MUHYIDDIN IBN ‘ARABI
O CERNE DO CERNE
GARBHA PUBLICAÇÕES
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O CERNE DO CERNE
Capítulo 1 Um dos pontos específicos que Ibn Arabi quer explicar em seu Futûhât-al-Makkiyah é este: "Se o gnóstico ('arif) é realmente um gnóstico, não pode estar preso a um tipo de ensinamento". Ou seja, se um possuidor da gnosis é conhecedor do ser em sua própria Unicidade, em todos os seus significados, não permanecerá preso a um tipo de ensinamento. Ele não diminui o âmbito daquilo em que acredita. Ele é como matéria-prima (hayûla) e aceita qualquer forma que lhe for apresentada. Sendo essas formas externas, não há mudança no cerne em seu universo interior.
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Aquele que possui a gnosis de Allah ('arif bi'llah), qualquer que seja a sua origem, é assim. Ele aceita todos os tipos de ensinamento, mas não se prende a nenhum que seja expresso por meio de representações. Qualquer que seja seu lugar na Gnosis Divina, que é gnosis essencial, permanece nesse lugar. Conhecendo o cerne de todas as tradições, ele vê o interior, e não o exterior. Ele reconhece a coisa em si, cujo cerne conhece, qualquer que seja a roupagem com que ela se revista. Em relação a isso, seu círculo é amplo. Sem considerar qualquer roupagem com que apareçam no exterior, ele chega à origem desses ensinamentos e os testemunha de todos os lugares possíveis. Os dois mundos existem pela revelação de Allah. Olha para a Beleza da Verdade de qualquer lado que quiseres. * *
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*
Um hadith explica isto: quando as pessoas destinadas ao Paraíso alcançam suas estações, o Senhor oferece um vislumbre abrindo um pouco a cortina que esconde Sua Grandeza e Magnanimidade e diz: "Eu sou teu maior Senhor". Ou seja, eu sou aquele grande Allah, pelo qual por anos tu ansiaste e o qual almejaste ver. Essa revelação de Allah os surpreende, e eles a negam e dizem: "Tu nunca podes ser nosso Senhor". Dizendo isso, eles vociferam intensamente. Nesse momento, a revelação modifica-se por três vezes, e a cada vez eles a negam novamente. Então Allah pergunta: "Entre vós há uma indicação com relação ao vosso Senhor?", e eles respondem: "Sim, há". Então, Ele aparece a cada um, de acordo com o seu grau e habilidade de entender sua suposição e crença. Depois dessa revelação, eles aceitam e dizem: "Tu és nosso Senhor, o maior dos maiores". De acordo com o hadith: "Tu olharás para teu Senhor como se fosse para a lua cheia e ficarás perdido em êxtase". Apesar de isso ser assim, as pessoas de gnosis definitivamente afirmam Allah durante a primeira
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revelação, pois elas assumiram todos os ensinamentos e tornaram-se aptas a todas as revelações. Aqueles que vêem sua amada hoje São aqueles que a verão amanhã. O que saberão da amada lá aqueles que estão cegos aqui? De fato, no Corão Sagrado é dito assim: "A pessoa que é cega neste mundo também é cega no outro", o que significa: aquele que não abriu seu olho de significado aqui será igualmente cego quando se tiver mudado para o outro mundo. Consequentemente, ele não será capaz de perceber a Revelação Divina (quando lhe for apresentada pela primeira vez). O que suplicamos a Allah é que Ele possa preservar todos os Seus servos de uma tradição que não passe de imitação e fingimento. Aqui uma certa questão surge : como uma pessoa que tem aptidão para o estado de gnosis (ma'arifa) compreende sua própria realidade ? Responde-se deste
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modo: é necessário que ela encontre um gnóstico que conheça a si mesmo e, depois que ela o tiver encontrado, do fundo de seu coração e com toda a sua alma, torne o caráter do gnóstico o seu próprio caráter. A pessoa de gnosis, para encontrar sua própria origem, deve manterse nesse caminho. O seguinte verso do Corão aponta para esse significado: "Busca os meios que o conduzirão a Ele". A explicação para isso pode ser a seguinte: Dentre os Meus servos, existem aqueles que Me encontram. Se queres Me encontrar, segue seus passos. Eles se tornam um meio para ti e, finalmente, te conduzem a Mim. Se é assim, então servindo a essas pessoas, uma pessoa chegará a conhecer a si mesma. Ela compreenderá de onde veio e para onde está indo e terá uma noção da estação do estado presente. Um hadith explica assim o propósito de se vir a este mundo: "Eu era um tesouro escondido e queria ser conhecido. Eu criei a criação de modo a ser conhecido". Esse preceito é assim, mas conhecer Allah não é coisa
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fácil, até que a pessoa se torne um conhecedor de si mesmo. O seguinte hadith explica: "Aquele que conhece a si mesmo conhece o seu Senhor". O oposto também é verdadeiro, isso as pessoas nesse estado entendem. Muitos iniciados e pessoas comuns dão diferentes significados a esse hadith na medida do que sua inteligência lhes permite. Com a vontade de Allah, um significado será expresso no nível dos iniciados. Nesta estação sete formas diferentes foram observadas, as quais serão expostas abaixo.
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Capítulo 2 Primeira Forma Uma pessoa, em seu corpo, entende o espírito parcial em sua forma que pode ser chamada “eu que fala” (nafsi-n nâtiqa). Se o estado da pessoa for esse, ela está na primeira forma. Essa estação é chamada “estação do progresso”. Conforme as pessoas de União, Aquele Que É, coração, Espírito, Intelecto1, Mistério — tudo significa a mesma coisa. Esses diferentes nomes são dados à mesma coisa, que toma diferentes formas em diferentes momentos. Isso conhecido como “eu que fala” não tem vida nem corpo, mas tem influência e ação fora e dentro do corpo. Contudo, não tem lugar nem sinal de existência. Embora não tenha local específico, sempre que colocares teu dedo em algo, ele estará lá e aparecerá existente em toda a sua totalidade. Mais ainda, divisão, partição e Neste contexto, Intelecto em nada se refere à mente pensante, mas corresponde ao conceito de Nous, usado no Neoplatonismo grego de Plotino. É a primeira emanação da divindade e da qual a Alma Universal emana. (N. T., baseada no glossário de The Institute of Ismaili Studies.) 1
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coisas desse tipo não lhe são possíveis. É aquilo que segura na mão do homem, que olha em seu olho, que fala em sua língua, que anda em seus pés, que ouve em seu ouvido e, em resumo, está presente e no controle de todos os seus sentimentos. Ele está, total e essencialmente, presente em todas as partes do corpo e, tendo circunscrito o corpo inteiro, ele é transcendente e está livre de toda parte do corpo. Se um dedo ou um pé fossem cortados, ele não sofreria nenhuma diminuição, nem perderia parte alguma de si mesmo. Em todo caso, ele está no seu centro, como sempre esteve, e continua permanente e presente. Se o corpo é aniquilado, ele não sofre perda de existência nem dispersão. Para ser capaz de entender isso, existem significados que não se ajustam a nenhum limite ou cálculo. Segunda Forma Que aquele que está em sua segunda forma olhe para o horizonte. Ou seja, olhe para o horizonte onde
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Aquele-Que-É Total está... Esse é o chamado Intelecto 2, o Espírito Total Qualificável3, Vice-Regente. Ele não tem forma e não está nem mesmo fora deste universo e seus céus, mas engloba tudo o que existe e lá está presente e no controle. Em relação a ele, o topo mais alto e o fundo do fundo são iguais. Ele está presente em cada um desses graus com sua própria Unicidade. Ele não pode ser dividido ou particionado. Se o céu caísse e a terra se rompesse, nada lhe iria acontecer. Por exemplo, que diferença faz para o sol e como ele sofre se entra em cada torre, palácio ou casa construída no mundo? Contudo, cada chaminé, quarto ou salão recebem luz de acordo com sua janela. Se essas casas fossem derrubadas e os palácios arruinados, ninguém imaginaria que algo aconteceria ao sol. Igualmente, nada aconteceria a Ele. Não importa quantas pessoas ou criaturas Allah tenha criado, Ele pode decidir e ter controle sobre todas elas. Não importa quantos morram dentre aqueles que estão vivos, esse Espírito Qualificável 2
O Nous (ver n. 01)
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Ibn Arabi chama de Espírito Qualificável a primeira instância manifesta, em distinção Àquele sobre o qual nada pode ser dito. (N. T.)
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permanece presente para sempre, em qualquer estado que esteja. Assim, aquele que possui esse Espírito, quando olha para o horizonte, se conhece esses estados, entende o que a segunda forma é. Terceira Forma Nessa estação o homem avança mais e percebe que o que é chamado seu espírito parcial é não-existente, está aniquilado no Espírito Total e torna-se vivo no Espírito Qualificável... Que ele perceba que o espírito é o Espírito Total e que sua mente é o Intelecto Universal 4, observe isso com a certeza da Verdade (haqqu-l yaqîn) e então afaste de si qualquer coisa chamada "parcial". Que ele entenda que tudo está ligado ao Total. Assim é a terceira forma. Quarta Forma Então, que ele continue a ascender nesta estação. Que ele encontre seu espírito extinto no Espírito 4
O Nous (ver n. 01).
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Qualificável. E agora, que ele perceba que o Espírito Qualificável está extinto na Unicidade de Allah. Que ele se livre tanto dos parciais quanto dos totais. Quando isso lhe acontece, ele percebe todas as atividades extintas nos atos de Allah, todos os nomes e atributos extintos no Nome e Atributo de Allah e, igualmente, todas as individualidades extintas na Unicidade de Allah e os percebe como não-existentes. Quando ele estiver firme nisso, então terá alcançado o que é conhecido como a “Certeza resultante da Sabedoria” ('ilmu-l yaqîn) e “Certeza resultante da Verdade” (haqqu-l yaqîn) e alcançará a estação de completo testemunho. Sob o manto das coisas existentes, nada existe além Dele. Ele conhece os significados disso pelo interior e, tendo adquirido um entendimento do significado da citação do Corão: "Hoje, a quem tudo pertence? A Allah, o Uno e Completo Aniquilador", também sabe com convicção que, no interior, nada existe além de Allah. Até agora, mencionamos quatro formas. Essas podem ser também chamadas deste modo:
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1. Enfus – Interior. 2. Âfâq - Horizontes, existência externa. 3. A união da primeira e da segunda formas. 4. A aniquilação da primeira, segunda e terceira formas na Unicidade de Allah. Quinta Forma Essa
é
uma
estação
na
qual
toda
estação
mencionada antes poderia ser vista e observada como uma só. A pessoa que alcança essa estação é geralmente referida como Filho do Tempo (ibnu-l waqt). Sexta Forma A pessoa que alcançou essa estação é um espelho para tudo. O peregrino nessa estação não encontra na via ninguém mais além de si mesmo e pensa que todas as coisas estão ligadas a si mesmo. Ele diz: "Sob meu manto nada há senão Allah. Poderia haver alguém mais nos dois mundos exceto eu?" Ou seja, ele é um espelho para tudo, e tudo está espelhado nele. Talvez até,
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também ele seja o brilho do espelho e o que está refletido. Ele era antes disso o Filho do Tempo e costumava dizer: "Não há outra existência, senão Allah". Quando ele tiver alcançado essa estação, ele dirá: "Existe somente "eu", e será geralmente referido como o Pai do Tempo (abu-l waqt). Sétima Forma O homem que chega a essa estação está agora em completa extinção. Completa e simplesmente, ele alcançou a não-existência e, de agora em diante, em subsistência (baqâ'), ele alcança subsistência (baqâ')5. Depois disso, não se falaria dele como possuindo estado ou estação. Aqui ele não tem observação, testemunho nem gnosis, e a explicação ou interpretação disso não é possível porque esse ponto é uma estação de completa não-existência. Mesmo a palavra estação é utilizada aqui somente para explicar, porque a pessoa aqui não conhece nem estação nem signo. Somente aqueles que Baqâ’ – estado em que o praticante alcançou a Unidade, mas subsiste na multiplicidade. (N. T.) 5
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sentiram determinado sabor entendem quando se fala dele. Que Allah nos torne fácil esse estado. * * * Quando o gnóstico tiver alcançado essa estação, ele estará no universo da Unidade e Multiplicidade ('âlemi jam'). Se lhe é necessário separar-se daqui, ele está adornado com uma existência divina. Ele conhece a sua realidade e, consequentemente, compreende Allah. Então, ele não está mais ligado a nenhuma das leis, regulamentos, tradições que entendemos no exterior. Isso é o que quiseram que fosse explicado, e o significado desejado era esse. Sem ser, eu não encontrava a estrada para aquela Verdade. Então eu me tornei vivo com a Verdade; eu encontrei subsistência (baqâ). Eu mesmo extingui a mim mesmo; eu mesmo encontrei a mim mesmo novamente.
