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Uma pu b lic aç ão d o Sind ic ato d os M e talú rg ic os d a Grand e C ur i t i ba (S MC)
ESPECIAL LOBBY DE GRANDES GRUPOS EMPRESARIAIS TEM FEITO GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL E SETORES DO JUDICIÁRIO SE UNIREM PARA DESMONTAR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E CRIAR UM MUNDO ONDE TRABALHADORES NÃO TÊM DIREITOS E EMPRESAS TÊM LUCROS MAXIMIZADOS
TRABALHO
SEM LEI O FIM DOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO DO MTE
JUSTIÇA DO TRABALHO SUCATEADA
ÍNDICE
EDITORIAL Sérgio Butka, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC), da Federação dos Metalúrgicos do Paraná (Fetim) e Força Sindical do Paraná
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REFORMA TRABALHISTA A cereja do bolo do Trabalho Sem Lei
8
INCONSTITUCIONAL Ministério Público do Trabalho estuda fazer Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Reforma Trabalhista
V
O DESMONTE NA FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO • Brasil possui metade dos Auditores-Fiscais do Trabalho necessários
• R$ 100 bilhões poderiam ser injetados no FGTS com a devida fiscalização do pagamento por parte das empresas • Brasil é denunciado na Organização Internacional do Trabalho pelo número insuficiente de fiscais
FIM DA 14 OJUSTIÇA DO
PROTECIONISTA, QUE PROTEGIA 15 OO PRINCÍPIO TRABALHADOR NA JUSTIÇA, NÃO EXISTE MAIS
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TRABALHO
A REFORMA TRABALHISTA EM 100 PAÍSES
A CONTRARREFORMA ESTÁ NAS MÃOS DOS SINDICATOS Edição:
(41) 3014-7700
02 ||| METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI
Trabalho sem Lei, exploração sem limites
Jornalista responsável: Gláucio Dias
Redação: Gabriele Maniezo
Diagramação: RiccardoH
ivemos tempos difíceis. Direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores gradativamente são surrupiados e jogados fora. A cada direito destruído, a cada norma adulterada, a cada golpe que sofremos, vemos virar realidade o mais antigo sonho da classe empresarial brasileira. Um ambiente de regulamentação zero, com exploração máxima, riscos mínimos ao capital e nenhuma garantia aos trabalhadores. Eis que surge o mundo do Trabalho sem Lei. Embalado por um governo corrupto, preocupado apenas com seu próprio umbigo e parasita de uma relação promíscua com os grandes empresários, esse processo avança a passos largos e deixa para trás um rastro de amargura e destruição que, salvo milagre, levará anos para ser restituído. O modo de operação dessa máfia é bastante claro. Por um lado, aprovam novas leis que flexibilizam e extinguem direitos. Por outro, investem pesado no desmonte de todas as instituições e organismos de regulamentação e fiscalização do trabalho no Brasil. O ataque vem de todos os lados: no Ministério do Trabalho e Emprego (Executivo), na Justiça do Trabalho (Judiciário), no Ministério Público do Trabalho, no movimento sindical...
