Dados à mesa: visualização de sistemas alimentares no território

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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Dados à mesa visualização de sistemas alimentares no território Trabalho Final de Graduação Gabriela Momberg Araújo Orientador: Prof. Dr. Leandro Velloso

São Paulo, fevereiro de 2021


agradecimentos


a tod a s a s pe s s o a s q u e in s pir a r a m e s te tr a b a l h o, q u e n ã o te r i a a c o nte cid o s e m a m oti va ç ã o s u s te nt a d a pe l os exe m p l os c o m os q u a is ti ve opo r tu nid a d e d e tr a b a l h a r, c o nv i ve r e tr oc a r s a b e r e s; à m i n h a f a m í l i a , p o r tod o o a p oio d e s e m p r e e po r m e a c o m p a n h a r n o e ntu s i a s m o d e s s a jo r n a d a , d e s d e a s p l a nil h a s a té a s c os tu r a s; a tod a s a s a m iz a d e s p r e cios a s q u e m e m a nté m otim is t a d u r a nte e s s a v i r tu a l id a d e p a n d ê m ic a; a o Le a n d r o Ve l l os o, pe l a o r ie nt a ç ã o s e m p r e m u ito c o n s tr u ti va; à D a nie l a H a n n s , pe l o a c o m p a n h a m e nto n o in í cio d e s te tr a b a l h o; à L u ci a F i l g u e ir a s e à S a r a G o l d c h m it, po r te r e m a c eit a d o c o m po r e s s a b a n c a; à s pe s s o a s in c r í ve is q u e p u d e e ntr ev is t a r: Ja n a í n a , A n n a , Cr is tin a , D o m i n g os , D a n ie l a , M a r i a L ú ci a , Beto; à s /a os a m ig a /os d o L ig u e os Po ntos , po r n ã o d e s is tir e m d e f a ze r u m a cid a d e m a is s u s te nt áve l e j u s t a , a o Ric a r d o, po r tod o o a p oio c o m a s té c nic a s d e s e r ig r a f i a; a tod a s a s pe s s o a s q u e m e e s te n d e r a m a m ã o d u r a nte e s s e pe r c u r s o


sumário

DADOS À MESA

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1. apresentação

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2. revisão exploratória

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3. modelagem

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4. imersão

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5. ideação

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6. projeto

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7. produção gráfica

101

8. produtos e discussão

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9. considerações finais

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10. referências

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apresentação


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apresentação

D a d os à m e s a é u m p rojeto d e D e s i g n d a I nfo r m a ç ã o q u e b u s c a fo r m a s d e re p re s e nt a r a c id a d e c o m o a m bie nte a l i m e nt a r, c o n s id e r a n d o a c o m p l ex id a d e d a s re l a ç õ e s e nvo l v id a s . É d e s ti n a d o a o p ú b l ic o q u e o r g a n i z a , p ro d u z o u s i m p l e s m e nte u s u fr u i d a a l i m e nt a ç ã o n o m u n ic í pio d e S ã o P a u l o, c o m u m pe rc u r s o d e p roje to q u e e nvo l ve a a n á l i s e ex p l o r ató r i a d e i n d ic a d o re s , a i m e r s ã o n o u n ive r s o d o u s u á r io e p roc e s s os c r i ativos d e ex pe r i m e nt a ç ã o v i s u a l . U ti l i z a n d o c o m o m ate r i a l u m c o n j u nto d e d a d os a be r tos , re a l i z a - s e o e s fo rç o d e f a ze r e m e r g i r, n a tr a m a d e p a n os d e p r a to e g u a rd a n a p os , u m a ex pe r iê n c i a s e n s o r i a l a c e rc a d a e s p a c i a l id a d e d a s p r átic a s a l i m e nt a re s . B u s c a - s e, a p a r ti r d e n a r r ati va s v i s u a i s , e s ti m u l a r a refl exã o s o b re a s o r i g e n s , os i m p a c tos e os c o ntr a s te s q u e o s i s te m a a l i m e nt a r i m p r i m e a o te r r itó r io. Ne s te tr a b a l h o, a V i s u a l i z a ç ã o d e D a d os é ex p l o r a d a e m d ive r s a s a b o rd a g e n s: a o m e s m o te m po q u e c o n s titu i u m m ate r i a l d e e s tu d o p a r a m o d e l a g e m , é u ti l i z a d a c o m o m e io d e ex p re s s ã o d e c o n c e itos n o p roc e s s o c r i ativo e, po r fi m , c o n s o l id a - s e c o m o u m a l i n g u a g e m d e c o m u n ic a ç ã o n o p ro d u to fi n a l . A s m eto d o l o g i a s d e D e s i g n Re s e a rc h a d ot a d a s , po r s u a ve z , c o ntr i b u e m fu n d a m e n t a l m e nte p a r a a re a l i z a ç ã o d o tr a b a l h o d e tr a d u z i r d a d os p a r a o c o ntex to d o u s u á r io. O re s u l t a d o é u m c o n j u nto d e o bjetos pe r te n c e nte s a o c otid i a n o d a s p r átic a s a l i m e nt a re s , q u e po r m e io d e s u a s u pe r fí c ie, e s t a m p a d a po r v i s u a l i z a ç õ e s g r á fic a s e c a r to g r á fic a s , p ro m ove u m a p e r s p e c tiva p a r a a l é m d a m e s a .

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DADOS À MESA

A fim de relatar o percurso de pesquisa e de prática que se complementaram no desenvolvimento deste projeto, o presente documento foi estruturado por capítulos que representam frentes de trabalho. A metodologia adotada se define melhor a partir de frentes do que de etapas, pois em vários momentos as atividades ocorreram de forma interdependente. Dentro desse movimento, porém, houve sempre uma lógica comum: as pesquisas fundamentaram a criação, e a experimentação resultou em projeto. Representando essa metodologia, os próximos capítulos se distribuem da seguinte forma:

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apresentação

2. Revisão exploratória: uma leitura sobre a importância da visualização de dados diante da complexidade do sistema alimentar; 3. Modelagem: a análise exploratória de dados que constituiu um método de estudo preliminar; 4. Imersão: experiência com métodos do Design Centrado no Humano; 5. Ideação: um processo criativo baseado no desenho à mão; 6. Projeto: especificação do sistema de visualização 7. Produção gráfica: experimentação de materiais e técnicas de representação, e prototipação dos produtos finais; 8. Produtos e discussão, em que se apresenta a visão geral dos produtos finais acompanhada de uma reflexão sobre esses resultados 9. Considerações finais; 10. Referências: bibliografia e dados utilizados.

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revisão exploratória


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revisão exploratória

Cidades, comunidades e circuitos permeados por dados Diante de uma reflexão sobre formas de representação das dinâmicas do espaço urbano, considera-se o design da informação como campo fundamental para a construção e o compartilhamento de conhecimentos. A visualização de informação compreende o trabalho com imagens, palavras, números e arte, podendo gerar uma diversidade de produtos, entre tabelas, diagramas, gráficos, manuais, mapas (TUFTE, 1990). O encontro entre a prática do design da informação e o tema do sistema alimentar constitui um precioso campo de investigação, com um espectro de relações que possibilita diversas interpretações do território. Entende-se por sistema alimentar toda uma configuração de atividades de produção, transformação, distribuição e consumo, com efeitos - positivos ou negativos - sobre o ambiente e os seres vivos, a depender de como a cadeia é estruturada e de quais são as relações entre os envolvidos. Nota-se que, comumente, os elos dessa complexa cadeia são percebidos separadamente, quando deveriam ser reconhecidos como interdependentes e responsabilizados pelas externalidades que geram. (INSTITUTO KAIRÓS, 2016. p. 71)

Com essa problemática em mente, busca-se por meio da revisão bibliográfica, de fontes, e de indicadores, uma visão articulada desses elos e das formas pelas quais estes se manifestam em nossas cidades, comunidades e circuitos. 19


DADOS À MESA

Uma das motivações que deu início a este projeto foi a de valorizar o papel da representação de dados de interesse público. Partindo do princípio de que grande parte da produção em visualização da informação é apoiada em dados, pode-se dizer que esse campo tem evoluído exponencialmente nos últimos anos, como consequência da revolução tecnológica. Entretanto, grande parte de sua expressão no dia-a-dia do cidadão parece estar vinculada à iniciativa privada.

Visualização para articulação do debate coletivo O interesse pelo trabalho com visualização de dados sobre o tema do sistema alimentar foi impulsionado pela experiência em um projeto de inovação para a sustentabilidade dentro da Prefeitura de São Paulo. A constatação de que há diversos agentes trabalhando para realizar mapeamentos inéditos, articular políticas e fomentar iniciativas de desenvolvimento local coexiste com a percepção de que a própria estrutura dos projetos, por vezes, não favorece a dedicação de tempo e recursos para a apresentação desse conhecimento à sociedade civil. Como designer, é fácil notar que dentre as etapas de coleta, análise, processamento, disponibilização e apresentação de dados, essa última é pouco explorada, em comparação à sistematização com que se realizam as demais. Há que se reconhecer, em meio a isso, a disponibilização de dados abertos por parte da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo como um exemplo a ser perseguido por demais órgãos municipais, estaduais e federais. Analisando com esse olhar outras estruturas governamentais, surgiram algumas reflexões. O design gráfico tem seu exercício como profissão democratizado no mercado a partir dos anos oitenta, com a popularização das tecnologias digitais (CARDOSO, 2008), mas parece ser absorvido mais lentamente no setor público. Uma demonstração disso é a infinidade de dados que não se apresentam de forma clara ao usuário leigo. Essa leitura parte do pressuposto de que, para tornar uma informação pública, não basta a disponibilização em bases de microdados para download nos recônditos das páginas 20


revisão exploratória

institucionais. Fica claro, assim, que o problema passa por uma questão de visualização da informação. Além disso, da mesma forma que políticas públicas podem sofrer desmonte de uma gestão para outra, a transmissão da informação vinculada às mesmas acaba prejudicada por essas descontinuidades, ainda mais quando não se tem uma metodologia de design internalizada. A visualização de dados contribui, nesse sentido, para a construção coletiva do conhecimento. Ao representar visualmente uma questão, esta abandona a condição de fato intangível para tornar-se mais transparente, no sentido de poder ser visualizada em diferentes perspectivas (J. Schoffelen et al., 2015). É oportuno trazer à memória a produção de material gráfico durante a gestão municipal de 2012 a 2016 em São Paulo, quando o Plano Diretor Estratégico atual foi elaborado. Ao que parece, o emprego de recursos humanos e financeiros em design foi um diferencial em relação a outros períodos. Esse investimento certamente contribuiu para a ampliação do debate público acerca da construção de diretrizes de planejamento urbano, facilitando a transmissão de conceitos técnicos aos cidadãos paulistanos. Vale mencionar ainda, o movimento de iniciativas da sociedade civil que visa tornar os dados abertos mais acessíveis. É o caso de projetos como o Transparência Hacker, uma comunidade iniciada em 2009, na qual programadores, jornalistas, designers, gestores públicos, entre outros, buscam utilizar a tecnologia para promover a participação política (HANNS, 2015). Uma recente experiência pessoal nesse sentido é o projeto do Monitor de Ações e Vulnerabilidade de São Paulo (MAVSP), portal idealizado pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da cidade de São Paulo (COMUSAN-SP) para fazer frente à crise da COVID-19. Coletando dados a partir de um formulário de escuta popular, foram mapeadas mais de cem localidades em que associações comunitárias manifestaram a necessidade de auxílio alimentar. Como forma de contextualizar o levantamento, o mapa exibe dados sobre a vulnerabilidade social, estruturas atuais de abastecimento e outras camadas relacionadas às ações praticadas durante a crise.

