Marcelo Rubens Paiva fala sobre desaparecimento do pai

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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial FÉLIX ZUCCO

ZEROHORA.COM

> De Ziraldo a Dilma Rousseff, personalidades perseguidas pela ditadura militar > Vídeo com entrevista concedida pelo filho de Rubens Paiva

MARCELO RUBENS PAIVA RECEBEU ONTEM ZH EM SUA CASA

A surpresa do

Quem é o escritor

filho Marcelo Enviado Especial/São Paulo

M NILSON MARIANO

arcelo Rubens Paiva contempla distraído os dois gatos que se espreguiçam na sacada, bafejados pelo sol morno do final de tarde que penetra oblíquo pela janela do apartamento onde mora, na Vila Madalena, em São Paulo. Depois, mordisca levemente o vasto bigode, já com alguns fios grisalhos, e encara o interlocutor para se manifestar sobre o documento – revelado com exclusividade por ZH na quinta-feira – que ajuda a elucidar o assassinato de seu pai, o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, nos porões de tortura da ditadura militar (1964-1985).

Autor de best-seller que influenciou gerações convive com desaparecimento do pai há quatro décadas Um dos cinco filhos de Rubens Paiva, o escritor e dramaturgo não se exalta. A companhia dos felinos, e das centenas de livros que forram

as paredes do escritório e se esparramam pelos cômodos e até no assoalho, amplifica a sensação de quietude. No entanto, ao falar, Marcelo é incisivo: – Fomos surpreendidos. Por que ele guardava o documento? Era uma espécie de souvenir da guerra suja? Pensava torná-lo público? Marcelo e seus familiares não entendem como o ex-chefe do DOICodi do Rio de Janeiro, o coronel da reserva do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, assassinado a tiros no dia 1º supostamente por ladrões, na Capital, mantinha os arquivos da repressão política. Com a descoberta do documento, que prova como Rubens Paiva foi trancafiado no DOI-Codi do Rio, em 20 de janeiro de 1971, Marcelo exige a investigação do papel exercido pelo coronel Molinas. Se conservava o comprovante da prisão de Rubens Paiva – que morreu sob tortura –, teria seus motivos para mantê-lo sob sigilo por quatro décadas. – Qual é a história desse coronel em 1971? Será que ele participou, de uma forma ou de outra, da morte e do desaparecimento do meu pai? – questiona o autor de Feliz Ano Velho. Descoberto pelo repórter José Luís Costa, o documento é uma peça valiosa de um quebra-cabeças que permanece inconcluso 40 anos depois.

Marcelo recorda que a família nunca conseguiu desvendar, por completo, o que ocorreu com Rubens Paiva no DOI-Codi fluminense. A família foi juntando informações esparsas. Uma delas foi proporcionada pelo médico Amílcar Lobo, que auxiliava os torturadores no sentido de avaliar a resistência dos prisioneiros políticos.Em 1986, Lobo garantiu ter visto Rubens Paiva no DOI-Codi, descrevendo-o como“uma equimose só”de tão machucado. Marcelo Paiva diz que o documento divulgado por ZH é relevante, ao evidenciar a entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi, inclusive com a descrição do recebimento de pertences. – É mais uma prova de que chegou andando e saiu esquartejado de lá – diz o escritor. A família Paiva está confiante de que a Comissão Nacional da Verdade, instalada este ano, possa avançar nas investigações nos crimes da ditadura militar.Ela conviveu com o desaparecimento do pai, cujos restos mortais teriam sido escondidos em vários locais, sem jamais poder velar e sepultar o corpo. Porém, Marcelo não “quer um pedaço de fêmur”, mas justiça e punição dos culpados. – Não só para o caso do meu pai, para todas as vítimas – diz o escritor. nilson.mariano@zerohora.com.br

Marcelo Rubens Paiva tinha 11

anos quando o pai deixou a casa, no Leblon, no Rio de Janeiro, conduzido por militares das Forças Armadas para nunca mais retornar.

O desaparecimento do pai, ex-

deputado Rubens Paiva, marcaria a vida de Marcelo e dos quatro irmãos.

