Amores infernais

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Dormindo com o esp rito LAURIE FARIA STOLARZ

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Um A

cordo banhada em suor frio; um arrepio agudo, cortante, percorre minha espinha inteira e faz os dedos tremerem. Puxo as cobertas para perto dos ombros, sentindo o coração acelerar. E noto aquela dor no meu pulso. Acendo o abajur de leitura e observo o local dolorido. Outro hematoma está para se formar: um vergão vermelho e enorme em torno do meu pulso. Pego a caneta na mesinha de cabeceira e acrescento mais uma marca na contagem que venho fazendo durante as últimas duas semanas, desde que nos mudamos para cá; é a sexta vez que isso acontece. Seis vezes. Seis vezes em que acordei com um ponto dolorido no meu corpo. Seis vezes em que me vi deitada na cama de olhos abertos, apavorada demais para voltar a adormecer. Por causa da voz que assombra meus sonhos. 9

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Desde que nos mudamos para cá, venho tendo uns pesadelos esquisitos. Neles, escuto a voz de um homem. Nunca vejo seu rosto. Só ouço a voz, sussurrando coisas que não quero escutar: que fantasmas existem, que preciso dar ouvidos ao que ele diz, que ele não vai me deixar descansar até que eu o obedeça. Felizmente encontro forças para acordar. Mas é aí que ele me segura, tão forte que deixa uma marca. Sei que parece loucura completa, e a princípio tentei encontrar alguma explicação lógica. Talvez eu tivesse torcido o braço durante a noite. Tivesse batido com a perna na quina da cama ou rolado e me deitado em alguma posição incômoda. Tentei me convencer de que estava tendo aqueles sonhos por causa do estresse — de ter que me mudar de um extremo ao outro do país, trocando de escola e deixando todos os meus amigos para trás. Quero dizer, é preciso se adaptar primeiro, não é? Mas agora sei que é mais do que simplesmente estresse. Porque, em meio aos vergões, às dores e às insônias e consequentes olheiras cada vez maiores sob os meus olhos, percebo que tudo está piorando. — Brenda? — chama minha mãe, de pé à porta do meu quarto. — O que está fazendo acordada? Escondo meu pulso no meio das cobertas, notando como o cheiro do homem, que lembra maçã e especiarias, continua impregnado nos meus lençóis. — Você estava gemendo enquanto dormia — insiste ela. 10

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Olho de relance para os números vermelhos como fogo do meu relógio digital. São 4h05 da madrugada. — Deve ter sido um pesadelo — digo, dando de ombros e tentando acabar logo com aquilo. Ela assente e brinca com a faixa do robe, parada ali na porta, até que finalmente se arrisca a perguntar: — Não está ouvindo vozes de novo, está? Observo-a com atenção, imaginando se vai conseguir aguentar a resposta, e concluo que não. Balanço a cabeça e nego, vendo sua expressão passar do nervosismo para o alívio. Ela solta a respiração e força um sorriso, ainda brincando com o robe e provavelmente se questionando sobre a minha sanidade. Mas tudo bem. Porque eu também me questiono. Não é a primeira vez que meus pais me veem acordada no meio da madrugada. Não é a primeira vez que eles se queixam dos meus gemidos ou me lançam esse olhar assustado — aquele que diz que estou enlouquecendo. Ou que notam meus hematomas. O primeiro que apareceu foi em volta do tornozelo: uma grande área roxa com uns arranhões por cima. Na noite em que isso aconteceu, fui até o quarto deles, perguntando se tinham ouvido a tal voz também, imaginando se talvez alguém teria conseguido entrar na nossa casa — se aquela voz seria real, e não parte de um sonho. Mas meus pais disseram que não, que não tinham ouvido nada. E pareceram ficar particularmente preo11

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cupados depois que meu pai, por insistência minha, terminou de revistar a casa; como se eles estivessem muito mais assustados por minha causa do que junto comigo. — Quer que eu esquente um pouco de leite para você? — indaga minha mãe. — Não, obrigada — respondo, ainda capaz de ouvir a voz do meu sonho. Ela soa sem parar dentro da minha cabeça, uma respiração vagarosa e ritmada que pronuncia as duas sílabas do meu nome, interminavelmente: Bren-da, Bren-da, Bren-da... — Eu só quero voltar a dormir — minto, vendo-me de relance no espelho da penteadeira. Meus olhos, normalmente de um verde brilhante, estão injetados e vermelhos. E meu cabelo está todo bagunçado, um ninho de cachos ruivoescuros puxados para cima e presos em um rabo de cavalo malfeito, porque não consigo nem pensar em como arrumar essa juba imensa e trabalhosa agora. Porque nem sequer venho conseguindo dormir uma noite inteira desde que nos mudamos para cá. — Boa-noite, mãe — murmuro, deitando-me de novo no travesseiro para acalmá-la; assim ela poderá voltar para a cama. Puxo as cobertas até as orelhas e cantarolo mentalmente uma musiquinha, na esperança de me acalmar. Na esperança de abafar a voz dele.

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