| 4 | Reportagem Especial >
ZERO HORA > SÁBADO | 3 | NOVEMBRO | 2007
30 anos do seqüestro
Um brinde à vida GENARO JONER
THAIS SARDÁ
Na tarde de 3 de novembro de 1977, há exatos 30 anos, um time de futebol infantil se reuniu para uma partida que nunca foi realizada. A equipe foi vítima do maior seqüestro do Rio Grande do Sul, notícia na época em todo o Brasil. As seis crianças, moradoras do bairro Moinhos de Vento, um dos mais tradicionais de Porto Alegre, foram levadas por Santino Ferreira da Silva, atendente de uma ferragem, enquanto se programavam para ir a um campinho jogar bola. O episódio foi relembrado na quinta-feira, em uma churrascaria da Capital, quando cinco dos seis seqüestrados brindaram juntos à vida.
N
a mesa do restaurante, estavam os irmãos Renato e Rogério Padilla, Edgardo Marques da Rocha Velho, Rafael Mottin e Alexandre Crespo. Apenas Renato Rizzo não pôde comparecer. Como bons amigos, lembraram os momentos mais tensos de suas vidas a gargalhadas, embora não tenham o costume de se encontrar. – Parece que a gente saiu ontem do Anchieta – comentou Rocha Velho, aos 42 anos, fazendo referência ao colégio onde estudavam. Eles têm poucas lembranças do dia do seqüestro. Os seis formavam um time conhecido na Rua Santo Inácio, convidado a participar de
Outro encontro com a violência urbana Não bastasse ter passado por um seqüestro aos 14 anos, Alexandre Crespo foi mais uma vez vítima de violência. Ele conta que já teve duas armas apontadas para a sua cabeça, durante ação de bandidos em frente à casa da sua mãe na Rua 24 de Outubro, no Moinhos de Vento. Ele estava com a namorada e duas sobrinhas quando foi abordado por dois houm jogo por Santino, que trabalhava na vizinhança. No carro alugado por ele, o caminho traçado foi diferente do combinado. Os meninos, entre oito e 14 anos, foram levados e ficaram duas noites presos em uma Kombi estacionada em Mato Alto, interior de Gravataí. Na primeira madrugada, chegaram a ficar presos com correntes. Animados com o encontro, eles olhavam a foto que saiu no jornal à época. Brincavam que alguns, naquela imagem, deviam estar com as calças molhadas, tamanho foi o susto. Por 36 horas, eles ficaram presos no carro, mobilizando não só a polícia gaúcha, mas as de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Após o pagamento do resgate, no valor equivalente a cerca de US$ 133 mil (R$ 232 mil), e longas horas de espera, as crianças foram devolvidas às famílias. Os seis chegaram ao bairro em que moravam em um táxi, aguardados por
mens, que levaram o seu carro. Outros três seqüestrados também lidaram com a violência quando adultos. Edgardo Rocha Velho teve o carro furtado uma vez. Rogério Padilla conta que o som do seu carro foi levado e, em outra ocasião, sua casa foi arrombada. Já seu irmão Renato Padilla teve o som de carro furtado, conforme ele, várias vezes. dezenas de vizinhos e familiares. – Quando vi meu pai chorando na calçada, entendi o que tinha acontecido. Nunca tinha visto ele chorar – diz Mottin, hoje com 43 anos. Os cinco adultos à mesa lembravam as palavras ditas por Santino quando anunciou que não iriam jogar bola. – Ele disse “vocês entraram numa fria, não tem jogo de futebol, isto é um seqüestro” – conta Renato Padilla, 44 anos. Identificado por meio de um retrato-falado, o seqüestrador foi preso na mesma semana. A história que Santino contou para as crianças durante as horas de cativeiro foi de que seu filho havia sido seqüestrado, e ele estava sendo obrigado por outras pessoas a mantê-los reféns. Por isso, os garotos não se voltaram contra o homem. Para o leiloeiro Alexandre Crespo, 43 anos, isso não significa que tenha se criado uma relação amis-
tosa com ele. Pelo contrário, quando voltaram para casa, os seis queriam que o seqüestrador fosse rigorosamente punido. – Foi um crime – afirmou Crespo. A família Padilla teve um sofrimento duplo, porque os irmãos Renato e Rogério foram levados juntos. Para Renato Padilla, as horas de cativeiro parecem ter sido um sonho. Com 38 anos, Rogério Padilla, o caçula e goleiro do time, conta que gostava de andar entre os amigos do irmão, por isso estava com eles naquele dia. – Quando voltamos de táxi, só conseguia pensar no castigo que ia levar, no mínimo um mês, mas entramos na rua e tinha um monte de gente – lembra. Para Mottin, levar seis crianças ao mesmo tempo foi uma loucura que não seria repetida hoje. Os seqüestrados acreditam que ele ia levar apenas um, mas achou mais fácil manter o time junto. Após o cativeiro, Mottin sentiu uma mudança de comportamento e de personalidade. – Foi a perda da nossa ingenuidade – define. ➧ thais.sarda@zerohora.com.br
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