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DADOS À MESA

Protagonismo dos dados na contemporaneidade Enquanto tudo isso ocorre, corporações transnacionais que dominam a dinâmica do capitalismo tecnológico constroem um império baseado em dados, superando o Estado na falsa promessa de que resolverão problemas de natureza política e social. Evgeny Morozov descreve uma situação que exemplifica a assimetria de poder no uso e apropriação dos dados: [...] o conto de fadas do empoderamento, difundido pelo Vale do Silício, não passa disso: um conto de fadas. Ele oculta o fato de que a informação dita gratuita e disponível no Google não é igualmente útil para um universitário desempregado ou para um fundo de hedge dissimulado com acesso a tecnologias avançadas que transformam dados em informações financeiras lucrativas. (MOROZOV, 2018. p. 50)

A dinâmica econômica que se sustenta a partir da monopolização de dados da população é a mesma que estabelece práticas alienantes em relação aos mesmos. A utilização de dados em favor da reprodução do capital é refletida inclusive em suas formas de representação. Em termos de design da informação, o que marca o cotidiano do consumidor médio atual são visualizações em escala individual, destituídas de contexto, mas que trazem consigo uma exaltação às ferramentas consumidas. Em outro plano, tem-se visualizações estatísticas monumentais que também podem ser destituídas da dimensão humana, dependendo de como são apresentadas. Giorgia Lupi, designer com formação em arquitetura e urbanismo, de cujo trabalho é uma das maiores referências para esse projeto, defende uma abordagem mais humana na

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visualização de dados. Em uma de suas palestras, faz uma comparação entre diferentes períodos históricos para questionar a cultura de dados predominante nos últimos anos: O que perdemos, ao observar essas histórias somente através de modelos e algoritmos, é o que chamo de humanismo de dados. No humanismo renascentista, intelectuais europeus colocaram a natureza humana, ao invés de Deus, no centro de sua perspectiva sobre o mundo. Acredito que algo similar precisa acontecer com o universo dos dados. Hoje, dados são aparentemente tratados como um deus, detentor de verdades infalíveis sobre nosso presente e nosso futuro. [...] Nós precisamos começar a traçar caminhos para incluir empatia, imperfeição e qualidades humanas na maneira como coletamos, processamos, analisamos e os apresentamos. (LUPI, 2017, tradução livre¹)

1 “What we’ve missed, looking at these stories only through models and algorithms is what I call data humanism. In the renaissance humanism, European intellectuals placed the human nature, instead of God, at the center of their view of the world. I believe something similar needs to happen with the universe of data. Now, data are apparently treated like a god, keeper of infallible truth for our present and our future. […] We need to start designing ways to include empathy, imperfection and human qualities in how we collect, process, analyze and display them.”

Se o que vivenciamos hoje é resultado da proliferação de tecnologias com uma velocidade maior do que as estruturas sociopolíticas poderiam acompanhar, essa mesma conjuntura oferece ferramentas para reflexão crítica, em direção a práticas que promovam a consideração da vida em comunidade. Nesse sentido, o presente trabalho busca inserir-se em um movimento de uso e disseminação de dados por parte da sociedade civil, para sua própria emancipação.

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DADOS À MESA

Desenvolvimento Sustentável Em uma perspectiva geral, existem pactos e correntes de pensamento que fazem frente à degradação social, política, ambiental e urbana instaurada pelo modelo de desenvolvimento neoliberal. Considerando que diversas questões de sustentabilidade se relacionam aos sistemas alimentares, é importante destacar algumas agendas que tratam diretamente dessa relação. Em diferentes escalas (global, nacional e municipal) há documentos e iniciativas que são referências para o presente projeto. A nível global, países membros da Organização das Nações Unidas pactuaram, em 2015, dezessete “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”². Entre eles, identificamos quatro diretrizes que interagem fundamentalmente com a alimentação Destaca-se, a seguir, alguns aspectos contemplados que são de interesse para este projeto: Objetivo 2: Fome zero e agricultura sustentável Aspectos contemplados: Erradicação da fome; acesso a segurança alimentar, com atenção às pessoas em situação vulnerável; aumento da produtividade e renda da agricultura familiar; acesso seguro e igualitário à terra e a serviços, principalmente para minorias; sistemas sustentáveis de produção de alimentos; manutenção de ecossistemas; melhoria da qualidade do solo.

https://www.un.org/ sustainabledevelopment/ development-agenda/ 2

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Objetivo 11. Cidades e comunidades sustentáveis Aspectos contemplados: acesso a serviços básicos e urbanização em favelas; redução do impacto ambiental negativo das cidades; melhoria da qualidade do ar e do solo; relações harmônicas entre áreas urbana, periurbana e rural.


revisão exploratória

Objetivo 12: Consumo e produção responsáveis Aspectos contemplados: aproveitamento dos alimentos pelo varejo e consumidores; redução de perdas nas cadeias de produção e abastecimento; manejo ambiental saudável e redução do impacto de produtos químicos e resíduos; racionalização do uso de combustíveis fósseis; conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza. Objetivo 15: Vida terrestre Aspectos contemplados: práticas sustentáveis para com os ecossistemas terrestres, de água doce e seus serviços; gestão sustentável de todos os tipos de florestas. A nível nacional, uma referência para a questão da Segurança Alimentar e Nutricional é o “Guia Alimentar para a População Brasileira” (Ministério da Saúde, 2014), documento elaborado com base nas culturas e ecossistemas locais. Mais do que diretrizes para uma dieta saudável, também transmite noções importantes sobre impacto social e ambiental no sistema alimentar. Dentre os aspectos mencionados no documento, aqueles que se relacionam com o percurso deste trabalho são: • tamanho e uso das propriedades rurais que produzem os alimentos; • condições de trabalho e exposição a riscos ocupacionais; • papel e número de intermediários entre agricultores e consumidores; • partilha do lucro gerado pelo sistema entre capital e trabalho; • conservação de florestas e da biodiversidade; • grau e natureza de processamento dos alimentos; • distância entre produtores e consumidores; • e meios de transporte utilizados.

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DADOS À MESA

Em uma escala mais aproximada, as referências relevantes para esse projeto, em termos de relação entre sustentabilidade e alimentação, envolvem a articulação de ações em diversos âmbitos sociais e políticos. Em São Paulo, o desafio do desenvolvimento sustentável adquire alta complexidade não apenas por sua escala, mas também devido às suas configurações urbanísticas. O crescimento desordenado, que caracteriza a história da metrópole paulistana, aponta para a necessidade de políticas que protejam os recursos naturais, sem ignorar a vulnerabilidade gerada pelas dinâmicas do mercado imobiliário. Diante desse cenário há um movimento emergente de valorização do território periurbano e rural por atividades que promovam o uso sustentável do solo. A Prefeitura de São Paulo, junto aos conselhos e entidades da sociedade civil, tem desenvolvido ações de incentivo à agricultura familiar, ao turismo educativo, à criação de parques naturais e outros equipamentos públicos nas zona rural, principalmente por meio do projeto Ligue os Pontos. No contexto urbano, existem diversas formas de organização social com o objetivo de promover a regeneração de espaços públicos e sustentar circuitos curtos de produção e consumo (INSTITUTO KAIRÓS, 2016). Exemplos disso são as hortas urbanas e os grupos de consumo responsável (GCR), entre outras iniciativas que buscam estabelecer a produção agroecológica de alimentos como prática comunitária. No plano conceitual, não se pode deixar de mencionar a permacultura como grande referência para o modo de se pensar a sustentabilidade hoje. Com a proposta de uma abordagem sistêmica, que leva em consideração os ciclos da natureza, estabelece princípios que dialogam diretamente com o sistema alimentar: a cooperação, a redução de consumo energético, o desenvolvimento local, o respeito aos ecossistemas (MOLLISON, 1988). É com essa perspectiva que, orientando-se pelo caminho da alimentação, esse projeto buscou trazer outras camadas de informação à tona. 26


revisão exploratória

Dimensões territorial e imaterial das práticas alimentares A reflexão sobre a espacialidade da alimentação tem início a partir de vivências da cidade, sendo a paisagem dos centros comerciais de São Paulo a maior fonte de inspiração. Observa-se uma presença massiva de ultraprocessados nos lugares de maior confluência dos trabalhadores paulistanos, incluindo, até mesmo os modais de transporte. A paisagem formada pelos estabelecimentos de venda de alimentos artificializados suscita o questionamento sobre as raízes e os impactos do modo de reprodução capitalista da indústria alimentícia. Ao mesmo tempo, chama atenção a tendência de valorização do consumo tido como “natural”, “fitness”, “verde”, muito mais presente em bairros de classe econômica média e alta. Nesse sentido, produções acadêmicas, nos campos da saúde e da geografia, trazem análises complementares sobre a correlação entre território e alimentação. Em sua tese de doutorado, o geógrafo José Raimundo Ribeiro discorre sobre a função ativa desempenhada pelo espaço físico na determinação de práticas alimentares, as quais, segundo o autor, são social, histórica e espacialmente determinadas. Isso significa que: elas se transformam historicamente, ou seja, não são naturais ou imutáveis; diferentes sociedades desenvolveram (e ainda desenvolvem) distintas práticas alimentares; em uma sociedade, devido a suas diferenças e desigualdades internas, diferentes grupos (ou classes sociais) realizarão as práticas alimentares de maneiras distintas; por fim, o espaço tem um papel ativo na maneira como as práticas alimentares se desenvolvem, não podendo ser considerado mero “palco” sobre o qual elas se realizariam livremente. (RIBEIRO, 2015, p. 75)

