Visão Pardo livro virtual

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Copyright © dos autores, 2016 direção de arte Rômulo Nascimento foto da capa Coletivo pardo normalização Ycaro Verçosa dos Santos CRB-11 287

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visão PARDO. Organizado por Ricardo Agum Ribeiro; Sávio Stoco; Leandro Giatti. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 2016. 112 p. il. ISBN 978-85-88848-20-7

1. Antropologia visual 2. Comunidade Rio Pardo – Ensaio fotográfico I. Ribeiro, Ricardo Agum (Org.) II. Stoco, Sávio Luís (Org.) III. Giatti, Leandro Luiz (Org.) CDD 778.36

22. ed.

faculdade de saúde pública da universidade de são paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715. cep 01246-904 São Paulo/ sp – Brasil


Visão PARDO se constituiu como uma tentativa de estabelecer um diálogo entre pesquisadores/ fotógrafos em estreita relação com moradores de uma comunidade rural do Amazonas. A proposta se fundamenta na busca por um olhar menos segmentado, impositivo ou enviesado quanto aos aspectos constitutivos e normativos encontrados no espaço observado.

visão PA R D O

O cenário de nossas atenções é Rio Pardo. Assentamento rural, localizado no município de Presidente Figueiredo, distante quase 200 km de Manaus. Com aproximadamente 200 famílias distribuídas ao longo de 7 ramais de terra firme e parte da população vivendo na área do igarapé que dá nome à comunidade. A economia local está predominantemente direcionada para a produção de produtos agrícolas, unidades familiares que comercializam seus excedentes, principalmente, na capital amazonense.

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Nos últimos anos o local presenciou um considerável movimento de inserção social advindo do acesso aos bens materiais, serviços e formas de vivências próximas, em alguns momentos com o conceito de urbanidade rural.1 Sem, contudo, se afastar do modo de vida amazônico, os moradores são entendidos por alguns como caboclos, ribeirinhos e outras denominações que buscam, por vezes, delimitar a compreensão do ser e do viver na Amazônia. Tentamos ao longo do discurso visual construído, nos distanciar de denominações e proposições limitadoras; entendemos que a arte pode ser uma força motriz na tentativa reconstruir elementos formativos particulares, mesmo em base experimental. O ensaio fotográfico se traduz em uma proposta de trabalho interdisciplinar e colaborativo. Buscou-se o auxílio entre a multiplicidade de áreas pertinentes ao tema congruente com um trabalho participativo junto aos comunitários residentes em Rio Pardo, bem como com os alunos da Escola Municipal Zita Gomes,

localizada no ramal do Samuel. Tal proposta se funda na intenção articuladora de aspectos da fotografia junto aos moradores. A temática fotográfica desde seus primórdios esteve intrinsecamente ligada à questão da luz. Um dos entendimentos interpretativos da fotografia classificam-na como sendo a grafia da luz, ou em outras palavras desenhar com a luz. Ao longo dos tempos ampliou-se a percepção fotográfica, o fazer e ver a fotografia adquiriu múltiplos símbolos e significados, fazendo com que o engajamento na feitura das imagens fosse além do “apertar um botão” e produzir uma imagem pelo aparato do maquinário existente. A fotografia ao longo da sua história em suas materialidades (arquivos, cartões-postais, livros, álbuns, cinema, etc), usos e maneiras de circulação 1. toledo, Renata Ferraz de; giatti, Leandro Luiz and pelicioni, Maria Cecília Focesi. Urbanidade rural, território e sustentabilidade: relações de contato em uma comunidade indígena no noroeste amazônico. Ambient. soc. [online]. 2009, vol.12, n.1.


faz, tanto em esferas científicas e populares, as particularidades da Amazônia ultrapassarem territórios pelo mundo. Num grau alargado que antes as predecessoras formas de representação não chegaram a atingir de forma tão intensa. Muitos produtores de imagens se estimularam por essa técnica para abordar a região, aproximando-se dela, porém, partindo muitas vezes da sedução pelo exótico amazônico. Embora seja uma visão extremista, a afirmativa tem intenção de ser provocativa: Somente em alguns casos o resultado, da fotografia do olhar externo à Amazônia, rumou para direções de melhor compreensão das suas populações e do meio ambiente, até mesmo para uma observação contemporânea na execução da visualidade. Dessa maneira, este ensaio fotográfico intenta entrelaçar a própria comunidade sendo valorizada em seus conhecimentos. Um encontro de saberes visando reinterpretar a região pela visualidade. Em atividades de oficinas, debates, criação e exposição, procuramos aprofundar e oferecer uma nova

experiência estimulando desdobramentos em suas trajetórias de trabalho e vida, contribuindo com a forma de pensar o social e de criação de discursos visuais. A procura foi de integração e intercâmbio dos discursos sociais e científicos na interseção escola/escolares, comunidade/comunitários e pesquisadores/fotógrafos. A produção do material foi explorada de maneira ampla nas atividades propostas e acordadas (aqui entendidas como as oficinas realizadas ao longo de meses com alunos do oitavo e nono ano da Escola Zita Gomes e no trabalho de campo nos moldes antropológicos empregados no curso do projeto), tendo a finalidade de ampliar não apenas o discurso entorno do tema da fotografia, mas da necessidade de aprofundamento de como apresentar a realidade social amazônica por meio de imagens que não sejam estereotipadas e que possuam não apenas o aval dos colaboradores, mas sua participação no processo de criação e efetivação das ações.

