Gazeta Russa 2011/03/28

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Página 03 segunda-feira, 28 de marÇo DE 2011

50º aniversário

Lagonaki, os Alpes russos

photoxpress

Moscovitas acordam para excesso de propagandas

Viúvas de insurgentes são discriminadas no Cáucaso

lori/legion media

alexey maishev

Guerra declarada à poluição visual

Terroristas em potencial

Planalto vai ganhar estações de esqui Página 05

do primeiro voo do homem ao espaço

P u b l i c a d o e d i st r i b u í d o co m Th e Wa s h i n g to n P o st ( E UA) , Th e D a i l y Te l e g ra p h ( Re i n o U n i d o) , Le F i g a ro ( Fra n ç a ) , L a Re p u b b l i c a ( I t á l i a ) , E l Pa í s ( E s p a n h a ) , Fo l h a d e S . P a u l o ( B ra s i l ) , Th e E co n o m i c Ti m e s ( Í n d i a ) , C l a r í n ( A rg e n t i n a ) , S ü d d e u t s c h e Ze i t u n g ( A l e m a n h a ) e o u t ro s g ra n d e s d i á r i o s i n te r n a c i o n a i s

Da disputa à cooperação

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O cosmonauta Iúri Gagárin (1934-1968), primeiro homem no espaço, celebraria os 50 anos do voo em abril.

Lula é indicado ao Prêmio Perestroika Anunciada em março, a premiação criada pelo ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchov tem entre os indicados à categoria Perestroika (reconstrução) o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Outros indicados são o criador da internet, Timothy Berners-Lee, e o inventor do celular, Martin Cooper. Intitulada “O homem que mudou o mundo”, a premiação foi apelidada de Prêmio Gorbatchov e dividida em três categorias inspiradas no governo do estadista: Perestroika, Glasnost (transparência) e Uskorenie (aceleração). O prêmio será entregue no dia 30 de março, na celebração do aniversário de Gorbatchov em Londres. Não há russos entre os indicados. Marina Darmaros

Filantropia questionável em amistoso do Brasil

ria novosti

Com as celebrações dos 50 anos da conquista do espaço, a Rússia comemora também a retomada de posição em uma competição tecnológica pacífica. Agora, as relações russo-americanas nesse campo vão muito além da tensão da Guerra Fria que pairava naquele 12 de abril de 1961, quando Iúri Gagárin se tornou o primeir o home m a c hega r ao espaço. Com o colapso da União Soviética, Washington e Moscou uniram esforços em missões ligadas a duas estações espaciais - a russa Mir, descartada em 2001, e a ISS (Estação Espacial Internacional), ainda em funcionamento. E, com a aposentadoria próxima das naves da Nasa, os EUA devem utilizar ônibus espaciais russos em futuras missões. Inimaginável há 20 anos, a cooperação espacial também deve ser motivo de comemoração no cinquentenário do voo de Gagárin, Dia do Cosmonauta na Rússia.

Notas

itar-tass

Energia nuclear Mais moderno, reator russo estaria imune a vazamentos como o ocorrido no Japão

Rússia renovará tecnologia brasileira produzir energia a partir de 2015. Além disso, de acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, até 2030 devem entrar em funcionamento mais quatro usinas nucleares equipadas com sistema russo de prevenção de emergências, mais moderno que os das usinas destruídas pelo terremoto no Japão. “Nossos reatores são de outro tipo, não temos reatores que aqueçam. Todos os reatores construídos por especialistas russos na Europa do Leste, na Índia e na China são VVER [reator nuclear moderado a água] e têm um sistema de dois circuitos, diferente dos reatores japoneses. Por isso, aquele tipo de acidente não pode acontecer aqui”, acrescen-

Serguei Guk voz da rússia

Em meio à comoção e ao medo causados pelo terremoto de 11 de março no Japão e o consequente risco de contaminação por radiação a partir da usina de Fukushima, o governo brasileiro manteve os planos de ex pansão das usinas nucleares. No país hoje há duas delas em funcionamento: Angra 1 e Angra 2. O terceiro reator está em construção e a previsão é de que comece a

tou Víktor Murogov, diretor do Centro Internacional de Instrução Nuclear. O otimismo acerca da tecnologia nuclear russa está nos detalhes de construção dos reatores, mais modernos. “É o último modelo de reator, VVER 1000. Construído na China, ele tem uma 'armadilha' de combustível fundido na parte de baixo, que impede vazamentos. O depósito é capaz de absorver qualquer tipo de combustível, o que quer dizer que, neste tipo de reator, estão previstos todos os riscos, mesmo os impossíveis”, garante o especialista. Aparentemente, são esses os motivos que levaram os especialistas da indústria nuclear brasileira a construir

novas usinas deste tipo, segundo anunciou a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). As usinas já existentes também serão modernizadas. Segundo a CNEN, nas novas usinas serão instalados reatores da terceira geração, com sistema de segurança aperfeiçoado e nos quais a intervenção humana será completamente desnecessár ia em situações de emergência. Na opinião de especialistas é muito pouco provável que se repita no Brasil o cenário japonês, onde os sistemas de resfriamento de emergência dos reatores foram destruídos por causa do tsunami.

afp/east news

Serão construídas no Brasil mais quatro usinas nucleares equipadas com sistema de prevenção de situações de emergências russo, mais moderno que o análogo fabricado no Japão.

Riscos de contaminação voltam à pauta

Escola de futebol quer atleta na Copa 2018 gazeta russa

Com apenas 7 mil habitantes, o povoado de Kabardinka, à beira do Mar Negro, poderia ser apenas uma cidadezinha do Cáucaso vivendo dos lucros sazonais do turismo doméstico. Entretanto,

vadim tchassovshchikov

Marina Darmaros

Técnicos do Brasil acabaram com os gritos

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Agora a Gazeta Russa

um projeto da Fundação Langsdorff quer transformar a cidade da região de Krasnodárski na capital russa do futebol, fomentando e desenvolvendo as técnicas esportivas brasileiras no país por meio de uma Escola de Futebol Brasileiro. “Nosso objetivo é ter pelo menos um atleta formado pela escola na seleção russa disputando a Copa de 2018, que vai ser sediada aqui”, explica o brasileiro Thomaz

Koerich, treinador dos jogadores mirins da escola que está há um ano em Kabardinka. Em funcionamento desde julho de 2006, o projeto já conseguiu encaminhar um de seus jovens atletas para um time grande. Ilnur Alshin, de 17 anos, foi contratado em novembro pelo Spartak de Moscou.

Filiais bilaterais

A instalação de um centro

Iliá Zubkó

continua na Página 5

Bilateral Em parceria com o Figueirense, de Santa Catarina, instituição ensina métodos brasileiros a jovens

Fundada há cinco anos, a Escola de Futebol Brasileiro na Rússia quer um atleta na Copa e está pronta para receber novas instalações.

Enquanto Ronaldo e Ronaldinho curtiam o sambódromo no Carnaval, 14 estrelas do futebol brasileiro estiveram na cidade de Grózni a convite do presidente da Tchetchênia, Ramzan Kadirov (na foto, de vermelho). Eles viajaram ao país para participar de um amistoso na capital tchetchena, que terminou em 6 x 4 para o time convidado. Batizado de Brazil Stars, o time liderado por Dunga pode ter custado alguns milhões de dólares, mas Kadirov e seus companheiros negam ter pago cachê pela partida. Antes do encontro, o presidente declarou: “O jogo não será pago. Eles vieram para cá em respeito ao povo tchetcheno. Ajudamos os brasileiros quando houve inundações em seu país e eles, como amigos, exprimiram o desejo de vir a Grózni.” Dunga confirmou a informação e afirmou que todos os recursos obtidos com o jogo seriam destinados a ajudar as vítimas das inundações sofridas no Brasil no início do ano. Mas, logo depois de voltarem para casa, alguns dos jogadores declararam ter recebido gordos cachês. As autoridades de Grózni prometem convidar mais estrelas em 9 de maio, quando será inaugurado o novo Estádio Akhmad Kadirov, em homenagem ao pai e predecessor do presidente tchetcheno.

de formação de futebolistas preparado por especialistas brasileiros nasceu de uma proposta do deputado russo Serguei Shishkariov. “Em Joinville (SC) há uma filial do Balé Bolshoi, e Shishkariov pensou: ‘Se o Brasil pode ter uma escola nossa de balé, por que a gente não pode ter uma escola de futebol?’ Foi assim que nasceu a ideia”, conta Koerich. continua na Página 3

está também na internet

nesta edição Em foco

Não-ficção floresce

ria novosti

Onda de popularidade do gênero incentiva autores contemporâneos Página 8


Política e Sociedade

GAZETA RUSSA

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Viúvas negras Consideradas terroristas em potencial, jovens do Cáucaso do Norte são discriminadas pela comunidade e investigadas

Sob o véu do preconceito Quase um ano após ataques perpetrados por mulheresbomba no metrô de Moscou, as “viúvas negras”, mulheres de caucasianos mortos em conflito, ainda sofrem com perseguições.

ENTREVISTA ALEKSANDR KHLOPÔNIN

Prioridade é vencer o terror

ANNA NEMTSOVA

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Irmãs da guerrilha

Devido ao número de ataques suicidas ligados às viúvas dos rebeldes mortos, essas mulheres foram apelidadas de “viúvas negras” pela imprensa russa. O jornal Komsomólskaia Pravda, por exemplo, publicou fotografias de 22 mulheres, “potenciais viúvas negras”, juntamente com informações pessoais, depois do incidente no metrô. A manchete dizia: “Mil viúvas e irmãs das guerrilhas do Daguestão colaboram com terroristas.” A fotografia de Zaira estava entre as 22, que incluíam também uma das verdadeiras mulheres-bomba do metrô. “Quanta imprudência deles ao me incluírem naquela lista”, lamenta Zaira. “Se eu quisesse promover um ataque terrorista, não viveria sem me esconder na capital do Daguestão, não teria

Representante do governo federal no Cáucaso do Norte, Aleksandr Khlopônin quer criar 400 mil empregos na região até 2025, combater a corrupção e promover a paz. ANNA NEMTSOVA

Veja slide show em www.gazetarussa.com.br

Jornal de Moscou publicou lista com dados pessoais e fotos de 22 mulheres, entre inocentes e culpadas

matriculado meu filho na escola.” Na última década, as agências de segurança russas classificaram como suspeitos de atos terroristas todos os fundamentalistas islâmicos – chamados pela polícia de wahhabi, termo referente aos seguidores de um ramo da

“Se eu quisesse promover um ataque terrorista, não viveria sem me esconder” religião islâmica. Segundo ativistas de direitos humanos, a classificação permite à polícia usar táticas brutais na tentativa de suprimir a insubordinação. “Sua casa pega fogo, e você e sua família podem ‘desaparecer’ ou serem mortos”, diz Tatiana Lokshiná, representante do escritório de Moscou da Human Rights Watch, organização não-governamental norte-americana de direitos humanos. “Métodos brutais e falta de espaço livre para opiniões alterna-

tivas ou para visões religiosas empurram os jovens para a clandestinidade”, completa. Lokshiná afirma que a liberação da lista das viúvas para o jornal de Moscou por oficiais da polícia “foi apenas mais uma tática em um conflito sujo”.

Fábrica de acusações

Neste mês, Fátima Ievlóieva, 22, foi detida na República Russa da Inguchétia acusada de ser uma “viúva negra”. Fátima é irmã de Magomed Ievloiev, responsável pela recente explosão que matou 36 pessoas na área de desembarque do aeroporto Domodêdovo. Os investigadores afi rmam que Fátima tinha vestígios de explosivos nas mãos e, portanto, teria ajudado o irmão a construir a bomba. O marido da jovem, outro suposto rebelde, foi morto no último verão. No ano passado, o Daguestão liderou o número de ataques terroristas no território russo: 68 pessoas morreram e 195 ficaram feridas durante 112 ataques, cinco dos quais cometidos por homensbomba. A Human Rights

Watch relatou o desaparecimento de 20 fundamentalistas islâmicos e o assassinato de outros oito pela polícia do Daguestão durante os últimos seis meses do a no passado. De acordo com o vice-procurador-geral Ivan Sidoruk, o número de ataques terroristas no Cáucaso do Norte dobrou em 2010, em comparação ao ano anterior. “Para mudar a questão do islamismo na Rússia, as autoridades precisam se esforçar em ouvir todos os líderes religiosos, e não só os de sua confiança”, disse Lokshina. “A solução para o conflito partidário no Daguestão está em desenvolver instituições da sociedade civil que protejam os direitos humanos.”

informações básicas sobre sua atuação. “Paira no ar um grande segredo sobre os métodos usados para combater o problema. Nós não fazemos ideia”, afirma. O caso de Zaira sugere que algumas dessas medidas possam ser contraprodutivas. Desde o assassinato de seu

“Gostaríamos de nos ajustar à sociedade, mas nos empurram para fora dela”, diz jovem do Daguestão primeiro marido, há seis anos, Zaira já se casou de novo, teve outro bebê e conseguiu um emprego. Mas tudo ruiu quando o jornal publicou a lista. Ela perdeu o emprego como faxineira em uma loja e tirou o filho de oito anos de uma escola pública depois que a professora bateu nele por ser um wahhabi. Além disso, segundo ela, a polícia a interroga com frequência. “Gostaríamos de nos ajustar à sociedade, mas estamos sendo empurradas para fora dela”, diz.