Marcelo Rubens Paiva

Por que ele guardava o documento? Pensava torná-lo público mais adiante?

Dez anos depois, um acidente du-

rante um mergulho deixaria Marcelo tetraplégico. Era o segundo grande trauma em sua vida.

Em 1982, o jovem, que até aque-

le momento era conhecido pelo pai ilustre, ganha notoriedade com o livro Feliz Ano Velho. No texto, Marcelo relata, com bom humor, a rotina de um rapaz de classe média confinado a uma cadeira de rodas e aborda o impacto em sua vida do desaparecimento de Rubens Paiva.

Traduzido para muitos idiomas,

se converteu no livro nacional mais vendido da década de 1980, superando quarenta edições. O livro inspirou peça dirigida por Paulo Betti, um filme, dirigido por Roberto Gervitz, e influenciou gerações.

Dramaturgo, Marcelo é autor de uma dezena de peças.

Amanhã, lança “As verdades que

ela não diz”, mais um dos seus livros.

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ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2012

Reportagem Especial DIVULGAÇÃO, TV GLOBO

O desabafo do

general HUMBERTO TREZZI

E os fatos obscuros e crimes relacionados aos guerrilheiros de esquerda? Quem vai investigar? O questionamento foi feito ontem a Zero Hora pelo general da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, 74 anos, que presidiu durante quatro anos o Clube Militar,entidade sediada no Rio e reconhecida como local de posicionamento político para integrantes das Forças Armadas. É ali que se reúnem militares, especialmente os aposentados – que aí podem manifestar opiniões políticas,proibidas na caserna. E fortes são as manifestações de Figueiredo a respeito da descoberta de documentos que comprovam a prisão clandestina do ex-deputado Rubens Paiva. Gaúcho de Porto Alegre, excomandante militar em Uruguaiana (onde atuava na Cavalaria), o general da reserva é uma espécie de portavoz informal da caserna. Ele diz que tem acompanhado o caso do assassinato do seu colega, o coronel Molinas, no Rio Grande do Sul. Sobre os documentos encontrados na casa dele, Figueiredo é cauteloso: não teve acesso ao material e,por isso, prefere não se aprofundar: – Mas não posso negar a importância desses papéis. Devem ser autênticos. E merecem ser examinados por historiadores, por gente isenta e não engajada politicamente. Questionado se considera a Comissão da Verdade isenta o suficiente para examinar os documentos, Figueiredo esbanja sinceridade.Ele acredita que os documentos devem ir para lá, mas gostaria que a comissão investigasse os dois lados,não um só. – Que olhasse as bombas colocadas em filas de banco, que mataram inocentes, por exemplo. Não é verdade que procuram elucidar todos os crimes, nesta comissão.É preciso que sejam examinados também assaltos e assassinatos praticados pela esquerda. Não sei que posição o Exército vai tomar,mas essa é minha opinião. Zero Hora procurou o atual presidente do Clube Militar,general Renato Cesar Tibau da Costa. Ele preferiu não se manifestar. humberto.trezzi@zerohora.com.br

“ESTES PAPÉIS MERECEM SER EXAMINADOS POR GENTE ISENTA”

MIRIAM GRAVOU EM FRENTE AO EXTINTO DOI-CODI, NO RIO

ENTREVISTA

Miriam Leitão Jornalista

“Um bem precioso rumo à verdade” MARCELO PERRONE

“A sociedade foi Rubens Paiva,não os facínoras que o mataram”.Esta contundente frase de Ulysses Guimarães no Congresso Nacional,na cerimônia de promulgação da nova Constituição,em 1988,abre o documentário Uma História Inacabada,exibido no canal GloboNews em 1º de março deste ano. Zero Hora – Qual foi o ponto de partida para realizar este documentário sobre Rubens Paiva? Miriam Leitão – Quando a Comissão da Verdade foi instituída, eu e meu colega Cláudio Renato tivemos a ideia de falar sobre os desaparecidos não como abstrações, mas como pessoas que tinham famílias, empregos e sonhos e que tiveram suas vidas brutalmente interrompidas.Optamos por personalizar o tema no Rubens Paiva pela lembrança daquele forte e emocionado discurso do deputado Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988, quando ele citou o caso Rubens Paiva e disse:“Eu tenho ódio e nojo à ditadura”.Quem assistiu àquele discurso nunca esqueceu.

