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ZERO HORA > DOMINGO | 5 | FEVEREIRO | 2006
Economia > economia@zerohora.com.br
Sinais de retomada da locomotiva européia
A invasão chinesa que toma conta do Brasil
Página 23
Páginas 26 e 27
Editora executiva: Maria Isabel Hammes > 3218-4701. Editora: Christianne Schmitt > 3218-4702 . Coordenador de produção: Pedro Dias Lopes > 3218-4707
Mobilidade social
Quando as portas se abrem FOTOS RONALDO BERNARDI
MARTA SFREDO
Ao raiar do dia, quando Eduardo Vicente Carvalho Finamor vai para o trabalho, o deslocamento da Vila Pinto, na zona leste de Porto Alegre, até o bairro Moinhos de Vento, não demora mais de 10 minutos.
A
distância que o rapaz de 20 anos transpõe, porém, separa dois mundos: da casa muito simples, à beira de uma rua sem saída e sem pavimentação, para um dos hotéis mais elegantes da cidade – e da vizinhança com a violência e o desamparo para o convívio com a riqueza e o luxo. Eduardo é um exemplo de um fenômeno social importante, a busca de melhoria de vida. Mas pesquisas regulares para medir essa mobilidade deixaram de ser feitas pelo governo (veja reportagem abaixo). Filho de um ferreiro armador desempregado e de uma doméstica que faz faxinas eventuais, Eduardo tem hoje a única renda fixa da família. Mas o seu salto também é fruto do trabalho dos pais, João Vicente Finamor e Mara Teresinha Carvalho de Andrade, na sua educação. Com mais dois irmãos, Ricardo, de 17, e Eliane, de 13, o capitão-porteiro do turno de 7h a 15h20min do Sheraton Porto Alegre Hotel é um exemplo que ultrapassa as fronteiras domiciliares. É uma inspiração para jovens de todas as periferias. – O pessoal que mora em vila tem as portas muito abertas para o lado ruim. Tem drogas por perto, companheiros para roubar por perto. Se quiser acordar cedo e trabalhar, tem de querer muito – confessa Eduardo.
Uma travessia com apoio e oportunidades aproveitadas Marli Medeiros, líder da ONG Centro de Educação Ambiental, da Vila Pinto, é testemunha de que a travessia de Eduardo começou cedo, quando o então garoto se destacava nas atividades comunitárias. – Ele perguntava “quem sabe colocamos a corda lá em cima?”, e muitos diziam “não vai dar”, então ele respondia “se a gente subir ali e passar por lá, dá”. É como dizem hoje, uns são comprometidos, outros não – relata Marli. A ONG fazia coleta de lixo para o Moinhos Shopping, do mesmo em-
Eduardo é um dos exemplos de ascensão na sociedade, e o avanço exige sair de casa de madrugada para trabalhar como capitão-porteiro de hotel de luxo preendedor. A partir desse contato, tornou-se referência para as necessidades de mão-de-obra do hotel. A gerente de recursos humanos e qualidade, Patrícia Fernandes, explica que o envolvimento com a comunidade é uma política internacional da rede, mas o recrutamento em comunidades carentes, uma escolha local. Em Porto Alegre, Vila Farrapos, Vila Jardim e Bom Jesus também são referência para a contratação de auxiliares de cozinha, mensageiros, arrumadeiras e garçons, que ganham de R$ 550 a R$ 700. Dos 160 funcionários do Sheraton Porto Alegre, 20 são provenientes desses contatos. – No começo foi complicado. Pensava: umas com tanto e outras com tão pouco. Nunca tinha visto nada igual. Depois acostuma, pensa em fazer o trabalho, cumprir os padrões e filtrar o máximo de coisas boas que o trabalho dá – conta Eduardo.
A transição não foi fácil. A primeira tentativa foi em maio de 2003, como auxiliar de cozinha no projeto Menor Aprendiz. Logo fez 18 anos e precisou se desligar. Mas deixou boa impressão: três meses depois, voltou como estagiário – fazia a reposição no frigobar dos apartamentos. Em menos de um ano, foi efetivado como mensageiro e, em novembro, promovido a capitão-porteiro – a primeira imagem do hotel para o hóspede, quem faz as honras da casa ainda do lado de fora da porta. – Eu sempre aproveitei os treinamentos e me ofereci para a vaga. Bem ambicioso que eu sou, né? Mas pensei: vou me candidatar, não tenho nada a perder – confessa. Uma porta se abriu para Eduardo, sinal de um caminho que outros podem percorrer. ➧ marta.sfredo@zerohora.com.br
Um país sem velocímetro Desde 1996, as perguntas fundamentais para medir a mobilidade social não são feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no grande levantamento de indicadores sociais do país, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Maria Celi Scalon, professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, lamenta a falta de dados que permitem avaliar se a sociedade está se abrindo ou não. – Esses mudanças costumam ser lentas, mas já passou bastante tempo e é importante saber com que rapidez está se comportando a mobilidade social no país – pondera. Autora de uma tese de mestrado
sobre o tema, Maria Celi explica que há dois tipos fundamentais de movimentação: quando há grande diferença entre a situação do pai em relação ao filho – intergeracional – e a evolução de cada pessoa – intrageracional. Assim, para medir a primeira se pergunta a ocupação do pai, e para aferir a segunda, qual a primeira ocupação do entrevistado. – A velocidade da mobilidade intergeracional costuma ser maior, mas mesmo essa não é tão grande. A competição entre pessoas com origem na elite e em outros extratos é muito desigual – avalia a socióloga. Educação e rede de relacionamentos são o combustível dos que conseguem se movimentar, aponta. O crescimento dos programas de responsabilidade social nas empresas também ajuda a abrir algumas portas, embora ainda sejam poucas para o tamanho das disparidades no Brasil.
SEGUE