Esteban manuel faner

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A Rede Socioassistêncial na Proteç ão da Criança e do Adolescente no Município de Belo Horizonte

Esteban Manuel Faner


Considerações preliminares Existe uma dificuldade particular em definir o que é a assistência social, já que o seu significado varia dependendo do contexto histórico e da ideologia política em que se gestou. Mas, só a modo de aproximação, pode se dizer que a assistência social é uma política que tenta garantir o acesso a recursos mínimos e provimento de condições para atender contingências sociais e promover a concretização dos direitos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade civil, dirigida a população, sobretudo aos segmentos mais vulneráveis e excluídos dela.

Os dispositivos legais no desenvolvimento da política socioassistencial A política socioassistencial no Brasil teve um antes e um depois a partir de dois instrumentos jurídicos que mudaram a sua visão e repercutiram nas próximas legislações na matéria: a Constituição Federal de 1988 e a lei federal 8.742 de 1993. Antes da criação delas, a assistência social era vista como assistencialista, é dizer, não se encaminhava à consolidação dos direitos, senão a reforçar um mecanismo paternalista, fragmentado e eventual em resposta à problemática social. Estava mais ligada a práticas filantrópicas que a políticas tendentes a transformar a realidade em consequencia à realização plena dos direitos sociais. A Constituição Federal de 1988 virou substancialmente aquela visão assistencialista ao consagrar no artigo 203 o seguinte: “A assistência social será prestada a quem dela

necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e têm por objetivos: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, e à velhice; II- o amparo as crianças e adolescentes carentes; III-a promoção da integração ao mercado de trabalho; IVa habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária...”. Por sua parte, o artigo 204, estabelece os recursos com os quais serão realizadas as ações da política social, e seguidamente vigoriza o caráter descentralizado desta, cabendo para sua implementação uma coordenação entre as esfera federal, estadual e municipal. No caso particular da criança e do adolescente, a Constituição inova em tratá-los não mais como objetos passivos da intervenção da familia, da sociedade e do Estado, senão como sujeitos de direito com capacidade jurídica ao atribuir-lhes direitos fundamentais


especiais pelo fato de ser pessoas em particular condição de desenvolvimento. Os artigos 227 e 228 da Constituição, refletem aqueles direitos especias ao dizer: “É dever da família,

da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. O artigo seguinte estebelece o papel do Estado na promoção de políticas públicas encaminhadas a “programas de assistência integral à

saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas...”. A proteção especial também mencionada no mesmo artigo tem importante relevância nos seguintes pontos: idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho; garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; e a punição de maneira severa o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Com o mesmo espírito da nova Constituição, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, vem aprofundar as novas diretrizes que guiam hoje em dia as políticas assistenciais. Os principais eixos que ela consolida são: confere à assistência social o status de política pública, direito do cidadão, e dever do Estado; inova pela garantia de universalização dos direitos sociais; prevê a descentralização, o que atribui aos governos locais (como os Municípios) a atuar e legislar em matéria de assistência social, como o fim de levar os serviços mais próximos da população; os atendimentos aos usuários começam a ser realizados tendo em vista tanto ao indivíduo e suas necessidades particulares, quanto ao contexto familiar. Outro marco normativo de vital importância na matéria, concordante com o espirto da Constituição Federal de 1988, é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele trata em dois livros a proteção dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento e dos órgãos e procedimentos protetivos como de adoção, a aplicação de medidas sócio-educativas, do Conselho Tutelar e dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes. No seu artigo segundo, considera criança para os efeitos da lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O ECA enfatiza em pontos realmente inovadores na proteção integral destes sujeitos, tendo como base a prioridade do direito à convivência familiar e comunitária, a priorização das medidas de proteção sobre as socioeducativas, a integração e a articulação das ações governamentais e não-governamentais na política de atendimento, a garantia de devido processo legal e da


defesa ao adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional; e mais uma vez, a municipalização do atendimento. No ámbito Estadual, a Constituição de Minas Gerais de 1989 e suas posteriores emendas, apresenta-se passiva aos cambios produzidos na materia ao consagrar no seu artigo 222: “É dever do Estado promover ações que visem assegurar à criança e ao

