Sentença por trabalho análogo à escravidão na Serra

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Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

Ação Trabalhista - Rito Ordinário 0020515-36.2023.5.04.0512 Tramitação Preferencial - Trabalho Escravo

Processo Judicial Eletrônico Data da Autuação: 24/04/2023 Valor da causa: R$ 928.957,97 Partes: RECLAMANTE: RODRIGO VASCONCELOS SANTOS ADVOGADO: LUCIANA RODRIGUES SANTOS VIEIRA XAVIER FONSECA RECLAMADO: OLIVEIRA & SANTANA - PRESTADORA DE SERVICOS LTDA - ME ADVOGADO: SILVANA MIRIAM GIACOMINI WERNER RECLAMADO: FENIX SERVICOS ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA ADVOGADO: SILVANA MIRIAM GIACOMINI WERNER RECLAMADO: COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI LTDA ADVOGADO: RICARDO ABEL GUARNIERI RECLAMADO: VINICOLA SALTON S.A. ADVOGADO: RICARDO ABEL GUARNIERI RECLAMADO: COOPERATIVA VINICOLA AURORA LTDA ADVOGADO: ADRIANO MINOZZO BORGES CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PAGINA_CAPA_PROCESSO_PJE

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO 2ª VARA DO TRABALHO DE BENTO GONÇALVES ATOrd 0020515-36.2023.5.04.0512 RECLAMANTE: RODRIGO VASCONCELOS SANTOS RECLAMADO: OLIVEIRA & SANTANA - PRESTADORA DE SERVICOS LTDA - ME E OUTROS (4)

Vistos, etc.

RODRIGO VASCONCELOS DOS SANTOS ajuíza ação trabalhista contra OLIVEIRA & SANTANA - PRESTADORA DE SERVICOS LTDA – ME, FENIX SERVICOS ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA, COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI LTDA, VINICOLA SALTON S.A. e COOPERATIVA VINICOLA AURORA LTDA em 24/04/2023. Alega ter laborado para as reclamadas no período de 28/01/2023 até 24/02 /2023. Pugna pela condenação das reclamadas ao pagamento das parcelas arroladas na inicial. Requer, ainda, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Atribui à causa o valor de R$ 928.957,97. A inicial é instruída com documentos.

Realiza-se audiência inicial, recebendo-se as contestações anexadas pelas reclamadas aos autos eletrônicos. Em contestação, encaminhada no ID 29c181a, as reclamadas OLIVEIRA & SANTANA e FÊNIX arguem, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da reclamada Oliveira & Santana, ao fundamento de que a empregadora era a Fênix. A par disso, arguem a prescrição e pugnam, em suma, pela improcedência dos pedidos. Em caso de eventual condenação, requerem autorização de descontos previdenciários e fiscais cabíveis, bem como a compensação. A defesa é instruída com documentos.

As reclamadas COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI e VINICOLA SALTON contestam nos IDs 113d856 e 4fec658, respectivamente, arguindo preliminares de ilegitimidade passiva. No mérito, negam a condição de tomadoras de serviços e pugnam, em suma, pela improcedência dos pedidos. Em caso de eventual condenação, requerem autorização de descontos previdenciários e fiscais cabíveis, bem como a compensação de valores. Também requerem a condenação do autor por litigância de má-fé, a utilização da “taxa SELIC em caráter exclusivo e agregado quanto à correção monetária e juros e a limitação da condenação aos valores indicados na inicial. Juntam documentos.

A reclamada COOPERATIVA VINICOLA AURORA também contesta, conforme razões de ID 490dab0, alegando ilegitimidade passiva e, no mérito,

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pugnando pela rejeição dos pedidos. Igualmente requer a autorização de descontos previdenciários e fiscais cabíveis, bem como a compensação de valores. Também requer seja observado o parágrafo 7º do art. 879 da CLT na atualização do débito ou, sucessivamente, seja aplicada a decisão do STF nas ADC 58 e 59, bem como requer a limitação da condenação aos valores indicados na inicial. Junta documentos.

O reclamante manifesta-se acerca do conteúdo das defesas e documentos, conforme razões de ID df81fa3.

No prosseguimento da audiência (ata de ID 2c4bc8d), colhem-se os depoimentos das partes, exceto das reclamadas Cooperativa Vinícola Garibaldi e Vinícola Salton. Colhem-se, também, os depoimentos de quatro testemunhas. Não havendo mais provas, encerra-se a instrução. Razões finais remissivas. Rejeitada a conciliação. É o relatório.

ISTO POSTO:

I. PRELIMINARMENTE

1. Ilegitimidade passiva Não há falar em ilegitimidade passiva das reclamadas Oliveira & Santana, Salton, Garibaldi e Aurora, porquanto incluídas no polo passivo da relação processual na condição de responsáveis solidárias ou subsidiárias pelas obrigações trabalhistas objeto da ação, estando legitimadas a responder a ação e resistir à pretensão deduzida. Eventual não reconhecimento da responsabilidade importará na improcedência do pedido, conclusão que somente será possível depois de examinado o mérito da causa.

A respeito do assunto, Humberto Theodoro Júnior preleciona: Se a lide tem existência própria e é uma situação que justifica o processo, ainda que injurídica seja a pretensão do contendor, e que pode existir em situações que visam mesmo a negar in totum a existência de qualquer relação jurídica material, é melhor caracterizar a legitimação para o processo com base nos elementos da lide do que nos do direito debatido em juízo.

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Destarte, legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão (Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Editora Forense, 20ª edição, pág. 57).

Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

2. Assistência judiciária gratuita A questão referente à concessão ou não da assistência judiciária gratuita à parte autora, bem como a condenação ao pagamento de honorários advocatícios será apreciada posteriormente, quando da análise do mérito.

II. MÉRITO

1. Prescrição O contrato de trabalho objeto desta reclamatória vigorou no período de janeiro a fevereiro de 2023, enquanto a ação foi ajuizada em 24/04/2023, de modo que não há falar em prescrição bienal ou quinquenal.

2. Vigência do contrato de trabalho O reclamante alega ter laborado para as reclamadas no período de 28/01/2023 até 24/02/2023, data em que ocorreu o resgate dos trabalhadores, enquanto a reclamada Fênix defende que o vínculo vigorou no período de 02/02/2023 até 22/02/2023.

O TRTC anexado aos autos (fl. 24) consigna o contrato de trabalho no período de 02/02/2023 até 22/02/2023, sendo que a data de término do vínculo coincide com a data de resgate dos trabalhadores, fato ocorrido em 22/02/2023 e não 24/02/2023, conforme alegado na inicial.

Com relação ao início do vínculo de emprego, os documentos apresentados pela reclamada Fênix consignam uma data posterior àquela reconhecida em defesa, devendo prevalecer o dia 02/02/2023, até porque também é a data constante no TRCT.

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Assim, para todos os efeitos, fica reconhecido que o vínculo de emprego entre o reclamante e a empresa Fênix vigorou no período de 02/02/2023 até 22/02/2023.

