A manobra militar no atentado do Riocentro

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ZERO HORA DOMINGO, 25 DE NOVEMBRO DE 2012

Carta da Editora

Marta Gleich - Diretora de Redação

marta.gleich@zerohora.com.br

Caçadores de verdades

Do Leitor Editor: Pedro Chaves - 3218-4332

morte do deputado.Até então,não havia documento que comprovasse a passagem de Paiva pelo DOI-Codi.O corpo nunca foi localizado.O Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar.Ao revelar o documento,a reportagem de ZH comprova que o ex-deputado foi,sim,sequestrado por militares e entrou,sim,no DOI-Codi. José Luís Costa,48 anos,é um daqueles repórteres de polícia obstinados e organizados. É capaz de passar horas numa delegacia ou num tribunal,debruçado sobre papéis empoeirados,anotando coisas.Quando pega uma reportagem mais importante,inaugura um caderno novo e ali anota tudo (numa letra que só ele entende). Costuma-se dizer nas redações que a sorte acompanha os bons repórteres.O dito se comprovou mais uma vez.Na noite do dia 1º para 2 de novembro,José Luís foi o primeiro jornalista a saber,por uma fonte,do assassinato do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias,78 anos,morto ao chegar em casa, em PortoAlegre.O jornal publicou a notícia, com informações de que o coronel era ex-chefe do DOI-Codi.

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José Luís, um repórter obstinado

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Recortes de história

FOTO COMENTADA

de que Fernandão tinha sido demitido do Inter, ele e seu colega Emílio Pedroso deslocaram-se para o Beira-Rio: – Emílio ficou junto à entrada dos atletas e eu fiquei na sala de imprensa para acompanhar a coletiva do ex-técnico. Quando Fernandão elogiava o volante Ygor, vieram as lágrimas, que ele não conseguiu conter. Nesse momento, disparei a máquina e obtive o resultado da foto da capa.

Das páginas do Almanaque Gaúcho até pequenas lembranças de viagem, tudo para a professora aposentada Maria Laís Schilling, de 57 anos, moradora de Soledade, pode ser parte de seu museu particular.Ela guarda miniaturas de instrumentos musicais, discos de vinil, pequenos móveis,canetas antigas,relógios... A admiradora do colunista Paulo Sant’Ana começou a colecionar aos oito anos e tem um acervo que inclui filmes, reportagens, e livros sobre e estrelados por seu maior ídolo: Charlie Chaplin. – Gosto de ter essas pequenas relíquias, coisas de lugares do mundo que eu nunca vou conhecer. Cada objeto tem uma razão de existir e ser guardado – explica Laís, que, a vida inteira, deu aula na disciplina de História.

ZH NA SEMANA FOTOS AQRUIVO PESSOAL

A foto publicada na capa de Zero Hora de quarta-feira, sob o título “Triturado pelo vestiário”e que mostra Fernandão chorando durante coletiva à imprensa, logo após sua demissão do cargo de treinador do Sport Clube Internacional, foi elogiada por João Francisco Damas, de Porto Alegre. Autor da imagem, o fotógrafo de ZH Fernando Gomes conta que, tão logo surgiu a informação

Um homicídio a mais na estatística da violência urbana,possivelmente motivado pelas armas que o ex-militar guardava em casa,o caso ganhou outra dimensão quando se descobriram documentos do tempo da ditadura na casa do coronel. José Luís passou a se dedicar exclusivamente à história.Até deparar,na terça-feira,com o papel amarelado e o“Rubens Beyrodt Paiva” manuscrito.Estava ali a chave de uma das passagens mais emblemáticas da ditadura,a peça que completa um quebra-cabeça.Mas não era só.Diante da riqueza dos documentos,a José Luís juntaram-se os repórteres Nilson Mariano, Humberto Trezzi,Guilherme Mazui,Juliano Rodrigues,CarlosWagner,Marcelo Perrone, o fotógrafo Félix Zucco e os editores Carlos Etchichury e Marcelo Ermel.Este time produziu mais uma reportagem exclusiva,às páginas 29 a 32 desta edição,que desvenda segredos de outro emblemático episódio da ditadura:o atentado no Riocentro. Com essas duas reportagens,Zero Hora reafirma seu compromisso de contar a história, de revelar documentos relevantes cujos guardiões não gostariam que viessem à tona e de prestar um serviço à memória do país.