Com raras variações, empregam sempre o mesmo método de desmonte: corte orçamentário. Fiscais do Trabalho ficam sem verba para fiscalizar, novos concursos são suspensos, superintendências sem pessoal nem estrutura, juízes do trabalho e sindicatos sem condições para atuar. Nesta edição especial da MetalRevista, trazemos dados que atestam como se dá esse desmonte da estrutura de regulação, fiscalização e proteção do trabalho e do emprego. Mas mais do que isso, trazemos subsídios aos trabalhadores. Conhecimento técnico e dados incontestáveis para dizer com a boca cheia: eu quero um futuro melhor para mim e para meus filhos. Agora é hora de nos unirmos e nos prepararmos para a contrarreforma. É agora que precisamos resistir, manter a firmeza e nos organizar para o contra-ataque urgente. Vamos devolver o Brasil para os trabalhadores. À luta! Sérgio Butka
“A CADA DIREITO DESTRUÍDO, A CADA NORMA ADULTERADA, A CADA GOLPE QUE SOFREMOS, VEMOS VIRAR REALIDADE O MAIS ANTIGO SONHO DA CLASSE EMPRESARIAL BRASILEIRA. UM AMBIENTE DE REGULAMENTAÇÃO ZERO, COM EXPLORAÇÃO MÁXIMA, RISCOS MÍNIMOS AO CAPITAL E NENHUMA GARANTIA AOS TRABALHADORES.” METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 03
REFORMA TRABALHISTA
A
A cereja do bolo dentro do contexto do Trabalho Sem Lei é a reforma trabalhista. Ela rasga a CLT e ameaça os direitos fundamentais nas relações de trabalho
O cerne do trabalho sem lei
Lei nº 13.467, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), chamada pelos governistas de “Lei de Modernização Trabalhista”, foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 14 de julho, e deve entrar em vigor no dia 14 de novembro (120 dias após a publicação). A nova lei altera mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o advogado trabalhista Iraci Borges, as mudanças podem ser agrupadas em dois grupos: “agressões aos direitos trabalhistas e agressões aos direitos sindicais”. As agressões aos direitos trabalhistas começam com criação de ao menos duas modalidades de contratação: a de trabalho intermitente, por jornada ou hora de serviço, e o chamado teletrabalho, que regulamenta o home office. É também feita a regulamentação do trabalho temporário, terceirizado e da jornada parcial. Tudo para transformar o trabalhador em um empreendedor de si próprio. Já as agressões aos direitos sindicais têm, para o sociólogo João Guilherme Vargas Neto, “uma orientação clara para enfraquecimento do poder de negociação e defesa do trabalho que o sindicato tem”.
Principais mudanças para o trabalhador Para o trabalhador, um dos grandes problemas consiste em permitir a troca de todos os trabalhadores celetistas por formas de trabalho mais baratas, como terceirizados e temporários. Outro ponto de ataque aos trabalhadores é a redução no tempo mínimo de uma hora de intervalo para o almoço, que diminuiu para apenas meia hora. Além disso, agora, o tem-
“Vivemos em uma conjuntura recessiva, onde os grandes poderes econômicos estão se aproveitando da fragilidade do governo para fazer essa ‘deforma’ trabalhista” João Guilherme Vargas Neto, sociólogo
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As consequências incluem a desconstrução de direitos, a desestruturação do mercado de trabalho, a total fragilização dos sindicatos, a ampliação da vulnerabilidade e a deterioração das condições de vida e de saúde do trabalhador. Na opinião do Procurador Chefe do Ministério Público do Trabalho do Paraná, Gláucio Araújo de Oliveira, os trabalhadores no geral são todos contrários à reforma. “A favor, apenas aqueles ‘mal pagadores’”, afirma. Para ele, a questão é econômica, e vai bater no bolso do trabalhador: “a ideia da reforma é diminuir os custos das operações de trabalho, e o trabalhador será o maior prejudicado, com direitos e benefícios deixados de lado”.
