Lares Roubados - O Habitar Confinado do Sistema Asilo-Colônia

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Aos meus pais, que sonharam todos os meus sonhos comigo, e à Vó Celina, Madrinha e Tia Eliana, que se foram. À todas as pessoas afetas pelo regime de internação compulsória. Que o presente trabalho possa contribuir para a preservação de suas memórias, pois a arquitetura vazia de sentimentos nada significa.

“Eu não condeno que me afastassem, mas eles podiam ter feito com amor.”¹

¹Alice Andrade (PENHA, 2014, p. 171).



A

gradecimentos

A Profa. Dra. Silvana Aparecida Alves e Prof. Dr. Vladimir Benincasa por terem aceitado o convite de orientar este trabalho. Todas as pessoas brilhantes que conheci nos últimos 5 anos, que de alguma forma me ajudaram a crescer e ver a vida com outros olhos, sou imensamente grata. Amigos que vivi longe durante este tempo, mas que nunca questionaram minha ausência, porque mais uma vez estava virando noites. Liara Campos e Claudia Bigoto por tudo que vivemos. Não mudaria nada. Felipe Dolce pelo apoio e incentivo incondicionais todos esses anos. Obrigada por me ajudar na revisão do texto, da diagramação e a ensaiar as apresentações. Obrigada por me ajudar a acreditar em mim.



Resumo Este trabalho busca compreender os significados e consequências do habitar compulsório em uma instituição de confinamento, como a constituída pelo sistema Asilo-Colônia Aimorés. Para tanto, percorre as definições do habitar, e parte da análise do passado, da vida dos indivíduos nas colônias, culminando na percepção atual sobre a antiga colônia e o local onde vivem. Trata-se de uma investigação não apenas da história dos Asilos Colônias, mas também da relação entre a arquitetura e a forma como nos conectamos ao mundo. Palavras-chave: Asilos Colônias, Asilo Colônia Aimorés, hanseníase, habitar, confinamento, percepção ambiental.

Abstract This work seeks to understand the meanings and consequences of compulsory housing in a confinement institution, such as the Leprosarium Aimorés system. To do so, it goes through the definitions of inhabiting, and part of the analysis of the past, the life of the individuals in the colonies, culminating in the current perception about the old colony and the place where they live. It is an investigation not only of the history of Leprosarium but also of the relationship between architecture and the way we connect to the world. Keywords: Colony Asylums, Leprosarium Aimorés, Hansen’s disease, habitation, confinement, environmental perception.



02//

Introdução

06//

Revisão Bibliográfica

Objetivo

04

Fenomenologia do Morar

08

O Espaço Projetado para o Confinamento

Higienismo e Controle do Espaço

Modelo Asilo-Colônia

Modelo Asilar Paulista 25

17

21

A Vida nos Asilos-Colônias

Metodologia

40//

Linha do Tempo

42//

Asilo Colônia Aimorés Arquitetura e Urbanismo

114//

47

Percepção Ambiental

26

As Crianças e os Asilos Colônias

36//

11

Modelos Espaciais de Confinamento

A Casa e a Rua

10

A Instituição Relatos

88

Estudo Socioespacial

86

87

101

Considerações Finais Referências Iconográficas

120

Referências Bibliográficas

123

33

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01.

Introdução


A

partir da Revolução Industrial e da mudança no processo de produção,

a sociedade passa a compreender a falta de higiene e a proliferação de doenças como fatores negativos e que deveriam ser evitados, pois repercutiam na capacidade produtiva de sua mão-de-obra e, consequentemente, na economia. Nesta conjuntura, instalam-se e consolidam-se as diretrizes higienistas, principalmente no âmbito urbano.

A crença na transformação do meio como forma de transformação do

indivíduo torna-se cada vez mais forte, passando a influenciar o desenvolvimento de modelos espaciais de confinamento, como prisões, hospitais, manicômios e vilas operárias. Tais modelos podem ser entendidos como a base para a construção de um outro modelo espacial de confinamento, destinado ao isolamento de uma doença endêmica milenar: a hanseníase, que ao longo da história recebeu uma carga pragmática muito grande, relacionada ao emprego do termo lepra, utilizado na Antiguidade como denominação de diversas enfermidades relacionadas à pele, e referida nos textos bíblicos como uma doença de pecadores. Dessa forma, como fruto de práticas higienistas e estigmas seculares, surge o modelo Asilo-Colônia, que como o próprio nome sugere, asila compulsoriamente os portadores de hanseníase em colônias que mimetizam a vida ordinária da sociedade sadia.

Em relação ao processo de internação compulsória encontrado como

solução à epidemia da doença, existe um ponto crucial para compreensão da seguinte pesquisa: a destituição do indivíduo portador de hanseníase de sua casa. A casa e o ato de habitá-la constituem a forma que o indivíduo se relaciona com o mundo, compreendem tanto um ato simbólico quanto ato gerador de identidade. A casa é a casca material que abriga o conceito de lar, que surge da interação da memória, do tempo, da identidade e da cultura, ou seja, espelha quem o criou. A destruição desta casca pode ser entendida como a des-

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truição da ponte entre o indivíduo e o mundo, logo, compreende ao primeiro passo do processo de isolamento, não apenas espacial, como psicológico.

Isto posto, o estudo e análise atual do antigo Asilo-Colônia Aimorés

constitui a última etapa de um ciclo. Sua origem é conhecida, da mesma forma que seu desenvolvimento e decadência, resta o conhecimento sobre a destinação final dos resquícios desse sistema.

1.1.

Objetivo

O objetivo da pesquisa é a compreensão do significado do habitar, e das

consequências do habitar sob confinamento, enfrentado pelos indivíduos internados compulsoriamente sob o regime dos Asilos Colônias. Para tanto, busca-se a realização de uma análise, com base nos conceitos de percepção ambiental, da vivência destes, tanto como internos do Asilo-Colônia Aimorés, como emancipados do mesmo, visando o entendimento completo deste cenário, a fim de se obter um posicionamento sobre a preservação do que ainda resta da antiga colônia.

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02.

Revisรฃo Bibliogrรกfica


E

ste capítulo busca subsidiar, através da revisão da bibliografia existente,

a análise proposta nos capítulos subsequentes sobre a conjuntura atual dos antigos Asilos-Colônias, em específico do Asilo Colônia Aimorés, o último asilo a ser inaugurado no estado de São Paulo, em 1933. Temáticas referentes a história desse sistema no Brasil e no mundo serão abordadas, assim como a remota origem de sua concepção.

Apesar do tom histórico, a abordagem não se restringe à narração de

fatos e descrições de uma instituição extinta. A humanização dos acontecimentos caracteriza a investigação e, para tanto, a abordagem teórica sobre o indivíduo e a forma como se relaciona com o espaço que habita, e com a arquitetura, é determinante.

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2.1.

Fenomenologia do Morar

Em busca da compreensão da essência do conceito de morar, é neces-

sário primeiramente desvendar o que significa o ato de habitar, não somente entendendo-o como um verbo, uma ação, mas como um fato propriamente dito.

Habitar abrange espaço, tempo, identidade e simbologia. Retoma as ori-

gens ontológicas da arquitetura, é a ressignificação de um espaço qualquer em algo de amplo significado, como a casa. Compreende o modo básico de relação entre o indivíduo e o mundo, na medida em que se acomodam mutuamente: o indivíduo no espaço e o espaço na consciência do indivíduo. Evoluindo a um ato propriamente simbólico, gerador de identidade, tendo em vista que passa a fazer parte do mundo de quem habita, envolvendo seu corpo, suas necessidades físicas e mentais, memórias, sonhos e desejos. Habitar também é uma forma de controlar o tempo, considerando o ato de habitar como um fator de escala, de forma que o próprio caráter eterno do tempo passe a ser mensurável.

Em seu livro Habitar, Pallasmaa (2017) coloca que aninhar-se perten-

ce à fenomenologia do verbo habitar. Seja aplicado como verbo transitivo, intransitivo ou verbo pronominal, aninhar-se significa, em termos gerais fazer o ninho, abrigar-se ou recolher-se ao mesmo. Dessa forma, cabe neste contexto o esclarecimento dos conceitos de lar e casa, entendendo a casa como uma expressão arquitetônica.

Primeiramente é necessário compreender que um lar não pode ser cons-

truído de um instante a outro, como uma casa. Lar é como uma substância complexa que surge da integração de diversos fatores, como memória, identidade, imagens, desejos, medos, passado e presente, rituais pessoais, rotina, resquícios comportamentais de origem biologia e valores culturais. É uma 8


concepção tão poderosa que é capaz de espelhar a identidade de quem o criou. Constitui um ponto fixo no tempo, visto que está ligado às memórias e, portanto, presume continuidade. É “um produto gradual da adaptação da família/indivíduo ao mundo”. (PALLASMA, 2017, não paginado). Logo, sua ausência resulta em desapego e ausência de passado, um perpétuo tempo presente.

Mesmo não sendo em um primeiro momento algo palpável, como um

objeto ou edifício, o lar limita as esferas pública e privada. Como expressão do espaço pessoal materializa ao mundo a imagem de seu criador. A casa, consequentemente, pode ser entendida como uma casca que envolve o conceito de lar, que nem por isto é irrelevante, ao passo que também expressa a personalidade de seu morador. Contudo, o lar, como abstração é mais próximo da vida a qual pertence do que de sua casca protetora, sendo completamente viável, dessa forma, a construção de uma casa, que apesar de suprir todas as necessidades de seus moradores, não abrigue suas identidades.

Assim, a casa, como coloca Pallasmaa (2017), pode ser entendida como

uma metáfora do corpo, da mesma forma como o corpo é uma metáfora da casa, constituindo um diálogo, uma troca. Logo, a partir do momento em que se fala sobre o conceito de casa já se torna possível falar sobre arquitetura.

A arquitetura é a forma criada pelo homem para domesticar o mundo,

não só habitá-lo, mas compreendê-lo, semelhante a mitologia, criada primordialmente para explicar o mundo e seus fenômenos até então incompreensíveis. Assim, a casa “constitui um corpo de imagens que conferem à humanidade provas ou ilusões de estabilidade.” (PALLASMA, 2017, não paginado). A casa é o primeiro universo do ser humano, a arquitetura estrutura sua existência.

É mais do que um abrigo em seu significado mais primitivo, ela condi-

ciona as experiências como uma moldura de uma janela condiciona a paisa-

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gem. É na arquitetura que os conceitos de morar, habitar e casa se unificam. A arquitetura surge do ato de habitar e esta imagem geratriz se concretiza na casa, a moradia humana, alojando memórias, sonhos, desejos. Por este motivo centros históricos, repletos de edifícios e estruturas de diferentes épocas são reconfortantes, pois reforçam o sentido de pertencimento, constroem raízes. Ela torna real o sentido de continuidade do ser humano, da cultura e da vida através da preservação do passado. Como afirma Allain de Botton no livro A Arquitetura da Felicidade: “Construímos pelo mesmo motivo que escrevemos: para registrar o que é importante para nós.” (BOTTON, 2007, pg. 122)

Tais conceitos divergem drasticamente do conceito de objeto arquitetô-

nico, entendido como uma obra de arte intocável, algo desprovido de vida. O principal objetivo da arquitetura que aqui se refere, é o de estruturar as relações do eu com o mundo, com outras pessoas e com o espaço. Extrapola a função de abrigo e de uma arquitetura com fim em si mesma. Assim, uma arquitetura de fato significativa, ou seja, segundo Pallasmaa (2017), que permita que sintamos como seres corporal e espiritualmente completos é indissociável do que significa habitar, do que compreende um lar, do que é uma casa, um domicílio e, portanto, do que é morar.

2.2.

O Espaço Projetado para o Confinamento

O espaço não existe desconexo, como um componente isolado. O espaço

é criado por quem o vivencia e por quem o habita. Este, quando destinado ao confinamento é projetado exclusivamente para este fim. Dessa forma, neste subcapítulo abordam-se as origens dos espaços de confinamento para determinados grupos da sociedade ao longo da história, e como contribuíram na concepção do modelo espacial de confinamento destinado aos portadores de hanseníase, o modelo Asilo-Colônia.

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2.2. 1.

Higienismo e Controle do Espaço

A mudança no modo de produção, verificada no decorrer do processo da

Revolução Industrial, acarretou em profundas alterações do espaço urbano, tanto no âmbito físico quanto comportamental. O aumento populacional em conjunto à baixa oferta de habitação e baixos salários, resultou em habitações coletivas inadequadas e sem estrutura, que favoreciam o desenvolvimento de doenças e consequente rejeição social de seus moradores.

Tais locais passam a ter relevância apenas a partir do momento em que

a sociedade se dá conta de que a falta de higiene e a proliferação de doenças compunham fatores desfavoráveis à produtividade, pois repercutiam na integridade da mão-de-obra. Assim, a saúde da população torna-se pauta quando passa “a significar a manutenção do consumo e da produção de bens” (COSTA, 2008, p. 60).

De início as problemáticas em relação à saúde e higiene compunham

questões a serem resolvidas pela polícia, através de punições. Contudo, com o desenvolvimento da temática, passam a caber aos médicos e engenheiros. É o surgimento da engenharia sanitária e das obras de higienização urbana.

Neste contexto observa-se a predominância de duas teorias, a miasmá-

tica e a contagionista. A primeira refere-se às condições climáticas como causadoras das doenças e a segunda está ligada à descoberta dos microrganismos patogênicos, logo, entende as epidemias como resultado do contato entre os doentes. Ambas passam a moldar a forma que, tanto a cidade como a sociedade enfrentam a questão relevante à saúde. Por não se conhecerem profundamente as causas das doenças, as ações se dividiam somente entre isolamento de doentes em hospitais (evitando-se o contágio) ou a fiscalização de produtos, construções e espaços públicos e a estruturação urbana (evitando-se a transmissão pelo meio). (COSTA, 2008, p. 61)

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Desta forma, no início do século XX o que se deseja é o afastamento do

que eram as cidades industriais. A crença na transformação do meio como solução definitiva acarreta na consolidação de diretrizes higiênicas em todos os âmbitos urbanos, contudo, é interessante notar que no Brasil crê-se ainda que tais diretrizes higienistas também seriam capazes de transformar seu povo e a integridade de toda a nação. No começo do século XX, o Brasil se caracteriza pela busca de sua própria identidade, uma que simbolize o progresso.

Nesta busca, contraditoriamente, o país passa a caminhar próximo às

ideologias eugenistas, que se pautavam no “determinismo biológico”, ou seja, que o indivíduo estava fadado a carregar determinado caráter, definido em seu nascimento, sem perspectiva de progresso. Francis Galton, formulador do conceito acredita que apenas a não procriação de tais indivíduos romperia a propagação hereditária de suas características negativas. Vale ressaltar ainda que a eugenia priorizava a raça branca e desincentivava a miscigenação (COSTA, 2008, p. 65).

Assim, a própria população brasileira, miscigenada, vista sob esta pers-

pectiva como destinada ao fracasso, passa a adotar diretrizes sanitárias como forma de excluir aqueles vistos como atraso ao progresso. “A segregação em asilos, por sua vez, representaria um método de isolamento dos que eram declarados incapazes de ter ‘descendência normal’.” (MOTA, 2003 apud COSTA, 2008, p. 68)

2.2. 2.

Modelos Espaciais de Confinamento

A partir da consolidação da sociedade industrial, as questões relaciona-

das à saúde e higiene passam a receber maior relevância social, principalmente no que tangem as discussões sobre o contexto urbano e seu desenvolvimento.

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O que se tem em vista, na verdade, é influência direta da cidade sobre a

manutenção das atividades econômicas industriais, mais especificamente da sua força de trabalho, o homem.

Nesse momento é possível observar recorrência das temáticas sobre

ventilação e luz natural, assim como de transformação e controle dos indivíduos, que consequentemente passam a refletir em novas tipologias arquitetônicas responsáveis por lidar com a exclusão dos considerados inadequados socialmente, e daqueles que representam uma ameaça à estrutura social vigente (COSTA, 2008). Toda uma problemática se desenvolveu então: a de uma arquitetura que não é mais feita simplesmente para ser vista (fausto dos palácios), ou para vigiar o espaço exterior (geometria das fortalezas), mas para permitir um controle interior, articulado e detalhado – para tornar visíveis os que nela se encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador para a transformação dos indivíduos: agir sobre aquele que abriga, dar domínio sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos do poder, oferecê-los a um conhecimento, modificá-los (FOUCAULT, 2003 apud COSTA, 2008, p. 100)

Pode-se observar tal transformação em quatro tipos de espaços: nos

presídios, nos hospitais, nos manicômios e nas vilas operárias, que em específico nascem no próprio contexto da sociedade industrial.

