SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL E NA ITALIA.
Davide Briganti Este artigo tem como objetivo analisar a realidade de duas cidades, muito diferentes uma da outra em termos demográficos, econômicos e sociais, mas com um desejo comum de garantir que as crianças, onde quer que elas nasçam, tenham a infância e o futuro que merecem. As duas cidades em questão são Belo Horizonte, no Brasil e Reggio Emilia, localizada no nordeste da Itália. A escolha destas cidades se deve a uma parceria realizada entre elas, em projetos de educação, desde 2006. Belo Horizonte contou com o apoio do Gruppo de Volontariato Civile, ONGitaliana,e de cooperativas situadas em Reggio Emilia, que vem desenvolvendo um amplo projeto de formação de educadores infantis e de adequação e reforma de creches e pré-escolas. Atualmente, as duas cidades desenvolvem o Projeto EDUCA , compartilhando-o também com a cidade de Pemba, situada em Cabo Delgado/ Moçambique. Este projeto tem por objetivo melhorar a qualidade de vida e a inclusão social de crianças e adolescentes, concebendo a educação das mesmas como uma tarefa multidisciplinar, que deve ser compartilhada pelo Poder Público, pelas famílias e pela sociedade civil. O Projeto é cofinanciado pela Comunidade Europeia.
“Reggio Emilia, Belo Horizonte: duas cidades, muitas crianças” Dentro da pluralidade de conceitos culturais, ideais, políticos e religiosos, as instituições de educação, sejam elas de Reggio Emilia ou de Belo Horizonte, devem se pautar na escuta, diálogo e participação, no respeito e na valorização da diversidade e do conhecimento de cada indivíduo. As escolas devem estar abertas ao debate e cooperação. As duas cidades comungam hoje o ideário de cidades educadoras. Mas, como cada uma delas se organiza?
A experiência de Belo Horizonte Belo Horizonte foi planejada e construída para ser a capital política e administrativa do estado de Minas Gerais. Como cidade educadora, busca ultrapassar os limites dos prédios escolares e transformar os mais diferentes locais da cidade em espaços educativos, transformar a cidade em uma escola de cidadania e civilidade, onde se aprende e se ensina o valor e a necessidade de se viver coletivamente, de forma democrática. A cidade apresenta muitos contrastes. Ainda que uma parcela da população tenha condições satisfatórias de vida, ainda existem bolsões de pobreza e áreas de grande vulnerabilidade social. Andando pela cidade é possível perceber como os espaços públicos são ocupados pelas crianças. É possível encontrá-las nos parques, nas praças, nos museus, entre outros espaços. Esta é uma das propostas das escolas municipais, a de promover atividades que permitam que as crianças usufruam dos espaços culturais do município. De acordo com o censo demográfico realizado em 2010, pelo IBGE, a cidade conta com 2.375.151 habitantes. A tabela abaixo mostra o número de meninos e meninas dentro da faixa etária de 0 a 14 anos. Idade
Meninos
Meninas
Total
0 a 1
13.657
13.156
26.813
1 a 4
54.032
52.366
106.398
5 a 9
73.647
71.221
144.868
10 a 14
86.338
85.153
171.491
Total
227.674
221.896
449.570
O número total de crianças em Belo Horizonte é bem maior que o número total de habitantes da cidade de Reggio Emilia e, na verdade, é bem maior que a população da maioria das cidades da Itália. Esta afirmação pode nos ajudar a compreender a enorme diferença entre a organização das duas cidades.
"Educai as crianças para não ter que punir os adultos."
No Brasil, a Educação Infantil é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988. Várias pesquisas realizadas nos anos de 1980 já mostravam que os seis primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento humano e a formação da inteligência e da personalidade do indivíduo. Entretanto, até 1988, a criança brasileira com menos de sete anos de idade não tinha direito à educação. A Constituição de 88 reconheceu, pela primeira vez, a educação infantil como um direito da criança, opção da família e dever do Estado. A partir daí, a educação infantil no Brasil deixou de estar vinculada somente à política de assistência social, passando a integrar a política nacional de educação.
