Gazeta Russa 16 de Abril

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Brasil como alternativa

FERNANDO PASTORELLI

Sanções do Ocidente podem redirecionar relações russas e fortalecer Brics, segundo cônsul P.4

Produzido por

Publicado e distribuído com The New York Times (EUA), The Washington Post (EUA), The Daily Telegraph (Reino Unido), Le Figaro (França), La Repubblica (Itália), El País (Espanha), La Nacion (Argentina) e outros.

Este suplemento foi preparado e publicado pelo jornal Rossiyskaya Gazeta (Rússia), sem participação da redacão da Folha de S.Paulo. Concluído em 9 de abril de 2014.

Anexação Para além das sanções impostas por Estados Unidos e União Europeia, Rússia terá muitos outros gastos com pensínsula DPA/VOSTOCK-PHOTO

País terá que arcar com ‘Custo Crimeia’

Em referendo, 96,77% dos eleitores escolheram voltar a fazer parte da Federação Russa

Admissão do território terá custos políticos e econômicos para país, que irá equiparar aposentadorias e investir em infraestrutura. LARA MCCOY GAZETA RUSSA

No dia 20 de março, a Duma de Estado (câmara baixa do Parlamento russo) tomou uma medida sem precedentes na história pós-soviética ao aprovar a anexação da Crimeia e da cidade de Sevastópol ao país. A votação representou o auge dos acontecimentos que tomaram Kiev em fevereiro passado, quando o mundo acompanhou a escalada da violência entre as forças do governo e manifestantes que se opunham à decisão do então presidente Víktor Ianukovitch de rejeitar um acordo de adesão à UE. Ao longo do mês seguinte, Ianukovitch fugiu para a Rússia, um novo governo interi-

no composto por líderes do movimento da oposição foi estabelecido em Kiev, e um referendo foi realizado na Crimeia para separar a região da Ucrânia e anexá-la à Federação Russa. A decisão de Moscou de aceitar a Crimeia e a cidade de Sevastópol, região administrativa que era independente da Ucrânia, como pertencentes ao território russo resultou em sanções por parte dos Estados Unidos e União Europeia, bem como na ameaça russa de introduzir um regime de vistos para cidadãos ucranianos.

Conexão histórica A península da Crimeia se tornou pela primeira vez parte do Império Russo sob o comando de Catarina, a Grande, em 1783. Permaneceu como parte da Rússia - superando o caos da Guerra de Crimeia, da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Bolchevique e

da Segunda Guerra Mundial – até 1954, quando o líder soviético Nikita Khruschov transferiu a península para a República Socialista Soviética da Ucrânia. Foi assim que a região passou a fazer parte da Ucrânia independente após

Nos últimos anos, península recebeu mais do governo central de Kiev do que contribuiu a queda da União Soviética, em 1991. Mesmo assim, a Crimeia continuou abrigando a Frota Russa do Mar Negro, que foi estabelecida em 1783. A presença de soldados e marinheiros russos da frota complicou a situação após 21 de fevereiro deste ano, quando tropas não identificadas, porém pilotando veículos registrados pela Frota do Mar Negro, ten-

taram isolar as unidades militares ucranianas também instaladas ali. De acordo com o último censo ucraniano, realizado em 2001, 58% da população local é composta por russos étnicos e 77% considera o russo como primeira língua. Mesmo assim, os resultados do referendo de 16 de março não foram reconhecidos por nenhum outro país. Segundo o presidente da comissão eleitoral do Referendo da Crimeia, Mikhail Malichev, 96,77% dos eleitores que participaram da votação decidiram que a Crimeia deveria voltar a fazer par te da Rússia.

Custos para economia A anexação, porém, terá custos, tanto políticos como econômicos, para a Rússia. E não sairá barata. A Crimeia pode precisar de investimentos da ordem dos 3 a 5 bilhões de dólares por ano para cobrir be-

nefícios sociais, déficit orçamentário e despesas com infraestrutura, incluindo a construção de uma ponte no Estreito de Kerch ligando a Crimeia diretamente à Rússia. A região também precisará de novas fontes de eletricidade, água e combustível. Nos últimos anos, a península recebeu mais financiamento do governo central de Kiev do que contribuiu para o orçamento federal. De acordo com Leonid Pilunski, deputado do Conselho Supremo da Crimeia, a região pôde financiar apenas 34% de seu orçamento no ano passado. Aleksêi Uliukaiev, ministro do Desenvolvimento Econômico russo, também afirma que a Rússia vai enfrentar o desafio adicional de equiparar as aposentarias e outros benefícios sociais da península aos seus padrões. De acordo com Ekaterina Obukhovskaia, especialista do instituto de pesquisas Obs-

chestvennaia, cerca de 200 mil pessoas na Crimeia trabalham no setor público, e, segundo dados da agência federal de estatística da Ucrânia, a média salarial era de 12.500 rublos (R$ 790) em fevereiro passado.