po de deslocamento até o trabalho não será mais pago pela empresa. As empresas poderão terceirizar 100% dos trabalhadores. Grávidas e mães, que antes estavam protegidas pela lei, agora, com a reforma, poderão trabalhar em qualquer lugar, não importando se o ambiente de trabalho oferece riscos ou não para a mãe ou para o bebê. Mas um dos principais pontos da reforma diz respeito a abrir possibilidade para que negociações entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação trabalhista. As empresas apenas não poderão discutir o fundo de garantia, o salário mínimo, o 130 e as férias proporcionais. Poderá ser negociado à revelia da lei: o parcelamento de férias (em até três períodos, mas nenhum deles poderá ser menor que cinco ou maior que 14 dias); a jornada de trabalho (limitado a 12 horas por dia e 48 por semana); o banco de horas (se não for compensado em no máximo seis meses, essas horas terão que ser pagas como extras - com um adicional de 50%). Reforma reduz ainda mais o acesso à Justiça do Trabalho A reforma trabalhista atinge a Justiça do Trabalho ao determinar que o pagamento de honorários periciais e advocatícios e custas processuais sejam responsabilidade do trabalhador. Iraci Borges, advogado trabalhista, assegura que esta medida vai inviabilizar o acesso para a maioria dos trabalhadores brasileiros, além de ferir a Constituição e o princípio da gratuidade judiciária. O judiciário passará a exercer uma função meramente homologatória de acordos extrajudiciais firmados entre empregado e empregador. O sociólogo João Guilherme Vargas Neto resume a história: “a reforma ataca a justiça, o trabalhador e o sindicato. O empregado vai ficar totalmente na mão do patrão”. METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 05
INCONSTITUCIONAL
14 violações à Lei A REFORMA TRAZ MUDANÇAS INCONSTITUCIONAIS POIS REDUZ A PROTEÇÃO SOCIAL DO TRABALHADOR E DIMINUI A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR.
Ministério Público do Trabalho denuncia: reforma trabalhista é inconstitucional O Ministério Público do Trabalho (MPT) aguardou a sanção presidencial da reforma trabalhista, agora Lei nº 13467, e estuda apresentar as inconstitucionalidades que fundamentariam os vetos e adotar as medidas adequadas, seja por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, seja por meio de arguição de inconstitucionalidade em ações civis públicas. A Nota Técnica publicada pelo MPT detalha em 86 páginas as 14 violações, tanto da Constituição Federal Brasileira, como de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil
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Ausência de debate prévio com a sociedade
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Faz prevalecer o negociado sobre o legislado, reduzindo a proteção social do trabalhador
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Viola a Constituição Federal de 1988 e a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho
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Derroga a proteção jurídica trabalhista aos empregados com maior remuneração e com diploma de formação superior
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Desvirtua o regime de emprego
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Amplia irrestritamente a terceirização para atividade fim das empresas
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Fragiliza o direito à representação de trabalhadores por local de trabalho
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Reduz a responsabilidade do empregador
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Restringe o direito fundamental à reparação integral de danos morais
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Viola o direito constitucional de acesso à Justiça do Trabalho
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Afronta a independência funcional do Poder Judiciário Trabalhista
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Flexibiliza inconstitucionalmente a jornada de trabalho
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Viola o direito fundamental à jornada compatível com as capacidades físicas e mentais do trabalhador
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Desvirtua de forma inconstitucional as verbas salariais
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O FIM DA FISCALIZAÇÃO
FISCALIZAÇÃO
SUCATEADA Uma das táticas mais contundentes que o lobby empresarial tem utilizado para criar o mundo do Trabalho sem Lei é a destruição dos mecanismos de fiscalização, em especial do Ministério do Trabalho e Emprego. Ao longo dos últimos vinte anos, o número de fiscais (responsáveis por combater trabalho escravo e demais irregularidades) manteve-se estagnado, enquanto o número de trabalhadores formais passou de 22 para 33 milhões. É um claro descompasso, que evidencia a intenção do governo e dos poderes econômicos de precarizar intencionalmente o sistema. Para as empresas, mais facilidade em descumprir a lei. Para os trabalhadores, mais insegurança e abandono.