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Tu serás tudo quando tu te tornares nada. * * * Finalmente, o gnóstico entende que, esteja no enfus, esteja no âfâq, o que é manifesto é a Unicidade; aquela existência é Uma Existência, Uma Alma, Um Corpo; ele não está separado nem individualizado; que todas as coisas inerentes nada são, senão Sua Manifestação e Instrumentos; que de cada partícula, talo até aquilo que tiver maior volume, a Realidade (al haqq) está manifesta com todas as Suas Qualidades e Nomes, e que essa manifestação está de acordo com o entendimento e a convicção de cada pessoa. Em cada lugar e em cada estação ele mostra uma face diferente. Ele é capaz de mostrar Seu Ser seja dentro ou fora. Aquilo que está na imagem de tudo, aquilo que é compreensível em cada intelecto, o significado que está em cada coração, a coisa ouvida em cada ouvido, o olho que vê em cada olho é Ele. Se Ele está manifesto nesta face, também olha a partir da outra.
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O significado disso novamente refere-se à frase do início. A súplica e o que é suplicado, o que ama e o Amado, o que acredita e aquilo em que se acredita são o mesmo para o gnóstico. Tudo isso significa que não é permitido ao gnóstico prender-se a qualquer aspecto que esteja de acordo com qualquer tradição. * * * Vários cegos foram reunidos em um lugar. Eles começaram a discutir um assunto: "Queremos saber se podemos ver um elefante". O cuidador levou-os até a jaula do elefante. Cada um encontrou uma parte do elefante e a segurou — um, a orelha; outro, o pé; um, a barriga; outro, o tronco. Depois de terem conhecido o elefante desse modo, eles começaram a discutir entre eles. Aquele que segurou a perna disse que o elefante era como uma coluna. Aquele que segurou a orelha disse que o elefante era como um guardanapo; aquele que conheceu o elefante por sua barriga disse que ele era como um barril. Em resumo, qualquer que tenha sido a
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parte que eles seguraram, eles conheceram o elefante como se ele fosse essa parte. Suas crenças eram assim. A pessoa que aceita um ensinamento que se expressa por meio de representações está nesse estado. Ela se prende a algo definido e permanece assim. Nesse estado dimensional, elas ficam aprisionadas. Quem permanece na prisão na dimensão definida Ficará totalmente entristecido quando estirado na terra. * * * Independentemente do que acontecer, o gnóstico não se prenderá a uma tradição definida, pois ele é sábio consigo mesmo. Isso explicamos acima.
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Capítulo 3 O gnóstico, para que conheça a si mesmo melhor e conheça seu cerne, precisa ouvir com respeito e humildade
sobre
cinco
outros
pontos.
É
uma
necessidade absoluta para o gnóstico conhecê-las em ordem para alcançar seu objetivo. Por essa razão, listamos abaixo esses pontos, que são chamados as "cinco presenças". AS CINCO PRESENÇAS (hadarâti-l khamsa) É essencial saber que, como não há fim para a Unicidade
de
Allah
ou
para
Sua
qualificação,
consequentemente, os Universos não têm fim ou número, porque os Universos são os pontos de manifestação para os Nomes e as Qualidades. Como o que se manifesta é sem fim, os pontos de manifestação têm de ser sem fim. Consequentemente, a frase do 2
Corão: "Ele está a todo momento com uma configuração diferente", significa, igualmente, que não há fim para a revelação de Allah. O
Poder
(qudra)
de
Allah
está
constante
e
permanentemente em um estado de Perfeição. Por causa de sua Perfeição, Ele não revela a Si mesmo duas vezes à mesma
pessoa
da
mesma
maneira.
Ele
está
constantemente em novas revelações e, como não ocorrer até agora, a mesma revelação nunca pode acontecer para duas pessoas diferentes. Em um hadith é dito: "Allah tem 18.000 universos e este seu mundo é somente um universo dentre eles". O dito de que Allah tem 18.000 universos em parte, e, no total, 18 universos, é retirado do hadith mencionado acima, muito embora não exista extremo para a revelação de Allah nem fim para os pontos de revelação de Allah. Contudo, todos esses universos são abrangidos pela 5 presenças que vamos enumerar.
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Seu Poder é o maior; Sua Glória é vasta; e não há Divindade, senão Ele. Primeira Presença - Ghaybi-l mutlaq (Incognoscível Absoluto) Esta presença é também chamada Universo da Natureza Divina ('âlemi-l lâhût). Ela também é conhecida como o universo da não-manifestação (lâ ta 'ayyun) que não se encontra sob qualquer medida, forma ou compreensão. Ela é também chamada o Universo do Absoluto. Ela é também chamada Absoluta Cegueira. Também é chamada Puro Ser, Ser Absoluto, Pura Unicidade (dhât), Mãe do Livro, Expressão Absoluta, o Fundo do Oceano, o Desconhecido do Desconhecido. No Corão é dito: "As chaves do Incognoscível estão todas reunidas em Seu nível: somente Ele as conhece". Os Nomes mencionados acima são somente de um grau. Consequentemente, Allah, em sua estação, está em completa
Bondade
e
Abundância
de
todas
as
qualificações que Lhe atribuem. Nenhuma qualificação
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ou nome é possível nesta estação. Qualquer palavra que for usada para explicar essa estação é inadequada porque, nessa Presença, a Unicidade de Allah está em Completa Transcendência de tudo, porque Ele ainda não desceu para o Círculo dos Nomes e Qualidades. Todos os Nomes e Qualidades estão enterrados em extinção na Unicidade de Allah. Existem várias citações do Corão que me vêm à mente aqui: 1. "Sem dúvida, Allah é abundante (ghaniy) dos Universos." 2. "O tempo não passou pelo homem quando o homem não era uma coisa mencionada, lembrada ou ouvida?" 3. Hadith: "Naquele tempo, o Todo-Poderoso Allah estava em um estado tal que nada havia com Ele." 4. "Eu era um tesouro escondido..." (hadith qudsi) Essas citações indicam a estação que mencionamos. Qualquer que seja o caso, para o gnóstico que conhece a Unicidade, nada novo ou diferente ocorreu. O que quer que Ele fosse antes, Ele ainda o é. Quando Hazreti 'Ali
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ouviu o hadith: "Naquele tempo, Allah estava em um estado tal que nada havia com Ele", ele acrescentou, "Mesmo neste momento Ele ainda é assim". Com isso ele confirmou o hadith e, ao mesmo tempo, expôs a outra face do hadith e comentou-a. Segunda Presença - 'Âlemi-l jabarût (Reino da Onipotência) Ela é conhecida também como a Presença do Primeiro Desvelamento Revelação
(tajallî),
Muhammed,
(ta'ayyun awwal), Primeira
Primeira
Espírito
Jóia,
Qualificável,
Realidade Espírito
de
Total,
Incognoscível Qualificável e Livro Evidente. Na Mãe do Livro, tudo é visto em conjunto e, no Livro Evidente, começa-se a entrar nos capítulos. A Mãe do Livro é Essência (dhât). Essa estação é chamada também Universo de Nomes, Potencialidades Estabelecidas ('ayâni-th thâbita), Universo de Essências (mâhiya), o Grande Istmo.
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Todos esses são os nomes do primeiro Grau, mas eles são usados, cada um, com uma referência especial. Isso não é considerado segredo pelos gnósticos. Terceira Presença - "Âlemi-l malakût (Reino Angélico) Ela é, às vezes, também descrita como grau dos anjos, Universo de Padrões (mithâl), Universo de Ilusões (khayâl),
Primordialidade,
Segundo
Desvelamento
(taáyyun thâni), a Segunda Revelação, o Limite Extremo (sidrati-l muntahâ), Universo de Ordens, o pequeno Istmo e o Universo de Capítulos. Quarta Presença -
Shuhûdi-l mutlaq (Observação
Absoluta, Visão, Testemunho) Este é chamado o Reino do Testemunho, Reino de Posse, Reino da Mortalidade (nâsût), Reino de Criação (khalq), Reino dos Sentidos, Reino das Espécies, Reino das Galáxias, Estrelas e Nascimento. O que se quer dizer com isso são os Metais, Plantas, Animais. Também contam o Grande Trono ('arshi-l 'azîm) como sendo
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dessa estação. Essa estação circunscreve a totalidade do universo de formas. Essa é a terminologia que pertence ao Reino do Testemunho. Tudo o que foi deixado de fora desses reinos mencionados acima é chamado Reino do Incognoscível ('âlemi-l ghayb), enquanto tudo o que está aqui mencionado é o Reino da Ordem (amr). Assim esses dois nomes são usados. O termo “Incognoscível” e “Testemunho”, e “assuntos do mundo” e “assuntos do outro mundo” também podem ser utilizados. O que se seguirá abaixo, os quatro Reinos, são como quatro oceanos. Eles são os Reinos da Posse (mulk), Espírito (malakût), Onipotência (jabarût) e Divindade (lâhût). Todos esses quatro oceanos são eternos e não têm começo nem fim. O primeiro deles é o oceano da Unicidade (dhât), que geralmente é chamado lâhût. Conforme a citação: "Eu era um tesouro escondido...", a Unicidade de Allah, transbordando-se, manifestou o universo de jabarût, e isso também é chamado o Espírito Qualificável. Quando o jabarût transbordou, ele trouxe à
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manifestação o malakût. Com o transbordamento do malakût, foi manifesto o mulk. O que se quer dizer aqui com "transbordamento" é a inclinação natural resultante da natureza da Unicidade. Tudo o que foi mencionado até agora aconteceu dentro do espaço de tempo necessário para um piscar de olhos, ou seja, um tempo muito pequeno; talvez até um tempo menor. A citação do Corão aponta para isto: "Nossas atividades são realizadas em um tempo tão curto quanto um piscar de olhos, ou até em um tempo menor". Esse é um problema de ordem e essa ordem é chamada "kun " (Ser). Para tudo em imanência (khawn) Ele disse "Sê" e, nesse instante, tudo aconteceu. * * * Nada do que aconteceu nesses assuntos surgiu a partir do nada. Tudo isso não é outra coisa senão uma versão essencial. O que as pessoas querem dizer falando que tudo veio a partir do nada é expressar que a Unicidade, quando estava oculta dentro de Si mesma,
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desejou manifestar-se, porque "Aquilo que é" não pode tornar-se não-existente, nem pode “aquilo que não é” tornar-se existente. Por causa de uma transfiguração no oceano da Unicidade, os reinos tornaram-se manifestos. Vamos
considerar
um
mar
—
com
um
transbordamento é formado um segundo mar. A partir desse transbordamento, é formado um terceiro mar e, a partir deste, um quarto. Assim, quatro mares vêm à existência. Assim como o vapor torna-se água, e água torna-se gelo, as coisas ocorrem desse modo. Tudo o que foi explicado é uma luz. Cada uma das Suas transfigurações é uma nova forma. No âmbito dos gnósticos, qualquer que tenha sido Ela, Ela ainda é assim. Todos os reinos que foram explicados são um oceano de luz constantemente em movimento e, consequentemente, novas revelações sempre aparecem depois. "A todo instante, Ele está em uma configuração diferente." De acordo com isso, a Onda Divina surge da Unicidade e retorna à Unicidade. "Tudo veio Dele e, novamente, tudo retornará a Ele." "Todas as coisas
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retornam a Ele." "Allah é a luz da terra e dos céus." O significado dessas citações do Corão é suficiente para explicar o que se quis dizer. Todo o universo era a Unicidade: era o Oceano de Sabedoria, Estava em União com Allah. Nenhuma outra Divindade existe senão Allah. Existência Absoluta é aquele tipo de mar que cria constantemente. O mistério de "anâ-l haqq" Ele repete, oculta e abertamente, em todos os instantes. * * * Assim as ondas do mar são chamadas mâ siwâ (aquilo que é outro). O mar é sem começo e sem fim, e as ondas são consideradas como coisas que acontecem depois. O ser do Primeiro e Último pertence a Allah, e o mâ siwâ que aparece é considerado como existente no ser
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que é Absoluto. Todas as coisas que existem tornam-se manifestas a partir da Unicidade Absoluta. Se a revelação, que é a vida daquele ser, fosse interrompida por um instante, tudo seria enterrado na não-existência. Quinta Presença - Insâni-l kâmil (Homem Perfeito) Aqui
o
Homem
Perfeito
será
explicado.