Efeito contrário

Vice-presidente do comitê de segurança, Gennádi Gudkov afirma que os legisladores precisam de um novo poder político para supervisionar as medidas antiterroristas no país. Segundo ele, o Parlamento não tem controle sobre o Comitê Nacional Antiterrorista, e não consegue obter

Enviado do governo federal ao Cáucaso do Norte, Aleksandr Khlopônin tem a difícil missão de tentar atrair investidores e garantir a recuperação socioeconômica da região que mais sofre com o terrorismo na Rússia. Em entrevista à Gazeta Russa, ele falou sobre a guerra ao terror no país e sua missão de paz. A melhora na economia pode ajudar a vencer a batalha contra o terror na região? O terrorismo não é um fenômeno isoladamente russo, mas uma ameaça em escala internacional. Grupos terroristas do Cáucaso do Norte são apoiados por países em guerra no Oriente Médio e o terrorismo é inspirado por múltiplos fatores, incluindo a globalização. Qual é o principal obstáculo para a paz nas repúblicas? Infelizmente, o Cáucaso do Norte possui uma história dolorosa, com duas guerras na Tchetchênia. Muitas pessoas ainda veem a guerra contra a sociedade civil pacífica como suas missões de vida. Você acredita que parte do problema se deve aos confrontos entre as comunidades sufistas e sunitas das repúblicas? Você procura caminhos para fazer a ponte entre essas duas comunidades?

RG

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

OKSANA JUSHKO

Zaira, uma moradora de Makhatchkalá, a movimentada capital da República Russa do Daguestão, deu à luz um menino recentemente. As pessoas, entretanto, acreditam que ela seja não uma mãe comum, mas uma assassina em potencial. “Aí vem a mártir”, dizem para ela no supermercado. A jovem diz que prefere ficar em casa a enfrentar os olhares de acusação dos estranhos na região predominantemente islâmica do sul da Rússia. O pesadelo de Zaira teve início na primavera de 2010, depois de duas daguestanesas se tornarem mulheres-bomba no metrô de Moscou, atentado que resultou na morte de 40 pessoas e mais de 100 feridos. Além da origem geográfica, assim como Zaira essas duas mulheres tiveram seus maridos mortos em confronto contra as forças russas no Cáucaso do Norte.

As questões religiosas são demasiadamente complicadas. Não devemos empurrar nossas repúblicas ao islamismo ou à sharia, a lei islâmica – não somos uma nação religiosa, portanto não devemos assumir um padrão diferenciado para a questão. Quais são as prioridades no Cáucaso do Norte? Nossa prioridade é a batalha contra o terrorismo: continuaremos a destruir os ninhos das guerrilhas, indivíduos e organizações que o financiam. Além disso, também lutamos contra facções criminosas que financiam a rede de terrorismo – nosso foco principal. Nosso terceiro objetivo é, obviamente, lutar contra a corrupção. E, em quarto lugar, a criação de empregos. Empregos em quais áreas? Vamos abrir 200 mil postos de trabalho na indústria do turismo, construção civil, agricultura e energia. Qual é o prazo para concretização dos planos? Para atrair novos investidores, o governo fundou institutos como a Corporação para Desenvolvimento do Cáucaso do Norte e o Cáucaso do Norte Resorts. Pretendemos criar 400 mil novos empregos até 2025.

Ossétia do Norte Autoridades tentam retomar vocação

Turismo é aposta contra ações extremistas ARTEM ZAGORODNOV GAZETA RUSSA

Determinado a transformar sua terra natal e atrair turistas para a montanhosa república russa, o ministro do Turismo da Ossétia do Norte, Oleg Karsanov, 43, está há quatro anos à frente dos atuais esforços federais para desenvolver o setor na região. “Gasto metade do meu tempo convencendo os investidores de que somos um bom lugar para injetar capital e a outra metade lutando contra a burocracia daqui”, explica com um largo sorriso. Karsanov morou oito anos em Londres durante a década de 90, gerenciando uma empresa de consultoria e cursando MBA na Universidade Webster, antes de decidir que seu destino estava na própria origem. “Provei todo tipo de comida do mundo, e decidi que gosto mais da de casa”, afirma. Depois de ocupar diversos cargos no governo local, foi encarregado do desenvolvimento turístico da região. “Nos tempos soviéticos, éramos um ponto de passagem para turistas”, explica Kar-

sanov. Mas, em 1999, o mercado central de Vladikavkaz, capital da Ossétia do Norte, foi abalado por uma explosão que matou 62 pessoas. Em 2010, foi a vez de um ataque de menor proporção atingir a cidade. Embora os culpados tenham sido condenados, a reputação do local como destino turístico permanece afetada. Apenas o turismo doméstico sobreviveu. “Estamos aqui para esquiar”, conta Aliona, uma turista que viajou de São Petersburgo para o sul do país. “Até aqui está sendo divertido”, diz.

Desafio turístico

O projeto de Karsanov tem duas frentes: introduzir, através de subsídios estatais, infraestrutura básica como estradas, canalização e eletricidade, e oferecer incentivo a investidores para que abram hotéis e outros tipos de serviço. “Ninguém irá investir na região enquanto não nos desenvolvermos”, enfatiza. Ganhando um salário mensal médio de R$ 800, os moradores não acreditam que possam fazer dinheiro extra com o setor. “Hoje em dia tem poucos turistas na região, apesar do potencial daqui”, diz o lavrador Suslan Elkanov, 40. “Para nós,

os visitantes são sagrados”, completa.

Vilarejo para inglês ver

Karsanov explica que o etnoturismo tem sido incentivado entre os habitantes. “Diversas famílias rurais gostam de receber hóspedes que se integrem e participem das atividades do diaa-dia, ordenhando vacas, reunindo o rebanho e preparando refeições. Não cobramos impostos dos moradores que atendem turistas

A estação de esqui de Mamisson, em construção, é um projeto de 1 bilhão de dólares até que o conceito se prove lucrativo.” Para chegar ao abandonado vilarejo Tsemeti, que remonta ao século 14, é preciso viajar uma hora e meia de carro para o oeste da capital. Um conjunto de templos de pedra e estradas preenchem as colinas até quase 30 metros acima do vale. “É um ótimo lugar pra fazer um vilarejo étnico para turistas”, vislumbra Karsanov. “A maioria dessas construções de pedra estão na forma original. Quero convencer alguns lo-

cais a se mudarem para cá, receber hóspedes, e criar gado como se fazia centenas de anos atrás”. Quando pressionado sobre quem teria capital e confiança para construir hotéis nas montanhas caucasianas, Karsanov responde: “Nossa sociedade se dispersou tanto pelo exterior quanto pelas demais áreas da Rússia e uma porção de homens de negócios bem-sucedidos da Ossétia do Norte querem investir no mercado imobiliário daqui.” O plano de Karsanov prevê o aumento do número de turistas anual dos atuais 100 mil para 200 mil até 2014. “Recebemos cerca de 10 mil estrangeiros no ano passado, a maioria caçadores profissionais interessados em nossa terra e na vida selvagem da região”, afirma.

Mamisson

A parte mais ambiciosa do projeto gira em torno da Mamisson, uma estação de esqui em construção, no valor de US$ 1 bilhão, quase duas horas a sudoeste de Vladikavkaz. O projeto contaria commais de 100 km de pistas de diferentes níveis de dificuldade, a altitudes entre 1,9 mil e 3,3 mil metros. “Infelizmente, ainda existem poucas estações de esqui de qualidade

RUSLAN SUKHUSHIN

Região abalada por atentados é agora palco de projeto para atrair viajantes, apesar das críticas e da desconfiança dos moradores.

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Ministro do turismo para a região, Oleg Karsanov luta para convencer investidores

na Rússia, e nossos conterrâneos poderão esquiar em uma excelente estação sem ter que deixar o país”, explicou Karsanov. O plano também inclui a construção de uma estrutura para a prática de alpinismo e rafting nas montanhas dos entornos. “Isso tudo soa um pouco utópico para mim”, diz Galina Gokashnavili, uma professora de Vladikavkaz. “Eles falam em construir algo semelhante à Mamisson desde a década de 1970, e agora nós temos uma péssima reputação. Talvez as pessoas das

áreas próximas frequentem o local, mas não o povo de Moscou”. A Mamisson é parte de um programa federal de US$ 15 milhões, que tem por finalidade o desenvolvimento de estações por todo Cáucaso do Norte. Dos US$ 2 bilhões financiados diretamente pelo Estado, a Mamisson, por ser o maior dos cinco projetos, receberá quase US$ 600 milhões. “Temos que mudar a imagem do Cáucaso do Norte para sempre”, afirma o presidente da República Russa da Os-

sétia do Norte , Taimuraz Mamsurov. “Não podemos fazer isso por meio de uma avalanche de publicidade, o que precisamos é que as pessoas venham, se divirtam e recomendem aos amigos”. Para Karsanov, os Jogos de Inverno de Sôtchi 2014 irão ajudar nesse aspecto. “Não somente mostrarão a Rússia sob uma perspectiva mais positiva, mas os russos também ficarão mais interessados em esquiar, como ocorreu em outros países. Isso trará mais turistas para a região”, acredita.


Política e Sociedade

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Cidade limpa Falta de planejamento urbano e corrupção cobrem de propaganda a arquitetura de Moscou Veja slide show em www.gazetarussa.com.br

Há vinte anos, uma placa no topo de um prédio era um sinal de progresso. Mas hoje até publicitários colocam em discussão o caos visual que se tornou Moscou. GALINA MASTEROVA GAZETA RUSSA

Parece noite em Moscou de dentro do restaurante Fridays da Praça Púchkin, ainda que o relógio prove o contrário. O local tem diversas janelas, mas algo impede o sol de entrar. A fachada do prédio foi revestida pelo anúncio de uma estação de esqui em Sôtchi, que cobre grande parte dos dois lados da obra construtivista do século 20. A propaganda, que mostra dois esquiadores na montanha, tem um quê de nostalgia soviética. Do outro lado da rua, outro prédio está envolto por um grande anúncio da grife Cha-

Moscou em 20% até o início de 2013, e os dirigentes desejam que a maior parte do centro histórico fique livre de anúncios. “Os prédios históricos e suas vistas panorâmicas deveriam reinar na área central, e não a publicidade”, disse Konstantin Mikhailov, representante do grupo de preser vação a rqu itetôn ica Arkhnadzor. “Isso tudo acontece por causa do dinheiro que se pode ganhar com cada metro quadrado da cidade”, completa. A Praça Púchkin poderia ser o equivalente moscovita à Times Square de Nova York ou ao Piccadilly Circus de Londres. No entanto, os anúncios ultrapassam os limites da praça e andar pelo centro da cidade é como ir de uma Times Square à outra. Os sentidos são bombardeados por propagandas do ta-

nel. Ao redor de toda a praça, peças de neon pontuam o topo dos edifícios. Há vinte anos, uma placa no topo de um prédio era um estímulo soviético para que se trabalhasse mais, porém Moscou levou os anúncios a um extremo tão grande que até mesmo os executivos de publicidade dizem que a cidade chegou a um estado de “caos visual”. Moscou está se afogando em seus próprios anúncios - legais, ilegais, sobre os telhados, nas calçadas, tomando as ruas, nas laterais dos arranha-céus, com neons piscando dia e noite.

Como reparar o mal

A nova cúpula de governo da cidade, que entrou no poder após o prefeito de longa data Iúri Lujkov ser afastado do cargo no ano passado, prometeu reduzir a quantidade de publicidade ao ar livre em

ALEXEY MAISHEV

Moscou declara guerra a outdoors e poluição visual

manho de prédios, enormes telas de vídeo, e fi leiras de cartazes que atravessam as ruas, criando túneis de anúncios sobre os carros que ali trafegam. “As propagandas dominaram a civilização”, escreveu a jornalista Albina Kholina em um periódico literário russo. Ela comparou os pôsteres que atravessam as ruas de Moscou a “pares de tênis secando na varanda”.