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DADOS À MESA

Com uma abordagem semelhante, um artigo divulgado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS-USP) reforça a importância de políticas que assegurem um ambiente favorável às escolhas alimentares mais saudáveis, para além do poder de decisão do consumidor. [...] dietary guidelines and nutrition education should encourage purchasing at sites specialized in selling healthy foods and offering better choices at the point of sale (16,55). However, measures to improve the retail environment are also necessary, whether in the microenvironment (availability, placement, marketing and price) or the macroenvironment. At the latter level, public policies play a role in combining initiatives to promote healthy food consumption, which include zoning policies to ensure the presence of places that sell healthy foods, encouraging access to family agriculture items and street vendors of healthy foods, and installing public facilities, among others (56–58). 3

Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional 4

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[...] diretrizes dietéticas e educação nutricional deveriam encorajar compras em locais especializados na venda de alimentos saudáveis e oferta de melhores opções no ponto de venda. No entanto, medidas para melhorar o ambiente de varejo também são necessárias, seja em relação ao microambiente (disponibilidade, localização, marketing e preço) ou ao macroambiente. Em última instância, políticas públicas têm um papel decisivo na articulação de iniciativas para promover o consumo de alimentos saudáveis, as quais incluem políticas de zoneamento para garantir a presença de locais que vendem alimentos saudáveis, encorajamento de acesso a itens de agricultura familiar e de feirantes, e instalação de equipamentos públicos, entre outros. (P. Machado et al., 2018, p. 207, tradução livre³)

O “Mapeamento de Desertos Alimentares”, relatório publicado em 2018 pela CAISAN⁴, apresenta uma análise de abrangência nacional sobre a distribuição do varejo alimentício nos municípios. Utilizam-se, no mapeamento, dois métodos de categorização dos estabelecimentos. O primeiro, pela tipologia do estabelecimento, como supermercado, hipermercado, mercearia, feira, açougue, entre outras; já o segundo consiste na diferenciação pela natureza dos produtos comercializados. Nessa abordagem, há três classificações: estabelecimentos com predominância de ultraprocessados, estabelecimentos com predominância de alimentos in natura, e estabelecimentos mistos. Sobre esta última categoria, o relatório aponta que estabelecimentos mistos acabam por favorecer a venda de ultraprocessados. A partir desse tipo de mapeamento é possível qualificar áreas como Desertos Alimentares - onde há baixa oferta de alimento e Pântanos Alimentares - lugares bem servidos produtos naturais, mas onde predominam os ultraprocessados (BORGES, 2018).


revisão exploratória

Essas leituras contribuem para a compreensão de que o espaço, ao mesmo tempo que configura o contexto para a realização de escolhas de consumo, pode por outro lado, ser produzido por decisões políticas. E são essas escolhas que estabelecem uma paisagem favorável ou desfavorável a determinadas cadeias do sistema alimentar. Além da paisagem formada pelos lugares de alimentação, outra questão que aparece nesse projeto relaciona-se à desmaterialização que decorre dos avanços tecnológicos. Como mencionado anteriormente, empresas de tecnologia tem lucrado com o que se denomina sharing economy, ou economia do compartilhamento. Chama atenção esse termo diante de tudo o que vem sendo discutido no âmbito da sustentabilidade. Seria um compartilhamento que produz vantagens para as comunidades locais? A relação mais notável entre esse modelo e o sistema alimentar é instituída pelos aplicativos de delivery. O rápido crescimento dos serviços de entrega rápida, mesmo antes do período da pandemia do COVID-19, demonstra uma tendência ao máximo distanciamento entre atividades de preparo e consumo, reduzindo o alimento à condição de produto, e os trabalhadores à condição de braços e pernas da empresa. Em artigo publicado em 2020, Ludmila Abilio, pesquisadora do Instituto de Economia da Unicamp, discute o fenômeno da uberização e como as características preexistentes do trabalho periférico são apropriadas pelas empresas de tecnologia. Entretanto, a grande novidade é que esse modo de vida passa a ser subsumido de forma controlada, racionalizada e monopolizada. A figura dos ciclistas negros e periféricos carregando nas costas os baús das empresas-aplicativo de entrega deixa evidente que um modo de vida sempre precário, arriscado, desprotegido, explorado está agora organizadamente subsumido e controlado por algumas empresas que se tornam gigantes do mercado. (ABÍLIO, 2020)

É certo reconhecer que o cenário social da alimentação é composto por materialidades e imaterialidades, mas todos os fatores se manifestam de alguma forma no território, podendo modificar sua estrutura ou ainda reforçar dinâmicas de fragmentação.

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DADOS À MESA

Mapeando indicadores Devido ao reconhecimento da alimentação como uma questão complexa, as principais referências para o levantamento de fontes e indicadores para este trabalho foram projetos, instituições e pesquisas que abordam sua cadeia, seja na escala da cidade de São Paulo ou do Brasil. Uma das diretrizes para o levantamento foi o recorte territorial. Os dados deveriam estar necessariamente relacionados ao espaço intraurbano, ou seja, permitir subdivisões no Município de São Paulo. Tendo a dimensão espacial como fator comum, deve-se pontuar a existência de uma limitação na dimensão temporal: houve a tentativa de trabalhar com os dados mais recentes disponíveis para cada um dos indicadores, mas nem todas as fontes possuem a mesma regularidade na atualização das respectivas pesquisas. Diante disso é importante relembrar que, neste projeto, a dimensão espacial tem prioridade sobre a dimensão temporal.

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revisão exploratória

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modelagem


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modelagem

Identificando a forma dos números O presente capítulo trata do momento de contato exploratório com os dados, que inaugura o trabalho prático. A visualização de dados constitui, aqui, uma ferramenta de estudo para quem projeta. Assim como na arquitetura, as maquetes de estudo servem ao propósito de entender como o material físico se comporta no espaço, a análise por meio da visualização de dados permite que se familiarize com o material – os dados, para perceber como se comportam diante do espaço visual. Esse processo foi definido por John Tuckey como EDA (do inglês Exploratory Data Analysis), e apesar de não haver um método único para fazê-lo, há um conjunto de fatores envolvidos: a curiosidade do analista para além das ferramentas, a combinação dos raciocínios indutivo e dedutivo, a seleção de gráficos, a realização de pesquisas sobre o tema, o emprego de métodos estatísticos como apoio, e a capacidade de visualizar a história contida nos dados mesmo quando não há grandes descobertas aparentes (KIRK, 2016. p. 123). Para criar as visualizações, portanto, houve um trabalho preliminar de processamento, análise e formatação dos arquivos originais - cuja proveniencia será especificada nas páginas a seguir. É importante pontuar que este projeto não conta com o uso de linguagens de programação. Os procedimentos foram realizados por meio do uso de softwares de edição de planilhas, geoprocessamento e visualização de dados. Com o levantamento de datasets realizado, o próximo passo foi a identificação de um atributo comum, a fim de possibilitar cruzamentos, comparações e combinações entre diferentes 35


DADOS À MESA

indicadores. Analisando as diferentes formatações do material coletado, a divisão do município de São Paulo em 96 distritos mostrou-se como o caminho mais viável para estruturar a informação. Todas as bases utilizadas no projeto possuem esse nível de desagregação dos dados, podendo ser formatadas em direção a uma compatibilização. Antes de entrar no detalhamento das camadas de informação, é importante compartilhar um processo básico que facilitou a passagem do conjunto de arquivos de texto delimitado (.csv) para as interfaces de visualização: a criação de uma planilha-matriz, cuja função é centralizar todos os dados que serão utilizados. Essa formatação prévia pode evitar falhas em procedimentos de união dentro dos softwares de visualização, geralmente ocasionados por formatações provenientes de fontes distintas, além de ajudar a manter apenas as informações desejadas de cada base, eliminando o excesso de colunas que pode ser um inconveniente durante o trabalho. A descrição a seguir trata do processo de modelagem preliminar realizado para cada camada de informação, detalhando apenas aquelas que foram contempladas no produto final.

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modelagem

Figura 1 Representação cartográfica dos limites administrativos de distritos, que constitui parte do produto final. Elaboração própria.

Distritos administrativos de São Paulo Fonte Base de dados disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma GeoSampa, extraída em formato shapefile. Formatação Esse arquivo oferece uma base comum para espacialização dos dados, tanto em cartografia, quanto em outras visualizações. Isso porque contém as colunas principais para integração entre os dados: código de distrito e nome de distrito. A divisão do território pode ser representada por meio de linhas, do preenchimento dos polígonos, de símbolos posicionados no centroide dos polígonos, entre outros formatos. Neste projeto foram utilizadas as três formas de representação mencionadas, a depender da natureza dos dados e dos cruzamentos. A figura 1 mostra o mapa de distritos com legenda, elaborado para compor o produto final.

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DADOS À MESA

Uso do solo Fonte Base de dados disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma GeoSampa, em formato .shapefile, ou da página Infocidade, em formato .xls. Formatação A planilha de uso do solo contém valores para áreas urbanas sobre as quais incide o IPTU. Entre as tipologias de uso com área contabilizada, foram extraídas as áreas de Terrenos Vagos, e em seguida, calculadas as proporções em relação à área total dos respectivos distritos. Figura 2 Mapa de terrenos vagos. Elaboração própria.

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Uma das opções de visualização é a própria camada de polígonos georreferenciados. Para efeito de comparação entre regiões da cidade, no entanto, foi elaborada a alternativa de representação em mapa de calor, ou mapa choropleth, em um momento posterior juntamente à área de praças e canteiros


modelagem

Praças e canteiros Fonte Base de dados disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma GeoSampa, em formato .shapefile. Formatação

Figura 3 Mapa de praças e canteiros. Elaboração própria.

Essa base indica espaços públicos caracterizados como Praça e Canteiro segundo Lei 16.402/16 de Zoneamento da cidade de São Paulo. De propriedade pública, praças e canteiros constituem espaços onde seria possível a implementação de agricultura em pequena escala. A partir dos polígonos georreferenciados, faz-se um processamento junto à base de distritos, obtendo a proporção de área para cada um deles. Realizou-se o mesmo processo em relação ao mapa de uso do solo, e posteriormente, essas duas camadas de dados foram unidas, de forma a constituir um único mapa, tanto na forma de polígonos quanto em mapa de calor.

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Figura 5 Visualização da mancha urbana do MSP em que destacam terrenos vagos, praças e canteiros Elaboração própria.

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Figura 6 Proporção de área, categorizada por método de intervalos iguais. Elaboração própria.

Figura 7 Proporção de área, categorizada por método de quantis. Elaboração própria.

Figura 8 Proporção de área, categorizada por adaptação do método de quantis para valores arredondados. Elaboração própria.

Figura 9 Representação por variação de retícula como alternativa à variação de cor. Elaboração própria.

