Documento do coronel no caso Rubens Paiva

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UM OUTRO OLHAR SOBRE O RIO GRANDE

Leitores registram suas cidades no Instagram. Página 46

PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012 - ANO 49 - Nº 17.214 - 2 ª EDIÇÃO

SC/PR - R$ 3,00/ DEMAIS REGIÕES - R$ 4,50/ URUGUAI - $ 48

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Gente

A peça-chave do caso Rubens Paiva

Verissimo é internado em estado grave Após voltar do Rio, escritor foi hospitalizado com dores musculares, febre e fadiga. Página 38

Para promotor que reabriu investigação, documento revelado por ZH, que comprova prisão de ex-deputado no DOI-Codi no Rio, é fundamental para ajudar a desvendar um dos maiores mistérios do regime militar.

O dia de Barbosa FÉLIX ZUCCO

“Há déficit de justiça no Brasil” PEDRO LADEIRA, ESTADÃO CONTEÚDO

O documento era um suvenir da guerra suja?

Ao tomar posse, novo presidente do Supremo cobra independência para o Judiciário. Página 12 BRIGA POR CELULAR

A ZH, em São Paulo, o filho Marcelo Rubens Paiva questiona por que coronel assassinado guardava em casa arquivo sobre seu pai Páginas 4, 5, 6 e 11 JEAN SCHWARZ

No Olímpico Grêmio e Luxa em segunda lua de mel Elogios, promessas de contratações e títulos entre técnico e o presidente Koff.

Esportes

No Beira-Rio Quem está fora dos planos para 2013 Bolívar, Nei e Dátolo na lista dos que não devem ficar no Inter.

Queixas contra sinal ruim voltam a crescer Após ofensiva de Procon e Anatel, insatisfação segue e OAB pede intervenção. Pág. 24


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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial

Documento vira peça

fundamental A

Registro que comprova entrada de Rubens Paiva nas dependências de unidade do Exército, em 1971, revelado ontem por Zero Hora, será usado por promotor do Rio de Janeiro para embasar investigação sobre o desaparecimento do ex-deputado

JOSÉ LUÍS COSTA*

BANCO DE DADOS

EPISÓDIO DO SUMIÇO DE RUBENS PAIVA COMEÇA A TER NOVOS CONTORNOS

revelação, feita por ZH, de um documento comprovando que o ex-deputado federal Rubens Paiva foi sequestrado por militares e levado ao Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio, em 1971, mexeu ontem com o cenário político-ideológico e militar do Brasil. Um dos mais entusiasmados é o promotor Otávio Bravo, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio. Ele considera que surgiu a primeira prova documental da entrada do ex-deputado naquela repartição, um conhecido centro de torturas – algo que,até então,apenas se tinha ouvido falar. Trata-se de uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever,na qual o próprio Exército relata a prisão do ex-parlamentar. Intitulado “Turma de Recebimento”, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3),a equipe que o trouxe (o CISAer,Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do exdeputado. Consta nele, também, uma assinatura,possivelmente de Paiva. Essa simples folha de papel muda a história oficial, já que o corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964-1985).O documento ficou quatro décadas guardado no arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel

Molinas Dias,78 anos.Gaúcho de São Borja, o coronel chefiou o DOI-Codi 10 anos depois do desaparecimento. O documento só surgiu porque,em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi morto ao chegar de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na Capital. Tudo indica que se trata de uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas), embora não esteja descartado homicídio por algum desafeto ligado ao passado do oficial.A investigação está com o delegado Luís Fernando Martins de Oliveira. O promotor Bravo vai requisitar cópia do documento à Polícia Civil gaúcha. Ele considera que foram praticados pelo menos quatro crimes,no sumiço de Paiva: tortura, sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. O assassinato e a tortura já estariam prescritos, por terem se passado mais de 20 anos, ou estariam perdoados, por terem se consumado antes da vigência da Lei da Anistia,em 1979. Já o sequestro poderia estar em curso – fato que ele não acredita –,assim como a ocultação de cadáver. Sendo assim, os executores não estariam anistiados e o crime de ocultação do cadáver seria passível de punição. Bravo pretende encaminhar o procedimento investigatório à Comissão Nacional da Verdade e ao Ministério Público Federal, que tem competência para apresentar denúncia de crimes comuns à Justiça (sequestro e cárcere privado são crimes comuns). Por atuar junto à Justiça Militar,Bravo só pode apresentar denúncias referente a crimes militares. Organizações de ex-presos políticos também se entusiasmaram com a descoberta do documento guardado

pelo coronel. Para a coordenadora do Grupo Tortura Nunca Mais,Victória Grabois,o relato de que dois cadernos de anotações de Paiva ficaram com o major José Antônio Nogueira Belham escancara a necessidade de que o militar deponha à Comissão daVerdade: – A gente pode não acreditar, mas temos de pressionar para que ele seja ouvido. É evidente que ele deve saber o que aconteceu. Esse cara precisa falar em um depoimento público, que não seja a portas fechadas – apela.