Propaganda e corrupção

Um dos maiores problemas é que a maioria dos anúncios espalhados pela cidade é ilegal. Em janeiro, foram retiradas 33 propagandas “piratas”, mas a falta de ações concretas contra os responsáveis pela instalação dos anúncios levantou a suspeitas de corrupção dos fiscais. Maksim Tkatchev, presidente da News Outdoor e um dos maiores nomes do mercado de publicidade, diz que a impressão é que “a cidade não está interessada em transparência e ordem” quando se fala em propaganda. “O notório desrespeito à lei federal e às normas de Moscou e suas aplicações inadequadas criaram o caos visual que vemos agora”, escreveu Tkatchev em comentários enviados à Gazeta Russa. Ele destacou que um dos

anúncios ilegais estava situado exatamente em frente aos gabinetes do governo na movimentada rua Nôvi Arbat por oito anos, e nada foi feito em relação a isso. A News Outdoor se opõe à redução do número de propagandas na cidade, afirmando que o corte de anúncios ilegais diminuiria a publicidade geral em 20%. O oficial do governo responsável pela supervisão de publicidade foi detido e acusado de corrupção. Seu caso ainda está em andamento, mas ele já foi substituído por Serguei Sobiânin, o novo prefeito de Moscou. Especialista que acompanha o mercado, Andrei Beriozkin está otimista quanto aos planos de Sobiânin para a cidade. “Acho que agora as coisas vão acontecer. O primeiro passo já foi dado em volta do Kremlin e do cemitério Novodevítchi”, disse Beriozkin, que é presidente da Espar-Analitik, empresa de análise da publicidade ao ar livre na cidade. Mas a batalha ainda está em curso. No último verão, até mesmo o chão estava coberto por anúncios, já que empresas usaram peças de campanha em estilo grafite para cobrir as calçadas. Uma legislação foi proposta na Duma, a câmara dos deputados na Rússia, impondo multas altas a fim de frear a invasão de anúncios.

Moradores no escuro

Oficialmente, dois terços dos moradores de um prédio residencial devem dar permissão antes que seus lares sejam envoltos por um anúncio, e o dinheiro obtido com o aluguel da fachada deve ser, a princípio, destinado a reparos no próprio edifício. “Se acordado de forma correta, todos ganham. Mas não é isso que está acontecendo”, diz Beriozkin. Quando os moradores de um prédio na elitista Rua Kutuzóvski Prospekt viram a luz de seus apartamentos ser bloqueada por um anúncio de 100 metros de altura por 22 de largura do carro Infiniti, não ficaram nada satisfeitos. “Nossos apartamentos ficam na semi-escuridão durante o dia, e um fecho de luz brilhante se move pela janela a noite toda”, escreveram os moradores em uma carta para o presidente Dmítri Medvedev no ano passado, alegando que os anunciantes estavam pagando US$ 1 milhão por ano, dos quais pouco

estava sendo destinado a reparos no edifício ou qualquer outra necessidade. Os moradores daquele prédio – onde o líder soviético Leonid Brejnev viveu durante os anos 70 sem ter nenhuma luz de neon atrapalhando seu sono – conseguiram remover o anúncio. “As empresas se apoiam na ignorância judicial dos moradores quando colocam os anúncios”, acredita Beriozkin. É uma pena para todos os proprietários de apartamentos perto da Praça Smolênskaia, onde o Hotel Golden Ring transforma sua fachada de 23 andares em uma apresentação ofuscante de neon todas as noites. “É de mau gosto, irritante e não é bom para a área”, afi rma Masha, que pode ver as luzes da janela de seu apartamento. “Eu me pergunto de onde

Funcionário do governo responsável pela supervisão de publicidade foi detido e acusado de corrupção. Estima-se que 20% dos anúncios seja ilegal sai o dinheiro para isso, pois deve ser realmente caro.” O governo prometeu que as receitas obtidas pelos anúncios serão futuramente destinadas a reparos e restauração dos prédios onde foram alocados. Há também o compromisso de mudar as normas, para que todos os moradores de um prédio tenham que dar permissão antes que um anúncio seja colocado. “O problema não é apenas a publicidade, é o fato de que a cidade não tem um conceito de como deveria ser”, disse Mikhailov. Um artista oficial da cidade, um arquiteto oficial e numerosos comitês são aparentemente responsáveis pelo planejamento urbano, mas, na verdade, não há um plano visual ou algum tipo de controle para supervisionar o desenvolvimento da cidade. “Só gostaria de enxergar a cidade onde vivo”, escreveu a jornalista Kholina. Para ela, a mudança na cidade se torna evidente quando um residente de Moscou dá informações sobre algum caminho: “Vire à esquerda depois da Toyota, então você verá a L’Oreal, e depois da Pepsi vire à direita”.

Colhendo resultados

A parceria com o Figueirense inclui tanto o intercâmbio de profissionais para a Rússia como o dos pupilos para o Brasil. “É só uma troca mesmo. O

FRASES

Thomaz Koerich TREINADOR EM KABARDINKA

"

“Nosso objetivo é ter pelo menos um atleta formado pela escola na seleção russa que irá disputar a Copa de 2018, que vai ser realizada aqui”

Alan

VADIM TCHASSOVSHCHIKOV

Uma delegação da Rússia foi ao Brasil e começou a buscar, no próprio Estado de Santa Catarina, um clube para fechar parceria sem fins comerciais. “O Figueirense foi escolhido pois na ocasião era a única equipe de Santa Catarina na série A e tinha a melhor estrutura observada pelos russos”, conta Lucas Loyola, primeiro treinador dos pequenos aprendizes na Rússia. O principal objetivo é levar profissiona is brasi lei ros a Kabardinka “Foi difícil implementar alguns métodos de treinamento que utilizamos no Brasil, mas aos poucos chegávamos a um consenso”, explica Loyola. Para Koerich, uma das maiores dificuldades foi convencer os parceiros a diminuir a carga dos meninos, que costumavam treinar dois períodos por dia, todos os dias da semana. “Também tem a questão de gritar com os atletas ao invés de orientá-los, outra coisa que

não é interessante na formação de um atleta. Desestimula e faz com que ele desista na fase adulta”, explica Koerich. Vindos de diferentes regiões, os inscritos na escola recebem formação, alimentação, moradia, atendimento médico e treinamento gratuito e são divididos em duas categorias: de 12 a 13 anos e de 16 a 17. Alan, aprendiz na categoria juvenil, jogava no time infa nti l da cidade nata l, Makhatchkalá, quando o treinador da Escola de Futebol Brasileiro o chamou para um teste. Há dois anos na escola, hoje ele sente a diferença do trabalho com os brasileiros. “É muito legal, eu gosto. Tem muitas diferenças e agora a gente trabalha muito mais a técnica.”

PUPILO NA CATEGORIA DE 16-17 ANOS

" O treinador Thomaz Koerich prepara jovens de até 17 anos

Figueirense tem uma porta aberta no mercado europeu, e os russos têm uma porta aberta no Brasil”, explica Koerich. Mas o intercâmbio já tem dado resultados positivos para o clube mirim. Em meados de março, a equipe foi campeã do 10º Campeonato

Infanto-Juvenil de Primavera com 6 jogos, 4 vitórias, 1 empate e 1 derrota, e ainda levou os prêmios de “melhor goleiro”, “defesa menos vazada” e “melhor atacante” da competição. Na final, contra o Kubain, a Escola de Futebol Brasileiro venceu por 2x0.

Jogava no time da cidade quando me chamaram. É muito legal. Trabalhamos mais a técnica”

Planos

A instituição, que vai completar 5 anos em julho, já está se preparando para uma grande expansão, que inclui a construção, já em andamento, de um centro esportivo particular com 4 campos, 2 de grama sintética, e 2 de grama natural, academia,

Conheça os três mascotes de Sôtchi-2014

RIA NOVOSTI (3)

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Sôtchi terão não um, mas três mascotes: o urso branco, a lebre e o leopardo. Os símbolos dos jogos de 2014 foram propostos por representantes das cidades de Sôtchi, no sul do país, e Nakhodka, no extremo oeste, e da República Russa da Tchuváshia, respectivamente, durante um concurso aberto ao público. A escolha foi feita pelo júri com base nos resultados de uma votação, também aberta, transmitida ao vivo pela TV estatal Pérvi Kanal. Mais de um milhão de telespectadores enviaram mensagens de texto durante o programa. Defendido pelo Partido Comunista na primeira seleção, o Papai Noel teve sua candidatura retirada. Já os mascotes dos paraolímpicos, o floco de neve e o raio de sol, foram escolhidos por campeões desses jogos e serão criados por habitantes de Moscou e São Petersburgo. Os autores das ideias finalistas receberão certificados que dão direito a visitar as cerimônias de inauguração do Jogo s Ol í mpico s e Paraolímpicos. Vladislav Kuzmitchov

Rússia envia energia e gás ao Japão

Escola quer atleta na Copa 2018 CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1

NOTAS

piscina, restaurante, alojamento para atletas, prédio administrativo, refeitório e sauna. “Tudo isso já está em execução e vai ser inaugurado em setembro. E ainda há o projeto de construir nos entornos desses campos um hotel 5 estrelas para sediar uma seleção durante a Copa de 2018”, conta Koerich. O ambicioso plano segue a nomeação de Krasnodar como uma das sedes da Copa 2018. O projeto também deve ampliar o intercâmbio com o Figueirense com o estabelecimento de um time profissional, baseado em Naro-Fomínski, que já disputa a segunda divisão. Segundo Koerich, a partir de abril mais um treinador brasileiro ficará baseado em Kabardinka, e a permuta poderia incluir ainda a viagem de jogadores do Figueirense. “Desde o início da parceria essa possibilidade vem sendo mencionada e, quem sabe, num futuro próximo poderemos ter atletas do Figueirense jogando na Rússia”, sugere Lucas Loyola.

ITAR-TASS

“Devemos ajudar nossos vizinhos”, declarou o presidente russo Dmítri Medvedev logo depois do desastre causado pelos terremotos de 11 de março no Japão. A declaração do líder russo referia-se, particularmente, ao “fornecimento de combustível para restabelecer o equilíbrio energético japonês”. Para tanto, devem ser deslocados 6 mil megawatts de energia do extremo oriente russo para o país asiático. Além disso, a estatal de gás e petróleo Gazprom deve aumentar o fornecimento de gás liquefeito ao país em 100 mil toneladas durante abril e maio. Medvedev salientou ainda que os russos devem ajudar os parceiros japoneses e rever contratos de fornecimento de gás natural liquefeito já assinados. Rianovosti

br@rbth.ru


Economia e Mercado

www.gazetarussa.com.br

Molho especial Sócios, pai e filho levaram McDonald’s e Coca-Cola ao país e agora investem em turnê do Cirque du Soleil

notas

Gazeta Russa

Pão (com gergelim) e circo

Orçamento é positivo no início do ano

Canadenses George e Craig Cohon apostam no potencial da Rússia desde 1976 e, mesmo com atentados, não pensam em deixar o país. Artem Zagorodnov gazeta russa

Negócio de família

Filho de George, Craig Cohon trabalhou como alto-executivo da Coca-Cola quando o produto estava sendo introduzido nos mercados da Europa Oriental, durante os anos 90. A mais recente negociação da dupla de pai e filho é um ambicioso show do Cirque du Soleil. A produção de US$ 57 milhões intitulada Zarkana conta com a participação do músico Elton John. “Foram necessários 14 anos para trazer o McDonald’s para a Rússia, quatro anos para estabelecer a produção e distribuição da Coca-Cola no país e apenas oito meses para acertar os detalhes do show Zarkana, do Cirque de Soleil. É

itar-tass

photoxpress

Foram necessários 14 anos de luta para que George Cohon conseguisse introduzir o primeiro restaurante McDonald’s na URSS ap

Em 1976, o presidente do McDonald’s no Canadá, George Cohon, encontrou-se com a delegação soviética para as Olimpíadas de Montreal e resolveu, no auge da Guerra Fria, levar a rede para a União Soviética. O primeiro McDonald’s foi i n au g u r ado n a P r aç a Púchkin, no centro de Moscou, apenas em 1990. No primeiro dia de funcionamento, mais de 30 mil clientes apareceram, e tiveram que ser contidos por policiais. “Naquela época existiam restaurantes cujas filas eram longas para clientes portando rublos e praticamente não havia fila para pessoas com dólares. Nós colocamos uma placa: ‘somente rublos’”, diz Cohon, 73 anos, à Gazeta Russa. Ele tem agora 280 restaurantes e 25 mil funcionários pelo país.

um bom parâmetro para a atual facilidade de se fazer negócios”, diz George. O show Zarkana, novo projeto dos Cohons para o público russo, será aberto inicia l me nt e n a c a sa de espetáculos Radio City Music Hall, em Nova York, antes de

Estamos aqui há tempos. Construímos relações e ajudamos a desenvolver outros setores estrear em seu palco principal, no centro de Moscou. Os Saltimbancos, principal show itinerante do Cirque de Soleil, vai ser apresentado nas quatro maiores cidades do país em 2011. Desde 2008, o Cirque investiu aproximadamente US$ 50 milhões na Rússia, e seu fundador Guy Laliberté pagou US$ 35 milhões para fazer turismo pelo programa espacial russo. “O Cirque du Soleil é incrível. Estará em Nova York e

no teatro do Kremlin”, diz Craig. “Somos a primeira empresa de entretenimento do Ocidente a estabelecer parceria com o Kremlin”. Ambos se mostraram otimistas quanto ao futuro da Rússia e insistiram que os críticos ocidentais poderiam ser um pouco mais pacientes quando falam sobre o desenvolvimento democrático do país.

