Natalia dalinkevicius

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PROGRAMA MUNICIPAL DE VOLUNTARIADO INTERNACIONAL SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Histórias de Vida – Estudantes do EJA em Belo Horizonte

Natalia Dalinkevicius País de Origem - Argentina Universidade Parceira - PUC Minas Voluntária na Secretaria Municipal de Educação

Julho 2013 Belo Horizonte


O Projeto EJA-BH atende os jovens e adultos que não vão à escola, por vários motivos. Ele significa uma possibilidade para que esses sujeitos se aproximem com esse espaço educativo, priorizando atender o maior número de alunos populares, com flexibilidade de locais e de horários. O Projeto tem como principal ação a prática da educação, por meio da alfabetização e letramento, fundamentados numa compreensão de totalidade, a partir da interdependência entre as dimensões que devem ser consideradas: condições de vida, representações sociais e hipóteses sobre a leitura e escrita. A garantia da Educação Básica de qualidade ao público jovem e adulto implica o reconhecimento da juventude e da vida adulta como tempos de direito e a responsabilização do Estado em implementar políticas educacionais específicas para tais sujeitos. Tais ações, marcas da história da EJA, não consideram a vida adulta e a juventude como tempos sociais e culturais de aprendizagem. Pode se reconhecer sete necessidades básicas de aprendizagem, que deveriam ser contempladas nas políticas educacionais: “sobrevivência, desenvolvimento das próprias capacidades, vida e trabalho dignos, participação democrática, melhoramento da qualidade de vida, tomada de decisões e aprendizagem permanente”. Durante os meses que assistimos a aulas e acompanhamos turmas do EJA, tivemos a oportunidade de aprender e compreender muitas coisas das políticas públicas da Educação em Belo Horizonte. Devido à dimensão do Brasil, a quantidade de habitantes, as condições de trabalho da população, os estados, as prefeituras e as secretarias, há um esforço muito grande para mudar e melhorar a educação em todas a regiões do Brasil. Num pais onde a primeira universidade foi criada ao inicio do século XX, ainda é possível achar uma grande parte da população que não saiba ler ou escrever. Temos muitas formas de explicar essa realidade: historicamente, socialmente, politicamente. Mas o Brasil, o país com os maiores índices de crescimento e maior PIB de América Latina, agora não precisa só de explicações, e sim de mudar e fazer com que a educação também tenha um crescimento rápido e acelerado, como a economia esta tendo. Segundo as entrevistas que fizemos e as conversas que tivemos


com vários estudantes do EJA, pudemos encontrar vários denominadores comuns que nos permitem compreender a situação atual. Primeiramente, precisamos ter clara a ideia de que o educando dO EJA é um sujeito que não frequentou a escola ou teve acesso às práticas de escolarização no período que seria desejado, no que diz respeito à idade. Diversas razões, que vão desde a necessidade de ingresso precoce no mundo do trabalho, até as dificuldades de acesso a uma escola, principalmente nas zonas rurais, fizeram com que este educando não frequentasse a escola. Isto significa dizer que nem sempre o afastamento da escolarização é uma decisão do educando, mas é originada em fatores externos à sua vontade. A maioria dos estudantes do EJA não fizeram o ensino fundamental quando crianças pela mesma razão: tiveram que trabalhar. Eles têm uma cultura “paralela” onde é possível pensar numa vida sem alfabetização. Isso não é uma ideia, é sua realidade. Quase todos os adultos que ingressam no EJA ainda não sabem ler e escrever, mas eles têm trabalho, família, filhos, netos e conseguiram viver uma vida dentro dessa cultura “paralela”. Os dados mais surpreendentes são esses que falam dos jovens. Conversar com adultos de 60 anos que não estudaram porque começaram trabalhar quando tinham 6, 7 ou 8 anos é muito comum, mas quando fizemos as entrevistas achamos as mesmas respostas em jovens de 20 ou 22 anos. A educação postergada por causa do trabalho é o argumento da maioria dos estudantes. A luta por alcançar analfabetismo zero também tem que ser compartilhada por outras áreas e secretarias, não é só responsabilidade da área de educação. Dessa forma, esse educando vivenciou uma parte de sua vida (podemos dizer que para muitos deles foi a maior parte da vida) em contato com a sociedade e com o mundo do trabalho, sem ter passado por experiências duradouras no âmbito educacional, o que levou esse sujeito a ter diversas aprendizagens por meio das suas vivências. Então, esse sujeito, quando retorna à escola, já chega com valores e crenças construídos no convívio social. Podemos dizer que eles trazem uma noção de mundo mais relacionada ao ver e ao fazer, uma visão de mundo apoiada numa adesão espontânea e imediata às coisas que