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Um grupo de pesquisadores, que há muitos anos já fotografavam e se interessavam pelas artes visuais, em conjunto com fotógrafos desenvolveram uma série de atividades junto aos comunitários e escolares em Rio Pardo; nossa intenção foi fazer com que a união dessas múltiplas formas, fossem expressas por meio da fotografia em uma narrativa contemporânea. Ainda permanece em pauta uma idealização pela concretização de uma viagem exploratória superficial para coleta de imagens de localidades distantes. Sem que, em alguns casos, fosse prevista a inclusão ou tentativa de compreensão do conhecimento dos habitantes da região em questão – ou seja, de um encontro e diálogos travados para uma troca menos hierarquizada. Dessa maneira, Visão PARDO procura focar em dois âmbitos, integrando-os pelo recurso da representação pela luz (fotografia), o pesquisador amazônico com interesse pelas representações fotográficas em seu campo, assim como a própria comunidade sendo valorizada em seus conhecimentos. Um encontro de

saberes visando reinterpretar a região pela visualidade. A oficina de fotografia pin hole, também conhecida como fotografia artesanal, ou fotografia em lata. Foi um dos pontos altos do processo participativo e colaborativo no curso do trabalho. Importante salientar que as abordagens participativas junto aos estudantes do 8º e 9º anos da Escola Municipal Zita Gomes, nos proporcionou um excelente ensaio (em preto e branco analógico) de pin hole, realizado em sua integralidade pelos estudantes, além de um guia das ações a serem observadas e fotografadas pelos pesquisadores/fotógrafos. A abordagem empregada teve o sentido de desvelar a técnica fotográfica – da produção das câmaras, passando pela revelação química, para uma geração que nasceu com a imagem digital em curso. Procuramos no decorrer do trabalho destacar a possibilidade de questionamentos múltiplos e suas profundas possibilidades traduzidas por meio da


imagem fotográfica. Imagens construídas de maneira colaborativa e participativa. Após todo um trabalho de discussão, captação das imagens e produção do material, realizamos uma exposição na Escola Municipal Zita Gomes, em Rio Pardo, uma exposição em Boa Vista (capital próxima à amazonense, roteiro de muitos dos habitantes da comunidade) no Centro Cultural Casa do Neuber e em Manaus, no Instituto Leônidas e Maria Deane, Fiocruz Amazônia. O ensaio fotográfico presente neste livro/catálogo tem por objetivo revelar não apenas o colaborativo, mas o participativo. As imagens selecionadas não têm o nome do “autor principal”, mas entendendo como um trabalho conjunto foi nomeado como sendo uma produção do grupo, logo, coletiva, comunal. Buscando com isso demonstrar que os acertos e possíveis equívocos estarão intrinsecamente unidos à tentativa experimental do grupo que se dispôs a contribuir.

Aos moradores e moradoras de Rio Pardo nossa admiração e profundo agradecimento! Momentos que ficarão nas imagens fotográficas, mas sobretudo nas recordações que carregaremos conosco. Ricardo Agum Ribeiro antropólogo e doutor em Ciência Política. Pesquisador visitante do Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia. Bolsista DCR – CNPq/Fapeam. Na última década tem se dedicado a projetos na área das artes visuais (fotografia e documentário).

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pensando conjuntamente e, também, por imagens

Para que serve a fotografia? O que a fotografia pode ajudar a dizer de um lugar? Na história deste meio em contato com a região amazônica, desde meados do século xix, compreendemos talvez mais das motivações e objetivos de quem produziu retratos e vistas do que da vida das pessoas ou a história dos locais fotografados. Vide o repertório oficial que retratou Manaus e redondezas no Amazonas, falando de nomes hoje de certa forma entronizados como Albert Frisch, Ermano Stradelli, Augusto Fidanza, Arturo Luciani, George Huebner e Silvino Santos – só para citar os que na região se estabeleceram, convivendo de forma mais adensada que outros, mas que mesmo assim não poderiam escapar a este tipo de observação dadas as convenções na fatura das suas produções. A fotografia na aparente captação da realidade evidenciou com seus enquadres, distâncias e ausências bem mais do que se passava na cabeça dos seus realizadores, financiadores e consumidores. Pode-se defender que a história dos seus temas foi posta em ligeiro escanteio. O objetivo nem sempre foi de gerar um diálogo.


Partindo desta crítica, esta iniciativa buscou outras vias para orientar sua produção. Ao invés do olhar unilateral de apenas um fotógrafo, trabalhou com um grupo deles. Ao invés de profissionais que “falassem” a mesma língua, fez-se da reunião multidisciplinar buscando a troca e aprofundamento de impressões e compreensões. Ao invés de uma ideia fixa e predeterminada sobre uma comunidade, um ponto de vista que procurou se fazer durante os deslocamentos e os encontros com os moradores. Ao invés de um tema claramente delineável, um ensaio visual. Ensaio no seu sentido primeiro: vacilações de ideias a partir da experiência vivida. No lugar da subscrição a um estilo ou estética fotográfica, a mistura de documentação e experimentações subjetivas contemporâneas. História contemporânea A mão da estudante que se despede dos familiares em um ramal de Rio Pardo, rumo ao ensino médio na sede do município de Presidente Figueiredo; a mão do trabalhador da comunidade que ensina ao visitante

citadino sobre as aplicações de uma planta do entorno da sua casa às margens do igarapé. A janela que se abre nas raízes da árvore monumental no meio da mata relacionada ao edifício religioso de alvenaria que se ergue ainda em construção. Quais seriam as diferenças entre estas duas imagens e a do amolador indígena redescoberto recentemente numa das pedras no igarapé que já foi a principal via da comunidade? A resposta não é a fotografia que vai responder. Os moradores de Rio Pardo e os observadores deste trabalho é que podem realizar este exercício. Com estes tipos de sugestões fotográficas na elaboração da narrativa visual, buscamos dar a ver algumas das dinâmicas atuais deste local. Vidas contextualizadas pelos encaminhamentos brasileiros que ainda pendem aos discursos urbanos, mas que não excluíram de todo os conhecimentos do contato rente às matas. Fluxos distintos coexistindo – simbolizados pelas imagens do igarapé e dos ramais de piçarra? Para captar tais dinâmicas, olhares e uma criação pretendendo-se multifacetada.