Risco amigável

Os Cohons defendem abertamente o investimento na Rússia e desconsideram as preocupações de empresários mais avessos a riscos. “Eu estava aqui quando tanques de guerra bombardearam a Casa Branca [sede do Parlamento russo] em 1993”, diz Craig. “Nós continuamos nossos negócios e assinei meu acordo mais recente no Kremlin no mês passado, meia hora antes do atentado no Aeroporto de Domodêdovo.” Ele mesmo faz o contraponto. “Poderia facilmente me imaginar como um investi-

dor russo nos Estados Unidos dizendo: ‘Eu estava aqui durante eventos como o bombardeio à cidade de Oklahoma, os ataques de 11 de setembro e o massacre no Arizona”, completa.

Segredo do sucesso

Craig Cohon afirma que para obter sucesso na Rússia é preciso se apoiar em três pilares: comprometimento em longo prazo, cultivo de relações pessoais e administração de perto. “É um mercado de acordos”, diz. Os Cohons afirmam jamais terem recebido qualquer proposta de suborno, uma queixa comum entre os homens de negócios de qualquer nacionalidade quando buscam acordos no país. “Pode ser pelo fato de termos mantido os nossos princípios desde o início”, diz Craig. “Estamos aqui há muito tempo, construímos relacionamentos, contratamos nativos e ajudamos a desenvolver outros setores, como a agricultura. Talvez as pes-

soas que reclamam [sobre a corrupção] sejam aquelas que não tiveram êxito por terem dado apenas um rápido passeio pela Rússia”.

Análise

Para o editor de mercado do diário Kommersant, Dmítri Butrin, o modelo desenvolvedor da rede impediria seu boicote. “McDonald’s é uma franquia e está comercializando um modelo financeiro e logístico na Rússia. Por isso eu não esperaria que eles encontrassem corrupção pelo caminho”, diz. George Cohon enfatiza que filantropia é outro fator crítico se alguém quiser ser levado a sério no país. “Diversos amigos meus queriam vir para a inauguração do primeiro McDonald’s na Rússia. Eu disse a cada um: ‘Está bem, você paga sua própria passagem aérea, hotel e refeições, e depois me doa um cheque de US$ 10 mil’. O dinheiro foi destinado à primeira instituição de caridade soviética para crianças.

Agora temos nossa própria entidade, que transforma espaços inutilizados de hospitais infantis em apartamentos, para que os pais possam per manecer com seus filhos.”

Profecias de mercado

“Até 2030, eu vejo quatro pontos centrais de desenvolvimento para a Rússia: a classe média aprendendo a defender seus direitos por meio da evolução de partidos políticos fortes; as empresas se afastando do ramo de matérias-primas e investindo em produção e alta tecnologia o que já vem acontecendo -; o desenvolvimento cultural através de bases locais, em oposição à importação do Ocidente; e a Rússia se tornando líder nos esforços globais antiterroristas, ao lado dos Estados Unidos e da Índia”, palpita Craig. Sorrindo, George diz esperar ansiosamente a realização das profecias do filho. “Ate lá, terei completado 93 anos”, diz.

Piscicultura Após nove anos de proibição, técnica faz com que venda das ovas de esturjão ao exterior seja liberada

Caviar negro volta à mesa estrangeira Exportação de caviar negro para Europa havia sido banida em 2002 com o objetivo de combater a pesca ilegal.

Números

1 bi

Vladímir Ruvinski gazeta russa

Preservação

Em 2002, a Rússia impôs uma proibição geral na exportação de caviar negro e, um ano depois, na comercialização de esturjões. A pesca de esturjões no Mar Cáspio, mesmo para “fins científicos”, foi declarada ilegal em 2009 e o contrabando de caviar diminuiu consideravelmente, segundo Roman Andreiev, analista da empresa de investimento Alemar. Ainda assim, “As autoridades locais no Rio Amur estabeleceram cotas de pesca para si e para fins supostamente científicos, quando na verdade o intuito é meramente comerc i a l”, a f i r mou A le k s e i

de dólares anuais é a renda da venda ilícita de caviar negro na Rússia.

getty images/fotobank

Em fevereiro, a Rússia suspendeu uma proibição à exportação de caviar para a Europa que já durava nove anos e era parte de uma campanha pa ra combate r a pesca ilegal de esturjão nos mares Cáspio e de Azov. A recente liberação sugere o sucesso de medidas como uma campanha de aquicultura e grande r e pr e s s ão à p e s c a ilegal. Os esturjões dos mares Cáspio e de Azov já foram a principal fonte de caviar negro do mercado mundial. Com a queda da União Soviética, contudo, o mercado de caviar foi tomado por caçadores, e os peixes foram praticamente dizimados. Dados da WWF Rússia mostram que em 2010 a população de esturjões se reduziu a 2,5% do que fora no fim dos anos 80.

Vaisman, representante da WWF Rússia.

Cativeiro

O único caviar disponível para comercialização legal hoje é proveniente de peixes criados em cativeiro. A Rússia come-

çou há algum tempo a cultivar os peixes mais cobiçados, mas como um esturjão leva sete anos para se desenvolver, só agora aparecem resultados. Em 2009, a piscicultura russa produziu aproximadamente 2,6 toneladas de caviar negro.

Segundo Andreiev, hoje o método produziria de seis a sete toneladas. Nos próximos cinco anos, as fazendas russas de cultivo de peixe esperam aumentar a distribuição de caviar não somente para o mercado interno, mas também

300

toneladas de caviar negro foram produzidos em 2007. Dessas, apenas 15 toneladas foram produzidas oficialmente, todo o resto foi contrabando.

para os estrangeiros. No momento, contudo, a quantidade de esturjões produzidos em cativeiro não consegue suprir a demanda.

Contrabando

A agência oficial de pesca da

Rússia liberou um limite de 150 quilos de caviar negro para a Europa por ano, uma quantia irrisória se comparada às 1,5 mil toneladas que a União Soviética costumava exportar. Segundo Andreiev, em 2007, por exemplo, a Rú ssia produ ziu oficialmente cerca de quinze toneladas de caviar negro anuais, mas chegou a vender até 300 toneladas. O custo de produção de um quilo de caviar negro do Cáspio é de menos de US$50, enquanto em mercados e restaurantes esse valor vai de US$ 1,5 mil a US$ 3 mil dólares, gerarando cerca de US$ 1 bilhão em vendas ilegais. Nova promessa para exportadores, a criação em cativeiro agora exige da Rússia a assinatura de um documento garantindo as normas europeias de aquicultura. “Sem ele, nenhuma empresa russa poderá fornecer caviar à Europa”, disse Arkádi Novikov, proprietário da Russia Caviar House.

No Brasil, caviar chega a R$ 47 mil o quilo Ricardo Rodrigues

especial para gazeta russa

O mercado brasileiro de caviar vive um momento de crescimento, apoiado na oferta de ovas de esturjão de cativeiro e no bom momento econômico. No ano passado, a importação de caviar e outras ovas comestíveis de peixes atingiu 6,9 toneladas, 52% acima de 2009 e mais de cinco vezes o volume que entrou no país em 2008, de 1,3 tonelada. A Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento não tem es-

tatísticas oficiais para a importação do verdadeiro cav i a r, de e s t u r jão. M a s estimativas privadas para o mercado legal de caviar de esturjão ficam pouco acima de 1 tonelada, segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira de Alta Gastronomia (Abaga), Jorge Monti. O potencial, no entanto, é bem maior. “O Brasil tem 5,8 milhões de ricos e há 3 mil restaurantes classe A só em São Paulo”, diz. Só no ano passado, a Le Caviar, uma das principais importadoras do país, trouxe cerca de 1,5 tonelada, o maior

volume desde que a empresa foi criada, em 2006. Mas a maior parte é de esturjões de cativeiro da Europa, e não de peixes selvagens da Rússia e do Irã, como ocorria até os anos 90. “A Rússia praticamente não exporta, e o produto de peixes de cativeiro é mais seguro do ponto de vista de qualidade e higiene”, avalia Daniel Lecuona, sócio da importadora. O preço do caviar beluga de esturjões selvagens – o mais apreciado – torna o produto ainda mais limitado: o quilo chega ao Brasil a R$ 47 mil nas marcas de primeira qua-

lidade. “O caviar selvagem de primeira linha é hoje muito difícil de encontrar”, afirma o importador. Monti, que é chef de cozinha, afirma que o sabor do caviar de cativeiro não pode ser considerado igual ao selvagem. “A alimentação e as condições controladas mudam o sabor das ovas, assim como há diferença entre qualquer carne de animal de criação e de caça”, compara. Do lado da demanda, o bom momento econômico do Brasil ajuda, mas o caviar não sofre efeito direto do aumento da renda da classe média

– faixa que mais cresce no país. “O caviar não exterioriza nenhum tipo de riqueza, diferentemente de produtos como um Rolex ou uma Ferrari. O consumidor de caviar compra porque conhece e aprecia, e não para ostentar”, avalia Lecuona. A Le Caviar deve reduzir o volume de importação de ovas de esturjão para 1 tonelada em 2011, segundo ele, porque ainda há estoques das importações recordes do ano passado. Assim como o aumento da produção, o crescimento da demanda brasileira segue de forma lenta.

O Ministério da Fazenda comunicou que o superávit orçamentário da Rússia entre janeiro e fevereiro foi de 52,78 bilhões de rublos (cerca de R$ 3 bilhões). Em fevereiro, o orçamento federal teve déficit de quase 95 bilhões de rublos (R$ 5,5 bilhões), no entanto, o superávit de janeiro subiu de 121 bilhões para 147 bilhões de rublos (entre R$ 7 e 8,5 bilhões, respectivamente). Segundo o Ministério da Fazenda, o volume do PIB (Produto Interno Bruto) nos primeiros dois meses do ano foi de aproximadamente R$ 425 bilhões, constituindo um superávit orçamental de 0,7% do PIB. O déficit russo em 2010, ainda conforme dados do ministério, foi cerca de 4,1% do PIB. Para o ano corrente espera-se também déficit, porém de apenas 3% do PIB. Finmarket

Para ministério, presente barato não é suborno

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Os funcionários do Ministério do Desenvolvimento Econômico da Federação Russa serão proibidos de receber remuneração de terceiros por seu trabalho. A norma está prevista no projeto de “código de ética e de comportamento no serviço” do ministério. A proibição, entretanto, não se refere a “presentes comuns, cujo valor não supere 3 mil rublos (R$ 175)”, segundo o projeto. Presentes recebidos serão propriedade federal e devem ser entregues por meio de ata ao ministério. O código ainda orienta os funcionários do Ministério do Desenvolvimento Econômico e do Ministério da Fazenda a não usar valores em moedas que não o rublo durante suas intervenções públicas. Segundo o código, quem violar a regra pode sofrer “reprovação moral” nas reuniões da respectiva comissão departamental. Vasíli Púpsikov

Medvedev quer penalidade para jogo ilegal

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Durante encontro com o procu rador-gera l Iú r i Tchaika, o presidente russo Dmítri Medvedev exigiu a introdução de “responsabilidade penal especial por negócio ilegal de jogo”. “Infelizmente são muito ativos aqueles que tentam mascarar essas atividades”, constatou o presidente. Para Medvedev, a medida seria necessária porque são “numerosíssimas violações da lei”. O procurador-geral Iúri Tchaika informou que na Rússia foram movidos 934 processos relacionados ao jogo ilegal, a maior parte levada a julgamento. ITAR-TASS


Economia e Mercado

Gazeta Russa

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Debandada bancária Depois de fazerem investimentos pesados no país, HSBC e Barclays Bank deixam mercado russo

Fim da corrida por bancos de varejo Presença estatal, por meio do VTB e do Sberbank, tornou o setor de difícil competição para os bancos internacionais.

números

20

Ben aris

gazeta russa

373

milhões de libras, um equivalente a R$ 998 mi, foram investidos na compra do Expobank pelo Barclays Bank.

200

milhões de dólares foram gastos na expansão do HSBC na Rússia, inclusive com abertura de agências, em 2009.

kommersant

A corrida de ouro pelos negócios de bancos de varejo na Rússia chegou ao fim depois que dois dos grandes nomes do mercado mundial anunciaram a venda de suas participações no varejo russo. Os bancos britânicos HSBC e Barclays Bank são os mais importantes de uma série de bancos estrangeiros que estão desistindo de fazer negócios na Rússia. Ambos planejam vender suas operações bancárias de varejo apesar dos investimentos pesados realizados nos últimos tempos. Com uma população de mais de 142 milhões de pessoas, mas pouca penetração bancária – somente um em cada quatro russos possui qualquer tipo de conta no banco –, antes da crise o varejo bancário dobrava de tamanho a cada dois anos. Esse desempenho atraiu diversas operações internacionais para o mercado a partir de 2004, o que levou os preços de aquisições bancárias às alturas.

mil é o número de agências que o banco Sberbank, fundado ainda na era soviética, tem espalhadas pelo país.