MAURO VIEIRA

“S

empre é a imprensa que conta a história.”Dita pelo escritor Marcelo Rubens Paiva,a frase sintetiza o sentido de ser jornalista – e a responsabilidade coletiva de uma redação,na busca da verdade. Marcelo é filho do ex-deputado federal Rubens Paiva,vítima-símbolo dos anos de chumbo,e foi entrevistado por Zero Hora esta semana,depois que o jornal revelou um documento histórico. O repórter de Zero Hora José Luís Costa colocou a mão num papel tão simples quanto bombástico.Uma folha de ofício com a descrição fria e burocrática do momento em que Rubens Paiva entrou no DOI-Codi.Dá para imaginar o funcionário colocando o papel na máquina de escrever no dia 20 de janeiro de 1971 e datilografando a lista de itens:“Um chaveiro com cinco chaves”,“Um cartão do DINERS CLUB”,“Um relógio de metal branco marca Movado”.Na lateral da folha,um nome escrito em letra cursiva:Rubens Beyrodt Paiva, o que pode ser a última assinatura do deputado ou uma simples anotação de funcionário do DOI-Codi. Por que isso muda a história? Porque a imprensa neste momento levanta o véu que nublava por mais de 40 anos a mal contada

ZH nas redes sociais

Laís, ao lado, e sua coleção de pequenas memórias

A internação do escritor L. F. Verissimo foi o assunto mais destacado na página de ZH no Facebook, com 115 comentários e 987 compartilhamentos. Pedro Massari: Que Deus ajude nosso L.F.Verissimo. Maira Asbach: Torcendo por ele. Bah Coimbra: Que ele se recupere rápido! Miriam Charlier: Gente como ele precisa ficar neste mundo.

Os projetos eleitos pelos gaúchos

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A MANOBRA MILITAR NO

ATENTAD

Documentos encontrados na casa de coronel assassinado na Capital revelam como o Exército se articulou para ocultar a autoria das explosões que tinham como alvo o show com cerca de 20 mil pessoas no Rio, há 31 anos HUMBERTO TREZZI e JOSÉ LUÍS COSTA

M

RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

issão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes “supervisores” da ação foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985.Tudo isso a população brasileira já intuía,por meio de depoimentos. O que até agora permanecia oculto – e está sendo revelado por Zero Hora,em primeira mão – são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de abafamento do incidente,arquitetadas por servidores da repressão. O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias – assassinado aos 78 anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de

um crime ainda nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, conhecido como Aparelhão. O arquivo do coronel continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo “confidencial” ou “reservado”. O calhamaço evidencia que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas. Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial.A unidade comandada por Molinas era reponsável por espionar e reprimir opositores ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita,no bairro da Tijuca.Ao se aposentar,o coronel levou para casa documentos preciosos, contando pormenores da sigilosa rotina da caserna.O dossiê deixa transparecer que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi, distante 30 quilômetros do centro de eventos. Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos. Há inclusive uma orientação para simular o

furto do veículo pertencente ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com pistas que seriam comprometedoras.

Oficiais forjaram cenário da ação O acervo de Molinas foi arrecadado pela Polícia Civil gaúcha após o assassinato dele e revela detalhes inéditos do lado de dentro dos portões de uma das mais temidas unidades das Forças Armadas durante os anos de chumbo. ZH teve acesso a memorandos datilografados e também manuscritos, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente após a explosão. São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona. Os papéis contêm medidas de prevenção para segurança de militares, recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e artefatos explosivos no paiol do quartel para destruição coletiva e individual. Mas o mais espesso

lote de documentos do coronel é do tempo em que ele dava as ordens no comando do DOI-Codi. De próprio punho, o coronel Molinas teria redigido parte desses memorandos, divididos em dias, horas e minutos. Trabalho facilitado porque era detalhista. Um verdadeiro soldado espartano. Em meio à papelada sobressaem-se relatórios sobre o desastroso atentado no centro de convenções Riocentro. Uma das duas bombas que explodiram durante um show musical acabou matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, chefe da seção de Operações do DOI-Codi. Os papéis do coronel Molinas mostram que Rosário tinha o codinome de Agente Wagner e Wilson era chamado Dr. Marcos (militares de baixa patente eram chamados de agentes e oficiais eram doutores,na gíria da espionagem). Acompanhe, nas páginas a seguir, o teor dos documentos secretos e os desdobramentos da Operação Centro, a desastrada Missão Nº 115 do Aparelhão. humberto.trezzi@zerohora.com.br joseluis.costa@zerohora.com.br

