Todas as matérias sobre Rubens Paiva

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www.zerohora.com

UM ÍDOLO QUE INTRIGA O BRASIL Passagem de Belchior pela Capital é novo capítulo sobre o estranho comportamento do cantor PÁGINAS 46 e 47 PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012 - ANO 49 - Nº 17.213 - 2ª EDIÇÃO

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EXCLUSIVO

Deputado Rubens Paiva ficou preso no DOI-Codi Documentos encontrados na casa de coronel assassinado em Porto Alegre desfazem um dos grandes mistérios do regime militar e comprovam o ingresso de político em órgão da repressão no Rio antes de desaparecer, há 41 anos.

O desabafo do filho: “Sempre é a imprensa que conta a história”

PÁGINAS 4 e 5

Chance à paz

JUAN MABROMATA, AFP

O Oriente Médio que sai de oito dias de guerra

QUE FASE, FRED!

Com mediação do Egito,Israel e grupos palestinos acertam cessar-fogo que promete reduzir tensão em Gaza. Págs. 32 e 33

LUXA renova por

Armadilha Assassinato após encontro pelo Facebook Atraído por ex-namorado, paranaense foi morto e teve carro roubado em Encantado, noVale do Taquari. Página 51 Técnico tricolor recebeu de Koff garantia de contratações

Dunga sobre o Inter Artilheiro do Brasileirão marcou na partida e nos pênaltis na vitória sobre a Argentina na Bombonera

Esportes

“Sem iniciativa, fica complicado”

WESLEY SANTOS, PRESS DIGITAL

dois anos


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ZERO HORA QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial

ARQUIVOS DO DOI-CODI Documentos comprovam a prisão de Rubens Paiva JOSÉ LUÍS COSTA

U

m dos papéis mais procurados de um período sombrio da história do Brasil,uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever datada de janeiro de 1971,está guardado em um cofre do Palácio da Polícia Civil,em PortoAlegre.O documento confirma o envolvimento direto do Exército em um dos maiores enigmas do país protagonizado pelas Forças Armadas,cuja verdade é desconhecida até hoje. É, até então, a mais importante prova material de que o ex-deputado federal, engenheiro civil e empresário paulista Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos, vítima-símbolo dos anos de chumbo, esteve preso no Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro, um dos mais temidos aparelhos de tortura do país. O corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela Ditadura Militar (1964 a 1985). Durante quatro décadas, o documento fez parte do arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos. Gaúcho de São Borja, o

coronel foi chefe do DOI-Codi do Rio, cerca de 10 anos depois do desaparecimento. Em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi assassinado quando chegava de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na capital gaúcha. Seria uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas) ou um assassinato por razões ainda desconhecidas – a polícia investiga o caso.

Com a assinatura do ex-deputado Em meio a um conjunto de papéis com o timbre do Ministério do Exército, parte deles com o carimbo“Reservado ou Confidencial”,o documento referente à entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi foi arrecadado pelo delegado da Polícia Civil Luís Fernando Martins de Oliveira,responsável pela investigação da morte do militar. Zero Hora acompanhou a coleta e folheou parte dos papéis.O delegado evitou divulgar o conteúdo, mas afirmou que a documentação em nada compromete a trajetória profissional de Molinas Dias. – Pelo que consta ali, já descartamos a hipótese de o coronel ter sido morto por vingança em razão da atividade no Exército – garantiu o delegado.

Sob o título “Turma de Recebimento”, o ofício contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3),a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de documentos, pertences pessoais e valores do ex-deputado (veja quadro na página 5).Na margem esquerda do documento, à caneta, consta uma assinatura,possivelmente de Paiva.

Promotor deve pedir documento O termo de recebimento dos objetos é chancelado em 21 de janeiro de 1971 pelo então oficial de administração do DOICodi, cujo nome é ilegível no documento. É possível que seja o mesmo capitão que, em um pedaço de folha de caderno (também guardado por Molinas Dias), escreveu de próprio punho, em 4 de fevereiro de 1971, que foram retirados pela Seção de Recebimento “todos os documentos pertencentes ao carro”de Paiva que tinha sido levado para o DOI-Codi. Em visita à 14ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre, na semana passada, integrantes da Comissão Nacional da Verdade – criada pelo governo federal para investi-

gar crimes na ditadura – solicitaram uma cópia dos documentos, que deverá ser remetida a Brasília nos próximos dias. O documento também interessa,e muito, ao promotor Otávio Bravo, que atua junto à Justiça Militar no Rio.No ano passado, ele reabriu a investigação do caso Rubens Paiva, após o Brasil ratificar em convenção internacional, o compromisso de apurar casos de desaparecimento forçado,como ocorreu com Paiva. – Vou requisitar o documento. Não tenho conhecimento dele.Pode ser mais um indício para apurar a verdade e de que ele (Paiva) morreu no DOI-Codi – afirmou. Segundo Bravo, até então, a informação mais contundente sobre a passagem de Paiva pelo DOI-Codi carioca se limita a relatos verbais, entre eles o de Maria Eliane Paiva,uma das filhas do ex-deputado. Aos 15 anos, ela foi levada ao DOI-Codi para ser interrogada no dia seguinte à prisão do pai.Passadas quatro décadas,ao depor pela primeira vez sobre o caso perante o promotor, Eliane disse que ouviu de um soldado que Paiva foi morto após ser espancado no DOI-Codi. – É a única prova que tenho de que ele foi para lá. O documento pode dar credibilidade aos depoimentos – diz Bravo. joseluis.costa@zerohora.com.br


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ZERO HORA QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012

“É como se o meu pai se materializasse” CARLOS ETCHICHURY

Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Vera Paiva, 58 anos, saía de uma sala de aula quando conversou com Zero Hora, no início da noite de ontem, sobre documentos reveladores acerca do desaparecimento de seu pai, ex-deputado Rubens Paiva (PTB), 41 anos atrás. – Fiquei completamente arrepiada com os materiais apreendidos. É como se o meu pai se materializasse na minha frente, de paletó e gravata, saindo de casa – disse Vera, ao tomar conhecimento do documento que, pela primeira vez, oficializa a passagem de Paiva pelo DOICodi, no Rio de Janeiro. Vera era adolescente quando Rubens Paiva foi visto pela última vez, no Rio. Conduzido por militares em 20 de janeiro de 1971, o ex-parlamentar do PTB teria sido levado para a sede do DOI-Codi, no dia seguinte. – Espero que essa revelação puxe outros fios e que as pessoas se comovam

para resolver o problema da tortura no Brasil – complementa Vera. Irmão de Vera, o escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva definiu como “chocante”o teor do documento lido para ele pela reportagem de ZH: – Eu tô vendo o meu pai... Eu já vi essa cena na minha cabeça umas 7 mil vezes: meu pai chegando ao DOI-Codi.

“Sempre é a imprensa que conta a história”, diz o filho Marcelo Para Marcelo, é revelador do estágio da democracia no país e do papel relevante da imprensa. – É a prova cabal de que a Comissão da Verdade é mais do que útil e precisa trabalhar. Não podemos deixar o acaso contar a história. A história precisa ser contada através de investigação, de apuração. Nunca é o Estado que está revelando. Foi através de jornalistas que nós soubemos do desaparecimento do meu pai. Sempre é a imprensa que conta a história – observou Marcelo.

Na opinião do escritor, trata-se de uma prova “contundente” de que o exdeputado Rubens Paiva esteve preso no DOI-Codi. – E aí? Cadê? O que aconteceu com ele? – complementa. As revelações do acervo do coronel Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos, também repercutiram junto à Comissão da Verdade Rubens Paiva, em São Paulo, que se dedica a apurar casos de desaparecimentos durante a Ditadura Militar. Coordenador da comissão, o jornalista Ivan Seixas ressalta o aparecimento de uma prova irrefutável de que Paiva esteve num aparelho do Estado no dia 21 de janeiro de 1971 – um dia depois de ser visto pela última vez, deixando sua casa no Rio. – É a primeira vez que se tem nas mãos um registro documental de que ele esteve no DOI-Codi – complementa Seixas, que pretende ter acesso ao material em poder da polícia gaúcha.

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UM OUTRO OLHAR SOBRE O RIO GRANDE

Leitores registram suas cidades no Instagram. Página 46

PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012 - ANO 49 - Nº 17.214 - 2 ª EDIÇÃO

SC/PR - R$ 3,00/ DEMAIS REGIÕES - R$ 4,50/ URUGUAI - $ 48

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Gente

A peça-chave do caso Rubens Paiva

Verissimo é internado em estado grave Após voltar do Rio, escritor foi hospitalizado com dores musculares, febre e fadiga. Página 38

Para promotor que reabriu investigação, documento revelado por ZH, que comprova prisão de ex-deputado no DOI-Codi no Rio, é fundamental para ajudar a desvendar um dos maiores mistérios do regime militar.

O dia de Barbosa FÉLIX ZUCCO

“Há déficit de justiça no Brasil” PEDRO LADEIRA, ESTADÃO CONTEÚDO

O documento era um suvenir da guerra suja?

Ao tomar posse, novo presidente do Supremo cobra independência para o Judiciário. Página 12 BRIGA POR CELULAR

A ZH, em São Paulo, o filho Marcelo Rubens Paiva questiona por que coronel assassinado guardava em casa arquivo sobre seu pai Páginas 4, 5, 6 e 11 JEAN SCHWARZ

No Olímpico Grêmio e Luxa em segunda lua de mel Elogios, promessas de contratações e títulos entre técnico e o presidente Koff.

Esportes

No Beira-Rio Quem está fora dos planos para 2013 Bolívar, Nei e Dátolo na lista dos que não devem ficar no Inter.