Somente a ponte ligando a Crimeia diretamente à Rússia deverá custar 1,2 bilhão de dólares Na Rússia, a média é quase três vezes superior: 30 mil rublos (R$ 1.900). Para elevar os salários ao nível russo, serão necessários 42 bilhões de rublos ao ano (R$ 2,6 bilhões). Além disso, a Rússia também precisará injetar capital em infraestrutura. Se a Ucrânia cortar a rede elétrica da Crimeia, será preciso construir linhas de transmissão ao longo do Estreito de Kerch

CARTA AO LEITOR

Novo design, mesmo comprometimento ão tempos turbulentos. Uma nova sombra de Guerra Fria paira no ar depois da eclosão da crise na Ucrânia. Nem por isso, porém, iremos nos esquivar das questões mais tortuosas ou passar a fazer abordagens partidárias. Neste ano, quando completa quatro anos na Folha de S. Paulo, Evguêni Abov a Gazeta Russa passa por uma reEDITOR-CHEFE forma gráfica e reafirma sua postura editorial. O encarte recebe um novo logotipo, assim como todos os suplementos mundo afora do Russia Beyond The Headlines

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(RBTH), projeto do qual faz parte. A reforma vem com nosso comprometimento de continuar levando aos leitores a perspectiva russa sobre os principais assuntos do dia de maneira balanceada e clara. Criado em 2007, o RBTH possui suplementos no mundo inteiro. Na América do Sul, é publicado no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Na Europa, sai na Itália, na França e na Alemanha, entre outros. Atualmente, contamos com 26 suplementos, em 16 línguas, publicados nos principais jornais do mundo com diferentes regularida-

des. The New York Times (EUA), The Daily Telegraph (Reino Unido), La Repubblica (Itália) e Le Figaro (França) são alguns exemplos dessa história de sucesso. Além disso, atualizamos diariamente 18 sites em diferentes línguas, que podem ser acessados pelo endereço: www.rbth.com. O principal objetivo da reforma é reunir todas essas publicações do projeto RBTH sob um mesmo domínio. O site brasileiro, por exemplo, agora fica no endereço: br.rbth.com. Com as mudanças no design, re-

forçamos também nossa política editorial. Nossos esforços se mantêm não apenas para informar, mas para levar ao leitor uma análise profunda da vida política, social, cultural e econômica do país, apresentando diferentes pontos de vista e revelando uma Rússia que, muitas vezes, só é mostrada envolta em estereótipos. Envie seus comentários e observações referentes a nossos suplementos para o e-mail: br@rbth.ru. Convidamos você a descobrir a Rússia também em nosso site: br.rbth.com.

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para abastecer a península com energia, segundo Aleksandr Khurudji, presidente do conselho de rede elétrica não comercial da Rússia. A representação comercial da Rússia na Ucrânia já começou a fazer uma lista de projetos que necessitam de investimento federal. A reconstrução da estrada que conecta a extremidade da Crimeia a Kherson, Djankoi, Feodosia e Kerch vai custar US$ 1,4 bilhão. Além disso, os projetos de desenvolvimento de portos marítimos em Ievpatoria, Feodosia, Kerch e Ialta exigem o investimento de quase US$ 1,8 bilhão. Existem também projetos de investimento em instalações para turismo, agricultura, e o desenvolvimento de aeroportos em Kerch e Sevastópol. São estimados ainda US$ 1,2 bilhão para a construção de uma ponte ao longo do Estreito de Kerch.

A P R ÓX I M O E D I ÇÃ

30

de abril

b r. r b t h .co m


Opinião

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PAÍSES DO BRICS CONDENAM SANÇÕES CONTRA A RÚSSIA Iúri Paniev CIENTISTA POLÍTICO

or ocasião da Cúpula de Segurança Nuclear, realizada em Haia nos dias 24 e 25 de março, os ministros das Relações Exteriores dos países-membros do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) reuniram-se na cidade holandesa e expressaram suas opiniões sobre a situação na Ucrânia. “Verificamos que nossos parceiros compreendem a situação que se instaurou e entendem seus aspectos históricos. Somos gratos a eles por isso”, declarou então o minis-

