arquitetura e cidade. Se na cidade formal é essa a situação presenciada, na favela não é diferente, quando se trata da construção de conjuntos habitacional. Durante anos pensou-se que as edificações para uso habitacional de baixa renda deveriam ser sinônimas de quantidade, ignorando quaisquer outras considerações. Como resultado, diversos edifícios de pouca ou nenhuma qualidade estética e funcional foram distribuídos pela cidade, tornando-se comum a falta de identificação das pessoas com seus locais de moradia. É fato que esse cenário começou a mudar com as administrações de Luiza Erundina, como prefeita (1989-1992), e de Elizabete França, como superintendente da Secretaria Municipal de Habitação (2005-2012), quando as práticas 111


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Figura 58, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: conjunto habitacional Singapura, ilustrando a implantação de edifícios residenciais genéricos e impessoais. Fonte: acervo pessoal.

de urbanização de favelas e planejamento de conjuntos habitacionais de qualidade por arquitetos e especialistas se intensificaram e ganharam espaço nas agendas políticas. Porém, ainda sim notamos uma falta de respeito e consideração na produção e implantação de alguns conjuntos habitacionais para população de baixa renda, sem contar na forma como essa população é orientada e organizada nesses conjuntos. Além da supervalorização de determinadas construções na cidade, a consequente desvalorização do território como um todo também é causada pelo cenário de cercamentos espalhados e padronizados. Por questões de “segurança”, a sociedade tenta cada vez mais se excluir e renegar o resto da cidade. Atualmente há falta de sensibilidade na construção de cidades, elas são impessoais. Há uma tendência generalizada em recorrer a muros.

“A violência e o medo combinam-se a processos de mudança social nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social. (...) Em geral, grupos que se sentem ameaçados com a ordem social que toma corpo nessas cidades constroem enclaves fortificados para sua residência, trabalho, lazer e consumo.” (CALDEIRA, 2001, p.9).

Figura 59 - Favela Nova Jaguaré: fachada de uma residência com grades e tapumes como forma de proteção. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

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Figuras 60, página anterior - Favela Nova Jaguaré: fachada da CEI Vila Nova Jaguaré. Fonte: acervo pessoal.

Figuras 61, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: fachada de uma residência, localizada na Rua Guapó. Fonte: acervo pessoal.

E, como consequência dessa insegurança, a “cidade formal” acaba, cada vez mais, negando as favelas e os assentamentos precários, pelo fato de achar que esses fenômenos estão intimamente ligados a segurança, ou falta dela. Como resposta ao preconceito, as favelas acabam se fechando cada vez mais para o resto da cidade. A segregação é acentuada. A proposta seria quebrar essas barreiras criadas entre essas duas realidades e trazer a favela como parte constituinte da cidade e da realidade urbana porque ela é, nada mais e nada menos, uma resposta a todo o contexto histórico e a história de formação e crescimento das cidades em diversas partes do mundo. Buscase trazer as pessoas ao convívio coletivo para que conversem se conheçam, se olhem e se cuidem, como uma sociedade harmoniosa. Observando o conjunto como um todo, percebe-se que ele não se expressa com rigidez nem com composições sem significado. A disposição das tipologias e as consequentes “quebras” no volume foram pensadas para tornar a edificação mais leve e mais aberta para a cidade. Buscou-se criar interação entre o privado, a unidade e o comunitário; entre o conjunto e o entorno; entre o bairro e a metrópole. Trata-se da criação de um conjunto habitacional que não pretende confrontar o entorno, mas mostrar sua importância, dialogando o máximo possível com as regiões vizinhas, através da sua disposição no terreno e conformação dos espaços sólidos e vazios, a partir da criação de sensações e visuais, escolha de materiais, entre outros. Todos esses fatores contribuem para garantir a qualidade da 117


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arquitetura, além de contribuírem com a relação de identidade entre os usuários e o lugar que habitam. Considerando a importância do estabelecimento de relações de identidade e proximidade entre as edificações na cidade e as pessoas que as ocupam, como forma de atenuar as questões de impessoalidade apresentadas, diversas premissas foram consideradas durante a concepção do volume de habitação. Pensando nos apartamentos e na qualidade dos ambientes, foi necessário pensar nas melhores orientações geográficas e soluções de tipologias para as unidades habitacionais, que pudessem atender as diferentes conformações familiares, variando conforme a necessidade. Inicialmente tinham-se duas situações de lâminas distintas: a primeira com unidades habitacionais de ambos os lados e corredor central, baseado na unidade habitacional de Marselha; e a segunda com unidades habitacionais de apenas um lado e corredor de acesso e circulação do outro. A primeira solução teria maior área útil aproveitada, porém exige que a orientação do edifício seja leste e oeste, pensando que todos os apartamentos teriam que receber luz solar direta pelo menos em um dado momento do dia. Além disso, por conta da orientação de acordo com o terreno, sua escolha implicaria em um número menor de tipologias relacionadas. Já a segunda solução, apesar de apresentar corredores em todos os pavimentos, uma área construtiva significativa, permite que todos os apartamentos recebam luz solar direta e que tenham ventilação cruzada durante o dia inteiro, 120

Figura 62, página anterior - Imagem de inserção do projeto no terreno. Fonte: autoria de Murilo Zidan.


seja qual for sua orientação geográfica (dentre as plausíveis) e, um maior número de tipologias. Por conta dos pontos positivos e complementares das duas situações, optou-se por juntá-las em uma mesma edificação: nas extremidades da construção, devido à orientação geográfica (leste-oeste), encontra-se o tipo com corredor central e unidades habitacionais dispostas no perímetro; e no centro da edificação, o tipo com corredor de um lado e unidades habitacionais do outro. Nesse caso, os corredores garantem

Figura 63 - Diagrama partido arquitetônico: concepção do volume habitacional, a partir da orientação geográfica e priorização da incidência solar, buscando maior qualidade de implantação. Sem escala. Fonte: autoria própria.

contato constante com as áreas externas e boa climatização dos apartamentos. A dimensão horizontal do edifício permitiu alcançar uma densidade construída que aparecesse como potencia de convivência e bem estar e não de modo especulativo como comumente acontece. Em busca de uma maior integridade entre as pessoas algumas estratégias foram adotadas: as tipologias 121


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foram pensadas para serem adaptáveis e assim permitirem acessibilidade total a todos os cômodos, garantindo a segurança das distintas faixas etárias, por exemplo; todas as áreas comuns e privadas foram pensadas para permitirem que o edifício todo possa ser vivenciado sem nenhuma segregação ou restrição. A construção do vínculo dos habitantes com seu lugar é parte basal dessa proposta. Para isso, além das unidades habitacionais, os espaços existentes entre elas se tornam igualmente importantes. Eles aparecem como “respiros” que funcionam como