Queixas contra sinal ruim voltam a crescer Após ofensiva de Procon e Anatel, insatisfação segue e OAB pede intervenção. Pág. 24


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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial

Documento vira peça

fundamental A

Registro que comprova entrada de Rubens Paiva nas dependências de unidade do Exército, em 1971, revelado ontem por Zero Hora, será usado por promotor do Rio de Janeiro para embasar investigação sobre o desaparecimento do ex-deputado

JOSÉ LUÍS COSTA*

BANCO DE DADOS

EPISÓDIO DO SUMIÇO DE RUBENS PAIVA COMEÇA A TER NOVOS CONTORNOS

revelação, feita por ZH, de um documento comprovando que o ex-deputado federal Rubens Paiva foi sequestrado por militares e levado ao Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio, em 1971, mexeu ontem com o cenário político-ideológico e militar do Brasil. Um dos mais entusiasmados é o promotor Otávio Bravo, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio. Ele considera que surgiu a primeira prova documental da entrada do ex-deputado naquela repartição, um conhecido centro de torturas – algo que,até então,apenas se tinha ouvido falar. Trata-se de uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever,na qual o próprio Exército relata a prisão do ex-parlamentar. Intitulado “Turma de Recebimento”, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3),a equipe que o trouxe (o CISAer,Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do exdeputado. Consta nele, também, uma assinatura,possivelmente de Paiva. Essa simples folha de papel muda a história oficial, já que o corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964-1985).O documento ficou quatro décadas guardado no arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel

Molinas Dias,78 anos.Gaúcho de São Borja, o coronel chefiou o DOI-Codi 10 anos depois do desaparecimento. O documento só surgiu porque,em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi morto ao chegar de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na Capital. Tudo indica que se trata de uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas), embora não esteja descartado homicídio por algum desafeto ligado ao passado do oficial.A investigação está com o delegado Luís Fernando Martins de Oliveira. O promotor Bravo vai requisitar cópia do documento à Polícia Civil gaúcha. Ele considera que foram praticados pelo menos quatro crimes,no sumiço de Paiva: tortura, sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. O assassinato e a tortura já estariam prescritos, por terem se passado mais de 20 anos, ou estariam perdoados, por terem se consumado antes da vigência da Lei da Anistia,em 1979. Já o sequestro poderia estar em curso – fato que ele não acredita –,assim como a ocultação de cadáver. Sendo assim, os executores não estariam anistiados e o crime de ocultação do cadáver seria passível de punição. Bravo pretende encaminhar o procedimento investigatório à Comissão Nacional da Verdade e ao Ministério Público Federal, que tem competência para apresentar denúncia de crimes comuns à Justiça (sequestro e cárcere privado são crimes comuns). Por atuar junto à Justiça Militar,Bravo só pode apresentar denúncias referente a crimes militares. Organizações de ex-presos políticos também se entusiasmaram com a descoberta do documento guardado

pelo coronel. Para a coordenadora do Grupo Tortura Nunca Mais,Victória Grabois,o relato de que dois cadernos de anotações de Paiva ficaram com o major José Antônio Nogueira Belham escancara a necessidade de que o militar deponha à Comissão daVerdade: – A gente pode não acreditar, mas temos de pressionar para que ele seja ouvido. É evidente que ele deve saber o que aconteceu. Esse cara precisa falar em um depoimento público, que não seja a portas fechadas – apela.

“MANTER DOCUMENTOS DESSE QUILATE EM PODER DE MILITARES É UM CRIME CONTRA A HISTÓRIA DO PAÍS” Por meio de sua assessoria, o presidente da comissão, ex-procuradorgeral da República Cláudio Fonteles, garantiu que o documento será analisado e não descartou que o militar seja ouvido. Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke considera que a manutenção de documentos deste quilate em poder de militares “é um crime contra a história do Brasil”. – Tinham consciência de que um dia poderiam ter de prestar contas. Então resolveram levar os documentos para serem usados em caso de necessidade.Deixam lacunas na história – conclui Krischke. joseluis.costa@zerohora.com.br *Colaborou Humberto Trezzi


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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

ENTREVISTA

Otávio Bravo Promotor militar que investiga o sumiço de Rubens Paiva

“Bateram demais e perderam o controle” Por telefone, de seu apartamento no bairro carioca do Leblon, o promotor Otávio Bravo, 44 anos, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, falou sobre o caso Rubens Paiva e seu trabalho para tentar desvendar o paradeiro de 39 desaparecidos em poder de repressores durante a ditadura militar. Confira trechos: Zero Hora – Qual a importância do documento que comprova a entradadeRubensPaivanoDOI-Codi? Otávio Bravo – Estamos trilhando uma prova que dá credibilidade à declaração de uma das filhas do Rubens Paiva, que ouviu de um carcereiro que ele morreu lá. Ela nunca tinha sido ouvida por uma autoridade brasileira, por incrível que pareça. Foi presa aos 15 anos, ficou um dia detida no DOI-Codi e ouviu dizer: seu pai morreu. ZH – Quantas pessoas o senhor já ouviu? Bravo – Umas 15,mas entre outros casos, eu não investigo só isso.São 39 casos de desaparecidos de unidades militares aqui no Rio de Janeiro. O meu maior foco é a unidade clandestina que funcionava em Petrópolis (serra fluminense),a Casa da Morte. ZH – RubensPaivapassouporlá? Bravo – Existe uma versão de que ele teria passado, mas nada comprovado. Não teria o porquê. Eram levados para lá pessoas que militavam, que eles (militares) queriam dar fim.

ZH – O que houve com Paiva? Bravo – Não foi uma morte planejada. Foi torturado. Bateram demais nele e perderam o controle. Tanto é que há no inquérito, instaurado em 1986, uma declaração de um militar mencionando que a morte teria sido “acidental”. Era para ter sido preso. Não era um militante, um ativista, não pegava em armas. Pelo contrário, era empresário, cuja morte geraria mais problemas do que soluções. ZH – Rubens Paiva foi assassinado no DOI-Codi? Bravo – Para mim, foi assassinado lá, mas já saiu da unidade da Aeronáutica em condições ruins, onde começou a apanhar. Isso sei porque eu tenho o testemunho de duas senhoras que viram ele sendo maltratado. ZH–Épossívelchegaraculpados? Bravo – Sim. No caso do Rubens Paiva,se a gente chega aos nomes dos envolvidos, e conclui que ele morreu antes de 1980,aí os crimes de sequestro e de homicídio estariam prescritos e anistiados pela Lei de Anistia, de 1979. Poderíamos dizer quem foram

os autores dos crimes, mas não teria como punir essas pessoas. ZH – Não tem como? Bravo – Não tem como punir pela Lei da Anistia e porque o prazo de prescrição máximo é de 20 anos.Instaurei o procedimento no ano passado para ajudar a descobrir a verdade e,se possível,encontrar corpos. ZH – É possível levar alguém a julgamento? Bravo – Sim. Seria ingenuidade achar que o sequestro está em curso. Mas ocultação de cadáver é crime permanente até aparecer o cadáver, e ele não apareceu. É um pouco frustrante depois de se falar em tortura, homicídio, sequestro. Mas, se conseguir identificar pessoas que ocultaram o cadáver, elas podem ser colocadas no banco dos réus por esse crime. ZH – E a sua estrutura? Bravo – Só eu e minha secretária.É um trabalho bastante pesado. Houve apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade. Mas não tem apoio de estrutura,estou sozinho.Não há pressão, mas não teve ajuda. Há uma certa resistência das Forças Armadas em fornecer informações meio absurdas de destruição de documentos que a gente sabe que não foram destruídos.

Governador promete liberar

o acervo

– O documento divulgado é importante.Mas há outros que irão ajudar a esclarecer este episódio. A afirmação é do governador Tarso Genro, que não chegou ver a papelada recolhida na casa do coronel assassinado. Ele delegou a tarefa ao secretário estadual da Segurança Pública,Airton Michels, que separou o que considerava relevante. Tarso promete que os documentos deverão ser entregues às comissões nacional e estadual daVerdade na próxima semana. Conhecedor e testemunha da história das lutas políticas contra a ditadura militar, Tarso disse que esclarecer o episódio é fundamental para a consolidação da democracia: – Perverteremos o presente da democracia se não pudermos lançar luzes sobre o que aconteceu no passado. A história das pessoas que lutaram contra os militares é conhecida. Mas há uma sombra sobre o que aconteceu no aparato repressivo. – O documento ajuda a desconstruir o espectro de mentiras que ainda ronda as versões entorno da ditadura militar – avalia Paulo Abrão,presidente da Comissão deAnistia do Ministério da Justiça. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, lembra que o documento localizado em Porto Alegre se encaixa na versão da família do ex-parlamentar sobre o episódio.

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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial FÉLIX ZUCCO

ZEROHORA.COM

> De Ziraldo a Dilma Rousseff, personalidades perseguidas pela ditadura militar > Vídeo com entrevista concedida pelo filho de Rubens Paiva

MARCELO RUBENS PAIVA RECEBEU ONTEM ZH EM SUA CASA

A surpresa do

Quem é o escritor

filho Marcelo Enviado Especial/São Paulo

M NILSON MARIANO

arcelo Rubens Paiva contempla distraído os dois gatos que se espreguiçam na sacada, bafejados pelo sol morno do final de tarde que penetra oblíquo pela janela do apartamento onde mora, na Vila Madalena, em São Paulo. Depois, mordisca levemente o vasto bigode, já com alguns fios grisalhos, e encara o interlocutor para se manifestar sobre o documento – revelado com exclusividade por ZH na quinta-feira – que ajuda a elucidar o assassinato de seu pai, o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, nos porões de tortura da ditadura militar (1964-1985).

Autor de best-seller que influenciou gerações convive com desaparecimento do pai há quatro décadas Um dos cinco filhos de Rubens Paiva, o escritor e dramaturgo não se exalta. A companhia dos felinos, e das centenas de livros que forram

as paredes do escritório e se esparramam pelos cômodos e até no assoalho, amplifica a sensação de quietude. No entanto, ao falar, Marcelo é incisivo: – Fomos surpreendidos. Por que ele guardava o documento? Era uma espécie de souvenir da guerra suja? Pensava torná-lo público? Marcelo e seus familiares não entendem como o ex-chefe do DOICodi do Rio de Janeiro, o coronel da reserva do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, assassinado a tiros no dia 1º supostamente por ladrões, na Capital, mantinha os arquivos da repressão política. Com a descoberta do documento, que prova como Rubens Paiva foi trancafiado no DOI-Codi do Rio, em 20 de janeiro de 1971, Marcelo exige a investigação do papel exercido pelo coronel Molinas. Se conservava o comprovante da prisão de Rubens Paiva – que morreu sob tortura –, teria seus motivos para mantê-lo sob sigilo por quatro décadas. – Qual é a história desse coronel em 1971? Será que ele participou, de uma forma ou de outra, da morte e do desaparecimento do meu pai? – questiona o autor de Feliz Ano Velho. Descoberto pelo repórter José Luís Costa, o documento é uma peça valiosa de um quebra-cabeças que permanece inconcluso 40 anos depois.

Marcelo recorda que a família nunca conseguiu desvendar, por completo, o que ocorreu com Rubens Paiva no DOI-Codi fluminense. A família foi juntando informações esparsas. Uma delas foi proporcionada pelo médico Amílcar Lobo, que auxiliava os torturadores no sentido de avaliar a resistência dos prisioneiros políticos.Em 1986, Lobo garantiu ter visto Rubens Paiva no DOI-Codi, descrevendo-o como“uma equimose só”de tão machucado. Marcelo Paiva diz que o documento divulgado por ZH é relevante, ao evidenciar a entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi, inclusive com a descrição do recebimento de pertences. – É mais uma prova de que chegou andando e saiu esquartejado de lá – diz o escritor. A família Paiva está confiante de que a Comissão Nacional da Verdade, instalada este ano, possa avançar nas investigações nos crimes da ditadura militar.Ela conviveu com o desaparecimento do pai, cujos restos mortais teriam sido escondidos em vários locais, sem jamais poder velar e sepultar o corpo. Porém, Marcelo não “quer um pedaço de fêmur”, mas justiça e punição dos culpados. – Não só para o caso do meu pai, para todas as vítimas – diz o escritor. nilson.mariano@zerohora.com.br

Marcelo Rubens Paiva tinha 11

anos quando o pai deixou a casa, no Leblon, no Rio de Janeiro, conduzido por militares das Forças Armadas para nunca mais retornar.