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China pode se tornar protagonista na resolução diplomática da crise ucraniana tro russo, Serguêi Lavrov, em coletiva de imprensa. Segundo Lavrov, seus colegas do Brics condenaram a aplicação de sanções e o “discurso de hostilidade” contra a Rússia por parte das potências ocidentais. “A escalada do discurso de hostilidade, de aplicação de sanções e contrassanções, assim como de métodos de força, não contribuem para uma solução sustentável e pacífica do conflito, de acordo com as bases do direito internacional, incluindo os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas”,

anunciaram os ministros, por meio de comunicado conjunto, ao final da reunião. “Os membros do Brics concordam que os problemas que surgem nas diferentes regiões dos países do grupo devem ser resolvidos no âmbito da ONU, em um ambiente sereno e equilibrado”, lia-se na carta. Os ministros também criticaram a proposta de autoridades australianas de excluir a Rússia da próxima reunião da cúpula do G20, que ocorrerá no país, na cidade de Brisbane, em novembro. “O G20 não foi criado pela Austrália, que assume a presidência apenas em 2014. O G20 foi criado por todos e vamos trabalhar nesse grupo, como ficou decidido por todos”, anunciou Lavrov. Na reunião, constatou-se que os membros do Brics discordam das potências ocidentais no que se refere a pressões sobre Moscou resultantes da reunificação da Crimeia com a Rússia. No entanto, mesmo dentro do grupo verificam-se diferentes opiniões sobre a situação. A China, por exemplo, que se opõe resolutamente à independência do Tibete e de Taiwan, vê com muita cautela a anexação da Crimeia à Federação Russa. A que st ão ucra n ia na tomou também parte significativa das discussões do presidente da China, Xi Jinping, com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em Haia. O líder chinês se disse a favor de uma solução política para a crise e apresentou pro-

postas que indicam que Pequim não pretende se contentar com o papel de observador. Segundo ele, um mecanismo de coordenação internacional deve ser estabelecido o mais rápido possível. De acordo com a agência de notícias Xinhua, Obama

dente e da Ucrânia, e ajudar a diminuir a escalada do conflito. Embora a experiência de Pequim em missões diplomáticas não seja grande, o país tem claras vantagens em comparação a outros. Em primeiro lugar, a China

concordou com a posição e os princípios invocados pela China e reconheceu que Pequim pode desempenhar um papel de peso na situação. Pode-se concluir, portanto, que a China está pronta para mediar os contatos entre os políticos da Rússia, do Oci-

é parceira estratégica da Rússia. Além disso, ela colabora há anos com a Ucrânia, inclusive na esfera técnico-militar. Por fim, o país conseguiu estabelecer relações de confiança com os Estados Unidos. Em linhas gerais, não seria

surpreendente se a diplomacia chinesa saltasse para o primeiro plano na questão da resolução da crise ucraniana. Iúri Paniev é analista em relações internacionais e membro do Instituto dos Países da América Latina.

PUNIÇÕES E A ORDEM MUNDIAL EQUILÍBRIO DO PODER MUDOU Uma ampla parcela da humanidade – na Ásia, Oriente Médio e na América Latina – acompanha com atenção a maneira como, pela primeira vez desde a década de 1980, a l g ué m de s a f i a o dom í n io norte-americano. O fato de a Rússia poder começar a desempenhar um papel verdadeiramente independente no cenário mundial é interessante para muitos. Ele permite alterar o equilíbrio do poder global. Para Pequim, por exemplo, abrem-se muitas perspectivas.

Fiódor Lukianov CIENTISTA POLÍTICO

s países do “grupo dos sete” pretendem voltar a se reunir sem a Rússia, enquanto seus líderes prometem uma resposta dura à anexação da Crimeia que pode chegar ao completo isolamento internacional do país. Mas até que ponto isso é real? A esperança ocidental de que a votação na Crimeia não passasse de um movimento tático caiu por terra. Agora é preciso passar das ameaças aos atos. E não existe experiência anterior de sanções eficazes contra uma superpotência nuclear que ocupa grande parte da Eurásia, mantém influência ao redor do mundo e é um gigante reservatório de recursos. Será possível o isolamento da Rússia? Não se pode, é claro, falar em isolamento absoluto. Em primeiro lugar, porque é impossível ignorar um país tão grande e importante no cenário internacional. Além disso, mesmo que o Ocidente imponha sanções severas, sacrificando a si próprio, isso nunca equivalerá a um embargo mundial.

Fiódor Lukianov é presidente da organização não governamental Conselho para Política Externa e Defesa.

CONSEQUÊNCIAS SERÃO SENTIDAS Vladímir Kôlossov CIENTISTA POLÍTICO

emo que o otimismo em relação às possíveis sanções do Ocidente seja prematuro. De fato, não existem precedentes de medidas punitivas vastas contra um país tão grande e profundamente integrado à economia mundial. Mas o desafio lançado pela Rússia à ordem geopolítica global tem caráter crítico e será, certamente,

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KONSTANTIN MALER

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Uma mobilização anti-Rússia é possível, especialmente porque o Ocidente, pela primeira vez em 25 anos, enfrenta a recusa explícita de jogar pelas regras que foram estabelecidas após a Guerra Fria. As sanções minam a economia russa. Mas existe um outro cenário. Se a Rússia voltar sua atenção para o Oriente, os estrategistas começarão a colocar a questão de forma diferente. O que é mais importante: o controle da Ucrânia, que está longe de ser prioridade dos EUA, ou o impedimento de uma aliança russo-chinesa, que ameaçaria seriamente a posição norte-americana? De repente, pode-se descobrir uma Ucrânia livre da influência americana.