Figura 65 - Diagrama tipologias habitacionais. Sem escala. Fonte: autoria própria.

pequenas comunidades, responsáveis por qualificar a densidade do conjunto em um equilíbrio necessário para o convívio social, o vínculo e, mais uma vez, propiciar a identidade dos usuários com o local de moradia. Neles acontecem cozinhas coletivas, áreas de leitura, sofás, entre outros. Dessa forma, a arquitetura torna-se geradora de cidadania e bem estar. Concomitantemente, em busca também de uma qualidade estética, esses espaços aparecem em diferentes situações, variando a localização e dimensão entre os pavimentos, contribuindo para maior dinâmica na

Figura 64 (página ao lado); 66 e 67 (páginas seguintes) - Plantas pavimentos habitacionais. Escala: 1:1000. Fonte: autoria própria.

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Figuras 68; 69 - Plantas pavimentos habitacionais. Escala: 1:1000. Fonte: autoria prรณpria.

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Figuras 70; 71 - Plantas pavimentos habitacionais. Escala: 1:1000. Fonte: autoria prรณpria.

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fachada, diferentemente da monotonia estética muitas vezes característica dos conjuntos habitacionais, além de criação de diferentes vistas e formas de interação com a cidade. Assim, a habitação se mostra diretamente ligada à estrutura da cidade como um todo legível e indissolúvel. O primeiro, segundo e último pavimento também conta com áreas de uso coletivo para os moradores do conjunto, como brinquedoteca, salão de festas, academia, mirante e espaços de permanência. A cobertura abriga as caixas d’água do reservatório superior.

Figura 72 - Planta pavimento habitacional. Escala: 1:1000. Fonte: autoria própria.

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Figuras 73; 74 - Plantas pavimentos habitacionais. Escala: 1:1000. Fonte: autoria prรณpria.

Figura 75, pรกgina seguinte - Corte BB. Escala 1:500. Fonte: autoria prรณpria.

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CapĂ­tulo VIII Fragmento, Labirinto e Rizoma


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Figura 76, página anteriorIlustração feita a partir da descontrução da imagem favela: apenas as linhas principais foram desenhadas. Também permite uma associação aos conceitos de fragmento, pelas formas diferentes, e labirinto, pelos espaços vazios entre os cheios. Fonte: autoria própria.

Figura 77, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: fachada em madeira de um barraco. Fonte: acervo pessoal.

Os três conceitos que deram o nome a esse subcapítulo, fragmento, labirinto e rizoma, são apresentados por Paola Berenstein em seu livro Estética da Ginga. Esses conceitos foram utilizados pela autora para demonstrar e explicar a estética própria das favelas, buscando entender os processos que as (trans)formam. A autora compreende que favela tem sua própria linguagem, sendo merecedora de um estudo mais aprofundado por constituir uma alteridade urbana, ou seja, possuir uma linguagem diferente do resto da cidade: “os barracos das favelas são compostos de fragmentos; a aglomeração de barracos forma labirintos; estes, por sua vez, se desenvolvem pela cidade como rizomas” (JACQUES, 2001, p. 15). Paola continua exemplificando: “passamos do corpo (físico) à arquitetura, no fragmento; da arquitetura ao urbano, no labirinto; e do urbano ao território, no rizoma” (JACQUES, 2001, p. 16). Os barracos são considerados fragmentos, uma vez que constitui uma peça única construída com materiais heterogêneos, restos e sobras de materiais de construção, que determinam a configuração do espaço. O processo de substituição desses materiais é constante e decorrente do material disponível, do que se é encontrado pelo indivíduo. Já os labirintos seriam os caminhos entre essas construções, que se formam sem projeto ou um pensamento prévio, mas que são sentidos e interpretados como tal apenas por estrangeiros, uma vez que os pertencentes ao território não se perdem no espaço. Todo esse conjunto cresce e se desenvolve na cidade como um rizoma, já que não tem começo, nem meio e nem fim e, como 135


o mato, se desenvolve nos interstícios e nas frestas com características de forte reprodução e sobrevivência mesmo em condições escassas, sendo capaz de ocupar a totalidade dos vazios da cidade deixados pelo mercado imobiliário. Além disso, o conceito de rizoma está associado a não corresponder a um modelo formal ou a um sistema, mas por ser caracterizado por suas conexões e heterogeneidade, onde qualquer ponto pode se conectar com qualquer outro; pela sua multiplicidade, sendo um sistema aberto e voltado para o externo; possuir uma ruptura a-significante, já que se rompido em qualquer lugar, é capaz de se recompor rapidamente, por não se sujeitar a qualquer modelo estrutural ou generativo. Paola Berenstein conceitua o processo de formação das favelas como um processo arquitetônico e urbanístico vernáculo singular, por constituir uma linguagem específica e um modo de construir próprio, que a diferencia do dispositivo projetual tradicional da arquitetura e urbanismo eruditos. As favelas são como espaços informais ou selvagens, com certa identidade espacial, onde “mais do que o próprio espalho, é a temporalidade que marca a diferença” (JACQUES, 2001, p. 15). Dessa forma, acredita que sua poesia ou estética origina justamente desse resultado único e inesperado. 136

Já para Erminia Maricato, essa diferenciação estilística, por assim dizer, está ligada as condições econômicas e sociais desses moradores. Em seu livro O impasse da política urbana no Brasil, a partir de uma análise feita por Sérgio Ferro sobre as unidades habitacionais autoconstruídas, conclui-se que: “(...) não há espaço para a criação, não há espaço para escolhas de materiais, não há condições para inovação construtiva ou formal devido à articulação rígida que se estabelece entre seus componentes: parcos recursos econômicos, mão de obra familiar ou de amigos, materiais de construção existentes e financiados no depósito mais próximo, técnicas conhecidas e testadas (não se pode correr riscos), projeto possível, lote ilegal, determinando sem folgas, o produto resultante (FERRO, 1969)” (MARICATO, 2014, p. 116).

Figura 78, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: solução de vedação adotada em um barraco. Fonte: acervo pessoal.