As
presenças que foram explicadas e a totalidade dos reinos são abrangidas e englobadas em totalidade no Homem. O Homem Perfeito é o possuidor do grau da unificação; ele está na estação do Nome Maior (al-ism-l 'azam). Assim como o ism-l 'azam reúne e contém todos os Nomes, do mesmo modo, o Homem Perfeito reúne e contém dentro de si mesmo os reinos de mulk, malakût, jabarût e lâhût. Seja na manifestação ou no interior, não há estação que o Homem Perfeito não circunscreva. Com um contágio que é essencial (dhâti) em tudo sobre o qual ele exerce seu domínio (hukm) e de qualquer coisa que seja, aparece em tal coisa exatamente como é. De fato, Hazreti' Ali disse isso deste modo:
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"Tu pensaste de ti mesmo uma parte, pequena; Enquanto em ti há um universo, o maior." Ou seja, tu pensas de ti mesmo como algo pequeno, enquanto em ti há oculto o maior dos reinos. Se vais a um mestre e chegas a conhecer a ti mesmo, verás tudo em ti e a ti mesmo em tudo. E tu saberás com certeza (yaqîn). Podes imaginar a grandeza do Homem Perfeito desta maneira: se 18.000 reinos fossem colocados em uma vasilha e amassados até se tornarem uma pasta, sua composição seria o Homem Perfeito . Esse Homem verá os 18.000 reinos através de 18.000 olhos. Ele vê cada reino com o olho apropriado. Ele vê o reino dos sentidos com o olho do sentidos, os assuntos do intelecto com o olho do intelecto, os significados com o olho do coração. Compara os outros reinos a isso. Esses ignorantes que pensam que vão entender os significados com o olho dos sentidos simplesmente se dissolvem em esperança. Isso é conhecido pelos gnósticos.
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Avança, encontra um olho. Cura-te por ele. E agora, olha a partir Dele para Ele. Para ser capaz de olhar para o Universo do Incognoscível, é necessário que haja um Olho Divino. A razão por que algumas pessoas descrevem os reinos como 18.000 é: 1. 'Aqli-l kull – Espírito Universal 2. Nafsi-l kull - Alma Universal (esses dois são geralmente referidos como al-qalam (caneta) e al-lawh (tabuleta). 3. Al-'arsh - O Trono 4. Al-kursi - O Pedestal Então seguem-se sete Firmamentos ou Céus, Quatro Elementos da Natureza e Três Nascimentos (mawâlîd): o total da 18 e, em detalhada enumeração, eles totalizam 18.000. Muitos Iniciados seguem assim. Contudo, na realidade, a verdade é que os reinos não podem ser enumerados.
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Capítulo 4 Vamos dar uma informação útil: o que há sobre a superfície do mundo como criação é considerado somente um décimo do que há nas águas. Se o que há nas águas e o que há na terra pudessem ser considerados juntos, seriam somente um décimo do que há nos céus. Se eles fossem considerados todos juntos, seriam somente um décimo do número de anjos que vivem na primeira esfera celeste. Todos esses juntos formariam um décimo dos que estão na segunda esfera celeste, e essa comparação continua até a sétima esfera celeste. E aqueles que estão nas sete camadas do fundo da terra e nas sete camadas das esferas celestes, contados juntos com as criaturas celestiais, mal chegam a um décimo do número dos anjos que vivem no Pedestal (kursi). Esta citação do Corão diz o seguinte: "Seu kursi abrangia os céus e a terra". No kursi, as criaturas das sete camadas da terra e das sete camadas das esferas celestes e as águas chegariam a um décimo do número de anjos que tomam
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refúgio em um canto do Trono ('arsh), e tudo o que foi contado até agora poderia formar um décimo do número de anjos muhaymin. Os anjos muhaymin, do dia em que foram criados até este dia, não retiraram seu olhar da doçura da Beleza (jamâl) e estão em êxtase por olharem para aquela Beleza. Eles não conhecem a si mesmos nem conhecem os outros — até agora, eles nem sequer sabem que os universos não foram criados por Adão nem por Iblis. * * * Então Allah tem um grande anjo que possui incontáveis cabelos em sua cabeça. De acordo com essa comparação, todos os anjos e tudo o mais sobre o qual foi falado é igual a uma pérola nos cabelos de uma pessoa. Se Allah tivesse dado a esse anjo a ordem, ele teria engolido toda a existência como um pedaço e nem teria reparado que algo havia passado por sua garganta. O nome desse anjo é Espírito (rûh).
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Assim, se tudo o que foi enumerado — os anjos e as esferas — fossem colocados no coração do Homem Perfeito, ele não sentiria em seu coração nem mesmo o peso de um átomo. Quando Bayazid alcançou essa estação, ele disse o seguinte: "Se o Trono e tudo o que há tivessem sido aumentados em 1 milhão de vezes e colocado em um canto do coração do gnóstico, ele nem mesmo sentiria sua existência". O coração que não cabe nos céus e na terra, no Trono e no Pedestal tornou-se o ponto de revelação da Magnanimidade ('azîm) e Majestade (jalâl), da totalidade de Sua Unicidade e de todas
as
qualidades
de
Allah.
Isso
também
é
corroborado pelo hadith qudsi: "Não caibo nos Meus céus ou na Minha terra, mas caibo no coração do Meu servo que tem confiança (mû'min)". O primeiro mû'min referese ao Homem Perfeito; e o segundo, à Unicidade da Realidade. Em outras palavras, o Homem Perfeito é o espelho da Realidade. Ibn 'Arabi, no Fusus al-Hikam, enquanto falava da Magnanimidade do coração, também tocou no dito de
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Bayazid
e
disse:
"O
que
ele
disse
refere-se
à
Magnanimidade do gnóstico em comparação com os corpos. Aqui também eu direi assim: uma existência que não tem fim é considerada um fim para a qualidade que a criou. Esse existente que não tem limite nem fim, se tivesse abrangido o coração do Homem Perfeito, o Homem Perfeito não teria sentido seu peso". A Magnanimidade que Ibn 'Arabi explica não se ajusta a qualquer número ou cálculo nem é o tipo de coisa que possa
ser
abarcada
por
qualquer
conjectura
ou
comparação. Isso depende de experiência. Possa Allah tornar todas essas experiências possíveis para todos nós... Hu. * * * Bayazid, nessa estação, recita este poema: "Eu bebi taças e taças de amor. Nem acabou o vinho, nem minha sede." O amor explicado nessa estação é o Amado (mahbûb). Com esse poema, Bayazid deu notícia desse
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grau do coração e explicou sua vastidão. Isso é sabido pelos gnósticos. Se fosse necessário interpretar isso, o seguinte poderia ser dito: o espelho do meu coração tornou-se ponto de manifestação das revelações e das efusões do eterno e sempre Amado. As efusões divinas, seguindo-se umas às outras, desceram e continuam a descer, e meu coração as aceita. Nem o amor nem a receptividade do meu coração se extinguem, nem é provável que acabarão... O propósito dessa explicação é elucidar em algum grau
a
Magnanimidade
do
Homem
Perfeito
consequentemente, a grandeza de Allah. "Quando uma pessoa não sabe o que ela é. Como pode ela compreender a eternidade E alcançar aquele que não possui começo (jabar)?" * * *
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e,
Se todas as árvores fossem canetas e os mares fossem tinta e se todas as pessoas e todos aqueles que não vemos com estes olhos —anjos, jinn, etc. — fossem escribas, eles não poderiam terminar de explicar os estados do Homem Perfeito. Se o tempo destinado a eles fosse do começo ao fim deste mundo, ainda assim eles não teriam arranhado a superfície da fina membrana que cobre a face dessa proposição. Como uma indicação para esse assunto, devemos citar o seguinte verso do Corão: "Diz-lhes: se o os mares fossem tinta e as árvores fossem canetas, eles se esgotariam antes das palavras do meu Senhor. Se houvesse o mesmo tanto novamente, isso também se esgotaria". O nome para o Homem Perfeito é (alif, lam, mim), assim como o começo do Corão é: "(alif, lam, mim). Esse é o Livro no qual não há dúvida". O hadith diz: "O Homem e o Corão são gêmeos". O que se quer dizer aqui com "Homem" é o Homem Perfeito. O que se quer dizer aqui com "gêmeos" são gêmeos idênticos, nascidos do mesmo útero.