fator de u n ião pa ra todo o Ocidente. O mais provável é que o impacto das sanções à Rússia não se faça sentir de imediato – as medidas mais sérias levam tempo e são muito caras para o Ocidente. Tal como na década de 1980, os Estados Unidos e seus aliados jogarão com a queda nos preços mundiais do gás, do petróleo e de outras commodities. Isso irá contribuir para tendências pontuais nas economias desenvolvidas, como a redução do

consumo energético e a diversificação de suas fontes. A União Europeia tentará acelerar a busca já iniciada por fornecedores alternativos de hidrocarbonetos, a construção de terminais para receber navios de gás natural liquefeito dos Estados Unidos, África do Norte e outras regiões. Também devem sofrer impacto as áreas de exportação de armamento e cooperação técnico-científica (por exemplo, a construção de usinas nucleares no exterior), importantes para a Rússia tanto no plano político, como no econômico. O mesmo se aplica a projetos de investimento de grandes empresas ocidentais, que possivelmente serão colocados de lado por muito tempo. Mudanças – oficiais e não oficiais – na política de vistos, por exemplo, pela criação de empecilhos no procedimentos para obtenção de visto, podem vir a afetar não apenas funcionários do governo, mas também os cidadãos comuns. Finalmente, a reorientação da própria Rússia “para o Oriente” também está longe de ser uma iniciativa simples e barata. A expansão em grande escala da exportação de energia para a China e outros países da região Ásia-Pacífico não dispõe ainda da infraestrutura necessária, e sua criação exigirá grandes investimentos. É preciso estar pronto para todas essas consequências. Vladímir Kôlossov é diretor do Centro de Estudos Geopolíticos do Instituto de Geografia e presidente da União Geográfica Internacional.

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Especial

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LINHA DO TEMPO

Diplomacia Eventos recentes na Ucrânia apontam para continuidade de divergências EUA-Rússia

De principado a república, mudanças territoriais na Ucrânia

reconhecido como língua oficial da região, juntamente com o ucraniano. Mas a mudança violenta de liderança em Kiev em fevereiro passado mudou o cenário. A tentativa imediata de revogar a lei da língua e a substituição de governadores e prefeitos locais por nomeados pró-Ocidente levaram à agitação, motivo de preocupação para Moscou.

O território do que seriam no futuro Ucrânia, Bielorrússia e Rússia já foi ocupado por diversos principados, com capitais nas principais cidades: Tchernigov, Galítsk, Grodno, Kiev, Minsk, Nóvgorod, Pereslavl, Polotsk, Riazan, Smolensk e Volhinia.

Proteção

AP

Importância da questão ucraniana é tanta que Kerry (esq.) desviou rota de voo para encontrar Lavrov (dir.) e discuti-la

Relações RússiaOcidente podem entrar numa fria Apesar de esforços diplomáticos, Lavrov continua a alegar defesa de russos e russófonos, e Kerry, ilegitimidade de ações russas. NIKOLAI GORCHKOV ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

A mudança de última hora de um voo do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, para discutir a situação na Ucrânia com o chanceler russo, Serguêi Lavrov, não produziu resultado compatível com seus bruscos esforços. Mas, mesmo expressando pontos de vista opostos sobre as raízes da crise, Rússia e EUA concordaram em continuar buscando um terreno comum para resolver as tensões. “Concordamos em trabalhar com o governo ucraniano, com o povo ucraniano em um sentido mais amplo, para alcançar a implementação de

medidas prioritárias, como os direitos das minorias étnicas e linguísticas, o desarmamento dos agitadores, a implementação de reformas constitucionais e a organização de eleições livres e justas sob supervisão internacional”, disse Lavrov a jornalistas após quatro horas de negociações em Paris. Em uma coletiva de imprensa independente, Kerry, que desviou um voo do Oriente Médio rumo aos EUA para a França para conduzir as negociações, reiterou a opinião de Washington de que as ações da Rússia foram “ilegítimas”. O secretário de Estado manifestou preocupação com as “forças russas que estão atualmente se juntando ao longo das fronteiras da Ucrânia”, apesar da ausência de provas concretas de atividades militares intensas na região.