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Como observado, as favelas, em sua maioria, por serem e se formarem de forma completamente inusitada e diferente do racional e “controlado” crescimento das cidades, aprendido por arquitetos e urbanistas na área academia, devem ser consideradas e analisadas como áreas urbanas criticas, já que constituem uma formação espacial frágil. Assim, não cabe uma comparação com a cidade “formal” nem com aquela idealizada e estetizada, mas sim tratadas e consideradas especificamente, de modo a torná-las mais urbanas e menos criticas, ou seja, torna-las mais próximas do resto da cidade, em termos e ordenação do território (RECAMAN, 2014, p.22). Dessa maneira, devemos lutar pela não negação da favela e interpretá-la como território, linguagem e identidade, assumila e buscar melhorá-la, qualifica-la e aprimorá-la, através de projetos com qualidade, infraestrutura e apoios. Por possuir caráter móvel e de criação coletiva, a participação dos habitantes na construção de seus espaços arquitetônicos e urbanos é de suma importância, sendo papel dos arquitetos e urbanistas, perante essa realidade de território consolidado, organizar os fluxos, suscitar, traduzir e catalisar os desenhos dos habitantes. Como Paola Berenstein, acredito que a arquitetura e o tecido urbano dessas comunidades devam ser reconhecidos como espaço e forma integrantes do resto da cidade, já que as favelas também são parte constituinte da metrópole. Desse modo, pretendo respeitar e preservar o modo de viver da comunidade Nova Jaguaré e todo o processo de territorialização e 138


apropriação desse território, fazendo com que a intervenção urbana proposta agrida o mínimo possível o contexto apresentado.

A maneira como o plano urbano foi elaborado buscou, desde o inicio, considerar a favela como parte constituinte da cidade, com todas as suas características e particularidades. Como apresentado nos capítulos anteriores, todas as estratégias foram adotadas a partir de uma análise inicial do território, na busca de se aproximar o máximo possível de realidade local. Tendo em vista algumas questões apresentadas nesse capítulo, as conexões propostas entre as vielas e as ruas existentes reforçam o caráter rizomático do tecido urbano, já que, quando juntas, formam um emaranhado viário que reforça e se relaciona com toda a forma contínua e ininterrupta da favela. Levando em conta o projeto, as variações tipológicas concebidas enriquecem toda a edificação em nível de textura, proporção e aparência, contribuindo ainda mais para o caráter dinâmico do conjunto, a partir da forma como as pessoas se apropriarão do espaço, seja pelos costumes próprios e familiares, como influenciadas pela variação das unidades. As diferenças tipológicas podem ser associadas ao conceito de fragmentos presentes nas favelas, já que possuem características próprias e diferentes entre si, seja por dimensões ou modo de ocupação, mas que precisam estar juntas – e foram planejadas para interagirem entre si – para formarem um todo, assim como as favelas são ou 139


Figura 79 - Mapa de inserção do projeto. Escala: 1:7500. Fonte: Mapa Digital da Cidade, 2004.

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LEGENDA Passarela proposta Linha 9 esmeralda da CPTM Vielas existentes Conexão entre as vielas existentes Área de remoção (área de risco + áreas com condições insalubres)


como deveria ser. Além disso, todo o conjunto, considerando questões mais amplas, remete ao conceito de rizoma, já que, ao tocar o terreno, busca conectar-se com o entorno de maneira contínua e fluida, sem barreiras, fronteiras e delimitações. Retomando sobre as unidades habitacionais: ao todo sete entre tipos, entre térreas e duplex, contribuem para evitar a reprodução excessiva de módulos idênticos. Buscou-se criar tipologias que preservassem as dimensões e áreas necessárias para o conforto dos seus espaços e, ao mesmo tempo, fossem flexíveis e capazes de se adaptar de acordo com a necessidade de seus moradores, permitindo que cada um se aproprie e tenha a unidade como suporte de uma caracterização doméstica pessoal. Para isso, uma malha clara e eficaz define a estrutura mista de pilares (36x19cm), dispostos em vãos de 6,25 por 5,90, e vigas de concreto armado; lajes armadas pré-fabricadas, com piso a piso de 2,80m de altura; e paredes de alvenaria de 19 cm - para arrematar os pilares - e divisórias em drywall de 10 cm cada, contando passagem de fiação e infraestrutura. Embora variem de acordo com tamanho e conformação, as tipologias se assemelham quanto organização espacial interna: as áreas de permanência ficam dispostas nas fachadas de todo o conjunto e, as áreas de serviços ficam próximas aos corredores, organizadas de acordo com prumadas verticais. Dessa maneira, a arquitetura consegue atingir certa qualidade ambiental interna, já que permite que os ambientes principais, quartos e sala, recebam iluminação 141


RUFO METÁLICO EM CHAPA METÁLICA GALVANIZADA DOBRADA 5mm PLATIBANDA EM ALVENARIA 19cm ARGAMASSA DE REGULARIZAÇÃO E MANTA ASFALTICA i=2% PROTEÇÃO DA INSOLAÇÃO DIRETA

APROVEITAMENTO DE ILUMINAÇÃO NATURAL MÁXIMA

CALHA

ALVENARIA 14X19X29cm COM REVESTIMENTO EM ARGAMASSA MONTANTE ESTRUTURAL DE MADEIRA 80X5X2cm PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO EM RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm JANELA: VIDRO DE CORRER 80x125x0.3cm MOLDURADO POR PERFIL METÁLICO "U" 2X125X1.5cm

MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR FIXO 2XVARIÁVELX3cm MONTANTE ESTRUTURAL DE MADEIRA FIXO 160X10X5cm COM PERFURAÇÕES PARA FIXAÇÃO REGULÁVEL DO PAINÉL JANELA: VIDRO FIXO 80x125x0.3cm MOLDURADO POR PERFIL METÁLICO "U" 2X125X1.5cm

PISO EM CIMENTO QUEIMADO COM TRATAMENTO ANTI-DERRAPANTE E PROTEÇÃO ANTI-FOGO (JUNTAS A 1.2m) RODAPÉ LAJE EM CONCRETO ARMADO REVESTIDO COM ARGAMASSA

Figura 80 - Detalhe 01: fechamento tipologia habitacional. Sem escala. Fonte: autoria própria.

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solar direta em pelo menos uma parte do dia, a partir de uma caixilharia de janelas de correr de vidro, que variam – em comprimento - conforme tamanho da tipologia, mínimo 2,95 e máximo 6.05 x 0,80, apoiadas através de um montante de seção de 2x3 cm a uma faixa de vidro fixo inferior, de mesmo tamanho, que garante ao mesmo tempo a segurança dos moradores e a iluminação da unidade. Há uma segunda pele, mais externa, feita de ripas de madeira que, devido ao sistema de fechamento regulável, permite controle da incidência de luz nesses ambientes pelos moradores. Já no lado do serviço, embora não receba luz direta, as janelas altas em fita, com altura de 50 cm e largura variando de acordo com o tamanho da unidade, garantem que ocorra ventilação cruzada, iluminação indireta e, ao mesmo tempo, certa privacidade aos moradores, por estarem dispostas a 1,70m do piso. Assim, respeitando os limites de aberturas, as janelas são combinadas de modo a proporcionar bom funcionamento de ventilação e iluminação naturais, premissas básicas presentes em toda a concepção projetual.