adolescente, com prioridade, o direito a vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, e colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão...”. O artigo seguinte proporciona as diretrizes na proteção à infância e à juventude, baseando-se nos princípios de: desconcentração do atendimento; valorização dos vínculos familiar e comunitário, atendimento prioritário em situações de risco observadas as

características culturais e socioeconômicas locais; e a participação da sociedade,

mediante organizações representativas, na formulação de políticas e programas e no acompanhamento e fiscalização de sua execução. Por sua parte, a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, também conforme à legislação vigente, enfatiza de forma muito completa os princípios, diretrizes e ações em materia socioassistêncial na proteção das crianças e adolescentes. Salienta-se o seu artigo 177, que ocorre com força vanguardeira inspirada no artigo 227 da Constituiçao Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao consagrar a garantia de absoluta prioridade: “...A

garantia de absoluta prioridade compreende: I - a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; II - a precedência de atendimento em serviço de relevância pública ou em órgão público; III - a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; IV - o aquinhoamento privilegiado de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude, notadamente no tocante ao uso e abuso de tóxicos, drogas afins e bebidas alcoólicas...”

Os órgãos e instituçoes envolvidos na rede socioassistencial Ao dar-se continuidade, tentara-se fazer um panorama, mas não exaustivo, dos órgãos e instituições envolvidos na rede socioassistencial na proteção da criança e do adolescente, tanto a nível federal, estadual e municipal, criados alguns deles, a partir das legislações acima explicadas.


No âmbito federal

Conselho Nacional da Assistência Social Foi instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8742 de 1993), como órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social (atualmente, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Os conselheiros de assistência social são agentes públicos com poder de decisão nos assuntos de interesse coletivo, como aprovação de planos, gastos com recurso públicos e fiscalização e acompanhamento da política pública. No seu âmbito, e interesante para nosso estudo, foi criado o Plano Nacional de

Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Este Plano constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, ao romper com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A manutenção dos vínculos familiares e comunitários – fundamentais para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos – está diretamente relacionada ao investimento nas políticas públicas de atenção à família. No âmbito estadual

Ministério Público Este órgão dentro do âmbito do Estado de Minas Gerais cobrou vital importância a partir da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes da criação do mencionado estatuto.

O

Ministério

Público

tinha

participação

processual

e

presença

constante, quer sob a forma de autor, quer sob a de interventor, no papel de fiscal

da

instituto exerce

lei. no

a

A

esses

qual

o

faculdade

dois

papéis

Ministério de

não

clássicos,

Público,

proceder

com contra

foi

acrescentada

grande o

margem

adolescente

a

remissão,

discricionária, autor

de

ato

infracional. Para instrumentalizar a sua atuação, a lei nova conferiu ao Ministério Público uma gama de poderes, capacitando-o a expedir notificações, colher depoimentos, determinar

condução

coercitiva,

requisitar

força

policial,

requisitar

certidões, documentos, informações, exames e perícias, a organismos públicos e


particulares,

requisitar

educacionais

e

de

a

colaboração

assistência,

de

inspecionar

serviços entidades

médicos, públicas

e

hospitalares, privadas,

e

fazer recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos ou de relevância pública.

Juizado da Infância e da Juventude Dentro do organograma do Poder Judiciário de Minas Gerais, encontra-se o Juizado da Infância e da Juventude. Segundo o artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente, aquele é competente para, dentre outras coisas: conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis; conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes; conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis para conhecimento de pedidos de guarda e tutela; conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda; designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente; conhecer de ações de alimentos. No âmbito municipal

Conselho Tutelar O Conselho Tutelar é composto por cinco membros, eleitos pela comunidade para acompanharem as crianças e os adolescentes e decidirem em conjunto sobre qual medida de proteção para cada caso. Devido ao seu trabalho de fiscalização a todos os entes de proteção (Estado, comunidade e família), o Conselho goza de autonomia funcional, não tendo nenhuma relação de subordinação com qualquer outro órgão do Estado. O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente regula as atribuições do Conselho. As mais importantes são: requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho

e

segurança;

representar

junto

à

autoridade

judiciária

nos

casos

de

descumprimento injustificado de suas deliberações; encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos das crianças e adolescentes; representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão


do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.