2
No que quer que tenha sido explicado até agora, cada coisa é um espelho para a outra. O espelho para o lâhût é o jabarût; o espelho para o jabarût é o malakût; o espelho para o malakût é o mulk, e o espelho para todos eles é o Homem Perfeito. O Homem Perfeito é um viceregente para Allah e é um espelho que O reflete. É o espelho que mostra o Ser Divino e a imanência. Não há grau que não esteja na essência do Homem Perfeito. * * * A explicação foi longa por razões além do próprio esboço. Vamos voltar ao assunto discutido. O assunto real era este: Ibn 'Arabi disse: "Se o gnóstico conhecesse a si mesmo completamente, não teria caído na armadilha de seguir alguma tradição em particular". Se um homem chega esse estado, ele é considerado como tendo-se tornado Homem Perfeito. Tudo o que dissemos até agora abrangia um milésimo das qualificações do Homem Perfeito. Depois que o homem encontrar esse grau, ele é absolutamente o ponto
2
de revelação de Allah, de modo que, qualquer lado em que Ele Se revela, ele aceita. A pessoa que encontra esse grau é chamada “Homem Perfeito”. Possa Allah permitir a todos nós que alcancemos esse grau. Amém, hu... * * * Ó irmão, pensa com moderação. Allah deu-nos grande aptidão. Nós a perdemos — é sensato fazer isso? Nós nos rebaixamos ao nível do grupo mencionado no Corão: "Eles são como rebanhos, talvez até mais confusos.” Isso é uma lástima para nós. Não é fácil tornar-se Homem Perfeito. Só é possível encontrar um Homem Perfeito, segurar sua mão e servir-lhe. Allah deu essa aptidão a todos, mas o homem se joga ao grau mais baixo e destrói sua aptidão. Entrega-te a um Mestre Perfeito e também te torna uma pessoa. O fator mais importante é associar-se com convicção à qualidade de perfeição do Homem. Nem mesmo
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penses que o Homem Perfeito é um homem sem ensinamento ou senda. Sua senda e seu ensinamento estão na existência da Vontade Divina e na existência da Ordem Divina. Seu ensinamento não é uma senda que se expresse por representações ou por uma tradição. Algumas
das
pessoas
de
Allah,
quando
questionadas: "De que senda és tu?", responderam "Eu sou da senda de Allah". Liberta-te das regras de todas as diferentes sendas: Sê o primeiro da lista de todos os peregrinos. * * * Perguntaram a alguns dos grandes seres o seguinte: "Conforme o que é dito, o gnóstico não está ligado a tradição alguma. Contudo parecerá às pessoas que está de acordo com elas, porque existe uma citação que diz: "Fala com as pessoas de acordo com a sua inteligência". Agora, se ele fosse mostrar às pessoas o que está em seu
2
coração, ele seria morto imediatamente. Se a situação é essa, não é o gnóstico um hipócrita?” A resposta é a seguinte: não, porque o hipócrita é aquele que tem uma convicção secreta, mas parece trabalhar abertamente de acordo com a tradição da época. E ele mesmo sabe que o que faz não é adequado. O que o gnóstico demonstra externamente como sua tradição é o mesmo que a Verdade. Embora sua convicção interior possa parecer estar em oposição ao ensinamento que ele mostra externamente, não é. O sistema do gnóstico é amplo. Nele até duas tradições opostas estão unidas. Se essas duas tradições parecem opostas às pessoas de fora, para ele não são. Aquele que conhece melhor é Allah.
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Capítulo 5 Agora existe algo que deverias saber: o homem de gnosis deveria conhecer seu ponto de início e seu ponto de retorno; de onde ele veio e para onde está indo. E esse conhecimento está ligado a três jornadas. Portanto, vamos
explicar
entendido
essas
que
jornadas.
essas
jornadas
Naturalmente,
é
referem-se
ao
desenvolvimento espiritual. Não há começo nem fim para essa jornada, nem ela tem número, mas nós escolhemos incluir todas essas três. A não ser que um homem tenha realizado essas três jornadas, ele não pode entender a si mesmo e não pode encontrar em si mesmo a sensação de conhecimento necessária em relação a seu Criador, não pode amadurecer nem pode liderar outros. Primeira Jornada Que se saiba que cada pessoa tem um lugar real na Unicidade. Quando a Unicidade deseja que a realidade apareça no mundo interior, Ele primeiro delineia a sua 2
forma como uma cognição em Sua própria Gnosis, que é Gnosis do Todo ('aqli-l kull). Esse lugar é, com relação a isso, o Espelho Divino e é o universo da Gnosis de Allah. Essa forma permanece nesse estado enquanto Allah considerar adequado. Então ele desce para a Alma Universal (nafsi-l kull), então para o Trono e então para o Pedestal. Nível após nível, ele atravessa as sete esferas e desce para o Globo de Fogo, depois Ar, depois Água, então desce para a Terra. Depois disso, desce para os Minerais, Plantas, Anjos e então visita a Humanidade e os Jinn. Até que ele alcance o grau de ser humano, ele passa por muitas atribulações em todos os níveis de sua descida. Ele encontra dificuldades. Às vezes,ele se eleva; às vezes, desce, e metade de um círculo é completada até que ele seja inserido na humanidade, e esse ponto é conhecido como o mais baixo do baixo (asfali-sâfalîn). Para o homem, sem entendimento de onde vem e para onde retornará, esse é o começo. Explicamos isso antes. Em um verso do Corão é dito: "Nós criamos o
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homem de posse de todas as belezas da Criação. Então nós o trazemos para baixo, para o asfali-sâfalîn". Todos esses níveis e graus que mencionamos antes, até ele alcançar o grau humano, constituem a primeira jornada. Se um homem sem entendimento de onde vem e para onde está retornando inicia a jornada, ocupa-se somente com movimento e adaptação. Se ele encontra somente o ponto do início, ainda está muito longe de encontrar o Universo da União (jam'). Considera-se que ele está em separação. Como uma indicação disso, foi dito: Qualquer pessoa que estiver separada antes de encontrar o Universo da União está no politeísmo (shirk). O verso do Corão deveria ser recitado aqui: "Eles são como rebanhos, ou talvez até mais confusos". Eles retornam no Dia do Julgamento pertencendo àquele grupo. Segunda Jornada Essa jornada também é conhecida como a jornada da observação e instrução. Nessa segunda jornada, é necessário apoiar-se em uma fonte de sabedoria, o que é
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necessário para se dirigir ao Espírito Universal. Ele é chamado também de “Realidade de Muhammed”. Com o auxílio e himma dos grandes seres, é necessário chegar a isso — essa chegada é notável. Desse modo, até que o homem alcance sua própria posição, ele adquire em sua jornada de descida muitas cores (impurezas) de cada um dos níveis que visitou, que são cores que distraem. Ele adquire em cada nível uma qualidade inútil ou impeditiva. É por causa disso que ele se perde na multidão que é conhecida como "inferior a um rebanho". Quando estiver com um mestre realizado, ele terá de abandonar a maior parte dessas características inúteis que adquiriu ao longo do caminho de descida. Ele retornará ao seu estado primordial e se tornará o que era. A não ser que seja purificado desse modo, não lhe é fácil alcançar o Espírito Universal. Imagine um homem que iniciou sua jornada. A não ser que tenha a gnosis do Espírito Universal, ele nunca estará no mesmo nível que as Pessoas da Verdade. Para te tornares adequadamente desenvolvido, é necessário,
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quando ainda estiveres na senda, alcançar o Espírito Universal. Esse é o Grau de Guardião (wilâya). Aqueles que alcançaram o Guia são puros. Aqueles que não alcançaram o Guia são impuros. * * * Um homem que esteja na senda torna-se Homem quando alcança o Espírito Universal. Isso é chamado a Realidade de Muhammed. Aquilo que é mencionado no hadith aplica-se a isso: "Em primeiro lugar, Allah criou o Espírito". O homem da Senda nesta estação é sem cor e encontra a Unidade. O que é sem cor aprisiona até a cor: Moisés faz guerra com Moisés. Aquele que não recebe uma cor encontra um agradável caminho. Moisés e o Faraó tornam-se amigos. * * *
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A mente do homem encontra o Espírito Universal. Ele mesmo encontra Aquele-Que-É Total, seu espírito encontra o Sagrado Espírito. Essa é estação das pessoas que são atraídas a Allah. Perplexidade, ausência de remorso, distração e intelecto estão nesse estágio. Muitos ficam irrevogavelmente perdidos nesse estágio. É por isso que eles dizem que buscar a União sem estar separado é loucura. Se essa loucura acontece, o homem da senda da Verdade permanece nesse estado; ele nunca pode avançar e não pode alcançar perfeição ou realização e não pode encontrar a Verdade em si mesma, como Ela é. Contudo, esse estado é extremamente agradável, e é a estação da jornada com Verdade na Verdade. O homem que iniciou a jornada (sâlik) lançou no oceano o átomo da existência que está em si mesmo. Ele agora não tem uma mente diretora e não está consciente de si mesmo, do universo ou de mais alguém... Desse momento em diante, ele não pode tomar refúgio em nenhum tipo de tradição religiosa e não pode sujeitar-se
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às regras de qualquer dogma. Mas ele não deve demorar-se nesse estado — é absolutamente essencial que ele avance. Com o auxílio de Allah nessa estação, encontrando o estado de não-existência com Allah, é necessário que ele alcance o universo de subsistência com Ele. Terceira Jornada Essa jornada inicia-se a partir Dele, mas ao mesmo tempo, é é a estação da permanência (baqâ') com Ele. Ou seja, esta é a jornada da Realidade (haqq) para a Multiplicidade (khalq). Tendo encontrado o Universo da Unidade, ele passa para o estado de separatividade. O homem nessa jornada deve auxiliar os outros a encontrarem a gnosis, clareando o caminho para outros com um descenso espiritual. Ele veste o manto da humanidade e cai do seu estado para estar entre as pessoas e misturar-se com elas. Esse é o significado do hadith que diz: "Eu também sou um ser humano como todos vós". Nesse estado, é necessário alimentar-se,
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ingerir líquidos, dormir, casar-se, mas não cair no excesso em nada disso, nem no ascetismo. Completo equilíbrio e foco são essenciais. Nem excesso nem deficiência devem estar nele. Esse é o reto caminho em meio a isso. * * * A pessoa que alcança esse estado é uma pessoa de iffet (virtude) e istiqâmat (foco). Externamente, ele concorda com as leis religiosas e as aceita, mas nunca se envolve com rituais extras, a não ser aqueles em que isso seja importante. Tanto no Universo da Multiplicidade, quanto
no
Universo
da
Unidade,
ele
está
constantemente em estado de prece (salat). Seu o universo exterior está próximo às pessoas. Seu universo interior está inseparávelmente ligado a Allah. Entender essa pessoa é muito difícil, porque as pessoas pensam e julgam um homem pela sua atitude devota exterior e suas ações exteriores. Eles pensam que é devoto aquele que está envolvido. Contudo, o desenvolvimento do
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Homem Perfeito não pode ser visto com o olho dos sentidos. Para seres capaz de vê-lo, precisas ter os olhos que o alcançaram. Em resumo, somente aqueles que alcançaram a perfeição podem reconhecer o Homem. Esse é o círculo da Diferenciação, que surge depois do círculo da União. O Califa 'Ali disse: "Alcançar a difenciação sem ter alcançado a união é politeísmo (shirk). Se, ao final da união, não houver diferenciação, trata-se de uma fraude (zindiq); mas alcançar união e diferenciação como uma coisa só é também considerado tawhîd (unificação)". Essas três estações são o significado do que tentamos explicar, e não há necessidade de nos aprofundarmos nisso. Para o Homem Perfeito, esse descenso para a Estação da Diferenciação é considerado progresso. Quando ele alcança essa estação, então possui a gnosis de si mesmo. E porque nesse ponto ele está ligado indissoluvelmente à Essência original, ele não tem a
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possibilidade de se prender a qualquer forma de tradição. Allah conhece melhor. Apesar do fato de esse estado ser assim, como Ibn 'Arabi diz, essa pessoa não questiona ninguém por causa da tradição que sustenta. Ela não se envolve com tais coisas e não nega as suas tradições porque ele combinou no fundo de seu ser todos os ensinamentos. Ou seja, o gnóstico alcançou um ponto de vista que abrange tudo. Por essa razão, a realidade todoabrangente possui uma face em cada tradição, pois o que eles chamam de perspectiva absoluta é a do gnóstico. Não há absoluto que não possua um lado relativo. Por causa disso, não importa a que se devote, o Absoluto aparece com essa face. Saiba disso ou não o sustentador de uma tradição, é assim que as coisas são. O Sheik al 'Iraqi diz assim: "Allah fez todas as coisas iguais a Si mesmo. A sabedoria nisso é que Ele quer que haja devoção a nada mais, exceto Ele mesmo... E para que nada mais seja amado, a força divina necessita disso".