O desaparecimento do pai, ex-

deputado Rubens Paiva, marcaria a vida de Marcelo e dos quatro irmãos.

Marcelo Rubens Paiva

Por que ele guardava o documento? Pensava torná-lo público mais adiante?

Dez anos depois, um acidente du-

rante um mergulho deixaria Marcelo tetraplégico. Era o segundo grande trauma em sua vida.

Em 1982, o jovem, que até aque-

le momento era conhecido pelo pai ilustre, ganha notoriedade com o livro Feliz Ano Velho. No texto, Marcelo relata, com bom humor, a rotina de um rapaz de classe média confinado a uma cadeira de rodas e aborda o impacto em sua vida do desaparecimento de Rubens Paiva.

Traduzido para muitos idiomas,

se converteu no livro nacional mais vendido da década de 1980, superando quarenta edições. O livro inspirou peça dirigida por Paulo Betti, um filme, dirigido por Roberto Gervitz, e influenciou gerações.

Dramaturgo, Marcelo é autor de uma dezena de peças.

Amanhã, lança “As verdades que

ela não diz”, mais um dos seus livros.

LEIA MAIS NA PÁGINA 11 >


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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial DIVULGAÇÃO, TV GLOBO

O desabafo do

general HUMBERTO TREZZI

E os fatos obscuros e crimes relacionados aos guerrilheiros de esquerda? Quem vai investigar? O questionamento foi feito ontem a Zero Hora pelo general da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, 74 anos, que presidiu durante quatro anos o Clube Militar,entidade sediada no Rio e reconhecida como local de posicionamento político para integrantes das Forças Armadas. É ali que se reúnem militares, especialmente os aposentados – que aí podem manifestar opiniões políticas,proibidas na caserna. E fortes são as manifestações de Figueiredo a respeito da descoberta de documentos que comprovam a prisão clandestina do ex-deputado Rubens Paiva. Gaúcho de Porto Alegre, excomandante militar em Uruguaiana (onde atuava na Cavalaria), o general da reserva é uma espécie de portavoz informal da caserna. Ele diz que tem acompanhado o caso do assassinato do seu colega, o coronel Molinas, no Rio Grande do Sul. Sobre os documentos encontrados na casa dele, Figueiredo é cauteloso: não teve acesso ao material e,por isso, prefere não se aprofundar: – Mas não posso negar a importância desses papéis. Devem ser autênticos. E merecem ser examinados por historiadores, por gente isenta e não engajada politicamente. Questionado se considera a Comissão da Verdade isenta o suficiente para examinar os documentos, Figueiredo esbanja sinceridade.Ele acredita que os documentos devem ir para lá, mas gostaria que a comissão investigasse os dois lados,não um só. – Que olhasse as bombas colocadas em filas de banco, que mataram inocentes, por exemplo. Não é verdade que procuram elucidar todos os crimes, nesta comissão.É preciso que sejam examinados também assaltos e assassinatos praticados pela esquerda. Não sei que posição o Exército vai tomar,mas essa é minha opinião. Zero Hora procurou o atual presidente do Clube Militar,general Renato Cesar Tibau da Costa. Ele preferiu não se manifestar. humberto.trezzi@zerohora.com.br

“ESTES PAPÉIS MERECEM SER EXAMINADOS POR GENTE ISENTA”

MIRIAM GRAVOU EM FRENTE AO EXTINTO DOI-CODI, NO RIO

ENTREVISTA

Miriam Leitão Jornalista

“Um bem precioso rumo à verdade” MARCELO PERRONE

“A sociedade foi Rubens Paiva,não os facínoras que o mataram”.Esta contundente frase de Ulysses Guimarães no Congresso Nacional,na cerimônia de promulgação da nova Constituição,em 1988,abre o documentário Uma História Inacabada,exibido no canal GloboNews em 1º de março deste ano. Zero Hora – Qual foi o ponto de partida para realizar este documentário sobre Rubens Paiva? Miriam Leitão – Quando a Comissão da Verdade foi instituída, eu e meu colega Cláudio Renato tivemos a ideia de falar sobre os desaparecidos não como abstrações, mas como pessoas que tinham famílias, empregos e sonhos e que tiveram suas vidas brutalmente interrompidas.Optamos por personalizar o tema no Rubens Paiva pela lembrança daquele forte e emocionado discurso do deputado Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988, quando ele citou o caso Rubens Paiva e disse:“Eu tenho ódio e nojo à ditadura”.Quem assistiu àquele discurso nunca esqueceu.

O programa,apresentado pela jornalista Miriam Leitão, tem como personagem central Rubens Paiva,deputado cassado pela ditadura militar. Miriam,em parceria com o jornalista Cláudio Renato, conduziu sua investigação sobre o episódio exibindo imagens de arquivos – como uma entrevista da mulher do deputado,Eunice Paiva,em 1978,e depoimentos de pessoas ligadas ao caso.Veja trechos da entrevista.

ZH – Durante a realização do especial se aventou a possibilidade de documentos como esse revelado por Zero Hora existirem? Miriam – Nós mostramos o único documento que se tinha, que está em poder da família há 41 anos: um comprovante de estacionamento entregue por um oficial do Exército. Quando foi capturado, Rubens Paiva dirigiu o próprio carro até a sede do 3º Comar no Rio. Ele foi torturado por militares da Aeronáutica e transferido para o DOI-Codi.Mostramos ainda as provas testemunhais de uma senhora que, por não poder falar, nos relatou por escrito que esteve presa com ele, e da filha Maria Eliana Paiva, que também esteve no DOI-Codi. Este documento

revelado por Zero Hora é um passo muito além,é um bem precioso rumo à comprovação da verdade. ZH – Como você avalia o papel da imprensa na investigação e publicação de documentos? Miriam – Esta é uma pauta permanente não só para a imprensa,mas para o Brasil. É preciso deixar para as próximas gerações um registro histórico mais preciso do que realmente ocorreu no período da ditadura, sobre o que ocorreu com Rubens Paiva, comVladimir Herzog e outros.Muitos documentos sigilosos foram levados para casa por militares. Zero Hora mostra neste episódio que o bom jornalista vai saber como encontrá-los.

A farsa FLÁVIO TAVARES

Colunista

N

o auge da ditadura Médici,os jornais do Rio destacaram uma “audaciosa ação da guerrilha terrorista”: o resgate,por seus comparsas,de um preso levado aoAlto da Tijuca para apontar esconderijos.A foto do Fusca queimado em que transportavam o prisioneiro,fazia tudo verossímil. Mas a imprensa,sob censura e sob controle direto ou indireto,não daria a ênfase que deu se a notícia fosse verdadeira.Só algo falso,“plantado”pelos que mandavam em tudo,teria tanto destaque,até no rádio e na TV. Ao ler os jornais,no exílio no México, desconfiei.A saída de presos para

“reconhecimento”era supersecreta e um resgate na rua seria difícil até interceptando telefones do Exército. Conhecia o horror do quartel“de onde saiu o preso”,e nada entendi. A farsa sobre o desaparecimento de Rubens Paiva começou ali.Dias antes, a mãe de uma exilada no Chile fora detida ao desembarcar no Rio com uma carta em que outra exilada indagava se Rubens“havia entregue a encomenda”. Pouco antes,ele fora ao Chile para que sua empresa de engenharia participasse da construção do metrô de Santiago e,como era comum,trouxe cartas e presentes dos exilados brasileiros a parentes e amigos. Em seguida,aAeronáutica o prendeu em sua casa para“esclarecimento”.No

dia seguinte,a mulher e a filha,presas depois,ouviram sua voz no quartel do DOI-Codi,onde outros presos o viram. O médico militarAmilcar Lobo (que, com o estetoscópio,media se o preso “aguentava”o eletrochoque) conta que o examinou na tortura.Rubens nada sabia de nada e não podia sequer inventar subterfúgios para interromper a tortura. Morreu por isto.Por ser absolutamente alheio ao que lhe indagavam. Só com outro crime a farsa se desmoronou através da própria imprensa,41 anos depois.E,por ironia, revelada por um repórter nascido em 1964,o ano do golpe que gerou tudo isto. *Em 1969, Flávio Tavares esteve preso no mesmo quartel de Rubens em 1971.


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Geral

ZERO HORA SÁBADO, 24 DE NOVEMBRO DE 2012

geral@zerohora.com.br (51)3218-4728

Editor: Marcelo Ermel - marcelo.ermel@zerohora.com.br Produtor: Jaisson Valim - jaisson.valim@zerohora.com.br

Por que Rubens Paiva foi morto NILSON MARIANO

Por que Rubens Paiva foi sequestrado em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro? Como ele morreu? Onde estão seus restos mortais? Se não era guerrilheiro, por que o engenheiro e ex-deputado federal, então com 41 anos pode ter entrado na lista de executados pelo regime militar?

E

ACERVO DE FAMÍLIA

Na quinta-feira, Zero Hora revelou documento comprovando a prisão de Rubens Paiva, um dos mistérios da ditadura. Hoje, o escritor Marcelo Rubens Paiva conta as razões de o pai ser perseguido pelo regime. políticos cassados e adversários da ditadura.Às vezes,era o refúgio de quem estava sendo caçado pela repressão. – Na minha casa, havia roda de pôquer com o Fernando Henrique Cardoso, Paulo Francis e outros. Meu pai era amigo do Antônio Cândido,do Antônio Callado, do pessoal do Pasquim – conta o escritor. Rubens Paiva foi detido por soldados da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1971, e depois levado para o Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), porque se comunicava com exilados brasileiros no Chile. Uma mulher foi presa, no Aeroporto do Galeão, com uma carta trazida do Chile para ele. Marcelo admite que o pai, naquele momento, colaborava com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) – uma das organizações guerrilheiras mais ativas.Rubens Paiva não era do MR8,mas se sentia no dever de ajudar seus membros. Fora eleito deputado com votos dos estudantes, que eram maioria nos grupos armados.