Somando as unidades distribuídas ao longo dos pavimentos temos um total de 183 unidades habitacionais, totalizando uma densidade populacional de 585,60 moradores em todo o conjunto. TIPOS HABITACIONAIS Tipologia 1 = 29,30 m² Tipologia 2 = 39,10 m² Tipologia 3 = 58,60 m² Tipologia 4 = 68,40 m² Tipologia 5 = 34,40 m² Tipologia 6 = 46,90 m² Tipologia 7 = 56,25 m²

Figura 81 - Plantas unidades habitacionais tipo 01. Escala: 1:200. Fonte: autoria própria.

Figura 82 - Plantas unidades habitacionais tipo 02. Escala: 1:200. Fonte: autoria própria.

Figuras 83; 84, páginas seguintes - Trecho da ampliação de cortes e elevações dos tipos habitacionais 1 e 2. Escala: 1:100. Fonte: autoria própria.

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PLATIBANDA EM ALVENARIA 40XvariávelX19cm LAJE EM CONCRETO H=15cm IMPERMEABILIZADA CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 80x125x0.3cm MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm

PLATIBANDA EM ALVENARIA 40XvariávelX19cm

VIGA EM CONCRETO H=60cm PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm FIXADAS EM MONTANTES DE MADEIRA 80X5X2 MONTANTE ESTRUTURAL FIXO DE MADEIRA 160X10X5cm

ALVENARIA 19x19x39cm VIGA EM CONCRETO H=60cm

LAJE EM CONCRETO H=15cm

VIGA EM CONCRETO H=60cm

CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 80x125x0.3cm

CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 125X80cm

MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm

MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm

CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm

CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm

ALVENARIA 19cmx19x39cm

CAIXILHO DE VIDRO ALTO BASCULANTE 50x125x0.3cm

PEITORIL METÁLICO H=1.10m CHUMBADO NA LAJE PERFIL METÁLICO RETANGULAR 1'X2' PILAR EM CONCRETO APARENTE 19X36cm VIGA EM CONCRETO H=60cm

CAIXILHO DE VIDRO ALTO BASCULANTE 50x125x0.3cm PAREDE DE ALVENARIA 19x19x39cm PEITORIL METÁLICO H=1.10m CHUMBADO NA LAJE PERFIL METÁLICO RETANGULAR 1'X2'

VIGA EM CONCRETO H=60cm PÓRTICO METÁLICO EM CHAPAS METÁLICAS DOBRADAS Variávelx50cmx50cm

144

PAREDE DE ALVENARIA 19cmx19x39cm

PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm FIXADAS EM MONTANTES DE MADEIRA 80X5X2 MONTANTE ESTRUTURAL FIXO DE MADEIRA 160X10X5cm

ALVENARIA 19cmx19x39cm VIGA EM CONCRETO H=60cm

CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 80X125X0.3cm MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm PAREDE DE ALVENARIA 19cmx19x39cm PÓRTICO METÁLICO EM CHAPAS METÁLICAS DOBRADAS Variávelx50cmx50cm


COBERTURA EM CHAPA METÁLICA SOLTADA H=variável PILAR DE CONCRETO COM SEÇÃO CIRCULAR Ø=15cm PEITORIL METÁLICO H=0.80m CHUMBADO NA LAJE PERFIL METÁLICO RETANGULAR 1'X2' BANCO EM CONCRETO 40XvariávelX60cm VIGA EM CONCRETO H=60cm PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm FIXADAS EM MONTANTES DE MADEIRA 80X5X2 MONTANTE ESTRUTURAL FIXO DE MADEIRA 160X10X5cm PLATIBANDA EM ALVENARIA 40XvariávelX19cm VIGA EM CONCRETO H=60cm PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm FIXADAS EM MONTANTES DE MADEIRA 80X5X2 MONTANTE ESTRUTURAL FIXO DE MADEIRA 160X10X5cm

VIGA EM CONCRETO H=60cm

ALVENARIA 19cmx19x39cm

VIGA EM CONCRETO H=60cm

CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 125X80cm MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm

ALVENARIA 19cmx19x39cm

PAINÉL DE MADEIRA DOBRADIÇO RIPAS DE MADEIRA 4X115X2cm FIXADAS EM MONTANTES DE MADEIRA 80X5X2 MONTANTE ESTRUTURAL FIXO DE MADEIRA 160X10X5cm

ALVENARIA 19cmx19x39cm VIGA EM CONCRETO H=60cm

VIGA EM CONCRETO H=60cm CAIXILHO DE VIDRO DE CORRER 80X125X0.3cm MONTANTE ESTRUTURAL METÁLICO RETANGULAR 2XVARIÁVELX3cm CAIXILHO DE VIDRO FIXO 80x125x0.3cm

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Capítulo IX Conclusão


“As cidades têm capacidade de oferecer algo a todos, mas só porque e quando são criadas por todos” (JACOBS, 2014, p. 263). 147


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Figura 85, página ao lado - Imagem do conjunto: térreo 2, acesso pela Rua Guapó. Relação do projeto com o entorno. Fonte: autoria própria.

Um dos enfoques desse trabalho final de graduação foi tratar sobre a importância da diversificação de usos como forma de atrair pessoas e estabelecer relações diferentes entre essas, tornando a favela mais movimentada e dinâmica. Essa tentativa diz respeito à busca por tornar esse conjunto algo realmente aberto e conectado à cidade e, através da circulação de pessoas pelo território, garantir que esse espaço continue fazendo parte da cidade e não se torne algo fechado e restrito com o tempo. O mesmo ocorre para a atual área de risco. Buscou-se, através da proposição de diversos usos, criar um território misto, capaz de atrair pessoas para o local, da mesma maneira que a concentração de pessoas é responsável por atrair a instalação de novos usos e contribuir para a sua permanência. Trata-se de um sistema de duas mãos que está em constante troca. Nos dois casos apresentados, a eficiência desse conceito pode fazer com que ambos os espaços sejam mantidos com o tempo, que consigam ser abertos para a cidade e que seu sucesso impeça tanto seu fechamento, no caso do conjunto, quanto futuras invasões, no caso da área de risco. Porém, tendo em vista o que se constrói hoje em dia e os relatos de pósocupação de alguns conjuntos habitacionais, existe a possibilidade dos moradores do conjunto não quererem que essa interação social ocorra, e isso faça com que a ideia inicial do projeto e sua finalidade sejam modificadas. Para isso, todas as estratégias adotadas nesse trabalho final buscam firmar esse caráter público e convidativo proposto, de forma que, em longo prazo, 149