Segundo Lavrov afirmara anteriormente ao Canal Um, o país não teria, entretanto, “nenhuma intenção ou interesse em cruzar a fronteira com a Ucrânia”. O ministro citou o presidente Pútin ao dizer que a Rússia iria proteger os direitos dos russos e

tirrussos em Kiev e no oeste do país. Carcóvia, Donetsk e Lugansk foram províncias russas até serem anexadas à Ucrânia pelos bolcheviques, em 1918, por razões políticas e ideológicas. Mas isso não quer dizer que há vontade de integração à Rússia. Em um

“Os EUA escolheram apoiar regime antiRússia na Ucrânia, e agora enfrentam consequências”

Tentativa de revogar lei que faz do russo língua oficial gerou preocupação por russos e russófonos

russófonos na Ucrânia, utilizando todos os meios políticos, diplomáticos e legais a seu alcance.

referendo em 1991, a maioria dos ucranianos orientais votaram pela independência da União Soviética. O leste industrial obteve certo grau de autonomia e laços mais estreitos com a Rússia, que geraram empregos e capital para Kiev. Além disso, o russo acabou sendo

Russofobia Muitos russos étnicos e russófonos no leste da Ucrânia estão descontentes com os fortes tons nacionalistas e an-

O presidente russo Vladímir Pútin expressou apreensão em discurso ao Parlamento russo. “Milhões de russos e russófonos vivem e continuarão vivendo na Ucrânia, e a Rússia sempre defenderá seus interesses por meios pol ít ico s, d iplom át ico s e legais. “A Ucrânia é um Estado falido e, se os ultranacionalistas consolidarem seu controle sobre o poder e sangue for derramado no leste do país como consequência, a Rússia não poderá ficar observando de longe”, diz Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias. O presidente da consultoria Stratfor, George Friedman, acredita que uma possível escalada do conflito ainda está em aberto. “O governo de Kiev está muito fragmentado e, considerando que a hostilidade das facções pró-Rússia estão se aproximando do Ocidente, a probabilidade de protesto é alta”, diz. Na opinião de Friedman, porém, a não intervenção militar do Ocidente é possível. “Tendo escolhido apoiar a criação de um regime anti-Rússia na Ucrânia, os EUA agora enfrentam consequências e decisões. A questão não é a implantação de forças, mas fornecer à Europa central, da Polônia à Romênia, tecnologia e materiais para desestimular a Rússia a entrar em aventuras perigosas.” A Guerra Fria terminou muito melhor do que as guerras em que os Estados Unidos se envolveram diretamente, alega Friedman. “Na Europa, a guerra nunca se tornou ‘quente’. Pela lógica, em algum momento os EUA vão adotar essa estratégia”, continua. Segundo ele, esse movimento representaria uma guinada para longe da beligerância da década passada, marcada por hostilidades no Iraque e Afeganistão, entre outros países.

Depois da invasão das terras russas, os mongóis formaram a Horda de Ouro. No mesmo período, os príncipes lituanos criaram o Grão-Ducado da Lituânia, a maior entidade política do leste da Europa.

Em 1569, o Grão-Ducado da Lituânia e o Reino da Polônia se uniram. Cem anos antes, os tártaros da Crimeia tinham se separado da Horda de Ouro para formar o Canato da Crimeia, subordinado ao Império Otomano.

Na segunda metade do século 18, a República das Duas Nações perdeu sua independência, foi dividida e deixou de existir. A Rússia absorveu os territórios da Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia e, em 1783, anexou a Crimeia.

Entre 1807 e 1813, o Ducado de Varsóvia ficou sob proteção do Império Napoleônico. No Congresso de Viena (1814-1815), após a derrota de Napoleão, a maioria das terras do ducado foram atribuídas à Rússia sob o nome de Reino da Polônia.

História Península sofreu com ’canetada’ memorável de líder soviético

Como a Crimeia passou a fazer parte da Ucrânia Presidium do Soviete Supremo da RSFSR, em fevereiro de 1954. Em primeiro lugar, a Crimeia estava mais perto da Ucrânia, sendo mais fácil governá-la a partir de Kiev. Por fim, não haveria diferença entre pertencer à Ucrânia ou à Rússia, já que o país era um só.

Há 60 anos, ato do líder soviético Nikita Khruschov para se autopromover lançava bases da crise atual. ALEKSANDR KOROLKOV ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Falta de oposição

O então secretário-geral do PCUS, Nikita Khruschov, cedeu a Crimeia à Ucrânia em 1954

gar ao poder, Khruschov, que por muitos anos chefiou o Partido Comunista da Ucrânia, decidiu fazer um gesto simbólico para garantir apoio pessoal na esfera de poder ucraniana: em uma das reuniões sobre agricultura realizada no Kremlin, presenteou a Ucrânia com a Crimeia. Os argumentos apresentados por Khruschov foram defendidos também pelos inflamados oradores Mikhail Tarassov e Otto Kuusine mais tarde na reunião do

Desligamento de Sevastópol Desde os tempos do tsar, Sevastópol era reconhecida como cidade-fortaleza, ou seja, possuía o estatuto de entidade autônoma. Em 1978, de acordo com a nova Constituição da República Soviética Ucraniana, Sevastópol, assim como Kiev, tornou-se um centro republicano subordinado ao governo ucraniano - status que nem a população, nem as autoridades

regionais reconhecem até hoje. Paralelamente, a ordem do Presidium do Soviete Supremo da RSFSR sobre a “separação da cidade de Sevastópol como centro administrativo-econômico independente”, assinada em outubro de 1948, não foi alterada ou cancelada. Assim, em 1994, o Conselho da Cidade chegou até mesmo a aprovar a adesão de Sevastópol à Rússia.