Os presídios compreendem um sistema já pré-existente de controle e

transformação dos indivíduos através das edificações. As principais modificações ocorrem então no sentido de primeiramente se evitar a propagação de doenças. Através de implantação de conceitos de ventilação e higiene, as estruturas dos cárceres são alteradas. Da mesma forma acontece com o conceito de “contaminação moral”, que passa a influenciar na repartição, de acordo com as idades e os tipos de infrações. Somando-se a estes, a vigilância constante

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dos presos passa a moldar as edificações, assim como a crença no determinismo arquitetônico como força motriz da transformação social. Vê-se também a função moralizante através da religião, seja pela presença de religiosos ou das capelas.

Os hospitais, por sua vez, sofrem mais do que modificações relaciona-

das a sua arquitetura ou forma de organização, suas transformações são mais profundas e passam a alterar simbolicamente a imagem desta instituição tão antiga, anteriormente vinculada às ordens religiosas.

De instituição de salvação e conforto espiritual é possível observar sua

evolução, a partir das guerras, em instrumento de cura e restabelecimento da saúde dos soldados. Os médicos passam a também ter participação mais relevante em relação à elaboração de normas, técnicas e à construção de hospitais realmente funcionais. Os doentes passam a ser separados de acordo com o tipo de doença que apresentam e o sexo, os espaços passam a ser organizados de acordo com as atividades a ele vinculadas, os leitos coletivos são extintos e todo o programa de serviços do hospital passa a se estruturar a partir dos eixos de circulação, dando origem, portanto, a tipologia pavilhonar, que se disseminará como tipologia hospitalar, pois possibilitava tanto a ventilação cruzada quanto a iluminação natural, tidas como promotoras da salubridade (COSTA, 2008).

Além de se apresentar como uma revolução em si mesma, a instituição

do hospital compreende também a ascendência da profissão dos médicos e reconhecimento da medicina pela população. A antiga relação entre médico e paciente é invertida, visto que antes os atendimentos eram realizados em domicílio. A partir de então os pacientes são submetidos à ordem médica predominante no ambiente hospitalar. Esta ordem remete à disciplina hospitalar, à rendição do doente, pois não somente este deveria submeter-se à medicina,

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como também aos princípios morais, resquícios de sua remota origem religiosa. Dentro da higiene do ambiente hospitalar o doente é tido como “elemento sujo”, logo, precisava ser vigiado e inspecionado, assim como os escalões mais baixos precisam da supervisão de seus superiores (COSTA, 2008).

As tipologias das edificações hospitalares somente irão alterar-se na se-

gunda metade do século XIX, onde a qualidade do ar torna-se prioridade frente a teoria dos germes e o surgimento dos antissépticos. Os pavilhões caem em desuso e são destinados apenas às internações de longo prazo, no caso de doenças contagiosas. Construídos em locais afastados do meio urbano, considerados adequados de acordo com as teorias em que o contato com a natureza favorecia a recuperação dos doentes, as novas localizações de tais tipologias também promoveram, convenientemente, um espaço de segurança entre o meio urbano e os doentes contagiosos.

Os manicômios, contudo, passaram a existir apenas a partir da metade

do século XIX, quando os chamados “desvios morais” tendem a receber maior atenção e especialização de diagnósticos. Como anteriormente não se acreditava na loucura como algo passível de tratamento, os acometidos por tal estado dificilmente eram isolados em hospitais. Entretanto, os asilos para loucos surgem como resposta à consolidação da nova sociedade urbana industrial, onde o fator de normalidade e saúde mental compreendia, na verdade, à capacidade ou não dos indivíduos ao trabalho, sendo, portanto, o destino dos que não se inseriam na nova ordem produtiva, passando a servir também como ameaça aos improdutivos. Como coloca Costa (2008): “Mediante a criação de instituições de reclusão e punição aos desviantes do padrão produtivo, promovia-se o perfil ideal de trabalhador.” (COSTA, 2008, p. 116)

A condição patológica da loucura e, desse modo, sua consequente possi-

bilidade de tratamento e cura surgem apenas com o desenvolvimento da psi-

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quiatria. Ou seja, a atualização do “padrão de normalidade” passa a ser estabelecida pelos médicos. Assim, como nas prisões, acreditava-se que o próprio edifício acarretaria em uma mudança de comportamento, um instrumento no tratamento dos doentes, complementado pelo trabalho, a principal terapia dos internos.

Dessa forma, os asilos estruturam a solução para a questão dos indese-

jáveis na sociedade, uma ferramenta essencial para manutenção da ordem, que se altera apenas após a década de 30, com inserção dos remédios no tratamento dos distúrbios mentais, e consequente diminuição nas internações. Logo, a arquitetura de caráter moralizante extingue-se, principalmente devido ao elevado custo e evolução dos tratamentos, não mais focados nos desvios morais, assemelhando-se no fim às casas de detenções, relegadas aos casos tidos como “incuráveis”.

Enfim, as vilas operárias diferentemente das outras estruturas apresen-

tadas, estão restritas a um período do tempo, nascendo literalmente a partir da revolução industrial e suas demandas diretas. São respostas sociais ao caos vivido nas cidades e à necessidade de domínio, não só físico, como moral, do empregador sobre a vida de seus operários.

Como visto em outras estruturas, as vilas também são construídas ten-

do como base a crença na capacidade de transformação do caráter do indivíduo pelo espaço, constituindo a habitação o principal instrumento moralizador neste contexto, pois além de retirar o operário de ambientes urbanos tidos como corruptos e imorais, sua própria tipologia refletia a vigilância, facilitando tanto a inspeção externa quanto a inspeção mútua entre os moradores, colaborando, portanto, com a manutenção da ordem. As atividades de lazer e educação seguiam a mesma linha de raciocínio.

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Logo, algumas vilas compreenderam verdadeiras experiências de


transformação social guiadas pelas crenças dos industriais. Devido a sua localização na área rural, justificada pelos preços mais baixos e pelos recursos naturais disponíveis, estavam menos sujeitas às leis urbanas, isoladas, o que apenas facilitava a dominação e autonomia.

Em vista do que foi exposto, é possível relacionar estes quatro modelos

espaciais com o que é observado no modelo dos asilos-colônias para pessoas com hanseníase. Semelhante a todos, apresentam o determinismo arquitetônico, a crença na capacidade transformadora da arquitetura. Como nas prisões e manicômios refletem o isolamento e a solução para o caso dos indivíduos tidos como indesejáveis socialmente.

Os hospitais, além de constituírem elemento essencial dentro do pro-

grama dos asilos-colônias, também direcionaram as diretrizes espaciais do projeto, complementado pelo que foi aprendido com as vilas operárias: tipologias residenciais de vigilância, atividades de lazer e educação buscando a subordinação, assim como trabalho, atividade tida como moralizante e, é claro, a estimulação da religião.

Como será esclarecido em tópicos posteriores estas quatro matrizes es-

paciais tiveram seus conceitos e ideais materializados no projeto urbanístico e arquitetônico dos asilos-colônias, que constituíram em seu tempo uma compilação espacial que, apesar de ser destinada ao tratamento da saúde, aprisionava, isolava e manipulava seus moradores para que aceitassem a realidade a que estavam submetidos.

2.2. 3.

Modelos Asilo-Colônia

A hanseníase, ou doença de Hansen, foi descoberta em 1872 pelo mé-

dico Norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen e compreende uma doença infectocontagiosa que afeta exclusivamente humanos. Causada pelo bacilo

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Mycobacterium leprae, ataca nervos periféricos e a pele, ocasionando manchas, perda de sensibilidade e, em casos graves, atrofias e sequelas irreversíveis. Contudo, possui uma evolução lenta, demorando a comprometer fisicamente seus portadores.

A transmissão ocorre através do contato, da pele ou mucosa, de um in-

divíduo doente e outro saudável. Entretanto, o doente deve apresentar grande quantidade de bacilos na forma contagiosa e o outro indivíduo ter ou apresentar baixa imunidade para que a transmissão seja efetiva. Logo, o diagnóstico e tratamentos precoces são essências para a quebra do ciclo de transmissão, assim como a melhora nas condições de vida do próprio doente, através de ambientes higienizados, hábitos de higiene e alimentação correta, que corroboram com aumento de sua imunidade e consequente interrupção da medicação. No entanto, tal processo de diagnóstico e tratamento não se dá de forma tão simples, visto que a hanseníase carrega um grande estigma, que favorece tanto a sua ocultação da sociedade quanto a interrupção do tratamento.

Parte de tal estigma relaciona-se com o emprego do termo lepra, utili-

zado na Antiguidade como denominação de diversas enfermidades relacionadas à pele, incluindo a hanseníase, pois, de origem grega, significa: descamação, esfoliação, casca de árvores. (...) a impressão de miséria e sujeira, bem como a feiura resultante da degradação do corpo doente, prevalecia na caracterização das doenças e, consequentemente, nas suas denominações. Os hebreus definiam as doenças de pele como impurezas, o que, na tradução da Bíblia do hebraico para o grego e latim, repercutiu na inserção da doença hanseníase dentro da condição de lepra, levando tal enfermidade a assumir a denominação que perdurou séculos. (COSTA, 2005, p. 15)

Dessa forma, foi determinado o repúdio e exclusão dos portadores de

hanseníase ao longo do tempo, reforçado principalmente no Ocidente pelos 18


textos bíblicos que definiam os “leprosos” como pecadores, constituindo, portanto, a doença uma forma de expiação de seus pecados. Assim, no século XI, surgem os leprosários, instituições de ordem religiosa, que inauguraram a primeira iniciativa de isolamento espacial dos doentes frente a uma doença endêmica.

No Brasil, os primeiros relatos sobre a hanseníase aparecem em docu-

mentos do século XVII. Acredita-se que os colonizadores europeus foram os responsáveis pela vinda da hanseníase ao continente americano.

A primeira edificação oficialmente destinada aos leprosos, que incluía

os portadores de hanseníase, localizava-se no Rio de Janeiro e buscava apenas retirar os doentes da cidade, que habitualmente encontravam-se em situação de mendicância, isto em 1741. A partir da proclamação da República, em 1889, o país entra em compasso com ideais internacionais e o saneamento passa a governar as ações de desenvolvimento. Em 1904, a hanseníase passa a constar no regulamento sanitário federal como doença de notificação compulsória e o isolamento é tido como a melhor forma de contenção da epidemia. Já em 1923, a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas decreta o isolamento compulsório como medida profilática, são criadas as colônias agrícolas e outros estabelecimentos para reclusão dos doentes.

A construção dos asilos-colônias é implementada a partir da década de

30, período pós a Revolução de 30, que possibilita maior possibilidade de intervenção federal nos Estados. Além ser utilizada a própria capacidade produtiva dos doentes para diminuição de custos, as construções dos asilos-colônias também recebem incentivo do setor privado, também interessado no controle da doença.

O Estado de São Paulo, por sua vez, destacava-se com relação ao núme-

ro de casos da doença apresentados em seu território, seja pelo tamanho ex-

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pressivo de sua população, pela alta concentração de imigrantes ou pela baixa qualidade de vida das classes trabalhadoras. Assim, a frente do restante do país em relação ao desenvolvimento científico-sanitário e, cenário de grandes interesses econômicos São Paulo desenvolveu um setor de saúde pública independente dos moldes federais, facilitado pela autonomia administrativa dos Estados em relação a Federação, que posteriormente tornou-se referência nacional (COSTA, 2005).

É fundado, em 1924, o Serviço de Profilaxia da Lepra, com o objetivo de

atender os pacientes de hanseníase do Estado. No ano seguinte este transforma-se na Inspetoria de Profilaxia da Lepra (IPL), que implanta o então sistema isolacionista dos Asilos-Colônias no Estado. Dez anos depois, em 1935, a IPL evolui para o Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL), completamente independente do próprio Departamento Nacional de Saúde. (...) a legislação paulista relacionada à hanseníase garantia ao Departamento de Profilaxia o total controle sobre o doente, pois este, quando diagnosticado, passava a “pertencer” ao DPL, onde somente os profissionais oficiais do órgão poderiam tratá-lo. (COSTA, 2008, p. 57)

Desse modo, pautando sua política de saúde exclusivamente no isola-

mento dos doentes, o Estado de São Paulo apresentou os Asilos-Colônias como solução, não apenas à questão relacionada à saúde e ao isolamento da doença, mas também da questão social, visto que visavam o controle dos próprios doentes, que compunham uma parcela da população ainda produtiva, que, entretanto, não cabia mais ao convívio com o restante da sociedade.

Como não fazia sentido mantê-los em hospitais, devido ao custo e ine-

xistência de um tratamento efetivo, o modelo Asilo-Colônia preenche essa necessidade de um abrigo assistido que auxilia também no controle dessa população, através das moradias, atividades e auxílios médicos oferecidos, que

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buscavam não só simular a vida fora das instalações como também oferecer qualidade de vida à população pobre e incentivá-los à auto internação e, consequente aceitação do confinamento. Desse modo, o que se observa é a junção tanto de instrumentos de controle quanto sanitários em uma única instituição.

O novo modelo implantado no Brasil representava a ideia de isolamento difundida pelas nações envolvidas no controle da doença no mundo. Respondia às diretrizes definidas pelas Conferências contra a hanseníase. Nele propunham-se espaços para o lazer e a prática de esportes como formas de moldar o caráter e o temperamento do doente, assim como para promover uma melhora na sua condição física, favorecendo sua recuperação. (COSTA, 2005, p. 149)

Apenas a partir da década de 40, frente a possibilidade de cura, os do-

entes passam a ser reintegrados e os asilos desativados. Contudo, o estado de São Paulo mantém o internamento compulsório até a década de 60, devido a independência de suas próprias legislações.

2.2. 4.

Modelo Asilar Paulista

O modelo asilar implantado no estado de São Paulo, e difundido pelo

país como modelo a ser seguido, foi elaborado por Adelardo Soares Caiuby, resultado da publicação em 1919 do livro “Projecto da Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”.

Apesar de não possuir formação na área de projeto, como engenheiro ou

arquiteto, Caiuby, agrimensor formado pelo Escola Politécnica de São Paulo, atuava como construtor e projetista. Em 1931 através da publicação “O Problema da Lepra no Brazil: analyses e tentativas de solução” pressiona o estado por uma ação frente a propagação da doença, deixando clara sua postura favorável ao isolamento compulsório, postura que se faz presente em outros projetos de sua autoria. 21


Como pode ser visto no projeto da Cidade para Menores no Rio de Janeiro

(1937), que compreende à junção de um projeto penitenciário ao de uma colônia para abrigo de menores infratores, ou seja, um reformatório. Desenvolvido juntamente ao médico e professor Leonídio Ribeiro, baseia-se no conceito de “lar como instrumento de disciplina e transformação, onde o conforto higiene e boa alimentação despertariam nos internos a “ideia de um mundo melhor” (CORRÊA, 1997 apud COSTA, 2008, p. 176). É onde Caiuby reafirma seus ideais e crença no poder que o isolamento tem na reforma dos indivíduos, somado ainda à rotina de atividades.

Dessa forma, o modelo proposto para os Asilos-Colônias abrange tanto

o isolamento quanto a criação do cenário da cidade ideal, com trabalho, espaços de lazer e esportes, parques e praças, capaz de atrair os doentes e garantir sua permanência, ao mesmo tempo em que são submetidos ao sistema.

Analisando o Projeto Modelo proposto por Caiuby, é possível notar di-

versas tendências que influenciaram seu autor. De forma determinante têm-se as preocupações sanitárias, ou seja, preocupações com a incidência solar, ventilação, drenagem, que serão responsáveis pelo surgimento de uma estética própria, incluindo design de janelas, portas, estruturas e sistemas construtivos.

Em relação ao traçado urbano é possível notar o respeito às curvas de

nível e a valorização das áreas verdes. Caiuby tange em vários momentos o paisagismo barroco e a estética do pitoresco, retomando a questão sobre a reaproximação do homem com a natureza, característica popular no século XIX, que se mostra presente também na crença de que o contato com a natureza beneficiava a recuperação dos enfermos.

Além disto, destaca-se ainda a setorização das atividades em determi-

nados espaços, inclusive o zoneamento de influência norte-americana que

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determina as chamadas Zona Sã, Zona Doente e Zona Intermediária, que dividiam tanto as pessoas quanto os serviços prestados dentro da colônia.