“MANTER DOCUMENTOS DESSE QUILATE EM PODER DE MILITARES É UM CRIME CONTRA A HISTÓRIA DO PAÍS” Por meio de sua assessoria, o presidente da comissão, ex-procuradorgeral da República Cláudio Fonteles, garantiu que o documento será analisado e não descartou que o militar seja ouvido. Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke considera que a manutenção de documentos deste quilate em poder de militares “é um crime contra a história do Brasil”. – Tinham consciência de que um dia poderiam ter de prestar contas. Então resolveram levar os documentos para serem usados em caso de necessidade.Deixam lacunas na história – conclui Krischke. joseluis.costa@zerohora.com.br *Colaborou Humberto Trezzi


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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

ENTREVISTA

Otávio Bravo Promotor militar que investiga o sumiço de Rubens Paiva

“Bateram demais e perderam o controle” Por telefone, de seu apartamento no bairro carioca do Leblon, o promotor Otávio Bravo, 44 anos, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, falou sobre o caso Rubens Paiva e seu trabalho para tentar desvendar o paradeiro de 39 desaparecidos em poder de repressores durante a ditadura militar. Confira trechos: Zero Hora – Qual a importância do documento que comprova a entradadeRubensPaivanoDOI-Codi? Otávio Bravo – Estamos trilhando uma prova que dá credibilidade à declaração de uma das filhas do Rubens Paiva, que ouviu de um carcereiro que ele morreu lá. Ela nunca tinha sido ouvida por uma autoridade brasileira, por incrível que pareça. Foi presa aos 15 anos, ficou um dia detida no DOI-Codi e ouviu dizer: seu pai morreu. ZH – Quantas pessoas o senhor já ouviu? Bravo – Umas 15,mas entre outros casos, eu não investigo só isso.São 39 casos de desaparecidos de unidades militares aqui no Rio de Janeiro. O meu maior foco é a unidade clandestina que funcionava em Petrópolis (serra fluminense),a Casa da Morte. ZH – RubensPaivapassouporlá? Bravo – Existe uma versão de que ele teria passado, mas nada comprovado. Não teria o porquê. Eram levados para lá pessoas que militavam, que eles (militares) queriam dar fim.

ZH – O que houve com Paiva? Bravo – Não foi uma morte planejada. Foi torturado. Bateram demais nele e perderam o controle. Tanto é que há no inquérito, instaurado em 1986, uma declaração de um militar mencionando que a morte teria sido “acidental”. Era para ter sido preso. Não era um militante, um ativista, não pegava em armas. Pelo contrário, era empresário, cuja morte geraria mais problemas do que soluções. ZH – Rubens Paiva foi assassinado no DOI-Codi? Bravo – Para mim, foi assassinado lá, mas já saiu da unidade da Aeronáutica em condições ruins, onde começou a apanhar. Isso sei porque eu tenho o testemunho de duas senhoras que viram ele sendo maltratado. ZH–Épossívelchegaraculpados? Bravo – Sim. No caso do Rubens Paiva,se a gente chega aos nomes dos envolvidos, e conclui que ele morreu antes de 1980,aí os crimes de sequestro e de homicídio estariam prescritos e anistiados pela Lei de Anistia, de 1979. Poderíamos dizer quem foram

os autores dos crimes, mas não teria como punir essas pessoas. ZH – Não tem como? Bravo – Não tem como punir pela Lei da Anistia e porque o prazo de prescrição máximo é de 20 anos.Instaurei o procedimento no ano passado para ajudar a descobrir a verdade e,se possível,encontrar corpos. ZH – É possível levar alguém a julgamento? Bravo – Sim. Seria ingenuidade achar que o sequestro está em curso. Mas ocultação de cadáver é crime permanente até aparecer o cadáver, e ele não apareceu. É um pouco frustrante depois de se falar em tortura, homicídio, sequestro. Mas, se conseguir identificar pessoas que ocultaram o cadáver, elas podem ser colocadas no banco dos réus por esse crime. ZH – E a sua estrutura? Bravo – Só eu e minha secretária.É um trabalho bastante pesado. Houve apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade. Mas não tem apoio de estrutura,estou sozinho.Não há pressão, mas não teve ajuda. Há uma certa resistência das Forças Armadas em fornecer informações meio absurdas de destruição de documentos que a gente sabe que não foram destruídos.

Governador promete liberar

o acervo

– O documento divulgado é importante.Mas há outros que irão ajudar a esclarecer este episódio. A afirmação é do governador Tarso Genro, que não chegou ver a papelada recolhida na casa do coronel assassinado. Ele delegou a tarefa ao secretário estadual da Segurança Pública,Airton Michels, que separou o que considerava relevante. Tarso promete que os documentos deverão ser entregues às comissões nacional e estadual daVerdade na próxima semana. Conhecedor e testemunha da história das lutas políticas contra a ditadura militar, Tarso disse que esclarecer o episódio é fundamental para a consolidação da democracia: – Perverteremos o presente da democracia se não pudermos lançar luzes sobre o que aconteceu no passado. A história das pessoas que lutaram contra os militares é conhecida. Mas há uma sombra sobre o que aconteceu no aparato repressivo. – O documento ajuda a desconstruir o espectro de mentiras que ainda ronda as versões entorno da ditadura militar – avalia Paulo Abrão,presidente da Comissão deAnistia do Ministério da Justiça. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, lembra que o documento localizado em Porto Alegre se encaixa na versão da família do ex-parlamentar sobre o episódio.

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