RUBENS PAIVA E A MULHER, EUNICE (ACIMA). MARCELO, O FILHO (AO LADO)

FÉLIX ZUCCO

m entrevista a ZH, concedida em São Paulo, o escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva aportou revelações e esclarecimentos sobre a trajetória do pai. Antes mesmo do golpe que derrubou o presidente João Goulart, em março de 1964, Rubens Paiva estaria marcado pelos generais linha-dura. Deputado pelo PTB (o antigo de orientação trabalhista, não o híbrido atual), fora vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as ligações do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) com a CIA, a agência de inteligên“ELE AJUDOU cia dos Estados Unidos. Já em 1963, o Ibad era AQUELES GAROTOS um ninho de conspiradores contrários ao governo GouA SAIR DO PAÍS” lart. Inspirados pelo general Golbery do Couto e Silva – depois mentor da ditadu– É claro que ele não participou de ra –, integrantes do Ibad alarmavam que o país estava à beira do comu- ação armada, nem sei se concordava nismo. Ao mesmo tempo, recebiam com isso.Mas ajudava aqueles garotos dólares americanos para financiar o a sair do país – diz Marcelo. Formado em engenharia, Rubens golpe de Estado. – O meu pai tinha cópias de che- Paiva fora vice-presidente da União ques que iam para o Ibad e o Ipes Nacional dos Estudantes (UNE). – destaca Marcelo,referindo-se ao Ins- Participara de lutas estudantis e das tituto de Pesquisas e Estudos Sociais campanhas nacionalistas, como a (Ipes),outra entidade ocupada em de- da criação da Petrobras. Poderia ter continuado no exílio, no pós-64, mas tratar o governo civil. Alinhado com os líderes trabalhistas preferiu regressar para continuar se João Goulart e Leonel Brizola, Rubens opondo ao regime militar. – Foram vários elementos que fizePaiva teve o mandato cassado logo após o golpe de 1964. Exilou-se, mas ram com que acreditassem que tinham voltou ao Brasil. Fazia oposição polí- nas mãos um peixe grande,o meu pai. tica à ditadura, ajudava perseguidos a E havia um acerto de contas.Assim que conseguir exílio no Exterior, especial- o meu pai entrou na Aeronáutica, um mente o Chile, então sob o regime so- torturador teria lhe dito:“Pois é,deputado, finalmente vamos nos entender cialista de Salvador Allende. Com 11 anos em 1971, Marcelo com o senhor”– relata Marcelo. lembra que a casa da família, no bairnilson.mariano@zerohora.com.br ro Leblon, no Rio, recebia visitas de

Comissão da Verdade recebe acervo na terça Integrantes da Comissão Nacional da Verdade deverão se reunir com o governador Tarso Genro, terça-feira, em Porto Alegre, para receber documentos da época da ditadura militar que revelam assassinatos, arbitrariedades e atentados a bomba. Um deles – divulgado com exclusividade por Zero Hora na quinta-feira – comprova a prisão do ex-deputado federal Rubens Paiva nas dependências do Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro,em janeiro de 1971. O conjunto de documentos estava em poder do coronel da reserva do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, 78 anos, morto a tiros em Porto

Alegre, no dia 1º, supostamente por assaltantes.Ex-comandante do DOICodi fluminense, Molinas guardava os papéis em casa, no bairro Chácara das Pedras. Foram apreendidos pelo delegado que investiga o caso, Luís Fernando Martins de Oliveira. Tarso Genro requisitou o material da Polícia Civil, para entregá-lo à Comissão da Verdade, em encontro marcado para o Palácio Piratini. Deverão vir à Capital o coordenador da Comissão, Claudio Fonteles, e Paulo Sérgio Pinheiro,além de assessores. Instalada para apurar os crimes da ditadura militar (1964-1985), a Comissão Nacional daVerdade abriu um leque de investigações. Com 10 grupos de trabalho, concentra-se na

guerrilha do Araguaia, na estrutura da repressão,nas violações aos direitos humanos, na Operação Condor (aliança entre os regimes autoritários da América do Sul), na atuação de religiosos e em outros temas.Audiências públicas estão sendo realizadas pelo país. A Comissão ainda não definiu como abordará antigos comandantes de órgãos de repressão que podem ter guardado arquivos secretos – caso do coronel Molinas, do DOI-Codi. Os integrantes avaliam qual seria o melhor momento. Uma das preocupações é de que esses ex-chefes de serviços de espionagem e de interrogatório possam inutilizar documentos, com receio de serem incriminados.


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ZERO HORA DOMINGO, 25 DE NOVEMBRO DE 2012

Carta da Editora

Marta Gleich - Diretora de Redação

marta.gleich@zerohora.com.br

Caçadores de verdades

Do Leitor Editor: Pedro Chaves - 3218-4332

morte do deputado.Até então,não havia documento que comprovasse a passagem de Paiva pelo DOI-Codi.O corpo nunca foi localizado.O Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar.Ao revelar o documento,a reportagem de ZH comprova que o ex-deputado foi,sim,sequestrado por militares e entrou,sim,no DOI-Codi. José Luís Costa,48 anos,é um daqueles repórteres de polícia obstinados e organizados. É capaz de passar horas numa delegacia ou num tribunal,debruçado sobre papéis empoeirados,anotando coisas.Quando pega uma reportagem mais importante,inaugura um caderno novo e ali anota tudo (numa letra que só ele entende). Costuma-se dizer nas redações que a sorte acompanha os bons repórteres.O dito se comprovou mais uma vez.Na noite do dia 1º para 2 de novembro,José Luís foi o primeiro jornalista a saber,por uma fonte,do assassinato do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias,78 anos,morto ao chegar em casa, em PortoAlegre.O jornal publicou a notícia, com informações de que o coronel era ex-chefe do DOI-Codi.

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José Luís, um repórter obstinado

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Recortes de história

FOTO COMENTADA

de que Fernandão tinha sido demitido do Inter, ele e seu colega Emílio Pedroso deslocaram-se para o Beira-Rio: – Emílio ficou junto à entrada dos atletas e eu fiquei na sala de imprensa para acompanhar a coletiva do ex-técnico. Quando Fernandão elogiava o volante Ygor, vieram as lágrimas, que ele não conseguiu conter. Nesse momento, disparei a máquina e obtive o resultado da foto da capa.

Das páginas do Almanaque Gaúcho até pequenas lembranças de viagem, tudo para a professora aposentada Maria Laís Schilling, de 57 anos, moradora de Soledade, pode ser parte de seu museu particular.Ela guarda miniaturas de instrumentos musicais, discos de vinil, pequenos móveis,canetas antigas,relógios... A admiradora do colunista Paulo Sant’Ana começou a colecionar aos oito anos e tem um acervo que inclui filmes, reportagens, e livros sobre e estrelados por seu maior ídolo: Charlie Chaplin. – Gosto de ter essas pequenas relíquias, coisas de lugares do mundo que eu nunca vou conhecer. Cada objeto tem uma razão de existir e ser guardado – explica Laís, que, a vida inteira, deu aula na disciplina de História.

ZH NA SEMANA FOTOS AQRUIVO PESSOAL

A foto publicada na capa de Zero Hora de quarta-feira, sob o título “Triturado pelo vestiário”e que mostra Fernandão chorando durante coletiva à imprensa, logo após sua demissão do cargo de treinador do Sport Clube Internacional, foi elogiada por João Francisco Damas, de Porto Alegre. Autor da imagem, o fotógrafo de ZH Fernando Gomes conta que, tão logo surgiu a informação

Um homicídio a mais na estatística da violência urbana,possivelmente motivado pelas armas que o ex-militar guardava em casa,o caso ganhou outra dimensão quando se descobriram documentos do tempo da ditadura na casa do coronel. José Luís passou a se dedicar exclusivamente à história.Até deparar,na terça-feira,com o papel amarelado e o“Rubens Beyrodt Paiva” manuscrito.Estava ali a chave de uma das passagens mais emblemáticas da ditadura,a peça que completa um quebra-cabeça.Mas não era só.Diante da riqueza dos documentos,a José Luís juntaram-se os repórteres Nilson Mariano, Humberto Trezzi,Guilherme Mazui,Juliano Rodrigues,CarlosWagner,Marcelo Perrone, o fotógrafo Félix Zucco e os editores Carlos Etchichury e Marcelo Ermel.Este time produziu mais uma reportagem exclusiva,às páginas 29 a 32 desta edição,que desvenda segredos de outro emblemático episódio da ditadura:o atentado no Riocentro. Com essas duas reportagens,Zero Hora reafirma seu compromisso de contar a história, de revelar documentos relevantes cujos guardiões não gostariam que viessem à tona e de prestar um serviço à memória do país.

MAURO VIEIRA

“S

empre é a imprensa que conta a história.”Dita pelo escritor Marcelo Rubens Paiva,a frase sintetiza o sentido de ser jornalista – e a responsabilidade coletiva de uma redação,na busca da verdade. Marcelo é filho do ex-deputado federal Rubens Paiva,vítima-símbolo dos anos de chumbo,e foi entrevistado por Zero Hora esta semana,depois que o jornal revelou um documento histórico. O repórter de Zero Hora José Luís Costa colocou a mão num papel tão simples quanto bombástico.Uma folha de ofício com a descrição fria e burocrática do momento em que Rubens Paiva entrou no DOI-Codi.Dá para imaginar o funcionário colocando o papel na máquina de escrever no dia 20 de janeiro de 1971 e datilografando a lista de itens:“Um chaveiro com cinco chaves”,“Um cartão do DINERS CLUB”,“Um relógio de metal branco marca Movado”.Na lateral da folha,um nome escrito em letra cursiva:Rubens Beyrodt Paiva, o que pode ser a última assinatura do deputado ou uma simples anotação de funcionário do DOI-Codi. Por que isso muda a história? Porque a imprensa neste momento levanta o véu que nublava por mais de 40 anos a mal contada

ZH nas redes sociais

Laís, ao lado, e sua coleção de pequenas memórias

A internação do escritor L. F. Verissimo foi o assunto mais destacado na página de ZH no Facebook, com 115 comentários e 987 compartilhamentos. Pedro Massari: Que Deus ajude nosso L.F.Verissimo. Maira Asbach: Torcendo por ele. Bah Coimbra: Que ele se recupere rápido! Miriam Charlier: Gente como ele precisa ficar neste mundo.