Fig. 1 Implantação do Leprosário Modelo

A arquitetura predominante no leprosário, das habitações às enferma-

rias, faz referência ao estilo Bangalô, que se popularizou, também nos Estados Unidos, no início do século XX, junto ao desenvolvimento dos subúrbios americanos. De forma geral, pode ser caracterizado por edificações compostas por um bloco único, protegido por um telhado menos íngreme, que se conecta ao terraço frontal, elemento principal da tipologia. Sua origem remonta à colonização britânica na Índia, sendo concebido, portanto, como forma de adaptação da arquitetura inglesa ao clima quente da região.

Sua rápida difusão se deu principalmente devido ao baixo custo de

construção e manutenção, chegando ao Brasil através dos chamados “livros de modelo”, infiltrando-se na construção paulista. A adoção deste estilo por Caiuby nos Asilos-Colônias pode ser compreendida através do apontamento 23


realizado a seguir sobre o terraço avarandado, característico dos Bangalôs: Esse espaço vincularia a edificação ao entorno natural, aproveitando seus benefícios à saúde e higiene, além de servir para estabelecer as relações sociais dos moradores com a vizinhança. Podemos aqui caracterizá-lo, até mesmo, como um elemento destinado à contemplação da paisagem e, eventualmente, como uma forma de favorecer os moradores a controlarem o comportamento, os costumes e a moral dos moradores próximos. (COSTA, 2008 p. 184)

Logo, pode-se concluir que o estilo abrangia tanto os benefícios à saúde

e higiene desejados, quanto os de controle do comportamento e moralização dos indivíduos. Sua conformação estética também possibilitava a inserção da arquitetura ao espaço paisagístico projetado. A Figura 2, a seguir, possibilita a exemplificação do estilo.

Fig. 2 Estilo Bangalô

24


Além da construção do próprio Asilo-Colônia Modelo, o Asilo-Colônia

Santo Ângelo (1928), foram construídos no estado de São Paulo o Asilo-Colônia Pirapitingui (1931) em Itu; O Asilo-Colônia Padre Bento (1931) em Guarulhos; o Asilo-Colônia Cocais (1932) em Casa Branca; e o Asilo-Colônia Aimorés (1933) em Bauru.

2.3.

A Casa e a Rua

Como visto no primeiro subcapítulo, a relação estabelecida entre um

indivíduo e o local que habita, onde cria suas conexões e constrói seu lar, não pode ser gerada de uma hora para outra, ou forçada, pois seu rompimento compreende também ao rompimento com parte dessa identidade partilhada. Entretanto, este não é o único tipo de relação estabelecida entre o indivíduo e o mundo. A relação com o espaço público marca a delimitação do que não é mais apenas privado, é o limite entre a Casa e a Rua.

Dentro de uma instituição o pensamento mais lógico seria supor que as

esferas público-privado não existem, visto que não se está inserido em uma sociedade, mas excluído da mesma. Contudo, o que se observa dentro dos Asilos-Colônias é a reprodução da esfera pública a partir de relações de poder que mimetizam o status social vivido “fora dos muros”.

As ruas por sua vez, também exercem seu papel nesse teatro do espa-

ço público sob confinamento, esvaziando suas características de vias de acesso para dar lugar a novos significados, ou como colocado por Jane Jacobs, um “microcosmo real” de espaços e relações (SANTOS; VOGEL; MELLO, 1985, p. 24). Pelo simples fato de serem nomeadas, adquirem a capacidade de demarcar territórios, mesmo que ilusórios em vista da redoma institucional, no entanto, os vínculos que ela promove são reais.

No subcapítulo a seguir será possível compreender como muitos inter-

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nos dos Asilos-Colônias conseguiram, mesmo que retirados a força de seus lares, reconstruir parcialmente suas vidas e relações sociais a partir da comunidade que construíram, após serem descaracterizados como indivíduos e assumirem o status coletivo de doentes.

2.3. 1.

A vida nos Asilos Colônias

A vida nos asilos colônias se iniciava de forma abrupta. O rompimento

de laços com o “mundo dos sadios” comumente era violenta e regularmente descrita em relatos de ex-internos como um grande choque. É necessário compreender neste momento o significado de receber a designação portador de hanseníase e como isto sobrepunha-se ao próprio indivíduo. Denominações como leproso, morfético, lázaro, lazarento e ruim de sangue apenas exemplificam a dimensão do estigma capaz de despersonificar um ser humano (PORTO, 2017).

Sob justificativas sanitárias de esterilização, o Departamento de Profila-

xia da Lepra frequentemente queimava as casas dos então leprosos, expondo à toda comunidade, tanto os doentes quanto suas famílias à humilhação pública por uma condição sob a qual não tinham controle e muito menos culpa. Logo, a conexão familiar a alguém doente era tida como algo vergonhoso, levando famílias a mudarem de nome e endereço, assim como o rompimento de relações e anulações de casamentos. (PORTO, 2017, p. 107)

Dessa forma, o trauma pela perda de sua própria moradia, tristeza com-

parada ao luto diante à morte de um ente querido (PALLASMAA, 2017, não paginado), une-se à concreta perda de memórias, identidade e relações, dando início, portanto, ao processo de isolamento, que se revela, nesse sentido, não apenas espacial como também social. Desconectando os indivíduos de seu meio, apagando suas raízes no tempo e sua simbologia no espaço. Já dentro da

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instituição, a doença como fator de identidade também se fazia presente na organização do espaço, posto que suas divisões em Zona Sã, Zona Intermediária e Zona Doente tinham ligação direta com a enfermidade, sistematizando não apenas a distribuição dos edifícios, como também a circulação ou não das pessoas dentro dos moldes da “cidade-jardim”, idealizada pelo modelo asilar paulista que, apesar de vender a ideia de um vilarejo bucólico afastado da vida urbana, impunha um sistema institucional que fazia-se presente a partir de um denominador absoluto: o controle do tempo. Eram determinados os horários para acordar, comer, trabalhar e até se divertir e, consequentemente, cada aspecto do dia-a-dia da comunidade, do trabalho e lazer às relações afetivas (PORTO, 2017).

O que se observa, portanto, é a fragmentação da personalidade de cada

interno, não havendo lugar para individualidades, algo que se pode observar na padronização das residências, restritas às casas geminadas e aos dormitórios coletivos (Carvilles²) que, especificamente, ao não apresentarem cozinha, forçavam práticas de socialização nos refeitórios e demais espaços coletivos. Mesmo as residências apresentavam a padronização de seus espaços internos (social, íntimo e de serviços).

Na Figura 3 é possível observar a organização interna de um dos pavi-

lhões de enfermarias, neste caso, a feminina. Cada edifício de dormitórios coletivos comportava até 48 leitos, e como visto na foto, em muito se assemelhavam à configuração dos antigos pavilhões médicos, populares até a segunda metade do século XIX. O espaço pessoal para cada interno se mostrava muito restrito, compreendendo ao território apenas de sua própria cama, ausente de barreiras visuais e, portanto, aberto a constante vigília.

²Carville: “tipo de alojamento existente no leprosário norte-americano” (COSTA, 2008, p. 281)

27


Fig. 3 Enfermaria Feminina

O próprio trabalho era apresentado oficialmente como forma de terapia

no processo de tratamento da doença, conhecido também como laborterapia. Entretanto, convenientemente, também supriam a mão de obra necessária para manutenção da própria instituição, ao mesmo tempo em que se fornecia uma espécie de propósito aos internos. Ou seja, através do trabalho evitavam-se as revoltas, além de se falsificar a sensação de autonomia, inclusive do ponto de vista financeiro. Como coloca Porto (2017): Era preciso instigar a sensação de ganho, privilégio, ou vantagem para ajudar a manter o poder disciplinar funcionando, num local onde pessoas confinadas perderam boa parte de seus direitos para proteger a comunidade externa da doença. Por isso o trabalho e as relações sociais eram tão importantes, porque a partir delas, é que se formaram as condições de sujeição

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destas pessoas a estes mecanismos, que também eram permeados por pequenas práticas do cotidiano, que burlavam o poder disciplinar. (PORTO, 2017, p. 104)

Desta forma, o trabalho era um valor sempre reforçado dentro da insti-

tuição, não apenas como força econômica e meio de sustento, mas, como reafirmado por Porto (2017), um meio de se estabelecer relações interpessoais. Estas, desejadas e incentivadas, possibilitavam relações de poder entre os próprios doentes e incitavam a troca de favores entre o sistema institucional e os internos mais influentes, resultando na infiltração da instituição, de forma geral, na maioria as relações pessoais estabelecidas entre a comunidade de pacientes.

Contudo, vale ressaltar que foi a partir do mesmo trabalho e do estabe-

lecimento de novos vínculos, reforçados também pelas as atividades de lazer promovidas, como cinema, peças de teatro, bailes e esportes, que muitas pessoas foram capazes de reconstruir suas vidas, mesmo que parcialmente. Não para tanto, este fator era utilizado como forma de ameaça aos internos indisciplinados, intimidados com a possibilidade de serem transferidos a outros sanatórios da rede asilar.

Nas Figuras a seguir (4, 5 e 6) identificam-se as atividades de lazer men-

cionadas anteriormente. Na primeira, posando para foto oficial, têm-se o time de futebol do Asilo-Colônia Aimorés, uma posição de grande destaque social, pois os campeonatos realizados entre os Asilos tornaram-se muito populares entre os internos, tanto que os membros do time moravam em um pavilhão próprio. A eles também era cedida a permissão de viajar à outras sedes da Instituição, com o objetivo de participar dos jogos dos campeonatos.

29


Fig. 4 Time de futebol do Asilo-Colônia Aimorés

As Figuras seguintes (5 e 6) mostram os famosos bailes que ocorriam

dentro da Instituição, juntamente às festas populares da cultura brasileira. Na Figura 4, casais dançam durante o Baile da Quermesse do ano de 1935 no Asilo Colônia-Aimorés e, na Figura 5, dançam durante o que parece ser uma festa junina, por conta da decoração e das vestimentas típicas.

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Fig. 5 Baile da Quermesse em 1935 (Asilo-Colônia Aimorés)

Fig. 6 Festa Junina (Asilo-Colônia Aimorés)

31


O trabalho revelou-se assim uma vertente tão forte das instituições que

mesmo após o fim do sistema asilar e a liberação dos pacientes, constituiu forte elemento na reintegração social dos ex-internos, em muitos casos vinculados a trabalhos na própria instituição. No entanto, ao ser concedida alta a todos os moradores, estes, ao se depararem com o mundo fora dos muros dos asilos colônias, perceberam que não tinham mais lugar no mundo a que se referiam como “lá fora”.

A maioria não tinha para a onde ir e, mesmo com a cura da doença e

extinção do isolamento, o estigma se perpetuava. Novas denominações como “leprosos saídos de alta” davam lugar às antigas, perpetuando a despersonificação dos indivíduos que, depois de institucionalizados, assimilavam a doença como parte de sua identidade, mesmo depois de curados. Assim, o que se observa é o retorno de muitos às suas antigas colônias. Como esclarece Porto (2017), o antigo “lugar de exclusão passa a servir de refúgio” (PORTO, 2017, p. 123).

Em 2008, 70 pessoas que não conseguiram se readaptar à vida fora dos

muros da instituição, independente do motivo (pessoal, financeiro ou de saúde), ainda viviam no Instituto Lauro de Souza Lima, antigo Asilo Colônia Aimorés (PORTO, 2017, p. 185). Mesmo décadas depois do fim do modelo asilar paulista e do Departamento de Profilaxia da Lepra, as consequências de tais políticas se fazem presentes e enevoam as discussões sobre o assunto. Diz respeito também ao silenciamento da doença, fazendo com que muitos pensem que não mais exista, embora, ainda hoje, a hanseníase atinja mais de 30 mil habitantes brasileiros por ano. Mesmo que seja tratável e curável, ela ainda não foi vencida, mas silenciada, uma vez que não existe debate consistente sobre o tema e as campanhas educativas e de prevenção mais recentes são tímidas. (PORTO, 2017, p. 189)

32

Apenas em 2007 o Governo Brasileiro reconheceu as graves consequên-


cias do regime asilar e das medidas profiláticas. Procurou, desta forma, implementar ações compensatórias direcionadas aos antigos pacientes de hanseníase submetidos a internação compulsória, que a partir de então recebem ou devem receber pensão vitalícia, como espécie de indenização.

2.3. 2.

As crianças e os Asilos Colônias

Da mesma forma que os adultos, as crianças infectadas pela hanseníase

eram retiradas de suas famílias e encaminhadas aos asilos colônias. As crianças filhas de doentes, nascidas dentro ou não das colônias, e que não possuíam a doença, eram retiradas do convívio dos pais e encaminhadas aos Preventórios. Teoricamente, a medida mais sensata seria entregá-las aos cuidados de familiares próximos, contudo, eram comumente rejeitas devido ao medo expresso da doença.

Tal cenário, somado ao internamento compulsório em massa, levan-

tou grandes questionamentos em relação à responsabilidade do Estado sobre a saúde e educação destes menores sem lar. A criação dos Preventórios, dessa forma, fecha o ciclo profilático contra a doença, desempenhando o papel, como o próprio nome explicita, preventivo. Estendendo a vigília dos doentes a seus filhos, monitorados constantemente e vítimas do mesmo sistema imposto nos asilos, e do preconceito.

Apesar de em outros países, como a Noruega, o contato familiar com

estas crianças ser incentivado pelo Estado, no Brasil, principalmente no Estado de São Paulo, a ordem oficial era desestimular qualquer tipo de ligação e vínculo afetivo com a família. As instituições se localizavam longe de áreas urbanas, as visitas eram dificultadas, as cartas eram lidas e censuradas, e a educação era limitada ao curso primário, posta de lado em detrimento do trabalho, principal instrumento disciplinador.

33


Logo, a saída dos internos, ao completarem a maioridade, constituía

um grande choque de realidade, pois muitos haviam sido internados ao nascer e não possuíam conexão alguma externa ao Preventório, e os outros, como haviam sido condicionados à realidade que lhes foi imposta por muito tempo, não sabiam viver além dos muros a que estiveram presos.

Consequentemente, sem educação, sem preparo psicológico e estigma-

tizados, restavam-lhes empregos como os de empregadas domésticas para as meninas, e trabalhos agrícolas ou braçais para os meninos, isto se conseguissem esconder sua origem e passado, dificultando, portanto, relações sociais e íntimas. Desta forma, os egressos dos Preventórios acabaram por formar grupos em que os membros eram provenientes da mesma categoria, ou seja, ex-internos. Esse procedimento, se por um lado representava, para os membros do grupo, alguma forma de proteção, segurança ou compreensão, por outro contribuía para que, mesmo fora dos muros da instituição, a segregação se fizesse presente. (MONTEIRO, 1998, p. 24)

Fig. 7 Creche do Preventório Santa Terezinha do Menino Jesus

34



03.

Metodologia


A

penas uma simples descrição das características do sistema asilar pau-

lista não é capaz de esclarecer a complexidade do contexto de seu surgimento, tampouco as conjunturas nacionais e internacionais, que culminaram na implementação dos Asilos-Colônias na década de 30 e, especificamente no Estado de São Paulo, sua permanência até o final da década de 60. Desta forma, a leitura, não só da história da hanseníase e a construção do estigma secular a qual está ligada é essencial, como também o entendimento da propagação dos ideais higienistas e suas consequências, não apenas espaciais, como sociais, ligadas intimamente aos padrões morais da sociedade.

Logo, a primeira etapa da seguinte pesquisa engloba o conhecimento

das raízes que se encarregaram da concepção do sistema Asilo-Colônia, através da revisão da bibliografia existente. Da mesma maneira, busca-se a compreensão de como se deu sua consolidação, não apenas fisicamente, fazendo referência à sua arquitetura e urbanismo cuidadosamente planejados, como também à forma que foram percebidos e vivenciados por quem foi submetido à internação compulsória.

Todavia, ao direcionar a investigação através do viés perceptivo, do in-

divíduo em relação ao espaço em que vive, atinge-se o elemento norteador da pesquisa: a relação do indivíduo com o lugar onde mora, e consequentemente, o que entende como lar. Dessa forma, a revisão bibliográfica proposta passa a tanger questões conceituais relacionadas ao que de fato compreende habitar um determinado lugar e qual o papel da arquitetura neste contexto. Portanto, neste primeiro momento, o que se busca são subsídios para compreensão de um processo pretérito, a base para análise do presente e possível visualização do futuro.

