O HINO DA
VESTE DE GLÓRIA (O Hino da Pérola)
Com notas de G. R. S. Mead
Publicações Garbha
O Hino da Veste de Glória Este texto é uma tradução para o português da tradução inglesa feita a partir do grego por George R. S. Mead e publicada em seu Fragments of a Faith Forgotten. Seu nome original perdeu-se, mas Mead o nomeou O Hino da Veste Glória . Ele também recebe os nomes de
Hino da Pérola, Hino da Alma e Canção da Libertação. A cópia do texto original em siríaco está em um único manuscrito, no Museu Britânico, que contém uma coleção das Vidas dos Santos e foi datado em 936 dC. Este hino se encontra na tradução siríaca do Atos de Judas Tomé, o Apóstolo, em grego, mas nada tem a ver com o restante da coleção. Considera-se que seja um texto independente incorporado pelo compilador sírio. A autoria deste texto é atribuída ao gnóstico sírio Bardesanes (155-233 DC) ou a algum de seus seguidores. Segundo Mead, Bardesanes, ou Bar-daisan, foi chamado “o último gnóstico”, considerando-se o Gnosticismo como um movimento específico no tempo. Nasceu e viveu em Edessa, na Síria, onde foi criado com um príncipe que depois ascendeu ao trono e, influenciado por Bardesanes, estabeleceu o primeiro Estado cristão. Era um grande estudioso da religião indiana e escreveu um livro sobre o assunto. Escreveu muitos livros em siríaco e em grego, mas mesmo os títulos de muitos deles se perderam. Sua obra mais famosa foi uma coleção de 150 hinos ou salmos, que se tornaram muito populares não só no reino de Edessa, mas onde a língua siríaca era falada.
Hino da Veste de Glória (ou Hino da Pérola)
Quando eu era menino, E, morando em meu reino, na casa de meu Pai, E com a riqueza e a glória Dos meus guardiões eu me deleitava, Do Oriente1, nosso lar, Meus pais, tendo-me equipado, enviaram-me. Da riqueza de nosso tesouro2 Para mim prepararam uma carga. Grande era, porém leve, De modo que sozinho eu poderia carregá-la — Ouro de Beth-Ellaye3, Prata da grande Gazzak, Rubis da Índia E ágata da terra de Kushan.
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Ou o Pleroma ou a Ogdôade, os reinos espirituais. Termo técnico gnóstico. 3 Beth-Ellaye (Wright). É muito provável que todos os nomes de país e cidade, alguns dos quais Bevan havia omitido por ter muitas dúvidas, são substitutos para estados ou regiões dos planos superiores. A identificação de alguns deles confundiu completamente os estudiosos, e a identificação do resto é, na maior parte das vezes, insatisfatória. Sem dúvida, Bardasain, ou seu filho Harmonius, ou qualquer seguidor de Bardesanes que tenham escrito o poema conhecia bem as rotas das caravanas da Índia para o Egito e usou esse conhecimento como base, mas o todo é alegórico. (Excelente trabalho de interpretação sobre esses versos foi feito por estudiosos alemães.) 2
Cingiram-me com o diamante4 Que até o ferro pode cortar. De mim retiraram minha brilhante veste, Que em seu amor para mim moldaram, E meu manto púrpura, que Foi medido e tecido segundo minha estatura. Comigo um pacto fizeram e em meu coração o inscreveram, para que esquecido não fosse:
“Se ao Egito5 fores e trouxeres a pérola6 que no centro do mar7 está, próxima a uma serpente de sibilante alento 8, poderás usar tua veste9 e por cima teu manto e com teu irmão, nosso seguinte em hierarquia 10, de nosso reino ser o herdeiro.”
