TRF3 determina que Bolsonaro entregue exames

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AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010203-13.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE AGRAVANTE: UNIÃO FEDERALAGRAVADO: S/A O ESTADO DE S.PAULO Advogados do(a) AGRAVADO: ANDRE CID DE OLIVEIRA - SP351052, AFRANIO AFFONSO FERREIRA NETO - SP155406-A OUTROS PARTICIPANTES:

DECISÃO

Agravo de instrumento interposto pela UNIÃO contra decisão que, em ação ordinária, concedeu a liminar à parte contrária para determinar que a recorrente apresente os laudos dos exames a que foi submetido o Senhor Presidente da República para a detecção do COVID-19, sob pena de multa fixada em R$5.000,00 por dia de omissão injustificada (Id. 31594445 dos autos originais). Aduz-se, em síntese, que: a) foi deferida a tutela de urgência à parte contrária para determinar que a recorrente apresente os laudos de todos os exames realizados pelo Senhor Presidente da República para a detecção do COVID-19, sob pena de multa; b) em cumprimento à ordem judicial, juntou aos autos o relatório médico emitido em 18 de março de 2020 pela Coordenação de Saúde da Diretoria de Gestão de Pessoas da Secretaria Especial de Administração da Secretaria-Geral da Presidência da República; c) o atestado, com fé pública, afirma que o Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é monitorado pela equipe médica da referida coordenação desde o seu desembarque em dia 11.03.2020 quando chegou dos Estados Unidos da América e, não obstante se encontrasse assintomático, se submeteu ao exame para detecção do COVID-19 nos dias 12 e 17 de março, cujo resultado foi não reagente (negativo) e, portanto, não oferecia risco de contágio ou disseminação a outrem;

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d) o documento apresentado é dotado de fé pública, de modo que não pode ser recusado, na forma do artigo 19, II, da CF, de maneira que, ainda que se considere parte ilegítima, cumpriu a ordem judicial, motivo pelo qual requer a extinção do feito pela perda superveniente do objeto, nos termos do artigo 485, IV, do CPC; e) o interesse discutido no feito é exclusivamente jornalístico, pois, no desempenho de sua função, que é de interesse público, o Sr. Presidente diariamente a exerce de forma regular, como se pode constatar dos veículos de comunicação; f) o agravado não tem legitimidade ativa para impugnar ou reclamar direitos de pessoas que teriam sido supostamente colocadas em risco ao terem se aproximado do Presidente, dado que somente o indivíduo que se sentisse ameaçado poderia questionar tal conduta, de modo que é carecedor de ação ante a falta de interesse de agir e evidente ilegitimidade para tal pleito; g) a ilegitimidade passiva também é clara, pois não cabe ao ente público entregar documento que diz respeito a terceira pessoa e, em consequência, violar a intimidade do Exmo. Presidente da República, o qual não é órgão integrante da Presidência da República, a teor do artigo 2ª da Lei nº 13.844/2019, razão pela qual a ação deve ser extinta, sem resolução do mérito; h) estão ausentes os requisitos legais e autorizadores da tutela de urgência pleiteada, uma vez que, com a sua concessão, haveria esgotamento do objeto da ação, dado que a providência requerida em sede de cognição final é idêntica àquela solicitada em liminar, o que faz incidir a vedação do artigo 1.059 do CPC c/c artigo 1º da Lei nº 8.437/92; i) eventual decisão de procedência somente poderá ser executada após o seu trânsito em julgado, de modo que se deve aguardar a ampla defesa, à vista da impossibilidade de reversão da medida, caso seja improcedente a demanda; j) não há obrigatoriedade legal no fornecimento da informação exigida pela parte contrária e, portanto, a ação cominatória não pode ser utilizada à proteção do direito pleiteado; k) nem mesmo os princípios da publicidade, transparência e moralidade permitem que a notícia requerida seja disponibilizada ao público em geral, dado que o artigo 31 Lei de Acesso à Informação (LAI) determina que a utilização de informações pessoais deve respeitar a intimidade e a privacidade; l) o pedido da agravada não se ajusta nenhuma das hipóteses de exceção do §4º do mencionado dispositivo da LAI, de maneira que é ilegal e inconstitucional (artigo 5º, X, da CF); m) o exercício de um cargo público pode flexibilizar alguns direitos personalíssimos, mas jamais fulminá-los, pois são preservados o direito privacidade, a intimidade e o direito de que os exames sejam acobertados pelo sigilo em face de mero interesse jornalístico;