Isto posto, a segunda etapa dá início aos capítulos de estudo e análise

do objeto desta pesquisa, o antigo Asilo-Colônia Aimorés, onde são conside-

37


rados todos os períodos de sua existência: asilo-colônia, sanatório, hospital e instituto. Tendo em vista o montante de assuntos abordados, são propostos três subcapítulos, um para abordagem exclusiva da arquitetura do lugar, outro destinado às análises sob a ótica da percepção ambiental, e um último, à análise socioespacial atual da antiga colônia. O primeiro, busca inserir o leitor no contexto arquitetônico tratado, para que na sequência seja possível compreender as análises advindas dos relatos, e por fim, entender a conjuntura presente.

O subcapítulo ilustrador da arquitetura constrói-se a partir de todas as

informações coletadas sobre o assunto durante a fase de revisão bibliográfica, junto às fotografias colhidas durante as visitas ao acervo da biblioteca do Instituto Lauro de Souza Lima. Para tal, é necessário um agendamento prévio por email com a Divisão de Pesquisa e Ensino do Instituto, assim como o levantamento fotográfico da arquitetura atual, também realizado e anexado.

Na sequência, o subcapítulo relativo à percepção ambiental explana so-

bre a relevância deste tipo de abordagem e condensa algumas definições importantes sobre o assunto, na medida em que realiza a análise do espaço e dos relatos. As análises de percepção ambiental, pautam-se nas obras dos teóricos: Robert Sommer, Edward T. Hall e Jun Okamoto, que abordam conceitos como espaço pessoal, e sua influência no cotidiano das pessoas e suas ações, espaço social, intimidade e a forma como o homem enxerga a realidade e a arquitetura especificamente. Logo, conformam a base analítica desta pesquisa.

Os relatos são compostos por transcrições de entrevistas encontradas,

em sua maioria, em livros-reportagens que relatam a internação compulsória. Também são utilizados trechos retirados de trabalhos acadêmicos de outras áreas, como jornalismo e antropologia, que de forma pertinente abordam o assunto.

38


Por fim, o último subcapítulo, referente ao estudo socioespacial da área,

encerra o tripé de análises, aberto pela segunda etapa desta pesquisa, revelando o contexto atual no qual se insere a antiga colônia, subsidiando, dessa forma, as considerações que podem ser realizadas sobre o seu próprio futuro.

39


Fig. 8

Linha do tempo

“Congresso Regional da Noroeste” ou “Congresso das Municipalidades” Comissão formada pelos municípios adquire um terreno de 625 hectares para o futuro Asilo-Colônia.

Doentes montavam acampamentos nos arredores da cidade e costumavam pedir esmola para sobreviver.

Década de 20

1925 1926 1927 1928

Fundação da “Sociedade Protetora dos Morféticos de Bauru” Publicação de Jorge de Castro, diretor do Diário da Noroeste, exigindo providências do Estado em relação à epidemia.

Construção da primeira Igreja da colônia.

Lançamento da pedra fundamental para início da construção do asilo-colônia. Entretanto, as obras são interrompidas devido a não contribuição dos municípios.

Políticos assumem a causa dos doentes: Ulysses Guimarães, Manuel da Nobrega, Tancredo Neves e Conceição da Costa Neves.

Década de 50

1949 O antigo Asilo-Colônia Aimorés passa a se chamar “Sanatório Aimorés”.

A sulfona passa a ser utilizada no tratamento da hanseníase pela rede pública de saúde no Brasil.

Destruição do Parlatório do Aimorés.

Lei Estadual integra trabalhadores de laborterapia dos asilos colônias ao funcionalismo público.

1973

Década de 30

1931

A nova “Liga de São Lázaro” substitui a antiga “Sociedade Protetora dos Morféticos de Bauru” e assume a arrecadação de fundos para construção do Asilo-Colônia.

Inauguração da Igreja Nossa Senhora das Dores.

1958

1951

7º Congresso Internacional da Lepra em Tóquio.

Desativação da Igreja Nossa Senhora das Dores.

Década de 80

1974

Sanatório Aimorés passa a se chamar “Hospital Lauro de Souza Lima” em homenagem a um grande hanseonologista do país.

Dr. Salles Gomes Júnior assume a diretoria do Serviço de Profilaxia da Lepra e as obras do novo asilo ficam sob responsabilidade do Estado.

“Na metade da década de 70, pouco resta do funcionalismo auto-suficiente da cidade construída pelos internos. Nessa época, passam a viver no Aimorés apenas os pacientes que não tinham mais para onde ir ou que se adaptaram a vida de internação a ponto de preferirem continuar por ali.” (PENHA, 2014, p. 146)

A internação compulsória torna-se inexistente.

1983


Inauguração da Praça Adhemar de Barros, e do Cassino, com a presença de Getúlio Vargas.

Fundação do Asilo-Colônia Aimorés.

1933

1936

Década de 40

1938

“Na década de 40, o governo do estado de São Paulo, sob as orientações do Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL), passou a produzir filmes de divulgação do modelo de internação compulsória. Em um desses vídeos, a propaganda é sobre “a segurança e proteção” dadas aos filhos de internos ao separá-los das mães.” (PENHA, 2014, p. 92)

Construção do Coreto.

1958 Abolição da Lei de Internação Compulsória.

Descoberta da Sulfona “A terapia baseada nas sulfanilamidas para as infecções lepróticas, introduzida em 1941 no laboratório do Leprosário Nacional dos Estados Unidos da América, situado em Carville, foi feita por Faget, Johansen e Ross e marca o início da transformação do tratamento dessa doença.” (PEREIRA, 2009, p. 21)

Década de 60

Década de 70

Surge a iniciativa, por parte de estudiosos, de substituição da nomenclatura Lepra por Hanseníase, na tentativa de amenizar o estigma em torno da doença.

Com a grande saída de internos, a antiga colônia Aimorés passa a perder sua característica de cidade.

Início das obras de restauro do edifício do antigo Cassino.

Hospital Lauro de Souza Lima ganha status de Instituto.

1989 “Na 8ª Conferencia Nacional de Saúde do país é divulgada a preocupação quanto ao que deve ser feito com os antigos Asilos-Colônias. Decide-se por transformar alguns em hospitais gerais e outros, como é o caso do Aimorés, em centros de referência do tratamento da lepra e das dermatologias em geral.” (PENHA, 2014, p. 186)

Década de 90 O tratamento com sulfona é substituido no país pelo PQT.

1995

1997

Lei federal adota oficialmente a nomenclatura da doença como “hanseníase”, determinando a substituição da palavra lepra pela nova nomenclatura em documentos oficiais.


04.

Asilo Colônia Aimorés


O

último Asilo-Colônia a ser construído no Estado de São Paulo, o Asilo-

-Colônia Aimorés, nasce da iniciativa de 64 municípios da zona noroeste, que passam a conformar a Comissão Pró-Leprosos (COSTA, 2008, p. 284). A ação é acordada durante o Congresso Regional da Noroeste, em 1927, e a partir das contribuições financeiras da Comissão, o terreno para implantação do projeto é adquirido. A construção é primeiramente iniciada pela Liga de São Lázaro de Bauru, e finalizada em 1933, pelo Instituto de Profilaxia da Lepra (CAPORRINO; UNGARETTI, 2016, p.149).

A Figura 9 mostra a posição do Asilo-Colônia Aimorés no Estado de São

Paulo. Os números representam cronologicamente cada Asilo-Colônia implantado no Estado, as letras representam os Preventórios e as linhas coloridas as estradas de ferro. Na sequência, a Tabela 1, complementa a figura ao identificar cada uma das instituições, apresentando o ano de fundação, a localidade e a respectiva área.

Localizado no ponto 5, região central do Estado, com um total de 775

hectares, o Aimorés, em pouco tempo tornou-se o Asilo-Colônia modelo do estado. Cenário de propagandas, era o local escolhido para receber visitas importantes, chegando a protagonizar o filme de divulgação do sistema asilar paulista, produzido em 1944³ (COSTA, 2008, p. 284).

³https://www.youtube.com/watch?v=H2MUC-ieZ3M

43


Fig. 9 Mapa de localização dos asilos colônias e preventórios ao longo das estradas de ferro

REF.

INSTITUIÇÃO

FUNDAÇÃO

LOCALIDADE

ÁREA (alqueires)

1

A.C. Santo Ângelo

1928

Mogi das Cruzes

348

2

A.C. Padre Bento

1931

Guarulhos

23

3

A.C. Pirapitingui

1931

Itu

600

4

A.C. Cocaes

1932

Casa Branca

300

5

A.C. Aimorés

1933

Bauru

400

A

Prev. Sta. Teresinha

1927

Carapicuíba

6

B

Prev. Jacareí

1932

Jacareí

-

44

Tabela 1 Identificação dos Asilos Colônias e Preventórios


A partir do início da década de 40, a descoberta da utilização da sulfo-

na no tratamento e controle da hanseníase, possibilitou mudança de cenário com base na nova abordagem da doença, pelo menos pela comunidade científica. As internações compulsórias não se mostraram mais “necessárias” e aos doentes foi oferecida a possibilidade de tratamento e alta, possibilitando sua reintegração à sociedade.

Assim, baseado na possibilidade de cura, os asilos passam a ser desati-

vados no Brasil. Entretanto, na contramão, o estado de São Paulo mantém o internamento compulsório até a década de 60 (COSTA, 2008, p. 172). Dessa forma, como pode ser observado na Figura 8, o Asilo-Colônia Aimorés, a partir da Lei 520 de 1949, passa à condição de Sanatório, uma denominação mais branda, apesar da permanência do regime de internação compulsória.

Somente em 1962, o isolamento compulsório é revogado, e em 1969,

com a reestruturação da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o Sanatório Aimorés torna-se Hospital Aimorés de Bauru, sendo renomeado mais tarde, em 1974, como Hospital Lauro de Souza Lima, em homenagem a um dos grandes hansenologistas do país.

A denominação pela qual é conhecido hoje – Instituto Lauro de Souza

Lima – veio apenas em 1989, quando, pelo decreto nº 30.521 de 02/10/89, o hospital torna-se um Instituto de Pesquisa subordinado à Coordenadoria dos Institutos de Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Atualmente, o Instituto é reconhecido como centro de referência mundial na área de Dermatologia Geral, especialmente a hanseníase, oferecendo também atividades ligadas ao ensino e pesquisa, reabilitação física, terapia ocupacional, fisioterapia e cirurgias plásticas corretivas.

Atualmente, não muito resta em relação às estruturas físicas do antigo

Asilo-Colônia. Com a liberação dos internos, muitos pavilhões habitacionais e

45


casas foram demolidos (Figura 10 e Figura 11). Contudo, a partir da iniciativa de ex-internos, ainda residentes na área, e funcionários do Instituto, a preservação do acervo e de seu valor histórico foi conquistada.

Fig. 10 Local dos antigos Carvilles Masculinos (2018)

Fig. 11 Carvilles Masculinos ainda marcados no chão (2018)

46


Em 2016, pela Resolução SC 21, a área remanescente do antigo Asilo-Co-

lônia Aimorés foi tombada pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), que reconhece a falta de estudo aprofundado ao que tange o patrimônio referente à saúde pública, principalmente relacionado ao tratamento das doenças infectocontagiosas, assim como a importância deste exemplar da rede asilar, síntese do contexto político, social e cultural no qual esteve inserido.

4.1.

Arquitetura e Urbanismo

Como os demais asilos, o Aimorés também se localizava fora do períme-

tro urbano, sob a restrição de uma implantação ortogonal, que se impunha à topografia de forma independente. Uma longa avenida atuava como eixo distribuidor da quadrícula, a partir da qual o zoneamento delimitava a Zona Sã, a Zona Intermediária e a Zona Doente, que categorizavam o espaço de acordo com as diretrizes médicas e funcionais vigentes (Figura 12). Dessa forma, cada espaço era destinado a uma determinada atividade e tinha sua localização definida dentro do plano urbanístico.

Costa (2008) afirma que estes desenhos viários remetiam ao urbanis-

mo barroco definido por Munford (1998), o qual revelava um sistema de circulação voltado ao controle militar do território, privilegiando a visualização e também acesso ao Palácio. Logo, é possível observar que as características projetuais, das urbanísticas às arquitetônicas, do Asilo-Colônia, apresentavam uma devida justificativa, vinculada às questões sanitárias ou de isolamento. Cada espaço era cuidadosamente projetado e não apenas existia por si só. A implantação das edificações, por exemplo, buscava criar espaços de baixa densidade populacional, tendo em mente que o apinhamento de edifícios dificultava a circulação de ar e incidência solar, diretamente ligadas à qualidade dos

47


ambientes (COSTA, 2008, p. 309).

Portanto, ao se analisar as plantas, nota-se com facilidade que as edifi-

cações de forma geral se encontravam soltas nos lotes e alinhadas com a rua, que, assim como as áreas verdes, recebiam atento tratamento paisagístico, de forma a criarem uma moldura de destaque para as fachadas principais, papel também exercido pelos recuos frontais, valorizando os edifícios mais importantes.

Na Figura 12 é possível observar a reprodução da planta original do

Asilo-Colônia Aimorés, indicando visualmente cada uma das zonas: a sã, a intermediária e a doente. Na sequência, cada uma destas será tratada individualmente, assim como os edifícios que as compõe, buscando identificá-los através de fotografias, plantas e elevações quando possível, e relatos. Este percurso tem como objetivo inserir o leitor no contexto do objeto desta pesquisa, permitindo a construção de um cenário ao qual os depoimentos possam acontecer. Zona Sã

Zona Intermediária

Zona Doente

Fig. 12 Reprodução da Implantação do Asilo-Colônia Aimorés

48


A Zona Sã era composta pelos edifícios da Residência do Diretor, Casa

de Empregados, Portaria Principal, Residência do Administrador e Administração, que podem ser localizados na Figura 13, a seguir. Contudo, não foram encontrados registros fotográficos ou plantas referentes a Residência do Diretor e do Administrador.

Residência do Administrador 3

1

Residência do Diretor Casa de Empregados

Portaria Principal

4

Casa de Empregados

5

6

2

Administração

Fig. 13 Zona Sã

A Zona Sã e a Zona Intermediária eram administradas diretamente pelo

Diretor do Leprosário, nomeado pelo órgão de Profilaxia da Lepra, o qual residia na própria colônia com sua família, em local afastado dos doentes, como é possível observar na Figura 13. Além deste, residiam na área os médicos, cuja presença era necessária permanentemente e os servidores mais graduados, responsáveis pelo atendimento das pessoas sadias e serviços externos. A estes eram destinadas habitações unifamiliares para que vivessem com suas famílias, aos menos graduados eram oferecidas as habitações geminadas (COSTA, 2008, p. 285).

49


5

Fig. 14 Casa de Empregados

O edifício da Portaria Principal (Figura 15), era responsável pela identi-

ficação de todos que entrassem ou saíssem da colônia, assim como o controle das ligações internas e comunicações externas. Foi projetado, inclusive, de forma que fosse capaz de abrigar o porteiro e sua família (Figura 16) (COSTA, 2008, p. 285). Os recortes de relatos, a seguir, possibilitam a compreensão deste edifício no contexto: Aqui nós tínhamos três portarias. A primeira é o ‘Asilo-Colônia Aimorés’ que foi construída na década de trinta. O porteiro era sadio, mas ele ficava lá dentro. Você pode ver que tem a janela, as grades e o vitrô. Ali a gente passava a carta de internação que o médico dava para gente vir internar (...) – Nivaldo Mercúrio (Moraes, 2005, p. 199) Essa aqui me faz lembrar em 1966, quando eu vim aqui no Instituto Lauro de Souza Lima pela primeira vez. Essa aqui é a portaria ‘Sanatório Aimorés’. Eu vim numa perua Kombi, era mais ou menos nove horas da noite quando

50


desci na Estação de Aimorés, do trem que veio de São Paulo. A perua Kombi chegou na estação, e eu lembro que passei por aqui. Inclusive o motorista também era paciente e falou assim para mim: ‘- Depois que você passar dessa portaria para dentro, pode esquecer o mundo aí fora’. – Elias Souza Freitas (Moraes, 2005, p. 215) 3

Fig. 15 Portaria Principal 3

Fig. 16 Planta da Portaria Principal

51


3

Fig. 17 Elevação da Portaria Principal

O edifício da Administração era composto por “salas reservadas às ati-

vidades da diretoria, contabilidade, arquivo e secretária, além da sala do administrador e de uma biblioteca para os médicos.” (Costa, 2008, p. 286). Apesar do Administrador não compor o quadro médico, como o Diretor, comumente médico especializado em dermatologia, a este e sua família também era oferecida uma habitação unifamiliar, próxima a própria sede da administração, cuja tipologia, da mesma forma que outras, assemelhava-se ao bangalô americano (Figura 18) (COSTA, 2008, p. 286). 6

Fig. 18 Administração

52


6

Fig. 19 Planta da Administração

A Zona Intermediária (Figura 20), por sua vez, era composta pelos edi-

fícios dos Operários, Almoxarifado, Carpintaria, Garagem, Caixa d’água e pela Cadeia. A Cozinha/Refeitório e o Parlatório, que são visíveis na Zona Doente, no entanto também constituíam território da Zona Intermediária. Desta zona, poucos edifícios foram encontrados registros, apenas os mais significativos, os demais, por provavelmente se tratarem de construções destinadas a serviços auxiliares, continuam anônimas.