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A Força de Allah não permite estranho algum; Ele, sem dúvida, se tornou o mesmo em todos as coisas. Allah quis criar todas as coisas, Mas não permitiu outro, senão Ele mesmo. Aqueles que têm devoção neste mundo, têm devoção a Ele, De modo que, na terra, o que quer que seja visto é Ele. E isso as criaturas podem apreender. Isso é o que o homem só pode apreender com bom caráter. E os corações estreitos são produzidos por isso. As
informações
mencionadas
acima
são
o
significado estabelecido e conhecido deste verso do Corão: "O decreto de teu Senhor é que não sirvas a ninguém, senão a Ele". Ou seja: ó Profeta, a apreciação e o decreto de teu Senhor é que no amor, no louvor e na exaltação, não conheças outro senão Ele. Mesmo a adoração de um ídolo resulta na adoração de Allah, porque a existência do ídolo também é Allah. Para ser capaz de entender isso, é necessário compreender e saber que toda a existência é de Allah. Essas nossas palavras são um espelho do que foi dito antes.
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Assim, o gnóstico, depois de ter compreendido esse significado, não aceita nem nega a tradição de alguém, porque ele entende que não existe outro existente senão Ele e porque ele percebeu o Todo interligado em uma cadeia de ordem e entendeu que ele mesmo nada é, senão uma ordem e uma vontade. Novamente, o gnóstico vê cada pessoa de acordo com a manifestação de um Nome e, por isso, suas crenças e seu comportamento como deveriam ser. Se algo saísse minimamente do seu lugar, O universo seria inteiramente arruinado. * * * O significado do verso do Corão torna-se claro para o gnóstico: "Para onde quer que tu te voltes, lá está a face de Allah". Ou seja, qualquer que seja o caminho para o qual voltes a tua face, lá encontrarás uma via que conduz a Allah. É verdade que, de acordo com a regra de que: "Ele está a cada momento em uma configuração diferente", há estados e graus; mas Ele mostra em cada
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piscar um impulso e, em cada impulso, uma fragrância e, em cada fragrância, uma beleza e, em cada beleza, um amor e, em cada amor, um piscar e, em cada piscar, um impulso e, em cada impulso, uma fragrância e, em cada fragrância, um tipo de recomeço. Por causa de tudo isso, as pessoas que estão viciadas no amor e estão em lamento ficam em diferentes estados. Às vezes, elas se tornam o ponto de manifestação das qualidades da Majestade (jalâl) e da contração (qabd) ou são o ponto de manifestação da expansão e bem-aventurança. Elas sentem bem-aventurança, nela mergulham e encontram contentamento (safa). Às vezes, elas caem no impulso e, às vezes, na súplica. Essas qualidades assumem diferentes atitudes aos olhos do Amor, mas aquele que ama não repudia nenhuma delas. Se é assim, como então o gnóstico vai sujeitar-se a uma forma ou outra? O Amado pelo qual o amante está apaixonado, qualquer qualidade com que Ele adorne a Si mesmo, qualquer veste com a qual Se vista, nunca se confunde e não se prende a uma única face. Embora Ele próprio veja
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a beleza a partir de cada face, ele desculpa aqueles que estão presos a uma de Suas faces. Seu círculo é amplo. Sobre aqueles que se prendem a um aspecto ou a outro, ele diz que essa também é uma de Suas atividades e aceita isso como algo necessário a um dos Nomes Divinos. De fato, o próprio Allah diz: "Não há uma única coisa viva na terra que Allah não mantenha pelo seu leme, e que todos saibam com certeza que meu Senhor está no caminho certo". Esse verso do Corão foi dito pela língua do Profeta Hud.
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Capítulo 6 Todas as pessoas são um ponto de manifestação de um ou outro Nome. Majestade (jalâl), Beleza (jamâl), Orientação (hâdî), Desorientação (mudîll) - todos esses, quaisquer que sejam, são seus retos caminhos. Em matéria de tradição também é assim. Se a tradição de alguém for diferente da tradição de outro, ele ainda está no reto caminho por causa do nome do qual ele é essencialmente um ponto de manifestação, e sua qualidade de reta direção é essa. Por exemplo, a precisão do arco é determinada por sua curvatura. Estar em erro é certo de acordo com o nome de Allah mudill, embora Seu Nome (hâdî) saiba que é errôneo ainda, ele ainda é considerado certo. Assim o gnóstico, por conhecer o significado de tudo isso, não interfere na religião das outras pessoas. Aqui pode ocorrer uma questão: a resposta a essa questão não pode ser dada, exceto por um homem que conheça o mistério do destino (qadar). Isso é fácil para o 2
gnóstico. A questão é esta: toda devoção e todas as outras atitudes com relação à vida são o resultado de um Nome Divino. Consequentemente, a criatura não tem escolha — se realiza isso ou não. É óbvio então que todos são obrigados a fazer o que ele faz, e isso é coação e opressão. A resposta pode ser a seguinte: analisando a questão acima, chega-se a duas situações. A primeira é mâhiyât (aquilo que a coisa é, natureza essencial). O mâhiyâ não é pré-ordenado. O segundo é que o conhecimento está sujeito ao conhecido. Quando, e se, essa situação for entendida, ainda que muito pouco, o mistério do destino é entendido. É claro que se torna evidente que as duas coisas mencionadas devem ser entendidas de acordo com sua origem. Se esse entendimento é adquirido com o auxílio de Allah, também é possível penetrar no mistério do destino, porque essas duas coisas são como chaves. As
coisas
mencionadas
acima
como
mâhiyât
significam as imagens das coisas presentes no oceano da
2
Gnosis Divina, as quais ainda não apareceram. Outro modo pelo qual os mâhiyât são explicados é pelo nome a'yâni-th thâbita (potencialidades estabelecidas), e são o mesmo que a Unicidade Divina de Gnosis. Esse estado é o mesmo para o Homem Perfeito. De outro ponto de vista, a Gnosis é um espelho para a Unicidade. A efusão desses mâhiyât chega-lhes a partir de Allah somente conforme a aptidão e as habilidades já presentes em sua essência. Confiança e outros estados também não são diferentes disso. Revolta, encobrimento da verdade, obediência, etc. — tudo isso é o que o mâhiya solicitou a Allah de acordo com o seu potencial. Conforme sua aptidão, o que foi solicitado a Allah foi-lhe dado. Por exemplo, a aptidão do trigo é tornar-se trigo; a da cevada é tornar-se cevada, e a do painço é tornar-se painço. Compare todo o resto a isso. Se a cevada começasse a falar e dissesse ao homem que a estivesse plantando na terra: "Por que, homem, tu não me tornas trigo?", o lavrador responderia: "Por que essa era a tua
2
aptidão e essa era tua habilidade". Esperar trigo depois de ter plantado cevada é estupidez. Conforme o que foi explanado, o mâhiya de cada pessoa e seu 'ayni-th thâbita, desde a eternidade, qualquer que seja seu estado e peculiaridade, em qualquer revelação de qualquer Nome sob o qual ele esteja, só pode mostrar isso neste mundo. Tudo é óbvio aqui em qualquer forma que tenha recebido da eternidade. A Gnosis Divina não tem influência nisso. De acordo com a regra: "Eles realizarão suas atividades como elas devem ser realizadas". Os gnósticos conhecem esse mistério. Na realidade, em qualquer estado que algo seja conhecido, a Gnosis Divina está envolvida e manifesta-se de acordo com as necessidades daquele Nome ou Qualidade. E o que se quis com “a Gnosis está ligada ao que é conhecido” foi expressar isso. Agora o significado do decreto (qadâ' — uma decisão resultante de uma solicitação) é este: em qualquer estado ou forma em que todas as "coisas" estiverem na Gnosis Divina, qadâ' é a ordem total (hukm) dada sobre seu
2
estado. O destino (qadar - determinação providencial) é o surgimento no universo dos sentidos e o testemunho da manifestação de qadâ' de acordo com uma divisão posterior, parte por parte, conforme o grau de aptidão de cada ser. E a manifestação dessas coisas também está de acordo com o grau de aptidão daquele em quem ela vai manifestar-se. * * * Questão — Tudo o que dissemos até agora chega a querer dizer algo assim: entendemos então que o que quer que tenha acontecido está de acordo com a aptidão da pessoa. Tudo o que acontece, como negação, fé, bondade etc., ocorre a uma pessoa porque ela solicitou isso a Allah e isso aparece na pessoa de acordo com sua habilidade, aptidão e possibilidade. Até o que estamos dizendo torna-se o que Allah fez. Mas se foi Allah que nos deu essa aptidão, isso também não significa que estamos sob uma obrigação?
2
Sua resposta: dentre todos aqueles que discutiram, escreveram e pensaram sobre tradições, gnosis e assim por diante, a aptidão não é feita nem criada, porque, se o mâhiya
de
algo
consequentemente,
não é
é
produzido
necessário
que
nem
criado,
sua
aptidão
também não seja produzida nem criada. Mâhiya refere-se às imagens da Gnosis Divina, e nesse ponto não há produção nem criação. O que o ser estabelecido de todos necessita que ele faça, ele é obrigado a fazer. O mistério do destino divino necessita disso. Sabendo que a situação é estabelecida assim, que tudo está ligado à sua aptidão, o homem agirá conforme ele tem de agir. Ele não pode ir contra seu estado. Ele descobre as coisas acontecendo dentro de si mesmo, uma após outra, cada uma em seu próprio tempo. Se esse homem pensa que sua aptidão nisso é pequena, então ele sofre. Novamente, em sua origem, não há coação. * * *
2
A coação tem duas partes: uma é aceitável, e a outra deve ser repudiada... O tipo que é aceitável é o seguinte: a pessoa que tem confiança, depois de ter apreendido todas as ordens divinas e ter-se abstido de tudo o que é proibido, deve, sem atribuir qualquer poder a si mesmo, saber que todos os acontecimentos são de Allah. Isso é bom, ao passo que a segunda coação é aquela em que o servo comete todos os erros possíveis. Ele não sabe o que é proibido nem reconhece qualquer ordem. Acima de tudo isso e, ele atribui a Allah todas as ações desprezíveis que realizou — essa é uma atitude grosseira. E essa coação é extremamente ruim. Nessa estação existem muitas questões e respostas, e elas são conhecidas por aqueles possuem a gnosis. Perguntaram a um homem que havia alcançado essa estação: "Como escapaste de atribuir opressão a Allah?", e ele respondeu: "Porque eu não associei nada mais, em todo o reino, a Allah, de modo que, se toda a posse é Sua, quem Ele vai oprimir? Todos utilizam o que ele
2
possui como lhe agrada". Em relação a isso, o que foi dito é suficiente. * * * Enes bin Malik, conforme é relatado, serviu ao Profeta por dez anos. Quando Enes estava explicando isso, disse: "Eu servi ao Profeta por dez anos, dia e noite, sem parar. Pelo que fiz, não o ouvi, nenhuma vez, perguntar ‘por que fazes isso?’ ou ‘por que não fazes?’". Esse estado surge por causa da sabedoria do Profeta sobre o mistério de qadar. O Sheik acrescenta isto: "Allah mantém certos mistérios secretos a Seus enviados e profetas durante sua atuação. Um deles é o mistério do destino. Se aquele que convida para a verdade, como um enviado ou um profeta, visse, em algumas das pessoas a quem ele estivesse ensinando, inclinações para a negação ou que seu convite não teria proveito, ele ficaria incapacitado e perplexo e não poderia realizar sua profecia como deveria. Portanto, ele estaria impedido se conhecesse esse mistério. O mistério do destino tornou-
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se conhecido dos profetas depois que o seu convite terminou e depois que ficou aparente quem encobre a Verdade, quem tem confiança, quem é hipócrita e quem é puro". * * * Um gnóstico modifica seu estado constantemente. Podemos explicar isso por meio das palavras de Ibn 'Arabi: "Se um verdadeiro gnóstico permanecesse exatamente
no
constantemente
mesmo em
si
estado,
mesmo
toda
combinando confiança
e
conhecimento, haveria o medo de que ele pudesse adquirir um estado que estaria ligado com o Senhor. Contudo, uma pessoa que segue mudando de cor todo o tempo e conhecendo completamente isso, nunca pode permanecer em uma dada condição, porque, se o fizesse, pensaria de si mesmo como sendo o Senhor Absoluto. Contudo, a ilusão (khayâl) não é a Verdade. O que ele teria pensado teria sido sua própria ilusão. Ele teria permanecido com seu Senhor e sua própria imaginação
2
e nunca poderia estar com o Senhor de todos os Senhores". Um gnóstico, quando tiver alcançado uma clara compreensão de tudo e tiver passado para o absoluto e para a não-relatividade, pode assumir a Verdade como sua convicção e devotar-se a Ele e, então, novamente, passar para o relativo: há grande medo em relação a isso, porque, se ele está ligado ao Absoluto e permanece
nesse
estado,
nunca
estará
livre
da
possibilidade de medo. Esse estado continua até yaqîn (certeza advinda da experiência); e isso é Allah, com toda a Sua Unicidade e Qualidades, que é yaqîn. * * * Conhecimento útil: deve-se saber que as pessoas de yaqîn dividiram seu estado em três partes — a primeira é encontrar yaqîn por meio do conhecimento; a outra é pela visão, e a terceira é alcançar a Verdade disso. Por exemplo, a primeira seria como saber sobre o heroísmo, a segunda seria assistir a alguém em um ato heróico, e a terceira seria realmente ser o próprio herói. Aquele que
2
realiza
esse
ato
heróico
conhece
seu
sabor.