O programa,apresentado pela jornalista Miriam Leitão, tem como personagem central Rubens Paiva,deputado cassado pela ditadura militar. Miriam,em parceria com o jornalista Cláudio Renato, conduziu sua investigação sobre o episódio exibindo imagens de arquivos – como uma entrevista da mulher do deputado,Eunice Paiva,em 1978,e depoimentos de pessoas ligadas ao caso.Veja trechos da entrevista.

ZH – Durante a realização do especial se aventou a possibilidade de documentos como esse revelado por Zero Hora existirem? Miriam – Nós mostramos o único documento que se tinha, que está em poder da família há 41 anos: um comprovante de estacionamento entregue por um oficial do Exército. Quando foi capturado, Rubens Paiva dirigiu o próprio carro até a sede do 3º Comar no Rio. Ele foi torturado por militares da Aeronáutica e transferido para o DOI-Codi.Mostramos ainda as provas testemunhais de uma senhora que, por não poder falar, nos relatou por escrito que esteve presa com ele, e da filha Maria Eliana Paiva, que também esteve no DOI-Codi. Este documento

revelado por Zero Hora é um passo muito além,é um bem precioso rumo à comprovação da verdade. ZH – Como você avalia o papel da imprensa na investigação e publicação de documentos? Miriam – Esta é uma pauta permanente não só para a imprensa,mas para o Brasil. É preciso deixar para as próximas gerações um registro histórico mais preciso do que realmente ocorreu no período da ditadura, sobre o que ocorreu com Rubens Paiva, comVladimir Herzog e outros.Muitos documentos sigilosos foram levados para casa por militares. Zero Hora mostra neste episódio que o bom jornalista vai saber como encontrá-los.

A farsa FLÁVIO TAVARES

Colunista

N

o auge da ditadura Médici,os jornais do Rio destacaram uma “audaciosa ação da guerrilha terrorista”: o resgate,por seus comparsas,de um preso levado aoAlto da Tijuca para apontar esconderijos.A foto do Fusca queimado em que transportavam o prisioneiro,fazia tudo verossímil. Mas a imprensa,sob censura e sob controle direto ou indireto,não daria a ênfase que deu se a notícia fosse verdadeira.Só algo falso,“plantado”pelos que mandavam em tudo,teria tanto destaque,até no rádio e na TV. Ao ler os jornais,no exílio no México, desconfiei.A saída de presos para

“reconhecimento”era supersecreta e um resgate na rua seria difícil até interceptando telefones do Exército. Conhecia o horror do quartel“de onde saiu o preso”,e nada entendi. A farsa sobre o desaparecimento de Rubens Paiva começou ali.Dias antes, a mãe de uma exilada no Chile fora detida ao desembarcar no Rio com uma carta em que outra exilada indagava se Rubens“havia entregue a encomenda”. Pouco antes,ele fora ao Chile para que sua empresa de engenharia participasse da construção do metrô de Santiago e,como era comum,trouxe cartas e presentes dos exilados brasileiros a parentes e amigos. Em seguida,aAeronáutica o prendeu em sua casa para“esclarecimento”.No

dia seguinte,a mulher e a filha,presas depois,ouviram sua voz no quartel do DOI-Codi,onde outros presos o viram. O médico militarAmilcar Lobo (que, com o estetoscópio,media se o preso “aguentava”o eletrochoque) conta que o examinou na tortura.Rubens nada sabia de nada e não podia sequer inventar subterfúgios para interromper a tortura. Morreu por isto.Por ser absolutamente alheio ao que lhe indagavam. Só com outro crime a farsa se desmoronou através da própria imprensa,41 anos depois.E,por ironia, revelada por um repórter nascido em 1964,o ano do golpe que gerou tudo isto. *Em 1969, Flávio Tavares esteve preso no mesmo quartel de Rubens em 1971.


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