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DADOS À MESA

Figura 10 Mapa de calor do IPVS em São Paulo, por área ponderada Elaboração própria. Figura 11 Mapa de calor do IPVS por distrito a partir de processamento das camadas de média a muito alta vulnerabidade média a muito alta. Graduação baseada em método de intervalos iguais. Elaboração própria.

Vulnerabilidade social (IPVS) Fonte Base de dados disponibilizada pelo Governo Estadual de São Paulo por meio da página GeoSeade, em formato .shapefile. Formatação O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), categoriza áreas ponderadas no Estado de São Paulo, segundo o nível de vulnerabilidade em que se encontram. Fazendo um recorte para o Município de São Paulo, realizou-se uma filtragem das áreas classificadas de "média" a "muito alta", a fim de demonstrar onde se localizam os níveis mais críticos na cidade. Tendo definido a divisão em distritos como estrutura comum dos dados, o que se fez em seguida foi o processamento dessas áreas ponderadas, calculando a proporção de área para cada distrito, que resulta em um mapa de calor.

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modelagem

Figura 12 Mapa de calor do IPVS por distrito, com graduação calculada por quantil Elaboração própria. Figura 13 Mapa de calor do IPVS por distrito, com graduação adaptada para valores arredondados. Elaboração própria.

Famílias em extrema pobreza Fonte Base de dados disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma ObservaSampa, no formato de texto delimitado por vírgula (.csv) Formatação O indicador refere-se à quantidade de famílias com renda de até 1/4 salário mínimo per capita, caracterizando situação de extrema pobreza. A planilha foi extraída com divisão territorial em distritos, sendo necessário apenas fazer ajustes para incorporação desses dados na planilha-matriz, a fim de realizar o cruzamento com a base georreferenciada de distritos, que permitiu a comparação com outros indicadores. Observamse, a partir daí, os números mínimos e máximos no Município.

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Pontos de circuito curto Fonte Base de dados disponibilizadas pela plataforma Sampa+Rural, em formato de texto delimitado por vírgulas (.csv). Formatação Entre os dados da plataforma, que incluem atividades relacionadas à agricultura, entre produção, comércio, iniciativas, políticas públicas e turismo, foram de interesse para esse projeto os pontos de acesso a circuitos curtos de consumo. Para isso, foi realizada uma filtragem inicial, pois entre os locais mapeados existem pontos que não necessariamente configurariam um circuito curto. Foram extraídos dados de agricultores que fazem venda direta; hortas urbanas; mercados parceiros da produção local, feiras e pontos de distribuição de alimentos. Em seguida, foi calculado o total desses estabelecimentos para cada distrito. Os dados foram analisados visualmente em comparação com outras variáveis, como na figura 14, em que um gráfico de waffle com pictogramas é utilizado para comparar a quantidade de familias em extrema pobreza (em milhares), e o número de hortas, na Brasilândia. Na cartografia do produto final, os pontos de acesso a circuitos curtos também foram representados por bolhas proporcionais. Figura 14 Gráficos waffle com pictogramas. Elaboração própria.

Figura 15 Gráficos de barras empilhadas com valores correspondentes a categorias de estabelecimentos formais de alimentação. Elaboração própria.

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modelagem

Desertos Alimentares Fonte Base de dados disponibilizada pelo Ministério da Cidadania por meio do portal da Segurança Alimentar e Nutricional, em formato de texto delimitado por vírgulas (.csv). Formatação A partir da base de dados intraurbanos disponibilizada no portal, foi realizada uma filtragem para o Município de São Paulo. Obteve-se então, a quantidade de estabelecimentos que prestam serviço de alimentação ou comercializam alimentos, para cada distrito. Optou-se por utilizar, nas representações, a segmentação nas seguintes categorias: estabelecimentos de aquisição de ultraprocessados, estabelecimentos de aquisição de in natura e estabelecimentos mistos. Os dados foram analisados visualmente em gráficos de barras empilhadas, em dispersão, e em símbolos proporcionais. Nas figuras, apresenta-se o gráfico de barras empilhadas em duas configurações de layout distintas. estabelecimentos de aquisição de alimentos in natura estabelecimentos mistos estabelecimentos de aquisição de ultraprocessados

Figura 1 Descrição da figura Figura 2 Descrição da figura

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Microempreendedores Individuais (MEI) em serviço de entrega rápida, por distrito distância média entre moradia e local de trabalho de entregadores, por distrito de origem (km) renda média domiciliar, por distrito

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Renda média domiciliar Fonte Base de dados disponibilizada pelo Ministério da Cidadania por meio do portal da Segurança Alimentar e Nutricional, em formato de texto delimitado por vírgulas (.csv). Formatação Também disponibilizado junto à base de dados do Mapeamento de Desertos Alimentares, esse indicador informa um valor relativo, que é a média da renda em relação ao número de domicílios no distrito. Nas visualizações preliminares, foi comparado com outras variáveis em gráficos de colunas com eixos simétricos, tendo surgido em várias uma correlação positiva ou negativa entre os indicadores. Na cartografia, considerou-se a sua representação em mapa de calor, assim como outros dados de natureza relativa.

MEI em serviços de entrega rápida Fonte Base de dados disponibilizada pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET), extraída em formato de texto delimitado por vírgulas (.csv). Formatação O número de MEIs registrados como Serviços de Entrega Rápida, por distrito, foi disponibilizado somente até 2014, mas diante do acesso aos valores por subprefeitura de 2020, foi possível verificar as proporções entre as subprefeituras. Observando que se mantiveram similares, com apenas algumas exceções, optou-se por trabalhar com os dados de 2014, a fim de manter a coesão na organização por distritos. Figura 16 Composição de gráficos de barras em eixos paralelos. Elaboração própria.

Esses dados foram analisados por meio de colunas e gráficos do tipo treemap, permitindo identificar sua evolução em relação a demais categorias de MEI. No mapa, bolhas proporcionais mostram a distribuição desses trabalhadores na cidade.

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moradia de entregadores principal local de trabalho de entregadores

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Entregadores ciclistas de aplicativo Fonte Base de dados da pesquisa “Perfil dos entregadores ciclistas de aplicativo”, disponibilizada pela organização Aliança Bike. Formatação

Figura 17 Recorte do mapa de origem e destino de entregadores ciclistas. Elaboração própria.

Com um recorte para entregadores que utilizam a bicicleta como meio de transporte principal, o levantamento foi realizado a partir de seis centralidades de São Paulo: Pinheiros, Itaim Bibi, Santa Cecília/República, Tatuapé, Santana, Paulista (distritos de Jardim Paulista e Boa Vista). O acesso à base de dados da pesquisa permitiu a formatação da planilha original para adequá-la à geração de um mapa de origem e destino desses trabalhadores. Além disso, foi possível agregar os pontos de origem para determinar quais distritos concentram maior parte das moradias de entregadores, a distância média percorrida diariamente entre moradia e local de trabalho, entre outras informações sociodemográficas e de caracterização do trabalho em delivery.

Cobertura vegetal Fonte Base de dados disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma GeoSampa, extraída em formato shapefile relativo a cada subprefeitura. Formatação

Figura 18 Estudo com diagramas de Voronoi a partir do processamento de dados de tipologias de cobertura vegetal por subprefeitura. Elaboração própria.

Os dados de cobertura vegetal do Município de São Paulo foram elaborados a partir de georreferenciamento dos tipos de vegetação. A partir dos polígonos presentes na base, realizou-se um processamento, calculando a área total de cada tipo de vegetação, para cada subprefeitura. Esses dados foram submetidos a um processo de geração de gráfico conhecido como diagrama de Voronoi, em que proporções de área são representadas pelo preenchimento de uma forma geométrica de forma irregular. Resultam disso 32 visualizações que, apesar de não terem sido utilizadas no produto final, constituíram um estudo para os gráficos de preenchimento por cor, que seriam adotados mais adiante. 49



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imersão

Visualização para cidadãos A proposta de criar uma experiência a partir dos dados, por meio de sua visualização, pressupõe a existência de um público. Por essa razão, o projeto se apoia na metodologia de Design Research (SIMONSEN, 2010) como forma de coletar subsídios para a construção de narrativas visuais que façam sentido para as pessoas envolvidas. Isso não significa contar a história que o público espera, mas sim, permitir que esse se identifique em meio à realidade representada, propiciando uma leitura clara e intuitiva, que deixe sobressair os dados. A abordagem conhecida como Design Centrado no Humano (DCH) surge em um momento histórico em que se busca projetar ferramentas para servir ao ser humano, ao invés de subjugá-lo. A princípio, os métodos formalmente relatados no período pós-guerra se baseiam na premissa de adaptar a “ferramenta ao trabalhador” (BIJL-BROUWER; DORST, 2017), o que denota uma intencionalidade ainda muito pautada pela produtividade. O design passa a centrar-se na forma humana, mas não para emancipá-la, e sim para reproduzir sua força de trabalho. Esse redirecionamento, no entanto, culmina em áreas de estudo como a ergonomia, cujas contribuições passam a fundamentar projetos de produtos e serviços destinados ao público consumidor. É a partir da década de oitenta que se populariza o DCH, por meio da aplicação de testes de usabilidade sobre a interação humano-computador. Nesse contexto, há uma transição de foco da metodologia em direção a interação entre pessoas e produtos, o que vai além da determinação de especificações técnicas do objeto. Gradualmente, ganha-se a consciência de que não é possível prever interações com exatidão a partir de testes controlados, visto que circunstâncias podem variar de 53


DADOS À MESA As such, the working principle of contextualised user research is to inspire designers through ‘rich’ data, rather than providing them with exact answers through a controlled experiment in a lab. This has been a fundamental shift in HCD. 5

Demographics aren’t the only way you can look at your users. Psycographic profiles describe the attitudes and perceptions that your users have about the world or about the subject matter of your site in particular. 6

um caso para outro no mundo real. A leitura de contexto ganha importância no DCH como um caminho para a incorporação do ponto de vista do usuário final nos projetos. Assim sendo, o princípio de funcionamento da pesquisa de usuário contextualizada é inspirar designers através de dados ‘ricos’ (rich data), mais do que fornecer-lhes respostas exatas através de um experimento controlado em laboratório. Isso tem sido uma mudança fundamental no contexto de DCH. (BIJL-BROUWER & DORST, 2017, tradução própria⁵)

Em The Elements of User Experience, J. James Garret (2011) define o plano estratégico de um projeto como uma composição entre objetivos do produto e necessidades do usuário. Para elaboração desse último, estabelece alguns métodos de trabalho: segmentação de usuários, usabilidade, pesquisa de usuário e criação de personas. No que diz respeito a segmentação de usuário, entende-se como objetivo deste trabalho o direcionamento a um público amplo, mas que necessariamente acolha a perspectiva de pessoas envolvidas com a temática. Demografia não é a única maneira através da qual você consegue olhar para seus usuários. Perfis psicográficos descreve as atitudes e percepções que seus usuários possuem sobre o mundo ou sobre o tópico em questão de seu recorte em particular. (GARRET, 2011, p. 44, tradução própria⁶)

Assim, mais importante que uma segmentação demográfica, este trabalho adota um recorte mais subjetivo, visando acolher a percepção de mundo de usuários que nutrem alguma relação com o tema.

