Anais II Encontro sobre Gramática

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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática

Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira (Org.)

ISSN: 2316-9583





II Encontro sobre Gramática: teoria e prática Fortaleza, CE – 04, 05 e 06 de novembro de 2014 www.encontrogramatica.blogspot.com.br

Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira (Org.)

Departamento de Letras Estrangeiras

Fortaleza – CE



©Universidade Federal do Ceará Grupo de Estudo em Modalidade Deôntica - GEMD EXPEDIENTE Revisão geral Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira Revisão de texto Carlos Alberto de Souza Projeto editorial Grupo de Estudos em Modalidade Deôntica - GEMD Projeto gráfico e diagramação Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira Capa Marílio Salgado Nogueira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências Humanas

E46a

Encontro sobre gramática : teoria e prática (2. : 2014 : Fortaleza,CE). Anais do II Encontro sobre gramática: teoria e prática, Fortaleza, CE – 4 a 6 de novembro de 2014 / organizadoras, Maria Fabíola Vasconcelos Lopes, Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos, Marílio Salgado Nogueira. – Fortaleza : s.n., 2014. 124 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Evento realizado pela Universidade Federal do Ceará. Grupo de Estudo em Modalidade Deôntica. ISSN 2316-9583 1.Língua portuguesa – Gramática – Estudo e ensino. 2.Análise linguística. 3.Linguística aplicada. I. Lopes, Maria Fabíola Vasconcelos. II. Vasconcellos, Maria Manolisa Nogueira. III. Nogueira, Marílio Salgado. IV.Título. CDD 469.5


Comissão Organizadora

Coordenação Geral Profa. Dra. Maria Fabíola Vasconcelos Lopes - UFC Profa. Ms. Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos – UFC Prof. Ms. Marílio Salgado Nogueira - SEDUC

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Equipe de Apoio Clarisse Magno da Silva Silmara de Sousa Gomes Samira Silva de Souza

Créditos Prof. Dr. Carlos Alberto de Souza - Revisão Textual do Blog Prof. Ms. Marílio Salgado Nogueira - Criação do Blog e Editoração Antônio José Azevedo - Servidor Técnico - Administrativo (DLE/UFC)


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Centro de Humanidades Diretora do Centro: Profa. Vládia Maria Cabral Borges Vice-Diretor: Prof. Cássio Adriano Braz de Aquino

Departamento de Letras Estrangeira Chefe do Departamento: Cícero Anastácio Araújo de Miranda


OBS: Todos os resumos deste livro foram elaborados por seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à comissão organizadora do evento.




SUMÁRIO

Apresentação

A alternância das formas pronominais te e lhe em cartas pessoais do Ceará .......................

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Francisco Jardes Nobre de ARAÚJO/Hebe Macedo de CARVALHO

A formação do futuro no português do Brasil: notas diacrônicas e sincrônicas ..................

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Paulo Sérgio de PROENÇA

A articulação teoria e prática no minicurso “A ludicidade no ensino de Língua Portuguesa”: a gramática em foco ............................................................................................ 36 Delma Pachecho SICHU

Advérbios: descrição e análise de suas concepções nas gramáticas de Evanildo Bechara, Celso Cunha, Manoel P. Ribeiro e Rocha Lima ...................................................................... 42 Vanessa Teixeira de OLIVEIRA

A alternância de nós/a gente na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental ………………………………………………………………………………… 53 Ana Paula Martins ALVES/Giselli FREITAS/Maria Vanderlúcia Sousa TABOSA

A Gramática de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) com experiência visual entre surdos e ouvintes: discutindo verdades e mitos ....................................................................... 63 Marcus Weydson PINHEIRO

A gramática nos textos didático-pedagógicos, em especial o livro didático ..........................

70

Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva

Funcionalismo, Dr. House e a Gramática no Ensino de Língua Inglesa ...............................

79

Larisse Carvalho de OLIVEIRA

Gramática Fonológica Funcional: o gesto como unidade básica ........................................... Ronaldo Lima JÚNIOR

88

Gramáticas em Língua Inglesa: formalistas ou funcionalista? ..............................................

99

Larisse Carvalho de OLIVEIRA

Intertextualidade e gramaticalidade no gênero textual tirinha: um estudo de caso ............ Ariadna Rodrigues Probo AMARA/Elizandra Dias Brandão CLÍMACO

109


Língua Portuguesa no ensino superior .....................................................................................

116

Raquel Figueiredo BARRETO

O conector sem e a expressão de modo em orações adverbiais reduzidas de infinitivo .......

124

Marta Anaísa Bezerra RAMOS/Camilo Rosa SILVA

O ensino de gramática através da leitura de textos .................................................................

133

Francineide dos Anjos TEIXEIRA

O ensino de língua portuguesa: algumas estratégias ............................................................... 142 Maria Celeste de Souza CARDOSO

O ensino gramatical das gramáticas de língua portuguesa: razões para seu insucesso ....... 152 Paulo Mosânio Teixeira DUARTE

O Estudo dos Pronomes na Perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo: Experiência Didática no Estágio de Língua Portuguesa .............................................................................. Victor Flávio Sampaio CALABRIA/Eulália Vera Lúcia Fraga LEURQUIN

162

O predicado nominal em análise ...............................................................................................

171

Tatiana Schwochow PIMPÃO

Os elementos linguístico-discursivos na constituição da coesão nominal em produções escritas em PLE .......................................................................................................................... 180 Eulália Vera Lúcia Fraga LEURQUIN/Meire Celedônio da SILVA

Práticas e Contexto do ensino da Língua Portuguesa em Roraima ...............................

193

Luzineth Rodrigues MARTINS/Cristiani Dália de MELLO

Relação causal entre processamentos inferencial e referencial: problematização ...............