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O FIM DA FISCALIZAÇÃO
Faltam auditores para fiscalizar as empresas Com uma média de 1 fiscal para cada 580 mil empresas no país, trabalhadores ficam cada vez mais deixados de lado
O
rganizar, manter e executar a inspeção do trabalho no Brasil. Estes são alguns dos objetivos dos Auditores-Fiscais do Trabalho. Com grande importância econômica e social, a atividade, no entanto, vem sendo cada vez mais sucateada. Segundo Nota Técnica nº 04, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em um de país de proporções continentais como o Brasil, seriam necessários, no mínimo, cinco mil profissionais na auditoria fiscal do trabalho. Ao longo dos últimos vinte anos, o número de Auditores-Fiscais do Trabalho manteve-se praticamente constante. No mesmo período, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, o número de empregados com carteira assinada, passou de 22,4 milhões, em 1990, para 33,7 milhões em 2016. Há, portanto, um claro descompasso entre a estagnação do número de auditores e a ampliação de seu objeto (os trabalhadores ocupados). Hoje, temos apenas 55,64% do número necessário de profissionais atuando na fiscalização. Segundo o Auditor-Fiscal do Trabalho e Chefe do Setor de Fiscalização do Paraná, Eduardo Reiner, “estamos no nível mais baixo na história”. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o país possui um milhão e trezenta mil empresas. Temos, portanto, algo em torno de um fiscal do trabalho para cada 580 mil empresas. “É um grande descaso. O Governo não está 10 ||| METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI
Há 1 auditor para fiscalizar cada grupo de 580.000 empresas
“Fiscalizar o trabalho não interessa nem a quem está no Governo, nem a quem o sustenta financeiramente” João Guilherme Vargas Neto, sociólogo
preocupado em estruturar o sistema ou dar suporte aos trabalhadores”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC), Sérgio Butka. Entre 1996 e 2013, mais de 50 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão foram libertados no Brasil. Mas com o desmonte nos mecanismos de fiscalização e com a clara intenção do governo de reduzir o número de auditores, isto já está mudando. Segundo um levantamento da Comissão Pastoral da Terra, o número de estabelecimentos fiscalizados no primeiro semestre de 2017 caiu para menos da metade em comparação com 2016. Para o economista Cid Cordeiro, a situação de desmonte que vivemos faz com que “seja reduzida a possibilidade de fiscalização”. Mas o auditor fiscal atesta que o motivo do desmonte é político e econômico: “interditamos empresas, e isso acaba incomodando o poder econômico”.
FALTA DE ESTRUTURA É NÍTIDA
M
otoristas, profissionais administrativos e até mesmo tinta para impressora. Itens básicos de infraestrutura de qualquer escritório faltam dentro do Ministério do Trabalho, e já são suficientes para atrapalhar (e muito) o trabalho dos Auditores-Fiscais. Na visão do auditor Eduardo Reiner, a consequência do desmonte da fiscalização já é visível. “Vemos nos últimos anos aumentar absurdamente o número de irregularidades, trabalho infantil e situações precárias de traba-
lho que são um retrocesso muito grande para a população no geral”. Sérgio Butka, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, acredita que esta é uma forma de precarização intencional do sistema, para que as empresas tenham mais facilidade em manter o descumprimento da legislação. “O governo não investe, não contrata. Temos menos fiscais que 20 anos atrás, para um número muito maior de trabalhadores. É um absurdo”.
5.000
É o número de Auditores-Fiscais do Trabalho necessários para fiscalizar o Brasil todo, segundo IPEA, mas temos apenas 2.782 (55,64% do ideal)
A INSPEÇÃO DO TRABALHO CONCENTRA SUA ATUAÇÃO EM: 1. Regularizar os vínculos e remunerações de trabalhadores 2. Regularizar as contribuições de trabalhadores (FGTS) 3. Promover a segurança e da saúde de trabalhadores 4. Erradicar formas de trabalho ilegal (trabalho infantil, escravo)