O
Gnosticismo também é assim e continua assim. Os gnósticos entenderão.
2
Capítulo 7 Aqui é necessário explicar o absoluto e o relativo de toda a Verdade todo-abrangente. Para aquele que necessita libertar-se do medo e ser salvo disso, que tipo de ensinamento é necessário? Vamos explicar. Primeiramente, uma introdução. É necessário
saber
que
a
verdade
todo-abrangente
(haqîqati-l-jâmi'a), que o Sheik menciona acima, é um dos muitos Nomes que se referem ao que é nomeado. Alguns dos gnósticos interpretaram-no como "força e fala eternas". Tanto Muhyddin 'Arabi quanto Sadruddin Konevi pretendem somente uma coisa com isso, e isso é a Unicidade Una e Realidade Una. Sua Beleza é única, mas as devoções são diferentes. Tudo o que aponte para aquela Beleza é estabelecido. * * * Essa Realidade em questão é chamada, em árabe, wujûd (ser); em turco, varlik (ser); em persa, hati (ser), 2
mas na Realidade, esse Ser é transcendente, além de todos esses nomes. O que é verdade é que, para explicar isso, eles utilizam os termos wujûd (ser), 'ashq (amor), nûr (luz), nafs (alma) ou rahmân (misericordioso), mas o que se quer dizer com tudo isso é o nome do Ser Uno, que é haqq (Realidade). Aqueles que interpretam o ser como absoluto o condicionaram. Eles extraíram o significado de ser a partir da junção do absoluto com o que é relativo. Mas eles consideraram outro tipo de absoluto a partir dessa junção e transcendência. Depois, eles a transcenderam até mesmo a partir da transcendência. Eles até disseram que, quando a condicionares,
é
absolutamente
necessário
que
a
transcendas ao mesmo tempo. Isso é algo que depende da experiência. Assim, o que se deve entender é que esse Ser tem tal magnitude que Ele abrange tudo. Ele reúne em Seu Ser todos os graus e reúne todos esses graus em Sua Unicidade. Portanto, que Ele seja igual que todos esses
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graus e que, igualmente, seja transcendente de todos eles. Desse modo, Ele é relativo tanto quanto absoluto, todo-abrangente tanto quanto transcendente de tudo. Em virtude de Seu estado absoluto, Ele é abundante e estimado acima de tudo, de modo que nenhum impulso ou prece O alcança. Aqui duas citações do Corão apontam para este significado: 1. "Allah é abundante do universo." 2. "Louva a teu Senhor e o glorifica, o Senhor da Força e Bondade além daquilo com o qual podem qualificá-Lo." Um hadith explica os mesmos significados: "A Allah era Allah e não havia com Ele nada igual". * * * Nessa estação, nem nome nem imagem nem poema de louvor nem adjetivo existem. Ele é considerado livre e transcendente de tudo. Aquele que percorre todos os graus e revela a Si mesmo é Ele. Como Ele é o mesmo
2
em cada grau e está na qualificação que o torna aquele que reúne tudo, Ele é o Uno que é chamado por todos os Nomes, desenhado em cada imagem, chamado por diferentes nomes e qualidades e qualificações. Ele desce a cada grau, e sua descida também é um sinal de Sua maturidade. Sua descida é explicada por este hadith: "Eu estava doente, e tu não Me visitaste. Eu estava faminto e tu não Me alimentaste com teu próprio alimento". A Realidade, em Suas qualidades, em sua descida e em Seus graus aceita os opostos, porque, de Seu ponto de vista, não há tais coisas como “oposto”. Somente aqueles que são mais elevados compreendem isso. Para as pessoas de gnosis essa é uma dica, e para elas isso é o bastante. O seguinte dito do Corão mostra a situação muito bem: "Ele é o Começo e o Fim, Ele é o Exterior e o Interior e Ele conhece tudo por seu próprio ser". Explicamos tanto quanto possível o que é absoluto e o que é relativo. Que se saiba que, se O condicionares pelo absoluto, esse absoluto torna-se como se fosse relativo, enquanto é necessário não associá-Lo a
2
condição alguma, porque Allah abrange todos os graus. O seguinte é um verso do Corão que afirma isto: "Para onde quer que tu te voltes, Allah tem uma face de revelação". De acordo com essa ordem, em cada grau existe uma face de revelação. Consequentemente, não podes negar uma e aceitar a outra. Se o fizeres, encobrirás a Verdade, e isso é considerado negação. Por exemplo, um idólatra, porque se devotou exclusivamente a um ídolo e porque fixou seu estado nisso, nega qualquer outra tradição. Consequentemente, ele é considerado como alguém que encobre a Verdade. Então, se um muçulmano nega um dos seres no qual Allah Se manifesta, a religião não o considera como muçulmano. O encobrimento da falsidade encobriu a Verdade Absoluta. O encobrimento da Verdade cobriu-se com a Verdade. * * *
2
Ó filho, o significado disso está oculto no verso do Corão: "O decreto de Teu Senhor é este: que te devotes somente a Ele". O que há maior num universo, o oceano mais profundo és Tu. Por que me importar em saber sobre os lugares, já que o Ser és Tu? A pessoa que alcançou o cerne do estado do absoluto é chamada um gnóstico, um santo e uma pessoa de Allah. Por isso, o seguinte verso do Corão existe: "Percebe que para os santos servos de Allah não há medo nem tristeza". Gnósticos, sagrados servos, entram nesse grupo e encontram salvação do medo e do perigo. Allah, que nos sejam concedidos esses estados. * * * Ibn 'Arabi diz: “Esse é o último estado para aqueles que adquiriram o sentimento de gnosis em relação a
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Allah, que também é O senhor daqueles que se deixaram conhecer como criadores". Isso é dizer que se deve ter devoção a uma Realidade Absoluta. As pessoas que se devotam a um existente específico ou relativo devotam-se somente a um ídolo que elas criaram em sua própria imaginação. Ao que elas se devotam são diferentes ídolos. O que é mais benéfico? Aqueles diferentes tipos de ídolos ou o Uno e Allah todo-Conquistador? Naturalmente, o Uno e Allah todo-Conquistador é melhor. Em Sua posse não há ninguém, senão Ele mesmo... Não há ninguém que responda às Suas perguntas. Ele as pergunta e, novamente, Ele as responde. Com certeza, nisso então estão uma indicação e uma dica muito importantes: se esse Allah, que é Uno e todoConquistador, revelasse a Si mesmo a um de seus servos com a qualidade do Destruidor, esse servo veria tudo aniquilado. Então, "Tudo está em aniquilação, exceto Sua face". "Tudo na terra seria aniquilado, e restaria somente
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a face de teu Senhor, que é Majestoso tanto quanto Generoso (dhul-jalâl wa-l ikram)". De acordo com isso, é necessário morrer hoje, antes da morte. Essa morte deve ocorrer por decisão, e aquele em quem esse estado de morte aparece verá a completa a extinção de tudo, exceto Allah, e ele próprio não existirá. Essa não-existência é total não-existência. Esse é o estado de extinção em Allah (fana' fi-l llâh). Lá nada resta, senão a Beleza de Allah. Esse servo permanece nesse estado por um longo tempo: ele sofre grande atração. Lá não há tempo nem lugar... Ele não se torna os Reinos nem anjo... Lá, nesse tempo, somente Allah permanece. Nesse tempo, Allah, em Sua Existência, clama o seguinte: "De quem é toda a posse hoje?" Diante dessa pergunta, não há voz alguma em resposta que parta de alguém. Então, Allah, em Sua magnitude chama, a partir de Sua Unicidade, Sua Unicidade em resposta: "É de Allah, que é o Único e é o TodoConquistador".
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O homem de conhecimento nesses assuntos está perdido e enterrado no nada. Enquanto isso é assim, Allah concede-lhe uma existência a partir de Sua própria existência e o tinge com a Cor Divina. Todas as qualidades dentro e fora dele são modificadas. Nesse dia, a terra torna-se outra terra; igualmente os céus. E todos eles se tornam manifestos para a existência de Allah, o Único e Todo-Destruidor. E o real significado desse verso torna-se claro. Então Allah concede a esse homem de conhecimento uma visão, um ouvido e uma língua divinos e o inicia em questões e respostas. Desse modo, o servo passou pela não-existência e, tendo alcançado o Universo da Existência, torna-se existente pela existência de Allah. Seus reais entendimento e conhecimento começam depois
disso.