202

Maria Manolisa Nogueira VASCONCELLOS

Representações sobre o ensino de gramática e suas implicações para o agir do professor de língua materna em formação inicial .......................................................... Manoelito GURGEL

212

Teorias Linguísticas e suas Concepções de Gramática: alcances e limites ............................ 222 Francisco Elton Martins de SOUZA/Mônica de Souza SERAFIM Texto e gramática: porque não há você sem mim ................................................................................. Maria Claudete LIMA

231

Um tratamento reflexivo da gramática: estudo da interjeição através de Histórias em Quadrinhos .................................................................................................................................. 240 Ana Maria Pereira LIMA/Antonio Lailton Moraes DUARTE


APRESENTAÇÃO

O Grupo de Estudos em Modalidade Deôntica, vinculado ao Departamento de Letras Estrangeiras, e o Programa de Pós-Graduação em Linguística do Departamento de Letras Vernáculas, ambos do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará, têm a satisfação de apresentar os anais do II Encontro sobre gramática: teoria e prática, evento realizado em Fortaleza, nos dias 4 – 6 de novembro de 2014. Com o respaldo das ciências da linguagem, estes anais alimentam o debate público sobre a questão da gramática e de seu ensino a partir de diferentes perspectivas: estruturalista, gerativa, funcionalista, etc. Tais perspectivas, a nosso ver, já não suportam mais as fronteiras que lhes têm sido impostas pelo seu próprio corpo de teorias, devendo, portanto, buscar instaurar relações de interface à revelia de qualquer limite formal que venha a se impor. E é exatamente nessa interface que nosso evento e, consequentemente, estes anais se colocam: no diálogo entre as várias vertentes linguísticas para análise do mesmo fenômeno. Assim, os artigos aqui publicados, 25 no total, representam visões convergentes e divergentes de tema ainda bastante polêmico nos dias atuais: a gramática. Este material é dedicado aos pesquisadores da área, professores de português, LIBRAS, línguas estrangeiras (modernas e clássicas), ao público em geral, enfim, a qualquer pessoa que se preocupe ou se inquiete com questões de gramática e de seu ensino na escola. Por fim, queremos expressar nossos sinceros agradecimentos a todos que colaboraram de forma direta ou indireta para a realização do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática e para a concretização destes anais que entendemos ser uma contribuição efetiva no sentido de instituir diálogos possíveis entre estudiosos e interessados, mesmo que de filiações acadêmicas diversas.

Profa. Dra. Maria Fabiola Vasconcelos Lopes. Profa. Ms. Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos. Coordenadoras.

Por Maria Fabiola Vasconcelos Lopes Coordenadora Geral



Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583

A ALTERNÂNCIA DAS FORMAS PRONOMINAIS TE E LHE EM CARTAS PESSOAIS DO CEARÁ1 Francisco Jardes Nobre de Araújo 2 Hebe Macedo de Carvalho3 Resumo: Este estudo tem como objetivo analisar a alternância dos pronomes te e lhe com referência a 2ª PESS SING em uso, nas cartas pessoais escritas no Ceará, durante o século XX, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972,1994). A amostra a ser analisada é composta por 186 cartas pessoais. Busca-se investigar a atuação dos grupos de fatores linguísticos tempo verbal e posição do pronome em relação ao verbo e da variável social sexo/gênero na alternância das formas. Em seguida, são apresentados os resultados dessa alternância por remetentes das cartas, com o objetivo de refinar a análise e descrever a distribuição dessas formas por autor. Os dados analisados foram submetidos ao programa computacional GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) e indicam que a alternância te e lhe apresenta percentuais de uso bastante equilibrados quando se considera a análise do conjunto das cartas. Já na análise por remetente, os resultados demonstram que há autores que só usaram a forma te, autores que só usaram a forma lhe e autores que fazem a alternância te/lhe em sua escrita. Palavras-chave: Variação pronominal. Pronomes te/lhe. Cartas pessoais. Sociolinguística Variacionista.

1 INTRODUÇÃO Este estudo tem como foco a variação linguística das formas pronominais te/lhe com referência à 2ª pessoa do discurso. Os dados analisados foram coletados de cartas pessoais escritas por cearenses de 1940 a 2000. A coleta das cartas deu-se em Quixadá, a 167 km da capital Fortaleza. A amostra é composta por 186, sendo 94 cartas escritas por homens e 92 escritas por mulheres. Para a análise estatística dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), ferramenta computacional para análise de fenômenos linguísticos variáveis. Os resultados fornecidos pelo GoldVarb X serão apresentados na seção de análise dos dados em que constam a discussão e a interpretação dos dados com base em tabelas, figuras e ilustrados com trechos de cartas da amostra. O artigo traz, portanto, uma descrição e reflexão no que se refere ao estudo em tela.

1

Este texto é baseado nas seções 5.2, 5.3, 5.4.1 e 5.4.2 da dissertação intitulada “A variação ‘te’/‘lhe’ em cartas pessoais de cearenses no século XX, de Francisco Jardes Nobre de Araújo, orientada pela Profa Dra Hebe Macedo de Carvalho.

2

Mestre em Linguística – Universidade Federal do Ceará; integrante do Grupo de Pesquisas em Sociolinguística (SOCIOLIN-CE/UFC); Professor de Língua Portuguesa na Escola de Ensino Médio Coronel Virgílio Távora, na cidade de Quixadá, CE.

3

Doutora em Linguística – Universidade Federal do Ceará; Professora do Departamento de Letras Vernáculas/UFC e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL-UFC); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Sociolinguística (SOCIOLIN-CE).