A BOMBA NO RIOCENTRO ●

BOMBA EXPLODIU NO COLO DE AGENTE DO DOI-CODI

Na noite de 30 de abril de 1981, um show

em comemoração ao Dia do Trabalhador era realizado no centro de convenções do Riocentro, na Barra da Tijuca, no Rio. Cerca de 20 mil pessoas foram assistir a apresentações de Beth Carvalho, Alceu Valença, Cauby Peixoto, Elba Ramalho e Gonzaguinha, entre outros. O DOI-Codi monitorava manifestações e planejou explodir duas bombas durante o show com a intenção de atribuir o crime à organização de esquerda VPR. Um dos artefatos explodiu antes da hora, dentro de um Puma, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu no local, e feriu o dono do carro, o capitão Wilson Luiz Chaves Machado. Outro artefato foi detonado 15 minutos depois, na casa de força. Ninguém ficou ferido.

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0h40min – Coronel Cinelli – Falamos sobre a ida da perícia da PE (Polícia do Exército) à paisana e a retirada do corpo. 1h1min – Tenente-coronel Portella liga ao HCE (Hospital Central do Exército) para receber o corpo do Robot (sargento Rosário). À 1h5min, Molinas recebe ligação de uma pessoa,à qual identifica como Dr.Rodolfo, atualizando notícias sobre o capitão Wilson Machado,ferido na explosão: 1h5min – Está sendo operado, dilaceração nas vísceras. As anotações se tornam esporádicas: 4h24min – Um Chevette aberto cinza metálico com bagageiro placas RT-1719 estava ao lado do carro Puma,com um emblema do 1º BPE. 6h5min – Justifico telefonema dizendo que está na cirurgia,Dr.Marcos (codinome do capitão ferido),ortopédica nos braços. 17h – Fui para casa.

SÁBADO, 2 de maio de 1981

A BOMBA QUINTA-FEIRA, 30 de abril de 1981 O relatório de atividades externas do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio descreve a movimentação da unidade naquele 30 de abril de 1981. Batizada de Missão Nº 115 – Operação Centro, a ação previa que os militares fizessem a espionagem do show no Riocentro, celebração do Dia do Trabalhador, que virou manifesto contra a ditadura. Foram escalados dois agentes, com previsão de saída às 18h40min e retorno às 4h20min, usando um Fusca. Outros dois, de forma clandestina, usaram um Puma particular. Por volta das 21h15min, tudo seguia na rotina até uma bomba explodir no Puma em que estavam os dois integrantes do DOI-Codi. À noite, de próprio punho,o coronel Julio Miguel Molinas Dias,comandante do DOI-Codi,fez o relato de como foi informado do atentado.Ele assistia, em casa, à primeira partida da final do Campeonato Brasileiro de 1981, no Olímpico,vencida pelo Grêmio por 2 a 1. Intervalo do jogo do Grêmio x São Paulo, telefonema do agente Reis (codinome de um militar). Disse que um cabo PM telefonara avisando que haveria um acidente com explosivo com uma vítima. Deu o nome quente Dr.Marcos... Doutor Marcos era o codinome do capitão Wilson Luiz Chaves Machado,chefe da Seção de Operações do DOI-Codi, ferido na explosão. O relato do coronel Molinas continua, falando de como foi informado da morte do sargento Guilherme Pereira do Rosário,ao manipular a bomba: (...) Por volta das 22h30min, cheguei ao órgão... dirigi-me à vaga n.1 do coman-

do. (...) O Dr. Wilson (codinome de outro agente), que estava na operação, chegou logo a seguir. O agente Reis, que já chegara, avisou que recebera outro telefonema do mesmo elemento, dizendo que um sargento estava no local,irreconhecível. A seguir, o coronel descreve como foi a longa noite pós-atentado:

23h30min – O Globo (talvez referindose à notícia que ouviu na Rádio Globo ou na TV) – estouraram duas bombas no estacionamento, destruindo dois carros e uma moto.No segundo carro não houve vítimas. 23h30min – Dr. Araújo (codinome de oficial) telefona para saber o que houve. Molinas relata o estado de saúde do capitão Wilson, motorista do Puma e ferido na explosão: 23h30min – Hospital Miguel Couto... Tá sendo operado, vísceras do lado de fora. Estado grave. De próprio punho, o coronel registra que foram dois os explosivos levados para o Riocentro: 23h35min – Uma bomba na casa de força (central de energia do Riocentro) e uma no carro. Às 23h45min,Molinas afirma ter telefonado ao coronel Leo Frederico Cinelli,chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, relatando os fatos. Minutos depois, recebe notícias de alguém sobre o sargento morto e registra: 23h50min – O Robot (menção a quem leva bomba) está morto.Tem uma granada que estava no carro e botaram no chão.

SEXTA-FEIRA, 1º de maio de 1981 As anotações de Molinas prosseguem madrugada adentro. Ele trata da remoção do corpo do sargento para o hospital:

Molinas retorna ao DOI-Codi e manda recado ao capitão ferido para que não se pronuncie a respeito do acidente:

8h30min – Chegada ao destino (...) Transmitida mensagem ao Dr. Marcos (codinome do capitão ferido) para não fazer esforço para falar,tranquilizando-o. (...) Comandante do DOI e comandante do 1º Exército foram ao enterro e hospital. Foi dada ordem para oficial de permanência ficar em tempo integral no DOI.

A FARSA Ainda no dia 2, um manuscrito com letra diferente à do coronel Molinas revela uma tentativa de encobrir a autoria do atentado. Foi anotada (talvez por um ordenança do coronel) a necessidade de encontrar o carro particular do sargento morto e providenciar o seu recolhimento ao DOI-Codi.O objetivo pode ter sido evitar que material comprometedor, dentro do veículo, fosse apreendido pela Polícia ou fotografado pela imprensa: Foi feito contato com a secretaria de segurança para localizar o carro do Wagner (codinome do sargento morto) e comunicar ao DOI (carro roubado). Existe equipe de sobreaviso para“puxar”(levar) o carro. RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

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A anotação segue: Foi mandado ao 1º Exército (coronel Cinelli) as fotografias das placas com Vanguarda Popular Revolucionário (VPR) para aproveitamento na imprensa. A frase de Molinas só ganhou sentido tempos depois, quando ex-integrantes da ditadura revelaram que agentes do DOI-Codi picharam placas de sinalização de trânsito nas imediações do Riocentro com a sigla da organização de luta armada de extrema esquerda VPR. O objetivo dos militares com a pichação era atribuir a autoria do atentado à VPR. Seria uma explosão planejada para botar a culpa em esquerdistas, como descreve o ex-delegado da Polícia Civil Cláudio Guerra no livro Memórias de uma Guerra Suja. O coronel Molinas avança seu memorando pelo dia 2 de maio,relatando supostas ameaças de bomba na casa do capitão ferido e no hospital Miguel Couto: 13h01min – Família do Dr. Marcos (codinome do capitão) liga para o Dr. Carmelo (codinome de um oficial) no hospital e participa a existência de um embrulho suspeito na porta do apartamento. O Dr. Carmelo telefona ao Dr. Maurício (codinome), oficial permanente, que está providenciando o deslocamento de uma equipe para o local. (...) sob o tapete da porta de entrada tem uma bolsa do Carrefour de material translúcido e dentro tinha dois pães, um inteiro e outro faltando um pedaço. As supostas ameaças contra integrantes do DOI prosseguem ao longo do dia 2: 16h10min – O delegado Tufic,da 14ª DP, telefona para dizer que recebeu dois telefonemas anônimos dando conta de que o capitão Paulo Renault iria jogar uma bomba no quarto do capitão hospitalizado. 16h18min – Telefonema para a residência do capitão Paulo Renault, que não atende. 16h20min – Ligação para a portaria do prédio que diz que, possivelmente, o capitão estaria viajando. Conforme o blog do jornalista Ricardo Noblat, o capitão seria Paulo Renault, engenheiro eletrônico, perito judicial e também ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI). Em 2005, esteve envolvido no escândalo da CPI dos Correios. Estaria disposto a fazer revelações em depoimento à Justiça, mas desistiu ao ter a casa metralhada. PICHAÇÃO EM PLACA DE SINALIZAÇÃO TERIA SIDO FEITA POR MILITARES