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E para circular e aprofundar os sentidos deste ensaio visual na realização das três mostras: em Boa Vista, Manaus e a maior, justamente em Rio Pardo. Lá, optou-se pela exposição na longa cerca de madeira que margeia um dos ramais de intensa circulação, porta de entrada tanto da Escola Municipal Zita Gomes como da Unidade Básica de Saúde. Motoristas e pedestres puderam interagir com a proposta, desta forma apreendendo o resultado final – assim como terão acesso a esta publicação. Ou seja, não participaram somente no momento da produção das imagens, quando puderam questionar e exercitar seus direitos de autorizar ou recusar os cliques daqueles “estrangeiros” (alguns conhecidos) que aportaram lá em 2015 vindos de Manaus e outras localidades, interessados em conhecer mais, e de outras formas, a vida em Rio Pardo. Sávio Luis Stoco mestre em Artes Visuais e doutorando em Meios e Processos Audiovisuais pela eca-usp (bolsista Fapeam). Tem se dedicado à visualidade, cultura e história amazônica.


um rio que corre para cima, um pé na cidade e outro na carreira da onça

Rio Pardo, provavelmente, não é uma denominação regional. O porte do curso d’água que confere nome ao assentamento é de um igarapé, como seria chamado na região amazônica, genericamente. “Este igarapé corre para cima!”. Assim dizem alguns moradores locais, em uma clara referência ao fato de que o fluxo d’água se direciona, naquela porção, às terras mais isoladas e preservadas “acima”, as terras indígenas (Waimiri Atroari). De fato, todos os cursos d’água da região são tributários da bacia do Rio Negro, mas este, em sua trajetória corre em um sentido aparentemente contrário aos outros, permitindo a expressão controversa. Contradições e peculiaridades nos atraem e permitem distinguir, identificar, caracterizar e, inclusive, abstrair. O Brasil difere de outros países, as regiões brasileiras se distinguem entre si, e a Amazônia coloca-se como uma referência territorial, enquanto suas notáveis peculiaridades. Mas a Amazônia também é muito heterogênea, por exemplo, comunidades ribeirinhas podem ser muito distintas de comunidades

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indígenas, que, por sua vez, são diferentes de um assentamento rural, como Rio Pardo, embora todas representativas de ser Amazônida. A Amazônia também apresenta grandes contradições entre sua realidade urbana e rural, valendo considerar que, mesmo possuindo um território muito vasto, essa biorregião apresenta a maior parte de sua população, cerca de 70%, vivendo em cidades. Bertha Becker, que foi uma importante estudiosa das dinâmicas sociais da Amazônia, frisava bem, que a região podia se caracterizar em grande porção de seu território como uma floresta urbanizada. Contradição esta, que também é visível em Rio Pardo. Boa parte da população se desloca diariamente, alguns vão com frequência à Presidente Figueiredo ou a Manaus. Muitos possuem forte vínculo e, inclusive, domicílio na capital do estado do Amazonas. Isto, certamente, nas distâncias amazônicas, Rio Pardo fica próximo de Manaus, mas para o atendimento das necessidades torna a vida em área rural mais simples e praticamente urbana com as facilidades da

modernidade. Para parte de seus moradores e suas possibilidades materiais, a distância de três horas (sem maiores percalços na estrada) até a capital pode ser de grande dispêndio e dificuldade. Pensemos na qualidade de vida e no acesso a serviços essenciais, como atenção à saúde. Qualquer atendimento emergencial, que requeira a complexidade da atenção hospitalar demanda o deslocamento à Presidente Figueiredo, ou mesmo a Manaus, dependendo do agravo e de sua gravidade. Por outro lado, a atenção básica em saúde, como seria prudente esperar, conta com unidade básica equipada, equipe com múltiplos profissionais e, desde 2015, com a presença de um médico de origem cubana atendendo duas vezes por semana, pelo Programa Mais Médicos do Governo Federal. Sim, esse seria um modelo de atenção à saúde rural provavelmente próximo do ideal e do tangível. Mas, novamente, a contradição é clara, pois uma remoção de emergência em um final de semana, por exemplo, pode ser algo muito dificultoso, o que coloca em evidência o peso de se viver distante do acesso a serviços essenciais.


Algo a distinguir a comunidade de Rio Pardo do mundo moderno e urbano é a intensidade da ligação com sua natureza e com a realidade de um mundo distante em histórias, sob certo olhar, primitivo. A região é provida de acesso rodoviário e conexão com rede urbana, mas também é circundada por grandes contínuos de floresta amazônica. Muito contundente, nesse sentido, é que recentemente onças pintadas, segundo relato de moradores, atacaram e predaram cães de diversos sítios. Em um deles, devorou um cão de grande porte, em outro, dois cães se foram, num terceiro sítio, todos os três cães foram mortos pelos predadores. Um morador de Rio Pardo pode ir a Manaus resolver suas demandas durante um dia, mas à noite, ao regressar ao seu sítio, pode ter uma fera rondando o quintal, situação que remete a um mundo ancestral e a uma realidade de cotidiano muito particular. Paradoxo no tempo e no espaço, assim é a comunidade de Rio Pardo. Assim como muitas pequenas comunidades amazônicas caracteriza um modo de

vida peculiar e fortemente condicionado aos limites físicos do ambiente em que se insere. Manaus possui dinâmicas conexões com o mundo globalizado desde a época do ciclo da borracha e agora com sua dinâmica industrialização, mas Rio Pardo, por suas condições encontra-se perto e ao mesmo tempo distante do mundo contemporâneo e urbano. Temporalmente, mescla a proximidade com a vida moderna ao passo em que o dia a dia se consuma com lastros em um modo de vida simples, ancestral, dado as limitações da natureza e de seus ciclos e contingências. Leandro Luiz Giatti biólogo e doutor em Saúde Pública. Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, pesquisa e ensina na subárea de Saúde Ambiental e vêm desenvolvendo atividades que aproximam a pesquisa científica dos saberes populares e tradicionais, buscando diferenciadas linguagens para promover essa necessária dialética.

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Um assentamento rural encravado na floresta amazônica. Desenhado por ramais de terra cercado de floresta, com um rio que circunda essas terras. Pessoas de várias origens, inúmeras histórias de vida, todas sob o mesmo sol escaldante amazônico. Fotografar Rio Pardo e seus habitantes é retratá-los no seu universo, tentando não interromper seu fluxo, sua rotina.