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2 A VARIAÇÃO DAS FORMAS PRONOMINAIS TE E LHE Conforme LYONS (2011, p. 235), na maioria das línguas naturais, existe uma distinção entre o que se chama convencionalmente de pronomes de tratamento polidos (formas V – de vos, em latim) e pronomes de tratamento familiares (formas T – de tu, em latim) para se referir ao interlocutor (2ª PESS SING). Brown e Gilman (1960) observam que o uso dessas formas de tratamento norteia-se por dois princípios, o de “poder” e de “solidariedade”. Duarte (1993) afirma que a competição das formas tu (forma T) e você (forma V) no português brasileiro (doravante PB) acentuou-se no início do século XX, o que pode ter ocasionado a variação entre as formas oblíquas de tu e você. As formas V (você, o/a, lhe, se, si, seu), que continham os valores comunicativos de polidez e de formalidade, passaram também a ser usadas como forma T, ao lado de tu, te, ti e teu, ocasionando a competição dessas variantes entre si. Rumeu (2013), que estudou o pronome você em cartas de uma família carioca escritas em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, também afirma que você passou a ser mais produtivo nos anos 30. A variação entre as formas te e lhe constitui uma das variações pronominais mais recorrentes no português falado no Brasil, em diversas regiões do país. Bagno (2012, p. 230), reconhece a forma lhe, como índice de 2ª pessoa na fala culta do PB, como um recurso legítimo e ressalta que a alternância das variantes te e lhe apresenta variação regional: o pronome te predomina em São Paulo e em grande parte de Minas Gerais (RAMOS, 1997; MOTA, 2008), onde tu caiu em desuso. Já o pronome lhe é muito frequente no Nordeste, especificamente nos estados do Ceará, onde se ouve mais tu do que você (SOARES, 1980), e da Bahia (ALMEIDA, 2009). A forma lhe, do latim illi, dativo da 3ª PESS SING, a que as gramáticas tradicionais atribuem a função de objeto indireto com referência a pessoas, tem sido usada na língua também na função de objeto direto, como observam Boléo (1943), Nascentes (2003) e Monteiro (1994), por exemplo. Uma vez que lhe, originalmente de 3ª PESS, passou a ser usado como dêiticos para indicar a 2ª PESS, registra-se a variação desse pronome com te, o que pode ser verificado em (1), trecho de uma carta de amigos escrita em 1973. O exemplo que segue foi retirado da amostra que compõe o banco de dados deste estudo. (1) Você não imagina como lhe esperei na agência [...] Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse [C058-5.8.1974]4. Note-se, em (1), que tanto a forma lhe quanto a forma te assumem, na mesma carta, valor de 2ª PESSOA com função sintática de objeto direto. A seguir serão detalhados os procedimentos metodológicos adotados para a coleta, a codificação e, consequentemente, análise de dados. 3 ANÁLISE DOS DADOS Como já dissemos, os resultados a serem apresentados foram fornecidos pelo programa GoldVarb X que recebeu como input ocorrências dos pronomes em alternância te e lhe coletados de 186 cartas pessoais escritas por cearenses, durante o século XX. Ao todo, somaram-se 481 ocorrências das quais 51% (245 dados) foram de lhe e 49% (236 dados) de te. A alternância nas cartas é muito frequente e apresenta resultado bem equilibrado entre as duas formas em competição. 3.1 Sexo dos autores/remetentes das cartas 4

As informações entre colchetes remetem a enumeração das cartas da amostra que compreende C001 a C186, seguidas da data em que foram escritas.

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Das 186 cartas, 94 foram escritas por homens e 92 foram escritas por mulheres. A recorrência aos pronomes te e lhe com valor de 2ª PESS foi 55, 9% em cartas de homens e 44,1% em cartas de mulheres. Como se pode observar essa diferença não é significativa, isso talvez justifique a não seleção desse grupo de fatores. Os resultados estão na tabela a seguir. Tabela 1- Percentual de uso do lhe por sexo/gênero dos autores Sexo/Gênero Ocorr./Total % Homens 139/269 52 Mulheres 106/211 50 Total 245/480 51 No caso da variação aqui analisada, a diferença percentual no uso do pronome lhe por cartas de homens (51,7%) e por cartas de mulheres (50%) foi mínima, com percentual de diferença de apenas 1,7%. O exemplo, a seguir, é de uma carta familiar de autoria masculina, escrita na década de 40. A forma lhe foi mais recorrente do que o te. (2) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza da sua rezidência (...) Zeca passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida ministerial (...) O Juvito tem lhe escrito? (...) Zeca eu te envio esta minha fotografia, que terei quando estava no Pará; pesava 75 Kilos. (...) Iracema vai lhe escrever algumas cousas (...) todos nós lhe saudamos em nome do Senhor Jesus [C002-5.10.1940].

Já na carta familiar de autoria masculina da década 60, o uso de lhe é categórico. Segue o exemplo. (3) Hontem tive a honra, de receber a sua missiva de 25 do p. p. aqual com prazer respondo-lhe (...) o que houve foi falta de concideração, e de espírito cristão, em lhe julgarem (...) se a igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la (...) A sua querida irmã Ernestina lhe espera (...) para lhe dar um abraço, que amuitos anos deseja (...) e lhe oferecer uma feijoada. (...) Desculpe em ter lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966].

O mesmo se dá no trecho da carta, a seguir, escrita na década de 80, também de autoria masculina. (4) Quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero que esta carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil? (...) Será que no futuro também não posso lhe servir em alguma coisa? (...) Gostaria de lhe assegurar que sou candidato (...) e queria lhe pedir como irmão o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe serviu ao menos de favor? (...) Lembro novamente a você a sujestão que lhe faço [C162-30.6.1988].