Os projetos eleitos pelos gaúchos

Metrô

> Os leitores que quiserem relatar histórias pessoais que envolvam Zero Hora podem encaminhá-las à seção Do Leitor com nome completo, profissão, endereço, CPF do remetente e fone para contato. ZH reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação. Publicadas ou não, não serão devolvidas. E-mail: leitor@zerohora.com.br Fax: 3218-4799

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ZH acompanhará até sua conclusão três obras eleitas como prioritárias pelos gaúchos em 2009

Ponte Brasil/Argentina Região Noroeste

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A MANOBRA MILITAR NO

ATENTAD

Documentos encontrados na casa de coronel assassinado na Capital revelam como o Exército se articulou para ocultar a autoria das explosões que tinham como alvo o show com cerca de 20 mil pessoas no Rio, há 31 anos HUMBERTO TREZZI e JOSÉ LUÍS COSTA

M

RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

issão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes “supervisores” da ação foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985.Tudo isso a população brasileira já intuía,por meio de depoimentos. O que até agora permanecia oculto – e está sendo revelado por Zero Hora,em primeira mão – são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de abafamento do incidente,arquitetadas por servidores da repressão. O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias – assassinado aos 78 anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de

um crime ainda nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, conhecido como Aparelhão. O arquivo do coronel continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo “confidencial” ou “reservado”. O calhamaço evidencia que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas. Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial.A unidade comandada por Molinas era reponsável por espionar e reprimir opositores ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita,no bairro da Tijuca.Ao se aposentar,o coronel levou para casa documentos preciosos, contando pormenores da sigilosa rotina da caserna.O dossiê deixa transparecer que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi, distante 30 quilômetros do centro de eventos. Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos. Há inclusive uma orientação para simular o

furto do veículo pertencente ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com pistas que seriam comprometedoras.

Oficiais forjaram cenário da ação O acervo de Molinas foi arrecadado pela Polícia Civil gaúcha após o assassinato dele e revela detalhes inéditos do lado de dentro dos portões de uma das mais temidas unidades das Forças Armadas durante os anos de chumbo. ZH teve acesso a memorandos datilografados e também manuscritos, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente após a explosão. São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona. Os papéis contêm medidas de prevenção para segurança de militares, recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e artefatos explosivos no paiol do quartel para destruição coletiva e individual. Mas o mais espesso

lote de documentos do coronel é do tempo em que ele dava as ordens no comando do DOI-Codi. De próprio punho, o coronel Molinas teria redigido parte desses memorandos, divididos em dias, horas e minutos. Trabalho facilitado porque era detalhista. Um verdadeiro soldado espartano. Em meio à papelada sobressaem-se relatórios sobre o desastroso atentado no centro de convenções Riocentro. Uma das duas bombas que explodiram durante um show musical acabou matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, chefe da seção de Operações do DOI-Codi. Os papéis do coronel Molinas mostram que Rosário tinha o codinome de Agente Wagner e Wilson era chamado Dr. Marcos (militares de baixa patente eram chamados de agentes e oficiais eram doutores,na gíria da espionagem). Acompanhe, nas páginas a seguir, o teor dos documentos secretos e os desdobramentos da Operação Centro, a desastrada Missão Nº 115 do Aparelhão. humberto.trezzi@zerohora.com.br joseluis.costa@zerohora.com.br

A BOMBA NO RIOCENTRO ●

BOMBA EXPLODIU NO COLO DE AGENTE DO DOI-CODI

Na noite de 30 de abril de 1981, um show

em comemoração ao Dia do Trabalhador era realizado no centro de convenções do Riocentro, na Barra da Tijuca, no Rio. Cerca de 20 mil pessoas foram assistir a apresentações de Beth Carvalho, Alceu Valença, Cauby Peixoto, Elba Ramalho e Gonzaguinha, entre outros. O DOI-Codi monitorava manifestações e planejou explodir duas bombas durante o show com a intenção de atribuir o crime à organização de esquerda VPR. Um dos artefatos explodiu antes da hora, dentro de um Puma, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu no local, e feriu o dono do carro, o capitão Wilson Luiz Chaves Machado. Outro artefato foi detonado 15 minutos depois, na casa de força. Ninguém ficou ferido.

SEGUE >


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0h40min – Coronel Cinelli – Falamos sobre a ida da perícia da PE (Polícia do Exército) à paisana e a retirada do corpo. 1h1min – Tenente-coronel Portella liga ao HCE (Hospital Central do Exército) para receber o corpo do Robot (sargento Rosário). À 1h5min, Molinas recebe ligação de uma pessoa,à qual identifica como Dr.Rodolfo, atualizando notícias sobre o capitão Wilson Machado,ferido na explosão: 1h5min – Está sendo operado, dilaceração nas vísceras. As anotações se tornam esporádicas: 4h24min – Um Chevette aberto cinza metálico com bagageiro placas RT-1719 estava ao lado do carro Puma,com um emblema do 1º BPE. 6h5min – Justifico telefonema dizendo que está na cirurgia,Dr.Marcos (codinome do capitão ferido),ortopédica nos braços. 17h – Fui para casa.

SÁBADO, 2 de maio de 1981

A BOMBA QUINTA-FEIRA, 30 de abril de 1981 O relatório de atividades externas do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio descreve a movimentação da unidade naquele 30 de abril de 1981. Batizada de Missão Nº 115 – Operação Centro, a ação previa que os militares fizessem a espionagem do show no Riocentro, celebração do Dia do Trabalhador, que virou manifesto contra a ditadura. Foram escalados dois agentes, com previsão de saída às 18h40min e retorno às 4h20min, usando um Fusca. Outros dois, de forma clandestina, usaram um Puma particular. Por volta das 21h15min, tudo seguia na rotina até uma bomba explodir no Puma em que estavam os dois integrantes do DOI-Codi. À noite, de próprio punho,o coronel Julio Miguel Molinas Dias,comandante do DOI-Codi,fez o relato de como foi informado do atentado.Ele assistia, em casa, à primeira partida da final do Campeonato Brasileiro de 1981, no Olímpico,vencida pelo Grêmio por 2 a 1. Intervalo do jogo do Grêmio x São Paulo, telefonema do agente Reis (codinome de um militar). Disse que um cabo PM telefonara avisando que haveria um acidente com explosivo com uma vítima. Deu o nome quente Dr.Marcos... Doutor Marcos era o codinome do capitão Wilson Luiz Chaves Machado,chefe da Seção de Operações do DOI-Codi, ferido na explosão. O relato do coronel Molinas continua, falando de como foi informado da morte do sargento Guilherme Pereira do Rosário,ao manipular a bomba: (...) Por volta das 22h30min, cheguei ao órgão... dirigi-me à vaga n.1 do coman-

do. (...) O Dr. Wilson (codinome de outro agente), que estava na operação, chegou logo a seguir. O agente Reis, que já chegara, avisou que recebera outro telefonema do mesmo elemento, dizendo que um sargento estava no local,irreconhecível. A seguir, o coronel descreve como foi a longa noite pós-atentado:

23h30min – O Globo (talvez referindose à notícia que ouviu na Rádio Globo ou na TV) – estouraram duas bombas no estacionamento, destruindo dois carros e uma moto.No segundo carro não houve vítimas. 23h30min – Dr. Araújo (codinome de oficial) telefona para saber o que houve. Molinas relata o estado de saúde do capitão Wilson, motorista do Puma e ferido na explosão: 23h30min – Hospital Miguel Couto... Tá sendo operado, vísceras do lado de fora. Estado grave. De próprio punho, o coronel registra que foram dois os explosivos levados para o Riocentro: 23h35min – Uma bomba na casa de força (central de energia do Riocentro) e uma no carro. Às 23h45min,Molinas afirma ter telefonado ao coronel Leo Frederico Cinelli,chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, relatando os fatos. Minutos depois, recebe notícias de alguém sobre o sargento morto e registra: 23h50min – O Robot (menção a quem leva bomba) está morto.Tem uma granada que estava no carro e botaram no chão.

SEXTA-FEIRA, 1º de maio de 1981 As anotações de Molinas prosseguem madrugada adentro. Ele trata da remoção do corpo do sargento para o hospital:

Molinas retorna ao DOI-Codi e manda recado ao capitão ferido para que não se pronuncie a respeito do acidente:

8h30min – Chegada ao destino (...) Transmitida mensagem ao Dr. Marcos (codinome do capitão ferido) para não fazer esforço para falar,tranquilizando-o. (...) Comandante do DOI e comandante do 1º Exército foram ao enterro e hospital. Foi dada ordem para oficial de permanência ficar em tempo integral no DOI.

A FARSA Ainda no dia 2, um manuscrito com letra diferente à do coronel Molinas revela uma tentativa de encobrir a autoria do atentado. Foi anotada (talvez por um ordenança do coronel) a necessidade de encontrar o carro particular do sargento morto e providenciar o seu recolhimento ao DOI-Codi.O objetivo pode ter sido evitar que material comprometedor, dentro do veículo, fosse apreendido pela Polícia ou fotografado pela imprensa: Foi feito contato com a secretaria de segurança para localizar o carro do Wagner (codinome do sargento morto) e comunicar ao DOI (carro roubado). Existe equipe de sobreaviso para“puxar”(levar) o carro. RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

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A anotação segue: Foi mandado ao 1º Exército (coronel Cinelli) as fotografias das placas com Vanguarda Popular Revolucionário (VPR) para aproveitamento na imprensa. A frase de Molinas só ganhou sentido tempos depois, quando ex-integrantes da ditadura revelaram que agentes do DOI-Codi picharam placas de sinalização de trânsito nas imediações do Riocentro com a sigla da organização de luta armada de extrema esquerda VPR. O objetivo dos militares com a pichação era atribuir a autoria do atentado à VPR. Seria uma explosão planejada para botar a culpa em esquerdistas, como descreve o ex-delegado da Polícia Civil Cláudio Guerra no livro Memórias de uma Guerra Suja. O coronel Molinas avança seu memorando pelo dia 2 de maio,relatando supostas ameaças de bomba na casa do capitão ferido e no hospital Miguel Couto: 13h01min – Família do Dr. Marcos (codinome do capitão) liga para o Dr. Carmelo (codinome de um oficial) no hospital e participa a existência de um embrulho suspeito na porta do apartamento. O Dr. Carmelo telefona ao Dr. Maurício (codinome), oficial permanente, que está providenciando o deslocamento de uma equipe para o local. (...) sob o tapete da porta de entrada tem uma bolsa do Carrefour de material translúcido e dentro tinha dois pães, um inteiro e outro faltando um pedaço. As supostas ameaças contra integrantes do DOI prosseguem ao longo do dia 2: 16h10min – O delegado Tufic,da 14ª DP, telefona para dizer que recebeu dois telefonemas anônimos dando conta de que o capitão Paulo Renault iria jogar uma bomba no quarto do capitão hospitalizado. 16h18min – Telefonema para a residência do capitão Paulo Renault, que não atende. 16h20min – Ligação para a portaria do prédio que diz que, possivelmente, o capitão estaria viajando. Conforme o blog do jornalista Ricardo Noblat, o capitão seria Paulo Renault, engenheiro eletrônico, perito judicial e também ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI). Em 2005, esteve envolvido no escândalo da CPI dos Correios. Estaria disposto a fazer revelações em depoimento à Justiça, mas desistiu ao ter a casa metralhada. PICHAÇÃO EM PLACA DE SINALIZAÇÃO TERIA SIDO FEITA POR MILITARES


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Os dois segredos de Molinas

DOMINGO, 3 de maio de 1981 Molinas anota telefonema recebido de um colega coronel: 8h25min – Telefonema do coronel Prado, dizendo que o JB (Jornal do Brasil) tem reportagem em que um médico diz que o capitão estaria em condições de falar. O assunto é tratado com o coronel Cinelli. Mais tarde, outro telefonema – ainda mais preocupante – fala que os agentes se tornam suspeitos de explodir a própria bomba que os feriu: 15h50min – Agente Hugo (codinome de policial) liga dizendo que o segurança do Riocentro está comentando que o atentado seria nosso. Para mudar o foco e jogar a culpa do atentado fracassado no Riocentro na esquerda, Molinas rascunha uma lista de incidentes anteriores, como a suposta tentativa de ataques a unidades militares. O texto é datilografado e enviado ao coronel Cinelli. Antecedentes – Viemos apresentar alguns fatos que comprovam a intenção das esquerdas em atingir os órgãos de segurança, em especial os DOIs, tanto no campo da agressão física como em ações psicológicas com objetivo único de desmantelar o aparato repressor ou destruí-lo. No final de 1980 ficaram encarregados de eliminar o Exmo senhor general Antônio Bandeira, no Sul do país... O atentado seria com risco da própria vida. Molinas conclui: Face aos atos e fatos apresentados, somados a uma orquestração pela imprensa, acusando os DOIs como responsáveis por tudo que ocorre de mal contra as esquerdas (...) cada elemento do órgão passou a ser um alvo de justiçamento. (...) Quanto ao atentado em si,qualquer conclusão cairá no campo da especulação, correndo o risco de atentar contra a honra e a integridade de um oficial e de um sargento.