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Os dois segredos de Molinas

DOMINGO, 3 de maio de 1981 Molinas anota telefonema recebido de um colega coronel: 8h25min – Telefonema do coronel Prado, dizendo que o JB (Jornal do Brasil) tem reportagem em que um médico diz que o capitão estaria em condições de falar. O assunto é tratado com o coronel Cinelli. Mais tarde, outro telefonema – ainda mais preocupante – fala que os agentes se tornam suspeitos de explodir a própria bomba que os feriu: 15h50min – Agente Hugo (codinome de policial) liga dizendo que o segurança do Riocentro está comentando que o atentado seria nosso. Para mudar o foco e jogar a culpa do atentado fracassado no Riocentro na esquerda, Molinas rascunha uma lista de incidentes anteriores, como a suposta tentativa de ataques a unidades militares. O texto é datilografado e enviado ao coronel Cinelli. Antecedentes – Viemos apresentar alguns fatos que comprovam a intenção das esquerdas em atingir os órgãos de segurança, em especial os DOIs, tanto no campo da agressão física como em ações psicológicas com objetivo único de desmantelar o aparato repressor ou destruí-lo. No final de 1980 ficaram encarregados de eliminar o Exmo senhor general Antônio Bandeira, no Sul do país... O atentado seria com risco da própria vida. Molinas conclui: Face aos atos e fatos apresentados, somados a uma orquestração pela imprensa, acusando os DOIs como responsáveis por tudo que ocorre de mal contra as esquerdas (...) cada elemento do órgão passou a ser um alvo de justiçamento. (...) Quanto ao atentado em si,qualquer conclusão cairá no campo da especulação, correndo o risco de atentar contra a honra e a integridade de um oficial e de um sargento.

Riocentro – A parte mais volumosa do

dossiê de Molinas envolve o atentado no Riocentro, duas bombas explodidas em 1981 no centro de eventos do Rio de Janeiro. O episódio acontece durante um show de protesto contra a ditadura militar. Um sargento do Exército morre e um capitão fica ferido, com uma das explosões, ocorrida dentro do veículo em que estavam. Os dois trabalhavam no DOI-Codi, sob ordens do coronel Molinas. A versão oficial do Exército é que a esquerda teria preparado os atentados, mas papéis que o próprio Molinas guardava indicam que o DOI-Codi maquiou o cenário para fazer as explosões parecerem obra de guerrilheiros esquerdistas.

MISTÉRIO SOBRE SUMIÇO DE RUBENS PAIVA COMEÇA A SER DESVENDADO

SEGUNDA-FEIRA, 4 de maio de 1981

QUARTA-FEIRA, 13 de maio de 1981

O diário é recheado de documentos. Um deles, um ofício que chega ao DOICodi do coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado do inquérito policial-militar (IPM) que investiga o atentado. Ele convoca o coronel Molinas para depor às 14h do dia seguinte no 9º andar do Palácio Duque de Caxias, sede do comando 1º Exército.

Documento afirma que, às 22h de 10 de maio, no bar do Hospital Miguel Couto um homem,em voz alta, acusa o DOI-Codi pelas bombas colocadas no Riocentro e no jornal Tribuna da Imprensa. O homem e um amigo dele são levados para a 14ª DP. Lá são interrogados e liberados. São eles: José Augusto Alves Neto, da Rádio JB, e CarlosVieira Peixoto Filho,do JB (jornal). Datado deste dia,um manuscrito contém duas perguntas e respostas atribuídas ao agente Guarany (amigo do sargento morto) sobre as habilidades com bombas do agente Wagner (codinome do sargento): Wagner é técnico em explosivos? Não. Qual o curso ou estágio que fez: Nenhum. É um autodidata.

QUINTA-FEIRA, 7 de maio de 1981 Uma relato datilografado informa que às 17h40min, o capitão ferido foi do CTI para a sala de radiografia. E aparece no CTI uma mulher, vestindo calça e jaleco branco, dizendo-se médica, perguntando ao PM da segurança onde é o CTI.A mulher usa sapato verde e o PM desconfia dela. O crachá está virado e, ao desvirar, lê “visitante do IBGE”.A mulher é levada para fora do hospital e embarca em uma Brasília do Jornal do Brasil.