Coletando percepções A imersão é uma das abordagens mais difundidas no âmbito do DCH. Ao aproximar-se do universo do usuário, o designer posiciona-se em um lugar de empatia para com o mesmo. Tendo esse processo em vista, iniciou-se a busca por pessoas que pudessem representar uma diversidade de vínculos com o sistema alimentar, entre trabalhadores do ramo, membros de conselhos, ativistas por causas alimentares e ambientais,

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educadores socioambientais, articuladores de iniciativas comunitárias, entre outros. Foram consultados também profissionais na área de planejamento e análise territorial, para investigar como o tema da alimentação é percebido por esse público técnico. Para orientar a experiência de imersão, foi elaborada uma entrevista semiestruturada com perguntas abertas, tendo em vista certa flexibilidade para adaptação, conforme o decorrer da conversa. O roteiro da entrevista iniciou-se com questões de contexto, e seguiu para abordagens mais específicas, visando coletar as percepções do usuário em relação às práticas alimentares e a interfaces gráficas. Pensando em conversas com aproximadamente 40 minutos, foram elaboradas as oito questões a seguir: 1. Qual é seu nome, sua idade, e profissão? 2. Qual o perfil das pessoas com quem você trabalha? 3. Você vê relação entre a localização e a qualidade dos alimentos? Acha que o acesso se distribui de uma forma justa na cidade? 4. Como são seus hábitos alimentares e das pessoas com as quais convive? 5. Você considera importante o desenvolvimento local? Quais obstáculos observa para isso? 6. Qual é o seu nível de familiaridade com ferramentas digitais e como costuma utilizá-las? 7. Você tem o hábito de utilizar mapas? O que considera mais importante na cartografia? 8. Você tem algum desejo para a cidade de São Paulo que gostaria de compartilhar?

A depender do perfil do entrevistado, pode haver uma variação nas perguntas por adaptação ao contexto. Um exemplo disso foi a supressão, na questão 7, da indagação sobre o hábito de utilizar mapas, para aqueles com competência profissional relacionada.

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Diagnóstico Quando se tem um grande volume de informação coletada em pesquisa, principalmente de natureza qualitativa, transformar esse material em insumos para o projeto requer um esforço de síntese. Um dos métodos difundidos para processamento e análise dentro da abordagem do DCH é o Diagrama de Afinidades (HANINGTON & MARTIN, 2012). O processamento das entrevistas se deu pela transcrição das gravações, com o objetivo de extrair as ideias essenciais. O uso de notas adesivas serviu ao propósito de registrar os conceitos, preocupações e observações, em sua forma mais sintética. Assim, foi preparada uma situação visual para que cada trecho de entrevista pudesse posteriormente resultar em uma questão de design (Figura 19). Um indicador da qualidade desse processo é que, geralmente, as entrevistas tenham fornecido mais de 50 trechos, cada uma delas. As cinco entrevistas realizadas forneceram cerca de 270 insights, sendo aproveitados na etapa seguinte exatamente 252 insights. De forma a permitir a identificação da origem dos insights, estes foram registrados em cores correspondentes a cada perfil. A análise dos resultados aconteceu por meio de uma espécie de “card-sorting”, que consiste no agrupamento de ideias por similaridade, independente de sua origem. Em um primeiro momento, o objetivo foi formar pequenos grupos com cerca de 5 post-its (Figuras 20 e 21). É o movimento que exige maior atenção, pois funciona de forma análoga a um jogo da memória. Diante de mais de 250 post-its fixados a um painel ou parede, a leitura que se faz é como um escaneamento rápido procurando por conceitos que se relacionam e, ao mesmo tempo, memorizando suas localizações no painel, visto que não existe linearidade na formação dos grupos. Por 56


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Figura 19 Transcrição de trechos das entrevistas em notas adesivas, separadas por cor

Figura 20 Início do agrupamento no método do Diagrama de Afinidades

Figura 21 Primeiro nível de agrupamento formado, pequenos grupos com cerca de 5 notas

Figura 22 Grandes categorias formadas e com seus elementos internos organizados por cor

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Figura 23 Estágio final do Diagrama de Afinidades

vezes, uma ideia não pode ser agrupada com nenhuma outra, ou mesmo é possível que se perceba redundâncias vindas de uma mesma fonte (identificada pela mesma cor). Nesses casos, alguns post-its foram descartados. Um experimento possível a partir do uso de cores correspondentes às fontes, foi a reorganização dos post-its por cor, dentro de cada grande categoria. Dessa forma, ficam visíveis as proporções de contribuição de cada entrevista para um determinado tema (Figura 22). Com todos os pequenos grupos de ideias formados, a atividade segue para o agrupamento desses núcleos em grandes categorias. Essa etapa tem um fluxo mais ágil, pois o exercício realizado anteriormente permite a familiarização com os 58


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elementos, tanto no plano conceitual (associação das ideias) quanto no físico (localização no painel). As categorias que emergem do segundo agrupamento representam as temáticas de maior relevância para o projeto. Consolidam-se 11 categorias temáticas ao final desse processo (Figura 23). Há ainda uma etapa de rotulagem dos grupos, começando pelas grandes categorias temáticas e passando também para os núcleos menores. Isso ajuda a caracterizar o conteúdo dos grupos e mapear a conexão entre ideias, facilitando o acesso à memória dos componentes básicos. Com o auxílio da ferramenta Miro, foi construído um diagrama que sintetiza as categorias e os grupos subjacentes, expresso na Figura 24.

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Figura 24 Diagrama de consolidação de categorias temáticas resultantes do diagnóstico. Elaboração própria. 61


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Requisitos de projeto Para transformar os resultados da imersão em diretrizes de projeto, realizou-se um processo de interpretação: o conteúdo dos grupos temáticos constitui desejos do usuário, que por sua vez, levam à especificação de requisitos. A figura 25 ilustra o processo de geração dos requisitos. Cada item corresponde a um dos grandes grupos temáticos encontrados no diagnóstico. A partir deles, tem-se os desejos do usuário (em azul), e em seguida, as possíveis soluções visuais (em verde).

Figura 25 Imagem ilustrativa dos mapas mentais de formação de requisitos a partir das categorias temáticas. Elaboração própria. 63


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Comumente referida como product backlog, forma-se uma lista com cerca de sessenta requisitos. É necessário, a partir disso, definir quais serão os aspectos priorizados pelo projeto, o que resulta na lista de requisitos priorizada, a seguir: • visualização de dados dos lugares de origem (moradia) • contrapor mapa de calor de terrenos vagos a pontos de carência de alimentos • contrapor mapa de calor com densidade de ultraprocessados a pontos de orgânicos • mapas de origem-destino de entregadores • mapa de iniciativas de economia solidária • mostrar distância entre pontos de comercialização e zonas residenciais de baixo padrão • indicar com pictogramas as práticas alimentares que acontecem no local • visualizações com bairro do usuário em foco • mostrar produtores próximos ao comerciante • organizar dados em linha do tempo por etapa: produção, distribuição, preparo, consumo • filtro de pontos no mapa por tamanho de área cultivada • inserir visualização em espaço de discussão • conectar visualizações com outras complementares • mostrar comparação entre unidades administrativas do mesmo nível • palavras chave acompanham cada visualização • usar código de cores específico para cada tema • legendas associadas a pictogramas • oferecer visão geral de introdução • abordar o mercado de comida pronta 64


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"Tempestade de rabiscos"

The depictive characteristics of sketches provide a rich basis for analysis by allowing the designers to envision the consequences of the ideas. Fish & Scrivener (1990) consider that: ‘The necessity to sketch arises from the need to foresee the results of the synthesis or manipulations of objects without actually executing such operations’ (p. 117). Written language, which is descriptive in nature, refers to classes of objects rather than specific objects, which does not allow the designers to envision the consequences of the specific ideas. This stimulates the generation of ideas by allowing the designers to make free associations, but the inability to envision the consequences of the generated ideas, makes writing as a working medium less supportive of the interpret phase in the Geneplore cycle.” 7

A geração de alternativas é um processo criativo que partiu do resultado da pesquisa de usuário, bem como da experiência de modelagem preliminar de dados. O exercício do desenho é a atividade central nessa etapa. Procura-se, com isso, dar forma às soluções que se imagina para atender aos requisitos priorizados. Em seu artigo “Brainsketching and How it Differs from Brainstorming”, Remko van der Lugt (2002) apresenta o modelo de Finke, Ward & Smith (1992) denominado Geneplore, para trazer uma leitura do processo criativo como um contínuo entre geração e exploração de ideias, comparando sob essa ótica os processos de “brainstorming” (baseado em recursos verbais) e de “brainsketching” (baseado em desenho). As características representativas de esboços fornecem uma rica base para análise ao permitir que designers vislumbrem as consequências das ideias. Fish & Scrivener (1990) consideram que: ‘A necessidade de esboçar surge da primordialidade de antever os resultados da síntese ou das manipulações de objetos sem de fato executar tais operações’ (p. 117). A língua escrita, que é descritiva por natureza, refere-se a classes de objetos mais do que a objetos específicos, o que não permite designers visualizar as consequências de ideias específicas. Isso estimula a geração de ideias ao possibilitar aos designers a livre associação; no entanto, a dificuldade de visualizar as consequências das ideias geradas faz da escrita um meio de trabalho menos acolhedor à fase interpretativa no ciclo de Geneplore. (LUGT, 2002, p. 49, tradução livre⁷)

Seguindo essa lógica, as alternativas de desenho foram criadas em vários ciclos de geração e interpretação. No início da produção de esboços, procurou-se registrar o máximo de soluções visuais que se imagina. Ao longo do processo, havia uma reflexão progressiva sobre os desenhos que se 69