Nas cartas de mulheres da amostra, a forma te ocorreu com mais frequência, como mostram trechos de duas cartas familiares, uma escrita na década de 40 (5) e outra na década de 70 (6). (5) Zéca a muito que te escrevo e não me respondes. (...) Esperamos a resposta desta, para poder te remeter uns retratos. (...) Os meus filhos te pedem a bençam. [C004-11.11.1943]. (6) Mais vou te explicar (...) queria já te escrever da Bahia (...) tem tanta coisa pra te contar (...) Ezequias pede que ao te escrever mandasse um abraço (...)

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Minhas cunhadas gostaram tanto da senhora e te acharam bonita (...) te mandam abraços [C088-9.10.1978].

Embora a diferença em termos percentuais do uso do lhe entre homens e mulheres não seja realmente significativa, como mostra a tabela 1, é possível afirmar que os homens usaram mais essa forma do que as mulheres, confirmando nossa hipótese inicial.

3.2 A alternância dos pronomes te e lhe por remetentes das cartas De posse dos resultados gerais em que o percentual da variação das formas te e lhe apresenta-se relativamente equilibrado nas cartas cearenses (51% de lhe e 49% de te), nosso objetivo nesta seção é investigar o uso dessas formas por remetentes das cartas. Interessa-nos analisar com detalhes até que ponto essa alternância/variação se mantém por remetente e saber qual a distribuição dessas formas na escrita desses autores. Assim, optamos por levantar os dados a partir de cada autor/remetente. Ressalte-se que a amostra para efeito deste estudo é composta por 186 cartas, sendo 86 remetentes (39 homens e 47 mulheres), conforme a tabela abaixo. Tabela 2 – Número de remetentes e a relação de cartas da amostra vs. sexo Sexo/Gênero N° de remetentes N° de cartas Masculino 39 94 Feminino 47 92 Total 86 186 De posse da tabela é possível dizer que 39 remetentes homens escreveram 94 cartas e 47 remetentes mulheres escreveram 92 cartas, distribuídas pelas décadas sob controle. Não foi possível compor células ortogonais entre o número de remetentes e a quantidade de cartas escritas por período. Em média, temos 2 cartas por remetente em cada período, contudo há casos de autores/remetentes que só escreveram uma única. A tabela a seguir apresenta resultados do número de ocorrências categorizado por remetentes que usaram apenas a forma te, remetentes que alternaram as formas te e lhe em suas cartas e remetentes que usaram apenas a forma lhe. Os resultados confirmam que a amostra não é homogênea e a análise por autor das cartas pode nos fornecer uma descrição mais detalhada e confiável do fenômeno nesses documentos escritos no Ceará. Tabela 3 - Uso dos pronomes te e lhe década vs. remetente Décadas Apenas TE Alternância Apenas LHE TE/LHE I - 40-50 5 4 9 II - 60-70 8 8 21 III- 80-90 8 6 17 21 18 47 Total

Total de remetentes 18 37 31 86

Dos números apresentados, constata-se que 68 remetentes se mostraram categóricos (21 usaram apenas te e 47 apenas lhe) no uso desses pronomes. Note-se também a diferença entre esses números: há muito mais remetentes categóricos no uso do lhe, confirmando o resultado geral que apresenta 51% das cartas com a presença dessa forma, bem como pode ser um indício da preferência desse pronome na região nordeste, especificamente no Ceará. A alternância foi usada

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por apenas 18 remetentes, número inferior ao conjunto de remetentes que fizeram usos categóricos. Considerando o controle das cartas por décadas, realizamos o cruzamento das formas por remetente e por década em que as cartas foram escritas. Na tabela seguinte, é possível conferir a quantidade de remetente que usou categoricamente as formas te e lhe e que alternaram essas formas pronominais nas décadas 40-50, 60-70 e 80-90. A análise por remetentes e por décadas mostra, com detalhes, que a forma lhe foi a preferida dos autores das cartas cearenses nas décadas I (9 remetentes), II (21 remetentes) e III (17 remetentes), ou seja, 47 do total de 86 autores usaram categoricamente o clítico lhe. A alternância foi usada por apenas 18 remetentes, demonstrando que esses autores adotam um comportamento extremamente condizente com os preceitos da gramática normativa, evitando a “mistura de pronomes”. Seguem, na tabela seguinte, os resultados do uso de apenas lhe nas cartas em termos percentuais. Tabela 4 – Resultados em percentual de autores que usaram apenas lhe Décadas Autores/Total % I- 1940-50 9/18 50 II - 1960-70 21/37 57 III- 1980-90 17/31 54,8 47/86 54,7 Total Do total de 86 remetentes, 54,7% usaram apenas lhe em suas cartas. Segue o gráfico com os percentuais da tabela supracitada e com os percentuais do lhe no conjunto das 186 cartas da amostra vs. as décadas. Dos 86 remetentes, merece destaque a autor das cartas C114 e C162 que mais usou lhe sem alternar com o te. Os trechos de suas duas cartas ilustram esse uso. (7) Eu mandei lhe chamar exatamente para acerta esse negócio [C11411.10.1980] (8) Com estas poucas linhas quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero que esta carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil? Será que no futuro também não posso lhe servir em alguma coisa? Gostaria de lhe assegurar que sou candidato (...) e queria lhe pedir como irmão, o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante. (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe serviu ao menos de favor? (...) Lembre-se da sujestão que lhe faço no início desta carta (...) [C16230.6.1988]

Note que o remetente usa lhe indiscriminadamente como OD (“mandei lhe chamar”), como OI (“quero lhe falar”) e como CN (“não lhe fui útil?”). Dentre os que fizeram uso de apenas te, destacamos o autor das cartas C093 e C105, cujos trechos transcrevemos abaixo: (9) Deus te dê felicidade (...) que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto (...) Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia quando colega de aula. [C093-7.5.1979] (10) mamãe e todos te envia um feliz natal (...) Francisco o que posso dizer-te, e que Deus ilumine teus passos (...) também te envio uma pequena lembrança (...) tudo que posso dizer-te, o que representa pra mim, é como fosse um irmão (...) já mais esquecerei te prometo, que sempre seremos amigos fieis. [C105-25.12.1979]