revelação,
não
Mas há
no
momento
sabedoria
dessa
nem
primeira
ciência
nem
consciência; lá existe um Universo de completa nãoexistência; o significado dessa citação acima é muito mais bem entendido pelo estado. Não é certo traduzir
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isso em palavras mais claramente do que isso; não há permissão. Aqueles que lêem isso leem sem língua e ouvem sem ouvido. Isso não é chamado 'ilmi-l yaqîn porque nisso também existem os estados de 'aynil-l yaqîn e haqqi-l yaqîn. O servo que alcançou essa estação está livre de todo medo e expectativa. Aquele que concede o estado de Inspiração é Ele; aquele que conduz à maturidade e à Orientação é Ele. Chame-O pelo adjetivo que quiser. * * * Ibn 'Arabi diz que as pessoas de intuição (ahli kashf) têm a compreensão de todas as tradições e estações. Elas possuem a verdadeira prova das estações divinas e dos estados de criação; a elas não falta conhecimento sobre nada; seu conhecimento abrange tudo. Seja com relação a Allah ou à criação, o ahli kashf não utiliza palavras vazias. Quando ele fala sobre um assunto, tem pleno conhecimento dele e então fala. Aquele que disse essas palavras conhece o grau, a
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estação do qual falou e de onde tirou essas palavras. Depois disso, ele não culpa ninguém que tenha dito palavras equivocadas; ele as desculpa e não as considera inúteis, pois Allah nunca criou algo inútil. Para um gnóstico chegar a esse estado, ele depende de muitas coisas. A primeira delas é o conhecimento que ele tem de todos os Nomes de Allah. Ele sabe que todos os graus e estações são necessários para esses Nomes e que todas as coisas são os pontos de manifestação desses Nomes. Ele sabe que o ponto de manifestação de qualquer dos Nomes Divinos está de acordo com a aptidão e habilidade para receber algo desse ponto. Allah concedeu a esse gnóstico o modo de interpretar os significados mais profundos ocultos nesses Nomes. Ele lê, ele compreende e ele expõe repetidamente. Consequentemente, ele pode incorporar tudo em seu ser. Seu sistema é amplo e abrange tudo. O profeta Muhammed diz: "Aquilo que me foi dado primeiro era jawâmi'-l kalim". Esse é o estado em que obtém muito significados a partir de poucas palavras. Se
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um homem alcançar isso, ele é o herdeiro do Profeta e terá alcançado a Verdade do Profeta, e podes entender o que é dito aqui conforme isso agradaria a Allah. * * * Ibn 'Arabi novamente diz: "Um gnóstico e um homem amadurecido — quando ele diz 'Ele', torna-se Ele. E se ele pronuncia isso no estado de Perfeição, o próprio falante não fica no meio, mas torna-se completamente 'Ele'. Esse é um dos mistérios do atingimento do estado de gnosis.’ ‘Ninguém conhece isso, e não houve alguém que tenha apontado isso. Por essa razão, reluta-se ou temese, pois há uma possibilidade de perigo. Isso é porque, nessa estação, a qualidade de imanência manifesta-se a partir do servo. Porque no momento em que o servo diz 'Ele', aquilo que ele estava falando por meio da língua do servo é a Força e o Poder Divinos". Vamos parar um pouco nessa frase, pois aqui há uma questão de imanência (takwîn). A própria qualidade
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de Allah de imanência é revelada no servo. O profundo significado dessas palavras é esse. Contudo, é necessário abrir mais do que se quer dizer e conduzir mais esse assunto em direção à realidade nessa estação. Sempre que uma pessoa que encontrou o grau de Perfeição diz "Ele", é esperado que todo o seu ser esteja perdido e enterrado na nãoexistência, e isso é morte. Mas isso é morte conforme o hadith: "Morre antes de morrer". O Homem Perfeito, quando realiza isso, morre com uma morte que é consequência de uma vontade e que dela depende. Ele se lança no oceano Dele, sem ter pé ou cabeça, sem ter qualquer traço do ser exterior ou interior nele. Lá ele está afogado, ele é aniquilado, e não restam mais nome ou sinal dele, e ele se torna Ele, porque a gota caiu no oceano e torna-se o oceano. O termo "Ele" e o oceano aqui mencionados são o Universo da Unidade, Amor, Ser Absoluto e Mar de Luz. O Profeta sempre utilizou a seguinte frase em sua prece, a qual nos concedeu para nos conduzir em
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direção à maturidade: "Allah, por favor, tornai-me Luz". Sem dúvida, ele era Luz, mas a prece está nessa forma para nos ensinar, porque a pessoa que se entrega a Ele é Luz. Entrega o ser a Allah; deixa o ser ser Allah imediatamente. Retira-te do meio e deixa aquilo que resta ser o amigo. * * * É surpresa que o homem que entrega seu ser a Ele deva tornar-se Ele?... Se o corpo morto de alguém caísse em um lago salgado, ele se tornaria sal, e o sal é puro. De acordo com isso, aqueles que, em conseqüência de uma morte
que
depende
de
uma
vontade
(irâda),
mergulharem no Seu Ser, que é como o mar de sal, e deixarem para trás seu próprio ser tornam-se Ele, tornam-se Luz e tornam-se puros. Esse acontecimento não é visto como algo muito distante: aqui quando dizemos "Ele", é Hu. O significado de Hu é "aquela
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pessoa" mas o que queremos dizer é “Unicidade de Allah” . Ou seja, a pessoa de gnosis considera tudo assim: todo Ser é de Allah, e o ser que está em mim também é de Allah. Então, ele lança todo o ser e seu próprio cerne no oceano da Unicidade de Allah e nem uma única coisa que não seja a Unicidade permanece. O que é necessário é isso. Aqui é necessário que aquele que se mantém no Nome hu saiba que o que se pretende é o Nomeado. Ou seja, quando ele diz "hu", que ele extinga a si mesmo e toda a existência no ser da Sua Unicidade; ou seja, no Nomeado, sem omitir nomes, imagem, tempo, lugar ou representação. É necessário que aquele que diz "hu" funda-se no Ser Total e ele próprio se torne "hu". Primeiro, Último, o que quer que existisse, era hu; Interior, Exterior, o que quer que existisse, era hu. O que desejamos explicar é que, quando esse significado é alcançado, não importa se o servo então diz
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"Ele" ou "Nós" ou Eles" ou até se ele quer dizer "Tu"; o que se quer dizer com tudo é a Sua Unicidade. Ibn Arabi diz assim: "O significado que se tentou transmitir aqui não foi sequer insinuado por muitos dos gnósticos, porque é necessário que seja assim". Então ele continua deste modo: "Há perigo aqui, e o maior é a possibilidade de o servo internalizar Allah. Quando ele diz 'Ele', a internalização da criação segue-se. Certas palavras desnecessárias entram no meio. A verdade do assunto é que, se aquele que diz 'Ele' não tiver alcançado um guia perfeito e não estiver maduro, pode cair em erro". Ou seja, se ele não tiver, da mão de um guia — aquele que for um verdadeiro portador da taça — bebido da taça do amor e não tiver alcançado a extinção na Unicidade de Allah, quando disser "Ele", estará falando
de
acordo
com
sua
própria
conjectura,
imaginação, entendimento e relatividade. Ele traz o Ser de Allah para a imaginação e dá-lhe uma forma, pois não se desnudou do ser e alcançou o Absoluto.
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Consequentemente, ele coloca Allah sob uma condição, de acordo com sua conjectura e imaginação, e desenha em torno Dele um limite; por isso, ele O terá internalizado e O inventado. Deste modo, ele se terá devotado a um criador que ele mesmo originou. É verdade, conforme o significado da frase "Eu sou de acordo com que os meus servos acreditam", que Ele tem uma face até no que Seu servo inventou, mas com a internalização do servo, Ele até entrou em sua conjectura e manifestou-se lá. Contudo, no que quer que seja, sempre existe um lado que é verdadeiro, pois não existe um único relativo no qual não exista uma face do Absoluto. Igualmente, não existe Absoluto no qual não haja uma face do relativo. Talvez, aquele que internaliza a si mesmo e inventa também seja Ele mesmo. Mas a ordem (hukm) é conforme a confiança do servo. Consequentemente, essa Deidade é relativa e não é a Deidade Absoluta. Essa é a sabedoria do dito: "Há perigo neste estado".
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O verdadeiro amadurecimento existe quando o servo diz "Ele", desnuda-se completamente de seu ser e alcança completa não-existência e extinção. Então, que ele não se prenda a nada por meio da especificação de uma tradição, conjectura ou condição... Que ele não se afaste das muitas direções por uma direção em especial. Assim é que, depois de tudo isso, ele se terá dedicado e oferecido devoção ao Senhor que é maior do que todas as Divindades, o Allah Absoluto. Do contrário, ele será o servo de um ídolo que é uma ilusão de sua própria imaginação.
"Não
viste
aquele
que
aceita
como
Divindade seu próprio desejo?" Ele se encaixa no aviso do verso do Corão e cai em perigo.
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Capítulo 8 Sobre a internalização (takwîn) As pessoas de Perfeição são aquelas que, prestando atenção à sua respiração, tornam-se como guardiões do Tesouro de seus corações. Que elas continuem como guardiões e não permitam que algum estranho entre. O Tesouro do Coração é a Biblioteca de Allah. Que ele não permita que pensamentos outros, senão os relativos a Allah, entrem. De acordo com: "As vias que conduzem a Allah são tantas quanto as respirações das criaturas", em cada respiração há uma via que termina em Allah. O que é apropriado ao homem de gnosis e lhe é necessário fazer é que ele tome cada respiração de Allah e Lhe devolva. É igualmente permitido interpretar esse sopro (nafas) como a alma (nafs). De acordo com isso, se o sopro ou a alma deixasse o homem, ela retornaria à sua origem. Ela não tem cor. Qualquer que seja o pensamento ou obra do
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servo, o sopro — ou alma — ocorre tingido com aquela cor e se expande sob aquela roupagem. Em qualquer caso, é necessário manter o coração puro das coisas que são impróprias à satisfação de Allah; é necessário purificá-lo de más lembranças. O coração do servo é o tesouro ou a biblioteca de Allah; o homem é seu guardião. Cada reflexão diferente de Allah é um ladrão e um bandido. É necessário fechar o caminho do coração contra eles. De fato, o hadith do coração é explicado como se segue: "O coração daquele que tem confiança é o ponto de revelação de Allah; o coração daquele que tem confiança é o trono de Allah; e o coração daquele que tem confiança é o espelho de Allah". Consequentemente, alguém que permita que esses tesouros sejam tomados por bandidos ou roubados por ladrões está numa situação difícil, pois então será considerado como traidor, e Allah não gosta de traidores, como expresso pelo seguinte verso do Corão: "Definitivamente, a Allah não gosta de traidores". Quando a luz de Allah está acesa no coração
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Os pés dos ladrões são cortados. * * * Os pensamentos que chegam à mente das pessoas que alcançaram a proximidade de Allah são como as palavras e atos que fluem abertamente entre as pessoas que não alcançaram essa proximidade. Elas também são responsáveis por pensamentos impróprios que chegam a seus corações. Um hadith diz que a pessoa que traz até o mais sutil dos pensamentos à sua mente é questionada sobre o pensamento com a mesma sutileza do pensamento em si, e muitas das ações positivas das pessoas que realizam ações positivas são consideradas como
erro
conforme
aqueles
que
alcançaram
a
proximidade. Na realidade, Allah não concorda que alguém mais, senão Ele mesmo, entre no coração de Seu servo. Porque esse é o ponto da Revelação Divina. Um hadith que explica isso é o seguinte: "O coração é uma kaaba divina.
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Quem permitir que pensamentos que não se refiram a Allah entrem lá preenche seu coração com ídolos". Embora Allah seja o criador de todos pensamentos, de
forma
idêntica,
o
servo
está
sujeito
ao
questionamento devido à sua própria desatenção. Mais uma explicação para esse assunto está oculta também no significado do verso do Corão: "Ele está em uma configuração diferente a cada instante". De acordo com
isso,
constantemente,
Allah
mostra
novas
revelações. Em cada revelação, há a ordem de Allah que desce sobre os servos. Ela chega para visitar seus corações. A ordem de Allah, ou seja, aquela revelação, é um visitante secreto. Ela vem de Allah e se aloja no coração do servo. Se, nesse instante, o coração do servo está pleno de Allah, esse visitante encontra-se com Allah nesse coração e une-se com a realidade presente no coração. Aqui citamos um hadith que explica ainda melhor: "Nem Minha terra nem Meus céus Me contêm, mas Eu caibo no coração que tem confiança". Esse é um
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hadith qudsi. Explicando seu significado, alguém que ama disse o seguinte: O coração é uma pérola que olha para a Allah. O coração é o ponto de manifestação do Nome e do Nomeado. O coração é um falcão, ou um pássaro miraculoso. O coração é o ser da Unicidade de Allah. * * * Da união desse visitante, que é a ordem de Allah, com a Realidade no coração, uma sagrada beleza aparece. A sabedoria nas palavras retorna a Allah e lá chega. Essa chegada e essa ida não se originam do lado do espírito; a descida é transcendente a partir de tudo; e a ida, igualmente, com um retorno transcendente. Nem a inteligência das esferas celestes nem a dos anjos alcança esse vir e ir. Se eles vissem algo, veriam somente uma luz transcendente a partir de tudo e não saberiam mais. Quando essa revelação, que é o visitante secreto, chega e o coração do servo está ocupado com a
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lembrança e com a meditação e o servo pensa em Allah, ele a recebe com o devido respeito. Quando essa revelação chega e não encontra pensamentos sobre Ele, mas encontra um anjo, de sua o união resulta uma imagem especial para os anjos. Isso então eleva-se pela via que o espírito toma até ele alcançar o
Extremo
Limite (sidrai-l muntahâ) e permanecer lá. Se esse visitante chega e, na chegada, encontra coisas demoníacas dessa vez, ele assume um estado que se parece com uma crise de febre. É quase como um pássaro que é negro. Ele passa pela estrada em que o demônio passa e continua. Ele só pode chegar até abaixo da lua. Para ele não há caminho além e ele espera até o dia do juízo final. Se esse visitante chega e imediatamente encontra uma beleza lá, imediatamente assume uma boa forma e uma boa imagem. Com um bom vôo, ele voa até o paraíso e encontra recompensa, conforme a natureza da forma que assumiu, e espera até que o dono chegue.