SEXTA-FEIRA, 8 de maio de 1981 Documento confidencial relata um telefonema ao DOI-Codi, às 15h, repassando dados sobre uma mulher de nome Mariangela ou Ângela Capobianco e o local do trabalho do marido dela.O interlocutor descreve a mulher: “Mais ou menos 45 anos, estatura média, meio gorda, cabelo pintado de caju. É importantíssima, está autorizada (muito cuidado). Trabalha na diretoria de vendas ou arrecadação”. Para entender: Ângela era uma diretora do Riocentro e, segundo livros sobre o tema, é suspeita de ter colaborado com os militares.Após afastar das funções o chefe de segurança do Riocentro, na noite do atentado, ela teria sido responsável pelo fechamento com cadeados da maioria dos portões de saída da área do show.A medida, em caso de explosão de uma bomba, poderia amplificar o número de vítimas.

QUARTA-FEIRA, 20 de maio de 1981 Em um documento reservado, enviado ao chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, Molinas comunica os nomes dos RICARDO CHAVES, BANCO DE DADOS

E continuam as supostas ameaças no dia 2, tentando transformar o capitão de terrorista em vítima. Molinas pede segurança: 22h25min – Telefonema do Dr. Marino (codinome de um oficial) avisando de um telefonema anônimo para o Hospital Miguel Couto, avisando que colocariam um petardo na casa do Dr. Marcos (capitão ferido). 22h30min – Telefonema para o tenente-coronel Roberval e pede providências junto à PM.

REPRODUÇÕES

O dia 2 de maio de 1981 continua interminável, nas anotações de Molinas.Agora surge outra notícia de plano para matar o oficial ferido, talvez uma manobra para enfatizar que o capitão do DOI-Codi tinha sido vítima de um atentado: 16h45min – Dr. Wilson (codinome de oficial) liga dizendo que o pessoal do hospital acha bom chamar o plantão policial e a imprensa,dizendo que tinham conhecimento de um plano para eliminar o Dr. Marcos (o capitão ferido).

Rubens Paiva – O coronel Molinas guardava em casa a mais importante prova material de que o deputado federal cassado Rubens Paiva deu entrada no DOI-Codi – e não desapareceu, como era até então a versão oficial do fato. Esse registro oficial, revelado por ZH, é uma folha de ofício amarelada, denominada “Turma de Recebimento”, que contém o nome completo do político, de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971) e uma relação de papéis, pertences pessoais e valores em dinheiro encontrados com o ex-deputado. A papelada é assinada, provavelmente pelo próprio Paiva.

agentes do DOI-Codi escalados oficialmente para “cobrir” o show: sargento da Aeronáutica Carlos Alberto Henrique de Mello e o soldado da Polícia Militar Hirohito Peres Ferreira. O ofício afirma que o chefe da Seção de Operações, capitão Machado, e o sargento Rosário (os vitimados na explosão no Puma) foram ao Riocentro para supervisionar a equipe. Seria a primeira vez que os nomes de Machado e Rosário aparecem em um documento oficial como tendo participado da desastrada Missão Nº 115.

SEGUNDA-FEIRA, 25 de maio de 1981 Documento confidencial encaminhado às unidades militares pelo comando do 1º Exército sob o título“Atentado Terrorista no Riocentro – informação 312/81”determina ponderação, serenidade e isenção diante de“notícias apresentadas por certos setores da comunicação sensacionalistas e alguns políticos,que muitas vezes não correspondem à verdade”. O documento afirma que o coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado da investigação militar do atentado,foi substituído,pois está “baixado no HCE (Hospital Central do Exército) desde 18 de maio para observação, foi submetido à junta de saúde, cuja ata do exame recomenda que lhe sejam concedidos 30 dias de licença para tratamento de saúde”. Anos depois, viria a público a versão de que Ribeiro foi afastado do inquérito porque se recusara a acatar ordenssuperiores.Teriasido, inclusive,chantageado para reunir provas que apontassem grupos de esquerda como autores do atentado.

DOI-CODI ESTARIA POR TRÁS DE BOMBAS QUE DESTRUÍRAM JORNAL

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