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Tais ocorrências, porém, não trazem nada de inovador quanto ao uso de te, pois, não é uma só forma usada tanto para o ACUS quanto para o DAT, mas dois homônimos de étimos diferentes: quando o remetente escreveu “te conserve”, usou o te derivado do acusativo latino tē; quando escreveu “te dê”, “te envia”, “dizer-te” e “te prometo”, usou o te derivado do dativo latino tibi. Como já foi dito, a variação te/lhe foi usada por 18 autores do total de 86. Seguem alguns exemplos dessa alternância nas cartas C171 e C174, da mesma remetente em que o te predomina: (11) eu queria poder está aí e até ser uma pessoa em que pudesse fazer você esquecer quem tanto te magoou (...) O que eu puder fazer para ti ajudar eu estou aqui (...) um dia você irá encontrar alguém que realmente te ama (...) quero lhe mostrar que não devemos nos desesperar (...) estou aqui para te ajudar (...) Te Adoro meu amigo [C171-28.8.1992] (12) Espero que esteje bem, que Deus lhe acompanhe (...) Não lhe escrevi antes pois estou um pouco ocupada (...) pois como lhe falei, não temos uma pessoa para investir. Preciso saber + ou – a data que você está aqui, preciso lhe vê (...) queria lhe pedir se possível mandasse para mim duas letras de música (...) te agradeço por tudo (...) te adoro [C174-9.12.1992]

A situação oposta, ou seja, lhe predominando na variação individual, pode ser verificada nos trechos das seguintes cartas do mesmo remetente: (13) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver que não vinhas. (...) Quero que desculpes o que escrevi naquele enderêço ou melhor naquele papel que lhe entreguei. (...) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse (...) como é que eu sendo esquecida não consigo te esquecer. (...) não sei se era de tristeza ou se era vontade de te ver, mas quando te vi percebi que não era tristeza. (...) Não destrua o enderêço que lhe dei, você irá precisar dele, quando eu voltar para o enderêço que lhe dei avizarei (...) Peço-lhe inúmeras desculpas se com a chegada desta você fique aborrecido (...) peço-lhe por tudo que você mais preza não deixe de me escrever. (...) Francisco já que vou custar a ver-lhe isto é só vou ver-lhe em dezembro. [C058-5.8.1974] (14) Eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) Quanto a escolha que você me fala pensarei bem e depois mandarei lhe dizer ok? (...) Na próxima carta mandarei lhe dizer uma coisa muito importante (...) Mais um grande beijo daquela que não te esquece e que te admira. [C0599.8.1974]

A análise por remetente nos permitiu comprovar que a amostra de fato não é homogênea: há escribas em que o uso de uma determinada variante parece ser categórico, predominando em uns a forma lhe, em outros te. Além disso, há remetentes que oscilam entre as variantes te/lhe, também ora predominando a escolha por lhe em uns e a escolha por te em outros. A análise da variação “só do todo” pode mascarar as diferenças e não fornecer detalhes acerca do fenômeno em variação ou mudança. Como mostram Menon, Loregian-Penkal e Fagundes (2013), a análise da variação no indivíduo deixa claro que se pode considerar o todo, porém sem se esquecer das partes fundamentais que o compõem e permite verificar se a ortogonalidade que a rodada geral apresenta também existe na amostra individualizada. Ao se considerar o indivíduo, no nosso caso, os remetentes, obtemos uma descrição mais confiável para dar conta do comportamento da variável em estudo. Vimos que variação do fenômeno em tela coocorre com usos categóricos e mostrou

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que a forma lhe foi a mais frequente com persistência da função de 3ª pessoa do singular na escrita das cartas cearenses.

CONCLUSÃO A análise leva-nos a concluir que, na amostra de cartas pessoais cearenses, a forma lhe (51%) apresenta competição acirrada com a forma te (49%). Dos 86 remetentes das cartas, 54,6% empregaram o pronome lhe de forma categórica e apenas 20,9% o empregaram em variação com te. Outro dado interessante foi constatar que a amostra não é homogênea: os escribas das cartas tendem a manter o uso do pronome em suas cartas, ou usam apenas te ou apenas lhe. Do total de 86 escribas, somente 18 realizam a alternância te/lhe em suas missivas. Observa-se que os autores são conservadores em sua escrita e procuram seguir as normas prescritivas da gramática, evitando a “mistura de pronomes” tão condenada pelos gramáticos tradicionais da língua portuguesa.

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A FORMAÇÃO DO FUTURO NO PORTUGUÊS DO BRASIL: NOTAS DIACRÔNICAS E SINCRÔNICAS Paulo Sérgio de Proença (Unilab, Campus dos Malês-BA) Resumo: Aborda-se a formação do futuro (no caso do português brasileiro), em perspectiva diacrônica. O futuro é descrito como um tempo verbal pelas gramáticas. Não seria ele um aspecto verbal, mais do que tempo? O objetivo é verificar a forma com que o sistema da língua, em momentos históricos diferentes, se organiza para expressar a noção de futuro no sistema verbal. O quadro teórico tem amparo em princípios filológicos, com adoção do procedimento metodológico de comparação entre formas de realização do futuro desde o latim clássico até a atualidade, aí incluídas algumas línguas irmãs da família românica. A investigação propõe que a formação do futuro em português incorpora elementos exteriores à gramatica, como a sinuosa relação psicológica com o futuro; a percepção do passado, que atesta o já vivido (pelo próprio usuário ou por outros sujeitos), e do presente (em processo) difere de nossas relações com o futuro, porque ainda não existe, a não ser como projeção volitiva. Os tempos do futuro do latim clássico foram abandonados pelo latim vulgar, passaram por simplificação e ajustes e foram adotados pelas línguas latinas vernáculas. Esses ajustes consistiram na criação de novas formas verbais, em sua maioria perifráristcas, com adoção de um auxiliar, no presente (para o futuro simples do indicativo). Esse fenômeno indica que possivelmente o futuro não é um tempo verbal, mas um modo que sugere e conserva as incertezas humanas quanto ao futuro, que não nos pertence; e, enfim, que essa noção é retratada como um desejo presente de que (se houver futuro) a ação se realize. Daí que deve ser percebido mais como modo do que como tempo verbal. Palavras-chave: formação do futuro, sincronia, modo verbal