contribua para a sua “perpetuação”. A ideia é “impedir” que o acontecimento dos muros isole todos os moradores do resto da cidade. Jane Jacobs abre a discussão sobre o que acontece nos conjuntos de renda média nas cidades. Geralmente, há um aumento de hostilidade dos moradores em relação à cidade, com o que tem fora dos muros do conjunto. A grande maioria dos cercamentos nos conjuntos habitacionais aparece como forma de fazer com que os pátios e áreas abertas se tornem áreas condominiais, de uso exclusivo dos moradores. Tal questão pode estar relacionada ao fato de quando os moradores da favela, dos lotes irregulares, mudam para os conjuntos habitacionais, muitas vezes, eles consideram que cresceram na casta social, que subiram de nível socialmente e, automaticamente, isso os faz querem se diferenciar do resto da comunidade. Desse modo, os conjuntos habitacionais precisam acontecer não só para os moradores, mas também para a cidade. Eles devem ser abertos, propondo uma interação, maior movimento e, ao mesmo tempo, gerarem conforto e identidade para os usuários, eles devem se sentir pertencentes e contentes com o local, mas não devem esquecer-se e se excluírem da comunidade. Essa relação precisa ser mantida e exaltada. Além disso, existe o conceito ilusório de que muros trazem segurança, nos mais variados sentidos, quando na verdade trazem apenas uma falsa sensação. Com o passar do tempo, a maneira de viver a cidade acabou mudando, deixando de ser uma relação tranquila de proximidade e vivência, transformando-se em 150


uma relação excludente e individualizada, marcada pela segregação social, afastamento das pessoas umas das outras, sensação de insegurança constante, perda do caráter de vizinhança e comunidade, como o caso da favela. “Perante a intensificação, talvez insustentável, desta vida nervosa e na impossibilidade de encontrar lugares no espaçotempo do território, quem pode vive uma parte do seu dia nesta mobilização universal e, depois, foge para aquelas que os sociólogos americanos chamam gated communities (comunidades fechadas). Fechamo-nos num sítio qualquer, fechamo-nos à noite, assim que os rendimentos o permitem, num lugar-prisão. Quanto mais fisiologicamente in-secura é a vida na cidadeterritório, mais se procura o sinecura impossível da <<morada>>” (CACCIARI, 2010, p. 50).

Como apresentado por Massimo Cacciari, a realidade das cidades pode ser percebida pela presença das chamadas comunidades fechadas, como uma tentativa de proteção e estabelecimento de espaço-território. Por conta da dinâmica urbana pautada na mobilização universal, os condomínios cercados surgem como uma resposta a uma exigência profunda de nossa psique: necessidade de privacidade seja no estilo de vida ou no que diz respeito à concepção e prática do direito. Dessa forma, como podemos exigir da cidade o caráter comunitário, se a mesma cidade é regulada por formas de direito 151


privado? Se isso de fato acontecer, se a implantação de cercas for o cenário da pós-ocupação do conjunto proposto, vale a reflexão sobre alguns pontos: que padrão de cidade é esse? Como podemos “proibir” o fechamento desses conjuntos habitacionais de baixa renda, se a cidade se mostra de outro jeito? Se a “cidade formal” se mostra toda fechada e murada para o restante? Como propor que o conjunto seja aberto se a realidade que nós vivemos é outra? A gente vive a realidade dos muros. Nós vivemos cercados de muros. Até que ponto podemos retirar o direito dos moradores de cercarem suas propriedades? Esse resultado é tão ruim? Claro que o uso e a ocupação do espaço não aconteceriam como o esperado, mas também não podemos ser pretenciosos ao ponto de achar que o que consideramos ideal para nós, sirva para outras pessoas; de nos prender a questões teóricas e filosóficas e esquecer a realidade e como as coisas de fato funcionam. Por que o ideal para nós, arquitetos e urbanistas, também tem que ser o ideal para os outros? Cacciari cita o pensamento de Platão de que a cidade se comporta como uma sinoiquia, ou seja, uma coabitação: “somos pessoas indiferentes umas para as outras, mas que coabitam; regulamos as nossas relações na base do direito privado. Mas sendo assim, quer dizer que nos <<movemos>> no contexto de algo que nos obstinamos a chamar cidade, mas <<moramos>>, habitamos num condomínio” (CACCIARI, 2010, p. 51). 152


Essa dualidade apresentada por Cacciari talvez possa ser explicada pelo fato de que quando há convívio social e o espaço passa a ser dividido com outras pessoas, sejam elas próximas ou não, há uma mudança de comportamento social. Quando saímos do nosso ambiente interno, passamos a dividir o espaço com o outro, a ter que conviver e saber que o outro também possui os mesmo direitos, que também tem seu espaço e direito a ele. Isto é, quando estamos convivendo, exigimos espaços que sejam capazes de abrigar e incentivar o encontro. Já quando não queremos essa interação social, aclamamos por privacidade e individualidade. Trata-se da ambiguidade de exigimos uma cidade mais aberta e para todos, mas quando o assunto é nossa moradia, nosso habitar, a gente acaba preferindo o isolamento, ter o próprio espaço. Acredito que ao mesmo tempo que isso pode ser, de certa maneira, contraditório, também é compreensível, já que a cidade é o elemento que abriga e une diversos outros elementos, sendo o local onde ocorrem as trocas comerciais, de relações e experiências, por exemplo. Assim, de modo a ser aberto para a cidade e para todos, também há o espaço mais individual, mais íntimo: sendo o térreo de caráter público, intimamente ligado com a malha urbana, e o edifício habitacional mais elevado, mais privado. Acredito que cabe a nós arquitetos e urbanistas buscarmos sempre propor o melhor para a cidade e para as pessoas, compreendendo uma totalidade ou pelo menos uma maioria. Mas que é de extrema importância termos a consciência de que a proposta pode ser 153


modificada pela interação humana, sendo esta condizente ou completamente oposta à ideia inicial. E que isso não é ruim, muito pelo contrário, é essa ocupação humana que acaba nos ensinando e nos fazendo evoluir constantemente. Logo, nosso papel é buscar entender e estudar esses fenômenos para possível desenvolvimento intelectual e projetual. Afinal de contas, é essa ocupação humana que traz vida para o projeto, que o torna real. É certo que a forma do edifício não pode sozinha implantar ou incentivar sociabilidades, apenas dar-lhe condições de existir. Mas a reação do arquiteto em procurar dar maior legibilidade aos espaços e maior clareza as relações e práticas cotidianas é de fundamental importância. É função do arquiteto saber que mesmo que haja possibilidades de cercamentos futuros, ainda sim deve-se criar e manter as ideias de espaços públicos e abertos para a cidade e para as pessoas. Deve-se propor um espaço democrático e apropriável, ao mesmo tempo que se permite liberdade de apropriação.