3. Jornada de trabalho O reclamante alega que laborava de segunda a sábado: das 05h: 30 às 00:00h, já chegou a trabalhar até às 02:00h da madrugada, com uma hora de intervalo”. Reclama horas extras e decorrentes da inobservância do intervalo entre jornadas, com reflexos.

Em defesa, a empregadora alega, em suma, que o reclamante cumpria carga horária legal de 44 horas semanais, havendo o pagamento de eventuais horas extras, conforme registros de horário. Aduz, ainda, que o autor sempre usufruiu o intervalo de 11 horas entre jornadas.

O vínculo de emprego vigorou no período de 02/02/2023 até 22 /02/2023, enquanto a reclamada Fênix anexou aos autos um cartão-ponto com registro de somente 8 dias (fl. 120), conforme impugnação lançada pelo autor na manifestação sobre a defesa e documentos. Além disso, na linha da impugnação do autor, é possível concluir que os registros não refletem efetivamente a jornada cumprida pelo trabalhador.

Com efeito, inicialmente constato que os horários registrados são invariáveis, visto que consignam oscilações de poucos minutos, na esteira da Súmula 338 do TST. Assim já se pronunciou o nosso Tribunal Regional: “CARTÕES DE PONTO COM MARCAÇÕES INVARIÁVEIS. SÚMULA Nº 338 DO TST. Apresentados pelo empregador controles de horário com variações de poucos minutos, presume-se como verdadeira a jornada de trabalho declinada na inicial. Adoção dos itens I e III da Súmula nº 338 do TST. (Acórdão 002132412.2016.5.04.0014 (ROT). Redator: Marcos Fagundes Salomão. 8ª Turma.

Decisão publicada em 07/07/2019).”

“REGISTRO DE HORÁRIO. MARCAÇÕES COM PEQUENAS VARIAÇÕES. INVALIDADE. Os registros de horário apresentados pela segunda reclamada são inválidos como meio de prova, porquanto apresentam mínimas variações. Inverte-se o ônus da prova relativo às horas extras, que passa a ser da empregadora, nos termos do entendimento esposado no item III da Súmula 338 do TST, do

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qual não se desonera. Pelo contrário, a prova oral corrobora a invalidade dos cartões-ponto. Recurso ordinário da primeira e segunda reclamadas desprovido no aspecto.

(Acórdão 002018815.2018.5.04.0012 (ROT). Redator André Reverbel Fernandes. 4ª Turma.

Decisão publicada em 03/06/2020).”

Assim, incumbia à empregadora produzir prova hábil a ratificar os registros constantes no cartão-ponto apresentado, encargo do qual não se desvencilhou. A respeito disso, a testemunha Ronald Lima Santana, ouvida a convite do reclamante, disse que “saiam entre 04h e 05 para se deslocar aos parreirais, chegando nos parreirais às 07h, quando começavam a trabalhar; que ‘não tinha hora para voltar, trabalhavam até que estivesse claro’; que faziam um intervalo de 30min a 01h, ‘mas não almoçavam, porque a comida estava azeda’; que quando chegavam na pousada no final do dia, referindo que ‘chegavam à noite, 10 horas ou meia noite’, era servida uma refeição, ‘mas também era tudo azedo’”. Por outro lado, a referência trazida pelo informante Joedson Ferreira Lima, de que registrava corretamente o cartão-ponto, não é suficiente para infirmar o depoimento testemunhal produzido pela parte autora.

Ademais, embora Joedson afirme que registrava as horas extras, reconhece que no dia da fiscalização chegou na pousada as 20h30 ou 21h, o que revela que havia trabalho além das 17 horas (horário consignado no cartão do reclamante).

Além disso, pelos termos dos depoimentos orais, inclusive o depoimento do representante das reclamadas Fênix e Oliveira & Santana, resta claro que o tempo em que o empregado permanecia à disposição da empregadora após o término da colheita não era computado. Veja-se que, por se tratar de parreirais localizados no interior de Bento Gonçalves e municípios vizinhos, não é razoável que o tempo de deslocamento ultrapassasse, em média, 1 hora. No entanto, pelos registros de horário, o autor findava a jornada às 17 horas, mas, pelos relatos das testemunhas, conclui-se que retornava para a pousada em torno das 21 horas. Assim, o tempo em que o autor permanecia à disposição da empregadora, no posto de trabalho, deve ser computado na jornada para todos os efeitos, nos termos do art. 4º da CLT. Anoto que não se trata de reconhecimento de horas in itinere, na medida em que o contrato de trabalho do autor vigorou no período posterior à vigência da Lei 13.467/2017, que suprimiu esse direito. O que se reconhece é a aplicação da norma do art. 4º da CLT, relativamente ao tempo à disposição da empregadora no próprio local de trabalho.

Por outro lado, segundo o depoimento pessoal do reclamante, ele também trabalhou no descarregamento de uva na sede da Cooperativa Vinícola Aurora, fato confirmado pelo representante da empregadora. De acordo com o reclamante, “tinha dias que trabalhava só nos parreirais e noutros trabalhava até meiodia nos parreirais e ia para as vinícolas à tarde; que mais ou menos ficou a metade dos Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

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dias só nos parreirais e a outra metade trabalhou nos parreirais e Aurora”. Assim, de um total de 18 dias úteis trabalhados, tenho que o autor laborou na Aurora durante 5 dias, após o meio-dia, já que na parte da manhã laborava nos parreirais.

Destarte, declaro a invalidade dos registros de horário e, com base na prova dos autos, arbitro que o reclamante, enquanto atuava somente nos parreirais, laborava das 7h às 19h, com 1 hora de intervalo para descanso ou alimentação, de segunda a sábado. Além disso, reconheço que o reclamante permanecia à disposição da empregadora no posto de trabalho ao final da jornada, pelo período de 1 hora, em média, tempo que deve ser computado na jornada para todos os fins. Com relação aos dias em que laborou na Aurora após ao meio-dia, considerando inclusive a referência do preposto da Aurora sobre os turnos de descarregamento da uva, tenho que o reclamante laborava nos parreirais no horário das 7h às 12h e na Aurora no horário das 16h30min até 1h56min. Nesses dias (total de 5 dias) não havia tempo à disposição no final da jornada de trabalho.

Por conseguinte, defiro ao reclamante o pagamento de horas extraordinárias excedentes a 8 horas por dia e/ou 44 horas semanais, com reflexos em repousos remunerados e feriados, aviso prévio, 13º salário, férias, acrescidas de 1/3 e FGTS, com acréscimo de 40%.

O FGTS e a indenização compensatória de 40% serão recolhidos à conta vinculada da autora, autorizado o levantamento dos valores por alvará, tendo em vista a dispensa sem justa causa.

As horas extras serão apuradas em liquidação de sentença, a partir da jornada arbitrada. O adicional será aquele previsto nas normas coletivas, pactuado no contrato ou estipulado na legislação, o que for mais benéfico para o reclamante. O divisor é 220. Não há dedução de valores a ser autorizada, visto que não há comprovação de pagamento de horas extras. A base de cálculo será composta de todas as parcelas remuneratórias (Súmula nº 264 do TST).