1 INTRODUÇÃO

O estudo da realização do futuro no latim clássico, no latim vulgar e nas línguas românicas oferece elementos importantes sobre relações entre linguagem e psiquismo, que normalmente se perdem nas exposições das gramáticas tradicionais e nas aulas de língua, que enfatizam somente a perspectiva sincrônica. Certos fenômenos não podem ser explicados apenas por fatores intralinguísticos: é o caso do futuro, que sofre interveniências da exposição ao imponderável do porvir. Isso se reflete em arranjos linguísticos apropriados, como se pretende demonstrar, em que, na formação do futuro, perífrases com o auxiliar no presente aproximam o evento futuro do momento da enunciação. Para isso, serão expostas as formas do futuro no latim clássico, latim vulgar, línguas românicas e no português falado hoje no Brasil em particular, com observações sobre a formação atual desse aspecto-tempo.

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2 MODO, VOZ E APECTO

O modo e a voz devem ser definidos a partir da interferência do sujeito no processo verbal; o aspecto, de natureza intraverbal, diz respeito à qualidade da ação. O modo é o tom especial que o falante imprime à ação: se temos tom de certeza, afirmação categórica, emprega-se o indicativo; se dúvida, incerteza ou potencialidade é que dão o tom, o verbo vai para o subjuntivo; se queremos dar uma ordem, usamos o imperativo. A voz deve ser entendida a partir da interferência do falante em relação à execução e à recepção da ação verbal: voz ativa, se o sujeito é o agente; voz passiva, se sobre o sujeito recai a ação; voz reflexiva, se o sujeito é simultaneamente agente e receptor da ação voz reciproca, quando há dois ou mais agentes que são simultaneamente sujeito e objeto: a ação parte do sujeito, transita para o objeto que, reciprocamente a devolve, tornando-a uma espécie de combinação da voz ativa e passiva aliadas à ideia de simultaneidade. O aspecto, por sua vez, é intrínseco à ação verbal; interessa a ação em si no que diz respeito à qualidade: durativa, resultativa, pontual etc.; o aspecto não é subordinado à categoria de tempo, que é exterior à ação. Bagno (2011, p. 547) assim define a noção de aspecto: “nos informa como o falante vê a situação, o estado de coisas do enunciado [...] como um evento unitário e concluído [...] ou como um evento em processo e inconcluso” (grifos do autor).

3 O FUTURO: TEMPO OU MODO?

As gramáticas classificam o futuro como tempo verbal. Aparentemente lógica, essa classificação não leva em conta diferenças sutis entre tempo cronológico e tempo verbal, que é “categoria dêitica, uma vez que indica o momento da situação relativamente à situação de enunciação” (TRAVAGLIA, 1985, p. 52). Já o tempo entendido como sucessão cronológica é elemento fundamental para a natureza humana: denuncia, implacavelmente, a finitude de nossa natureza e a falibilidade dos projetos humanos. E essa característica marcante é transposta para mecanismos linguísticos5. O passado e o presente podem ser apreendidos como fatos já realizados ou em realização; o futuro, por sua vez, não pode ser senão uma espécie de projeção, pois se refere a fatos ainda por 5

Fiorin (1996), a partir de princípios de semiótica discursiva, faz estudo sobre a utilização de tempos e modos; o uso deles em dissonância com o previsto na respectiva formação e função tem efeitos próprios de sentido.

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se realizar. E, como a realização desses fatos futuros é relativamente incerta, emprega-se o futuro como volição e desejo; é aí que reside a categoria de modo do futuro que “[...] não exprime uma realidade [...] e sim uma possibilidade. Ora, as coisas possíveis têm raízes subjetivas. São havidas por desejáveis, necessárias ou mesmo inevitáveis; mas não como certas. Uma vez que o futuro passa pela subjetividade do sujeito falante, adquire caráter modal” (ELIA, 1979, p. 236). Com isso concorda Matoso Câmara ao afirmar que “[...] a noção de futuro está intimamente associada à dúvida, ao desejo, à imposição da vontade e funciona a rigor na categoria de modo" (CÂMARA JR., 1985, p. 128). Ernesto Faria (1958) abona a tese de que o futuro deve ser considerado mais como aspecto do que como tempo, por vincular-se ao subjuntivo: O futuro latino, quanto à sua origem, prende-se ao subjuntivo indo-europeu, modo que, exprimindo o desejo ou a intenção de fazer alguma coisa, se prestava facilmente a traduzir a ideia de futuro. Aliás, é o futuro uma forma verbal de emprego tardio nas línguas indo-europeias. Assim, é de se notar que as línguas mais antigas, ou mais antigamente atestadas do domínio indoeuropeu, ou não o empregam em seus primeiros textos, ou o empregam muito parcamente (FARIA, 1958, p. 233). A noção de tempo verbal é secundária no indo-europeu, prevalecendo a categoria de aspecto.