Esta zona servia primordialmente como meio de comunicação entre os

doentes e os sadios, contudo, ordenada por rigorosos procedimentos para se evitar o contágio. Os serviços mais “arriscados” eram executados pelos próprios doentes treinados, como no caso de exames médicos: o enfermeiro (doente) treinado seguia as ordens do médico (sadio) que observava a distância (COSTA, 2008, p. 287). 53


Operários 7

8 9 Almoxarifado Carpintaria

10

Caixa 11 d’água

Garagem 12 Cadeia Fig. 20 Zona Intermediária

O edifício do Almoxarifado (Figura 21) tinha como função principal o

armazenamento, tanto de materiais, roupas, quanto alimentos e demais pertences de sadios e doentes (COSTA, 2008, p. 287). 8

Fig. 21 Almoxarifado de Pirapitingui (igual ao existente no Aimorés)

54


8

Fig. 22 Planta e Elevação do Almoxarifado

55


8

Fig. 23 Área interna do Almoxarifado

10

11

Fig. 24 Garagem e caixa d’água ao fundo

56


12

Fig. 25 Cadeia

A cadeia (Figura 25), também localizada na zona intermediária, per-

meia diversos depoimentos de ex-internos. O trecho a seguir ilustra seu papel dentro da colônia como local de repreensão dos internos mais rebeldes e, como coloca Durval, daqueles que recebiam licença para visitar suas famílias e não retornavam: Essa foto aqui já é triste. Essa aqui você vê que parece um castelo medieval. Aqui era o cadeião. Tinha o calabouço lá embaixo onde os infratores pagavam as penas. Na época era comum os caras pegarem licença e não voltar mais. (Como calabouço?) Aqui no fundo tem um porãozinho, lá embaixo, então lá é, digamos, uma cela forte, é um lugar mais frio, mais sombrio mesmo. Os caras que eram penalizados iam para lá. Eles castigavam pondo o cara lá, como é que chamaria agora? (Solitária?) É! Solitária! – Durval Candozin. (Moraes, 2005, p. 208)

Outro edifício, como a cadeia, mencionado por praticamente todos os

ex-internos, é o parlatório (Figura 26), construção intermediadora entre as zonas dos sadios e a doente. Na sequência, a fala de Nivaldo Mercúrio descreve

57


como funcionavam os procedimentos em dias de visita.

13

Fig. 26 Parlatório em dia de visita Tinha o parlatório onde nós recebíamos as visitas. Era só aos domingos. Durante a semana ninguém vinha visitar. Na década de trinta, quarenta e cinqüenta as pessoas não podiam se comunicar ou dar a mão, nem que fosse o pai ou a mãe. Não podia dar a mão. Tinha uma distância mais ou menos de sete, oito metros e uma lage de concreto quase da altura do pescoço para gente só ficar olhando por cima e conversando por sinal com as pessoas que vinham visitar. Então era muito triste porque você tinha o pai e tinha a mãe e nem podia cumprimentar nem dar a mão, havia muita discriminação e preconceito. Era isso que judiava muito de nós. – Nivaldo Mercúrio. (Moraes, 2005, p. 199)

Como observado na Figura 12, a maioria dos edifícios encontrava-se na

Zona Doente, situada a partir da segunda portaria, também conhecida como Parlatório. Além da continuação das instalações hospitalares, que em parte ocorriam na Zona Intermediária, há ainda a presença do refeitório, dos edifícios de serviços de manutenção da área e os estabelecimentos de comércio e serviços internos. Os pavilhões e unidades habitacionais, juntamente ao nú58


cleo esportivo, reuniam-se entorno da praça central, com o Cine Teatro (Cassino) e a Igreja Católica. Nas áreas mais afastadas se davam as edificações rurais e o cemitério.

Em relação às características arquitetônicas destes edifícios, desta-

cam-se duas vertentes estéticas, o Art Decó e o Ecletismo, especificamente a corrente eclética que ficou conhecida como neocolonial, fruto da escassez de materiais de construção, amplamente dependentes da importação europeia, e da reação nacionalista do país ao modelo eclético europeu. Ou seja, sua conformação estava intimamente ligada aos eventos desencadeados pelas duas grandes guerras e, consequente, paralisação das exportações, assim como pela conjuntura de busca de uma identidade nacional, resultando em uma série de soluções inspiradas no estilo colonial, utilizando as matérias-primas locais. O estilo se popularizou e dominou a arquitetura brasileira dos anos 20 e, começo dos anos 30, quando o Art Decó passa a compor o cenário das construções brasileiras, após a crise do café (LEMOS, 1989), chegando, portanto, a influenciar também as tipologias dos Asilos-Colônias.

59


25 Campo de futebol

24 IgrejaProtestante 13

Lavanderia

60

18

Basquete

Carville Masculino

Carville Masculino

21 Carville Masculino

20

Pavilhão de Clinicas

27

Carville Masculino

Rua Pedro Barbosa

14

Praça de 22 Esportes

Enfermaria de Homens

16 Caramanchão

15

50

Carville Feminino

16

Arquibancada 26

23 Coreto

Parlatório Masculino

Cozinha /Refeitório

Feminino

Carville Feminino

17

Enfermaria de Mulheres

19

51

Av. Correio da Noroeste

Casas 37 Geminadas


Centro Espírita

49

Rua São Paulo

48 Pavilhão Miguel

28

29

Pavilhão Emílio Ribas Pavilhão Ursula

30

Casas “Tipo H” (bigeminadas)

32 Pavilhão 33 Anita Costa

Av. Dr. Abílio Gomes

46

35 Coreto 36 Igreja Nossa Senhora das Dores

39

41

45

Caminho p/ Cemitério 47

Restaurante 40 Forno incinerador de lixo 42

44 Fábrica de Sabão

Oficinas

Prefeito 38

Caixa Beneficente

52

Casas “Tipo H” (bigeminadas)

Av. Rio Claro

Cassino 34

Rua Dr. Adolfo de Carvalho

31

Pavilhões Masculinos

Pavilhão Araraquara

Igreja

“Casa Verde”

43

Granja Fig. 27 Zona Doente

61


A primeira imagem que se tem da Zona Doente é o Parlatório, apresen-

tado anteriormente. Contudo, após sua destruição em uma rebelião de internos, frustrados com o preconceito e a exclusão, um arco foi construído para demarcar a divisão entre as zonas intermediária e doente (Figura 28). 13

Fig. 28 Arco que marcava a divisão entre as zonas intermediária e doente (2004)

Enfatizando as características paisagísticas, as Figura 29 e Figura 30,

trazem o caramanchão também mencionado em vários relatos, localizado no limite entre a Zona Doente e a Zona Intermediária. As topiarias ordenadas mais uma vez estão presentes, assim como o cuidado e manutenção paisagística das áreas livres. O trecho a seguir ilustra a vida que havia no local: Eu passava muitas horas lá quando eu estava internada, aprendi a fazer crochê, tricô, com as senhoras do carville [pavilhão de residência coletiva; no

62


caso somente de mulheres] ali em frente. Elas me ensinaram a fazer crochê, apesar que eu não levei para frente, mas eu passei muitas horas com elas lá, tenho muitas recordações do caramanchão. – Nair Marega. (Moraes, 2005, p 188)

14

Fig. 29 Caramanchão

14

Fig. 30 Caramanchão em destaque e prováveis Carvilles Femininos e Pavilhão de Clínicas ao fundo

63


Fig. 31 Reprodução da Planta de Carvilles Femininos

Fig. 32 Corredor coberto entre os Carvilles

64


21

22

Fig. 33 Campo de futebol e Praรงa de Esportes

25

22

Fig. 34 Praรงa de Esportes (2018)

65


As ruas, avenidas e determinados edifícios da colônia levavam os no-

mes dos municípios que conformaram a Comissão Pró-Leprosos em 1927. Por exemplo, a cidade de Araraquara, foi homenageada com a nomeação de um dos pavilhões, tipo carville, do complexo (Figura 36). Os demais recebiam nomes de personalidades da época. 28

Fig. 35 Pavilhão Emílio Ribas (2018) 31

Fig. 36 Pavilhão Araraquara (2018)

66


33

Fig. 37 PavilhĂŁo Anita Costa (2018)

34

32

Fig. 38 Igreja antiga (1943)

67


32

Fig. 39 Igreja Antiga (2018)

O pavilhão, conhecido entre os internos como “Casa Verde” (Figura 40)

constitua na década de 50 um dos pavilhões femininos. Posteriormente foi cede da Diretoria/Administração, e posto de saúde voltado ao atendimento dos moradores da antiga colônia. Atualmente (Figura 41) o edifício encontra-se fechado.

30

Fig. 40 Fachada “Casa Verde” (2004)

68


30

Fig. 41 “Casa Verde” (2018)

30

Fig. 42 Tipologia Geminada Padrão para Casais

69


Fig. 43 Planta da Tipologia Geminada PadrĂŁo para Casais

Fig. 44 Tipologia Casas Geminadas

70


50

Fig. 45 Pavilhão sem denominação Rua Pedro Barbosa (2018)

51

Fig. 46 Pavilhão sem denominação final da Rua Pedro Barbosa (2018)

71


27

Fig. 47 Quadra de basquete

Fig. 48 Arquibancada da quadra de basquete

72


Da praça Adhemar de Barros (Figura 49), em frente ao Cassino, era pos-

sível ter ampla visão dos pavilhões destinados aos solteiros ou pessoas separadas de seus cônjuges, do mesmo modo que, as casas geminadas (na quadra ao lado), destinadas aos casais internos. Os pavilhões, mesmo que mais simples, em comparação aos pavilhões Anita Costa e Araraquara, exemplificavam claramente o bangalô americano ideal, composto por um único bloco, sobre o qual o telhado se conecta à cobertura do terraço frontal.

Os espaços “públicos” eram cuidadosamente delineados por áreas ver-

des, onde as topiarias apresentavam-se com frequência, como constantes lembretes da ordem e da disciplina. O Coreto, em destaque na Figura 52, era o destino dos passeios da praça e local de apresentações semanais. Assim como o edifício do Cassino, destaca-se devido às ornamentações e conformação volumétrica.

21

Fig. 49 Praça Adhemar de Barros e Carvilles Masculinos

35

73


No edifício do Cassino (Figura 50) destacam-se: sua conformação vo-

lumétrica, a ornamentação, as envasaduras e emolduramento – também presente nas tipologias das habitações. Nos trechos a seguir fica clara a importância do local para a convivência social dos internos. Em frente a esse cassino, que hoje é o prédio do museu, era a praça Adhemar de Barros. Era bem grande, tinha muitos bancos, o pessoal ficava ali e a orquestra ficava tocando no coreto. Era divertido, a gente deixava a tristeza de lado. Não só a tristeza. A gente também via quem estava melhor de saúde, quem não estava, então assim mesmo as pessoas procuravam se divertir. – Nivaldo Mercúrio. (Moraes, 2005, p. 180) A gente tinha filme toda noite. Então ficou muito marcado para mim. Também aqui na frente era o ponto de encontro antes do cinema começar. A gente ficava esperando abrir a bilheteria para entrar tudo junto. Me marca muito. – Nair Marega. (Moraes, 2005, p. 180) 34

Fig. 50 Cassino

74


34

Fig. 51 Planta do Cassino

75


35

Fig. 52 Coreto

76


36

Fig. 53 Igreja Nossa Senhora das Dores (2018)

36

Fig. 54 Planta Igreja Nossa Senhora das Dores

77


36

Fig. 55 Interior da Igreja Nossa Senhora das Dores (2018)

A seguir, na Figura 56, as casas geminadas destinadas aos casais inter-

nos, localizada na Rua Correio da Noroeste, em homenagem ao jornal da época, exemplificam a padronização quase total das edificações habitacionais. Verifica-se que, diferentemente das outras edificações, constituem um tipo de bangalô mais simplificado, onde a utilização do emolduramento é bem menor se comparado com as demais.

78


37

Fig. 56 Casas Geminadas Av. Correio da Noroeste

Fig. 57 Casas Geminadas Av. Correio da Noroeste (2018)

79


52

Fig. 58 Casa sem denominação na Av. Correio do Noroeste (2018)

38

Fig. 59 Casa do Prefeito (2018)

80


38

Fig. 60 Planta da Casa do Prefeito

39

Fig. 61 Fachada da antiga Caixa Beneficente (2018)

81


A Caixa Beneficente (Figura 61), durante a vigência da internação com-

pulsória, tinha como objetivo garantir auxílio aos internos mais carentes, residentes na Zona Doente. Seu presidente era comumente indicado pelo próprio diretor do hospital, conformando um elo entre a administração da Instituição e a liderança dos internos, da mesma forma como ocorria com os cargos de Prefeito e Delegado.

Atualmente, a Caixa Beneficente foi reformulada. Agora, sob o nome

de Sociedade Beneficente atua em favor dos ex-internos mais carentes e seus associados, mas de forma mais independente em relação à Instituição, pois, sem auxílio de nenhum tipo de verba governamental, mantem-se a partir de seus próprios recursos, através do arrendamento das terras da antiga colônia, por exemplo. Isto só é possível devido ao fato das terras do local estarem registradas em seu nome, fato acordado em 1935, tendo em vista que o terreno da colônia foi adquirido pela sociedade da época e não pelo Estado, que apenas interferiu no momento da construção do local. Logo, desde então as terras pertencem aos doentes (PEREIRA, 2009, p. 67).

39

Fig. 62 Calçada Caixa Beneficente (2018)

82


39

Fig. 63 Vista Posterior Caixa Beneficente (2018)

A imagem a seguir (Figura 64) traz o Restaurante da antiga colônia, hoje

já demolido. O relato a seguir, de um ex-interno que morou no local, descreve a dinâmica com o edifício. 40

Fig. 64 Restaurante

83


É, aqui é o restaurante. Eu morei aqui. Olha, a entrada era por aqui, lá em cima, tinha uma escadinha, que eu subia de bicicleta. (...) Eu almoçava aí e trabalhava de ladinho aqui onde era a Caixa Beneficente. Esse restaurante era da Caixa Beneficente. Ela que fazia a comida e cobrava dos caras uma quantidade ínfima, digamos assim. Porque quem não queria comer no refeitório geral pagava um preço simbólico e comia uma comida melhor preparada. Nós da Caixa que administrávamos isso aí. – Durval Candozin. (Moraes, 2005, p. 207)

45

Fig. 65 Casas Bigeminadas (2018)

Fig. 66 Tipologias de Habitação Rural

84


O portal (Figura 67) com a inscrição em latim: “Hic Finis Doloris Vitae”,

em português “As dores da vida terminam aqui”, marca a entrada do cemitério do antigo Asilo-Colônia Aimorés, ponto final deste percurso. De produção dos próprios internos, as lápides eram esculpidas, como obras de arte. No entanto, atualmente o local enfrenta o tempo e a falta de manutenção, pouco resta dos santos e anjos esculpidos.

Fig. 67 Cemitério (2004)

85


4.2.

Percepção Ambiental

A pertinência do estudo de percepção ambiental no Asilo Colônia Ai-

morés tange diversos aspectos, entretanto, a motivação deste trabalho origina-se no distanciamento com que esse objeto de estudo é tratado, resultado de uma objetividade racional, que busca a fragmentação da realidade a fim de entendê-la, enraizada na cultura ocidental (OKAMOTO, 1996). Contudo, não se trata de uma crítica, apenas um outro olhar, que traz à tona os sentimentos, as emoções, a memória e a afetividade perante àquele espaço. Trata-se, do que Okamoto chama de abordagem holística, onde o todo deve ser levado em consideração.