Na época, a população da Crimeia não se opôs à iniciativa. Muitos locais sequer tinham ideia do que havia acontecido até se depararem com placas escritas em ucraniano pelas ruas. Agora, juristas e historiadores voltam a analisar a questão da legalidade na mudança territorial da Federação Russa. Sobre uma permissão obrigatória para tanto fala-se no Artigo 16º da Constituição da RSFSR de 1937 e no Artigo 18º da Constituição de 1936 da URSS. O consentimento havia sido dado por ambas as repúblicas por meio de decretos. No entanto, o Artigo 33º da Constituição da RSFSR não previa poderes na alteração de fronteiras da Federação Russa. Este, porém, permitia a organização de referendos sobre a questão – o que, na época, não aconteceu nem na Crimeia, nem na RSFSR.

Em 1939, a URSS anexou a Galícia Oriental e, em 1940, o norte da Bukovina e o sul da Bessarábia se tornaram parte da República Socialista Soviética da Ucrânia, assim como o território tcheco da Subcarpácia, em 1945, e a Crimeia, em 1954.

GAIA RUSSO

ITAR-TASS

É difícil imaginar que a Crimeia, motivo da discórdia atual entre a Rússia e o novo governo interino ucraniano e o Ocidente, foi um “presente de irmão” do povo russo a seus vizinhos ucranianos há apenas 60 anos, quando era celebrado o 300º aniversário da unificação da Rússia com a parte oriental da Ucrânia. A intenção do gesto simbólico era fortalecer a parceria, a economia e o peso político do então novo secretário-geral do Partido Cominista da União Soviética, Nikita Khruschov. Ao longo de sua história, a Crimeia esteve sob a influência do Império Romano Oriental, do canato de Khazar, do Império Mongol e do Império Otomano, até que, em 1783, foi anexada ao Império Russo. Após a revolução de 1917, quando este foi dividido em repúblicas soviéticas formalmente independentes e autônomas, a região se manteve parte da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR). Imediatamente após che-

Em novembro de 1917, Kiev proclamou a República Popular da Ucrânia. Um ano depois, Lviv anunciou a República Popular Ucraniana Ocidental, e em 1919 essas foram reunidas em uma única República Popular da Ucrânia

Em agosto de 1991, o Parlamento ucraniano adotou o Ato de Independência, no qual declarava o país independente e democrático. Em 16 de março de 2014, 96% dos votantes do Referendo da Crimeia pediram a anexação da península à Rússia.


Especial

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Identidade Imposição do ucraniano por deputados interinos elevou tendência pró-russa em regiões do país, como a Crimeia

Língua russa une e divide ao mesmo tempo Conflito sobre idiomas foi politizado na Ucrânia após chegada ao poder, em 2005, de forças favoráveis à União Europeia.

E a Ucrânia, fala o quê?

IÚLIA KUDÍNOVA

Em Kiev, deputados divergem sobre projeto de lei que faria do russo língua oficial do país, junto ao ucraniano, a partir de maio

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RAZÕES PARA APRENDER RUSSO

timo, enquanto 38% prefere o russo. No discurso público, isso se traduz em uma reclamação generalizada dos ucranianos, que acusam seus políticos de falar mal a língua nacional. É notório que Víktor Ianukovitch e seu ex-primeiro-ministro, Mikola Azarov, expressam-se melhor na língua de Dostoiévski do que na do poet a n acion a l Ta ras Chevtchenko. Isso também vale para líderes nacionalistas ucranianos, como a ex-primeira-mi-

De escritores a políticos Segundo uma pesquisa realizada em 2010 pelo grupo Research & Branding, o ucraniano é a língua materna de 65% dos habitantes do país, enquanto o russo é a língua materna de 33%. Mas a pesquisa também destaca um paradoxo: o domínio do idioma russo é maior que o do ucraniano. No entanto, 46% da população prefere utilizar o úl-

NATALIA MIKHAYLENKO

AFP/EASTNEWS

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Logo após a deposição do presidente Víktor Ianukovitch, no final de fevereiro passado, a primeira decisão dos deputados ucranianos foi a de suprimir o direito das regiões que adotam o russo como segunda língua oficial. Mas milhões de ucranianos que falam russo como língua materna ou preferencial se sentiram ofendidos, aumentando a tendência pró-russa na Crimeia e no leste do país. Quase todos os ucranianos compreendem as duas línguas, e a grande maioria é bilíngue. Além disso, o grau de inteligibilidade mútua entre as línguas é elevado, tanto na forma oral quanto na escrita. A língua russa é dominante na bacia do Donetsk, no sudeste da Ucrânia, e nas principais cidades do trajeto entre Odessa, Carcóvia e Crimeia. No norte e oeste da Ucrânia, assim como em áreas rurais, predomina a líng ua ucraniana.