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materializavam no papel, até que se atingisse um estágio de conformação com um conjunto de opções mais detalhadas e diferenciadas entre si. Uma dinâmica característica do processo de sketching é a evolução do desenho a partir de um aprimoramento das ideias iniciais. Isso difere de processos baseados em linguagem verbal, pois a cadeia formada por uma conexão sucessiva de palavras pode resultar em ideias completamente divergentes de sua origem. Analisando o processo de geração de alternativas do ponto de vista de recursos de expressão visual, vale ressaltar ainda a questão das ferramentas utilizadas. O meio analógico, que caracteriza o esboço de visualizações neste projeto, permitiu a reflexão acerca da essência da informação. Giorgia Lupi reforça a importância do desenho manual em seu artigo “Data Humanism: The Revolution will be Visualized”: Desenhar com os dados é uma ferramenta inestimável para descobrir o que há de único sobre os números à mão. Isso também levanta novas questões sobre os próprios dados. Essa prática ajuda a revelar novas possíveis análises a serem feitas. Ao invés de ser sobrecarregado pelo tamanho do conjunto de dados e pelos milhões de números, nós focamos somente em sua natureza, sua organização e fazer isso frequentemente abre novas oportunidades originadas a partir deste ponto de vantagem. (LUPI, 2017, tradução livre⁸)

Drawing with data is an invaluable tool to discover what is unique about the numbers at hand. It also raises new questions about the data itself. This limiting practice helps to reveal new possible analyses to perform: Instead of being overwhelmed by the size of a dataset and by millions of numbers, we focus only on their nature, their organization, and doing so often opens new opportunities originating from this vantage point. 8

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Essa forma de ideação, com base no desenho à mão, permitiu uma experimentação visual mais livre, sem as predefinições que as interfaces gráficas digitais impõem à criatividade. Foi, portanto, um grande exercício de projeto, abrindo possibilidades de expressão para que se pudesse pensar muito mais no aspecto sensorial do que na adequação às ferramentas. isso não significa que o desenho à mão não dependa de ferramentas, mas é dizer que, ao abrir mão do perfeccionismo imposto pela tecnologia digital, pode-se exercitar muito melhor a imaginação. Uma outra contribuição do desenho é o seu caráter de objeto manipulável, transmitindo a sensação de proximidade com as visualizações. Assim, parece ser muito mais fácil posicionar-se no lugar do usuário, ao passo que o caráter maleável do desenho estimula uma constante oscilação de perspectivas entre afastamento e aproximação, de forma muito similar ao que foi citado anteriormente como um ciclo de geração e interpretação.


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Priorização de desafios O quadro de alternativas que resultou do processo de sketching foi submetido a uma análise, a fim de identificar as qualidades e desvantagens de cada visualização. Para isso, alguns critérios foram levados em consideração, como por exemplo: a diversidade de perspectivas representadas, o potencial narrativo, o nível de letramento exigido do usuário e a harmonia do conjunto. Um traço marcante deste projeto é o fato de que as pesquisas reforçam a complexidade da relação entre território e alimentação. Assume-se, portanto, que a diversidade de perspectivas é um fator determinante para a definição das visualizações. Por potencial narrativo, entende-se aqui da capacidade de transmitir ao usuário uma informação, simplesmente pela apresentação dos dados. Para ilustrar esse aspecto, pode-se evocar duas situações: uma visualização pode ser encantadora, e ao mesmo tempo não estimular nenhuma reflexão; por outro lado, a repetição de um elemento simples, com variações sutis, pode resultar em uma visualização interessante. Quanto ao nível de letramento exigido para compreensão, este determina a quantidade de informação complementar que se faz necessário incorporar ao design. Assim, a priorização de um determinado nível de letramento dos gráficos é uma questão sobre a densidade de informação que se pretende aderir no projeto. É importante também que as alternativas selecionadas sejam minimamente harmônicas entre si. Isso implica em fazer um exercício de priorização muito dinâmico, ou seja, pensar nas diversas alternativas de maneira transversal. Os sketches foram comparados em termos de complexidade da visualização, ferramentas e técnicas necessárias, granularidade dos dados, entre outros aspectos, a fim de compor um quadro coerente de visualizações.

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Definição de suporte A fim de avançar da ideação ao projeto, foi necessário imaginar o produto final inserido no contexto do usuário. Consideradas diversas opções, entre meios impressos e digitais, houve um percurso de reflexão sobre como as visualizações poderiam melhor alcançar o público final. O mapa mental na figura 26 registra esse percurso de geração de alternativas.

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Nota de rodapé

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Nota de rodapé


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Os suportes destacados no diagrama foram priorizados, em razão da ponderação sobre os seguintes aspectos: • familiaridade do usuário com a interface, facilitando a navegação ou o manuseio. • flexibilidade do material, podendo acompanhar deslocamentos e a interagir com elementos orgânicos em um mesmo ambiente físico sem sofrer deformações que comprometessem a visualização; • inserção em um contexto de prática alimentar - compra, preparo, consumo, entrega, produção, distribuição, troca, ou outros processos que possam surgir. • estímulo à interação entre usuários, possibilitando a discussão sobre os dados apresentados; • evocação de processos artesanais, transmitindo o conceito de um circuito curto entre quem produz e quem consome; • informação como função prioritária, o que direciona a escolha de materiais para aqueles que mantenham a qualidade da visualização, garantindo que a mensagem alcance o usuário sem obstruções. Assim, a decisão de utilizar panos de prato e guardanapos como plataforma para as visualizações se estabeleceu como uma alternativa interessante, sendo particularmente apreciada pela autora. O suporte escolhido situa a informação no lugar onde se encontra o público mais amplo do universo das práticas de alimentação: à mesa. É no espaço de consumo, portanto, que se concretiza a visualização dos dados. Figura 26 Mapa mental de apoio ao processo de escolha do suporte para as visualizações. Elaboração própria.

Para a impressão no tecido, foram consideradas algumas técnicas de estamparia: stencil, serigrafia, carimbo, tingimento por imersão. De forma a compatibilizar a qualidade da visualização com a replicabilidade na produção gráfica, iniciou-se um processo de refino dos primeiros sketches em direção à materialidade inerente a essas técnicas. Esse processo de experimentação de técnicas, que corre em paralelo com a ideação ainda em andamento, foi relatado com maiores detalhes no capítulo 7. Produção Gráfica.

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projeto


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Sistema de visualização O projeto de um sistema para a visualização dos dados consolidou-se de forma gradativa, conforme evoluíram as diferentes frentes de trabalho: pesquisa, ideação e experimentação. Diante de erros e acertos, descobertas, testes e adequações, o design system de "Dados à Mesa" foi ganhando forma. Esse capítulo visa sintetizar as principais diretrizes visuais adotadas, apontando os fatores de influência para essas decisões.

Arquitetura da informação Com a definição do suporte, o próximo passo foi a disposição das visualizações em relação ao meio material. A princípio, tem-se uma reflexão sobre as dimensões mais usuais para as interfaces escolhidas. Panos de prato, geralmente, têm uma proporção de 3:4, enquanto guardanapos são quadrados 1:1. A proporção de um pano de prato se aproxima muito da mancha visual formada pelo território do município de São Paulo. Por essa razão, determinou-se que as visualizações em cartografia fossem estampadas sobre os panos de prato. O caráter modular dos guardanapos, quadrados, inspirou sua utilização de forma mais abstrata, alocando sobre esse espaço, as visualizações em gráfico. A esse objeto, confere-se espacialidade de uma maneira diferente da cartografia: cada guardanapo representa um distrito de São Paulo. Mantendo 79


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Coleção 1

Coleção 2

Pontos de circuito curto

Estabelecimentos de alimentação

Terrenos vagos, praças e canteiros

Vulnerabilidade social

Famílias em extrema pobreza

Estabelecimentos por categoria predominante: in natura, mistos e ultraprocessados


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Coleção 3

Apoio

MEIs em serviços de entrega rápida

Distritos administrativos do Município de São Paulo

Renda média domiciliar Distância média percorrida entre moradia e local de trabalho, por entregadores ciclistas

Ilustração esquemática da proposta de organização dos produtos. Elaboração própria.

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uma mesma estrutura de composição para todos os guardanapos, esses funcionam como small multiples, apresentando a variação de informação conforme os dados de cada distrito. Essa forma de repetição da estrutura visual para múltiplas unidades permite que o leitor, uma vez que compreende o funcionamento da composição, se concentre na variação das informações (TUFTE, 1990. p. 29). Seguindo essa configuração de escala, cada eixo temático foi representado por um mapa municipal de visão geral, em conjunto com gráficos que detalham os distritos, como se pode verificar na ilustração desta página. As visualizações de mapa e gráfico possuem uma camada de dados proporcionais em comum, sendo representada por textura e preenchimento, respectivamente. A cor atribuída à camada de base da cartografia é a mesma que aparece como preenchimento de área no gráfico de distrito. As camadas de dados quantitativas, no entanto, têm significados diferentes, simbolizados de formas distintas. No mapa, tem-se a representação por bolhas proporcionais, e no gráfico, por repetição de pontos.

Layout Em se tratando da diagramação, um primeiro ponto a observar é a orientação da estampa. Panos de prato e guardanapos são muito caracterizados pelo uso e manipulação constante, diferentemente de objetos decorativos - como o pôster, opção de suporte também considerada durante a fase de ideação. No entanto, a informação textual e a existência de eixos na composição dos gráficos acabam conferindo uma orientação específica às estampas. Considerando que a tipografia é o primeiro elemento compreendido pelo usuário, determinou-se que os gráficos acompanhem a mesma orientação de leitura dos títulos e legendas. No caso dos mapas, como já mencionado, a mancha visual do município favoreceu a orientação do pano de prato no sentido vertical (Figura 27). As legendas foram dispostas no espaço vazio deixado pelo território, de forma a não interferir na definição de escala do mapa.

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projeto

Para os guardanapos, há uma área de cabeçalho, onde estão todos os textos da estampa: o nome do distrito e a legenda do gráfico. Reservou-se o máximo de espaço, no entanto, para a visualização. O gráfico foi composto por informações quantitativas absolutas e proporcionais. Enquanto os dados quantitativos foram representados por pictogramas, as proporções foram representadas pelo preenchimento de cor em relação ao espaço total do guardanapo. Com isso, criou-se uma marca visual única que caracteriza cada distrito.

Figura 27 Ilustração do layout das estampas para panos de prato. Elaboração própria.

A modelagem preliminar teve um papel importante na definição do grid das visualizações de distrito. Foi necessário observar mínimos, máximos, médias, e como variam os dados. Em alguns indicadores, houve uma evolução suave do mínimo para o máximo valor. Em outros, observou-se contrastes maiores entre um grupo e outro. Para cada um dos três temas criados neste projeto, existe um grid específico, como se pode observar na ilustração da página a seguir.

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Pictogramas Durante o exercício de projeto que se seguiu à ideação, o uso de símbolos surgiu como alternativa aos mapas de bolhas. Pictogramas representando diferentes categorias poderiam tornar a visualização mais intuitiva e menos dependente de informação complementar. Com a evolução dos testes experimentais, determinou-se que as visualizações dos distritos seriam compostas por gráficos de pictograma. Esse tipo de gráfico permite a visualização de dados quantitativos por meio de unidades de símbolos ou figuras. Pôde-se, com isso, representar categorias a partir das cores e formas atribuídas a cada ponto. Um pictograma representa uma ou mais unidades, o que deve estar indicado na legenda.