4 O FUTURO NO LATIM CLÁSSICO

Na conjugação latina o futuro era um tanto assistemático; os verbos da lª e 2ª conjugações formavam-no com a desinência "-b-": amabo; amabis, habebo; habebis; os da 3ª e 4ª apresentavam, como desinência, “-a-” para a lª pessoa e “-e-” para as demais: legam, leges; audiam; audies. Mesmo na estruturação lógica da conjugação latina baseada na diferenciação aspectual infectum/ perfectum, a formação do futuro provinha de “formas volitivas, como as de flexão em b- [...] ou de formas de subjuntivo” (CÂMARA JR., 1985, p. 128). Essa noção se perdeu, ainda segundo Mattoso Câmara, como consequência da rigidez da disciplina gramatical. Segundo Vidos (1963, p. 191), há futuro perifrástico no latim clássico: “em Cícero, Séneca o retórico, Lucrécio, etc., para indicar a possibilidade ou a necessidade; depois de Tertuliano se faz cada vez mais frequente, e assim, entre os Pais da Igreja, a partir do século V tem a significação de futuro e vive como tal na maior parte das línguas romances”. Abaixo, o futuro no latim clássico:

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1ª. Conjugação lauda-b-o lauda-b-is lauda-b-it lauda-b-imus lauda-b-itis lauda-b-unt laudau-ero laudau-eris laudau-erit laudau-erimus laudau-eritis laudau-erint

Futuro Imperfeito

Futuro Perfeito

2ª. Conjugação vide-b-o vide-b-is vide-b-it vide-b-imus vide-b-itis vide-b-unt vid-ero vid-eris vid-erit vid-erimus vid-eritis vid-erint

3ª. Conjugação Leg-a-m Leg-es Leg-et Leg-emus Leg-etis Leg-ent leg-ero leg-eris leg-erit leg-erimus leg-leg-eritis leg-erint

4ª. Conjugação audi-a-m audi-es audi-et audi-emus audi-etis audi-ent audiu-ero audiu-eris audiu-erit audiu-erimus audiu-eritis audiu-erint

5 O FUTURO NO LATIM VULGAR

A característica principal do latim vulgar foi sistemática simplificação (CÂMARA JR., 1985, p. 131). Com relação aos tempos do futuro, houve necessidade de reelaboração, tendo em vista algumas dificuldades, sobretudo de natureza fonética:  na 3ª e 4ª conjugações, a lª pessoa do singular era idêntica ao subjuntivo: legam/ audiam;  o

“e” passou a “i”; confundiram-se, assim, formas do presente e do futuro:

leges/legis;  o “-b-” passa a “-v-”; com isso, as formas do futuro passaram a se confundir com as do imperfeito indicativo: amabit/ amavit; Deve-se acrescentar a isso o fato de que o futuro não era usado, a não ser na língua literária; o falante popular, portanto, diante dessas complicações, vai inevitavelmente se servir de outras maneiras para a expressão do futuro. Essas inovações são as perífrases verbais com carga potencial e volitiva, constituídas do infinitivo do verbo principal mais os auxiliares habeo, volo, debeo. Mais frequentemente, empregava-se habeo, que acabou se fixando na maioria das línguas românicas. Poderia ele ser colocado antes ou depois do infinitivo, até que se firmou a posposição; daí a formação atual do futuro em português, espanhol, catalão, italiano, francês, provençal. Durante muito tempo houve consciência da composição, pois se costumava intercalar pronomes, quando era o caso; a preposição “de” também se interpunha em caso de anteposição do auxiliar, para dar o sentido de dever: “hei de vencer”.

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O português conserva vestígios na colocação mesoclítica dos pronomes. As gramáticas ensinam que a mesóclise só pode ser admitida com o emprego do futuro. Por quê? É fácil entender. A diacronia está ai para ajudar e não para complicar; pode oferecer, em sala de aula, oportunidade até para considerações a respeito da formação do futuro, despertando nos alunos interesse para descobrir a razão das coisas e os fundamentos históricos da língua. O uso frequente da perífrase com o auxiliar posposto culminou na aglutinação dos dois vocábulos e a perda paulatina da noção de composição; as formas do auxiliar habeo foram reduzidas com a síncope do “-b-” intervocálico e a redução (vocalismo) das vogais em contato: habeo/ abeo/ aveo/ aeo/ aio/ ai/ ei; habebam/ habeba/ abeba/ aveva / avea / aea/ ea/ ia.

6 O FUTURO NAS LÍNGUAS ROMÂNICAS

6.1 Espanhol Futuro imperfecto amar-é amar-ás amar-á amar-emos amar-éis amar-án

Modo potencial amar-ía amar-ías amar-ía amar-íamos amar-íais amar-ían

Observações:  a nomenclatura espanhola é mais adequada a noções gramaticais, por remeter ao conceito de aspecto: futuro perfecto; futuro imperfecto; modo potencial;  em espanhol os infinitivos em “-ér” ou “-ir” perdem as vogais em futuros de formação antiga: habria.

6.2 Francês e Provençal Francês Futuro chanter-ai chanter-as chanter-a chanter-ons chanter-ez chanter-ont

Condicional chanter-ais chanter-ais chanter-ait chanter-ions chanter-iez chanteraient

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Provençal Futuro cantar-ai cantar -as cantar -a cantar -em cantar -etz cantar -an

Condicional cantar-ía cantar -ías cantar -ía cantar -íam cantar -íatz cantar -ían


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Pode-se observar que a composição é análoga às demais línguas românicas, com o emprego do auxilia habeo.