Neons anunciam bancos de varejo estrangeiros e locais em Moscou. Banqueiros nacionais afugentaram investidores externos

Compra e venda

Em março de 2008, o Barclays Bank pagou o valor top dólar de 373 milhões de libras (R$ 998 milhões) pelo Expobank, com sede no extremo leste da Rússia, no ápice da evolução das operações bancárias - o que atribuiu ao banco um valor seis vezes maior do que a tabela. Nos anos seguintes, o Barclays lançou rapidamente uma oferta de varejo por todo o país. Na metade de fevereiro, porém, anunciou pro-

“Londres finalmente percebeu que estava pagando quantias absurdas por esses bancos e debandou”

Russos abaixaram as taxas de juros quando a crise recuou, reduzindo margens de lucros

curar um comprador para seus negócios de varejo e a intenção de focar somente na área de investimentos. “Perceberam em Londres que estavam pagando quantias absurdas por esses bancos. Houve uma debandada para a Europa Oriental, mas agora eles estão dispostos a retomar o prejuízo. Parece, ao meu ver, uma

decisão muito emocional”, disse Serguei Nazarov, diretor do fundo de instituições financeiras da Renaissance Asset Managers.

sos planos de expansão - embora o banco não tenha confirmado tais informações. Durante a crise, o HSBC duplicou sua capitalização e seu ex-diretor Stuart Lawson anunciou que o banco “buscava pessoas com alto patrimônio líquido como catalisadores de sua estratégia de crescimento”. O banco inglês lançou uma “oferta de varejo de excelência”, como foi chamado o plano, em junho de 2009. Quatro agências foram abertas em Moscou e uma em São Petersburgo, como parte de um plano de expansão de US$ 200 milhões. Mas um ano depois

Efeito dominó

Uma semana depois, o HSBC também encerraria operações de varejo, apenas dois anos depois de anunciar ambicio-

vido à competição acirrada.

Lawson deixou a empresa num estado descrito como de “desacordo amargo de estratégia” por uma fonte do banco que não quis se identificar. A saída dos dois bancos britânicos ocorreu após uma série de bancos menores desistirem do mercado russo. O holandês Rabobank desistiu de sua licença de varejo no ano passado. O espanhol Santander vendeu em dezembro seus negócios no país para o banco local Orient Express. As instituições belgas Groep NV e Swedbank AB, maior banco de empréstimo do Báltico, também reduziram operações na Rússia em 2010, de-

Crise colaborou

Os motivos para a diminuição de investidores estrangeiros são diversos. A crise obviamente reduziu ganhos e incentivou o aumento de empréstimos não pagos. Ao mesmo tempo, quase todos os bancos russos abaixaram as taxas de juros quando a crise recuou, num esforço para reconstruir suas bases de reserva, reduzindo as margens de lucro para todos no setor. Por último, a contínua expansão das duas gigantes estatais do setor – Sberbank e o Banco VTB – indicam que a compe-

Turismo esportivo Paisagem pitoresca do Cáucaso vai abrigar estações para o inverno

Métodos verdes

lori/legion media

Estimativa das autoridades da região é que até 2019 as visitas diárias chegarão a 25 mil

Planalto de Lagonaki é um dos principais projetos do governo russo para incrementar a economia no Cáucaso do Norte.

ção e reparação de estradas, linhas elétricas e redes técnicas. Espera-se ainda um aporte de 390 bilhões de rublos (R$ 22 bilhões) de investidores privados, que deverão construir hotéis, pistas de esqui e restaurantes. Em contrapartida, o governo promete isentar os investidores de impostos sobre os lucros por 49 anos, segundo declarou o secretário do presente russo Arkádi Dvorko-

vladímir ruvínski

Perigo

A região da Adiguésia, onde fica o Lagonaki, não faz limite com outras repúblicas separatistas do Cáucaso do Norte, mas o receio com a segurança no local é grande. Esquiador com 15 anos de prática, Serguei Mishenko conta que o assassinato em fevereiro de três moscovitas no sopé do monte Elbrus, a

lori/legion media

Gazeta Russa

Um ambicioso programa de incremento da indústria turística para fomentar a economia do Cáucaso do Norte está em andamento. Ao todo devem ser criadas cinco grandes estações de esqui na região, com um investimento privado de 450 bilhões de rublos (R$ 23 bilhões). Uma das localidades escolhidas foi o planalto Lagonaki, de 650 km quadrados e a 2h30 de viagem de Krasnodar, no sul do país, uma área tranquila do Cáucaso do Norte, sem guerras ou terrorismo. A projeção das autoridades locais é de que, até 2019, o planalto receba de 20 mil a 25 mil pessoas diariamente e se iguale às tradicionais estações dos A lpes, na Europa. Para tanto, foi criada uma sociedade anônima, intitulada KSK, que investirá 60 bilhões de rublos na constru-

vitch, ao diário Vedomosti.

Região receberá investimentos em infraestrutura de turismo, hotéis, restaurantes e estações de esqui

O chefe do comitê de turismo de Adiguésia, Vladímir Petrov, ressalta que o incremento da estação de Lagonaki deve afetar os habitantes de um raio de 250 a 500 km de distância do local, o que incluiria Krasnodar, Rostov e Stavropol. No município de Apcheron, parte da estação de Lagonaki, também é esperado um grande número de turistas, o que certamente vai movimentar a economia local. A falta de energia elétrica estimulou a criatividade da população da região, o que resu ltou em soluções interessantes. Em Nêjnaia, a família Feshini, por exemplo, construiu uma piscina ao ar livre aquecida por energia solar. A diversão fica a 1,4 mil metros de altura e foi obra de Valentin Feshin, um conhecido cientista e vulcanólogo da região, que chegou a trabalhar com o famoso físico russo Serguei Kapitsa. Outra residências são aquecidas com fornos e aquecedores abastecidos com gasolina ou até por fontes termais. No vilarejo de Vodolei, as águas quentes aquecem toda a área de descanso, que tem piscinas entre as casas. A temperatura da água é de cerca de 40ºC e, mesmo no inverno, as piscinas estão repletas de mães com filhos, idosos e casais. “É assim apenas nos finais de semana e feriados”, explica o diretor do departamento do turismo do Território de Krasnodar, Evguêni Kudelia, que espera agora que

Rússia vai renovar usinas brasileiras

o local também passe a receber turistas. Hotéis quatro estrelas da área penam para sobreviver, já que os moradores não costumam se hospedar por mais de dois dias. Os preços da hospedagem em Lagonaki variam de 250 rublos (R$ 14) por pessoa a 2,5 mil rublos (R$ 145) pelo quarto de casal. O salário médio no município também é baixo, cerca de 5 mil a 7 mil rublos (R$ 300 a R$ 400). “Antes a gente serrava e vendia lenha, agora vemos que o turismo é mais vantajoso”, conta o taxista Serguei, que também está ansioso pela chegada das estações.

Continuação da página 1

A CNEN garante que, “antes de começar a construir uma usina nuclear, são calculados os riscos para cada região específica. A usina que já opera em Angra dispõe de sistema de proteção contra tsunami, ventos fortes, tornado e mesmo contra explosões premeditadas. É equipada com um dique de proteção contra ondas de até sete metros de altura”. A tragédia no Japão, porém, obrigou políticos e experts a se preocuparem mais uma vez com o problema global da segurança em usinas atômicas. Isso não significa, no entanto, que esses países suspenderam a construção de novas usinas atômicas após a tragédia japonesa, o que provocou reações negativas. “Não só a Rússia e a China declararam que vão proseguir com a construção de usinas atômicas, mas também alguns países europeus, como a França. Nos Estados Unidos, por enquanto, não há uma decisão definitiva, ainda que a energia nuclear esteja em seus planos. O mundo realmente não está

Competição interna

A construção da estação de Lagonaki foi dividida em duas frentes: a de Krasnodar e a de Adiguésia, onde estão situadas 95% das áreas do planalto. O primeiro lote, com 250 hectares, foi apresentado em Davos pelo presidente russo. Ele tem a maior parte de sua paisagem inclusa no patrimônio da humanidade da Unesco, mas suas pistas teriam apenas os graus de dificuldade baixo e médio. Já a área da Adiguésia deve contar com 60 km de pistas de esqui de todos os graus de complexidade, em uma superfície de 4 mil hectares. Para Krasnodar foram convidados projetistas austríacos da Masterconcept Consulting. Para a Adiguésia, italianos de Tyrol do Sul, cuja estação de esqui tem dimensões semelhantes. Isso deve garantir que a KSK leve os investidores, e que o projeto seja realizado em rigorosa conformidade com o plano. Já foram assinados acordos de intenções com o fundo de investimentos árabe Invest AD, com o Credit Suisse e o Deutsche Bank. Para a Adiguésia, a Investtursersis assinou um acordo de 3 bilhões de rublos (R$ 174 milhões). “Queremos começar nosso projeto e, se a Adiguésia conseguir um acordo com a Unesco, continuaremos ali”, planeja Kudelia. Os hotéis podem trazer até 70 % das receita das estações.

pronto para renunciar à energia nuclear”, explica Vladímir Likhatchev, vicediretor do Instituto de Pesquisas Energéticas da Academia Russa das Ciências.

Fatores presentes

O período de 1965-1986 foi um dos mais frutíferos para a indústria nuclear soviética, quando foram concluídos acordos bilaterais de assistência técnica para a construção de usinas atômicas não somente nos países do Comecon (Conselho para A ssistência Econôm ica Mútua), mas também com Finlândia, Líbia, Cuba e Coreia do Norte. Os êxitos, porém, foram interrompidos pelo desastre de Tchernobil, em 1986. A pausa durou 15 anos, durante os quais surgiram novas tecnologias. Mesmo assim, a imprensa ocidental coloca em dúvida a segurança das usinas russas e considera suas tecnologias antiquadas. “Não afirmo que nossas tecnologias sejam as mais avançadas. Mas elas estão num bom nível e são perfeitament e c on f i áve i s”, a f i r m a Likhatchev.

AFP/eastnews

Lagonaki, os Alpes da Rússia

montanha mais alta da Europa, o levou a pensar em desistir de viajar ao Cáucaso do Norte. Os esquiadores foram mortos por radicais islâmicos. “As montanhas naquela região são maravilhosas, mas estou com medo de andar lá com minha família”, diz. O presidente da Adiguésia, Aslan Thakushinov, defende sua região. “Estamos situados no meio do território de Krasnodar. Pergunto: Por que se pode investir em Krasnodar, Sôtchi, Guelendjik e na nossa república não?”, questiona.

tição se torna cada vez mais árdua. Fundado durante o período soviético, o Sberbank é gigantesco. Tem cerca de 20 mil agências por todo país e é responsável por 27% dos ativos bancários russos e 26% do capital bancário. O ramo de varejo do VTB, o VTB-24, possui mais de 530 escritórios. A maior parte dos grandes bancos privados de varejo tem, no melhor dos casos, algumas poucas centenas de agências no país, a maioria delas conce nt radas nas g ra nde s cidades. “A redução das margens e a crescente competição significam que os dias de dinheiro fácil acabaram”, disse o diretor de investimento da Verno Capital, Roland Nash. “Os bancos que não se desenvolveram o bastante nos últimos anos serão descartados do mercado russo ou englobados por empresas mais fortes”. Poucos bancos estrangeiros tiveram sucesso ao tentar fazer negócios na Rússia. Segundo dados de janeiro deste ano, todos os bancos estrangeiros juntos são responsáveis por apenas um quarto dos ativos totais do setor. O francês Societe Generale é provavelmente o mais bemsucedido: adquiriu uma série de bancos na última década e lançou uma operação de varejo sustentável. O banco possui quase três milhões de clientes, e sua unidade de consumo registrou lucro de 13 milhões de euros (R$ 30 milhões) no quarto trimestre de 2010, depois do prejuízo de 58 milhões de euros (R$ 135 milhões) no ano anterior. A instituição afirma que até 2015 a Rússia será sua maior fonte de receita de va rejo internacional.