Figura 86 - Favela Nova Jaguaré: moradores lavando o carro na Rua Barão de Antonina. Fonte: acervo pessoal.

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Sobre o espaço público proposto para ocupar a atual área de risco, como solução adotada contra a autodestruição dessa diversidade e a possível reocupação da área por novos moradores, buscou-se relacionar diferentes tipos de usos, como usos âncoras, intermediários e temporários. Uma área fica suscetível à autodestruição quando uma combinação diversificada de usos em determinado local da cidade torna-se tão atraente e próspera que se desenvolve uma concorrência acirrada por espaço nesse lugar. Por isso é de extrema importância considerar que a implantação dessa variedade de usos seja complementar, atendendo as diversas escalas, sendo elas: local, de bairro e de cidade, buscando evitar a multiplicação e dominação de determinado tipo sobre os demais, e consequente abandono e degradação do local. É válido ressaltar que a proposição desse parque urbano não necessariamente vai resolver o problema em questão. Pode ser que, depois de um tempo, as pessoas deixem de utilizálo por diferentes razões e ele fique sujeito a futuras invasões. Mas também cabe destaque à intenção projetual de evitar que isso ocorra, combinando uma gama de usos que sejam capazes de atrair os mais variados públicos em horários complementares e que, quando juntos, funcionem em rede. O foco é sustentar a visão de uma sociedade aberta, na qual todas as pessoas possam movimentar-se lado a lado, no mesmo espaço, independente de questões socioeconômicas.

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Essas palavras fazem parte do partido adotado em todo o trabalho apresentado, tanto sobre o conjunto, quanto o plano urbano. A relação de importância é dada de acordo com o tamanho que a palavra aparece no diagrama, sendo as maiores tidas como essenciais em relação às menores, não menos importantes, apenas menos reforçadas. Figura 87 - Diagrama palavras chaves. Fonte: autoria própria.

É possível notar que nesse trabalho buscouse trabalhar toda a trama urbana, o terreno e o entorno de forma conjunta e harmônica, considerando unir os diversos “retalhos urbanos”, a partir da proposta de conexão da malha viária, como também em reintegrar as fronteiras urbanas existentes, trabalhando a criação de vínculos entre o terreno, a favela e a cidade. As relações propostas extrapolam os limites do projeto, já que é de fundamental importância aproximar o local de intervenção ao que está à sua volta, assim como conectar o externo, ruas, calçadas e vida urbana, aos elementos fixos e atividades que acontecem dentro do lote. De certa maneira, há uma linha divisória que marca a separação entre os usos e os espaços públicos e privados, porém ela não funciona como uma barreira, já que é possível mover-se e ver através dela. Tratase apenas de uma demarcação hipotética. 156


LEGENDA Passarela proposta Linha 9 esmeralda da CPTM Vielas existentes Conexão entre as vielas existentes

Figura 88 - Implantação do projeto, relação que esse estabelece com o entorno. Escala: 1:7500. Fonte: autoria própria.

A escala do pedestre foi tratada como protagonista na intenção de contrapor toda a monotonia e paisagem indiferente da cidade, como consequência de um crescimento acelerado e sem planejamento. Nos pavimentos públicos do conjunto, pretendeu-se formar espaços mais íntimos e acessíveis, onde as pessoas queiram estar e permanecer. A forma como o volume habitacional foi criado, a partir de questões geográficas e de conforto ambiental, fez com que ele abraçasse o interior do terreno, o miolo de quadra. Isso possibilitou uma outra forma de interação entre os moradores e todo o conjunto, já que pela solução de fachada dada aos espaços de permanência, torna-se possível o contato de dentro dos apartamentos com os espaços públicos. Até os quatro primeiros pavimentos ainda é possível contato direto dos moradores com a rua e o térreo, permitindo que adultos consigam vigiar as crianças, ao mesmo tempo em que controlam o que acontece do lado de fora. Esse fator também pode contribuir para manter o terreno aberto ao público. As outras estratégias adotadas para a concepção do conjunto habitacional buscam fazer com que seus moradores nele permaneçam por livre escolha. Na busca pelo estabelecimento da relação de identidade dos moradores com o espaço que habitam, a integração com a estrutura urbana foi considerada fundamental. Isso se torna possível quando a cidade passa a ser reconhecida a ponto de interferir nas questões projetuais, como a relação estabelecida entre moradia e espaços públicos vivos, a inter-relação 157


de usos com as pessoas de dentro e de fora conjunto. A solução projetual pode ser considerada, de certa forma, uma resposta à mesmice da cidade, já que há uma preocupação em dar identidade ao conjunto e fazer com que esse reconheça e dialogue com o território. Talvez seja uma alternativa a criação de elementos carregados de significados, como forma de confrontar a perda de sentido das metrópoles contemporâneas. Ou seja, a criação de um edifício ou um lugar, que seja carregado de memória coletiva significativa, que seja capaz de, a partir da sua existência, estabelecer uma forma de identificação, de conexão dos cidadãos com a cidade. Porém, deve-se tomar cuidado para a edificação não se tornar algo imposto e superficial, não criar identidades postiças, já que para serem carregados de sentido e significados, esses edifícios tem que existir e se relacionar com as pessoas dessa forma. A edificação é apenas uma proposta, que passa a virar monumento e contribuir para um fato urbano, para um significado maior, quando a partir da interação, as pessoas passam a lembrar de coisas, criar identidade com o local e assim significá-lo. Vale ressaltar que o objeto proposto tem a intenção de “confrontar” a realidade estática da nossa cidade, mas que ele não tem a intenção de impor algo, de estabelecer relações vazias e sem sentido com o território. Todas as estratégias propostas visam interagir com os moradores e usuários de forma instintiva e natural. Mas é sabido que isso só torna-se possível com o tempo, com a forma como o projeto será recebido e apropriado. 158


“A cidade viva tenta se contrapor à propensão das pessoas para se retirarem nos condomínios fechados e promover a ideia de uma cidade acessível, atraente para todos os grupos da sociedade. (...) onde as pessoas encontram diversidade social e compreendam mais o outro (...). A cidade deve ser inclusiva, com espaço para todos” (GEHL, 2010, p. 109).