DIMINUI O NÚMERO DE SERVIDORES 8.975 8.924 8.837
AUMENTA O NÚMERO DE TRABALHADORES 8.650 48.948.433 8.333
49.571.510 48.060.807
47.458.712
8.338
46.310.631
44.068.355 7.971 41.207.546
2009
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NÚMERO DE SERVIDORES DO MTE CAI A CADA ANO....ENQUANTO NÚMERO DE TRABALHADORES SOBE METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 11
O FIM DA FISCALIZAÇÃO
Paraná tem 100 Auditores-Fiscais do Trabalho, quatro vezes menos do que o necessário
Brasil fora da lei Denúncia do Sinait mostra que País está descumprindo Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho
N
o estado do Paraná, a situação é ainda pior, e a fiscalização do trabalho é ainda mais deixada de lado. Com 1,3 milhão de empresas ativas, segundo o “Empresômetro”, plataforma desenvolvida pelo Instituto de Planejamento e Tributação (IBPT), o Paraná conta com apenas 100 Auditores-Fiscais do Trabalho, um quarto do que seria realmente necessário. Além disso, cerca de 60% dos profissionais estão concentrados em Curitiba, sendo que a cidade representa apenas 23,7% do número de empresas ativas. Para Eduardo Reiner, Auditor-Fiscal do Trabalho, o estado “sempre foi considerados um ‘estado menor’. Temos quase que a metade dos auditores fiscais que tem no Rio Grande do Sul, sendo que a gente têm população e PIB muito similares”, protesta. Apenas 40 profissionais atendem todo o interior do estado. E a situação é ainda agravada com o recente fechamento, pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de três agências no interior, filiais da Superintendência de Curitiba. Atualmente, ainda existem gerências em Cascavel, Maringá, Londrina e Ponta Grossa, sendo que as cidades respondem, juntas, a 16,98% do número de empresas no Paraná. Mas a situação é de total descaso: “a gerência de Cascavel, por exemplo, tem apenas quatro auditores-fiscais para atender toda região”, conta Reiner.
O
Fiscalização adequada poderia injetar mais R$ 100 bilhões no FGTS Para Auditor Fiscal do Trabalho, Eduardo Reiner, “é nítido que não há interesse do Governo em manter uma fiscalização do trabalho de qualidade”
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A
lém de averiguar o cumprimento das Normas de Segurança e Saúde, os Auditores-Fiscais do Trabalho atuam para verificar se as empresas concedem férias e se recolhem corretamente o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). “É um recurso que muitas empresas não pagam, mas a gente não tem mão de obra suficiente para fiscalizar todas as empresas que não depositaram”, conta Reiner.
Para piorar, no Supremo Tribunal Federal (STF) foi aprovado, em 2014, a alteração do prazo de prescrição para fiscalização do recolhimento do FGTS. A corte declarou como inconstitucional a regra que permitia aos trabalhadores requererem valores não pagos pelos empregadores até 30 anos antes da demissão. Agora, os funcionários só podem buscar na Justiça por valores de
FGTS não pagos nos cinco anos anteriores à demissão. Reiner acredita que estes 25 anos ‘perdidos’ “vão gerar uma renúncia de mais de 100 bilhões de reais pelo governo”. O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, alegou que, como o FGTS é um crédito resultante da relação de trabalho, deve obedecer à prescrição de cinco anos, assim como os demais direitos trabalhistas. “Até então, a justiça entendia o FGTS como vinculado ao INSS e por isso deveria ser considerada a prescrição em 30 anos. Com a nova decisão do STF, foi determinado que se adotasse a prescrição geral (5 anos e até 2 anos após a rescisão do contrato), também para o FGTS”, explica Iraci Borges, advogado trabalhista. Para Eduardo Reiner, fica nítido que “não há interesse em fortalecer e nem sequer manter uma fiscalização do trabalho com qualidade. Não interessa tanto a quem está no Governo, quanto a quem sustenta financeiramente o Governo”.