Rússia, China, França e Estados Unidos seguirão com usinas


Capa

GAZETA RUSSA

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Cosmos No cinquentenário do feito de Gagárin, possibilidades para a exploração espacial envolvem até instalações industriais fora da Terra

AFP/EASTNEWS

Decolagem da Vostok, que levou Gagárin ao espaço em abril de 1961

ITAR-TASS

Veja material multimídia em www.gazetarussa.com.br

Gagárin distribui autógrafos em São Paulo, em setembro de 1961. Primeiro homem a viajar ao espaço, ele era filho de um carpinteiro

Da disputa à cooperação Meio século depois do voo de Iúri Gagárin, ainda na Guerra Fria, a Rússia mais uma vez desponta na exploração espacial, agora ao lado de parceiros.

tico poderia prever qual seria o efeito do voo de Gagárin sobre o mundo”, disse o cosmonauta Aleksei Leonov à Gazeta Russa. “Essa foi a melhor competição que a raça humana já desempenhou: quem poderia desenvolver a melhor espaçonave, quem seria o melhor piloto de fo-

NIKOLAI ALIONOV GAZETA RUSSA

Era 12 de abril de 1961 quando às 9h06 o filho de um carpinteiro deu uma volta ao redor do planeta Terra. Iúri Gagárin, então com 27 anos, era o único tripulante da nave Vostok, que retornou após 108 minutos à província russa de Saratov. Impulsionado pelo interesse soviético de afirmar sua superioridade técnica em relação aos Estados Unidos, o voo de Gagárin se tornou uma das mais significantes conquistas do século 20. A curta, porém épica, incursão pelos céus disparou uma corrida entre as duas superpotências da Guerra Fria. “Nenhum psicólogo ou polí-

Estação espacial internacional, criada em 1998, tem investimentos de 18 países-membros guete... Ninguém sofreu por causa disso. Pelo contrário, as pessoas estavam ocupadas aperfeiçoando equipamentos em vez de criar armas de guerra”, acredita. Gagárin morreu jovem, em 1968, durante acidente trágico enquanto treinava para sua segunda missão espacial. Ele foi enterrado próximo ao

mausoléu de Lênin, na Praça Vermelha, em Moscou, e até hoje é um ídolo no país. Todo ano, na data de sua viagem ao espaço, celebra-se o Dia do Cosmonauta na Rússia. Desde então, o país tornouse líder no mercado mundial de lançamento de satélites comerciais, pretende estabelecer uma base na Lua até 2030 e deve realizar uma missão a Marte em seguida. “O espaço sempre será uma prioridade. E isso não é apenas uma opinião, mas o posicionamento oficial do nosso Estado”, declarou o presidente russo Dmítri Medvedev à tripulação da ISS (sigla em inglês para Estação Espacial Internacional) em abril do ano passado.

Investimentos

Embora o gover no de Barack Obama tenha podado as esperanças da Nasa de realizar missões tripuladas à Lua ou a Marte, a Rússia

ainda fica muito atrás dos Estados Unidos em termos de orçamento espacial. Enquanto os gastos russos no setor aumentaram para US$ 3 bilhões neste ano, a verba da agência espacial norte-americana é de US$ 19 bilhões. Ao mesmo tempo, os olhares se voltam para China e Índia, que também possuem as próprias ambições cósmicas. Os chineses já fizeram o terceiro lançamento da nave espacial Shenzhou VII e a primeira caminhada no espaço, em 2008, enquanto a Índia está planejando realizar um voo tripulado até 2014.

Prioridades

Com o passar dos anos, a exploração espacial se tornou cada vez mais cooperativa, especialmente com a criação da ISS, composta por 18 países-membros. Os programas espaciais que eram prioridade durante a Guerra Fria começaram a

perder força na década de 70 e acabaram de vez em julho de 1975, quando as naves Apollo (EUA) e Soiuz (URSS) acoplaram em órbita, simbolizando o fim da corrida espacial e das tensões entre os dois países. Depois do colapso da União Soviética, em 1991, Moscou e Washington uniram recursos em missões para a estação espacial russa Mir, que foi descartada em 2001, após 15 anos de operação. Paralelamente, deu-se início, em 1998, ao projeto da ISS, que atualmente possui um complexo permanente com 14 módulos.

menor tamanho ficará responsável por transportar pessoas e suprimentos até que um novo equipamento norte-americano seja produzido. Tal inversão fortalece o papel e a renda da agência espacial russa, cujo financiamento na década de 90 era tão curto que foi preciso re-

Ônibus espacial russo vai substituir a frota da Nasa, que deve ser aposentada ainda neste ano alizar fi lmagens de comerciais na Mir e depois enviar turistas à ISS com o intuito de levantar verbas. “O futuro está na cooperação mútua”, afirmou Perminov, diretor da Roskosmos, a agência espacial russa, à Rádio Voz da Rússia. “No futuro, haverá instalações industriais automatizadas para

Ônibus russo

No mês passado, depois de 30 anos de serviço e 135 lançamentos, a frota de ônibus espaciais da Nasa fez sua viagem final à ISS. Quando as naves forem totalmente aposentadas, ainda esse ano, um ônibus especial russo de

mineração e processamento de minerais nos satélites do Sistema Solar e estações de energia que alimentem tanto a indústria espacial quanto a Terra. Consequentemente, a produção industrial será transferida do nosso planeta e a biosfera da Terra será limpa e restaurada”, disse. Cinquenta anos depois de observar nosso mundo lá de cima, Gagárin certamente aplaudiria este nobre objetivo. “Ao girar em torno da Terra dentro da nave espacial, pude enxergar quão bonito é o nosso planeta”, disse o russo após o pouso. Depois dele, muito seguiram o mesmo caminho. Mais de 500 pessoas de 38 países passearam pelo espaço só nos últimos 15 anos, somando investimentos de US$ 100 bilhões na ISS. Porém, os quase 400 mortos do período não deixam esquecer que a exploração espacial continua a ter um alto custo.

Filha caçula, Gagárina relembra o pai em aniversário No dia em que o cosmonauta completaria 77 anos, Galina Gagárina, a filha caçula do primeiro homem a ir ao espaço, falou sobre o pai.

ras com familiares, espalharam-se por museus, arquivos de redações e até pela internet sem indicação de autoria. Isso te incomoda? Meu pai foi uma pessoa pública e muito famosa. Foram muitas as pessoas que o fotografaram ou queriam ser fotografadas junto com ele. Por isso, o aparecimento dessas imagens na internet é um processo natural.

PERFIL

Quem foi Iúri Gagárin

ALEKSANDR EMELIÁNENKOV

UMA FRASE IMORTAL: “A TERRA É AZUL”

O que a sua família costuma fazer no dia 9 de março, aniversário de seu pai? Geralmente vamos de manhã até a muralha do Kremlin em Moscou para depositar flores no local considerado de seu sepultamento. Toda família se reúne com amigos para falar sobre ele.

Filho de camponeses, Iúri Alekséievitch Gagárin nasceu em 9 de março de 1934 na aldeia de Klúshino (hoje Gagárin), em Smolensk, no oeste da Rússia. Em 1957, completou os estudos em uma escola militar de aviação. Dois anos depois, inscreveu-se em um grupo de candidatos a cosmonautas e no ano seguinte começou o treinamento. O grupo de preparação do qual fazia parte era composto por 20 jovens pilotos, que passaram por longas práticas em barocâmeras, surdocâmeras, centrífugas, saltos de paraquedas e voos em caças e aviões de instrução. A bordo da nave espacial Vos-

Quando seu pai morreu, você tinha apenas sete anos. Quais episódios ficaram mais marcados em sua memória? Guardei na memória os raros momentos do tempo livre que ele passou conosco. Além do serviço militar, ele tinha muitas obrigações sociais e também estudava na Academia Jukóvski. Toda manhã, antes de sair de casa, ele anotava no diário tudo o que acontecia. À noite, estudava, fazia lições de casa e projetos, preparava-se para provas e exames. Nunca nos bateu e sabia explicar coisas que recordamos para sempre. Toda a mídia cobriu a façanha de seu pai. O que lhe parece mais memorável nesse registro? Realmente, foram escritos muitos livros, artigos e recordações. Mas, a maior parte

RIA NOVOSTI

As filhas de Gagárin, Elena e Galina, beijam o pai num momento de descontração

desse material foi compilado de outras fontes, outra parte foi criada para divulgar fatos sensacionalistas, o que foi próprio do período da perestroika. Sem dúvida, são sérios e sinceros os livros do próprio Gagárin, como “Estrada para o Cosmo” e “A Psicologia e o Cosmo”, e livros de familiares próximos e colegas da primeira leva de cosmonautas. Qual é a diferença entre as reportagens feitas pelos jor-

nalistas que puderam falar pessoalmente com Gagárin e escrever artigos baseados nas impressões dele e os atuais repórteres? Os jornalistas que escreveram sobre o início da época cósmica sabiam sonhar. Passaram um pouco mais de dez anos do fim da terrível guerra, quando o sputnik foi posto em órbita. Vimos que o sonho estava se tornando realidade. Foram honestos, abertos, profissionais autênticos, amaram seu país, foram especia-

listas das questões sobre as quais escreveram. Infelizmente, não posso dizer o mesmo sobre os que hoje escrevеm ou filmam. Em sua opinião, os filhos de cosmonautas são diferentes de outras crianças? Não sei como são os filhos dos cosmonautas atuais. Mas, na época, não nos distinguíamos. Frequentávamos a mesma escola, passávamos horas juntos após as aulas. Até hoje, nossas antigas tur-

mas se reúnem de tempos em tempos. Sobrenomes conhecidos herdados dos pais podem ajudar ou incomodar. Como foi para você? Não tenho uma resposta simples, mas acho que isso é algo que nos obriga a ser mais responsáveis, e até medir cada palavra. Não reparamos nas falhas de qualquer um, mas, no caso de uma pessoa com sobrenome conhecido, qualquer coisa é notada e às vezes

ITAR-TASS

ROSSIYSKAYA GAZETA

tok 1, o major Gagárin entrou em órbita em 12 de abril de 1961. Pela primeira vez, um homem via nosso planeta a partir do espaço. É dele a frase: “A Terra é azul”. Saudado como herói, viajou a 30 países. Um deles foi o Brasil, onde foi condecorado por Jânio Quadros. Morreu aos 38 anos, em um acidente durante um voo de instrução.

pode-se até inventar histórias. Mas em geral a atitude das pessoas é boa. Os mais velhos recordam o que o dia 12 de abril de 1961 foi para eles e relatam seus encontros com meu pai. E os jovens muitas vezes perguntam “você realmente é a filha de Gagárin?” Fico feliz em perceber que a memória de meu pai se transmite também através de mim. Muitas imagens de Gagárin, inclusive fotografias amado-

Qual fotografia de seu pai é a mais especial para você? Gosto muito das fotos de nosso descanso na Crimeia ou fora da cidade. O que fazem hoje os descendentes de Gagárin? Katia, filha da minha irmã Elena, formou-se em História na Universidade de Lomonosov, faz doutorado e trabalha nos museus do Kremlin. Iúri, meu filho, é estudante de direção governamental também na Lomonosov. Você compraria uma datcha [chácara] em Gagarinland [projeto de uma área de descanso para pessoas ricas e cansadas da megalópole, nos arredores de Moscou]? Não gosto nada do nome Gagarinland, mas não tenho objeções. Certamente, se não danificar o meio ambiente nem destruir monumentos da história ou da natureza, tudo bem. Quanto à ideia de ter uma fazenda, possuo um terreno fora da cidade que me basta.


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Opinião

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Gorbatchov e seu devido valor compensadas pelos sentimentos nacionais gerados na conquista da independência, na Rússia não é assim: aqui, a dissolução da União Soviética significa a derrota da grande Pátria. Na busca por um culpado, todos apontam o dedo para Gorbatchov. Alguns o acusam de não ter usado força para reprimir o separatismo, outros (eu mesmo o senti) afirmam que a URSS poderia ser conservada se depois da tentativa de golpe do GKCP (Comitê Estatal de Emergência), em 1991, Gorbatchov tivesse transferido o poder a Iéltsin. Outros simplesmente sentem antipatia pelo homem. Todos, porém, gozam dos direitos e liberdades obtidos nos anos da perestroika. A liberdade de imprensa, de expressão, a abertura das fronteiras (nos limites definidos pelas autoridades) e a liberdade de reunião são recebidas como um presente pelo qual ninguém precisa agradecer - e pode até repudiar, como fez o escritor Soljenítsin, declarando que “tudo foi arruinado pela glasnost de Gorbatchov”. Soljenítsin não foi o único a não notar a contradição entre as demandas impacientes do início dos anos 90 e a repreensão que caiu sobre Gorbatchov após sua saída do poder. Essa mesma saída salvou o país de problemas ainda mais graves, mas, uma vez mais, não foi devidamente apreciada pelo povo e pela elite, para os quais as personalidades mais notáveis da história russa são Ivan, o Terrível, Piotr I e Stálin,