Riocentro – A parte mais volumosa do

dossiê de Molinas envolve o atentado no Riocentro, duas bombas explodidas em 1981 no centro de eventos do Rio de Janeiro. O episódio acontece durante um show de protesto contra a ditadura militar. Um sargento do Exército morre e um capitão fica ferido, com uma das explosões, ocorrida dentro do veículo em que estavam. Os dois trabalhavam no DOI-Codi, sob ordens do coronel Molinas. A versão oficial do Exército é que a esquerda teria preparado os atentados, mas papéis que o próprio Molinas guardava indicam que o DOI-Codi maquiou o cenário para fazer as explosões parecerem obra de guerrilheiros esquerdistas.

MISTÉRIO SOBRE SUMIÇO DE RUBENS PAIVA COMEÇA A SER DESVENDADO

SEGUNDA-FEIRA, 4 de maio de 1981

QUARTA-FEIRA, 13 de maio de 1981

O diário é recheado de documentos. Um deles, um ofício que chega ao DOICodi do coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado do inquérito policial-militar (IPM) que investiga o atentado. Ele convoca o coronel Molinas para depor às 14h do dia seguinte no 9º andar do Palácio Duque de Caxias, sede do comando 1º Exército.

Documento afirma que, às 22h de 10 de maio, no bar do Hospital Miguel Couto um homem,em voz alta, acusa o DOI-Codi pelas bombas colocadas no Riocentro e no jornal Tribuna da Imprensa. O homem e um amigo dele são levados para a 14ª DP. Lá são interrogados e liberados. São eles: José Augusto Alves Neto, da Rádio JB, e CarlosVieira Peixoto Filho,do JB (jornal). Datado deste dia,um manuscrito contém duas perguntas e respostas atribuídas ao agente Guarany (amigo do sargento morto) sobre as habilidades com bombas do agente Wagner (codinome do sargento): Wagner é técnico em explosivos? Não. Qual o curso ou estágio que fez: Nenhum. É um autodidata.

QUINTA-FEIRA, 7 de maio de 1981 Uma relato datilografado informa que às 17h40min, o capitão ferido foi do CTI para a sala de radiografia. E aparece no CTI uma mulher, vestindo calça e jaleco branco, dizendo-se médica, perguntando ao PM da segurança onde é o CTI.A mulher usa sapato verde e o PM desconfia dela. O crachá está virado e, ao desvirar, lê “visitante do IBGE”.A mulher é levada para fora do hospital e embarca em uma Brasília do Jornal do Brasil.

SEXTA-FEIRA, 8 de maio de 1981 Documento confidencial relata um telefonema ao DOI-Codi, às 15h, repassando dados sobre uma mulher de nome Mariangela ou Ângela Capobianco e o local do trabalho do marido dela.O interlocutor descreve a mulher: “Mais ou menos 45 anos, estatura média, meio gorda, cabelo pintado de caju. É importantíssima, está autorizada (muito cuidado). Trabalha na diretoria de vendas ou arrecadação”. Para entender: Ângela era uma diretora do Riocentro e, segundo livros sobre o tema, é suspeita de ter colaborado com os militares.Após afastar das funções o chefe de segurança do Riocentro, na noite do atentado, ela teria sido responsável pelo fechamento com cadeados da maioria dos portões de saída da área do show.A medida, em caso de explosão de uma bomba, poderia amplificar o número de vítimas.

QUARTA-FEIRA, 20 de maio de 1981 Em um documento reservado, enviado ao chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, Molinas comunica os nomes dos RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

E continuam as supostas ameaças no dia 2, tentando transformar o capitão de terrorista em vítima. Molinas pede segurança: 22h25min – Telefonema do Dr. Marino (codinome de um oficial) avisando de um telefonema anônimo para o Hospital Miguel Couto, avisando que colocariam um petardo na casa do Dr. Marcos (capitão ferido). 22h30min – Telefonema para o tenente-coronel Roberval e pede providências junto à PM.

REPRODUÇÕES

O dia 2 de maio de 1981 continua interminável, nas anotações de Molinas.Agora surge outra notícia de plano para matar o oficial ferido, talvez uma manobra para enfatizar que o capitão do DOI-Codi tinha sido vítima de um atentado: 16h45min – Dr. Wilson (codinome de oficial) liga dizendo que o pessoal do hospital acha bom chamar o plantão policial e a imprensa,dizendo que tinham conhecimento de um plano para eliminar o Dr. Marcos (o capitão ferido).

Rubens Paiva – O coronel Molinas guardava em casa a mais importante prova material de que o deputado federal cassado Rubens Paiva deu entrada no DOI-Codi – e não desapareceu, como era até então a versão oficial do fato. Esse registro oficial, revelado por ZH, é uma folha de ofício amarelada, denominada “Turma de Recebimento”, que contém o nome completo do político, de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971) e uma relação de papéis, pertences pessoais e valores em dinheiro encontrados com o ex-deputado. A papelada é assinada, provavelmente pelo próprio Paiva.

agentes do DOI-Codi escalados oficialmente para “cobrir” o show: sargento da Aeronáutica Carlos Alberto Henrique de Mello e o soldado da Polícia Militar Hirohito Peres Ferreira. O ofício afirma que o chefe da Seção de Operações, capitão Machado, e o sargento Rosário (os vitimados na explosão no Puma) foram ao Riocentro para supervisionar a equipe. Seria a primeira vez que os nomes de Machado e Rosário aparecem em um documento oficial como tendo participado da desastrada Missão Nº 115.

SEGUNDA-FEIRA, 25 de maio de 1981 Documento confidencial encaminhado às unidades militares pelo comando do 1º Exército sob o título“Atentado Terrorista no Riocentro – informação 312/81”determina ponderação, serenidade e isenção diante de“notícias apresentadas por certos setores da comunicação sensacionalistas e alguns políticos,que muitas vezes não correspondem à verdade”. O documento afirma que o coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado da investigação militar do atentado,foi substituído,pois está “baixado no HCE (Hospital Central do Exército) desde 18 de maio para observação, foi submetido à junta de saúde, cuja ata do exame recomenda que lhe sejam concedidos 30 dias de licença para tratamento de saúde”. Anos depois, viria a público a versão de que Ribeiro foi afastado do inquérito porque se recusara a acatar ordenssuperiores.Teriasido, inclusive,chantageado para reunir provas que apontassem grupos de esquerda como autores do atentado.

DOI-CODI ESTARIA POR TRÁS DE BOMBAS QUE DESTRUÍRAM JORNAL

SEGUE >


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Inter levou 2 a 0 da Portuguesa e vai tentar, no clássico, encerrar 2012 com dignidade. Novo técnico pode ser anunciado hoje

Nada a declarar

Em Caravaggio, Felipão silencia sobre Seleção Encartado nesta edição

Ao lado de Koff, técnico participou de missa no santuário em Farroupilha. JONAS RAMOS, ESPECIAL

Ju é campeão da Copa Hélio Dourado


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ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial

Revelações para a história

Acervo recolhido na casa de ex-comandante do DOI-Codi assassinado em Porto Alegre e que continha segredos do período da ditadura militar será entregue a comissões que buscam a verdade

JOSÉ LUÍS COSTA

E

REPRODUÇÃO DO LIVRO SEGREDO DE ESTADO, DE JASON TÉRCIO

MULHER E FILHOS DE RUBENS PAIVA APÓS O DESAPARECIMENTO DELE

ntre as personalidades que estarão amanhã no Palácio Piratini, em Porto Alegre, uma em especial tem motivos de sobra para se emocionar com a solenidade histórica marcada para as 14h na sede do governo gaúcho. É a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, 48 anos. Filha caçula do ex-deputado Rubens Paiva, Beatriz tinha apenas nove anos, em 1971, quando o pai foi sequestrado e desapareceu nas mãos de militares. O evento marca a entrega dos documentos mantidos pelo coronel do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos, ex-comandante do Destacamento de Operações e Informações – Centro de de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio, para a Comissão da Verdade e para familiares de Paiva. O acervo,que versa também sobre o caso Riocentro, era guardado na residência de Molinas, assassinado em circunstâncias ainda não esclarecidas há 25 dias. Parte do que será tornado público Zero Hora divulgou com exclusividade nas edições de sexta-feira e de ontem. Por morar na Europa e ter menos contato com as mobilizações no Brasil envolvendo a investigação do caso, reaberto pela Promotoria Militar no Rio, Beatriz foi escolhida pelos quatro irmãos mais velhos para representar a família na cerimônia organizada pelo Piratini. Beatriz e o marido, Daniel Keller, vivem há mais de duas décadas, em Berna, na Suíça, onde ela é servidora da embaixada brasileira. O casal

está em viagem pelo Rio de Janeiro, e deverá viajar para Porto Alegre acompanhado de um sobrinho, filho de Vera Silvia Facciolla Paiva, 58 anos, que vive em São Paulo. – Nós estimulamos a terceira geração da família a participar destes encontros. Em todas as reuniões, sejam com autoridades, organizações de defesa de direitos humanos, comissões da verdade, fazemos questão de que um neto de Rubens Paiva participe – explica Vera, professora da Universidade São Paulo (USP) da área de Saúde Coletiva. Os Paiva foram convidados para acompanhar o que deverá ser o momento mais marcante da solenidade. A entrega pelas mãos do governador Tarso Genro às comissões Nacional e Estadual da Verdade de documentos oficiais sobre a passagem de Rubens Paiva pelo DOI-Codi, no Rio. Os registros confirmam que o deputado federal paulista, engenheiro e empresário, cujo mandato foi cassado pela ditadura em 1964, esteve preso do DOI-Codi antes de desaparecer misteriosamente. Trata-se de um “termo de recebimento” de Paiva, com a descrição de roupas e pertences pessoais de ex-deputado, entre eles 14 livros de autores diversos que foram apreendidos pelos militares. É provável que Paiva os carregava imaginando que permaneceria bastante tempo na prisão. O termo é o primeiro documento oficial conhecido que comprova a presença dele no quartel-símbolo da repressão no Rio, conhecido como Aparelhão.Ao longo de quatro décadas,apenas relatos verbais atestavam que Paiva foi torturado no DOI-Codi.