Em relação às unidades tipológicas, de maneira geral, diversas questões ligadas às estruturas familiares foram consideradas e pensadas para garantir a qualidade da arquitetura em todos os seus aspectos, principalmente naqueles responsáveis pela identidade entre os moradores e o lugar que habitam. Assim, a variação das tipologias no conjunto habitacional torna-se então essencial e justificável quando acreditamos ser necessária a diversificação da população em um mesmo local. Dessa forma, garantem-se diversas possibilidades de adaptação de acordo com o tipo de família, tipo de pessoas e tipo de renda.

Figura 89 - Favela Nova Jaguaré: vista de dentro do terreno de estudo, olhando sentido Rua Barão de Antonina. Fonte: acervo pessoal.

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Com relação às perguntas feitas no inicio desse trabalho, acredito que a grande maioria não tenha respostas ou que eu não consiga responder, pelo menos por enquanto. O que eu sei é que o levantamento de todos esses questionamentos foi de extrema importância para a concepção do meu pensamento crítico, e consequentemente do projeto apresentado. Não acho que haja uma resposta pronta sobre como é possível integrar o território excluído da favela ao resto da metrópole, por exemplo. Mas acredito que exista a possibilidade de buscar soluções para esse problema. E mais do que isso, acredito que questões como essas não são fáceis de responder ou não são passíveis de resposta pela arquitetura porque englobam assuntos muito maiores, problemas que fogem da escala arquitetônica, que tomam proporções sociais, econômicas e históricas. Creio que a ênfase dada ao espaço público e às relações sociais em todas as escalas tratadas visou permitir o acesso à cidade e a possibilidade de uma integração entre esses diferentes cenários. Novamente, não acho que a proposta em si seja capaz de mudar algo concreto na realidade, mas a intenção dela tenta mudar pequenas situações e pensamentos corriqueiros dos moradores. Acho válida a tentativa de criar um projeto que, ao mesmo tempo em que seja um objeto, também seja urbano, que lute por tentar romper as barreiras preestabelecidas, propondo discussões e questionamentos. Quanto à escala menor, ao fim desse trabalho tenho a consciência de que quando se projeta habitação para uma família ou, como no 160

Figura 90 - Favela Nova Jaguaré: fachada de uma residência na Rua Guapó. Fonte: acervo pessoal.

Figura 91, página ao lado - Favela Nova Jaguaré: escadaria em madeira, que serve de acesso ao pavimento superior de uma residência na Avenida Engenheiro Bilings. Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.


caso, para várias famílias é impossível não interferir no jeito de morar das pessoas. Por mais que diversas questões sejam consideradas, que os costumes e a formação familiar sejam respeitados, nós arquitetos acabamos interferindo sim na vida do outro, ainda mais quando se tratam de centenas de famílias diferentes, quando a dimensão do projeto não permite uma aproximação tão intima quanto desejada. Mas acredito que a variedade de tipologias apresentadas e o cuidado em organizálas de modo a criar ambientes mais ou menos íntimos, individuais ou coletivos, consigam se aproximar de uma grande maioria pelo menos. Uma questão muito discutida, que

faz parte do pensamento de grande maioria dos cidadãos de alta renda da cidade, é de que as favelas são um problema das grandes cidades que necessita de mecanismos de combate. Acredito que, como tratado por Paola Bereinstein, esses espaços da cidade, as favelas em questão, devem ser tratadas como partes constituintes da mesma, como ambientes de cenários diferentes, que crescem e se desenvolvem de forma diferente, onde acontecem relações sociais e econômicas diferentes, mas como em qualquer outra parte da cidade. Sendo favela ou não, todos os bairros da cidade se comportam de maneira diferente, seja por meio da estética, das relações entre pessoas,

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das relações econômicas. As favelas são sim parte da cidade. Elas contribuem para seu funcionamento e devem sim ser consideradas. São ambientes que precisam ser melhorados, mas porque sempre foram combatidos e excluídos. Torna-se vazio o pensamento de que as favelas precisam ser combatidas, quando na verdade elas precisam de subsídios, apoio e infraestrutura para continuarem funcionando com condições mínimas de vivência. O fato de considerar a favela algo pertencente à realidade das cidades, como algo importante e fundamental para o contexto urbano possibilitou trabalhar de maneira respeitosa com todo o território. O projeto se recusa a negar a favela, mas integrá-la ao resto da cidade, a partir de interações e qualidade de vida. Desse modo, busca-se abolir a ideia de que na favela, principalmente, deve ser aplicada a política de “arrasa quarteirões” e que novas edificações devem ser construídas do zero. Essa relação estabelecida entre o novo e o existente é de extrema importância, pois, além de contribuir e manter o processo de formação da favela, também permite a possibilidade de consolidação de usos e imóveis para diferentes pessoas dos mais variados propósitos, idades e rendas. Colabora para a quebra de uniformidade do entorno, demarcado pelos sobrados, e da cidade, caracterizada pelos prédios parecidos e murados. O edifício proposto estabelece uma relação de proximidade e ligação com o entorno, mesmo com a diferença de idade, de materiais e de estética entre as edificações.

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A partir de uma análise geral da região de intervenção, somada as discussões feitas ao longo desse trabalho, surgem mais algumas perguntas: Por que a cidade não se desenvolve como um todo? Por que não existe uma busca pelo sistema de complementação e funcionamento em rede? Há uma grande discrepância entre os cenários das regiões na cidade e, no caso da favela Nova Jaguaré, como vimos, há grande diferença entre setores de uma mesma região (Marginal Pinheiros), que pode ser ilustrado pela passagem de Erminia Maricato: “O espaço privilegiado do mercado imobiliário, para as próximas uma ou duas décadas, na cidade de São Paulo, é o entorno do Rio Pinheiros, onde se concentram pesados investimentos públicos e privados. Ai se concentram também as sedes das grandes multinacionais ou empresas nacionais como é o caso da mega-sede da Rede Globo de Comunicação” (MARICATO, 2012, p. 159).

