Flรกvia Savary
O Roque da Cigarra Ilustrado por Ivan Zigg
Personagens
Carla, a cigarra Fernanda, a formiga Bruna, a borboleta Bernardo, o besouro Frida II, a rainha das formigas Formigas Contra-regras
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1o ATO A cena inicial acontece num final de tarde: show de Carla, a cigarra. Ela canta sobre um tablado, mesa ou cadeira. À sua volta, formigas sentadas em carteiras que fazem as vezes de mesinhas de um bar. A cigarra é caracterizada por uma roupa de roqueira: jaqueta de couro, jeans, botas e óculos escuros. Todas as formigas vestem-se de preto
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Formiga I – Ah, é tão bom relaxar, depois de um dia de expediente puxado... Formiga II – É mesmo. Esse show da cigarra Carla é dez! Fernanda – Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente eu preferia fazer hora extra. Formiga I – Cê tá maluca, Fernanda? A gente dá um duro danado o dia inteiro e você quer mais? Dá um tempo! Formiga II – É mesmo, Fernanda, pega leve! Assim você acaba pifando. Olha o stress! Aponta para Carla
Fernanda – Sabe o que eu acho? É por isso que esta fazenda não vai pra frente: formiga foi feita pra trabalhar, mais nada. Não dá futuro a ninguém ficar sentado em mesa de barzinho, escutando uma cigarra cantando roque. Prestem atenção ao que eu vou dizer: se continuarem pensando assim, vão acabar igual a ela. Formiga I – E o que tem de mal nisso? Eu acho o maior barato ser cantora de roque! Fernanda – Ah, acha é, bebé? Queria ver como ia se arranjar no inverno, se não carregasse sua cota de folhas pro formigueiro. Formiga II – Fernanda, formigueiro é comunidade. Se umas não dão conta do serviço, as outras ajudam. É assim que a coisa funciona: uma por todas... Formiga I – ...e todas por uma! Fernanda – Todas por uma! Duvido que a rainha Frida II concorde com uma abobrinha dessas. É cada uma por si e sai de baixo!
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As duas formigas olham para Fernanda, sacodem a cabeça e fazem som de desaprovação: tsk, tsk, tsk. O número de Carla termina e todos aplaudem, menos Fernanda. A cigarra continua no palco e sobe Bruna, a borboleta, que se veste com camiseta e calça super estampadas e coloridas
Bruna – Finalizando o show, depois da linda apresentação de nossa querida Carla, nós duas, conjuntamente juntas, declamaremos um poema para celebrar a beleza da vida. Chama-se O meu pomar, escrito por Cecília Meireles. Fernanda – Poesia numa hora dessas?! E eu com tanta coisa pra fazer em casa... As outras formigas pedem silêncio
Carla – “Se eu tivesse um pomar, um pequeno pomar que fosse, não lhe poria grades à roda, como os outros proprietários. Não poria, a guardá-lo, um desses cães enormes, rancorosos, que andam sempre rondando os pomares...” Bruna – “O meu pomar seria assim: todo aberto, para todos. E, quando o outono chegasse e as árvores ficassem cheias de frutos amarelos e vermelhos, nenhum pobrezinho teria fome, nenhuma criança choraria de sede, passando pelo meu pomar...” Carla – “E, no inverno, ainda haveria lá onde alguém se abrigasse, quando chovesse muito ou fizesse muito frio...” Bruna – “Se eu tivesse um pomar, ele estaria sempre em festa, cheio de borboletas e de pássaros...” Carla e Bruna – “Como eu seria feliz, se tivesse um pomar!” Abraçadas
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Aplausos entusiastas da platéia. A cigarra e a borboleta fazem mesuras. As formigas vão se levantando para deixar a cena
Formiga I – Ai, que lindo! Eu também seria muito feliz, se tivesse um pomar pra dividir... Fernanda – Mas será que vocês só falam bobagens? Se eu tivesse um pomar, transformava-o numa grande empresa, isso sim! Seria a formiga mais rica da fazenda, multiplicaria minhas folhas por milhões, arrendaria os formigueiros... Formiga II – O seu mal, Fernanda, é que você, além de só pensar em si mesma, vive pro trabalho. Tá certo que ele é importante, mas não é tudo na vida. Tem outros valores que a gente tem de cuidar também. Fernanda – O que, por exemplo? Formigas I e II – Amizade! Abraçadas
Saem de cena, enquanto Fernanda resmunga: “Bobagem, bobagem”
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2o ATO Um jardim: várias folhas amareladas feitas de papel representam o outono. Entra Bruna, esvoaçante e feliz. Fernanda entra pelo outro lado, fazendo contas numa calculadora. As duas dão um encontrão no meio da cena
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