Brasil foi denunciado na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por não estar cumprindo com o disposto na Convenção 81, ratificada pelo Brasil. Em seu artigo 10 é estabelecido aos países signatários um quantitativo suficiente de Auditores-Fiscais do Trabalho, levando em conta o número de estabelecimentos, de trabalhadores e o grau de complexidade das legislações trabalhistas. A denúncia foi feita pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait). Segundo afirmam, este quadro é ainda mais dramático quando ocorre em um país que registra, segundo a Previdência Social, mais de 600 mil acidentes de trabalho por ano. “Não é do interesse do poder econômico e do próprio governo ter novos Auditores-Fiscais do Trabalho. Interessa mais fazer concurso para a Receita Federal, que arrecada mais pro Governo Federal, do que para a Auditoria Fiscal do Trabalho”, afirma o auditor Eduardo Reiner. Fiscalização indireta como opção Uma prática que tem se tornado comum dentro do ambiente da
A Convenção 81 da OIT determina um número mínimo de auditores. Mas é nítido que não é do interesse do governo ter novos fiscais, já que interessa muito mais abrir novos concursos para a Receita Federal, por exemplo. fiscalização, para tentar ampliar a área de atuação, é a fiscalização indireta. Uma forma de “maximizar nossa mão de obra e dar mais volume ao número de empresas atendidas”, afirma o auditor. Ao invés de ir até a empresa vistoriar o local, os fiscais solicitam o envio de documentação comprobatória, verificando, por exemplo, se tem documentação necessária no que diz respeito a cota de aprendizes, pagamento de FGTS e se os vínculos e remunerações dos trabalhadores estão sendo pagos e organizados corretamente. METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 13
JUSTIÇA EM FRANGALHOS
A mudança de interpretação no princípio protecionista Um dos mecanismos de ataque aos direitos do trabalhador é não mais encará-lo como hipossuficiente
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entro do direito do trabalho existe o princípio protecionista, que visa a proteção da parte considerada hipossuficiente, ou seja, a mais fraca. “Este fundamento serve para igualar juridicamente empregado e empregador, e eles querem acabar com isso”, explica o advogado trabalhista Iraci Borges. Com as mudanças da reforma trabalhista, o trabalhador passa a ser considerado de igual para igual nas negociações com a empresa, mesmo não tendo os mesmos recursos que ela para negociação.
O sucateamento na Justiça do Trabalho E
29%
do orçamento de custeio foi cortado, na Lei Orçamentária Anual de 2016 (Lei 13.255).
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A Lei Orçamentária Anual de 2016 (Lei 13.255) promoveu um corte de 29% do orçamento de custeio e 90% dos investimentos da Justiça do Trabalho. Nos outros setores do judiciário, o corte foi de 15% para custeio e 45% para investimento. O reflexo nítido são as pautas de audiências sendo marcadas para mais de 18 meses na frente. O trabalhador que precisar de
“A perversidade da coisa é atacar a Justiça para mudar a forma com que ela vê as coisas”
A reforma trabalhista começou no Judiciário
Iraci Borges, advogado trabalhista.
tudo: honorários dos advogados, peritos e tudo que envolve o processo. Isso faz com que poucos trabalhadores tenham recursos para tentar reverter uma injustiça.
Para Borges, a reforma trabalhista que alterou 100 artigos da CLT já havia começado a dar as caras no Judiciário, nos últimos vinte anos. “Foi sendo mudada a interpretação do princípio protecionista, que até então protegia o trabalhador. Criaram mecanismos ao longo dos anos de modo que limitassem todas as formas do trabalhador reclamar, restringindo direitos um atrás do outro”, afirma.
Como eles pensam? Três nomes importantes questionam a legitimidade da Justiça do Trabalho “Como a Justiça do Trabalho não tem se mostrando cooperativa, nós vamos apresentar um corte mais significativo para eles, para que reflitam um pouco”
Mesmo com três milhões de novas ações trabalhistas em 2016, Justiça Trabalhista teve um corte de 90% no orçamento destinado a investimento m 2016, o Brasil atingiu a marca dos 3 milhões de novos processos trabalhistas. “Na imensa maiora dos casos, são patrões tentando burlar empregados”, aponta o advogado trabalhista Iraci Borges. Mas foi exatamente em 2016 que a Justiça do Trabalho foi a principal vítima de cortes orçamentários por parte do Governo Federal.