A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional , em 1996, a educação infantil passou a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica. A atual estrutura do sistema educacional brasileiro compreende a educação básica, como aquela formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. De acordo com a legislação vigente, compete aos municípios atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e aos Estados e o Distrito federal, no ensino fundamental e médio. O governo federal, por sua vez, exerce, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, cabendo-lhe prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Além disso, cabe ao governo federal organizar o sistema de educação superior. Podemos afirmar que a política de educação infantil no Brasil é “recente”, e está em um processo de organização. É oferecida em creches, para crianças de até três anos de idade e em pré-escolas, para crianças de quatro até seis anos. O ensino fundamental, com duração mínima de nove anos, é obrigatório e gratuito na escola pública, cabendo ao Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que a ele não tiveram acesso na idade própria. O ensino médio, etapa final da educação básica, tem duração mínima de três anos e atende a formação geral do educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional. As Unidades Municipais de Educação Infantil de Belo Horizonte, inauguradas a partir de 2004, são consideradas como referência nacional, por apresentarem excelente padrão de infraestrutura, mobiliário adequado, brinquedos e livros adequados à idade das crianças e ao projeto pedagógico. Um dos grandes desafios do Poder Público de Belo Horizonte é o de ampliar o número de vagas e o tempo de permanência das crianças na escola. Infelizmente, a cidade ainda não consegue assegurar a educação infantil para todas as famílias que solicitam atendimento. As vagas são destinadas prioritariamente às crianças das famílias mais vulneráveis, selecionadas através da análise feita pelo Núcleo Intersetorial Regional (NIR), composto por representantes das Secretarias Municipais de Assistência Social, Saúde e Educação. No Brasil, o Plano Nacional de Educação, prevê o cumprimento de metas até o ano de 2020, das quais destacamos:
Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de quatro e cinco anos, e ampliar, até 2020, a oferta de Educação Infantil de forma a atender a 50% da população de até três anos.
Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos.
Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária.
Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou super dotação na rede regular de ensino.
Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade.
Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de Educação Básica.
Em 2016, a educação passará a ser obrigatória para crianças a partir de 4 anos. Ciente de sua responsabilidade, a Prefeitura de Belo Horizonte tem se empenhado em ampliar vagas na educação infantil e em melhorar a qualidade do Ensino Fundamental, desenvolvendo programas de aproximação entre famílias e escolas, programas de intervenção pedagógica nas escolas, entre outros. No entanto, a cidade ainda está longe de atender a 50% da população de até 3 anos, e de estender o tempo diário de permanência das crianças na escola, conforme o desejo das famílias. Por meio da criação do Programa de voluntariado internacional, pela Prefeitura de Belo Horizonte, estudantes universitários estrangeiros podem participar de projetos das diferentes secretarias municipais, ente elas, da Secretaria Municipal de Educação, contribuindo para que o município cumpra as metas educativas estabelecidas. Como exemplo, podemos citar a atividade “Ponte entre Culturas” na qual, um voluntário italiano pôde trabalhar diretamente com as crianças do 1º ciclo do Ensino Fundamental da Escola Municipal Hugo Werneck. Tanto para o voluntário quanto para as crianças da escola, a experiência foi muito feliz.
22-11-2013
A experiência de Reggio Emilia Reggio Emilia, situada na Região da Emilia Romana, pode ser considerada uma cidade rica. Não é um lugar neutro em educação. Pelo contrário, é uma cidade profundamente marcada pela organização de seus serviços educativos, internacionalmente reconhecidos. A Prefeitura de Reggio Emília concebe a “educação como uma competência fundamental para a ideia da cidade e seu futuro”. Nos últimos anos, a cidade viveu um aumento acentuado da população, definido como “tsunami demográfico” devido principalmente ao aumento da natalidade e da média de vida, sem esquecer-se da forte imigração, que desde há alguns anos é muito forte na Itália. Em 2011, os nascidos de casais de pais imigrantes eram iguais aos 30% do total dos nascidos da população residente. Isto significa que na sociedade italiana está acontecendo uma forte mudança. Mas, mesmo com o crescimento demográfico em Reggio Emilia, a diferença do seu número de habitantes para o número de habitantes de Belo Horizonte permanece imensa.
