amazônia xxi | gabriel bicho

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Franciney Vasconcelos e Gabriel Bicho, do esforço de invenção de um lugar e da invenção do Brasil a partir de Rondônia Rondônia é o estado da Região Norte com a mais rala cena de arte. A etnolinguística, mais que a arte indígena atual, é a disciplina acadêmica mais expandida, por nomes como Ana Suelly Câmara Cabral, Kaman Kalapalo e Ariel Couto e Silva. As línguas masaká, pano, aruá, gavião, suruí, wayurú e outras são mais estudadas que o desenho e a pintura desses povos. Em Porto Velho, Franciney Vasconcelos surge no século XXI . Nascido no Pará, fixou-se na capital de Rondônia em 1998. Autodidata, ele opera com pintura, desenho, xilogravura (Cheiro da mata), mata), objetos, instalações, além de pintar placas de propaganda. Para João Zoghbi, Vasconcelos evoca as “vivências de infância simples e tranquila da vida ribeirinha”em “retrato da ‘vida beradera’’”, 53 expressão rondoniense beradera para ribeirinho, o homem comum que vive à margem dos rios da Hileia. Sua mostra Cheiro da mata (2019) exibiu a instalação O pescador e o lixo, lixo, justapondo uma tela sobre a labuta do homem ribeirinho à assemblage de objets trouvés (pneus, sapatos etc.), lixo denunciativo da doença entrópica do meio ambiente. Vasconcelos afoga nomes da história da arte (Leonardo, van Gogh e Salvador Dalí) no universo aquoso amazônico, como na tela O Abaparu de Tarsila frente a frente com o Cururu. Cururu. É seu esforçado desafio para inventar um lugar que se chamasse Rondônia na cena da arte brasileira, para além do regionalismo. O artista Gabriel Bicho se propõe ao oposto: quer demonstrar que um artista rondoniense também pode interpretar o Brasil. “Nasci em Porto Velho, capital de Rondônia, em 1989 ”, afirma Gabriel Bicho, mas “atualmente moro do outro lado do Brasil, no Rio Grande do Sul”. 54 Tem antepassados portugueses e espanhóis, mas tem os avós pescadores ribeirinhos nas cercanias do Jamari, de possível origem indígena. Agora vivendo em Pelotas, Bicho abre seu leque de questões nacionais, desde as amazônicas até as gaúchas. Viajando

pelo Brasil, para trabalhar, o artista esclarece que seu processo “costuma se dar pelos lugares por onde vou, e de um certo estranhamento, inicialmente de observação”, 55 colocando-se em situação de deriva de um flâneur contemporâneo. O processo de deambulação de Gabriel Bicho remete ao texto O pintor da vida moderna” (1863) (1863).. Aí o poeta Charles Baudelaire analisa o flâneur como aquele que pode “estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados”. Gabriel Bicho se projeta pelo país em busca da expansão de sua agenda sobre a diversidade cultural do Brasil. A devastadora enchente do rio Madeira, de 2014, resultou no projeto Nem só de ba [R]ragens vive o homem, homem, tal qual a obra O lago do esquecimento, esquecimento, de Paula Sampaio, demonstra a crise da hidroelétrica de Tucuruí (ver págs. 250-253). A principal

Franciney Vasconcelos and Gabriel Bicho, the effort to invent a place and the invention of Brazil from Rondônia Rondônia is the state in the North region with the most sparse art scene. Ethnolinguistics, more than current indigenous art, is the academic discipline most expanded by names such as Ana Suelly Câmara Cabral, Kaman Kalapalo, and Ariel Couto e Silva. The languages masaká, pano, aruá, gavião, suruí, wayurú and others are studied more than the drawing and painting of these peoples. In Porto Velho, Franciney Vasconcelos appears in the 21st century. Born in Pará, he settled in the capital of Rondônia in 1998. Self-taught, he works with painting, drawing, woodcut (Cheiro da mata [Scent of the Woods]), objects, installations, in addition to painting advertising signs. For João Zoghbi, Vasconcelos evokes the “simple and peaceful childhood experiences of riverside life in “retrato da ‘vida beradera’ [portrait of ‘beradera life’]”, 53 a rondoniense expression for riverside dwellers, the

Franciney Vasconcelos O pescador e o lixo [The Fisherman and the Garbage], 2019 Instalação no | Exhibition view Centro Cultural Ivan Marrocos, Porto Velho


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