Hoje é possível que um empregado peça assistência jurídica na Justiça, ingresse com uma ação trabalhista, e mesmo com o eventual indeferimento de sua pretensão, não pague qualquer despesa processual ou recolha custas. Contudo, com a reforma trabalhista, se o empregado quiser reclamar de alguma insalubridade ou periculosidade, ele vai ter que adiantar os custos do perito, e se perder, além de não ganhar nada, vai ser prejudicado no trabalho. Ou seja, agora, quem quiser entrar na Justiça terá que pagar por
uma medida urgente perante o Judiciário Trabalhista está fadado ao insucesso. A Justiça do Trabalho foi criada com a finalidade de solucionar os conflitos decorrentes da relação capital x trabalho, que em regra surgem do descumprimento da legislação pátria. Contudo, hoje, está cada dia mais difícil conseguir cumprir seu papel.
Ricardo Barros,
Ministro de Estado da Saúde, ex-Deputado Federal do Paraná.
“A Justiça do Trabalho não devia nem existir”
"Excessos protecionistas da Justiça do Trabalho criaram a necessidade da reforma trabalhista”
Rodrigo Maia (DEM-RJ),
Ives Gandra Martins Filho,
presidente da Câmara dos Deputados.
presidente do Tribunal Superior de Trabalho (TST). METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 15
MUDANÇAS TRABALHISTAS NO MUNDO
Estudo da OIT avalia reformas trabalhistas em 110 países Pesquisa avaliou 642 mudanças na organização do sistema de legislação trabalhista, entre 2008 e 2014, em 110 países. Em mais da metade dos casos, as reformas reduziram a proteção ao emprego.
E
m um estudo realizado em 642 mudanças nos sistemas laborais e de mercado de trabalho em 110 países (entre 2008 e 2014), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) obteve dados alarmantes. O pretexto em diversas destas iniciativas, como no Brasil, foi conter crises econômicas e reduzir taxas de desemprego, aumentando a competitividade das economias e criando novos postos de trabalho. Segundo o estudo produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, a maioria das reformas diminuiu o nível de regulamentação existente, ou seja, foram de tendência política neoliberalista. Outra observação geral indica que, em 55% dos casos, as reformas visaram a reduzir a proteção ao emprego, atingindo toda a população, e tinham caráter permanente, produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do merca-
TEMAS TRATADOS NAS REFORMAS
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74%
aumento de jornada de trabalho
65%
contratos de trabalho temporário
62% demissões coletivas
46%
negociações coletivas
59%
contratos permanentes
do de trabalho no mundo. Os resultados encontrados no estudo não indicam que as reformas de redução ou aumento da regulação do mercado de trabalho tenham gerado efeitos ou promovido mudanças na situação do desemprego. Se feitas com diálogo, reformas podem ser positivas O sistema de relações do trabalho tem vínculos profundos com as demais políticas e instituições, bem como as reformas que o modernizam podem ser alavancadoras de um novo patamar de desenvolvimento. Para que sejam boas mudanças, é preciso que sejam feitas com base na negociação e com diálogo com as organizações representativas, em um ambiente que valorize a solução dos conflitos pelas partes e que seja capaz de criar compromissos com o interesse geral da sociedade, a fim da promoção do desenvolvimento do país.
Reforma na Espanha: emprego precarizado e salários diminuídos Em vigor há cinco anos, o governo espanhol conseguiu reduzir o desemprego, mas aumentou a desigualdade
S
egundo reportagem do Jornal El País, a reforma espanhola foi a principal inspiração reconhecida pelo Governo de Michel Temer para a reforma trabalhista brasileira. Cinco anos depois de sua aprovação no país europeu, o governo a considera um sucesso pela queda nas taxas de desemprego. Entretanto, seus críticos afirmam que os novos empregos são muito precários e a reforma trouxe uma queda generalizada dos salários, o que levou ao consequente aumento da desigualdade social. A mudança das normas na Es-
panha foi aprovada em fevereiro de 2012, em meio a uma dura crise econômica e grande índice de desemprego, como ocorre hoje no Brasil. O objetivo era reduzir o excesso de contratação temporária, desestimular as demissões e diminuir a margem de negociação sindical coletiva. Cinco anos depois, e com base nos dados, pode-se dizer que há mais emprego (a taxa de desemprego caiu de 22,5% para 18,6%), do que na época da aprovação da reforma – só que mais precários. Outros indicadores de precariedade também pioraram: a duração dos contratos temporários ficou
O Governo espanhol busca, agora, corrigir a situação criada por ele mesmo com a reforma trabalhista.