Deixei o Oriente [e] desci E, junto comigo, dois mensageiros, Pois o caminho perigoso e difícil era, 4
Um símbolo, provavelmente, da mente-corpo, ou veste. O corpo, um termo técnico comum a muitas escolas gnósticas. 6 A gnosis. 7 Da matéria grosseira e sutil. 8 Talvez a essência elemental ou animal na matéria. 9 Duas ou mais vestes do Self, do qual havia três. 10 Seguinte em hierarquia à Mãe e ao Pai. 5
E eu era jovem para percorrê-lo. Cruzei as fronteiras de Maishan, O ponto de encontro dos mercadores do Leste, Alcancei a terra de Babel E as muralhas de Sarbug11 adentrei. Desci para o Egito, E de mim meus companheiros se separaram. Dirigi-me diretamente à serpente E próximo à sua morada permaneci até que se aquietasse e adormecesse12 e tomar-lhe a pérola eu pudesse. Quando isolado e solitário eu estava Um estranho entre aqueles com quem habitava, alguém da minha raça, um homem nascido livre e oriental, lá vi, um belo e discreto jovem, . . . . ... e ele veio e a mim se associou, e eu o tornei um íntimo amigo, um companheiro com quem minha mercadoria partilhei. Eu o alertei contra os egípcios 11 12
Sarbug (Wright). Esses são, aparentemente, vários planos ou estados. A serpente, presumivelmente, são as paixões que pertencem à essência elemental.
e contra o consórcio com o impuro. Com suas roupas vesti-me, para que não me insultassem porque de longe vim para tomar a pérola e contra mim a serpente atiçassem. Mas, de um modo ou de outro, perceberam que conterrâneo seu eu não era e traiçoeiramente me trataram. Além disso, alimento me deram para que eu comesse. Esqueci que um filho de reis era e ao seu rei servi. A pérola, pela qual meus pais me enviaram, esqueci e, por causa do fardo de suas ... em profundo sono caí13. Mas todas essas coisas que me ocorreram Meus pais perceberam e por mim se afligiram. Em nosso reino uma proclamação foi feita 13
É possível que acima uma peça real da biografia tenha sido inserida ao poema? Estou inclinado a pensar que sim. Pode até ser uma página perdida da vida oculta do próprio Bardesanes. Ansioso por penetrar nos mistérios da gnosis, ele se associa a uma caravana ao Egito e chega a Alexandria. Lá encontra um amigo na mesma busca que ele próprio. Bardaisan, antes de tudo, tem o infortúnio de cair nas mãos de alguma escola de magia ligada aos sentidos e oportunista e se esquece por um tempo de sua real busca. Somente depois de amargas experiências, obtém a instrução que procurava na iniciação da escola valentiniana. Naturalmente, essa especulação é feita com toda hesitação, mas não é impossível nem improvável.
De que todos ao nosso portal deveriam ir. Reis e príncipes da Pártia e todos os nobres do Oriente. Um plano em meu favor elaboraram, para que no Egito eu não fosse deixado, e uma carta para mim escreveram. Nela cada nobre seu nome14 assinou:
“De teu pai, o Rei dos Reis, de tua mãe, a soberana do Oriente, e de teu irmão, nosso segundo [em hierarquia], a ti, nosso filho que estás no Egito, saudações! Acorda e levanta de teu sono E ouve as palavras de nossa carta! Recorda-te de que és um filho de reis! Vê a escravidão, a quem serves! Lembra da pérola pela qual foste enviado ao Egito! Pensa em tua brilhante veste e lembra do teu glorioso manto, que deverás vestir como adorno quando na lista dos destemidos tiver sido lido teu nome , e com teu irmão, nosso [seguinte na hierarquia?] 14
Nomes são poderes. Compare a belas passagens como “Vem a nós” na Canção dos Poderes de Pistis Sophia.
serás [rei?] em nosso reino.”
Minha carta (era) uma carta que com sua própria mão direita o rei selou [para guardá-la] dos maldosos, os filhos de Babel, e dos selvagens demônios de Sarbüg15 Ela voou com a aparência de uma águia,16 o rei de todos os pássaros. Ela voou, pousou ao meu lado e transformou-se completamente em fala. Com sua voz e o som do farfalhar de suas asas, Sobressaltei-me e de meu sono despertei. Eu a apanhei e a beijei, Rompi seu selo e a li. Conforme o que em meu coração estava inscrito As palavras de minha carta escritas estavam. Lembrei-me de que era um filho de reis, E minha alma livre ansiou por seu estado natural. Lembrei-me da pérola pela qual ao Egito enviado havia sido 15 16
Sarbüg (Wright). A descida do Espírito Santo ou consciência espiritual.
e comecei a encantar a terrível serpente de ruidoso alento. Eu a coloquei para dormir e até que dormisse a ninei, pois com o nome de meu pai e com o nome de nosso segundo [em poder] e com o da minha mãe, a rainha do Oriente, eu a nomeei. 17 A pérola arrebatei e dirigi-me de volta à casa de meu pai. De seus trajes imundos e impuros me desvesti e em seu país deixei18 e encaminhei-me direto para chegar à luz de nossa casa, no Leste. Minha carta, aquela que me despertou, diante de mim na estrada encontrei. Como ela com sua voz me despertou, também com sua luz guiava-me. .................................................... Brilhou à minha frente com sua forma E, com sua voz e orientação, 17 18
Os nomes do Pai, Filho e Espírito Santo, ou seja, os poderes dos princípios imortais no homem. Ele deixou seu corpo para trás em êxtase, durante a iniciação.