(Gráfico 1. Aumento da população de Reggio Emilia nos anos 2000)
Com uma população residente de 173 mil pessoas, Reggio Emilia praticamente universalizou a educação infantil, dispondo de uma rede pública e comunitária de escolas que responde por quase a totalidade do atendimento à população de creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 5/6 anos). “A cobertura na cidade abrange 100% das crianças cujas famílias desejam e precisam ter seus filhos na educação infantil” A educação infantil não é obrigatória na Itália. Sua atribuição está vinculada ao município, na faixa etária dos 0 aos 3 anos, e ao governo federal, na faixa de 4 a 6 anos, que é também o responsável pelo ensino fundamental. Em Reggio Emilia, porém, praticamente todo o serviço de educação infantil foi municipalizado, cobrindo 40% da população de 0 a 3 anos e 86% das crianças de 0 a 5/6 anos. “As crianças que não integram a educação infantil estão fora por opção das famílias e são cuidadas por elas”. Há um pensamento comum em Reggio Emilia: “a
educação é um bem público como a água, então ela precisa ser desfrutada em iguais condições por todos.” A cidade de Reggio Emilia possui uma filosofia particular, que transforma os lugares da infância em ambientes cheios de cores, criativo, em que as crianças podem observar experimentar e interagir entre si, em um local propicio para o desenvolvimento da criatividade. A "abordagem Reggio" tem sido reconhecida ao redor do mundo, merecendo a atenção da imprensa internacional. Em 1991, teve um artigo dedicado pela Newsweek e em 2007 obteve o reconhecimento do New York Times. Quando se digita no Google "Reggio Emilia", o primeiro resultado não é o correspondente para a descrição da cidade normalmente do Wikipédia, mas a referência da escola de educação infantil. Esta experiência educativa se iniciou após a segunda guerra mundial, como uma reivindicação das mulheres da cidade que não queriam apenas um lugar para deixar suas crianças/filhos, mas sim o melhor, o melhor da pedagogia da época, uma escola de qualidade. Em 1945, os moradores venderam o material bélico que se encontrava abandonado pelo município e destinaram o dinheiro arrecadado na construção da primeira escola da comunidade. Loris Malaguzzi1, precursor da pedagogia Reggiana, defendia que "a criança possui cem linguagens que necessitam de uma escuta atenta, cuidadosa e respeitosa por parte do adulto/professor". Por isso, o projeto pedagógico desenvolvido em Reggio Emilia mostra que o ensino e a aprendizagem são processos que se complementam na criança e no adulto. O adulto/professor participa do trabalho das crianças, mas não se coloca de forma frontal e sim como construtor do percurso construído, numa direção compartilhada e solidária com as crianças. Na parceria estabelecida entre as duas cidades, a experiência educativa de Reggio Emilia vem enriquecendo as Proposições Curriculares para a Educação Infantil de Belo Horizonte. Apesar das muitas diferenças entre as duas cidades como a população e a situação política, econômica e social, podemos dizer que em ambas, a educação infantil é compreendida como a base de uma sociedade democrática e avançada. Mesmo com a atual crise econômica em muitos países considerados avançados, como a Itália, é preciso assegurar a todas as crianças, de qualquer país, raça ou religião, sem exceção, que tenham uma infância e um futuro digno, como todos merecem.
1
Loris Malaguzzi (1920-1994), considerado o patrono da abordagem de educação Infantil de Reggio Emilia, hoje completamente sistematizada e difundida pelo Instituto Reggio Children – Centro Internacional pela Defesa e Promoção dos Direitos e Potencialidades de Todas as Crianças.
Bibliografia: RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender – São Paulo: paz e Terra, 2012. Silva, Isa T. F. Rodrigues. Estudo da Realidade de Belo Horizonte – SMED, 2012. Critérios de Matrícula para a Educação Infantil – SMED, 2013. http://it.wikipedia.org/wiki/Reggio_nell%27Emilia Guia da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte/2011. http://www.reggiochildren.it/i-nidi-e-le-scuole-del-comune-di-reggio-emilia/ http://davidebrig.altervista.org/
PROGRAMA MUNICIPAL DE VOLUNTARIADO INTERNACIONAL
Artigo final de DAVIDE BRIGANTI Cordenadora: Silva, Isa T. F. Rodrigues
“SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL E NA ITALIA”
Dezembro 2013 – Belo Horizonte