4. Intervalo do art. 66 da CLT A CLT assegura ao empregado, no artigo 66, intervalo mínimo de 11 horas consecutivas entre duas jornadas de trabalho. A não observância deste intervalo mínimo gera o direito ao pagamento, como extras, das horas faltantes para completar o aludido intervalo, por aplicação analógica do parágrafo 4º do art. 71 da CLT, observando-se, para os contratos posteriores à Lei 13.467/2017 (caso dos autos), a natureza indenizatória da parcela.

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Na espécie, a jornada arbitrada dá conta de que em algumas ocasiões o intervalo entre jornadas pelo período mínimo de 11 horas não era observado, o que ocorria quando laborava na Cooperativa Aurora até 1h56min, reiniciando a jornada no dia seguinte às 7 horas.

Com relação aos efeitos da concessão parcial do intervalo, uma vez que o contrato de trabalho é contemporâneo à vigência da Lei 13.467/2017, aplicase a nova redação do parágrafo 4º do art. 71 da CLT, nos seguintes termos: "§ 4º - A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho".

Destarte, defiro ao autor o pagamento das horas faltantes para completar o intervalo entre jornadas previsto no artigo 66 da CLT, com adicional de 50%, a título indenizatório.

Indefiro reflexos, tendo em vista a natureza indenizatória estabelecida em lei.

5. Dano moral. Trabalho análogo ao escravo.

O reclamante alega ter sido submetido a condições de trabalho análogas à escravidão. Diz que cumpria diariamente uma jornada de trabalho exaustiva, com alimentação precária, pois não tinha local para refrigeração nem para esquentar a marmita. Refere que, em razão da condição precária da alimentação fornecida, “se via obrigado a comprar alimentos para preparar no alojamento, como não tinha nenhum dinheiro e não recebia nenhuma ajuda de custo pelas reclamadas, se via obrigado a pegar dinheiro emprestado a juros de 50% (cinquenta por cento) que era oferecido pelo dono do alojamento, o Sr. Fábio, que trabalhava com o Sr. Pedro”.

Relata que não recebeu roupa de cama, toalha de banho nem coberta. Menciona que era descontado R$ 600,00 por dia de falta injustificada, sendo que acompanhou o irmão no hospital por um dia e foi ameaçado de perder a passagem de volta para casa.

Aduz que havia restrição da possibilidade de retorno para casa, em razão de dívidas e retenção da CTPS. Narra que o empregador tinha dois capatazes na pousada, Kiko e Escocês, que andavam armados (arma de fogo, de choque e spray de pimenta) e viviam lhe ameaçando de perda da passagem de volta para Bahia, quebra do contrato, ir embora sem receber nada, além de ameaças de agressão. Além disso, assevera que os Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

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capatazes acordavam ele às 04 horas da manhã com ofensas verbas e humilhações, dizendo: “acorda demônio“, “levanta baiano preguiçoso”, “baiano bom é baiano morto”.

Argumenta que era submetido a “terrorismo psicológico pelo comportamento tirano da primeira e segunda reclamada que colocava seus funcionários armados em posição de vigia do Autor e demais funcionários, com anuência das demais reclamadas”. Alega que a opressão sofrida “gerou danos psíquicos, como ansiedade, angústia, estresse póstraumático severo que necessita de um tratamento continuo. Conforme demonstra laudo juntado aos Autos elaborado por uma profissional especializada”.

Em resposta, a empregadora nega a configuração de trabalho em condições análogas à escravidão. Diz que as despesas de viagem da Bahia até o RS e para retorno foram custeadas pela empresa. Afirma que não houve retenção da CTPS, até porque houve registro na CTPS digital do reclamante. Argumenta que não era proprietária da pousada nem responsável pela segurança no local, tendo firmado contrato com a pousada para serviços de hospedagem. Assevera que o autor cumpria a carga horária legal de 44 horas semanais, com o pagamento de eventuais horas extras, conforme registros de horário. Salienta que todas as despesas de moradia, transporte e alimentação foram custeadas pela empregadora, sem qualquer desconto do trabalhador. Aduz que nunca houve trabalho forçado, ameaças físicas ou psicológicas. Diz que a limpeza do alojamento era realizada por uma empresa terceirizada, “contratada pelo proprietário legal da própria hospedagem, tanto é que a Reclamada Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde Ltda sempre exigia que, ao final do serviço, lhe fossem enviados vídeos que comprovassem as condições em que o local onde seus trabalhadores descansavam se encontrava em condições salubres”. Acrescenta que essa limpeza “mais pesada” era realizada semanalmente, mas “havia ainda no referido alojamento dois responsáveis pela manutenção da limpeza do mesmo diariamente, os quais se revezavam entre os turnos da manhã e da tarde”. Salienta que “se exigia dos trabalhadores que estavam lá sob a responsabilidade da empresa contratante o mínimo de higiene, para fins de manutenção da limpeza e organização do ambiente, entretanto, geralmente, isso não era atendido e observado pelos mesmos e a Reclamada, por sua vez, nada poderia fazer a respeito, haja vista que, se assim fizesse, de fato, estaria controlando-os ou mesmo interferindo na sua liberdade/intimidade”. Assevera que “sempre houve o fornecimento de lençóis, cobertas e travesseiros aos funcionários, além disso, os quartos eram equipados com ventiladores e, alguns, até com ar-condicionado, consoante demonstram as fotos anexas”. Refere que para os trabalhadores da safra da uva fornecia todas as refeições, por meio de uma empresa especializada, alimentação que era servida em buffet no alojamento e, nas empresas ou locais de prestação de serviços, em marmitas apropriadas, armazenadas dentro do “marmibox” até o horário do almoço ou jantar. Sobre as imagens do alojamento amplamente divulgadas nas mídias, aduz que “há que se considerar que o local foi praticamente destruído pelos trabalhadores lá hospedados momentos antes do ‘flagrante’ da Polícia Federal, que Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

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ocorreu em 22 de fevereiro de 2023, oportunidade na qual foram tiradas as aludidas fotos e que o Reclamante faz referência na exordial. E, no ponto, frisa-se que as imagens divulgadas quando do aludido ‘flagrante’ não refletem nem de perto as condições em que, de fato, o local era mantido no dia a dia”. Nega qualquer restrição do direito de ir e vir, dizendo que havia festas no alojamento, com o consumo excessivo de bebidas alcóolicas. Nega que os empregados possuíssem dívidas com a empresa, acrescentando que eles podiam adquirir produtos onde quisessem. Afirma que somente descontava faltas injustificadas. Diz que não tinha capatazes ou seguranças armados, bem como nega que os seguranças contratados pela pousada tenham ameaçado ou agredido qualquer trabalhador. Nega xingamentos.

A Cooperativa Vinícola Aurora igualmente aduz, em defesa, que não houve qualquer participação da cooperativa no crime de redução de trabalhadores à condição análoga a escravo. Salienta que é “importante ter cuidado ao discutir o assunto e evitar generalizações, assim como a imprensa amplamente fez nos dias seguintes. Não há evidências que a Aurora tenha se envolvido nos fatos relatados pelo reclamante. A Aurora não possui alojamento. A responsabilidade por tais situações cabe exclusivamente ao empregador e às autoridades públicas responsáveis pela fiscalização do funcionamento desse tipo de estabelecimento”. Nega que o reclamante tenha prestado serviços em seu benefício. A respeito da alimentação, salienta que “é importante frisar e mencionar, até porque será objeto de prova testemunhal, que a Cooperativa Aurora disponibilizava café da manhã, almoço, lanche da tarde, janta, para os trabalhadores (funcionários ou não), incluindo os prestadores de serviços”.