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a floresta e o humano

A singeleza das casas e do modo de decorar, o uso das cores nas paredes de madeira, os panos fazendo uso de portas, as mãos calejadas. A fotografia nesse espaço amazônico é natural, é requisitada. Rio Pardo apresenta belezas esquecidas e a fotografia é o instrumento para poder dividir a beleza singela na grandiosidade do cenário amazônico. A comunidade de Rio Pardo é originária de diferentes estados brasileiros. Muitas pessoas do Pará e Maranhão, e também muitos caboclos. A diversidade da origem dessa população se traduz nos modos de relacionamento com a casa e a floresta, e outros viveres. A vida em Rio Pardo crescia na beira do


Igarapé no início do assentamento. Com o tempo, as pessoas começaram a morar nos ramais, restando poucos moradores que ainda ocupam essa localidade. O igarapé com suas curvas e pedras é acordado por voadeiras aceleradas, ora pessoas da comunidade indo na casa de fazer farinha, ora índios da etnia Waimiri Atroari, vizinhos do assentamento, cruzando o rio velozmente. A relação da comunidade com seu espaço e a floresta é particular. A romântica floresta amazônica intocada ainda existe. A floresta coexiste com a comunidade e o envolvimento da população humana com a floresta pode ser, por vezes, conflitante. Por muito tempo a Amazônia ocupou um lugar de destaque no imaginário ocidental, como baluarte da ideia de ‘natureza selvagem’ e ‘floresta virgem’. Hoje, ela oferece matéria privilegiada para uma série de estudos e pesquisas que tendem a soterrar esta ideia. Surge uma melhor compreensão das ecologias e cosmologias ameríndias e, paralelamente, uma nova

percepção científica da paisagem amazônica, baseada na descoberta de matas e solos antropogênicos. Ambas contribuem para delinear a complexa figura de uma natureza humanizada e doméstica.1 A característica de assentamento é presente na estrutura e disposição das casas ao longo dos ramais. Nos ramais mais populosos como Samuel e Gusmão observa-se uma urbanidade crescente, e o destino dessa grandiosa floresta amazônica há de conviver com a urbanidade rural, ou seria urbanidade rural amazônica? Nessa urgência, o retrato de Rio Pardo se faz necessário. Rio Pardo é movimento crescente, com suas crianças, suas motos levantando a poeira pelos ramais; pequenas, parecem formigas em contraponto com as árvores enormes que margeiam as estradas. Visão PARDO é uma proposta especial na sua visão 1. pardini, Patrick. Natureza e Cultura na Paisagem Amazônica: Uma Experiência fotográfica com Ressonâncias na Cosmologia Ameríndia e na Ecologia Histórica. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 2, p. 588603, maio-ago. 2012.

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mais ampla: reuniu pesquisadores/fotógrafos com diferentes graus e vivências de relacionamento com a comunidade de Rio Pardo e com a floresta. Para alguns, foi a primeira vez no assentamento, para outros um retorno depois de muito tempo, cada qual com o seu tempo e sua visão da comunidade sem delimitar pela experiência de cada um. Também, não cerceou ou induziu a visão de cada um naquele contexto. Como Sontag afirma: 74 |

Ao ensinar-nos um novo codigo visual, as fotografias transformam e ampliam as nossas nocoes do que vale a pena olhar e do que pode ser observado. Sao uma gramatica e uma etica da visao. O resultado mais significativo da atividade fotografica e dar-nos a sensacao de que a nossa cabeca pode conter todo o mundo – como uma antologia de imagens.2 O ato de fotografar não se restringe ao uso da câmera, ele traz nossa bagagem inerente construída 2. sontag, Susan. Ensaios sobre Fotografia. Lisboa: Dom Quixote.1986.

pelas nossas vivências, muitas delas inconscientes, frutos da infância dos cheiros, impressões e sabores. Nesse mix de sensações, fotografo o universo de Rio Pardo. Seu céu estrelado, cheiro de floresta e esturro de onça. Alessandra Ferreira Dales Nava veterinária e doutora em Epidemiologia. Pesquisadora visitante Fiocruz-Amazônia. Bolsista tec-tec ilmd/Fapeam. Tem trabalhado com comunidades que habitam próximo a florestas e as consequências ecológicas e epidemiológicas dessa interface na população humana e animal.


luzes, câmaras, latas e muita ação!

A fotografia é um recurso utilizado com diversas finalidades e se popularizou na atual era digital. É comum ver alguém em lugares públicos esticando o braço para tirar uma foto pessoal tendo ao fundo uma linda paisagem. Essa fotografia é muito comum na Amazônia também, e não é apenas feita pelos inúmeros turistas que a visitam, mas pelos incontáveis (ou não contados?) residentes amazônicos. Entre visitas e rotinas, a era digital facilitou o acesso à fotografia, não apenas para fins recreativos, mas também com a finalidade artística e científica. Esse ensaio focou justamente no cotidiano de um assentamento amazônico. Luzes em Rio Pardo! Câmaras atentas no olhar de pesquisadores e jovens moradores que aprenderam as técnicas da fotografia em sua essência, na escrita imagética tanto no enquadramento através de aparatos tecnológicos sofisticados, mas também com a simplicidade imaginativa de latas criativamente reutilizadas. E... Ação, muita ação, no deslocamento e no olhar aguçado,

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curioso e instintivo na catarse do clique capturador da imagem escolhida!

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Assim, coube à fotografia capturar o paradoxo da simplicidade na composição amazônica. Neste ensaio multifocal, observam-se lindas paisagens bucólicas e selvagens em um chamado assentamento urbano. Ao mesmo tempo, vê-se atividades rurais mescladas com um ambiente prístino onde o urbano se impõe através de construções e meios de transporte. Mas também através da luz, que clareia o ambiente doméstico na proteção da escuridão imensa da floresta. E através da luz natural, colossal e intensamente quente, escreveram-se as silhuetas, formas e olhares de um ambiente amado em todos os cantos do mundo: a Amazônia! Amazônia nossa, Amazônia de todos! Mas aqui, sobretudo, mostra-se a Amazônia dos amazônicos, dos indígenas, dos caboclos, nordestinos, dos viventes do dia-a-dia de cada gota de suor, de cada pele descamada e de cada pingo de chuva refrescante. Assim, fica o convite para a experimentação do

invisível: o clima amazônico! Entre rios e florestas, espinhas de peixe que levam ao lugar comum denominado escola. Logo ao lado, o posto de saúde. Eis Rio Pardo em sua essência visual, coletivamente mostrada através de distintos pontos de vista! Sérgio Augusto Coelho de Souza biólogo com mestrado em biofísica ambiental e doutorado em ecologia. Fez pós-doutorado com divulgação e popularização da ciência e com ecologia marinha. Atualmente é pesquisador associado da Universidade Federal do abc e do Centro de Biologia Marinha da usp.