– Queremos uma cópia desse documento – afirma Vera. O documento fazia parte do arquivo pessoal do coronel Molinas, assassinado a tiros, em Porto Alegre, em uma possível tentativa de assalto na noite de 1º de novembro, quando ele chegava de carro em sua casa no bairro Chácara das Pedras.

ACERVO DE MOLINAS TEM CERCA DE 200 PÁGINAS No começo dos anos 1980, Molinas chefiou o DOI-Codi carioca e, ao se aposentar, levou para casa um calhamaço com 200 páginas, contendo ofícios datilografados e manuscritos, parte deles de próprio punho. Além de revelar a prisão de Paiva, os papéis mostram uma manobra dos militares para ocultar o envolvimento de militares na explosão de bombas no Centro de Convenções Riocentro, na noite de 30 de março de 1981, conforme ZH detalhou em sua edição dominical. Os artefatos deveriam acabar com shows musicais em comemoração ao Dia do Trabalho, acompanhados por 20 mil pessoas. Mas a primeira bomba explodiu dentro de um Puma em que estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário, e o capitão Wilson Luiz Chaves Machado. O artefato detonou no colo de Rosário, que morreu na hora e deixou Machado ferido gravemente. A segunda bomba detonou perto da central elétrica e não causou danos. joseluis.costa@zerohora.com.br

Repercussão nacional ●

FOLHA DE S.PAULO Destacou que o arquivo pessoal de

Molinas Dias revela como os militares tentaram maquiar o cenário do atentado do Riocentro, em 1981.

ESTADÃO Publicou reportagem informando que documentos sobre Rubens Paiva serão tornados públicos.

REPRODUÇÕES

Principais veículos do país repercutiram reportagens de Zero Hora, com base nos arquivos do ex-comandante do DOICodi coronel Julio Miguel Molinas Dias, sobre o desaparecimento do exdeputado Rubens Paiva, em 1971, e a manobra militar montada após explosões no Riocentro, em 1981, no Rio, durante ditadura militar:

O GLOBO Repercutiu o assunto em duas edições. No domingo, reproduziu reportagem de Zero Hora, dando destaque para o assunto na capa.


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ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012

Documentos estão sob análise O arquivo pessoal do coronel Julio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do Destacamento de Operações e Informações - Centro de de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, está sendo estudado por uma equipe de especialistas em história, nomeados pela Comissão Estadual da Verdade. Os papéis estão guardados em um cofre no Palácio da Polícia Civil há cerca de 20 dias, depois que foram arrecadados pela Polícia Civil na casa do oficial da reserva do Exército, assassinado em 1º de novembro. Os especialistas estão pinçando os trechos considerados mais importantes em um relatório que será repassado à comissão hoje para um conhecimento prévio.Amanhã o arquivo completo será entregue pelo governador Tarso Genro a representantes das comissões Estadual e Nacional da Verdade. Embora ainda não tenha folheado a papelada, o desembargador aposentado e advogado Aramis Nassif, coordenador interino da Comissão Estadual, ressalta a relevância do ofício referente ao desaparecimento do deputado paulista Rubens Paiva.

SUA SEGURANÇA Humberto Trezzi

Quando a autoridade não se omite

A

s revelações exclusivas de Zero Hora sobre o dossiê guardado em casa pelo metódico coronel Júlio Miguel Molinas Dias,ex-chefe do DOI-Codi no Rio de Janeiro,não seriam possíveis há algumas décadas. Fosse em outros tempos,a Polícia Civil apreenderia o material,como aconteceu agora,ao investigar o assassinato do oficial do Exército,mas provavelmente o enviaria às Forças Armadas,onde seria cuidadosamente guardado,num lugar inacessível a civis.E distante da mídia. Não foi isso que aconteceu.Ao descobrir que Molinas mantinha em seu poder fichários que ajudam a montar o quebra-cabeças de um dos períodos mais nebulosos da história brasileira,a ditadura militar (1964-1985),o delegado responsável

Talvez, seja o mais importante documento da história moderna.

lembrar a atitude de um antecessor seu.Em 1982,o então governador Amaral de Souza,nomeado pelo regime militar (assumiu sem eleição), ordenou o fechamento do temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil. Pretendia assim se antecipar aos tempos democráticos que viriam. Em contrapartida,determinou a incineração de todos os registros daquela repartição especializada na repressão aos opositores da ditadura. Suprimiu,assim,as provas e registros de possíveis crimes cometidos pelos policiais.Dizem que tudo foi microfilmado antes e enviado ao Exército.Dizem.Amaral morreu em junho passado,sem repassar à população os arquivos da polícia política a ele subordinada.

Editor do Almanaque Gaúcho RICARDO CHAVES*

aquela noite de 30 de abril de 1981,além da explosão da bomba no Riocentro,houve também um encontro de dois Brasis. Um deles era o velho Brasil da ditadura.Aquele em que as atrocidades cometidas tinham de ser abraçadas pelas autoridades constituídas – que,à custa de muitas mentiras e tentativas ridículas e frustradas de“tapar o sol com a peneira”,acabavam se desmoralizando junto à opinião pública.As tais“autoridades”, principalmente por serem autoconstituídas,não tinham escolha,afinal tudo era feito por seus parceiros,em nome da preservação do regime de exceção e do combate ao comunismo.Desautorizadas pelos radicais,tinham de conviver com inimigos dentro da sua própria trincheira.Esse era o país que sumiu com Rubens Paiva em 1971,que matou Herzog,em 1975,Manoel Fiel Filho,em 1976,e Dona Lyda Monteiro,da OAB,com uma cartabomba,em 1980.O mesmo país

do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias em 1978, e aquele dos atentados a bomba,em 1980,contra as bancas que vendiam jornais alternativos de resistência, como Opinião e Movimento,entre outros. O outro Brasil era aquele que procurava se redemocratizar.O da anistia,da campanha pelas Diretas Já,o de Teotônio Vilella,Ulysses, Tancredo,Brizola,Lula,FHC e,até certo ponto,de Geisel e Figueiredo. Naquela noite,depois que a bomba explodiu e matou o sargento Guilherme do Rosário,o capitão Wilson Machado saiu do Puma apavorado,em busca de socorro.Com as mãos no abdômen,segurando as vísceras que estavam à mostra, encontrou um casal de namorados que estava chegando,atrasado,para o show do 1º de Maio,que já havia começado.Os jovens esqueceram o show e levaram imediatamente o capitão ao Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca,salvando-lhe a vida.A garota de 22 anos era Andréa Neves,neta de Tancredo Neves e irmã de Aécio Neves.Seu avô foi eleito,quatro anos depois,para ser o

primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura. O lado bom foi quem socorreu,e salvou,o lado mau.Realismo mágico latino-americano. ricardo.chaves@zerohora.com.br *O jornalista esteve no Riocentro na noite de 30 abril de 1981 como fotógrafo da revista Veja

RICARDO CHAVES, BD 1/5/1981

Aramis destaca a contribuição da Polícia Civil para ajudar a esclarecer a verdade de um período obscuro. – Merece cumprimentos a conduta do delegado (Luís Fernando Martins de Oliveira, responsável pela investigação do assassinato de Molinas) ao tratar do caso. A cultura dele em identificar a relevância dos papéis mostra o quanto a nossa Polícia Civil está preparada. O regime democrático permite isso. Pode-se revelar essas coisas sem tortura, sem tragédias. É uma pena que tenha se chegado a esses documentos diante de uma morte – complementa o desembargador aposentado.

pelo caso,Luís Fernando Martins de Oliveira,avisou de imediato seu superior,o chefe de Polícia Ranolfo Vieira Junior.Em vez de repassar o material a militares (como acontecia durante o período autoritário), Ranolfo fez o correto: avisou seu chefe, o governador Tarso Genro. E Tarso,coerente com sua biografia, mandou liberar tudo para a Comissão daVerdade,que analisa crimes cometidos durante a ditadura militar. Entre eles o sequestro e sumiço do deputado cassado Rubens Paiva, que ganha nova versão a partir do documento que estava em posse do coronel Molinas,cujo teor foi revelado por ZH. Para quem acha que não há nada demais na liberação de documentos por parte do governador,basta

O encontro de dois Brasis

N

ARAMIS NASSIF Desembargador aposentado e advogado

humberto.trezzi@zerohora.com.br

UM SARGENTO MORREU E UM CAPITÃO DO EXÉRCITO FICOU FERIDO


Geral

ZERO HORA TERÇA-FEIRA, 27 DE NOVEMBRO DE 2012

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ANOS DE CHUMBO Maria Beatriz Paiva Keller Tarso entrega hoje acervo “Tenho medo de secreto da ditadura militar saber a verdade” ENTREVISTA

Filha de Rubens Paiva

JOSÉ LUÍS COSTA

D

e férias no Brasil para visitar parentes e amigos, a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, funcionária da embaixada brasileira em Berna, na Suíça, alterou seu roteiro para um compromisso que mistura tristeza e alívio. Beatriz estará às 14h de hoje no Palácio Piratini para receber do governador Tarso Genro uma cópia do documento que confirma a prisão do pai dela, o ex-deputado federal paulista Rubens Paiva, no Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOICodi),no Rio de Janeiro,em 1971. O registro é primeira prova material tornada pública de que o político cassado pela ditadura militar em 1964 esteve preso no DOI-Codi do Rio, antes do desaparecimento que perdura quatro décadas. Até agora, as informações de que Rubens Pai-