Pável Palájtchenko

Tradutor

niyaz karim

N

ão é nenhuma novidade dizer que o expresidente soviético Mikhail Gorbatchov é venerado mundo afora e até hoje não foi devidamente levado em conta na Rússia. Quando se interessam em saber sua posição sobre o assunto, ele responde que não pode guardar ressentimento, e que, além disso, compreende as razões para tal comportamento. A transição para a democracia levou milhões de cidadãos russos a sofrerem grandes privações. Gorbatchov não nega sua responsabilidade no caso e reconhece os erros e fracassos do período da Perestroika. Para explicar esse fenômeno, é preciso considerar as particularidades do caráter nacional russo. Quando Gorbatchov chegou ao poder todos queriam mudanças, mas a maioria esmagadora não fazia ideia de quais deveriam ser essas mudanças. Dominavam as tradicionais esperanças russas do “bom senhor” e do “bom tsar”. Quase todas as medidas do líder significavam um novo início. Não se pode dizer que Gorbatchov não teve alternativa. Naquele período, os altos funcionários do Partido Comunista gostavam da chamada “ideologia da sombra”, que reunia em si os elementos do nacionalismo russo e da geopolítica imperial. A necessidade de reforçar a disciplina poderia ser ainda

maior, o que levaria gradualmente a um endurecimento análogo ao promovido pelo ditador comunista romeno Nicolae Ceausescu. Aprovada pelo Politburo conservador do comitê central do Partido, a escolha de Gorbatchov não foi a mais óbvia. Ele queria não só que a perestroika fosse aprovada por unanimidade, mas também apoiada pelo povo. Inicialmente, o estadista tentou pôr esse plano em prática nos limites do sistema já existente. Mas, passados dois ou três anos, chegou à

ideia da democratização. Também fez com que as reformas da glasnost fossem aprovadas pelo Politburo. Pouco tempo depois, verificou-se que esse não estava pronto para mudanças dolorosas, surpresas e instabilidade - fatores inevitáveis. A maior parte do povo também não estava pronta. Recebendo cada vez mais liberdade, as pessoas depositavam esperanças não nas suas próprias forças, mas na mão firme de um líder decidido. Foi esse o motivo da ascensão radical da popularidade

de Iéltsin e da rejeição a Gorbatchov, que dura até hoje. É paradoxal que a parcela mais ativa e instruída da sociedade tenha sido a primeira a abandonar Gorbatchov e aderir a nacionalistas nas repúblicas independentes e a Iéltsin na Rússia. Os intelectuais, aos quais a liberdade vinda de cima trouxe as maiores e mais instantâneas vantagens, se aproveitaram disso para organizar u ma g rande festa da desobediência. Em meio a essa agitação, os novos líderes admitiram sem

hesitações que a União Soviética fosse dissolvida prematuramente. A medida foi precoce porque a democracia não tinha se tornado uma instituição política, social ou econômica em nenhuma das repúblicas. Passados vinte anos, ficou claro que a dissolução da União Soviética não acelerou, mas sim freou esse processo, gerando regimes de democracia limitada. Mas são poucos os que se atrevem a reconhecê-lo. E, se para os cidadãos das ex-repúblicas as privações das últimas duas décadas são

e não Aleksandr II, que libertou os servos. Essas afirmações não pretendem de maneira alguma censurar o povo. A História nos fez desse modo. A mentalidade e as particularidades nacionais modificam-se muito mais rápido do que a cultura material. Mas não se pode começar a estudar um problema se não nos damos conta de sua existência. A enorme diferença constatada na recepção de Gorbatchov na Rússia e na maioria dos outros países é, sem dúvida, um problema. Não um problema para Gorbatchov, mas para a Rússia. E a colaboração do mundo na valorização de seu papel na história seria um grande passo para a integração da Rú s sia n a comu n id ade internacional. Isso, porém, não pode se dar de forma independente. A Rússia deve fazer um esforço a mais para passar à democracia real, e seu sucesso não é garantido. Um líder que se atrever a fazê-lo enfrentará muitas dificuldades, mas sua estrada será mais fácil do que aquela trilhada por Gorbatchov, que trouxe transformações ainda não bem compreendidas por nenhum de nós. Estamos buscando um caminho para a democracia junto com dezenas de outros países e povos. Quando alcançarmos este objetivo, aí sim, poderemos dar o devido valor a quem nos deu essa chance. Pável Palájtchenko foi tradutor de Mikhail Gorbatchov e do ministro das relações exteriores, Eduard Shevardnadze

NOVa oposição com velhos políticos Evguêni Ivanov especial para gazeta russa

O

recém-criado Partido da Liberdade do Povo quer ser registrado oficialmento pelo Estado e participar das eleições deste ano da Duma (a câmara dos deputados). Mas, ainda que a primeira intenção tenha êxito, já é tarde demais. Quando os quatro líderes da oposição Mikhail Kasianov, Vladímir Milov, Boris Nemtsov e Vladímir Rijkov, no outono de 2010, formaram a coalizão “Por uma Rússia sem Ilegalidade e Corrupção”, muitos previram disputas internas e uma vida breve para o movimento. Mas a nova coalizão continua de pé e em dezembro ganhou o título de partido po-

lítico, com um nome de extremo bom gosto, Partido da Liberdade do Povo (PLP). Ao descrever o programa ideológico da nova instituição, Nemtsov prometeu que seria “bastante simples”, baseado

Partido da Liberdade do Povo tenta registro a tempo de participar das eleições desse ano em quatro princípios: reformas políticas profundas, poder para o povo, luta contra o crime e “introdução dos padrões de vida europeus” (este soa especialmente “simples” mesmo). Em uma análise superficial, a inesperada longevidade da

nova coalizão poderia ser resultante da exclusão de Garry Kasparov, cujos impulsos ditatoriais e a incapacidade de escutar qualquer opinião oposta à sua seriam fatais para qualquer união. Parece haver ainda outro motivo pelo qual os líderes vêm navegando esse mar de cobras. Todos eles são “ex”: Kasianov é ex-premiê, Nemtsov é ex-vice-premiê, Milov era vice-ministro de Energia, e Rijkov é ex-parlamentar. Tendo perdido suas posições, que alguns deles ocuparam por mais de uma década, passaram a buscar uma implacável e pessoal vingança contra Vladímir Pútin – cujas transgressões nunca são registradas publicamente –, perdendo espaço à medida que o presidente Dmítri Medevedev requer apoio para seu plano de modernização.

O ciclo de eleições atual, portanto, oferece uma oportunidade para que os líderes da oposição se liguem aos eleitores que estão esquecendo (ou já esqueceram) seus nomes. No início de fevereiro, a primeira filial regional do PLP foi inaugurada em Moscou com cerca de 300 partidários. De acordo com o planejamento do PLP, até o fim de março serão abertas novas filiais em 57 regiões da Rússia, reunindo entre 50 mil e 60 mil membros, preenchendo assim os requisitos necessários para registrar oficialmente o partido no Ministério da Justiça, que exige mais de 45 mil membros em pelo menos 42 regiões do país. Kasianov disse ao diário Kommersant que mil pessoas já se associaram ao PLP em Moscou e que existem, no

“au s ê n c i a d e l e i s” n a Rússia. O objetivo declarado do partido é participar da eleição da Duma em dezembro (convenientemente ignora-se que partidos políticos registrados

mínimo, 200 membros em cada uma das 83 regiões russas. Caso o registro do PLP seja negado, seus líderes prometem levar 50 mil seguidores às ruas em 16 de abril. A conta, entretanto, não fecha. Somando os 200 seguidores de cada região com os mil de Moscou, o partido não chega a 18 mil participantes. Bem, como eles dizem, a política é uma questão de fé. Além disso, se o partido realmente entrar com a solicitação de registro no início de abril, como planejado, o Ministério da Justiça ainda terá um mês inteiro para revisar o pedido. Independente do motivo que leve os líderes do PLP a declarar tão cedo seus protestos, era de se esperar mais respeito aos procedimentos oficiais por parte de um movimento que luta contra a

Líderes da nova coalizão são ex-dirigentes em busca de novas oportunidades porém sem representação na atual Duma estão sujeitos a um processo de registro específico para a eleição, cujos requisitos são tão rigorosos que nenhum partido poderia preenchê-los sem o apoio explícito do Kremlin). Dizer que o “programa de

ações” listado no site do PLP é uma grande decepção seria eufemismo. As promessas de aumentar os gastos públicos com educação, saúde e ciência parecem saídas do discurso anual do presidente Medvedev. E alguns ítens (como a proposta de alterar a duração do mandato presidencial) simplesmente beiram o delírio, pois para tanto seria necessário que o PLP possuísse maioria constitucional na Duma. Apesar de muito se falar sobre o futuro, os “liberais unidos” são uma sombra do passado. Seus fundadores, os “ex”, já tiveram oportunidades – e não souberem aproveitá-las. Evguêni Ivanov é comentarista político em Massachusetts e escreve o blog The Ivanov Report: theivanovosti.typepad.com

Tatiana Shebáeva

especial para gazeta russa

H

á muitos anos, quando o poeta russo Evguêni Evtushenko disse que “um poeta na Rússia é mais do que um poeta”, ele sutilmente se auto-aclamava. No entanto, sua observação era verdadeira. Considerando a falta histórica de líderes públicos inspiradores, os poetas e escritores russos assumiram seus postos. Por muitos anos, saber de cor capítulos inteiros de “Evguêni Onéguin”, de Púchkin, ou do épico sobre a Segunda Guerra Mundial “Vasíli Tiórkin”, de Tvardóvski; e versos escritos por Aleksandr Nekrasov ou Aleksandr Bloc era um sinal in-

d iscutível de educação adequada. Lamentavelmente, em breve será mais difícil enxergar esse indício. Em 2008, o Ministério da Educação da Rússia aboliu a literatura como matéria do exame obrigatório de conclusão do ensino médio, com o argumento de que é muito difícil inseri-la no recém-introduzido Exame Unificado, com testes de múltipla escolha. A revisão das normas de educação nacional hoje em curso na Rússia fará com que a literatura deixe de ser obrigatória para alunos do ensino médio. Os autores da proposta argumentam que os jovens não têm tempo livre para ler tudo aquilo, e muitos nem precisam perder tempo com Dostoiévski se quiserem se espe-

expediente presidente do conselho: aleksandr gorbenko; Diretor-Geral: pável negóitsa; Editor-Chefe: Vladislav Frónin ENDEReÇO DA SEDE: AV. PRAVDY, 24, BLOCO 4, 12º ANDAR, MOSCOU, RÚSSIA - 125993 WWW.RBTH.RU E-mail: BR@RBTH.RU TEL.: +7 (495) 775 3114 FAX: +7 (495) 775 3114 Editor-chefe: EVGuêNi ABOV; editor-executivo: Pável Golub;

cializar em química ou matemática. Até mesmo os textos mais compactos de A nton Tchek hov levam algum tempo para ser digeridos. Assim, que os jovens russos tenham o legítimo direito de passar os anos escolares sem o aborrecimento de ler Tolstói, Dostoiévski, Tchekhov ou Górki. Quando eu estava no colégio, os primeiros sintomas de bibliofobia apareciam em resumos que condensavam os quatro formidáveis volumes de “Guerra e Paz” em quinze páginas. Naquela época, porém, os estudantes fingiam ler as obras a fim de evitar escárnio e vergonha. Dez anos depois, ninguém se preocupa em esconder sua ignorância. As sínteses se tornaram regra, enquanto aqueles que “perdem tempo” tentan-

do ler e entender as grandes obras da literatura clássica se tornaram os diferentes. Os proponentes dos novos padrões educacionais têm um discurso muito bem preparado: Como um adolescente de 16 ou 17 anos pode discernir os diversos sentidos da prosa de Tolstói? Por que forçá-los a fazer algo que foge de seu alcance? Mas, com algumas poucas exceções, um adulto não costuma gastar o seu limitado tempo com hábitos que não foram incorporados durante a infância. Durante a infância e a adolescência um indivíduo ainda não se esquiva do que não contribui para sua formação profissional. Atualmente, os burocratas russos querem que os jovens entrem nos trilhos de uma profissão o quanto antes. A

habilidade de uma mente jovem para entender e gostar de Tolstói só pode ser questionada por indivíduos que não conseguiram captar a mensagem do escritor mesmo quando mais velhos. Quem aprecia literatura clássica sabe que cada idade tende a redescobrir autores familiares e ver neles novos sentidos. Agora ouvimos com frequência que o mundo mudou e que vivemos numa era digital, na qual a literatura clássica se tornou simplesmente obsoleta. Porém, o que essas declarações querem exprimir é que “a literatura clássica é muito complexa e torna as pessoas mais sofisticadas, e não precisamos de um público sofisticado com motivações difíceis de prever”. A história mostra que

dmitry divin

Quem tem medo dos livros?

o receio de estimular a leitura sempre nasce do medo de estimular o pensamento. Talvez esse seja o motivo pelo qual, há quinze anos, junto com outros resumos de livros, as livrarias russas estavam abarrotadas de volumes de redações escolares prontas.