O Amazonas ainda é um estado que gera curiosidade e interesse, principalmente pela sua grande diversidade e riqueza natural. Seus rios e igarapés são de grande importância socioeconômica como fonte de subsistência e transporte para uma importante significativa parcela de sua população. Ainda assim, os povos que vivem em contato com a floresta são muitas vezes invisíveis, inclusive para àqueles que vivem na região metropolitana de Manaus.

o território e seu povo

Não são raras as vezes em que manauenses e/ou manauaras (cidadãos de Manaus) relatam nunca ter viajado de barco, voadeira (canoa com motor) ou visitado o interior de seu estado. Em um diálogo recente fui questionada: “E essas pessoas moram lá?”. “Claro, são quase 200 famílias!”. Essa indagação exemplifica o distanciamento da metrópole com a realidade da população rural, assim, a fotografia transforma-se no canal de comunicação que revela uma realidade até então desconhecida por seus conterrâneos.

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Rio Pardo é uma típica comunidade rural amazônica com a maioria das suas casas de madeira, panelas bem polidas enfeitando a cozinha, móveis complementados pelas redes que se espalham pelo ambiente. A agricultura familiar envolve todos os membros que trabalham juntos pela subsistência da família, sem prejudicar os estudos das crianças que, em alguns casos, acordam de madrugada para enfrentar duas horas na voadeira até chegar à escola. 78 |

Com cerca de 30 quilômetros de ramais de chão batido, as grandes distâncias são reduzidas pelas motos ou kombis que fazem o transporte da comunidade até a sede do município de Presidente Figueiredo, a aproximadamente 60 quilômetros. O distanciamento físico também é rompido pelas antenas parabólicas que permitem o acesso às programações nacionais e internacionais de televisão, possibilitando que uma merendeira expresse seus conhecimentos adquiridos nos canais americanos de exploração da natureza. Contemplada por programas sociais como Luz para todos, o assentamento criado pelo Incra em 1996 saiu

do isolamento e desenvolve-se sem perder seu modo de vida simples e peculiar; entretanto, as mudanças são crescentes e rápidas. Visão PARDO buscou olhar a comunidade valorizando seus conhecimentos e práticas, bem como a relação dos moradores com seu território. Apesar do uso crescente das fotografias digitais, os moradores de Rio Pardo possuem poucas fotos que registrem seu dia-a-dia, a modificação do território e seu modo de vida. Os jovens, em geral, já acostumados com telas touchscreen, fotografias digitais e exposição nas mídias sociais foram desafiados a imaginar como seria seu campo de visão caso fossem uma formiga, um gato ou urubu, por exemplo. Essa dinâmica estimulou-os a experimentar diferentes olhares partindo do mesmo ponto, a Escola Municipal Zita Gomes. Suas descrições e desenhos nos mostraram a visão que eles próprios têm de sua comunidade. Conseguinte, a oficina de fotografia artesanal pin hole propiciou um momento de reflexão sobre a imagem a ser captada, a espera para sua produção e revelação, diferente dos dias atuais em que os cliques são rápidos e a imagem imediata.


Assim, Visão PARDO traz a fotografia como instrumento para reflexão, comunicação e exposição do ambiente do caboclo amazonense, bem como de registro histórico. Danielle Costa Ferreira de Souza bióloga e mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amzônia. Bolsista Apoio Técnico – Fapeam. Durante cinco anos se dedicou a projetos de pesquisa relacionados à qualidade da água consumida em Rio Pardo e o uso de tecnologias sociais para desinfecção da água de consumo no assentamento


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Impressões de um lugar em que nunca estive: viajando sem sair do lugar

Quando pensamos em viajar, geralmente, buscamos um lugar em que nunca estivemos. Nada se compara, em uma viagem, com a chegada num lugar aonde nunca estivemos. O primeiro passo é a escolha desse novo lugar, que de preferência (no meu caso), seja o mais longe possível de nossos lares. A distância é um fetiche para o viajante. Parece-nos que a distância alimenta a nossa curiosidade, que alimenta a nossa imaginação, que nos incentiva a ir cada vez mais longe. Ao finalmente chegarmos em nosso destino, o sentimento que nos invade é o da descoberta. Assim aconteceu comigo ao ser convidado para explorar as fotos dessa publicação. As fotos me fizeram sentir um explorador, não somente de um local, mas também dos sentimentos desses fotógrafos. Senti-me adentrando num território cheio de significados ocultos e explícitos, emoções registradas por esses artistas que escreveram os seus poemas usando a luz. Essa grafia, sem semântica ou sintaxe, inundou-me de lembranças que se misturaram às minhas primeiras impressões desse lugar tão singular. Ao olhar mais uma vez para esses


poemas de luz, senti que não estava mais tão longe assim, sentia-me mais íntimo desses artistas, como se estivesse ouvindo as suas vozes conversando comigo sobre a importância da imagem, a sua composição e como ela poderia dialogar com as nossas emoções. São as luzes grafadas que traduzem a importância de uma canoa para o povo das águas altas e baixas, uma placa que nos leva a admirar um céu que abençoa quem entra, uma luz artificial que solitária pode iluminar toda uma comunidade, um caminho que com sua escassa luz nos desenha os contornos de uma floresta que abriga o Mapinguari, o Sol que suavemente desenha uma máscara em um rosto, o mesmo Sol que arduamente acompanha o produto do trabalho dessas pessoas maravilhosas, os pássaros que insistem em nos mostrar a sua beleza, mesmo para aqueles que os ignoram, e um olhar tão concentrado que nós temos curiosidade de enxergar por sobre os seus ombros, estradas nuas que nos fazem ansiar pela chegada, locais sagrados na comunidade e na floresta com suas janelas de tijolo e madeira abertas à contemplação, as moradias simples