Extending the idea of using repeated quantities of representative symbols, some applications take this further by using large quantitities of individual symbols to get across the feeling of magnitude and scale. When showing a part-to-whole relationship, the waffle chart can use simple symbol devices to differentiate the constituent parts of a whole 9

10 International System of Typographic Picture Education.

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Extendendo a ideia do uso de quantidades repetidas de símbolos representativos, algumas aplicações levam isso além ao usar grandes quantidades de símbolos individuais para transmitir a sensação de magnitude e escala. Para exibição de uma relação de todo-parte, pode-se empregar o gráfico de waffle com elementos simples de símbolos para diferenciar suas partes constituintes do todo (KIRK, 2016, p.165, tradução livre⁹)

Uma referência no universo do design de informação que constitui particular inspiração para essa linha do projeto é a linguagem ISOTYPE 10 desenvolvida por Otto Neurath. Presente em manuais, infográficos e atlas, foi criada com o objetivo de promover uma educação universal, no sentido de ser compreendida pelo máximo de pessoas independentemente de idioma, condição social ou econômica. O Atlas "Sociedade e Economia" apresenta essa linguagem aplicada a gráficos e mapas nos quais, por meio de pictogramas, são transmitidas informações qualitativas e quantitativas, permitindo a fácil identificação e a comparação de estatísticas em diversas temáticas, como se observa nas figuras 29 e 30.


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Figura 28 Ilustração da construção geométrica dos pictogramas. Elaboração própria.

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No decorrer dos testes experimentais, fez-se necessário caminhar em direção a formas mais simplificadas, em comparação com os desenhos iniciais. Foi então, por meio da variação sutil de geometrias e do uso de cores, que se fez a diferenciação entre as categorias dos dados. O apoio à identificação dos sinais se deu por meio de legendas sucintas em que se descrevem a quantidade e as categorias representadas pelos pictogramas.

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Figura 29 Gráfico de uso do solo presente no Atlas Gesellschaft und Wirtschaft: Bildstatistisches Elementarwerk

Na elaboração do desenho dos pictogramas, foi adotado um processo comum para todos os temas. Estabelecendo um grid de acordo com os dados, foram atribuídos espaçamentos internos às células, resultando em formas retangulares proporcionais a essa divisão. A partir daí, formam-se os símbolos para diferentes categorias a partir de variações de uma mesma composição geométrica dentro do retângulo. Cada símbolo recebeu uma cor específica, de modo a sinalizar com mais clareza o volume de cada eixo de composição do gráfico.

Figura 30 Gráfico de densidade populacional encontrado no Atlas Gesellschaft und Wirtschaft: Bildstatistisches Elementarwerk

Embora cada tema de visualização possua uma divisão interna específica, procurou-se manter alguns parâmetros em comum entre todos os pictogramas do projeto, como por exemplo, a altura e o raio das curvas. Assim, os símbolos podem ser dispostos em linha sequencial, em eventuais novas combinações.


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Figura 31 Gráfico de Bertin Fonte: https://karlsluis. medium.com/beforetufte-there-was-bertin63af71ceaa62

Cartografia Em relação à cartografia, o principal desafio deste projeto foi a representação em mapas de calor. O formato mais popular deste tipo de visualização se apoia na variação de cores. No entanto, tendo em vista a replicabilidade da estampa, bem como a acessibilidade na leitura de um mapa que não conta com ferramentas interativas, utilizar uma escala de cores diferentes não foi considerada como a melhor opção. O quadro da figura 31, elaborado pelo cartógrafo francês Jacques Bertin, traz uma consolidação de diversas alternativas de representação visual em cartografias. A variação de texturas é uma opção que se adequa bem à técnica de serigrafia, tendo sido priorizada, portanto, nessa camada de informação. Além da camada em choropleth, os mapas receberam uma segunda camada, representada por bolhas proporcionais, em uma cor diferente para destaque em relação ao fundo. As ilustrações nas páginas a seguir mostram o processo de refino das representações em direção prática da estamparia.

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Ab

a b c d e fg h i j k l m n opqrstuvwxyz a o

b p

c

q

d

r

e

s

f

t

g

h u

i v

j

w

k

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m y

Tipografia Considerando a escala de apresentação, as técnicas e materiais utilizados, buscou-se uma tipografia que atenda aos requisitos da produção gráfica. A trama do tecido confere à superfície um caráter irregular, portanto há um equilíbrio a perseguir entre a sutileza das legendas e a legibilidade em superfície irregular. Para compor as legendas, foi escolhida a família tipográfica Barlow, de uso livre, sem serifa e levemente arredondada. As legendas foram aplicadas por meio de serigrafia, gravadas na mesma tela em que os mapas. No caso dos títulos de distrito, a variação de 96 nomes requer uma técnica mais modular, assim como as visualizações. A opção pelo stencil, para esse caso, conduziu à busca por uma combinação de fonte e tamanho apropriados para tal. A fonte livre Allerta Stencil, inicialmente desenvolvida para sinalização, foi escolhida para os títulos principais do projeto. O tamanho de 60 pontos se adequa ao corte dos moldes e proporciona uma aplicação satisfatória, conforme os testes realizados. 96

n z


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Cor A paleta cromática foi definida a partir da observação da diversidade de cores presentes em culturas heterogêneas como a da agricultura familiar ou de pequenas hortas, bem como na vibração característica de alimentos frescos, que fica ainda mais evidente em feiras e outras modalidades de distribuição em circuitos curtos, como cestas de orgânicos direto do produtor. A opção por gráficos e mapas, em que os dados quantitativos são representados por variações de textura, tamanho e repetição, apontou para o emprego das cores como recurso de representação de atributos categóricos, com o propósito de distinguir camadas de informação. Assim, foi selecionada uma tríade de cores que possuem alto contraste entre si: verde, alaranjado e magenta, conforme especificado a seguir.

C =1

C=0

C=54

M=97

M =7 5

M=0

Y= 4

Y=74

Y= 3 6

K= 0

K= 0

K= 0 97


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Outliers Figura 32 e 33 Desenho da estampa para visualizações de distritos tratados como outliers, em que o pictograma que representa pontos de circuito curto foi adaptado para representar outra quantidade. Elaboração própria.

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Por mais que se tenha observado os números máximos, mínimos, médias, agrupamentos, há que se reconhecer que São Paulo é um território heterogêneo e com grandes contrastes. O projeto de cada um dos eixos temáticos leva em conta o comportamento dos dados correspondentes, buscando apresentá-los da forma que melhor permita análises, comparações e contextualizações. Tendo feito algumas definições de representação que priorizavam a identificação de variações, alguns extremos acabam exigindo uma representação específica. É o caso dos distritos Grajaú (Figura 32) e Parelheiros (Figura 33), diante do tema 1, que envolve circuitos curtos. Por concentrarem boa parte da agricultura familiar de São Paulo, esses distritos foram tratados como outliers. Como seus valores equivalem ao dobro do número máximo do restante dos distritos, o pictograma foi alterado para representar o dobro de unidades. Nesse caso, o grid não sofre impacto, mas as linhas correspondentes a essa categoria se tornam notavelmente mais densas.


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Representação de incertezas Figuras 34 Exemplo de desenho da estampa para distritos com todos os dados informados. Elaboração própria. Figura 35 Exemplo de desenho da estampa para distritos com dados faltantes. O eixo com dados faltantes é representado por um pictograma vazio. Elaboração própria.

Outro desafio na visualização de dados é a representação do "nada". Uma questão interessante é a de diferenciar entre um valor nulo, e dados não existentes. No terceiro eixo temático, acontece uma situação oportuna para essa investigação. Uma das camadas, a "Distância média entre moradia e trabalho de entregadores ciclistas", provém de um levantamento feito em centralidades gastronômicas de São Paulo, e portanto, com uma amostragem que acaba não cobrindo todo o território. Mesmo que o dado visualizado fosse o de origem, ou seja, a moradia dos entregadores que trabalham nessas centralidades, nem todos os distritos foram cobertos pela amostra de participantes da pesquisa. Assim, foi necessário elaborar uma diferenciação visual em relação ao valor nulo. Os pictogramas dessa categoria receberam, portanto, uma representação com contorno e sem preenchimento (Figura 35).

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Experimentação inicial Com base em algumas pesquisas sobre a característica de materiais têxteis, o tecido escolhido para realização dos primeiros testes foi o algodão cru. Partindo desse material, iniciou-se um processo experimental de técnicas de tingimento, envolvendo pigmentos naturais e tinta para artesanato. As primeiras técnicas empregadas foram, não por acaso, aquelas que se tinha à mão: objetos utilizados como carimbo e a imersão do tecido em pigmentos naturais, encontrados em alimentos ou na vegetação do entorno. Também foram experimentadas algumas tintas em spray. Nesse primeiro momento de contato com a materialidade da produção gráfica, o objetivo era o de encontrar tipologias de estampa que pudessem comunicar as relações encontradas nos dados. Tendo como base o gráfico de Jacques Bertin, são considerados alguns parâmetros como quantidade, densidade, proporção e categorização.

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Acolhendo dados reais Um segundo momento da experimentação foi caracterizado pela inserção de dados reais e, por essa razão, de aplicações mais precisas. Havia então, duas frentes de prototipação: enquanto a representação cartográfica exigia complexidade na estampa, para os gráficos de distrito, a prioridade era a variação de elementos modulares. Assim, recorreu-se a técnicas diferentes para cada tipologia de visualização: a serigrafia foi empregada para a produção das estampas cartográficas, enquanto o stencil serviu à produção dos gráficos de pictograma. Durante esse processo, foram feitos alguns testes caseiros de corte e impressão, simulando as escalas definidas em projeto. Dessa forma, pôde-se ter uma ideia do detalhamento que deveriam ter as telas e moldes. Uma diferença em relação aos primeiros testes, feitos ainda sem considerar os dados, foi a escala dos pictogramas. Considerando os valores máximos e mínimos que definiram o grid, as dimensões de cada pictograma deveriam ser reduzidas, bem como a complexidade do desenho. Isso porque a prioridade foi dar foco à granularidade dos dados, mais do que à granularidade das figuras representativas. Elementos pictóricos podem então ser simplificados, mantendo sua diferenciação por meio do contraste entre formas e cores. Com os mapas, surgiu também a necessidade de ajustes finos do projeto. Considerando que a opção para representação em choropleth era a variação de texturas, foram necessários alguns testes de impressão, de gravação e de aplicação em serigrafia para definir a granularidade das retículas e os parâmetros da impressão. Em cada uma dessas etapas mencionadas, 106


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Figura 36 Fotografia do material utilizado para aplicação da técnica de stencil sobre os guardanapos

Figura 37 Fotografia do guardanapo correspondente ao distrito Jardim Ângela, após receber tingimento por imersão e o stencil do gráfico de pictogramas

as texturas podem reagir de forma diferente sobre o material. Portanto, foram necessárias adequações de espessura do traço, e a priorização de materiais que se comportaram melhor diante do desenho. Ao contrário do que se imaginava, a tela serigráfica de 55 fios – uma trama mais aberta, permitiu que a tinta a base d’água tivesse a permeabilidade ideal, imprimindo o desenho complexo da cartografia em apenas uma demão, o que evita o desfoque da imagem.