A percepção ambiental, segundo as visões de Hall (1989) e Okamoto

(1996), é o resultado do processo de filtragem das informações obtidas através dos estímulos externos. Ou seja, as percepções captadas através dos sentidos, como visão, olfato, audição, tato, paladar e sensação térmica, são inconscientemente pré-selecionadas por filtros sensoriais, que compreendem um complexo sistema modelado e padronizado pela cultura (HALL, 1989, p. 161). Diante disso, ambos os autores afirmam a impossibilidade de indivíduos distintos perceberem o mundo da mesma forma, mesmo que pertencentes a mesma cultura, pois cada um constrói seu próprio sistema de filtros. Okamoto, por exemplo, elenca ainda dois outros filtros além do cultural: o sensorial e o filtro operativo ou fisiológico. O primeiro, considera a variável de aptidões, mais aguçadas ou menos, ou a deficiência ou não dos sentidos. E o segundo a variação de interesse segundo a faixa etária (OKAMOTO, 1996, p. 49-50).

Dentro dos estudos de percepção ambiental, encontra-se o conceito de

espaço pessoal. O teórico Sommer descreve o espaço pessoal como “uma área com limites invisíveis que cercam o corpo da pessoa, e na qual os estranhos não podem entrar” (SOMMER, 1973, p. 33). De forma indefinida, compara-se 86


à uma casca protetora, “uma concha, uma bolha de sabão, uma aura, um “lugar para respirar” (SOMMER, 1973, p. 34). É por definição, portanto, nomeado de território portátil, e se edifica culturalmente. Já o conceito de distância individual, ou distância pessoal, como coloca Hall (1989), compreendem ao espaçamento que se considera, na sociedade em questão, aceitável.

As demais definições, pertinentes à percepção ambiental, como territo-

rialidade, intimidade e privacidade, são apresentadas conforme exigidas pelas análises dos espaços, e dos relatos em sequência.

4.2. 1.

A Instituição

A própria conformação da instituição, Asilo-Colônia, pode ser ponde-

rada sob a ótica lançada por Sommer (1973). Segundo o autor: “Uma sociedade compensa as distinções sociais confusas por distribuições espaciais claras – barreiras físicas, sinais para manter distância, restrições de propriedade” (SOMMER, 1973, p. 28). Tal afirmação pode se relacionar com os Asilos-Colônias na medida em que a sociedade, não apenas naquele momento como no passado, não sabia como lidar com doentes, mendicantes em beiras de estradas. Logo, a segregação espacial acompanhou a história da lepra, desde os seus primórdios.

Entretanto, o caso dos asilos-colônias, difere-se do isolamento medie-

val, pois a partir de dado momento, com a cura, a ameaça de contaminação não mais existia. Sendo atualmente confirmada pelos médicos a ineficiência da internação compulsória no quesito de contenção da epidemia. Dessa forma, a existência da instituição assemelha-se mais ao que é sustentado por Sommer.

Nesta mesma linha de pensamento, o teórico também esclarece que “a

distribuição do espaço não apenas indica o status, mas também o reforça.”

87


(SOMMER, 1973, p. 31). O que pode ser observado na estrutura interna de organização dos asilos, com as chamadas zona sã, zona intermediária e zona doente, que reforçam o status dos internos, retirados da convivência com a sociedade sadia, dentro da própria instituição. Assim, a organização do espaço ordena do mesmo modo a organização social.

Já dentro da zona doente, área de livre convivência da comunidade dos

doentes, com a propriedade sendo de caráter comunitário, têm-se a ordem de status regulando as relações sociais (SOMMER, 1973, p. 18). Ou seja, o status social dos indivíduos dentro daquela comunidade determina não apenas a forma como se relacionam, como também os locais onde residem. Por exemplo, o presidente da Caixa Beneficente tinha direito a uma casa na colônia, com localização privilegiada, próxima à Igreja. Determinados carvilles ou pavilhões apresentavam restrições para moradia, o pavilhão de esportes era destinado apenas aos atletas da colônia, que disputavam os campeonatos internos. A seguir, com auxílio dos relatos, questionamentos específicos como este tornam-se mais claros.

4.2. 2.

Relatos

Os relatos e depoimentos de ex-internos do Asilo-Colônia Aimorés, con-

formam etapa de análise imprescindível a esta pesquisa, pois têm a capacidade de humanizar este recorte no tempo, dando voz às pessoas que viveram este contexto social. Assim, na sequência seguem os trechos, retirados de livros reportagens, livros de memórias e dissertações, acompanhados de suas respectivas análises sob a ótica da percepção ambiental. Tive alta na década de 60. E continuei morando por aqui. Os médicos chamavam e falavam. Eu tava com mal perfurante no pé. É difícil lá fora. Aqui além de trabalhar, a gente pode se tratar. Então preferi ficar aqui. Já faz 65 anos que estou aqui. – Nivaldo Mercúrio. (PEREIRA, 2009, p. 45)

88


A partir da década de 60, com o fim da internação compulsória, Nivaldo

recebe alta, entretanto, em vista de uma complicação, resultado do avanço da doença, ao qual chama de “mal perfurante no pé”, Nivaldo opta por permanecer na instituição, onde pode receber tratamento e ser acompanhado de perto pelos médicos. Em sua fala também ressalta “É difícil lá fora”, demonstrando sua dificuldade de conexão com uma sociedade a qual já não pertence, ou não se reconhece. Também destaca o trabalho, como um dos motivos de sua permanência, motivo recorrente em meio aos relatos e de aparente crucial importância na comunidade criada pelos internos. Que eu voltei a falar mesmo foi de 84 pra cá. Fiquei 31 anos só gaguejando e ninguém entendendo. Ninguém entendia o que eu falava. Comunicava com as mãos. Primeiro, eu fui morar nas enfermarias na Praça Adhemar de Barros. Era um salão grande, morava ali umas 50 pessoas. Acontece que quem casava aqui, aí o diretor dava uma casa pra morar. Mas morava dois casais em cada casa, casa de dois cômodos. Tava muito lotado, até debaixo do po-

rão morava gente. – Nivaldo Mercúrio. (PEREIRA, 2009, p. 45)

Aqui, Nivaldo conta do problema com a fala que enfrentou durante

31 anos em decorrência dos traumas psicológicos relacionados a internação compulsória, recobrando sua capacidade de se comunicar apenas a partir da década de 80, quando uma assistente social do Instituto, na época ainda Hospital Lauro de Souza Lima, o encaminhou aos serviços de fonoaudiologia oferecidos pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru.

Em relação ao primeiro lugar em que morou, Nivaldo conta que foi em

uma das enfermarias, descrevendo-a como um grande salão que abrigava cerca de 50 pessoas, ou seja, um tipo de moradia coletiva, onde todo o espaço era compartilhado e a territorialidade, provavelmente, restringia-se apenas à cama que cada um ocupava. Até mesmo casais, a quem era dada uma casa para morar, dividiam o “seu” espaço com mais um casal. Estas descrições dos 89


espaços destinados à moradia são capazes de revelar a possível supressão dos conceitos de espaço pessoal, privacidade e intimidade.

O viver coletivamente em um ambiente sem paredes, divisórias ou

qualquer outro obstáculo à visão caracteriza a imersão no clássico ambiente institucional de um hospital. O que pode ter sido incômodo, em um primeiro momento, tornou-se natural com o passar do tempo. Acredito que seja possível afirmar que no interior de uma instituição as distâncias individuais sejam alteradas, devido à dinâmicas de vida diferentes, além do fato de que no caso os internos não tinham outra escolha.

Sommer (1973) também dispõe sobre este efeito de naturalização, ao

qual nomeia de santificação institucional “que existe sempre que as pessoas passam longos períodos de tempo num ambiente. Depois de certo tempo, por mais estranho e desagradável que parecesse inicialmente, o costumeiro se torna fixo e natural.” (SOMMER, 1973, p. 99). Acrescentando ainda que “os efeitos de santificação institucional são mais perniciosos para indivíduos doentes, inválidos ou passivos.” (SOMMER, 1973, p. 100).

Neste sentido, Nivaldo apresenta uma das narrações mais positivas

sobre a vida no asilo-colônia. Com frequência encobre um fato negativo com outro positivo. De certa forma, adequa-se a um caso, descrito por Sommer (1973), onde o autor compartilha suas observações sobre um hospital para idosos, e faz pontuações gerais sobre demais instituições, como psiquiátricas, prisões etc:

No levantamento de hospital antes descrito, verificamos que os pacientes há mais tempo internados eram os que menos provavelmente apresentariam queixas. Este tipo de docilidade é geralmente característico de pessoas há longo tempo internadas em qualquer tipo de instituição. (SOMMER, 1973, p. 117) Quando não tinha filme, de segunda e sexta, o pessoal da banda ficava to-

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cando lá no coreto. Até 10 horas. Porque 10 horas tinha que ir todo mundo dormir. O baile era sábado, depois do cinema. Tinha cinema terça, quarta, quinta, sábado e domingo. Até esquecia às vezes aonde a gente morava antes. – Nivaldo Mercúrio (PEREIRA, 2009, p. 45)

Nivaldo descreve aqui, mais detalhadamente, a rotina coletiva da co-

munidade, onde de segunda e sexta ocorriam as apresentações da banda dos próprios internos no Coreto, e de terça, quarta, quinta e final de semana, havia o cinema. Inclusive, os bailes, tão mencionados nos relatos, ocorriam aos sábados, após a exibição do filme do dia.

O interessante, nesta fala, são as menções ao toque de recolher, às dez

da noite, e a frase “Até esquecia às vezes aonde a gente morava antes.”, pois evidenciam duas visões diferentes. Uma, o toque de recolher, que relembra, a todos, que residem dentro de um instituição não democrática e com regras próprias, e outra, que exterioriza essa ilusão de pertencimento a uma sociedade própria, e de uma “vida normal” criada pelas relações de trabalho, pelas festas e eventos, e pela hierarquia social construída dentro da instituição. É a exteriorização da desconexão da sociedade a que um dia Nivaldo pertenceu. A revolta aqui foi porque os amigos, parentes vinham e a gente não podia cumprimentar nem nada. Por isso, nós mesmos derrubamos o parlatório com marreta, martelo. Mas depois, o parlatório ali continuou, mas com a liberdade, que podia entrar e tudo. Foi na década de 50 que derrubou o parlatório. – Nivaldo Mercúrio (PEREIRA, 2009, p. 47)

Neste trecho, Nivaldo fala sobre a revolta dos internos que levou à que-

bra do parlatório, na década de 50, um símbolo da internação compulsória e isolamentos dos doentes. Ele mesmo participou e ajudou na quebra dos muros que separavam os internos das visitas, e da cobertura de telhas cerâmicas.

Em relação aos símbolos, Okamoto (1996) destaca que somente o ho-

mem é dotado de um sistema simbólico, uma forma de adaptação ao meio, 91


logo, a partir de seu comportamento simbólico, é capaz de agir “em função dos significados que imprime à realidade”. Diferenciando-se do animal, pela “manutenção do significado ou do sentido da vida, através de valores, sonhos, ideias.” (OKAMOTO, 1996, p. 53-54).

Logo, acredito que a quebra do parlatório seja muito significativa, não

apenas como um evento que marca, de certa forma, o início do fim da internação compulsória, como também, a destruição de um símbolo, que fisicamente não constituía uma barreira realmente significativa, mas o seu significado enquanto espaço segregatício sim. Ele vive em uma casinha pequena da avenida Correio da Noroeste. No início das entrevistas, antes de arruinar de vez o pé, ele até carregava pedras daqui para lá tentando tapar buracos e melhorar o que não é mais como antes. Nem nunca vai ser. (PENHA, 2014, p. 64)

Penha (2014) fala sobre Nivaldo e onde morava no ano do depoimen-

to em seu livro. O interessante é como Nivaldo tenta, com as próprias mãos, manter a antiga-colônia como era antes, com suas ruas de paralelepípedos e calçadas de pedra portuguesa, que foram construídas pelas mãos dos próprios internos. Isso demonstra um apreço muito grande pelo lugar onde ele ainda mora, mesmo após as mágoas que lhe trouxe. A cada tijolo que cai, Nivaldo se sente mais perto do fim. Mais velho. Mais esquecido e ignorado. Talvez seja por isso que Nivaldo reaprendeu a falar depois de 30 anos em silêncio: ele precisa contar sua história. (PENHA, 2014, p. 64)

Assim como no trecho anterior, aqui temos Penha (2014) falando sobre

Nivaldo a partir de sua própria visão. Ressalto a forma como ela relaciona a identidade de Nivaldo à antiga colônia, e a forma como ele luta para manter sua própria identidade ao manter a antiga colônia viva. Não acredito que ele 92


queira o retorno da instituição em si, como já foi um dia, mas, de fato, do lugar e todas as memórias e sentimentos que com ele estão ligados.

Acredito que a decadência da arquitetura, a falta de manutenção das

ruas e jardins devam soar como a destruição das memórias de Nivaldo, de suas vivências. E como já visto anteriormente, Nivaldo perdeu seu lar uma vez, quando criança, quando sua casa foi incendiada pelo DPL, logo, creio que ele saiba muito bem, mesmo que de forma inconsciente, o significado da perda material do lugar que construímos como lar e por isso lute tanto por sua preservação.

Fora este fato, Sommer (1973) também adiciona outro efeito da ins-

titucionalização, pertinente a esta análise: “É comum encontrar internados cujos sintomas iniciais foram reduzidos, mas que se tornaram desajustados à vida no exterior. Tanto os internados quanto os encarregados passam a aceitar a rotina como sagrada e a estabilidade como um valor absoluto.” (Sommer, 1973, p. 100). Quando eu cheguei, morava no Pavilhão Araraquara. Cada quarto tinha duas ou três. Naquele tempo tinha 1500 pessoas aqui. Aqui era uma cidade mesma, mas nada me agradava. Um dia eu tava na janela do Pavilhão e o cassino de frente, tava aquele carnavalzão no cassino, aquela moçaiada. E as mulheres tudo que tavam internadas, me chamando pra ir pro cassino. Eu falei que não, que sabe se lá se meus filhos estavam bem lá em São Paulo. Minha vida era chorar. Queria caçar um jeito de escapar. Pra ver como eles estavam lá. Morando sozinhos, tudo criança. Elas chamando pra eu ir distrair um pouco, que a tristeza ia passar, mas eu não queria nem saber. Falei que jamais iria. – Itália Manhi Santos (PEREIRA, 2009, p. 78)

Itália descreve melhor um dos pavilhões que ainda resiste ao tempo

atualmente na antiga-colônia, o Araraquara. Segundo a mesma, cada quarto do pavilhão abrigava duas ou três pessoas, possivelmente apresentando con-

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dições melhores que as enfermarias, que abrigavam um contingente muito maior.

Além disso, menciona como a colônia parecia uma cidade, com desta-

que para as companheiras internas que a chamam para ir no baile de carnaval para se distrair um pouco, “que a tristeza ia passar”. Este envolvimento entre os internos, as atividades sociais intensas e relações de trabalho estabelecidas são muito importantes para compreender o que foi este lugar. Dificilmente nos relatos, os ex-internos mencionam seus quartos e suas casas, no máximo estas descrições envolvem a quantidade de pessoas com que viviam. Características físicas e detalhes passam batidos, mas os espaços públicos ou melhor, destinados ao convívio social, são frequentemente e vividamente descritos e lembrados, o que me leva a pensar que a verdadeira relação de lar, que estas pessoas conseguiram estabelecer não foi com o local de moradia, de fato, mas sim, com estes outros espaços, vividos coletivamente. Lugares que se tornaram depósitos de suas memórias, sentimentos, sonhos e esperanças. Como coloca Hall (1989): “o lar não é meramente um apartamento, ou uma casa, mas uma área local na qual alguns dos aspectos mais significativos da vida são experimentados” (HALL, 1989, p. 152) A colônia tava cheia, aí levantou a ordem de que os doentes podiam tratar em casa. Aí foram tudo embora. Foi mais ou menos na década de 70. O cassino tava condenado, a estrutura. Faz muito tempo que fechou. Depois que eu cheguei ainda dancei muito no cassino. Quando fechou, parecia que tinha morrido o hospital. Tem gente aí que mora só com coisa do Estado. Eu não tenho nada do Estado. Eu já gastei tudo meu dinheiro. Aposentei na cozinha. Graças a Deus tenho um ordenado bom, pra eu gastar, comprar minhas porcariadas tudo. Meus netos moram na vila, aí eles têm carro e me levam em Bauru. Essa comida aí da Copa não dá não. Aí as vezes eu faço comida, no domingo, feriado. Eu tenho um quintalzão grande aí. Naquela época eles só deixavam doente entrar aqui. O Dr. Marcos um dia veio aqui e

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perguntou se eu não pensava ir embora. Eu disse que quando tocar o último daqui, aí eu vou. – Itália Manhi Santos (PEREIRA, 2009, p. 80)

Itália conta que, a partir da década de 70, com o fim da internação com-

pulsória a antiga colônia sofreu com a dispersão de seus moradores, que puderam retornar à suas casas, caso desejassem. Fala também como o hospital parecia morto com o fechamento do Cassino, que já sofria com as marcas do tempo e apresentava suas estruturas condenadas. Fala com muito orgulho que não necessita de assistencialismo do Estado, apesar de ainda residir na colônia, ou seja, o motivo de sua permanência não envolve dificuldades financeiras ou socias, visto que sua família mora no bairro vizinho. O que me leva a crer que a mesma permanece na sua casa, na antiga colônia por apreço ao lugar, o que pode ser sustentado quando a mesma afirma “Eu disse que quando tocar o último daqui, aí eu vou.” Eu também fiz, ganhei a casa. Quando fui lá assinar os papéis da escritura da casa, a chefe lá da COHAB falou: “Eu vou avisar a senhora, pra depois você não achar ruim. Pela idade que você tem, as parcelas ficarão mais caras. Porque você sabe que quando a pessoa falece, quita a casa. Então quem é mais velho, paga mais”. Eu peguei o contrato que estava na minha mão e rasguei tudo. Eu fui lá e comprei com o dinheiro que eu tinha uma casa na Vila Sta. Terezinha. Lá mora minha família, meus netos, minha nora, meu filho morreu já. (...) Juntava a colegada tudo na hora do almoço, na hora da janta. – Itália Manhi Santos (PEREIRA, 2009, p. 80)

A aquisição de uma casa no bairro vizinho ao Instituto é falada com or-

gulho, entretanto, Itália não demonstra vontade de residir fora das imediações da antiga-colônia. Parece que adquiriu a casa no bairro, não para que pudesse sair da colônia, mas para trazer os filhos mais perto da mesma. Insinuando mais uma vez sua recusa em deixar o local.