menor, e aumentou o emprego de tempo parcial, especialmente em horários não desejados pelos trabalhadores. Salários menores Dados oficiais mostram ainda que, entre 2011 e 2015, a renda média dos assalariados caiu 800 euros (cerca de 2.700 reais) por ano. O salário mais frequente entre os espanhóis, segundo os últimos dados oficiais de 2014, era de 16.500 euros por ano (cerca de 57.000 reais), o mais baixo entre os países grandes da União Europeia. METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI ||| 17
SINDICATO FORTE
Sindicatos combativos dão subsídios aos fiscais do trabalho, facilitando o direcionamento das ações de fiscalização
C
O papel dos sindicatos 18 ||| METAL REVISTA | ESPECIAL TRABALHO SEM LEI
om a reforma trabalhista, os trabalhadores correm o risco de perder um de seus últimos grande aliado em defesa dos direitos. Atualmente, o pagamento da contribuição sindical equivale a um dia de trabalho, obrigatoriamente descontado em folha de pagamento e remetido para entidades de classe da área do trabalhador, independentemente de ele ser sindicalizado ou não. Mas a partir de 14 de novembro, quando a reforma trabalhista entra em vigor, será o fim da contribuição sindical obrigatória. Férias e descanso semanal remunerados, jornada de trabalho adequada, piso salarial, combate às condições insalubres de trabalho, reajuste salarial, vale refeição e mercado, participação nos lucros e mais uma infinidade de melhorias que o trabalhador tem hoje, só foram possíveis graças às lutas sindicais. “É fato que o escudo do trabalhador é o sindicato. E o patronato quer o fim dos sindicatos porque aí vai ter a porteira aberta para aumentar seus lucros através da precarização dos direitos e dos salários dos trabalhadores”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC), Sérgio Butka. Para o Auditor-Fiscal do Trabalho, Eduardo Reiner, sindicatos combativos dão subsídios na fiscalização e têm um papel importante dentro das relações de trabalho, facilita o direcionamento das ações fiscais.
A reforma trabalhista estrangula a principal fonte de financiamento dos sindicatos e resultará em enorme desigualdade nas negociações entre patrões e empregados
Trabalhadores conscientes e sindicato atuante: resultado de sucesso A
o longo do primeiro trimestre de 2017, o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba liderou várias assembleias nas portas de fábrica garantindo acordos passando dos R$ 10 mil de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Um belo exemplo foi com os metalúrgicos da SMP, que conquistaram R$ 34.808 entre PLR e abono salarial somados os anos de 2017 e 2018. Já os trabalhadores da Cabs, aprovaram uma proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) com uma PLR de R$ 13,8 mil, com ajuste salarial e no
vale-mercado com aplicação da reposição da inflação (INPC) mais 2,5% de aumento real. Com a força da categoria aliada a um sindicato combativo, salários foram reajustados pela inflação acumulada (INPC) e a data base foi escolhida pelo trabalhador e não pelas empresas. Além de aumentos no vale mercado e redução de jornadas. Em todos os casos as propostas dos patrões foram piores do que as conquistadas no final após a luta dos trabalhadores aliados ao sindicato.
Sem a presença de um sindicato combativo, trabalhadores ficam à merce dos patrões
MEDIDAS DA REFORMA SINDICAL QUE VÃO LEVAR À FRAGILIZAÇÃO SINDICAL • O aprofundamento da fragmentação das bases de representação sindical • A prevalência do negociado sobre o legislado • A possibilidade de negociação individual • A representação dos trabalhadores no local de trabalho independer das entidades sindicais • A redução dos recursos financeiros dos sindicatos, fundamentais para o custeio das ações das entidades
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TRABALHO SEM LEI
O G I EU D
! O NÃ
SINDICATOS FORTES, DIREITOS PRESERVADOS