ND
nยบ quatro
agosto de 2014
O verso e o inverso Editorial
Todo peso tem seu contrapeso
– e, como numa balança de dois pratos, os dois sempre lutam para se sobressair. Nessa interminável disputa de poderes, porém, um sabe que não existe sem o outro.
Aos participantes do workshop ND - Novas Possibilidades Narrativas no festival Fotógrafos em Ouro Preto, lançamos o desafio de encontrar as contradições que forjam a realidade dessa cidade. Eles conseguiram. E foram mais longe. Fizeram o verso e o inverso dividir o mesmo poema. Acharam os donos das mãos invisíveis que preparam a cidade para os turistas. Deram nome, rosto e voz a eles para acabar com sua invisibilidade. Descobriram a força da avó gay-friendly, a beleza da mulher barbada. Fotografaram, filmaram, conversaram. Buscaram a alma da cidade histórica perdida na alma dos seus moradores menos prováveis. Deixaram o centro histórico e chegaram aos distritos. Entrevistaram mais de vinte pessoas. Por vezes, questionaram a si mesmos. Nascer em Ouro Preto significa pertencer a Ouro Preto? Encontraram suas próprias contradições. Afinal, a ambiguidade extrapola a ND e escorre pela vida.
É ter fé. E só. Gustavo Miranda | Thiago R. Caetano | Isadora Bruzzi
Não aguento
esse ciúme, não há relação que resista a isso. Que dia a gente combinou que ia ser só seu? Me recuso. Vou aonde quiser, ninguém vai me impedir. Vocês mesmos ficam aí repetindo que eu posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo, não é? Faz sentido agora ficar nesse ciúme? Não falto a um culto lá no templo. Muito menos à missa. No terreiro então... vou a todos! Amém?
Da laje de casa, vejo Ouro Preto. Alex Ribeiro | Amanda Areias | Eliseu Damasceno | Karol Flor | Maxiléia Romão
Será que Ouro Preto me vê?
Pobres Pereiras, Rica Vila
Antonella Tonidandel | Bruna Brandão | Clarissa Carvalho | m.e.Sousa | Ricardo Lima | Tetê Silva
Pulsante veia negra de brilho
camuflado. Dissimulado! Me ofereceu o mundo, me deu a fome. Barrigas vazias destrinchando a última montanha. Fugi. Mas ele sempre seduz outros, os manda pra cá. Reviram a terra, levam o brilho. O Ouro, Preto pelo sangue de tantos Antônios, cada vez mais faz a Vila ficar Rica. Para os Pereiras, não sobra nada, nem a capela. Todos os dias chegam outros. Obcecados, coitados... Há 300 anos perseguem a riqueza da terra. Há 300 anos derramam suor e lágrimas sobre o tesouro que inunda a Vila Rica e seca Antônio Pereira. Até quando? Até o último Pereira descobrir que a pedra não brilha para todos. Do resplendor sonhado, não resta nada. Só meu nome, batizando a terra que foi minha casa e meu martírio. Por Antônio Pereira Desbravador e garimpeiro de ontem. Distrito e inspiração de hoje.
Cabe tudo. Cabe o artista, cabe a lavadeira Juliana Padula | Márcio Luiz | Kássia N. Vibhuti |Patrick de Araújo
Ilustração: Mirim Santos
Helena
Marcas do tempo. No corpo, na palavra e nos olhos. Mirim Uma voz e um pincel. Pintando e contando O velho e o novo. Pelos caminhos do morro, aquele, o de São Sebastião, Helena desce, busca roupa. Roupa com alma, roupa com peso, roupa com ouro. Roupa que sobe o morro, que vai pra bica. Dos negros ouros de Ouro Preto Mirim preserva olhar atento, diário. Franciscano, pinta o espírito dessa cidade e conta a história negra dessa gente. Prosseguem pelas tortuosas ruas Ela, de all star, lavando mais que roupas, lavando almas. Ele, de branco, Pintando o que é reto e o que é torto Ambos nessa cidade. Onde cabe o centro. Onde cabe o morro.
Das muitas formas de ser homem, escolho a minha. Essa, bem simples. De cabelos ruivos cerrados, de barba lenta, rala, falhada. De boca pequena, com palavras macias. Gosto de me sentir gente. Me encontro entre as listras e os quadros que estampam minhas camisas abotoadas atÊ o colarinho. Gosto do que me faz tremer, das sardas no rosto, da estatura mediana. Dos olhos ternos, absortos, distantes. Dos pÊs largos que calçam all star vermelho desbotado. Me rendo aos meus ecos. Ensurdecedores e sussurantes. E me aventuro apenas a ser repetidamente muitos.