Argumenta que o “Ministério Público do Trabalho já negociou para os trabalhadores o valor dos danos morais individuais quando realizou o TAC com as vinícolas. Esta verba já está quitada. O reclamante recebeu a quantia de R$ 9.000,00 a título de danos morais individuais. Mesmo que o reclamante não tenha laborado na Vinícola Aurora, o valor já é suficiente porque este foi o entendimento do Ministério Público do Trabalho”.

As demais reclamadas igualmente negam qualquer participação na alegada redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, bem como negam que o reclamante tenha laborado em seu benefício.

Os elementos de prova constantes dos autos demonstram que o reclamante efetivamente foi submetido a condições análogas ao trabalho escravo, mesmo que nem todos os fatos alegados na inicial tenham sido comprovados. Senão, vejamos.

A Constituição Federal consagra, dentre seus princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV), considera o direito ao trabalho como um direito fundamental (art. 6º) e encerra, no art. 170, o princípio da valorização do trabalho humano.

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Acerca das condições análogas ao trabalho escravo, o Código Penal estabelece a criminalização dessa prática, conforme artigo 149: “Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho [...]”.

A par disso, a Portaria nº 1.293/2017 do Ministério do Trabalho define critérios para interpretação e aplicação das normas sobre o trabalho análogo à escravidão. Nos artigos 1º e 2º consta que se considera “em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a: I - Trabalho forçado; II - Jornada exaustiva; III - Condição degradante de trabalho; IV - Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; V - Retenção no local de trabalho em razão de: a) Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) Manutenção de vigilância ostensiva; c) Apoderamento de documentos ou objetos pessoais.

Art. 2º Para os fins previstos na presente Portaria:

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I - Trabalho forçado é aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente.

II - Jornada exaustiva é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados a segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social.

III - Condição degradante de trabalho é qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.

IV - Restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida é a limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros.

V - Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte é toda forma de limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento.

VI - Vigilância ostensiva no local de trabalho é qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de trabalho ou alojamento.

VII - Apoderamento de documentos ou objetos pessoais é qualquer forma de posse ilícita do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador”.

A portaria estabelece, ainda, que se deve aplicar a mesma norma para os casos de “tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo, desde que presente qualquer das hipóteses previstas nos incisos I a V do artigo 1º desta Portaria” (art. 4º). No parágrafo único desse mesmo artigo consta a definição do tráfico de pessoas: “Considera-se tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra”.

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Conforme se infere das normas legais, o conceito de trabalho escravo é amplo, abrangendo não apenas as situações de privação de liberdade, mas também outras formas de ofensas à dignidade do ser humano, a exemplo da submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas impostas ao trabalhador.

Importante notar que as condições análogas ao trabalho escravo podem ocorrer no local de trabalho ou no alojamento, visto que o empregador que fornece moradia ou alojamento deve assegurar condições dignas aos trabalhadores. Da mesma forma, o alojamento deve não apenas oferecer condições dignas de higiene e conforto, como também não pode haver qualquer espécie de restrição do direito de saída do local.

Igualmente há que se salientar que o reconhecimento do trabalho análogo ao escravo não exige a verificação concomitante de todas as condições estipuladas na lei, mas se trata de condições que podem estar presentes de forma isolada ou conjuntamente.

Na espécie, algumas das condições aventadas na legislação estão demonstradas nos elementos de prova trazidos aos autos, a começar pelo alojamento do reclamante e demais trabalhadores. A narrativa do reclamante e da testemunha Ronald Lima Santana (ata de ID 2c4bc8d) não deixa dúvida sobre a condição indigna de moradia oferecida na Pousada do Trabalhador. Resta claro que não havia as mínimas condições de conforto e higiene no local. A própria defesa reconhece que era realizada uma limpeza geral, mas não era feita a limpeza nos quartos, sob o pretexto de que violaria a intimidade dos trabalhadores. Ora, a vingar a tese da reclamada, não haveria limpeza nos quartos de hotéis e pousadas em geral, visto que violaria a intimidade dos hóspedes, o que foge da razoabilidade. A violação da intimidade ocorreria se fosse imposta a presença de alguém fazendo a limpeza nos momentos de descanso, banho e/ou troca de roupa pelos trabalhadores. No entanto, é evidente que isso não era necessário, visto que eles passavam o dia todo fora do alojamento.

Além disso, também havia superlotação na pousada, tanto que a testemunha Ronald refere que “na pousada dividia o quarto com oito pessoas, portanto, no total ficavam nove pessoas no mesmo quarto”. Não é por outra razão que a testemunha Fabio Daros, convidado pela reclamada (cuja oitiva como testemunha ocorreu por ausência de impugnação da parte autora, embora o depoimento deva ser analisado com ressalvas, visto que se trata do proprietário da Pousada do Trabalhador, estando diretamente envolvido nos fatos alegados na inicial), relata que “na Pousada do Trabalhador havia 240 vagas”, o que certamente só era possível somente em razão de que eram alojadas ou, na realidade, “empilhadas” muitas pessoas em cada quarto.

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Fls.: 14

As próprias fotografias anexadas com a defesa evidenciam essa condição, especialmente as fotografias das fls. 148 e 150. Na página 150 é possível verificar, inclusive, que a janela existente no quarto está parcialmente obstruída por um armário e um beliche. Anoto que as reclamadas não apresentaram nos autos nenhum documento que comprove que efetivamente havia autorização ou licença das autoridades para uma lotação de 240 pessoas na pousada.

Destaco que, em que pese as alegações defensivas, independentemente de quem era o proprietário, a responsabilidade pela manutenção do local em condições dignas era da empregadora, visto que a moradia estava incluída na proposta de emprego apresentada aos trabalhadores da safra da uva. Aliás, a reclamada contratou a hospedagem pela quantia ínfima de R$ 10,00 por dia para cada trabalhador (fls. 123/128), de forma que não pode alegar desconhecimento sobre as más condições de moradia, já que o valor contratado obviamente não se mostra adequado ao custo operacional e de manutenção do local.

Da mesma forma, a alimentação não era fornecida em condições e ambientes adequados. Não importa se a empresa que fornecia alimentação era bem-conceituada na cidade e também fornecia alimentação a diversas outras empresas. Os depoimentos do reclamante e da testemunha Ronald bem esclarecem as condições da alimentação. A respeito disso, a testemunha menciona o seguinte: “[...] que trabalhou em vários parreirais, não recordando do nome de todos os proprietários, apenas de dois ou três, citando Leo e Renato; que acrescenta que Renato ajudava eles, fornecia comida, uns biscoitos, pois a comida que tinham eram azeda; que não trabalhou nas vinícolas, apenas nos parreirais; que chegou a ser líder de equipe nos parreirais; que saiam entre 04h e 05 para se deslocar aos parreirais, chegando nos parreirais às 07h, quando começavam a trabalhar; que "não tinha hora para voltar, trabalhavam até que estivesse claro"; que faziam um intervalo de 30min a 01h, "mas não almoçavam, porque a comida estava azeda"; que quando chegavam na pousada no final do dia, referindo que "chegavam à noite, 10 horas ou meia noite", era servida uma refeição, "mas também era tudo azedo [...]”.