Secretaria Municipal Adjunta da Assistência Social Esta secretaria dentro da Prefeitura de Belo Horizonte, organiza-se de acordo com as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, e posteriormente à implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Os programas e projetos da assistência social no SUAS são organizados em dois níveis de proteção: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. A

Proteção

Social

Básica tem

como

objetivo

a

prevenção,

por

meio

do

desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. A Proteção Social Especial tem por finalidade proteger de situações de risco as famílias e indivíduos cujos direitos tenham sido violados ou que já tenha ocorrido rompimento dos laços familiares e comunitários. As ações são desenvolvidas e coordenadas pelas unidades públicas: Centros de

Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS). O Centro de Referência da Assistência Social - CRAS é uma unidade pública, de referência local ou regional, que presta serviços especializados e contínuos a indivíduos e famílias com seus direitos violados. Grande parte dos serviços brindados pelo SUAS são orientados na proteção direta ou indireita da criança e do adolescente. São considerados serviços de Proteção Social Básica: Programa de atenção integral às famílias - PAIF; Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamento da pobreza; centros de convivência para idosos; serviços para crianças de 0 a 6 anos que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, com ações de socialização e de sensibilização para a defesa dos direitos da criança; serviços socioeducativos para crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos, visando a sua proteção, socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, com fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Centros de informação e de educação para trabalho para jovens e adultos.


O Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS desenvolve os seguintes serviços considerados de proteção social especial: atendimento a crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual e de violência doméstica (violência física, psicológica, sexual e negligência); inserção de famílias no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI; assistência a crianças e adolescentes em situação de mendicância ou que estejam sob "medida de proteção" ou "medida pertinente aos pais ou responsáveis"; atendimento a crianças e adolescentes em cumprimento de proteção em abrigo ou família acolhedora, e após o cumprimento da medida, quando necessário, suporte à reintegração familiar.

Considerações finais O presente trabalho conseguiu dar uma olhada geral da base jurídica e dos órgãos estatais que intervem na proteção da criança e do adolescente no Municipio de Belo Horizonte, mas ficou muito longe de ser acabado e exaustivo. Nesta matéria não só operam entidades estatais como também inumeráveis organizações não governamentais que atingem diferentes e específicos problemas na proteção integral destes sujeitos. Também devemos ter em conta aquelas instituições que atuam de uma maneira indireita na rede socioassistencial, mas não por isso menos importante. É por exemplo, o papel da escola, que pode funcionar tanto como fonte de criação de valores para a comunidade sobre a proteção dos mais vulneráveis da sociedade, quanto como um lugar de contenção para a criança e detecção de problemáticas tanto particulares como gerais das mesmas. A rede inteira tem muito potencial de atingir integralmente a proteção destes indivíduos em peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, devido aos modernos dispositivos legais e sociais nos quais se encontra baseada. Mas as políticas públicas, por estarem agindo com questões que mudam constantemente, precisam se renovar. No caso particular da política socioassistencial, deve-se enfatizar na superação da problemática como na prevenção da mesma. Isso não é inovador na matéria, só ajudaria na efeitivização dos dispositivos legais mencionados, consagrado, por exemplo, no artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação

dos direitos da criança e do adolescente.” Por último, e também surgindo da reflexão do artigo acima transcrito, a rede socioassistencial não é um círuculo fechado de órgãos e instituições, é mais bem aberta e


abrangente Ă todos nĂłs,

por ser nosso dever e responsabilidade como membros da

sociedade, tutelar aos indivĂ­duos mais vulnerĂĄveis da comunidade.


Bibliografia Brasil. Constituiçao da Republica Federativa do Brasil, 1988. Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069, 1990. Brasil. Lei Orgánica da Assistência Social. Lei 8.742, 1993. Belo Horizonte, Brasil. Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, 1893. Minas Gerais, Brasil. Constituiçao do Estado de Minas Gerais, 1989. ARAUJO DE NERY, Sebastião. O Direito Contitucional da Criança e do

Adolescente: porquê este direito deve ser como é. Belo Horizonte, 2004. Comunidade da Regional Leste e outros. Infância e Juventude protegidas.

Uma abordagem em rede. Belo Horizonte, 2009. Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Perguntas e

respostas sobre funcionamento e estrutura dos conselhos de assistência social. Brasil, 2013.


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