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n) em ação similar ajuizada no Distrito Federal destinada a levantar informações, estabelecer e definir a política pública de saúde, o próprio magistrado ressalvou que a divulgação de dados médicos de pacientes era resguardada por sigilo; n) considerado o pouco tempo que a agravante teve para o cumprimento das decisões judiciais, o exercício regular do contraditório e da ampla defesa foi sobremaneira dificultado, sobretudo pela sensibilidade da questão (artigo 5º, LV, da CF); o) pleiteia a tutela de urgência, à vista do periculum in mora, decorrente do prazo de 48h para apresentar os laudos de exames do COVID-19 a que foi submetido o Presidente da República. Por fim, requer sejam acolhidas as preliminares alegadas e, subsidiariamente, provido seu recurso. É o relatório. DECIDO. A questão objeto deste agravo trata de pedido de empresa jornalística para que a União apresente laudos de todos os exames a que foi submetido o Senhor Presidente da República para detecção do COVID-19. Os parâmetros da democracia brasileira estão estabelecidos na Constituição de 1988. Especificamente para o direito de informar, direito de ser informado e acesso à informação, relevante citar o artigo 5º, inciso X, XIV, E LXXII, artigo 37, § 3º, artigo 216, § 2º, e artigo 220, caput e §1º, extraindo-se que são regra, apenas limitadas como exceção no que tange à intimidade. No campo legal, em primeiro plano a Lei nº 12.527/11 sobre o acesso a informação (Sunshine law). Nunca é demais enfatizar o papel que a imprensa tem nas democracias. Nenhum Estado pode se dizer democrático sem que ela exista e seja livre. Também é certo que os cidadãos só podem exercer seus direito, desde que conheçam as ações do Estado e o que ocorre na sociedade. De outro lado, é de suma importância que a esfera íntima de cada indivíduo seja respeitada acerca de ingerências e abusos do próprio Estado. Um primeiro aspecto do recurso da União é de que a demanda teria mero interesse jornalístico. Como já se salientou, à vista dos postulados da nossa Constituição, o direito de informar tem interesse público e que não é de menor importância, uma vez que se refere à saúde do Senhor Presidente da República, agente político máximo, no contexto de uma crise sanitária excepcional. Quanto à ilegitimidade ativa e falta de interesse de agir, a função da imprensa é informar fatos relevantes para a sociedade. Só por isso, a ação se justificaria. Quando se trata de uma autoridade de tamanha importância, cuja higidez física e mental é indispensável para o exercício do cargo do qual todos os brasileiros dependem, não há como se negar a utilidade da informação, legitimando qualquer meio de comunicação

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obtê-la. Se não bastasse, o conhecimento da saúde do Sr. Presidente é fundamental, à vista de suas funções, que demandam que circule, se locomova e tenha contato com cidadãos, num panorama de pandemia. Relativamente à ilegitimidade passiva da União, em princípio também não prospera. Todos os documentos que se relacionem ao conjunto de atos e condições de agente público político, no caso o Chefe de Estado e de Governo, não são só relevantes para a história do país, mas constituem o acervo inalienável da nação. Integrante do Poder Executivo, no topo da estrutura hierárquica, ou como representante máximo do Estado, dentro do arcabouço constitucional da organização política do Brasil, a União o congrega. A invocação da intimidade, privacidade e caráter personalíssimo da informação não se afigura plausível na espécie. O artigo 31, § 1º, inciso V, e § 4º, da Lei de Acesso a informação autoriza a obtenção dos exames médicos. As informações pessoais podem ser liberadas, sem consentimento do interessado, quando necessárias ao interesse público e geral preponderante. Anteriormente foi ressaltado que, num ambiente de pandemia, dada a importância do cargo que ocupa para todos os brasileiros e das consequências que contatos pessoais podem provocar, é de sumo interesse público que os cidadãos conheçam as condições médicas do Senhor Presidente. Aduza-se que o autor da ação, na petição e nos documentos que juntou, sublinha a viagem que o Senhor Presidente fez aos Estados Unidos, já em época de pandemia, e que integrantes da comitiva foram infectados pelo COVID-19. Também é fato que o Senhor Presidente, em rede social, fez menção ao assunto, afastando qualquer ideia de que queria manter em sigilo sua condição médica. Embora se entenda que, de maneira geral, a transparência, publicidade devem nortear os assuntos relativos ao Sr. Presidente da República, a situação de pandemia, pela gravidade que tem, inclusive reconhecida pela Lei nº 13.979/20, exacerba a necessidade e urgência da divulgação à sociedade dos exames médicos, para que não pairem dúvidas sobre a condição física da autoridade. Aliás, outras autoridades revelaram com documentação seu estado de saúde. Ademais, a empresa jornalística demonstra que requereu a informação inúmeras vezes e não foi atendida. A urgência da tutela é inegável, porque o processo pandêmico se desenrola diariamente, com o aumento de mortos e infectados. A sociedade tem que se certificar que o Sr. Presidente está ou não acometido da doença. Não convence, outrossim, o caráter satisfativo da medida, dado que o ocultamento da informação em nada tranquilizaria a população. A revelação, de outro lado, seja qual for, daria às demais autoridades e aos cidadãos o conhecimento do estado do Sr. Presidente, cuja integridade física em mental é do maior interesse à nação. Ressalte-se, a propósito, a respeito da concessão de tutela contra o poder público, a lição do Ministro Celso de Mello na medida cautela da Reclamação 15.401, ao examinar o artigo 1º da Lei º 9494/91:

O exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidencia que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não

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pode deferi-la nas hipóteses que importem em: (a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas. (grifei)

No Agravo de Instrumento nº 5007842-23, acentuei que, antes mesmo da citação, a União se manifestou sobre a pretensão do autor, previamente ao deferimento da tutela. Acresça-se que o Presidente deste TRF – 3ª Região negou a suspensão da decisão liminar (Proc. nº 5010220-49). Cumpre esclarecer que o pedido da ação é de obtenção de exames e não de relatório sobre exames e a liminar assim foi deferida. Na verdade, os médicos da Presidência reportam o resultado de exames realizados por outrem. Apenas os próprios exames laboratoriais poderão propiciar à sociedade total esclarecimento. A ação proposta pelo Distrito Federal contra a União (101579718.2020) para compelir a segunda a fornecer a lista de pacientes como sorologia positiva para Coronavirus em nada se confunde com a retratada na ação objeto de recurso: partes distintas, finalidades diversas. Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo requerido. Intime-se com urgência. Dê-se vista ao agravado para contraminuta.

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