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Cada vez que vou no mercado é 400, 500 reais. Eu compro muita coisinha pra casa. Eu gosto. Eu vou morrer e esse dinheiro vai ficar. Eu já dividi algumas coisas, agora daqui pra frente o que eu for ganhando é meu. Você não quer um cafezinho? Eu gosto de morar aqui. Não gosto de cidade mais. Quando eu vou pra Bauru, eu fico louca pra voltar. Já sosseguei meu espírito, minha cabeça. Um dia um cara me atropelou lá, quis me roubar lá em Bauru. Eu quis bater nele. Mas de vez em quando eu vou.” – Itália Manhi Santos (PEREIRA, 2009, p. 82) (...) conjugada à casa vizinha, escadas laterais, varanda alta em frente à porta de entrada, com sacadinha quadrada onde cabe uma cadeira, talvez duas - por dentro já passou por reformas e modernizações. Diferente das outras, a casa da Itália não é singela. Teto forrado, sofás em couro, móveis em madeira, cozinha planejada, objetos de decoração a embaralhar a vista, cortinas coloridas, tapetes e um quintal enorme onde em todo 6 de julho ela convida amigos, junta a família e comemora seu aniversário. As festas de Páscoa, Natal e Ano novo também são todas lá. Ela faz questão. “Meus netos e bisnetos vivem tudo por aqui”. Tudo é tão do seu jeito que para tirar Itália de casa, só mesmo às compras. Para ela, a televisão e o sofá são as melhores companhias. ‘Ah, eu trabalhei muito nessa vida! Agora é hora de descansar’. (PENHA, 2014, p. 149) Aqui do Aimorés eu só saio morta. Por mim, eles me enterravam aqui na minha casa mesmo. Cabe certinho meu túmulo aqui. – Itália Manhi Santos (PENHA, 2014, p. 160)

Estes trechos condensam uma característica muito forte de Itália, o

apreço por sua casa. Ela é uma das únicas pessoas, das quais os relatos foram selecionados, que menciona sua casa tantas vezes. A forma como cuida e personaliza de acordo com seus gostos, é possível ser observada na descrição que Penha (2014) faz da casa da senhora. É a utilização de objetos pessoais para demarcar território, como coloca Sommer (1973). Assim, creio que Itália realmente tenha conseguido reconstruir seu lar dentro da colônia, diferentemen-

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te de muitos. Itália não reclama da internação. Apesar de ter deixado os filhos, mudado de cidade e modificado os rumos da vida sem possibilidade de escolhas, ela diz que a vida que teve no Aimorés foi mais branda do que a tinha trabalhando como doméstica em São Paulo, com quatro crianças para alimentar. Chega a reclamar que o Lauro de hoje não é tão bom quanto antes. Sente falta do “achego” que sentiu quando chegou. Um pouco desse sentimento vem pelas modificações que ela mesma sofreu com o tempo. Quando chegou ao Aimorés, Itália trabalhava, frequentava o Cassino, ia às festas e fez muitas amizades entre o corpo médico e os enfermeiros do hospital. Hoje a situação é outra. Das mais de mil pessoas que Itália acredita que vivessem no Aimorés quando ela chegou, sobraram menos de 30. O Cassino virou museu e não existe mais uma cidade como era antes. A relação que ela tem com os médicos de hoje, é distante. Sem grandes conversas e amizades. (PENHA, 2014, p. 160)

No início de seu discurso, Itália fala como a vida que lhe foi dada den-

tro do Asilo-Colônia acabou sendo muito melhor do que a que tinha antes da doença. Este detalhe, de certa forma vem a reafirmar a teoria, na época da criação dos asilos, de que a melhor qualidade de vida atrairia os doentes mais carentes, para que viessem e permanecessem por livre e espontânea vontade. Este foi o caso de Itália, que acabou se contentando com a vida interna.

Entretanto, assim como outros que ainda residem na antiga colônia,

também menciona que o local não era mais como antigamente e como sente falta da movimentação, dos bailes e da comunidade que construíram, contudo, aqui, aparece como uma das únicas que, apesar de tudo, fez de sua casa na colônia a completa caracterização de um lar, o qual menciona várias vezes com orgulho, algo muito característico. Já pelo nome se nota. A pessoa não era internada. Era asilada. Era tirada da sociedade ao bem da sociedade. Esse é o fato naquele tempo. Por melhores

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que fossem o cinema, as festas e as aulas de trombone, Bernardino nunca viu o Aimorés como um lar. “Eu precisei me adaptar àquela vida. Senão, não estava vivo hoje. Tinha morrido de desgosto”. (PENHA, 2014, p. 50)

A primeira frase deste trecho compreende um excelente contraponto

com a visão de Itália. Diferentemente da outra moradora, Bernardino nunca enxergou o Aimorés como um lar. Este fato tem um grande impacto, porque ele também fala que a necessidade de sobrevivência o forçou a se adaptar àquela realidade que lhe foi imposta. Esta questão da sobrevivência e a capacidade do ser humano de se adaptar às condições que lhe são impostas são muito importantes quando se estuda percepção ambiental.

Esta aceitação dos fatos e das circunstâncias também é questionada por

Sommer (1973): A mesma passividade diante do ambiente é um ingrediente básico do que denominamos “prisionismo”, hospitalismo e neurose institucional. Não sabemos se a falta de queixas se deve a sentimentos de resignação e impotência, à crença de que as queixas não têm outro efeito senão marcar o internado, ou a embotamento sensorial depois de longo internamento. (Sommer, 1973, p. 117)

Penha (2014), visitou Bernardino em sua casa, na cidade de Bauru, para

realizar sua entrevista, e neste trecho oferece sua visão da casa do senhor. Pela descrição me questiono se pelo longo período de institucionalização ele tenha perdido a capacidade de se conectar com o próprio lugar em que vive, tendo em vista que seu lar demonstra tanta impessoalidade, um cenário completamente diferente, se comparado à casa de Itália. Bernardino vive sozinho em uma casa grande e cheia de cômodos de um bairro bauruense que hoje já tem cara de zona comercial. A sala de visitas que recepciona logo que a porta de madeira na entrada se abre é vazia. Tem apenas um sofá de três lugares e uma poltrona. Sem tapetes, mesa de cen-

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tro, quadros ou enfeites decorativos. Em um dos cantos do grande cômodo ficam guardadas seis cadeiras de madeira que, um dia, foram usadas em uma grande mesa de jantar. Agora, já sem uso, elas servem apenas para preencher um pouco o espaço vazio. A cortina que cobre a janela de correr, grande como se usava à moda antiga, já está com o tecido gasto, deixando aparente que tudo na casa de Bernardino está ao aguardo e vontade do tempo. (PENHA, 2014, p. 55)

Moraes (2005), em sua dissertação de mestrado intitulada Auto-ima-

gem, Fotografia e Memória, realiza importantes constatações, de extrema pertinência a este trabalho. Apesar do enfoque em outra área, sua pesquisa tem como objetivo estudar a autoimagem construída pelos idosos ex-internos do antigo Asilo-Colônia Aimorés, através dos recursos da fotografias e relatos orais (MORAES, 2005, p. 15). O esclarecimento da imagem que os internos possuem da instituição também é buscado, pois esta também é considerada parte de suas memórias individuais. (MORAES, 2005, p. 23)

O destaque vai para a metodologia empregada. Em posse de um álbum

contendo 52 fotografias, pré-selecionadas pela autora a partir de determinados critérios, está pede aos entrevistados que escolham, de forma pessoal, 8 fotografias, que posteriormente são reduzidas à 4, e por fim, a uma única fotografia, a mais representativa. Os ex-internos são orientados a escolher “as fotografias mais importantes para si, para suas lembranças ou para sua história.” (MORAES, 2005, p. 161)

Dos seis entrevistados, 4 fotografias são escolhidas, onde uma se repete

na escolha de 3 indivíduos. A recorrência desta mesma fotografia ajuda a corroborar a indagação, realizada anteriormente frente os relatos de Itália, sobre a possibilidade de a verdadeira relação de lar ter sido estabelecida nos espaços vividos coletivamente e não nos locais de moradia.

A foto (Figura 68) que se apresenta repetidas vezes, contêm o Cassino e

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a Praça Adhemar de Barros, logo em frente. Os comentários tecidos sobre este local mencionam a diversão, mas principalmente os encontros e as amizades.

Fig. 68 Fotografia escolhida do Cassino

Moraes (2014) questiona sobre estas principais fotografias serem, por-

tanto, ícones da memória: “Essas quatro fotografias são, de certo modo, “ícones”, particularmente significativos de uma memória pessoal tanto como coletiva.” (MORAES, 2005, p. 179). Logo, ajudam a respaldar os questionamentos da presente pesquisa. Fora, o cassino, as demais fotografias apresentam a portaria principal, a cadeia e a igreja, ou seja, nenhuma habitação em específico.

Outro detalhe importante de se ressaltar é que estas escolhas refletem

também a importância da arquitetura como símbolo e ímã de memórias e vi-

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vências. As 52 fotos do álbum também abrangiam imagens de festas, retratos de casamentos e das atividades diárias. Porém, a relevância iconográfica de determinados edifícios saltou aos olhos dos entrevistados, que consciente, ou inconscientemente os escolheram. Moraes (2014) também destaca esta priorização do que chama de dimensão arquitetônica. (MORAES, 2014, p. 217).

4.3.

Estudo Socioespacial

Este subcapítulo apresenta como objetivo a compreensão e esclareci-

mento da conjuntura atual do objeto de estudo desta pesquisa. Ou seja, a forma como se insere e conecta-se à cidade de Bauru, tendo em vista que sua implantação originalmente buscava o isolamento das áreas urbanas.

Sabe-se que, atualmente, residem na área da antiga colônia em torno de

54 pessoas. As moradias que ainda se mostram habitáveis são cedidas exclusivamente a quem vivenciou o período de internação compulsória ou sofreu consequências da mesma e, portanto, não consegue se reinserir na sociedade, seja por questões físicas, financeiras ou sociais. Destes residentes não é cobrado nenhum tipo de taxa, assim como não é cobrado o aluguel, a comida, a segurança, a energia e a água. Todos podem usufruir das infraestruturas oferecidas pelo Instituto. Os moradores mais idosos do antigo sistema-asilar residem também no local, na Geriatria do hospital, onde recebem a assistência contínua que necessitam.

Segundo informado, atualmente, moradores irregulares, que não foram

do período de internação ou que são apenas agregados, estão sendo convidados a se retirar, pois o próprio Ministério Público está solicitando a desocupação de determinadas casas ocupadas, portanto, irregularmente. As únicas pessoas externas ao antigo sistema e, que podem usufruir regularmente das instalações da antiga colônia, são pacientes, que vem receber tratamento no

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local, e seus familiares, a quem é oferecido um alojamento, assim como estudantes que realizam os cursos, de 12 ou 24 meses, oferecidos pelo próprio Instituto.

Em vista da distância do centro de Bauru e da localização isolada, foi

questionado o modo de transporte, tanto dos moradores que residem permanentemente no Instituto, assim como de seus habitantes recorrentes (pacientes e estudantes). Aparentemente a maioria dos moradores possui carro próprio, e quando não, utilizam o transporte coletivo, que oferece um ponto de ônibus dentro do próprio local. Os pacientes também utilizam do mesmo transporte coletivo, ou transporte ligado à rede de saúde de suas cidades de origem.

Fora os serviços desenvolvidos na própria instituição, ligados à área da

saúde, os demais, como comércio e educação, necessitam ser buscados externamente, através de recursos próprios. Atualmente nenhum destes é realizado na área.

A Figura 69, a seguir, apresenta, destacados, elementos importantes

para entendimento do contexto. Os elementos de 1 a 6, em amarelo, indicam os principais acessos à cidade e ao antigo Asilo-Colônia. Já os numerados de 7 a 9, em branco, marcam respectivamente o Terminal Rodoviário, o Centro Urbano e o Aeroporto de Bauru. Estes três últimos estão agrupados na mesma categoria, pois representam pontos de interesse a quem vem de outras localidades, e o Centro Urbano como ponto distribuidor do transporte coletivo, que inclusive fornece acesso ao Instituto Lauro de Souza Lima.

A distância, em linha reta, da antiga Colônia e do Centro de Bauru, cor-

responde a aproximadamente 9km. Em um trajeto de carro, esta distância aumenta para em média 12km, o que corresponde a um trajeto, com valor aproximado de 25 minutos de carro. Utilizando o transporte público, o tempo de

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Fig. 69 Localização do Instituto Lauro de Souza Lima em Bauru


viagem quase dobra, levando em torno de 40 minutos até o destino.

A linha de transporte público que serve a área é a “0098 – Santa Tere-

zinha/Lauro de Souza Lima/Unimed – Centro”. Da mesma desdobram-se 5 outras sublinhas que, de acordo com o horário, transpassam também outros bairros do entorno, estendendo seu percurso original. Tanto esta, quanto as demais sublinhas podem ser observadas na Figura 70.

1 Rod. Cmte. Ribeiro de Barros 1 (SP-294)

7 Terminal Rodoviário de Bauru

2 Rod. Cezário José de Castilho (SP-321)

8 Centro Urbano de Bauru

3 Av. Rodrigues Alves

9 Aeroporto de Bauru

4 Rod. Cmte Ribeiro de Barros (SP-225) 5 Rod. Marechal Rondon (SP-300) 6 Av. Nações Unidas 103


Fig. 70 Linhas de Transporte Público

Em vermelho destaca-se a linha principal, Santa Terezinha/Unimed, e

nas demais cores as extensões de suas sublinhas. Apesar da quantidade aparente de linhas, a espera por um transporte público gira em torno de uma hora, partindo do ponto no interior do próprio Instituto.

A partir da Figura 71, é possível observar os bairros mais próximos à

instituição. Encontram-se destacados os nomes de cada um, evidenciando a forma de ocupação do território. O uso industrial e os conjuntos habitacionais mostram-se predominantes, visto que comumente localizam-se nas periferias das cidades. Os bairros que estabelecem contato imediato com a área de estudo – Parque Santa Terezinha, Parque Industrial Manchester e o Vale do Igapó – carecem de infraestrutura, equipamentos públicos e prestação de serviços, tornando o deslocamento a outros bairros, ou ao centro de Bauru necessário no cotidiano dos moradores. Através da observação do mapa da Figura 69, nota-se a barreira física imposta pela Rodovia, que separa o restante da cidade da região.

O Vale do Igapó, especificamente, sofre, além da falta de infraestrutu-

ra, com a regularização de seus lotes. Somente no começo de 2018, a Câmara Municipal de Bauru discutiu a proposta da Prefeitura de inclusão do bairro em

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Zona Residencial. Como o mesmo está inserido em área de Cerrado protegido por leis municipais, teoricamente a construção civil deveria ser restrita, entretanto, não é este o cenário encontrado. Atualmente a expansão residencial cresce exponencialmente, na medida em que a mata é eliminada.