aonde o tempo não passa, marcas de múltiplos passados que lutam para manter um presente, a amizade que poderia ter começado ao se dividir um dindim, um armazém que para uns não tem nada, mas que para outros tem mais do que se poderia querer, pegadas de luz que poderiam pertencer ao curupira, a Floresta Amazônica presente em todas as imagens, seja ela mutilada ou em sua esplendorosa beleza. Uma vez li que a Amazônia somente poderia ser considerada bela em sua grandeza, que não havia nenhum detalhe que chamasse a atenção, para essa pessoa faltou ver a Amazônia pelo olhar de quem a vive. Assim termino a minha viagem a esse lugar tão belo em seus detalhes que o torna grandioso: Rio Pardo, retornarei sempre que puder. Márcio Rodrigues Miranda biólogo e doutor em biofísica ambiental. Professor / pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – Campus Lábrea. Na última década tem se dedicado a estudos envolvendo educação, saúde e meio ambiente na região amazônica.

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O exercício do uso da fotografia para compreensão de uma comunidade rural na Amazônia

O exercício de perceber a realidade de um assentamento agrícola a partir da fotografia mostrou-se algo prazeroso e desafiador em vários aspectos. Neste sentido, apresentaremos aqui alguns destes que podem orientar nossa reflexão acerca da experiência de juntar profissionais com distintas formações para este fim. O maior desafio, entretanto, consideramos que tenha sido a sedução de jovens estudantes a despertar o gosto pela fotografia e fazer disto um instrumento promotor de reflexão sobre sua realidade e quiçá incentivar a reflexão para mudanças, se assim desejarem. Minha trajetória profissional está baseada na relação com população indígena, que vive em área demarcada, com aspectos culturais muito bem definidos e baseados em bandeiras de lutas definidas pelo movimento indígena ao longo de algumas décadas. Aqui, a população com a qual trabalhamos são assentados rurais, cujo assentamento faz limite com a Terra indígena Waimiri Atroari, mantendo intenso contato com aquela população. O público trabalhado era composto por escolares concludentes do ensino fundamental na Escola Municipal Zita Gomes, localizada no referido assentamento.


A participação enquanto membro da equipe de pesquisadores/fotógrafos se deu, sobretudo, no contato com os alunos. Podemos dividir esta colaboração em dois momentos: o primeiro no ambiente escolar e o outro na busca por captura de imagens que pudessem reproduzir cenários do cotidiano da vida das pessoas, principalmente interação entre eles próprios. No trabalho com os escolares a técnica de pin hole promoveu uma aproximação destes jovens com a fotografia. A expectativa criada foi imensa, pois como fazer registros fotográficos em lata se parte deles possuíam seu telefones e formas muito inusitadas de fazer selfie? A primeira tentativa foi a pergunta “por que fazemos fotos?” e naturalmente a resposta dada de imediato foi que era para postar nas redes sociais, quando os mesmos vão para a cidade e acessam a internet em lan houses. Depois de algumas discussões e problematizações começaram a citar que era para guardar de lembrança, eternizar momentos e sentimentos distintos e por aí vai. Pensar a fotografia para reflexão foi sendo construído aos poucos. Os passos seguidos foram apresentar o material, escolher o

objeto a ser fotografado e fazer o registro. Simples e sedutor ao perceberem que realmente eram registradas imagens dentro da lata. A partir das primeiras experiências os objetos fotografados foram sendo aprimorados pelos próprios escolares, que passaram a conceber a fotografia e não mais o registro pelo registro. Ou seja, o desafio da sedução foi superado imediatamente ao surgirem as primeiras imagens. A partir daí muitas outras ideias começaram a surgir como resultado da iniciativa, que era a continuidade do trabalho a partir de outros instrumentos. O segundo desafio estava direcionado ao grupo de pesquisadores/fotógrafos convidados a participar do projeto. Como registrar imagens capazes de despertar compreensão e novas perguntas de pesquisa? Sobre o resultado da fotografia e a leitura dos fotografados, Guran (1997) diz: Os comentários dos informantes são estimulados pela fotografia, mas geralmente vão muito mais além, dispensando a presença desta no desdobramento do trabalho. Esta mesma fotografia, porém, poderá vir a integrar o discurso final, cumprindo uma outra função.

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(…) Uma fotografia - na sua dimensão documental não é o produto livre da imaginação de alguém, mas, pelo contrário, é sempre o resultado da ação da luz sobre um suporte sensível, ou seja, uma pegada da realidade. O conjunto de fotografias apresentado neste catálogo é isto, a pegada da realidade a partir de vários olhares distintos sobre o mesmo cenário. Sully Sampaio graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas. É bolsista ilmd/Fapeam, desenvolvendo suas atividades no Instituto Leônidas e Maria Deane – ilmd/ Fiocruz Amazônia. Possui experiência na área de antropologia na região do Alto Rio Negro.



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pinhole PARDO
















olhares partilhados

Que motivos nos fazem optar ainda hoje pela utilização de mecanismos que remontam os primórdios da fotografia, apesar do surpreendente aperfeiçoamento de equipamentos e procedimentos de captação da imagem? Seriam motivos de natureza cientificista, que nos provocam e estimulam a revisitar as bases do fenômeno físico/químico de inscrição luminosa em uma superfície sensível? Ou poderíamos considerar que tal escolha se ampara preferencialmente na curiosa sedução que suas imagens enevoadas e imprecisas nos provocam? Em relação a alguns trabalhos por mim desenvolvidos, posso afirmar que tal opção se dá por uma comunhão entre questões de ordem técnica, estética, ética e política. Questões essas que assumem uma posição determinante não apenas nos resultados alcançados, como também – e principalmente –, em todo o processo de criação. Para esclarecer, devo pontuar que, muitas vezes, desenvolvo proposições que envolvem o “outro”, e que este(s) parceiro(s) de criação nem sempre é afeito a discussões acerca de

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procedimentos técnicos ou questões de natureza conceitual de uma imagem fotográfica. Nesse sentido, ao lançar mão desses procedimentos de captura de imagem, posso articular questões como: – o caráter didático da utilização de uma câmera artesanal. É através da investigação do funcionamento desses equipamentos artesanais que meus parceiros de criação alcançam, de modo direto e objetivo, um entendimento dos princípios fundamentais de um registro fotográfico; 102 |