Mais de 140 milhões de habitantes na Rússia e 300 milhões nos países da ex-União Soviética utilizam o russo diariamente para se comunicar.

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O russo é uma das seis línguas oficiais utilizadas pela ONU e pela Unesco. A Rússia tem um assento no Conselho da Europa.

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Com um mercado em plena expansão, a Rússia apresenta necessidade de especialistas russófonos em todos os setores.

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Conhecer o russo facilita o aprendizado de outras línguas eslavas. O russo continua sendo a “língua franca” dos países do Leste Europeu.

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Um grande número de escritores, filósofos e estudiosos de renome mundial escreveram ou escrevem em russo.

nistra Iúlia Timochenko, ou o ex-boxeador Vitáli Klitchkô, originários, respectivamente de Dnepropetrovsk e Kiev. Vitáli discursou várias vezes em russo para milhares de militantes no auge dos protestos em Kiev, em fevereiro. Além disso, escritores ucranianos mundialmente famosos, como Andrêi Kurkov, escrevem em russo, o que enfurece os nacionalistas. “Não há dúvidas de que proibir o russo não viola os direitos individuais. Todos os povos da Ucrânia têm o di-

reito de falar suas línguas, mas devem também falar ucraniano, que é a língua do povo titular”, diz Artiom Loutsak, membro do movimento nacionalista Setor de Direita.

que os habitantes da Crimeia e de outras regiões do sudeste sentiram-se tratados como cidadãos de segunda classe, falantes de uma ‘má língua’”, explica. O conflito em torno da língua foi rapidamente politizado após a chegada ao poder, em 2005, de forças favoráveis a uma aproximação com a União Europeia. Há dez anos o idioma russo predominava em Kiev, capital da Ucrânia. Hoje ocorre o contrário, e os diálogos bilíngues são frequentes.

Mídia livre, placas não

transmitidos no cinema ou na televisão agora devem ser legendados ou dublados em ucraniano. Em contrapartida, a imprensa escrita continua tendo liberdade. Um dos principais jornais do país, o “Segódnia”, é publicado apenas em russo, enquanto outros têm tiragens em russo e ucraniano ou somente no último. É difícil encontrar livros e jornais em ucraniano no sudeste do país, enquanto no oeste não se encontram veículos impressos em russo.

Aproximação com a UE Para o analista político Aleksandr Kava, as divisões acerca da língua provêm da intolerância do governo. “A política de Estado é dominada pelos ucranianos do oeste. Mas essa abordagem não levou à consolidação do país, por-

Outro fenômeno ucraniano, o ‘sourjik’, dialeto do nordeste da Ucrânia, mistura as duas línguas e é falado por mais de 20% da população. A televisão transmite em ucraniano, mas, às vezes, um convidado resolve falar em russo no ar. A lei determina que todas as placas e publicidades estejam em ucraniano, mas é comum encontrar também mensagens em russo. Sessenta por cento das músicas tocadas nas rádios são russas, mas filmes russos

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ENTREVISTA KONSTANTIN KÁMENEV

Sanções à Rússia podem abrir caminho para o Brasil lução seria tão grave, porque continuávamos com a cooperação econômica, as conversas telefônicas com Ianukovitch. Mas este também tem culpa devido a sua inércia, inaptidão de empreender coisas, melhorar a vida da gente.

Como eram as relações entre Rússia, Ucrânia e Crimeia antes da crise? O relacionamento russo-ucraniano era amistoso. Nosso presidente estava em constante contato com o presidente constitucional e legitimamente eleito Víktor Ianukovitch. Tivemos uma ampla linha de cooperação econômica nas esferas de investimentos, técnico-científica, diplomática e até política. Nem pensávamos sobre a Crimeia ou sobre alguma ação contra Ucrânia um mês atrás, quando estávamos concentrados na preparação das Olimpíadas de Inverno e concedemos uma linha de crédito para resgate da economia da Ucrânia no valor de 15 bilhões de dólares. Já tínhamos concedido, em fevereiro passado, 3 bilhões de dólares, a pri-

FERNANDO PASTORELLI

O cônsul-geral da Rússia em São Paulo, Konstantin Kámenev, é um homem de opinião. Entre um e outro gole de café em seu gabinete no consulado, em São Paulo, ele afirma que o governo Pútin não teme as sanções de Obama e Merkel: “Podemos reorientar nossos laços econômicos externos completamente. Buscar e achar outros parceiros. Por exemplo, o Brasil”.