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Prototipação A estrutura e o apoio técnico do Laboratório de Produção Gráfica da FAU-USP foi fundamental para a realização dessas etapas de prototipação. Foram realizados diversos testes em serigrafia, até que se encontrassem os parâmetros ideais para a produção definitiva. Com todos os ajustes realizados, chega o momento da produção final. Um dos três temas criados no projeto foi escolhido para prototipação: o mapa "Vulnerabilidade Social x Estabelecimentos de Alimentação", e seus respectivos gráficos de distrito. Mesmo nesta fase são necessários alguns testes de aplicação (Figuras 38 e 39). Por fim, as estampas cartográficas foram aplicadas sobre os panos de copa, e as legendas para os gráficos de distrito, gravadas na mesma tela, foram aplicadas sobre os guardanapos. A segunda camada de dados do mapa, em forma de bolhas proporcionais, foi estampada a partir de stencil em kraft, cortado manualmente.

Figura 38 Preparação da dela para aplicação da serigrafia sobre panos de prato

Figura 39 Teste de estampa com visualização cartográfica em pano de prato

Os moldes para pictogramas e nomes de distrito foram cortados a laser, em papel kraft de 250mg. Os nomes de distritos foram alocados em 7 folhas A4, enquanto o gráfico de pictogramas foi cortado a partir de uma folha A2, resultando em uma peça de 40x40cm. Antes da aplicação do stencil, foi realizada a imersão dos guardanapos em tinta diluída, obedecendo a proporção correspondente ao dado de cada distrito. Por último, os guardanapos foram estampados em stencil, variando de um para outro apenas o nome do distrito e o número de pictogramas preenchidos. Imagina-se que em uma situação de produção em larga escala, poderiam ser empregadas técnicas industriais mais adequadas à reprodutibilidade do elemento. No entanto, é interessante notar como o processo do fazer manual também se insere em um movimento de "slow data". 111



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Figura 40 Desenho baseado no diagrama Visualization Wheel, em que, de acordo com Alberto Cairo (2012), o resultado indicado pela cor verde é preferido entre cientistas e engenheiros, o resultado indicado em laranja é preferido por profissionais como jornalistas, designers e artistas. Em magenta, apresenta-se uma leitura da autora sobre o projeto. Elaboração própria.

Um método que pode ser considerado para se interpretar os produtos finais é o da “Visualization Wheel” (Figura 40), diagrama que propõe a classificação de um gráfico com base em seis eixos principais: Abstração – Figuração; Funcionalidade – Decoração; Densidade – Clareza; Multidimensionalidade – Unidimensionalidade; Originalidade – Familiaridade; Inovação – Redundância. Partindo dessa abordagem desenvolvida por Alberto Cairo, realiza-se a seguir uma leitura acerca das visualizações produzidas. Abstração – Figuração Nesse eixo, considera-se que, apesar de haver utilizado um gráfico de pictogramas, a linguagem geométrica dos desenhos tende a ser mais abstrata do que figurativa. Nos mapas, apesar de a forma territorial ser mantida sem distorções, utilizou-se da divisão em distritos, que é também uma forma de abstração. Assim, entre abstração e figuração, as visualizações parecem estar mais direcionadas à abstração.

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Funcionalidade – Decoração Quanto a esse aspecto, pode-se analisar tanto a composição das estampas, quanto o suporte físico. Todas as formas presentes nas visualizações possuem uma função. Não existem elementos puramente decorativos nesse projeto. Em relação ao suporte, apesar de sua natureza funcional, há abertura para sua interpretação como item decorativo. Os panos de prato foram costurados de forma a permitir seu uso como banner. Mesmo com a possibilidade de decoração em razão do suporte, entende-se que as visualizações em si são constituídas por elementos em que prevalece a funcionalidade. Densidade – Clareza Sobre a relação entre a quantidade de informação apresentada e o espaço disponível no suporte, acredita-se que há um equilíbrio. Os elementos são distribuídos de forma a serem facilmente identificados, mas há momentos de sobreposição. O mapa contém a sobreposição de bolhas a texturas, e o gráfico contém sobreposição de pictogramas ao preenchimento de área. Esse último gera algumas preocupações quanto ao entendimento de que as diferentes representações são independentes entre si. Esse é um aspecto que poderia ser foco de testes com usuários, se houvesse tempo hábil para tal. Multidimensionalidade – Unidimensionalidade Esse eixo dialoga ainda mais diretamente com a última questão colocada, podendo as visualizações serem classificadas como multidimensionais. Em cada tecido, apresentam-se duas ou mais camadas de dados, inclusive com escalas de representação diferentes. A legenda é um elemento de alta relevância nesse caso, pois sua leitura é fundamental para a interpretação correta do valor dos elementos visuais. Originalidade – Familiaridade As visualizações criadas se apoiaram em formas gráficas que podem ser consideradas simples e intuitivas, seja pelas convenções cartográficas ou pelas convenções de leitura, como o empilhamento dos pictogramas ou o avanço ascendente do preenchimento por cor. Há, no entanto, algum nível de originalidade na composição: a variação de formas simples resultou 116


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em uma combinação específica para cada distrito, imprimindo-lhes, como que uma marca visual única. Esse efeito, porém, se apoiou na construção sobre formas familiares. Inovação – Redundância O projeto parece transitar entre essas duas características. Ao mesmo tempo em que conta com uma matriz que se repete, a combinação entre dados de duas ou mais camadas traz uma impressão nova a cada repetição. Uma mesma estrutura, sob ação dos dados, pode resultar em 96 visualizações diferentes.

Data-ink ratio = Ink that encodes data / Total amount of ink used to print the graphic 11

Vale, ainda, trazer duas leituras sobre a visualização de dados que não necessariamente são opostas, mas podem ajudar a situar este projeto. De um lado, tem-se o conceito de Data-ink ratio¹², proposto por Edward Tufte (1983). Comunicado em uma linguagem matemática, essa expressão diz respeito à relação entre a tinta que contém dados, e o total de tinta usado para imprimir um gráfico. Ao mesmo tempo em que essa relação pode ser considerada equilibrada no projeto, visto que todos os elementos visuais carregam dados, pode-se questionar internamente se Tufte teria defendido uma redução das representações ao seu mínimo volume. No entanto, não havia no projeto nenhum requisito neste sentido.

We can write rich and dense stories with data. We can educate the reader’s eye to become familiar with visual languages that convey the true depth of complex stories. Dense and unconventional data visualizations promote slowness — a particularly poignant goal to set in our era of ever- shortening attention spans. If we can create visuals that encourage careful reading and personal engagement, people will find more and more real value in data and in what it represents. 12

A criação de uma experiência de observação cuidadosa dos diferentes contextos e escalas territoriais é uma característica fundamental do projeto "Dados à Mesa". A abordagem adotada por Giorgia Lupi diz muito sobre a intencionalidade desse projeto, ao passo que incentiva a busca pelo envolvimento do usuário com os dados. Podemos escrever narrativas ricas e densas com dados. Podemos educar o olhar do leitor para tornar-se familiar com linguagens visuais que comunicam a verdadeira profundidade de histórias complexas. Visualizações de dados densas e não-convencionais promovem lentidão – uma marca particularmente pungente para se ter em uma era de períodos de atenção cada vez mais curtos. Se formos capazes de criar visuais que encorajam a leitura atenta e o engajamento pessoal, as pessoas irão encontrar cada vez mais valor real nos dados e no que representam”. (LUPI, 2017, tradução livre ¹²)

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A arquitetura da informação deste projeto também dá abertura a algumas reflexões. É possível identificar os guardanapos como componentes de um universo mais abrangente, representado pelo pano de prato. De forma análoga, a funcionalidade desses objetos também carrega essa relação entre “todo” e “partes”. No preparo (ou desfecho) de uma refeição, um pano de prato pode ser utilizado por todas as pessoas envolvidas. Diferentemente, cada guardanapo costuma atender a apenas um dos participantes. Ao alimentar-se, atividade fisiológica realizada individualmente, um usuário pode observar as condições do distrito em que habita, reconhecendo-se dentro desse recorte. Durante a socialização que ocorre em meio às refeições, construção histórica do ser humano, é possível compartilhar as diferentes perspectivas presentes em uma mesa, se houver diversidade de origens em sua composição. Por fim, as atividades de preparo e desfecho do ato do consumo alimentar, tão desprezadas e terceirizadas em alguns contextos, são aquelas que possibilitam uma visão para além da mesa.

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Vu l n e r a b i l i d a d e Social x

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Dar um desfecho para esse trabalho tem sido uma tarefa desafiadora. A começar pela escolha da temática, tão complexa e cheia de fatores de influência, e além de tudo carregada de significados. Trabalhar com visualização de dados foi um exercício de abertura ao inesperado da realidade. Ao mesmo tempo, o estímulo principal a essa investigação é justamente a dúvida, a pergunta que surge das vivências urbanas e a busca eterna por respostas visuais e sensoriais que contemplem o território de São Paulo em suas especificidades. Houve, é claro, a necessidade abrir mão de muitas ideias que surgiram ao longo desse processo. Aprender a priorizar alguns caminhos em detrimento de outros foi uma grande lição que ressignificou minha relação com o papel da arquiteta-urbanista-designer no mundo. Durante toda a trajetória da graduação em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP, são vivenciadas e incentivadas inúmeras possibilidades de exercício profissional. O mais importante sobre isso não é aplicar todas as competências em um mesmo trabalho, mas sim aprender a enxergá-lo de diversas perspectivas e escolher uma forma de atuar sobre a questão. Houve um longo percurso até que se afirmasse essa consciência, mas a escolha de atuar como designer da informação neste projeto trouxe imensa realização pessoal. Para além do trabalho que se entrega, o que começa com uma curiosidade, termina com outra ainda maior. E acredito que assim deva ser para que tudo continue fazendo sentido.

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