Encorajou-me também a me apressar E com seu amor fez-me avançar. Fui adiante, passei por ... À minha esquerda19 Babel deixei E cheguei à grande Maishān, O refúgio dos mercadores, Que à beira-mar se situava. Minha veste brilhante, que eu havia desvestido, E o manto no qual ela estava envolvida, Dos cumes de Hyrcania (?), Para cá meus pais enviaram Pela mão de seus tesoureiros, Que por sua lealdade em sua confiança poderiam tê-la. Como não me lembrava de sua forma, Pois na infância a deixei na casa de meu pai, Subitamente, quando à minha frente a vi, A veste pareceu-me como um espelho de mim mesmo.20 Eu a vi integralmente em mim próprio, Mais ainda, vi-me integralmente nela. Pois éramos dois em distinção, 19
Ele vai “à direita” como todos os iniciados nos Mistérios Órficos e outros. Compare o logos: “Como cada um de vós vê a si mesmo no espelho, que veja a Mim em si mesmo”. — Besch, Agrapha (Texte u. Untersuchungen, Bd. V., Heft 4), 36 b, e As Others Saw Him, p. 88. 20
Contudo unos em semelhança. Também os tesoureiros Que para mim a trouxeram do mesmo modo eu vi Serem dois (contudo) unos em semelhança.21 Pois neles uma insígnia real estava gravada, Pelas mãos daquele que me restituiu, por meio deles, Meu tesouro e minha riqueza. Minha brilhante veste bordada, Que ... com gloriosas cores, Com ouro e berilos E rubis e ágatas e sardônicas de variados matizes Também foi preparada em sua casa no alto, e com diamantes unidas foram todas as suas costuras. A imagem do Rei dos Reis Em toda ela estava plenamente estampada,
E como a pedra da safira, Seus matizes também eram variados. Vi também que, em toda a sua extensão, 21
O mistério da sizígia: compare a estória da infância em Pistis Sophia.
Ativos estavam os princípios do conhecimento 22 E, como se fosse falar, estava preparando-se também. Ouvi o som de seus tons, Que ela declarou àqueles que a trouxeram para baixo (?) Dizendo:
"Eu sou aquilo que está ativo nas ações 23 que eles criaram para ele (?) na presença de meus pais e também percebi em mim mesma que minha estatura cresceu conforme suas obras." 24 Com seus majestosos movimentos, Estendeu-se inteiramente na minha direção25 E, das mãos de seus doadores, Apressou-se para que eu a tomasse. A mim também o amor instou a correr para encontrá-la e recebê-la. Estendi-me e a recebi, Com a beleza de suas cores adornei-me E com meu manto de brilhantes cores Envolvi-me completamente 22
Gnosis. A veste em Pistis Sophia contém todas os "conhecimentos" (γνωσειξ). "Eu sou aquilo que está ativo nas ações". (Wright) 24 O corpo "causal" ou veste que constitui o Eu superior. 25 "Derramou-se inteiramente sobre mim" (Wright) — a mesma comparação que é utilizada várias vezes no Códice Askew. 23
Em toda a sua extensão. Vesti-me com ela e ascendi Ao portão de saudação e prostração. Minha cabeça curvei e prostrei-me À Majestade26 de meu pai, que a Enviou para mim, Pois cumpri suas ordens E ele, por sua vez, realizou o que havia prometido. E no portal de seus príncipes Uni-me aos seus nobres, Pois ele se regozijou comigo e me recebeu. E eu estava consigo em seu reino e com a voz . . . Todos os seus servos o glorificaram. E ele prometeu que também ao portal do Rei dos Reis com ele eu deveria apressar-me e, trazendo meu oferecimento e minha pérola, eu deveria apresentar-me com ele perante nosso Rei.
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Este parecer ser diferente do próprio pai e assunto dos terceiros e quartos versos a partir do fim.