Não bastasse, pela própria tese de defesa, a alimentação era entregue pela manhã, já que foi alegado que “as refeições sempre foram servidas adequadamente: quando no alojamento, os alimentos estavam dispostos no buffet que fica localizado no refeitório e, quando nas empresas para as quais a Reclamada disponibilizava sua mão de obra, dentro de marmitas apropriadas que, por sua vez, ficavam armazenadas dentro do “marmibox” até o horário do almoço e/ou jantar”.

Soma-se a isso o depoimento do representante da empregadora, nos seguintes termos:

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Fls.: 15

“[...] que a alimentação era fornecida por uma empresa contratada pelo depoente, Qualitá Refeições; que essa empresa entregava as refeições em duas oportunidades durante o dia, a primeira no início da manhã, em torno das 06h, marmitas que eram colocadas em marmibox, um recipiente térmico que mantém a comida quente por até 7 horas; que à noite a empresa servia refeições num buffet; que no buffet era servido carne, arroz, feijão e salada; que o buffet era servido em torno das 20h; que nesse horário todos os funcionários estavam de volta na pousada, exceto os que trabalhavam no turno da noite na Aurora [...]”.

Ora, mesmo que a empresa acondicionasse a alimentação no “marmibox”, é evidente que esse recipiente não oferecia a adequada conservação, sobretudo por se tratar de um período de verão, com sol e altas temperaturas, possibilitando que a alimentação, no momento do consumo, estive imprópria ou mesmo azeda, fato confirmado pela testemunha Ronald Lima Santana.

Anoto que as testemunhas convidadas pela reclamada não infirmam o depoimento de Ronald. O depoimento da testemunha Fábio Daros, como já mencionado, deve ser analisado com ressalvas, por se tratar do proprietário da pousada e, inclusive, arrolado como reclamado em alguns processos em trâmite nesta Unidade Judiciária. Ademais, é certo que Fábio não tinha conhecimento sobre as condições da alimentação fornecida nos parreirais. A par disso, Joedson Ferreira Lima foi ouvido na condição de informante, de forma que as suas declarações, isoladamente, não se prestam a informar a prova testemunhal produzida pelo reclamante.

Também havia vigilância e agressões verbais e físicas aos trabalhadores, o que se denota, inclusive, pelas declarações do informante Joedson, que disse o seguinte: “ “[...] que perguntado se tinha seguranças na pousada, referiu que "o Igor dava uma olhada, tava sempre fiscalizando pra ver se tinha alguma coisa suja"; que Kiko era chamado quando dava alguma briga, para separar; que Kiko era motorista, contratado por Pedro; que Alan ajudava na limpeza e também "tomava conta lá", mesma função de Igor; que Igor e Alan eram contratados por Fabio; que não lembra de Josué; que Escoceri trabalhava na Brigada; que perguntado o que Escoceri fazia na pousada, respondeu que "de vez em quando dava uma confusão lá e ele tinha que ir, senão os bahiano se matavam"; que não sabe quem chamava Escoceri; que Escoceri às vezes ia sozinho e às vezes tinha que ir acompanhado; que perguntado se Escoceri ia fardado ou a paisana, respondeu que "às vezes ele estava de folga, à paisana, e tinha que ir lá, porque ele era da polícia [...]”.

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Fls.: 16

Essa narrativa acaba por confirmar a versão do reclamante e da testemunha Ronald. A propósito, Ronald disse o seguinte: “[...] que o proprietário da pousada era Fabio, que andava armado, "com uma pistola na cintura"; que acrescenta que certa vez o filho de Fabio disse que "estava doido para crescer e matar bahiano"; que na pousada tinha uma espécie de capatazes, chamados Canario e Alan, que diziam que trabalhavam para Pedro e para Fabio; que às vezes Canario andava armado, que viu ele duas vezes com uma pistola na cintura; que viu Canario ameaçando "outros jovens, mostrando a pistola"; que esses outros jovens eram trabalhadores da safra da uva; que Alan não andava armado; que Kiko era um dos motoristas de Pedro, encarregado do transporte dos funcionários até os parreirais; que Kiko também andava armado, mas não sabe dizer que tipo de arma, "apenas que via o volume na cintura"; que tinha um policial chamado Escocês ou Escocéis, que também era contratado por Pedro, dizendo que "ele era responsável por tudo lá, por dar sumiço nas pessoas"; que perguntado se sabe de alguém que tenha sido vítima de tal pessoa, respondeu que "eles falavam lá, diziam que três ou quatro tinham saído para ir aos parreirais e não voltaram mais", mas não sabe dizer os nomes; que reitera que saiu fugido da cidade, por sentir-se ameaçado por Kiko e Escocês, conseguindo um dinheiro com seus familiares, conforme detalhes constantes no depoimento gravado”.

A própria testemunha Fábio nega que tivesse seguranças, dizendo que tinha apenas dois funcionários na “organização”, Josué e Alan, porém reconhece que “mesmo não sendo seguranças, Alan e Josué eram orientados pelo depoente a manter a ordem e a organização”.

Muito embora a testemunha Ronald tenha feito uma “narrativa hollywoodiana” da sua “fuga de Bento” (o que pode ser verificado na gravação do depoimento, 24min40seg até 31min40seg), pelo contexto em que ele se encontrava, sobretudo por estar muito distante da sua residência e num local desconhecido, podese concluir que não se trata de uma invenção ou delírio do depoente, mas de interpretação que ele deu aos fatos em razão desse contexto. Veja-se que é certo que se criou uma crença entre os trabalhadores (estimulada propositadamente pelas atitudes de Pedro, Fábio e seus encarregados) de que eles tinham respaldo da polícia e que era melhor seguir as ordens deles, sob risco de agressões e até mesmo de morte.

Conforme narrado pelo depoente, corriam boatos entre eles, do tipo “tem uns três ou quatro que saíram trabalhar nos parreirais e não voltaram mais”.

Reitero que, nos depoimentos, há referência à participação de um policial militar na vigilância e também nas ameaças e agressões. Além disso, sabe-

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Fls.: 17

se que foram apreendidas uma arma de choque, spray de pimenta e cassetetes. É evidente que a presença de um policial à paisana na pousada e a existência dessas armas gerava um grande temor entre os trabalhadores, corroborando a tese da inicial.

Com respeito à restrição da liberdade de locomoção, em que pese não se verificar nas narrativas e demais elementos uma comprovação de que havia seguranças impedindo que os trabalhadores saíssem da pousada em horários de folga, havia a restrição por conta da condição financeira. Isso porque os trabalhadores trazidos da Bahia para laborar na safra da uva eram hipossuficientes, não tendo condições de custear a passagem de retorno, o que “os prendia” em Bento Gonçalves, obrigando-os a laborar até o final da safra, sob pena de perderem o direito à passagem de retorno.