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Existem muito mais coisas que não precisam ser abordadas. Cada revelação que desce ao coração, com o que quer que ela seja introduzida, assume uma forma boa ou ruim e retorna ao lugar necessário. Portanto, para um homem receber bem e adequadamente essa revelação, é necessário que ele nutra bons pensamentos constantemente. * * * Um homem é essencialmente um abrigo divino. A Unicidade de Allah está em constante revelação, e verdadeiras ordens descem sobre o servo. Como sua descida é sem cor e sem forma, assim ela são, em si mesmas, também sem cor e sem forma. Contudo, Allah cria as revelações em cada cor e tipo e as crias de acordo com a cor do homem, sua tradição, seu interior e seu pensamento. O objetivo de fazer essas coisas é explicar a revelação da qualidade da presença da Realidade (haqq). A pessoa madura, em qualquer caso, não deve estar desatenta. Ela deve tentar retornar essa revelação divina como ela lhe chegou, sem forma ou dimensão, sem cor.
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A real questão é honrar e respeitar seus direitos e ser capaz de retorná-la exatamente como ela veio. Estejam no homem ou fora dele, todas as atividades, pensamentos, ações, tradições, imaginações e até todas as respirações tomadas, nem um átomo disso tudo vai para o nada. Cada ação, seja positiva ou errônea, possui uma habilidade e aptidão conforme ela própria, e cada uma assume uma forma de acordo com seu estado. E, no outro reino, elas aparecem nas imagens que receberam aqui. O possuidor dessas coisas e dessas ações, quando ele as alcança, conforme a imagem que ele lhes deu, encontra recompensa e mergulha no contentamento ou é ferido e sofre. Aquilo que é secreto aqui torna-se aberto lá. O significado do verso do Corão explica isso: "Se uma pessoa realizou o bem do tamanho de um átomo, verá isso; se ela realizou o mal do tamanho de um átomo, verá isso". * * *
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Ibn 'Arabi, continuando, diz o seguinte: "Allah criou Seu próprio Ser, mas as inteligências não puderam compreendê-lo. Porque essas mentes são de inteligências que pensam em coisas materiais. A inteligência que pertence a coisas materiais é defeituosa na compreensão de grandes coisas. Para ser capaz de compreender isso, é necessário ter uma inteligência que transcenda essas coisas e alcance adiante". Com efeito, dizer que Allah criou Seu próprio Ser de um ponto de vista exterior não parece adequado. Mas do ponto de vista do significado, igualmente, é verdadeiro e é um estado que reduz tudo a um estado de inabilidade. E o que nos é necessário é o significado. * * * Outro assunto importante que as inteligências não compreendem é este: quem falar uma palavra com relação a Allah dá a Ele uma imagem. Mesmo que se devote a isso, ainda assim se devota ao que se imaginou. Isso também é o próprio Allah e ninguém mais. Allah
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mostrou uma face no espelho do coração do Seu servo conforme sua compreensão. Agora estamos chegando ao verdadeiro assunto. Nesses casos de criar uma imagem ou pensamento, obviamente não é esse servo que criou a Allah; foi Allah que criou Seu próprio Ser. O criador de tudo é Allah; não há outro criador, senão Ele. Aquilo que aparece na confiança do servo também é do domínio das coisas que Allah criou, as quais, de fato, foram criadas também por Allah. Um dos significados profundos de: "Allah criou Seu próprio Ser" também é esse. * * * Existe uma coisa especial que deve ser conhecida e que vamos explicar: criação, surgimento, invenção, fabricação e internalização — tudo aponta para o mesmo significado. Mesmo que cada um deles tenha uma ligeira diferença de significado, todos chegam ao mesmo ponto. O que se quer dizer com todos eles é a manifestação e a revelação de Allah.
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Outro significado que deve ser dado a todos eles é o seguinte: Allah criou Seu próprio Ser. Conforme a conjectura do servo pensante e de acordo com seu pensamento, Ele manifesta Seu Ser. Eis um exemplo: alguém põe um espelho à sua frente e cria seu ser lá, o vê e o conhece. Há um prazer especial para a pessoa olhar e ver a si mesma no espelho. Por essa razão, a Allah criou este universo e Adão e os tornou Seus espelhos. Mas isto é importante: no espelho do universo, Ele vê Seu reflexo e, no espelho de Adão, Ele olha para Si mesmo exatamente e vê a Si mesmo. Aqui o que se quer dizer com "Adão" é o Homem. O que se quer dizer com "Ele criou o universo e Adão e os tornou seus espelhos para Seu Ser" é: Ele manifestou a Si mesmo como um espelho. Ele apresentou
Sua
Beleza
nesse
espelho
para
Sua
Unicidade. Fazendo isso, Ele tornou-se Aquele que Vê. A partir da outra face, Ele se tornou o Amado e Ele iniciou um impulso. Ele apresentou novamente Sua
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Beleza a Si mesmo e revelou a Si mesmo: aqui o que vê , o visto, a vista e o espelho são a mesma coisa. * * * O Homem Perfeito é um espelho tão puro, limpo e absoluto que Allah, que é Beleza Absoluta, vê Sua Unicidade incondicionalmente nele. O espelho do Homem Perfeito está de acordo com a revelação de Allah. A revelação que acontece em outros está de acordo com a imaginação do servo, sua capacidade de receber e sua aptidão. Allah fala da verdade e guia para a reta senda. * * * Ibn Arabi, ao final de seu Fusus al Hikam, utilizou determinadas palavras. Porque isso está associado com o nosso assunto, vamos considerar algumas partes aqui. Em resumo, Ibn Arabi diz: "Allah em cuja existência se acredita é a Divindade construída de acordo com a conjectura do servo. Essa é uma qualificação que o servo conjecturou a partir de si mesmo e à qual ele se devota.
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Ele coloca Allah em sua própria moldura estreita. Assim, ele condena a tradição de alguém que não esteja de acordo com a sua própria. A razão disso não é que isso não se ajuste à vontade de Allah, mas é que isso não se ajusta à sua própria conjectura. Se ele fosse tolerante, não agiria assim. Agindo assim, o servo produziu para si mesmo uma deidade particular e condena todos os que não concordam com ele, porque ele é ignorante. Se ele tivesse compreendido o significado do que Junaid, de Bagdá, disse: “A cor da água é a cor do seu recipiente”, ele não teria discutido com ninguém mais. Ele se teria tornado um gnóstico que aceita as tradições de todos. Ele teria visto e reconhecido a revelação de Allah em qualquer imagem. A pessoa que imagina uma deidade particular simplesmente faz uma conjectura. Ela não é nem conhecedora nem gnóstica. Por causa disso, Allah disse: “Eu estou de acordo com a conjectura do Meu servo”. O significado disso é: Eu me torno do modo em que Meu servo pensar em Mim, seja o Absoluto, seja o relativo.
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Allah, para quem sustenta diferentes tipos de tradições, é definido, limitado e quantificado. A Divindade que se ajusta ao coração do servo é aquela; ou seja, uma face da revelação de Allah, e não é outra Divindade. Contudo, a Divindade que é o Absoluto tem Majestade (jalâl), e nada mais há que se possa encontrar, exceto isso, e Ele não se ajusta a nada, nem mesmo ao coração. Como se ajustaria se Ele é o mesmo que tudo? Não há outra Unicidade, e Ele é o mesmo que o coração. Não é sequer permitido dizer se Ele se ajusta ao Seu próprio Ser ou se não. Pensa no assunto de acordo com isso e compreende". * * * É necessário mencionar um exemplo, para que o que explicamos acima possa ser facilmente compreendido. Se fôssemos olhar uma pessoa amada e 100.000 espelhos fossem colocados ao seu redor, 100.000 vezes seria vista a pessoa amada; mas, na verdade, ela é uma só. Igualmente, nesses espelhos, conforme a aptidão de cada
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um, em alguns, ela apareceria brilhante; em alguns, triste;
em
alguns,
reta;
em
alguns,
distorcida.
Consequentemente, se um homem visse a face de sua amada em um espelho e negasse os outros espelhos, não seria um gnóstico. Aquele que é gnóstico reconhece cada um. Em qualquer espelho ele a vê, ele afirma e talvez até a veja sem um espelho. A quantas centenas de milhares de olhos estava visível esta imagem evidente. Novamente Ele mesmo desejou Sua própria Beleza. Não é necessário explicar mais além desse exemplo. O possuidor de gnosis, quanto mais ele pensa e tem prazer no sabor, mais exemplos pode encontrar. Vamos dar outro exemplo: se um homem ficasse em um lugar escuro sem ver a luz do sol e, um dia, se nos lados desse lugar fossem colocados vidros de muitas cores e formas, quando o dia chegasse, cada um desses vidros seria atingido por uma luz diferente. Conforme a
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luz atingisse um vidro diferente, ela entraria no espaço com uma cor diferente. Então o homem discutiria que aquela cor do sol é verde, vermelha, etc. e estaria perdido na ilusão e na imagem. Mas o gnóstico conhecerá
a
realidade
do
assunto
e
decidirá
adequadamente. Ele sabe que a cor da água é a cor do recipiente e sabe que o que ilumina tudo é a luz de Allah. Corão: "Allah tem a luz da terra e dos céus". Isso explica a situação adequadamente. Conforme o gnóstico, o que é visto nos espelhos de dois reinos é uma face. Embora seja assim, cada gnóstico alcançou uma perfeição. Alguns deles dizem: "No fim disso tudo, nada há em que eu não veja a Unicidade de Allah". Outro grupo diz: "Nada há dentro do qual eu não veja a Unicidade de Allah". Outro grupo diz: "Eu O vejo antes de tudo o mais". Ainda outro grupo diz: "Somente Allah". Um determinado grupo de gnósticos diz: "Somente Allah vê Allah".
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Com relação à visão, cinco formas ocorreram. O gnóstico, depois de ter reunido todas essas cinco em si mesmo, descobre que cinco outras coisas acontecem, a explanação das quais não é conveniente aqui, e revelálas é até proibido. Aqueles que quiserem descobrir, que se prendam à barra de um Perfeito e lhe perguntem, porque: "Aquele que não provou o sabor não pode conhecer"; essa é uma condição necessária. O resto não pode ser explicado por escrito. É isso. Paz. Allah é o único que auxilia. Com o auxílio de Allah isso agora chegou ao fim.
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A tradução deste tratado de Ibn ‘Arabi, intitulado Lubbul Lubb, foi realizada pelo Grupo de Tradução Garbha, a partir da tradução para o inglês The Kernel of the Kernel (Beshara Publications). Brasília (DF) – Brasil/2009
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