Editor: Dmítri golub; subeditor: marina darmaros; editores no brasil: felipe gil, wagner barreira; Editor de foto: ANDRéI ZáITSEV; Chefe da seção de pré-impressão: MILLA DOMOGATSKAIA; Paginadores: IRINA PáVLOVA; iliá ovcharenko representante no brasil: ALEksáNDER Medvedovsky (mir@mirmidia.com.br)

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Render-se à interpretação concisa de um trabalho literário não favorece o despertar de ideia alguma. Tatiana Shabaeva vive em Moscou há 10 anos. Trabalha como tradutora e crítica de teatro, e escreve sobre ecologia e história

escreva para a redação da Gazeta Russa em Moscou: BR@RBTH.RU


Em Foco

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RECEITA

Literatura Biografias e relatos históricos ganham destaque no mercado russo

A hora e a vez da nãoficção

Escondidinho de arenque na salada Irakli Iosebashvili

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Na culinária russa existem basicamente dois tipos de pratos: aqueles que você reconhece de imediato e aqueles que o deixarão na dúvida até que dê a primeira mordida. Os pelmêni, por exemplo, embora sejam uma massa recheada típica da culinária russa, também são familiares a qualquer pessoa que já tenha comido guiozas japoneses ou raviólis italianos. Outros pratos, porém, são um mistério até mesmo para os mais experientes comilões estrangeiros.

É o caso da salada de arenque, que é chamada na Rússia de seliodka pod shuboi (em português, arenque sob casaco de pele). Num primeiro olhar é difícil saber do que se trata, e de longe parece um bolo. Na verdade, é uma salada com uma ou mais camadas de peixe salgado coberto por vegetais e ovos, maionese e beterraba ralada, o que confere ao prato um aspecto rosa choque. É uma das saladas mais populares da Rússia.

RIA NOVOSTI

Conhecida por seus romances épicos, a literatura russa tem testemunhado um aumento de obras de nãoficção no últimos anos.

época em que deu abrigo a muitos escritores perseguidos, que tinham sido abandonados por seus amigos e colegas, despertou interesse apenas no ano passado, quando o jornalista Parfionov e o escritor Boris Akúnin decidiram publicá-lo. Na mesma época, uma série de documentários baseada nas lembranças da tradutora ganhou tamanha popularidade que acabou se transformando no livro “Ao pé da letra”, que repercutiu entre os leitores russos no ano passado. Uma das celebridades mais conhecidas da televisão russa, Parfionov é mestre em séries de documentários, mas ganhou especial destaque internacional no final do ano passado quando recebeu um prêmio na TV russa e afirmou que “os assuntos jornalísticos, como tudo na vida, têm sido

TATIANA SHEBÁEVA GAZETA RUSSA

Embora o gênero nunca tenha sido considerado um porto seguro, a não-ficção agora se destaca na produção literária da Rússia. Talvez a mais emocionante ligação entre autores da nova safra de livros de não-ficção seja a do jornalista Leonid Parfionov com a tradutora Lilianna Lunguina, que foi testemunha da prisão de Lubianka, durante o regime de Stálin, e do degelo político da Rússia, nos anos 60. Ela deixou registrada a história de sua extraordinária e agitada vida antes de morrer, em 1998. O texto, no qual ela fala da

irrevogavelmente divididos entre aqueles que podem ser exibidos na televisão e aqueles que não têm permissão para tal”. Atualmente, o jornalista está trabalhando no quinto volume do livro “Nossa Era”, um abrangente guia para entender a história russa. Mas vale ressaltar que seu texto não é isento de paixão. Parfionov já escreveu sobre os Jogos Olímpicos de 1980 em Moscou, os esquemas Ponzi de operações fraudulentas no país, a loucura por barras de chocolate importadas e até sobre o fenômeno “Escrava Isaura”, novela brasileira transmitida na na Rússia em 1989.

Não-ficção em destaque

Emocionante biografia do russo Tolstói, “Fuga do Paraíso” também foi destaque em 2010 e recebeu o principal prê-

mio nacional de literatura, o Grande Livro. O trabalho de Pável Basínski, que agora será publicado em inglês, lembrou o centenário de morte do escritor e foi recebido com louvor pela crítica. Já em São Petersburgo, a editora Limbus compilou artigos de autores aclamados que oferecem um novo olhar sobre a vida e o trabalho dos gigantes da literatura russa. O poeta e crítico Dmítri Bikov escreveu sobre Maxim Górki, a romancista Liudmila Petrushévskaia se ocupou do poeta Aleksandr Púchkin e o artista e romancista Maksim Kántor fez a biografia do escritor e dramaturgo Mikhail Bulgakov. A lista se estende com outros 40 autores.

Obra póstuma

Piotr Vail deixou a União So-

viética em 1977, viveu e trabalhou como jornalista nos Estados Unidos e depois na República Tcheca e foi um viajante apaixonado mesmo quando a União Soviética ainda estava isolada pela cortina de ferro. Suas colunas e diários de viagem publicados na Rússia se tornaram rapidamente populares. Depois que ele morreu, no final de 2009, a editora moscovita Astrel publicou “A caminho do mundo”, obra que combina notas de viagem com ensaios sobre história da arte. Em seu último trabalho, Vail leva o leitor a uma jornada pós-soviética, percorrendo a Armênia, a Rússia e a Ucrânia Ocidental, com o mesmo talento agradavelmente irônico e envolvente. Nenhuma das obras tem previsão de lançamento em português.

Humanismo Grandes autores foram além do estereótipo da corrupção e fizeram história

O “pequeno homem” na literatura russa Evolução do tema do burocrata, o málenki tchelovek surge no século XVIII e é retomado por Púchkin, Gógol e Dostoiévski. PAULO BEZERRA

LIBRE DE DROIT

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Há temas que mudam a história e o destino de uma literatura. No caso da literatura russa, o tema do chamado “pequeno homem” (málenki tchelovek) exerceu esse papel. Este tema é a evolução, num sentido mais humanista, do tema do tchinovnik, ou funcionário público. Este já surge em alguns autores do século XVIII, como A. Sumorokov e D. Fonvízin, ganhando concretude mais palpável com V. Kapnist na comédia Iábeda (A delação), mas todos esses autores, além de criarem personagens um tanto vagos, apenas reproduzem o estereótipo do funcionário oportunista, corrupto e concussionário, que era a imagem então predominante no imaginário russo. Púchkin, Gógol e Dostoiévski mudarão definitivamente o enfoque do pequeno homem, propiciando o grande salto que poria a literatura russa no nível das melhores literaturas européias do século XIX. Coube ao gênio de Púchkin, com O chefe da estação, usar o tema do pequeno homem

Ilustração de Akáki Akákievitch, protagonista de “O capote”

para inaugurar uma nova página na história do humanismo na literatura russa. Fiel ao seu credo estético de que “a prosa deve ser breve e precisa”, Púchkin nos apresenta em poucas páginas um personagem às voltas com a pre-

potência e as injustiças do meio social a que ele serve, dando ao conto um acabamento entre lírico e trágico e criando no leitor tamanha empatia com o chefe da estação que ele, leitor, conclui sua leitura do conto presa de

profunda compaixão pelo velho. Assim, Púchkin parte de um tema já recorrente na literatura russa, mas lhe dá um tratamento estético tão moderno e peculiar que acaba inaugurando a famosa galeria dos humilhados e ofendidos, que seria ampliada por Gógol e profundamente reformulada por Dostoiévski. Os três introduziram mudanças de cunho social, filosófico e psicológico que colocaram a literatura russa em nível de igualdade com as literaturas mais avançadas da Europa ocidental. Em O capote de Gógol, o tema do pequeno homem ganha a concretude da vida de uma repartição pública, na qual o personagem exerce a função de amanuense e recebe o título de conselheiro titular, integrando a nona classe na hierarquia do serviço público russo, aquela na qual o funcionário passa a vida inteira trabalhando sem jamais experimentar nenhuma mobilidade social. Consciente de seu enfoque novo de um tema já recorrente, Gógol se posiciona na contramão do seu enfoque tradicional ao dizer que o conselheiro titular “é alvo das chacotas e galhofas de que se farta tudo quanto é escritor que tem o elogioso costume de cair em cima daqueles que não podem arre-

ganhar os dentes”, isto é, o costume de ofender e humilhar quem não tem condições sociais de reagir às iniquidades de que são vítimas. O capote representa um grande avanço no enfoque humanista do pequeno homem iniciado por Púchkin e acentua no personagem Akáki Akákievitch a condição de humilhado e ofendido. Dostoiévski retoma o tema já em suas duas primeiras obras, Gente pobre e O duplo. Embora declare “todos nós saímos de O capote, de Gógol”, seu enfoque do tema é o oposto total de Púchkin e Gógol. Nestes só quem fala é o narrador (aliás, Akáki parece não ter conhecido a linguagem articulada), os personagens não têm nenhuma consciência de sua condição de humilhados e ofendidos e acabam sendo objeto de compaixão. Dostoiévski não quer um escravo feliz, mas um homem livre. Seus personagens têm consciência de sua condição de humilhados e ofendidos e reagem a ela de for ma até v iole nt a (veja- s e o Sr. Prokhartchin). Não aceitam a compaixão, que humilha e rebaixa o homem e ignora sua condição de homem livre (veja-se a reação de Makar Dievuchin de Gente pobre ao receber de presente O capote: sente-se equiparado a Akáki, objeto mudo de compaixão; Goliádin de O duplo acaba louco tentando afi rmar sua individualidade). Portanto, o tema do pequeno homem ganha dimensão social, filosófica e psicológica nesses três gênios, mudando radicalmente o destino da literatura russa.

LORI/LEGION MEDIA

Ingredientes:

• 2 filés de arenque salgado e sem escamas; • 2 beterrabas de tamanho médio; • 2 batatas; • 2 cenouras; • 1 cebola; • 3 ovos; • 1 xícara e meia de maionese; • Sal e pimenta a gosto.

Modo de preparo :

Ferva os ovos até que fiquem cozidos. Cozinhe as cenouras, batatas e beterrabas até se tornarem macias. Descasque as cebolas e mergulhe-as em água fervente. Após cinco minutos, passe-as na peneira e deixe-as sob água fria por um minuto. Enquanto isso, reserve os vegetais cozidos e deixe esfriar. Lave novamente as batatas e as cenouras e, em seguida, rale-as em dois

recipientes diferentes. Descasque as duas beterrabas para depois ralar. Descasque os ovos e corte-os em pedaços pequenos. Corte o arenque em pequenos cubos e adicione pimenta. Em um prato grande, faça uma primeira camada com as batatas raladas e sal, e cubra-a com maionese. Acrescente uma camada de arenque e, depois, as cebolas, cenouras e ovos, salgando cada camada e cobrindoas com maionese. Repita o processo, sem o arenque, até obter pelo menos duas camadas de cada item. Cubra então com uma camada de beterraba ralada, sobre a qual se deve aplicar uma grossa cobertura de maionese. Para decorar pode-se polvilhar gema de ovo sobre o prato pronto. Leve à geladeira por cinco horas e sirva em fatias, como um bolo.

CALENDÁRIO CULTURA E NEGÓCIOS O IDIOTA, UMA NOVELA TEATRAL SESC POMPEIA - SÃO PAULO. PARTE 1 - QUI. E SÁB. 20H, PARTES 2 E 3 - SEX. 20H E DOM. 19H. ATÉ 3 DE ABRIL

A peça é baseada no romance “O Idiota” escrito por Fiódor Dostoiévski em Florença e divida em três partes. Depois de uma temporada na Suíça, o príncipe Míchkin volta a São Petersburgo e disputa a atenção da jovem Nastássia com o mercador Rogojin. › www.sescsp.org.br

TEMPORADA OSESP: TORTELIER E ANTONOV

AGROFARM 2011 DE 12 A 14 DE ABRIL, CENTRO DE EXIBIÇÕES E CULTURA VSEROSSISKI, EM MOSCOU

Exibição internacional dedicada à agricultura e criação de gado. › www.agrofarm.org

15º SHK MOSCOW DE 18 A 21 DE ABRIL, EXPOCENTR, MOSCOU

Feira especializada em tecnologias de aquecimento, ventilação, ar-condicionado, eficiência energética, energias renováveis e fornecimento de água. › www.shk-online.com

SALA SÃO PAULO. JACARANDÁ - 14 DE ABRIL, 21H; PEQUIÁ - 15 DE ABRIL, 21H; IPÊ - 16 DE ABRIL, 16H30

MEDPROJECT EXPO

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida pelo francês Yan Pascal Tortelier, terá o russo Serguei Antonov no violoncelo durante apresentação na Sala São Paulo. O repertório é composto por Nas Estepes da Ásia Central (Alexander Borodin), Concerto Ballata em Dó Maior, Op. 108 (Alexander Glazunov) e Sheherazade, Op. 35 (Nikolai Rimski-Korsakov). Também haverá ensaio aberto no dia 14, às 9h.

A exposição é um evento internacional especializado em empresas fornecedoras de equipamentos médicos. › www.sokolniki.com

› www.osesp.art.br

DE 25 A 28 DE ABRIL, CENTRO DE EXIBIÇÕES E CULTURA SOKOLNIKI, EM MOSCOU

8º MOSCOW GREEN WEEK DE 18 A 21 DE MAIO, VSEROSSISKI, EM MOSCOU

Feira especializada em bens para paisagismo. › www.flowers-expo.ru

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