Outro elemento indicativo do trabalho em condições análogas à escravidão era a jornada de trabalho, que pode ser caracterizada como exaustiva, sobretudo levando em conta a natureza do trabalho desenvolvido e as más condições de alimentação. A esse respeito, conforme analisado no tópico específico acima, a jornada cumprida pelo reclamante era de cerca de 12 horas, incluindo o tempo à disposição, sendo que em alguns dias chegou a laborar por mais de 14 horas (quando laborava na Aurora). Além disso, especialmente nos dias em que a jornada era de 12 horas, computando-se o tempo de deslocamento até o local de trabalho e para o retorno, o período total chegava a 14 horas. Nos dias em que laborava na Aurora, havia o deslocamento de 1 hora na parte da manhã e de 30 minutos no final do expediente, o que significa que o total do período em deslocamento e/ou laborando era de 15h30min, aproximadamente.

Por outro lado, destaco que defesa sequer apresentou provas sobre alvarás de funcionamento da Pousada do Trabalhador. E mesmo que houvesse autorização, indicaria apenas que o estabelecimento estava em conformidade com a legislação no momento em que realizada a inspeção para emissão dos alvarás, não comprovando que posteriormente a legislação seguiu sendo efetivamente cumprida.

As fotografias da pousada também não comprovam as condições de habitabilidade do local, visto que retratam quartos desocupados. Neste ponto, a própria defesa não nega que as fotografias que circularam na mídia retratam a realidade no momento do flagrante das autoridades, embora advoguem a tese de que o “local foi praticamente destruído pelos trabalhadores lá hospedados momentos antes do ‘flagrante’ da Polícia Federal”, o que, no entanto, não encontra eco na prova dos autos.

Por igual, o fato de alguns dos trabalhadores ingerirem bebidas alcoólicas em excesso não autoriza a concluir que eles eram responsáveis pelas condições degradantes do alojamento.

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Fls.: 18

Por todo o exposto, resta claro pelos elementos trazidos aos autos que houve a exploração de trabalho em condições análogas à escravidão, o que determina o acolhimento do pedido formulado na inicial, no sentido de deferimento de indenização por danos morais.

O dano moral consiste na violação de interesses não patrimoniais da pessoa, acarretando-lhe dor íntima, sofrimento ou transgressão de seus atributos morais, como a honra, o bom nome e a sua reputação. Consoante leciona Valdir Florindo (Dano moral e o Direito do Trabalho, Ed. LTr, 4ª edição, p. 53), dano moral é “aquele decorrente da lesão à honra, à dor-sentimento ou física, aquele que afeta a paz interior do ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo.” Por sua vez, a esfera moral da pessoa encontra proteção no contexto normativo constitucional, ex vi dos incisos V e X do art. 5º da Carta Magna de 1988.

A configuração do dano moral exige a comprovação do dano sofrido pela vítima, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre a conduta do agente causador e o dano causado. Não se trata de exigir a comprovação do dano moral em si, mas, sim, prova dos fatos que geraram a dor, o sofrimento, o constrangimento, a humilhação, a partir dos quais se possa inferir a configuração do dano moral.

Na espécie, o reconhecimento de condições análogas ao trabalho escravo denota que o reclamante foi submetido a umas das piores formas de exploração do trabalho humano, demonstrando ausência de respeito à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, direitos consagrados na Constituição Federal, o que evidentemente configura dano moral.

Verifica-se, portanto, a presença dos pressupostos essenciais para configuração do direito à reparação civil por dano moral, quais sejam, a comprovação do dano sofrido pelo empregado, a culpa do empregador e o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o evento danoso.

No tocante à fixação da indenização, há que se levar em conta a gravidade da lesão, o grau de culpa do agente e as condições socioeconômicas do ofensor, a fim de que não se torne fonte de enriquecimento ilícito, porém tenha caráter pedagógico, servindo para inibir a reincidência do agente na conduta ilícita.

No caso, a ofensa e a culpa da empregadora são de natureza gravíssima, considerando-se o reconhecimento de submissão do reclamante a condições análogas ao trabalho escravo, de modo que se exige um valor mais elevado para que a finalidade pedagógica seja alcançada. Sobre as condições financeiras do ofensor, a empregadora é uma empresa que integra um grupo econômico, com Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

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empresas de pequeno e médio porte. A par disso, há que se considerar a condição financeira da tomadora dos serviços (em parte do contrato, no caso dos autos), na medida em que a terceirização, embora admitida na legislação pátria, atribui responsabilidade à tomadora dos serviços pelas obrigações e/ou danos causados aos trabalhadores terceirizados.

Por tudo isso, arbitro a indenização em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), contemporâneo ao ajuizamento da ação.

Assinalo que a indenização pelo assédio moral requerida na inicial se encontra subsumida na indenização deferida ao título de danos morais, visto que leva em conta as condições análogas ao trabalho escravo, abrangendo os fatos suscitados na inicial como fundamento para a configuração do assédio moral.

Por igual, entendo incabível o deferimento de indenização ou custeio pelo tratamento psicológico, porque, de um lado, a indenização deferida já abrange a reparação do dano psicológico e, por outro, não há comprovação nos autos de que o reclamante efetivamente tenha realizado tratamento psicológico.

Com relação aos limites fixados no art. 223-G, § 1º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/2017, trata-se de norma inconstitucional. Com efeito, a norma questionada viola o princípio da isonomia, inscrito no art. 5º, caput, da Constituição, bem como o art. 5º, V, onde está assegurado o direito à reparação proporcional ao agravo (ou dano), além do art. 5º, X, que garante o direito à indenização integral pelos danos. Além disso, viola o art. 5º, XXXV, na medida em que cria uma restrição ao direito de indenização, o que importa em restrição ao direito de acesso à Justiça. Destaco, neste aspecto, que o acesso à Justiça não é simplesmente o direito de ingressar com uma ação, mas ter a garantia de que a ação será apreciada pelo Poder Judiciário e que, acaso reconhecida a violação de um direito, possa haver a reparação plena da lesão. Ademais, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da limitação prevista no parágrafo 1º do art. 223-G da CLT, conforme ADI 6050. Na decisão constou o seguinte: “Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade” (grifei).

De qualquer sorte, não obstante a inconstitucionalidade, no caso dos autos o valor arbitrado à condenação observa os limites trazidos na norma.

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Nesse sentido, observo que a norma estabelece que, em se tratando de ofensas de natureza gravíssima, como é o caso dos autos, a indenização poderá ser fixada em até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido (art. 223-G, § 1º, inciso IV), o que foi observado.

6. Responsabilidade da reclamada OLIVEIRA & SANTANA PRESTADORA DE SERVICOS LTDA – ME. Grupo econômico.

A caracterização de grupo econômico é trazida pelo artigo 2º da CLT: "§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017). § 3° Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)."

Em contestação, as reclamadas OLIVEIRA & SANTANA PRESTADORA DE SERVICOS LTDA – ME e FENIX SERVICOS ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA não negam especificamente a formação de um grupo econômico, apenas arguem que se trata de questão a ser dirimida na fase de execução.