O Parque Santa Terezinha, apesar de, da mesma forma não prover de

grande infraestrutura, tem sua origem vinculada à própria existência do antigo Asilo-Colônia Aimorés. Segundo Penha (2014), o bairro formou-se a partir de familiares de internos da colônia que foram ocupando o lugar, em busca de proximidade a seus entes queridos, e posteriormente por ex-internos. De acordo com a mesma, a Prefeitura Municipal alega que a fundação do bairro data de 1964, entretanto, ex-internos alegam ocupação anterior a este período (PENHA, 2014, p. 112). Na década de 60, com a saída dos primeiros internos que receberam alta, o bairro carecia de todo tipo de estrutura, inclusive água encanada. Apenas na década de 80 o transporte público passou a oferecer linhas diretas ao bairro e ao Instituto (PENHA, 2014, p. 113). Em Bauru, o Parque ainda é conhecido como a “Vila dos Leprosos”. Alguns usam de entonação pejorativa para classificar. Outros o fazem para, de fato, descrever uma realidade. A maior parte da população do Parque Santa Teresinha ainda é formada por filhos, netos, parentes de ex-internos e por alguns dos ex-internos (...) (PENHA, 2014, p. 113)

Os demais bairros localizados ao norte da rodovia Cmte Ribeiro de Bar-

ros (SP-225) também pouco se comunicam com a área do Instituto, por se tratarem de bairros industriais ou de escassa infraestrutura, fatores que são somados à própria limitação imposta pela rodovia. O que pode ser analisado na figura seguinte, a Figura 71, e destaca-se, é esta consequência direta da ausência de comunicação entre os bairros, melhores servidos de equipamentos e serviços, e a área de estudo.

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Os raios de análise de equipamentos e prestação de serviços, encontra-

dos na Figura 71, iniciam-se em 1km, pois os raios menores (de 500 e 300m) abrangem apenas o território do próprio Instituto, visto que este isola-se consideravelmente da malha urbana. Dessa forma, estabelecido em 1km, o primeiro raio consegue abranger grande parte do bairro vizinho, o Parque Santa Terezinha, e do entorno imediato.

Como já observado anteriormente, os bairros mais próximos da insti-

tuição são carentes em diversos tipos de infraestrutura e prestação de serviços, logo, esta primeira análise não mostraria resultados diferentes. Apenas equipamentos consolidados de educação e saúde foram encontrados, como pode ser observado na Tabela 2. Entretanto, o Hospital da Unimed Bauru é

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particular, o que restringe de fato o acesso.

A partir de 2km, o caráter industrial da região começa a aparecer e a

quantidade de indústrias sobressalta-se em relação aos demais equipamentos e serviços. No entanto, o destaque vai para a presença do SEST/SENAT, respectivamente, o Serviço Social de Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte, que atuam na área de qualificação profissional direcionada ao mercado de trabalho, e oferecem também assistência ao trabalhador nas áreas de saúde, esporte, lazer e cultura.

Há 3km do Instituto, equipamentos de educação já não são mais encon-

trados, porém o primeiro supermercado, após 2 raios de análise, é identificado. As indústrias permanecem presentes, mas equipamentos de saúde pública e de esporte/lazer ausentam-se. Apenas aos 5km, equipamentos de todos os tipos são avistados. Creches e escolas de ensino fundamental ao ensino médio, Fig.71 Bairros próximos

Unidades de Pronto Atendimento e hospital da rede pública, supermercados, o CEAGESP, e áreas de lazer.

Dessa forma, pode-se concluir que o acesso aos equipamentos e servi-

ços oferecidos é dificultado principalmente pelo isolamento que caracteriza a própria implantação do antigo Asilo-Colônia. Apesar de serem fornecidos alguns serviços dentro da própria instituição, educação, por exemplo, exige grande deslocamento, principalmente em relação a ensino superior ou profissionalizante.

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Educação Saúde

Alimentação

EMEI E.E. João Simões Netto Hospital da Unimed Bauru Padaria Pão Doce Mercearia do Cidão Bar do Cido Bar Bar/Quitanda Manuel

Esporte/Lazer

-

Indústrias

-

Serviços Gerais

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Atacadão da Limpeza CDM Arcon Bauru

Tabela 2 Equipamentos no Raio de Análise de 1km


Fig.72 Equipamentos e Serviços

Educação

SEST/SENAT

Saúde Alimentação

Borsatto Gril

Esporte/Lazer

-

Indústrias

ECIRTEC - Equipamentos e Acessórios Industriais Spaipa - Indústria Brasileira de Bebidas

Serviços Gerais

-

Educação

-

Saúde

-

Alimentação

Mercado Campeão

Esporte/Lazer Indústrias Serviços Gerais

Tilibra Fábrica da Coca-Cola (Água) Copagaz Bauru

Tabela 3 Equipamentos no Raio de Análise de 2km

Tabela 4 Equipamentos no Raio de Análise de 3km

TUIM Sucatas

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Doce Recanto Creche E.E. Walter Barreto Melchert Educação

E.E. Francisco Alvez Brisola EMEF Prof. Lourdes de Oliveira Colnaghi EMEI Guilda dos Santos Improta Hospital Estadual

Saúde

Sorri Bauru UPA Geisel Redentor Panelão Supermercados

Alimentação

Supermercado JM CEAGESP Zoológico Municipal

Esporte/ Lazer

Tabela 5 Equipamentos no Raio de Análise de 5km

ADPM – Associação Desportiva Militar Parque Bauru José Regino CEU – Centro de Artes e Esportes Unificados Indel Bauru Indústria Eletrometalúrgica

Indústrias

CONCREFER – Postes Bauru Supercon Concreto Bauru

Serviços Gerais

-

Fig. 73 Áreas Verdes

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Na Figura 73 é apresentado o mapa de áreas verdes próximas ao objeto

de estudo. O intuito deste é destacar as massas vegetais que se encarregam de isolar quase que completamente o Instituto da malha urbana. De forma clara é possível observar a proximidade deste dos demais bairros, entretanto, a desconexão, tanto visual quanto viária proporcionada pelos maciços, torna o isolamento possível.

Já os bairros Parque Santa Terezinha e o bairro Parque Industrial Man-

chester apresentam pouquíssimas áreas verdes, que, quando presentes, resumem-se, na maioria dos casos em terrenos abandonados. No caso do Parque Industrial Manchester, aparentemente a massa vegetal visível a partir da vista aérea, compreende à resquícios da vegetação pré-existente. Nenhuma área verde correspondente à áreas de lazer foi encontrada durante a análise.

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Por fim, a resolução de tombamento, de 2016, citada no início deste ca-

pítulo, lista como bens tombados os seguintes edifícios remanescentes do antigo Asilo-Colônia Aimorés: Igreja Nossa Senhora das Dores (1951); antigo Cineteatro e Cassino (1938); Coreto; antigos carvilles Anita Costa e Araraquara (déc. 1940); prédio da primeira Igreja do asilo (déc. 1930); campo de futebol; tribuna; quadra poliesportiva; tablado de dança; bares; prédios da antiga Diretoria e Administração; portal formado pelos muros do antigo parlatório; calçamento de mosaico português que pavimentam as calçadas e áreas comuns contidos dentro do perímetro de tombamento.

As intervenções a estes edifícios ficam restritas à aprovação prévia pelo

Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). As diretrizes estabelecidas com o objetivo de assegurar a preservação dos elementos tombados pode ser encontrada detalhadamente no Artigo 4º da mesma resolução.

Na Figura 74 é possível visualizar o perímetro e os elementos destaca-

dos para tombamento.

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Fig. 74 Mapa do PerĂ­metro de Tombamento

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05.

Considerações Finais


A

investigação da história do Asilo-Colônia Aimorés, em busca de vestí-

gios que contribuíssem para a compreensão de como indivíduos internados reestabeleceram suas vidas dentro da instituição, e particularmente como o habitaram e o vivenciaram, levou as indagações inicias, relacionadas às questões da construção do lar, da arquitetura, da preservação do patrimônio à caminhos até então inesperados.

Diante de um recorte histórico-espacial muito específico, o foco foi de-

monstrar que naquele contexto a arquitetura não exerceu um papel coadjuvante. Indissociável de quem a utiliza, a vive, a habita, um dos fatores que se tornou claro desde o início é que os temas não poderiam ser fragmentados, todas as faces deveriam ser apresentadas: o social, a história, a antropologia e a arquitetura.

Neste sentido, o habitar estendeu-se. O que inicialmente parecia res-

tringir-se ao âmbito da moradia, separado pelo delineamento entre público e privado, dissolveu-se. O condicionamento dos indivíduos àquela realidade, àquela moldura arquitetônica trouxe novas formas de se edificar um lar, não restrito à casa, e por vezes, independente da mesma. Como pôde ser observado nos relatos, algo muito característico aparenta ter acontecido.

Os espaços vivenciados coletivamente, como as praças, a igreja e o cas-

sino tornaram-se maciços depósitos de memória, sentimentos e esperanças de dias melhores, âncoras nas lembranças dos ex-internos. Logo, quando se entende que o lar tratado nesta pesquisa não é aquele definido pelas paredes e teto de uma casa, torna-se visível a possibilidade destes espaços coletivos constituírem o verdadeiro lar dos internos que foram capazes de reconstruir suas vidas naquele local, e não os locais de moradia. Claro que isto é dito de forma geral, pois cada indivíduo teve sua experiência única a partir dos seus sentidos, sua cultura, sua visão de mundo.

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A maioria dos indivíduos foi privada de sua família, de sua casa, de sua

memória e obrigados a viver em uma instituição. Internados anos a fio, aprenderam a reestruturar suas vidas dentro daquele ambiente, construíram relações, novas memórias, novas conexões para que, novamente, perdessem tudo com o fim da instituição. Foram duas grandes perdas, igualmente danosas.

Assim, ao nomear este trabalho como Lares Roubados, minha intensão

não era me referir ao processo de internação compulsória apenas como um processo que destituía as pessoas de seus lares físicos, ao retirá-las e isolá-las em uma instituição. A natureza deste título nasce a partir da compreensão que todo o processo resulta no desligamento desses indivíduos da sociedade e, portanto, na capacidade de reconexão com a mesma. O que se observa é a espoliação da capacidade de reconstrução de um lar, no sentido metafísico.

Isto posto, defronta-se com hesitações ao que tange a dimensão arqui-

tetônica que resta atualmente da antiga colônia: como lidar com um patrimônio tão doloroso? O que o subcapítulo sobre o estudo socioespacial revela é a manutenção, de certo, modo de uma característica intrínseca ao antigo sistema, o isolamento, logo: como lidar com um patrimônio tão doloroso e isolado? Como trazer vida a um local planejado para a segregação?

Estas questões levaram ao desenvolvimento de determinadas conside-

rações a serem feitas em relações à projetos no local, no entanto, não constituem uma lista de diretrizes, apenas ponderações que resultaram da presente pesquisa, e que no âmbito projetual podem ser relevantes. I.

O primeiro ponto enfatiza as próprias diretrizes elencadas pela

resolução de tombamento do antigo Asilo-Colônia Aimorés, que define praticamente todos os edifícios do âmbito social como tombados, somando os carvilles Anita Costa e Araraquara. Isto porque, além da óbvia relevância ar-

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quitetônica destes elementos, acrescento a relevância como parte da memória dos ex-internos. A salvaguarda destes locais permite a preservação da história pessoal e coletiva destas pessoas, e sua destruição ou descarte significaria o esquecimento deste passado e extinção de toda luta que eles representam. Pessoalmente, acredito que somente a preservação do passado possibilita um futuro melhor, menos incoerente. Como registros de uma sociedade, em determinado local e determinado tempo, são constantes lembretes dos erros e acertos. II.

Consequência do observado durante esta pesquisa, expresso a

consideração a ser feita sobre projetos para habitação no local. Tendo em vista todo cenário pré-existente, acredito ser inviável a requalificação dos edifícios tombados visando a habitação, ou até mesmo a elaboração de um projeto contemporâneo com tal objetivo. Além da dificuldade de acesso à equipamentos básicos, também enfoco que o isolamento dos pacientes, ex-internos, ou a quem for hipoteticamente destinada estas habitações, apenas perpetua o caráter segregatício implantado pelo sistema asilo-colônia. Julgo que quaisquer semelhanças a este sistema devam ser erradicadas e jamais reproduzidas. O que deve ser buscado é a desmistificação da doença e reinserção social dos indivíduos. Claro que neste ponto, devem ser levados em conta os ex-internos que optaram por permanecer na antiga colônia, aos quais deve ser oferecido todo suporte, se assim desejam. Contudo, em algum momento a área não será mais habitada por ninguém, e o incentivo a isto presumo que deva ser evitado. III.

Por fim, considero como solução mais adequada, a integração da

antiga colônia aos serviços do Hospital e do Instituto Lauro de Souza Lima, de forma que, quando possível, os edifícios possam abrigar determinados ser-

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viços da instituição, e quando não, que passem a conformar parte integrante do que pode ser considerado um memorial sobre a história do local, como já acontece com o edifício do Cassino, por exemplo, hoje também conhecido como “Museu Sillas Braga Reis”. Acredito que, na medida em que o Instituto for se expandindo, seja possível a integração harmoniosa deste com a antiga colônia, de modo a respeitar sua memória e integrá-la à própria história, oficialmente, pois, da forma que se dá hoje a configuração do instituto e da antiga colônia, é quase impossível saber do que se trata aquelas antigas construções tombadas, e este caráter anônimo é muito prejudicial, tanto ao patrimônio, quanto à história de todo o contexto, da hanseníase, dos asilos-colônias e dos internos. Por mais que tenha sido um erro, de acordo com as opiniões médicas atualmente, este deve ser lembrado, nunca relegado.

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ReferĂŞncias IconogrĂĄficas [fotografia da capa] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [fotografia da contracapa] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [1] Fonte: Costa, 2008, p. 180. [2] Fonte: Costa, 2008, p. 183. [3] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [4] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [5] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [6] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [7] Fonte: Caporrino; Ungaretti, 2016, p. 136. [8] Imagem produzida pela autora. [9] Fonte: Caporrino; Ungaretti, 2016, p. 140. [10] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [11] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [12] Imagem produzida pela autora adaptado de MORAES, 2005, p. 103. [13] Imagem produzida pela autora adaptada de Moraes, 2005, p. 70. [14] Fonte: Moraes, 2005, p. 72. [15] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [16] Fonte: Costa, 2008, p. 381. [17] Fonte: Costa, 2008, p. 382. [18] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [19] Fonte: Costa, 2008, p. 338. [20] Imagem produzida pela autora adaptada de Moraes, 2005, p. 76. [21] Fonte: Costa, 2008, p. 339. [22] Fonte: Costa, 2008, p. 339. [23] Fonte: Moraes, 2005, p. 74.

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[24] Fonte: Moraes, 2005, p. 77. [25] Fonte: Moraes, 2005, p. 77. [26] Fonte: Moraes, 2005, p. 78. [27] Imagem produzida pela autora adaptada de Fonte: Moraes, 2005, p. 83. [28] Fonte: Moraes, 2005, p. 141. [29] Fonte: Moraes, 2005, p. 93. [30] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [31] Fonte: Porto, 2017, p. 89. [32] Fonte: Costa, 2008, p. 290. [33] Fonte: Moraes, 2005, p. 90. [34] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [35] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [36] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [37] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [38] Fonte: Moraes, 2005, p. 87. [39] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [40] Fonte: Moraes, 2005, p. 145. [41] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [42] Fonte: Porto, 2017, p. 88. [43] Fonte: Porto, 2017, p. 88. [44] Fonte: Costa, 2008, p. 348. [45] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [46] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [47] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [48] Fonte: Moraes, 2005, p. 89. [49] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [50] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima.

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[51] Fonte: Porto, 2017, p. 157. [52] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [53] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [54] Fonte: Costa, 2008, p. 378. [55] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [56] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [57] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [58] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [59] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [60] Fonte: Costa, 2008, p. 346. [61] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [62] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [63] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [64] Fonte: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima. [65] Fonte: Acervo Gabriela de S. Suzuki. [66] Fonte: Costa, 2008, p. 347. [67] Fonte: Moraes, 2005, p. 149. [68] Fonte: Moraes, 2005, p. 150. [69] Imagem produzida pela autora. [70] Fonte: Google Maps. [71] Imagem produzida pela autora. [72] Imagem produzida pela autora. [73] Imagem produzida pela autora. [74] Fonte: Condephaat.

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