– o caráter socializante da experiência, tanto do ponto de vista do baixo custo do equipamento, quanto do fato do mesmo não priorizar apenas um ponto de vista. É no entorno desse equipamento sem visor, sem uma mirada que determine uma autoria, que questões pertinentes a um coletivo são tratadas; – as naturais deformações na imagem capturada e seu papel enquanto mecanismo que a afasta do histórico compromisso documental de registrar o dado “real” atribuído à fotografia. Particularidade

essa que se converteu, de certo modo, num pesado fardo, condenando por certo tempo à fotografia à condição de registro mecânico, privando-a assim de uma abordagem mais subjetiva. Alexandre Sequeira doutorando em Artes e Mestre em Arte e Tecnologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará. Artista plástico e fotógrafo. Desenvolve trabalhos que estabelecem relações entre fotografia e alteridade social.


As imagens técnicas são produzidas por aparelhos. Como primeira delas foi inventada a fotografia. O aparelho fotográfico pode servir de modelo para todos os aparelhos característicos da atualidade e do futuro imediato. Analisá-lo é método eficaz para captar o essencial de todos os aparelhos, desde os gigantescos (como os administrativos) até os minúsculos (como os chips), que se instalam por toda parte. Pode-se perfeitamente supor que todos os traços aparelhísticos já estão prefigurados no parelho fotográfico, aparentemente tão inócuo e “primitivo”. (Vilém Flusser, Filosofia da Caixa Preta. 1985)

a artesania do buraco da agulha

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As sutilezas e os caprichos da fotografia artesanal – ou pin hole – apresentadas a uma geração de jovens atentos com celulares nas mãos e câmeras digitais (com seus automatismos e processamentos) em Rio Pardo desencadeou um universo rico rumo à desconstrução da produção das imagens estritamente fotográficas – quando eram de fato foto-grafias: escritas a partir da ação da luz e da química e não resultante da interpretação de sensores convertendose em imagens aparentemente fotográficas, como as quais todos estamos habituados atualmente.


Previsões incertas de cálculos de tempos de exposição, fixação rigorosa das câmeras, imobilização dos objetos focados por dezenas de segundos ou mesmo por minutos, suposição de distâncias e enquadres adequados sem o auxílio de visores, além de todo um processo de prática insuspeitada de laboratório de revelação do suporte fotossensível – a câmara escura iluminada precariamente apenas com um ponto de luz avermelhada. 104 |

A própria câmara – uma desacreditada lata metálica, esvaziada de algum produto, forrada por dentro com papel-cartão - sem mecanismo engenhoso algum além do delicado furinho feito por uma agulha recoberto por uma fita isolante preta, aberto somente após toda a meticulosa escolha do tema e do modo a ser fotografado. Analisar o aparelho fotográfico a partir da pin hole buscou promover um verdadeiro aprofundamento e deslocamento das ideias sobre as imagens técnicas. Uma “novidade” técnica que possibilitou um

movimento rumo à história das imagens. E que inevitavelmente trouxe à tona o retrato de alguns dos espaços contemporâneos daqueles jovens e seus retratos ou autorretratos – temas tão caros ao repertório das fotografias digitais. Ricardo Agum Ribeiro Sávio Luis Stoco




Ensaio Visão Pardo – Coletivo Pardo: ∙ alessandra nava ∙ danielle ferreira de souza ∙ fábio pacheco ∙ leandro giatti ∙ márcio miranda ∙ ricardo agum ∙ rodrigo mexas ∙ sávio stoco ∙ sérgio coelho ∙ sully sampaio

créditos fotográficos

Ensaio Pinhole Pardo – Alunos Zita Gomes 8.º e 9.º, ano 2015: ∙ adriele silva veras ∙ antônio genilson ∙ bruno dos santos lima ∙ cláudio maçal de jesus ∙ cristiano campos da silva ∙ daniel silva lopes ∙ danile souza da silva ∙ eduardo de souza carneiro ∙ erika karoline costa ferreira ∙ graciane bueno martins ∙ jonas furtado filho ∙ juciele souza ∙ juliana rodriguês de souza ∙ leandro do carmo ∙ lucas marques de souza ∙ luka de sousa alves ∙ maicon amazonas de souza ∙ marcos vale carvalho ∙ mateus vale carvalho ∙ nazaré carolayne vale carvalho ∙ paula paz ∙ regiane pimentel ∙ rosilvaldo pimentel trindade ∙ samuel de jesus ∙ samuel silva araújo ∙ vitoria romaine samia ∙ wanderson bueno martins ∙ wanderson dias libório

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A realização do projeto, carinhosamente chamado por sua abreviação PARDO foi fruto de uma longa caminhada que contou com diversos atores responsáveis pelo seu desfecho final. Visão PARDO: luz e fotografia no discurso amazônico, começou com uma iniciativa que procurava narrar, por meio de imagens fotográficas, a realidade da Comunidade de Rio Pardo, Presidente Figueiredo – am.

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agradecimentos

A proposta se fixou na colaboração de fotógrafos/pesquisadores e, sobretudo, os moradores de Rio Pardo que tão bem nos acolheu. Certamente iremos cometer o equívoco de não mencionar alguns nomes, mas acreditamos que o material que se apresenta expressa nossa relação de proximidade, admiração, atenção e respeito com que fomos recebidos e tratados durante nossas idas, vindas e permanências em Rio Pardo. Agradecemos ao Ministério da Cultura (minc), que por meio do Edital Amazônia Cultural de 2013 nos foi possível realizar parte relevante desse projeto. Nossos agradecimentos à comissão de avaliação deste concurso, aos funcionários e funcionárias da Repre-