RAIO-X IDADE: 57 ANOS FORMAÇÃO: ECONOMIA INTERNACIONAL

Diplomata desde 1978, Kámenev foi chefe do departamento latino-americano do Ministério dos Negócios Exteriores da Rússia de 1996 a 2001. É cônsul-geral em São Paulo desde 2013.

Palácio de Inverno como os tsares conheceram

meira parte desse crédito. Depois estouraram os acontecimentos em Kiev. Não fomos nós quem abriu essa caixa de Pandora: essa praça de Kiev, protestos violentos, manifestantes de extrema-direita, antissemitas, russófobos... De onde eles vieram? Essa gente foi orquestrada de algum lugar. Suspeito que de um lugar distante da Ucrânia, e distante no sentido do Ocidente. O presidente democraticamente eleito por voto direto e secreto, Víktor Ia-

nukovitch, foi afastado do poder, apesar de todos os acordos assinados na presença dos chanceleres da França, Alemanha e Polônia. O serviço secreto russo detectou que ele seria derrubado? Não faço parte do serviço secreto russo, mas posso imaginar que o presidente Pútin tenha sido informado pelos agentes do serviço secreto sobre os acontecimentos reais que se desenrolavam na Ucrânia. Mas nem ele, Pútin, poderia ter ideia de que sua evo-

Há alguma chance de ele retornar ao poder? A minha avaliação é que tem uma pequeníssima chance, que equivale a zero. Ele continua sendo o presidente legítimo dessa nação, segundo as autoridades russas, porque foi o escolhido em eleições cujos resultados não foram devidamente anulados até agora. Seu mandato não foi revogado legitimamente, segundo as regras do direito inter nacional, isso é bem evidente. Como a Crimeia entrou nessa história? A Crimeia foi conquistada pela Rússia em guerra com a Turquia. Em meados do século 19, houve uma grande guerra, quando Turquia, França e Inglaterra tentaram apoderar-se da Crimeia e muitos soldados e oficiais russos lá pereceram. Durante o século 20 essa terra sempre pertenceu à Rússia. A população da Crimeia é de 2 milhões e 200 mil habi-

tantes. Mais de 1 milhão e meio são russos, 350 mil são ucranianos e outros 300 mil são os chamados tártaros da Crimeia. Os ucranianos ali se instalaram somente depois da Segunda Guerra Mundial. Foi ideia de Khruschov? Sim, a ideia foi do líder soviético Nikita Khruschov, que também nasceu na Ucrânia. Ele chegou ao poder em 1953 e, em 1954, quando foram celebrados os 300 anos da união entre Rússia e Ucrânia, ele cedeu a península da Crimeia à então República Soviética Socialista da Ucrânia. Mas não havia motivos para alarme. Porém, quando se dissolveu a União Soviética, em 1991, a população da Crimeia sentiu-se completamente desconectada, sem um ponto de convergência. A Ucrânia não cuidou dela, não lhe deu garantias sociais. Muita gente emigrou para a Rússia, mas esta estava enfraquecida então, nos anos 1990, quando também ocorria a Guerra da Tchetchênia, no Cáucaso russo. Foram anos muito difíceis de transição. E por que tal reação de Obama e de Angela Merkel? A Crimeia torna a Rússia muito mais forte? Isso também foi destacado no apelo do presidente Vladímir Pútin ao Parlamento russo, no dia 18 [de março de 2014]. Faz parte da política de cont e nção on ipot e nt e d a Rússia. Medo de que volte a União Soviética? Sim. A contenção política da Rússia está sendo levada a

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cabo desde o século 18. Não gostam que a Rússia cresça, expanda-se territorialmente. Isso provoca ódio, indignação e irritação, não sei por quê. Mas não tememos essas sanções, porque podemos reorientar nossos laços econômicos externos completamente, buscar e achar outros parceiros, como, por exemplo, o Brasil. Temos com este relações de parceria estratégica, e nos últimos cinco anos foram diversas as visitas oficiais mútuas de nossos presidentes. O presidente Pútin deverá, ainda, vir à final da Copa, em 13 de julho, no Rio de Janeiro, já que a Rússia será o país sucessor do torneio, e em seguida, no dia 15, participar da cúpula dos Brics em Fortaleza. Nossa meta é atingir, nos próximos dois a três anos, os 10 bilhões de dólares na balança comercial bilateral com o Brasil, que hoje varia entre 6 e 7 bilhões de dólares. Além disso, temos projetos de perspectiva na área da exploração do espaço. Em energia hidrelétrica, as hidrelétr icas de Sobrad in ho e Capivara, por exemplo, foram construídas com nossas turbinas até os anos 1970 e 1980, e hoje temos em São Paulo a representação da companhia russa Power Machines, que fornece turbinas hidrelétricas ao Brasil. Há muitos outros exemplos. Mas também temos sinergia, russos e brasileiros. Na esfera cultural e educacional há grande espaço para cooperar de agora em diante. Entrevista realizada por Alex Solnik


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