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PORTO ALEGRE, SEGUNDA-FEIRA, 20/06/2005
REPORTAGEM ESPECIAL
ZERO HORA
Entrevista: Francisco de Oliveira, sociólogo e fundador do PT
“Lula quer se livrar da tutela do PT’’ MOISÉS MENDES
Guru da esquerda do partido, o sociólogo Francisco de Oliveira foi um dos primeiros notáveis petistas a se desiludir com o governo. Fundador do PT, desfiliou-se da sigla em dezembro de 2003 anunciando que preferia preservar “a missão intelectual de exercer a crítica”. Oliveira, 71 anos, foi convidado por Luiz Inácio Lula da Silva, na montagem do governo, a escolher um cargo em Brasília. Recusou-se e apenas cobrou que o PT cumprisse o programa. Professor aposentado de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), é coordenador executivo do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da mesma instituição. Nesta entrevista por telefone, ele diz que a crise provocada pelo escândalo do mensalão tirou do PT o charme do partido que trouxe um sopro de ética para a política. A seguir, os principais trechos da entrevista: moises.mendes@zerohora.com.br
Agora começa a coabitação. O PT e o governo só governaram até agora com o consentimento da oposição e cada vez mais só vai se mover com esse consentimento. O que vem aí é uma reforma ministerial para ampliar os espaços do PMDB e do PP e reduzir a importância do PT. Essa é a coabitação. Vamos ter um quadro político bastante medíocre. O PT não governa mais. ZH – Por que o PT não governa mais? Oliveira – Com a saída de José Dirceu, o PT não vai mais governar. Quem vai governar é uma coalizão na qual parte dela é visível e parte invisível. O próprio presidente Lula vem demonstrando que está incomodado com seu partido. Ele nunca gostou da esquerda do PT e agora tenta se livrar da tutela do partido. Lula acha que o PT cerceia os movimentos do governo, que o PT tem ministros demais. E, se a corrupção for confirmada, isso vai mostrar que parte do PT se movia com autonomia em relação à Presidência da República.
Zero Hora – Qual é o cenário ZH – Lula não fica com imacom a saída de José Dirceu da gem de omisso se não sabia de Casa Civil? Francisco de Oliveira – Com nada? Oliveira – Ele já era uma espéessa crise, o governo Lula acabou.
MIRO DE SOUZA, BD/ZH – 20/10/2003
(Cristovam Buarque), que tinha um programa que era menina dos olhos do partido (o programa Brasil Alfabetizado), conversou duas vezes com o presidente. E ele era o ministro da Educação, não era o ministro da Pesca.
ZH – Por que Lula perdeu contato com petistas históricos? Oliveira– Claramente, ele pendeu para outra dependência. Esse pessoal mais à esquerda nunca mandou em nada (refere-se ao exministro José Graziano, que coordenava o programa Fome Zero e O PT deu uma virou assessor de Lula, e ao ex-assessor especial Frei Betto, que saiu espécie de sopro do governo). É uma gente muito ético à política ética, interessada apenas na lealdade, que se preocupava em proteger brasileira. Isso o presidente. Mas o lado que prenão existe mais. valeceu foi o pragmático, da turma do Dirceu, com o lado econômico. O lado econômico, que concentra e não libera verbas para outras cie de rainha da Inglaterra, reinava áreas, é imune a qualquer coisa mas não governava. Ele tem uma que venha do lado político. certa inapetência pelo cotidiano do ZH – O que o senhor espera governo, de despachar, de controlar ministros. Lula nunca se dedicou a da reforma ministerial? Oliveira – Nas especulações da fazer política. A parte política do governo se movia com total auto- reforma ministerial, apareceu a exnomia com o pessoal do PT, o pre- travagância de que o Palocci (misidente, o secretário-geral, o tesou- nistro Antonio Palocci, da Fazenreiro. O ex-ministro da Educação da) iria para a Casa Civil. A eco-
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nomia estaria colonizando a política. Isso pode não ter fundamento como especulação, mas o simples fato de que a hipótese é considerada já mostra a extravagância. Isso também é coabitação. Para a Fazenda, iria o senhor Murilo Portugal, que é um tucano. Seria uma forma de deslocar Palocci e manter a economia imune aos problemas da política. Mas o governo já tem no Banco Central o senhor Henrique Meirelles. ZH – O senhor está mais frustrado por causa da crise do mensalão? Oliveira – Frustração eu não tenho, porque nunca participei de estruturas internas (de comando) do PT. Eu tenho nojo. Tenho nojo ao ver que as piores práticas da política tradicional no Brasil continuam sendo levadas a cabo por um partido que ajudou no processo de redemocratização e deu uma espécie de sopro ético à política brasileira. Isso não existe mais. Algum aliado pode levar o PT a sério? O Roberto Jefferson mostrou que o jogo é este e que em algum momento o jogo falha. Jefferson mostrou que ninguém mais vai acreditar nas palavras dos dirigentes do PT. Eles também estarão sob suspeita.