Se a região próxima ao Rio Pinheiros é palco de diversos investimentos por ser uma área de grande giro de capital, como afirma Erminia Maricato, por que essas ações não condizem com a realidade como um todo? O que faz os investimentos se concentrarem exatamente em uma porção desse território, sendo essa exclusiva e restrita, excluindo todo o entorno restante? Nota-se o contraste significativo entre as áreas da Berrini e Nações Unidas com a situação das favelas e do entorno imediato, por exemplo. É sabido que onde há maior giro de capital, maior é a oportunidade de empregos. Talvez seja por 163


isso – mas não somente - que as diversas favelas presentes na região continuem crescendo e aumentando de tamanho: proximidade entre moradia e trabalho. Ao analisar esse cenário fica claro que os investimentos públicos e privados seguem as lógicas do mercado de alto padrão, acontecem em áreas pouco ocupadas, enquanto as carências básicas de grande parte da população continuam desmerecedoras de atenção. Isso está intimamente ligado à descontinuidade política e dos planos urbanísticos? Ao fato do pensamento brasileiro se apoiar em soluções rápidas e imediatas, ao invés de desenvolver projetos pensando a longo prazo? A lei realmente é para todos ou se aplica de acordo com as circunstâncias, numa sociedade marcada por relações de favor e privilégios? Por que os investimentos não obedecem a um plano urbanístico holístico previamente discutido e formulado? Diante de toda a dimensão da “não cidade” apresentada, outros questionamentos aparecem: Como e por que a sociedade não tem consciência dessa situação? Como algo tão visível permanece quase invisível? Como é que as dimensões desse cenário podem ser tão ignorados pelo Estado, sociedade e academias que insistem numa representação que não corresponde à cidade real? Por que as universidades, por exemplo, não dão a devida importância a essa realidade e acabam contribuindo para seu esquecimento? Por que é tão comum urbanistas ignorarem frequentemente essa “outra cidade”? Qual será o cenário da nossa cidade nas próximas 164


décadas? Vale o questionamento sobre a forma como nossas cidades estão caminhando, sobre o pensamento que a sociedade tem sobre a própria cidade, e sobre a maneira que a gente lida com as propostas implantadas, de simplesmente aceitar as condições e o cenário da nossa cidade. Será que não cabe a nós uma mudança antes de exigirmos uma mudança das políticas públicas? Afinal, a cidade não seria o reflexo do que nós cidadãos exigimos, acreditamos e aceitamos? É certo que o investimento privado molda as cidades, mas são as ideias sociais e as leis as responsáveis por moldarem o investimento privado. A produção do sistema urbano é secundário, parte do molde e planejamento da imagem que queremos. Ou seja, quando de fato quisermos e acharmos que o ideal é uma cidade viva e diversificada, passaremos a ajustar a “máquina financeira” para alcançarmos isso (JACOBS, 2014). A realidade não é nada menos que reflexo do que pensamos ser desejável e da ignorância a respeito do funcionamento das cidades. Onde o capital é usado – ou recusado – é o que define de fato o cenário urbano. “Nós nos transformamos em prisioneiros de nossas táticas, e é muito raro enxergarmos estratégias por trás delas” (JACOBS, 2014, p. 357).

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Figura 92 - Favela Nova Jaguaré: crianças caminhando na Avenida Engenheiro Bilings . Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital. Figura 93, página seguinte - Favela Nova Jaguaré: crianças caminhando na Avenida Engenheiro Bilings . Fonte: ensaio fotográfico de Fernanda Vital.

Para reverter o rumo do crescimento das cidades, é preciso reverter os rumos das relações sociais existentes e preestabelecidas, já que a produção e a apropriação do espaço urbano refletem, reafirmam e reproduzem as desigualdades e contradições sociais. É preciso reconhecer que o ambiente construído não existe independentemente das relações sociais, por isso ele cumpre certo papel social ativo, de reflexo e reprodutor de conflitos sociais. Não acho que seja o caso resolver algo que possa mudar essa realidade. Longe disso. Tenho a clara noção de que, pelo fato dessa realidade brasileira ser tão enraizada no passado e assim consolidada, para que ela de fato mude, a cidade e a sociedade precisarão passar por um longo processo de transformação de pensamento e costumes. Mas sei que é necessário começar, e por que não tentar fazer isso acontecer?

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“Na arquitetura (...) é a riqueza da diversidade humana que dá vitalidade e colorido ao meio humano” (JACOBS, 2014, p. 252). 169


Capítulo X Referências


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ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O Lugar da Arquitetura depois dos Modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 3ª ed., 2000. BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil: Arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. 5. Ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. CACCIARI, Massimo. A cidade. São Paulo, GG BR – Gustavo Gil, 1ª ed., 2010. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio - Cidade de muros. Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo/ Teresa Pires do rio Caldeira; tradução de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro - São Paulo: Ed. 34; Edusp, 2000. CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. São Paulo, Livraria Martins Fontes, 2006. FREIRE, Luis Mauro. Encostas e favelas: deficiências, conflitos e potencialidades no espaço urbano da favela Nova Jaguaré. Dissertação de Mestrado FAU-USP. São Paulo, USP, Setembro de 2006. GEHL, Jan, 1996. Cidade para pessoas/ Jan Ghel; tradução Anita Di Marco. São Paulo, Perspectiva, 2ª ed., 2013. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 3ª triagem, 2014. JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro, Editora Casa da Palavra/ RIOARTE, 2001.

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MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: Planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: Desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. P. 121-192. MARICATO, Erminia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis, RJ: Editora vozes, 3ª ed., 2014. PALA, Thais F. Favela Nova Jaguaré: Intervenções de políticas públicas de 1989 a 2011. Tese (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. PISANI, Maria Augusta Justi. Indústria e favela no Jaguaré: o palimpsesto das políticas públicas de habitação social. Arquitextos, ano 11, dez 2011. Disponível em:http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/11.131/3838 Acesso em: 31/08/2014. RECAMÁN, Luiz. Arquitetura em tempos difíceis. In: RUBANO, Lizete (Org.). O terceiro território: habitação coletiva e cidade. São Paulo, Arquiteto Héctor Vigliecca e Associados, 2014, p. 13-26. TRENTO, Márcia. Estudo dos projetos e intervenções de urbanização na Favela Nova Jaguaré. Relatório de Iniciação Científica CNPq. São Paulo, Agosto de 2011. VIGLIECCA, Hector. A ilusão da ordem. In: RUBANO, Lizete (Org.). O terceiro território: habitação coletiva e cidade. São Paulo, Arquiteto Héctor Vigliecca e Associados, 2014, p. 41-42. ZUQUIM, Maria de Lourdes. Intervenções contemporâneas em cidades da América do Sul: estudo das transformações territoriais em assentamentos precários. São Paulo/Brasil – Medellín/Colombia. Dissertação – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

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Gabriela Meyer Torres


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