No entanto, ao contrário do que alegam as reclamadas, a definição do grupo econômico deve ocorrer na fase de conhecimento. Tanto é assim que o redirecionamento da execução em face de empresa integrante do grupo econômico que não participou da fase de conhecimento se encontra suspenso por decisão do STF. E mesmo que o STF venha a decidir pela possibilidade de inclusão na fase de execução, nada impede que o reclamante postule o reconhecimento da solidariedade na fase de conhecimento.

Nessa senda, pelos termos da defesa e elementos de prova trazidos autos, é certo que as empresas eram administradas por Pedro Augusto Oliveira de Santana, configurando grupo econômico.

Destarte, reconheço a formação de grupo econômico entre as OLIVEIRA & SANTANA - PRESTADORA DE SERVICOS LTDA – ME e FENIX SERVICOS Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

Fls.: 21

ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA, o que lhes atribui a responsabilidade solidária pelos créditos ou indenizações devidas ao autor, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT.

7. Responsabilidade das tomadoras A empregadora da reclamante e responsável direta pelo vínculo formulou contrato de prestação de serviços com a reclamada Aurora, fato evidenciado pelos documentos carreados aos autos. A par disso, pelos termos dos depoimentos orais, ficou evidenciado que o autor laborou em benefício da Aurora em parte do contrato de trabalho.

Saliento que o fato de não haver registros do reclamante no processo de integração anexado pela Aurora aos autos eletrônicos (ID 15fe66a) não se presta a comprovar que ele não trabalhou em seu benefício. Esse registro documental não é suficiente a confirmar a tese de defesa, uma vez que sequer diz respeito à época da contratação do autor. Veja-se que é certo que havia a necessidade/possibilidade de substituição dos trabalhadores que inicialmente passaram pela integração, em razão de faltas ou outros afastamentos, não sendo comprovado pela Aurora que havia uma fiscalização diária sobre os trabalhadores terceirizados que eram encaminhados pela empresa prestadora de serviços.

Em relação às demais reclamadas, o reclamante confessou em seu depoimento que não laborou em benefício da COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI LTDA e da VINICOLA SALTON S.A., o que importa na improcedência dos pedidos quanto a essas reclamadas.

No caso da Aurora, a terceirização induz à responsabilização da tomadora dos serviços e beneficiária direta da alienação do trabalho do reclamante.

A par disso, o contrato de trabalho do reclamante vigorou no período de 02/02/2023 até 22/02/2023.

Ao tempo da relação jurídica debatida nos autos, estava em vigor a Lei 13.429/2017, que estabelece que a empresa contratante de serviços de terceiros é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que se beneficiar da prestação de serviços (redação dada ao art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.079/1974).

No que respeita aos limites da responsabilidade da reclamada Aurora, houve o reconhecimento de que o reclamante laborou durante cinco dias nas dependências da empresa. Considerando o período contratual de 21 dias, a reclamada Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2

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Aurora se beneficiou dos serviços em cerca de 25% (vinte e cinco por cento) de todo o período contratual.

A divisão da responsabilidade proporcionalmente ao período trabalhado é mais justa e adequada do que simplesmente se basear nos períodos determinados de trabalho.

Nessa senda, tenho que a reclamada Aurora responde subsidiariamente por 25% (vinte e cinco por cento) do total da condenação.

A propósito da responsabilidade subsidiária, cumpre anotar que não se verifica na prova dos autos que a Cooperativa Vinícola Aurora tenha participado diretamente das ações ou condutas que resultaram na redução do autor à condição análoga à de escravo, o que, no entanto, não afasta a sua responsabilização, tendo em vista a previsão legal e o fato de que não diligenciou na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e respeito à dignidade dos trabalhadores.

Sublinho que tanto o reclamante quanto à testemunha por ele trazida relataram que eram tratados na Aurora da mesma forma que os empregados diretos da vinícola, tendo uma boa refeição. Neste ponto, o reclamante chegou a dizer que “na Aurora era a melhor refeição do dia”.

Entretanto, com referência à fiscalização sobre as obrigações trabalhistas e respeito à dignidade dos trabalhadores, envolvendo questões como jornada de trabalho, registros de horário, alojamento, transporte e alimentação, é certo que não ocorria, pois, nas palavras da preposta, a “fiscalização da Aurora era documental”.

Nesse aspecto, é importante salientar que, mesmo em se tratando de terceirização permitida em lei, não se pode isentar a tomadora dos serviços do dever de fiscalização das condições a que eram submetidos os trabalhadores terceirizados fora do local de trabalho, sobretudo quando certamente sabia que os trabalhadores haviam sido recrutados em outro estado e que estavam em alojamento fornecido pela empregadora. É muito cômodo a tomadora sustentar que respeitou os direitos e a dignidade dos trabalhadores enquanto eles estavam em suas dependências, sem se preocupar com as condições a que eles eram submetidos fora do local de trabalho.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 324, reconheceu a validade da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, porém estabeleceu obrigações às empresas contratantes, especialmente o dever de fiscalização, com a finalidade de evitar a precarização do trabalho e violação da dignidade do trabalhador.

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A conclusão do tribunal a respeito do tema foi a seguinte: "O Tribunal, no mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido e firmou a seguinte tese: 1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Nesta assentada, o Relator esclareceu que a presente decisão não afeta automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 30.8.2018” (grifei).

Na ementa da decisão, constou: “3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações.

4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993)” (grifei).

No voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, constou expressamente o dever de fiscalização, nos seguintes termos: “De fato, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, na terceirização, constitui corolário mínimo dos direitos assegurados pela Constituição aos trabalhadores e da vedação a que a exploração da atividade econômica ocorra às custas da dignidade do trabalhador. Tais exigências podem ser inferidas do artigo 7º da Constituição, que constitucionalizou um conjunto amplíssimo de normas trabalhistas e assegurou o direito de acesso dos trabalhadores à previdência social, bem como a medidas de saúde, segurança do trabalho e prevenção de acidentes. Celebrar contratos de terceirização, a baixo custo, com empresas terceirizadas, não fiscalizá-las, apropriar-se de parte das vantagens econômicas auferidas com a violação de tais normas e pretender eximir-se de qualquer consequência decorrente de tal estado de coisas é ilegítimo. Quem terceiriza aufere as vantagens e, portanto, também deve assumir os ricos da terceirização, que não podem ser suportados apenas pelos

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empregados e pelo Poder Público, em sua vertente de previdência e assistência social” (grifei).

Portanto, se a tomadora dos serviços não cumpriu com seu dever de fiscalização, concorreu para a violação dos direitos trabalhistas e dignidade do trabalhador, respondendo não apenas pela reparação dos danos de cunho eminentemente trabalhista, como também pelos danos decorrentes da violação da dignidade do reclamante, no caso, os danos morais.

Nessa senda, declaro a responsabilidade subsidiária da reclamada COOPERATIVA VINICOLA AURORA LTDA pelas obrigações trabalhistas e danos morais sofridos pelo reclamante, limitando a sua responsabilidade a 25% (vinte e cinco por cento) do total da condenação.