UMA DAS FILHAS DO EX-DEPUTADO RUBENS PAIVA, DESAPARECIDO EM ÓRGÃO DE REPRESSÃO, PARTICIPARÁ DA CERIMÔNIA

va foi torturado no quartel-símbolo da repressão no Rio se limitavam a relatos verbais. O documento estava em poder do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, ex-chefe do DOI-Codi carioca, assassinado em 1º de novembro, em Porto Alegre. Maria Beatriz admite: está apre-

ensiva em razão do que a descoberta do documento poderá gerar. Ela acredita que novas informações deverão surgir sobre os últimos momento de vida do pai, oficialmente declarado morto pelo governo brasileiro em 1996. Maria Beatriz estará na solenidade acompanhada do marido,Daniel Keller.Eles foram convidados pelo governador que fará a entrega dos arquivos do coronel Molinas Dias também ao coordenador interino da Comissão Estadual da Verdade,Aramis Nassif, e ao coordenador da Comissão Nacional da Verdade,Claudio Fonteles. Além da documentação referente a Rubens Paiva, os arquivos trazem revelações importantes sobre o atentado ao Riocentro, ocorrido em 1981. Os documentos que ajudam a elucidar os dois fatos foram tema de reportagens em ZH ao longo da última semana. joseluis.costa@zerohora.com.br

Arrumando as malas para viajar do Rio de Janeiro para Porto Alegre, a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, 52 anos, falou ontem à tarde com Zero Hora por telefone sobre a descoberta dos documentos e sua presença hoje em Porto Alegre. Zero Hora – Como a senhora se sente diante dessa revelação? Maria Beatriz Paiva Keller – É uma coisa que se arrasta no Brasil. Vem pingando informação e acho que vão aparecer mais coisas. Mas é preciso ter uma conclusão para a família e para a história brasileira. ZH – Qual o seu sentimento? Maria Beatriz – Ambíguo. Tenho um pouco de medo de saber a verdade. Pode ter acontecido alguma coisa horrível com ele. Ima-

gina se ele teve o corpo esquartejado como chegaram a dizer? ZH – Na época do desaparecimento, a senhora tinha apenas 10 anos. Como criança, tinha noção do que estava acontecendo à sua volta? Beatriz – Toda situação, para mim, era um pouco incompreensível naquele momento. A menina que foi poupada pela família ainda quer ser poupada do sofrimento. Tenho medo de saber a verdade, de sofrer demais.

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Presidente eleito foi convidado a visitar hoje o novo estádio.

Dunga pede tempo ao Inter e adia decisão Esportes

Efeito preço Feijão chinês na mesa dos brasileiros Mais consumo e redução de área plantada levam país a importar grão. Página 26

Após 41 anos de espera, Maria Beatriz recebeu documentos oficiais que ajudam a esclarecer o que aconteceu com o seu pai, o deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971, durante o regime militar. PÁGINAS 4, 5 e ROSANE DE OLIVEIRA (10)

Planalto tenso

Porto Alegre

Manobra para impedir a fala de ex-assessora

Assaltos a alunos põem pais e escolas em alerta

Governistas conseguem evitar que ex-chefe de gabinete de Dilma deponha no Senado. Página 8

BM estuda mudança na estratégia de policiamento nos bairros Boa Vista e Três Figueiras. Página 18

ALÍVIO NO BOLSO

Chance de zerar dívidas até o Natal Dicas para diminuir o endividamento. Página 20


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ZERO HORA QUARTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial

ACERVO DE FAMÍLIA

RONALDO BERNARDI

BEATRIZ (À DIREITA) MOSTRA DOCUMENTOS SOBRE O PAI, RUBENS PAIVA (ACIMA, COM A MULHER)

A verdade

na palma da mão FABIO PRIKLADNICKI e JOSÉ LUÍS COSTA

D

urante mais de quatro décadas, a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller,52 anos,não teve qualquer notícia sobre a circunstância do desaparecimento do pai,o ex-deputado federal,engenheiro e empresário paulista Rubens Paiva. Ontem,ela teve acesso aos primeiros documentos que ajudam a elucidar o mistério e lançam luzes sobre um dos episódios mais sombrios da repressão. Os papéis que Maria Beatriz recebeu,em solenidade no Palácio Piratini, na Capital, registram a entrada de seu pai no Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio, em 1971, e descrevem documentos apreendidos no veículo de Paiva (ver página ao lado). Até então, havia apenas relatos verbais sobre o ingresso de Rubens Paiva no DOI-Codi e as circunstâncias em

que ele teria permanecido no quartelsímbolo da repressão. Os documentos vieram à tona porque eram mantidos pelo coronel Julio Miguel Molinas Dias,ex-comandante do DOI-Codi,no Rio. Molinas Dias foi morto no dia 1º de novembro,em Porto Alegre,em circunstâncias ainda não esclarecidas. Emocionada, a filha caçula de Rubens Paiva recebeu o material das mãos do governador Tarso Genro. Após um abraço demorado, voltou para sua cadeira à mesa de autoridades. Colocou o registro de entrada do pai no DOI-Codi sobre a mesa e começou a ler.Ao chegar à última linha, chorou. Esfregou os olhos, por dentro dos óculos e, antes de fazer seu pronunciamento,disse: – Preciso respirar fundo. Recomposta,falou: – Faz 40 anos que meu pai foi tirado de casa daquele jeito.Se compararmos com outros países, por que tanta demora? Por que essa morosidade aqui no Brasil? Por que será que as pessoas

não encaram de frente essa história que é trágica,dolorida,mas que precisa ser contada? Além da prisão de Paiva, as 200 páginas de documentos guardados pelo coronel versam sobre uma estratégia dos militares para acobertar o envolvimento de militares no atentado do Riocentro,em 1981. O governador Tarso Genro destacou a importância do esclarecimento de episódios nebulosos do período da ditadura. – Os jovens precisam saber o que aconteceu, precisam estabelecer suas identidades perante a história do país para que a democracia se firme cada vez mais. O governador também destacou a atuação da Polícia Civil: – Se fosse em outros tempos, quem sabe esses documentos não viriam para as mãos do governador,do secretário de Segurança.O delegado que fez o inquérito (Luis Fernando Martins de Oliveira) teve uma atitude exemplar,

discernimento para perceber o tipo de documento tinha em mãos.

TARSO GENRO: “DEMOS UM PASSO NA RECONSTITUIÇÃO DESTA PARTE DA HISTÓRIA DO PAÍS” Ao final da cerimônia,Maria Beatriz afirmou que sua primeira medida será compartilhar os documentos com os familiares: – Gostaríamos de saber o que aconteceu (com Rubens Paiva).Não só para minha família, mas para todas as outras famílias que passaram por uma história parecida. fabio.prikladnicki@zerohora.com.br joseluis.costa@zerohora.com.br

ZH antecipou documentos ●

Quinta-feira – Zero Hora

revela e transcreve o ofício que comprova que Rubens Paiva foi preso no DOI-Codi no Rio. O documento é o primeiro que esclarece parte do misterioso desaparecimento do ex-deputado, em 1971.

Sábado – A família de Rubens Paiva se manifesta sobre a revelação do documento. O escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos filhos, conta os motivos pelos quais o pai era perseguido. Lembra que em sua casa, no Rio, o pai recebia visitas de políticos cassados.

Domingo - Zero Hora detalha a outra parte dos documentos encontrados em posse do coronel Molinas. Os textos revelam bastidores dos atentados durante um show popular no Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981.


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ZERO HORA QUARTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2012

Os dois segredos de Molinas Riocentro – A maior parte do acervo de Molinas Dias diz respeito ao atentado no Riocentro, ocorrido em 1981, no Rio. Um sargento do Exército morre e um capitão fica ferido, após explosão ocorrida dentro do veículo em que estavam. Os dois trabalhavam no DOI-Codi, sob ordens do coronel Molinas.

ENTREVISTA

Rubens Paiva – O coronel Molinas guardava em casa a mais importante prova material de que o deputado federal cassado Rubens Paiva deu entrada no DOI-Codi, no Rio. Esse registro oficial, revelado por ZH, é uma folha de ofício amarelada, denominada “Turma de Rece-

bimento”, que contém o nome completo do político, de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971) e uma relação de papéis, pertences pessoais e valores em dinheiro encontrados com o ex-deputado.

Cláudio Fonteles,

Coordenador da Comissão Nacional da Verdade

“Desmontou-se essa farsa” Ex-procurador-geral da República, Claudio Fonteles,cuja trajetória está associada à defesa dos direitos humanos,coordena a Comissão Nacional daVerdade (CNV). Ontem,ele conversou com ZH após receber o acervo das mãos do governador Tarso Genro:

DOCUMENTO APREENDIDO NO CARRO DE EX-DEPUTADO Um manuscrito em folha de caderno revela que um capitão do Exército pegou todos os documentos do carro, um Opel, de Rubens Paiva em 4 de fevereiro de 1971. No mesmo dia, o veículo seria devolvido à família. Para a Comissão Nacional da Verdade, é um indício de Paiva já estava morto. A investigação sobre as circunstâncias da provável morte será concentrada neste período.

RUBENS PAIVA ENTRA NO DOI-CODI

ZH – Que procedimento será dado ao documento mantido pelo coronel Molinas? Fonteles – Vamos ler ver em que contexto (da história) vai se encaixar. Depois, vamos apresentá-los (ao público). A Comissão Nacional da Verdade já publicou em seu site (www.cnv.gov.br) 80 páginas escritas. Esse documento certamente vai ter o mesmo caminho.

O ofício amarelado, datilografado, descreve a entrada de Rubens Beyrodt Paiva no DOI-Codi do Rio, em 21 de janeiro de 1971. O documento mostra o que foi apreendido no DOI-Codi pertencente ao ex-deputado. É a comprovação oficial de que Paiva entrou no quartel.

MISSÃO Nº 115, RIOCENTRO A missão Nº 115 tinha caráter urgente. Os militares Ribeiro e Jorge estavam designados para a Operação Centro, às 21h de 30 de abril de 1981. Os agentes do DOI-Codi, fariam a “cobertura do evento”, no Riocentro.

Zero Hora – Qual é a importância da revelação destes documentos? Cláudio Fonteles – Fundamental. Significa um ato concreto de colaboração com as comissões nacional e estadual da verdade. Inclusive faço um convite para os brasileiros e brasileiras que tenham em suas casas arquivos particulares que os entreguem. É um processo de reconstrução da história do seu país. Não precisa nem se identificar. Basta telefonar e dizer que tem um documento.

COMANDANTE INFORMADO DO ATENTADO O coronel Molinas registra em um formulário com timbre confidencial a placa do Puma OT-0297 e narra, de próprio punho, como recebeu a notícia da explosão, durante o intervalo do jogo Grêmio e São Paulo (primeira partida da final do Brasileirão de 1981).

ZH – O episódio Rubens Paiva é um dos mais simbólicos dos tempos da ditadura militar? Fonteles – É um dos mais (simbólicos). Mas são tantos. O Estado ditatorial militar sempre negou isso (a prisão de Rubens Paiva). Essa é a importância do documento, é a quebra dessa mentira brutal. Refiro-me a essas pessoas que o Estado ditatorial disse que eram foragidas. Desmontou-se essa farsa.


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