vê. Ao escolher o caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver desse aluno, deixando-o preparado para olhar. Aberto à aprendizagem, eles vêm para a sala de aula com um olhar que é, por um lado, um olhar receptivo, sensível, e, por outro, é um olhar ativo: olhar curioso, explorador, olhar que investiga, olhar que pensa. Uma marca dos educandos do Projeto EJA diz respeito às marcas da exclusão social. Geralmente, são pessoas de baixo poder aquisitivo, que possuem e consomem o básico para a sobrevivência, às quais é negado o acesso a atividades e espaços de lazer. Outra característica que eles carregam consigo é a baixa autoestima, muitas vezes reforçada por um histórico de fracassos escolares, o que provoca nesses educandos sentimentos de desvalorização e insegurança, o que compromete, muitas vezes, o enfretamento dos novos desafios que eles se propõem. A valorização dos saberes trazidos pelos educandos é o primeiro passo para atingir esse objetivo. O trabalho que os professores fazem para enfrentar esses desafios é muito importante. A relação que os educandos têm com eles é quase familiar. Para todos os educandos, as aulas não são só aulas, são muito mais. Fala uma estudante da turma de alfabetização da Escola Dom Orione: “A escola para mim é um refúgio. Fiquei mais experta, conheci meus direitos, que eu não conhecia, e tenho uma visão diferente. Antes olhava as coisas e não dava importância, ouvia os professores, mas não ligava. Na hora que eu comecei a estudar, tudo começo a mudar. Eu era uma pessoa difícil, brigona, eu não tinha cultura, sabe? Não tinha nada. Não era eu. Eu, a Maria de antes morreu, e outra Maria apareceu. Um abraço, um beijo, o carinho dos professores... o carinho que eu não tive de minha mãe, eu ganhei aqui. Os que as professoras fizeram por mim, não vou esquecer jamais, não tem como”. O município de Belo Horizonte, ao assumir a educação de jovens e adultos, integrando-a ao sistema regular de Ensino Fundamental, buscou superar o equívoco de priorizar a educação de crianças em detrimento da educação de adultos. A política de atendimento ao jovem e ao adulto adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte procura garantir o direito à educação a todos os cidadãos, com ações que possibilitam a inserção das pessoas jovens e adultas que não tiveram a oportunidade de vivenciar seu processo de alfabetização e/ou escolarização quando


crianças ou adolescentes. Atualmente, o Projeto oferece turmas em espaços diversificados, tais como: agências bancárias, parques municipais, shoppings populares, mercados, Centro de Referência de Saúde Mental (CERSAM), Hospital Dia, postos de saúde e asilos, bem como onde grupos populares já se reúnem (Associações Comunitárias, igrejas, centros comunitários, etc.). A partir dessa organização, são atendidos aproximadamente 3000 educandos, em 150 turmas, distribuídas nas nove regionais da cidade. Pelas razões mencionadas pelos estudantes, é importante que o Projeto EJA proponha um modelo educacional mais flexível para atender às especificidades de um público que dificilmente permanece na escola. Os objetivos principais do Projeto EJA são: •

assegurar o direito à educação escolar àqueles que, pelas mais diversas razões,

não tiveram oportunidade de frequentar ou concluir a educação básica; •

inserir jovens e adultos no processo de escolarização através da oferta do Ensino

Fundamental completo, numa perspectiva de educação ao longo da vida; •

intensificar a interação dos educandos em seus contextos sociais e culturais,

buscando construir conhecimentos e proporcionar o desenvolvimento pleno para que possam integrar-se ao mundo em que vivem, compreendê-lo e transformá-lo.

Dessa forma, reconhecemos que a educação, enquanto um direito humano fundamental, é a chave para o desenvolvimento sustentável, bem como é o instrumento necessário para garantir a paz, a convivência solidária e a participação nas sociedades. O Projeto EJA tem o compromisso de desenvolver uma proposta de trabalho que tenha o ser humano como centro do processo, dentro de uma lógica que garanta a participação de todos os sujeitos, respeitando, integralmente, direitos humanos, por ser esta a premissa que leva a um desenvolvimento justo e sustentável. Diz a Declaração de Hamburgo, na V CONFINTEA – Conferêrncia Internacional sobre a Educação de Adultos –, ocorrida em julho de 1997: “A educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e disparidades econômicas. É


mais do que nunca, uma necessidade: é o direito de ler e de escrever; de questionar e de analisar; de ter acesso a recursos e de desenvolver e praticar habilidades e competências individuais e coletivas”. Mesmo com uma extensa bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo da vida, os educandos da EJA chegam às escolas ávidos por aprender e descobrir, e se encantam com os processos nos quais estão sendo inseridos. Essa positividade deve ser valorizada pelo educador, porque é através dela que se abrem as portas para o conhecimento científico. Depois das entrevistas feitas aos educandos, concluímos não só que o trabalho infantil é a principal causa da postergação da educação, mas também outra questão que é muito importante, e onde achamos que as secretarias vão ter que focalizar. Nenhum dos estudantes entrevistados falou que tinha vontade de continuar fazendo ensino médio. Tal vez por causa da sua situação e a exclusão social, os educandos acham que se eles conseguiram formar uma família, conseguir empregos, e viver no cotidiano sem fazer o ensino fundamental, já tendo o diploma de ensino fundamental as vidas deles vão ser melhores ainda. Mas ninguém pensa em fazer o ensino médio. Achamos que o desafio para as Secretarias e os municípios vai ser conseguir que a maior parte dos estudantes da EJA, pelo menos, tente fazer ensino médo, priorizando os estudantes mais novos.


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