Por outro lado, julgo improcedentes os pedidos em relação às reclamadas COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI LTDA e VINICOLA SALTON S.A.

7. Limites da condenação A atual, iterativa e notória jurisprudência do TST está consolidada no sentido de que, ao menos quando houver ressalva na petição inicial indicando que o valor atribuído aos pedidos tem caráter estimativo (em atenção ao disposto no art. 840, § 1º, da CLT), tais valores não limitam a condenação. Nesse sentido a decisão proferida pela SDI-I do TST no recurso Emb-RR 55536.2021.5.09.0024, julgamento em 30/11/2023, relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro.

Assim, uma vez que na inicial constou a ressalva do caráter meramente estimativo, os valores atribuídos aos pedidos não constituem limite à condenação.

8. Justiça gratuita O reclamante percebia remuneração inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social e, além disso, apresenta declaração de insuficiência econômica (ID b9849f9), razão por que lhe concedo o benefício da justiça gratuita, forte na disposição dos artigos 5º, LXXIV, da CF/88 e 790, §§ 3º e 4º, da CLT (com a redação dada pela Lei 13.467/2017), a fim de isentá-lo das despesas decorrentes do processo.

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9. Honorários advocatícios A norma do art. 791-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, introduziu no processo do trabalho a sucumbência em honorários advocatícios, a serem fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

O direito aos honorários advocatícios de sucumbência independe de a parte ser beneficiária da justiça gratuita e/ou assistida pelo sindicato da sua categoria profissional.

Assim, defiro à procuradora da reclamante o pagamento de honorários advocatícios, na razão de 10% sobre o valor bruto da condenação.

Por outro lado, a parte autora é sucumbente em pedidos formulados na inicial, cabendo o deferimento de honorários aos procuradores das reclamadas (art. 791-A, § 3º), em percentual que fixo em 10% sobre o valor dos pedidos improcedentes. Esclareço que os patronos das reclamadas são credores solidários dos honorários arbitrados, no percentual total de 10%.

Com respeito à exigibilidade dos honorários advocatícios da parte beneficiária da justiça gratuita, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, constante do parágrafo 4º do art. 791-A da CLT, em julgamento da ADI 5766, conforme acórdão publicado em 03 /05/2022.

Assim, não houve a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo 4º do art. 791-A da CLT, mas apenas de uma parte do seu conteúdo, acima especificada, impondo-se observar o texto remanescente da norma, que trata da suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios.

Portanto, na medida em que o autor é beneficiário da justiça gratuita, a exigibilidade dos honorários advocatícios concedidos à parte reclamada fica suspensa pelo período de dois anos, findo o qual a obrigação será extinta, salvo se os credores demonstrarem que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade (art. 790-A, § 4º).

10. Descontos previdenciários e fiscais

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Fls.: 26

Autorizo a dedução da contribuição previdenciária incidente sobre as parcelas salariais deferidas neste julgado. Em razão da natureza indenizatória, não sofrem incidência o aviso prévio indenizado, FGTS, com acréscimo de 40%, férias indenizadas, com 1/3 e indenização por danos morais. As reclamadas deverão comprovar nos autos o recolhimento da contribuição previdenciária, cotas do empregado e patronal, sob pena de execução.

Da mesma forma, autorizo os descontos fiscais cabíveis, cujo recolhimento as reclamadas também deverão comprovar nos autos.

11. Compensação Conforme esclarecido no item relativo às horas extras, não houve pagamentos ao título no curso do contrato, não cabendo autorizar a dedução de valores em relação às horas extras, horas intervalares e reflexos.

Por outro lado, a Cooperativa Vinícola Aurora postula a dedução dos valores pagos ao reclamante em razão do Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho, no valor de R$ 9.523,81 (fls. 229/238). O pagamento foi reconhecido, inclusive, no depoimento pessoal do reclamante. Assim, considerando que o valor foi pago ao título de dano moral individual, fica autorizada a dedução em relação à indenização deferida ao mesmo título.

12. Juros e correção monetária Os critérios de juros e correção monetária, inclusive levando em conta a recuperação judicial da SELTEC, deverão ser definidos no momento oportuno, na fase de liquidação da sentença.

13. Litigância de má-fé Não verifico o suporte fático para incidência das normas processuais relativas à litigância de má-fé. Não se pode vincular o exercício do direito de ação ao êxito nos pedidos deduzidos em juízo.

Rejeito o requerimento das reclamadas Cooperativa Garibaldi e Vinícola Salton.

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Fls.: 27

Ante o exposto, PRELIMINARMENTE, REJEITO as prefaciais arguidas pelas reclamadas. NO MÉRITO , julgo IMPROCEDENTES os pedidos em relação às reclamadas COOPERATIVA VINICOLA GARIBALDI LTDA e VINICOLA SALTON S.A. e PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos quanto às demais reclamadas, para condenar, solidariamente, as reclamadas OLIVEIRA & SANTANA PRESTADORA DE SERVICOS LTDA – ME e FENIX SERVICOS ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA e, subsidiariamente, a reclamada COOPERATIVA VINICOLA AURORA LTDA, com limitação da subsidiariedade a 25% (vinte e cinco por cento) do total da condenação, a pagarem ao autor, RODRIGO VASCONCELOS DOS SANTOS, nos termos da fundamentação: a) horas extraordinárias excedentes a 8 horas por dia e/ou 44 horas semanais, com reflexos em repousos remunerados e feriados, aviso prévio, 13º salário, férias, acrescidas de 1/3 e FGTS, com acréscimo de 40%; b) horas faltantes para completar o intervalo entre jornadas previsto no artigo 66 da CLT, com adicional de 50%, a título indenizatório; c) indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), contemporâneo ao ajuizamento da ação. Os valores serão apurados em liquidação de sentença, com juros e correção monetária, na forma da lei, autorizados os descontos previdenciários e fiscais cabíveis, bem como a dedução do valor pago ao reclamante ao título de dano moral individual. As reclamadas pagarão honorários advocatícios, no percentual de 10% sobre o valor bruto da condenação, e custas, de R$ 1.040,00, calculadas sobre o valor de R$ 52.000,00, arbitrado à condenação, passíveis de complementação. Concedo honorários advocatícios às advogadas das reclamadas, na razão de 10% sobre o valor dos pedidos julgados improcedentes, porém a exigibilidade fica suspensa, nos termos da fundamentação. As reclamadas comprovarão, nos autos, os recolhimentos previdenciários cabíveis, sob pena de execução.

Sentença publicada nos autos eletrônicos. Intimem-se as partes e o MPT. Transitada em julgado, cumpra-se. Nada mais.

BENTO GONCALVES/RS, 15 de janeiro de 2024.

SILVIONEI DO CARMO Juiz do Trabalho Titular Assinado eletronicamente por: SILVIONEI DO CARMO - Juntado em: 15/01/2024 11:03:46 - 247f2c2 https://pje.trt4.jus.br/pjekz/validacao/24011209412458100000141198985?instancia=1 Número do processo: 0020515-36.2023.5.04.0512 Número do documento: 24011209412458100000141198985