sentação Regional Norte do minc e ao corpo de funcionários e funcionárias da sede que nos atendeu de maneira pronta e solícita durante nosso trajeto. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), por meio do Edital pop, c&t de 2015 que nos abriu as portas para o trabalho junto aos escolares de Rio Pardo, bem como pelo tratamento recebido pelo corpo administrativo da Fapeam. Ao Instituto Leônidas e Maria Deane (ilmd) – Fiocruz Amazônia, pela parceria e por nos atender nas mais diversas solicitações. Ao Programa de Ecologia de Doenças Transmissíveis na Amazônia (edta), do ilmd, pelos 10 anos de atuação junto à comunidade de Rio Pardo. A Felipe Pessoa, atual coordenador do programa e, a Sérgio Luz, Fernando Abad-Franch e Daniel Buss, companheiros de trajetória do edta. Sempre receptivo à inovação, o edta possibilitou contribuições científicas e culturais nesta uma década de trabalho. Foi com grande prazer que desempenhei a função de antropólogo junto a este grupo nos primeiros anos; assim como fico feliz por saber que uma das primeiras

preocupações dos envolvidos no trabalho em Rio Pardo continua sendo os comunitários. A Editora Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo por visualizar no trabalho empreendido potencial para publicação. Nossos agradecimentos aos funcionários e funcionárias que nos atenderam de maneira tão gentil e eficiente. E ao designer e amigo Rômulo Nascimento, responsável pela capa e projeto gráfico, pela parceria criativa nesta publicação. Nosso mais profundo e respeitoso agradecimento a todas e todos os moradores de Rio Pardo, que de uma maneira direta ou indireta contribuíram para que o trabalho fosse realizado da maneira mais aprazível possível. Obrigado por nos deixar pertencer ao universo tão particular e especial que é Rio Pardo. Nominalmente, gostaríamos de agradecer aos professores e professoras, alunos e alunas da Escola Municipal Zita Gomes. Foi por meio da Escola e em sua excepcional receptividade que nos sentimos mais do que acolhidos, mas como integrantes da proposta de


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uma construção conjunta por meio das imagens fotográficas de Rio Pardo. Aos alunos e alunas Adriele Silva Veras; Antônio Genilson; Bruno dos Santos Lima; Cláudio Maçal de Jesus; Cristiano Campos da Silva; Daniel Silva Lopes; Danile Souza da Silva; Eduardo de Souza Carneiro; Erika Karoline Costa Ferreira; Graciane Bueno Martins; Jonas Furtado Filho; Juciele Souza; Juliana Rodriguês de Souza; Leandro do Carmo; Lucas Marques de Souza; Paula Paz; Luka de Sousa Alves; Maicon Amazonas de Souza; Marcos Vale Carvalho; Mateus Vale Carvalho; Nazaré Carolayne Vale Carvalho; Regiane Pimentel; Rosilvaldo Pimentel Trindade; Samuel de Jesus; Samuel Silva Araújo; Vitoria Romaine Samia; Wanderson Bueno Martins; Wanderson Dias Libório. Aos professores e professoras: Ariodete Tantas; Fábio Henrique Lima; Gilvandro Alves Veras; Ivete Dias; Leomara Alberto; Lucélia Alberto; Pedro Nunes; E também aos funcionários e funcionárias, colaboradores e colaboradoras da Escola Zita Gomes. Nosso profundo agradecimento aos funcionários e funcionárias da Unidade Básica de Saúde de Rio Pardo: Elaile, Dona Rosa, Daiane, Dona Maria José. Aos


nossos sempre presentes amigos de todas as horas pelo compartilhamento das histórias e ajudas mil! Senhor Lázaro, Dona Janete, Diego e Moca. Aos amigos e parceiros do Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia. Ao diretor do ilmd Sérgio Luiz Bessa Luz, Luíza Garnelo, Marinete Martins, Marizete Duarte, Evandro, Lúcio e Ray. Não poderíamos deixar de agradecer aos pesquisadores/fotógrafos que embarcaram na ideia de um trabalho de pesquisa participativo. Profissionais que se comprometem e se preocupam com o outro. Alessandra Nava; Danielle Ferreira de Souza; Fábio Pacheco; Leandro Giatti; Márcio Miranda; Rodrigo Mexas; Sávio Stoco; Sérgio Coelho e Sully Sampaio. Nosso carinho pela generosa contribuição de Alexandre Sequeira, cuja obra fotográfica nos inspira e ensina, e que de maneira tão especial nos presenteou com um texto que compõe parte das percepções do projeto.

Os nomes e instituições que foram envolvidos na feitura do processo que por ora se encerra com a publicação do livro catálogo são muitos, impossível de numerá-las. Especialmente aos moradores e moradoras de Rio Pardo que não foram nomeados, no entanto, estão guardados em nossas memórias mais afetivas. Ao final desse longo processo, entre idas e vindas, acertos e erros têm como produto final a certeza de que cada etapa do trabalho foi feito com o intuito de apresentar uma arte participativa, uma pesquisa criativa embasada na alteridade. E por último, porque muito marcante, agradecemos em memória, à professora Rosélia Coelho Pereira foi e continuará sendo uma de nossas referências em Rio Pardo. Nossa amiga nos deixou antes da execução do trabalho, mas motivou a todos e todas a seguir com seus sonhos juntos em comunidade. Manaus, dezembro de 2015

ricardo agum ribeiro Coordenador do Projeto PARDO

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1 | ensaio fotográfico visão pardo • Coletivo Pardo 59 | visão pardo • Ricardo Agum Ribeiro 64 | pensando conjuntamente e, também, por imagens • Sávio Luis Stoco 67 | um rio que corre para cima, um pé na cidade e outro na carreira da onça | • Leandro Luiz Giatti 70 | a floresta e o humano • Alessandra Ferreira Dales Nava 73 | luzes, câmaras, latas e muita ação! • Sérgio Augusto Coelho de Souza

navegação

75 | o território e seu povo • Danielle Costa Ferreira de Souza 78 | impressões de um lugar em que nunca estive: viajando sem sair do lugar | • Márcio Rodrigues Miranda 80 | o exercício do uso da fotografia para compreensão de uma comunidade | rural na amazônia • Sully Sampaio 84 | ensaio pinhole pardo • Alunos da Escola Zita Gomes 99 | olhares partidos • Alexandre Sequeira 101 | a artesania do buraco da agulha • Ricardo Agum Ribeiro • Sávio Luis Stoco 105 | créditos fotográficos 106 | agradecimentos





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