6.3 Italiano Futuro

Condiciona l

canter-ó canter-ai canter-á canter-emo canter-ete canter-anno

canter-ei canter -este canter -ebbe canter emmo canter -este canterebbero

Observações:  a formação do futuro á análoga às demais línguas românicas;  o condicional é formado com o perfeito de avére, flexão própria da Toscana, embora haja ocorrências de formação com o imperfeito do indicativo em certas regiões do norte da Itália;  possivelmente canterei seja produto de cantare *hebui/ canterebbi (forma dialetal); acham outros que aqui há analogia com o perfeito do indicativo.

6.4 Futuro em Romeno comparado com o latim vulgar Latim vulgar voleo cantare velis cantare volet cantare volemus cantare voletis cantare volunt cantare

Romeno voi cîntá vei cîntá va cîntá vom cîntá veti cîntá vor cîntá

Observações:  o auxiliar empregado é volere;  não há aglutinação;

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 na língua falada não se pronuncia o “v” inicial.

6.5. O condicional romeno, com e sem anteposição: Romeno: Condicional Romeno: Condicional com anteposição com posposição as cîntá cîntare – as ai cîntá cîntare – ai ar cîntá cîntare – ar am cîntá cîntare – am ati cîntá cîntare – ati ar cintá cîntare – ar Observações:  pode haver anteposição ou posposição (muito pouco usada) do auxiliar; no segundo caso, emprega-se o infinitivo pleno, que tem valor de substantivo;  não se sabe ao certo se as formas do verbo auxiliar são do imperfeito de volere (auxiliar do futuro do presente) ou do subjuntivo de habere;  não há aglutinação.

7 O FUTURO COMPOSTO

É uma dupla criação romana: é futuro e tempo composto. O que o distingue do futuro simples é a noção aspectual, nem sempre bem percebida por alunos (e professores). Pertence ao perfectum; assim, designa ação totalmente realizada no futuro, empregado sempre em relação a outra ação futura. É realizado preferencialmente com o auxiliar ter que, inclusive, está substituindo haver no sentido de “existir”. Não é usado na língua falada.

Futuro do presente composto terei amado terás amado terá amado teremos amado tereis amado terão amado

Futuro do pretérito composto teria amado terias amado teria amado teríamos amado teríeis amado teriam amado

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8 O CONDICIONAL

Não havia propriamente em latim uma flexão verbal correspondente ao futuro do pretérito. Ele, na verdade, completa o sistema do infectum, fazendo referência ao passado (o futuro simples faz ao presente). Assim como é marcada a oposição presente/ pretérito, existe também entre o futuro do presente/ futuro do pretérito. É pouco utilizado na língua falada popular (o futuro do presente também não é), porque exige abstração e aplicação do raciocínio para fazer referência a um futuro em relação a um momento passado e anterior ao presente: “É preciso que o sujeito falante, reportando-se ao passado e continuando a situar-se no presente, considere, dessa posição por assim dizer ubíqua, o que ocorreu posteriormente ao momento do passado a que assim se reportou” (CÂMARA JR., 1985, p. 131). Na fala popular e familiar é normalmente substituído pelo imperfeito do indicativo, assim como o futuro é substituído pelo presente. Em português o condicional indica a irrealidade, que em latim era expresso pelo pretérito imperfeito do subjuntivo.

9 O FUTURO DO SUBJUNTIVO

O aspecto perfectum indicava, inicialmente, uma ação verbal concluída no passado, cujos efeitos se faziam sentir no momento da fala. Essa dupla noção foi se perdendo no tempo; o perfeito passou a significar, então, somente o aspecto acabado. Para recuperar o aspecto permansivo, algumas línguas românicas criaram um tempo composto: tenho cantado (português e espanhol, por exemplo). O perfeito, que era também o presente do aspecto perfeito, passou a ser um simples pretérito, em oposição ao imperfeito e, em consequência disso, o mais que perfeito passou a indicar uma ação verbal concluída antes de outra, no passado. Essa oposição existia também no modo subjuntivo, que não tinha futuro; isso é normal, visto ser ele o modo do potencial do duvidoso em relação à realidade do presente e do passado. No latim vulgar houve confusão entre aspecto perfeito e pretérito perfeito no subjuntivo; com isso, abandonou-se o imperfeito (cantarem) e adotou-se, como forma única, o mais que perfeito (cantauissem). 32


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Devido à convergência de formas (com diferença apenas na lª pessoa), o pretérito perfeito confundiu-se com o futuro anterior e se conservou em algumas regiões da România com valor de futuro do subjuntivo, figurando atualmente no espanhol, português, macedo-romeno e dialetos italianos. Abaixo, a comparação entre o futuro do subjuntivo no português e o pretérito perfeito do latim clássico e vulgar: Latim ama(ue)ro ama(ue)ris ama(ue)rit ama(ue)rimus ama(ue)ritis ama(ue)rint

Português amar amares amar amarmos amardes amarem

10 O FUTURO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ATUAL

A realização do futuro do português brasileiro passa por reformulação, em que se notam operações semelhantes: simplificação do sistema; não utilização, na língua falada, do padrão prescrito na gramática; construção por perífrase com utilização de auxiliar no presente do indicativo (para o futuro do presente): Futuro do presente Padrão escrito Padrão falado eu vou cantar vô cantá você vai cantar vai cantá ele vai cantar vai cantá nós vamos cantar vamu cantá vocês vão cantar vão (vai) cantá eles vão cantar vão (vai) cantá

Futuro do pretérito Padrão escrito Padrão falado eu cantaria eu ia cantá você cantaria você ia cantá ele cantaria ele ia cantá nós cantaríamos nós íamos (ia) cantá vocês cantariam vocês iam (ia) cantá eles cantariam eles iam (ia) cantá

Há elementos relativos à simplificação da conjugal verbal, mais gerais, que aqui não são abordados, como reorganização pronominal, simplificação da concordância, supressão de fonemas finais de algumas formas na modalidade falada, etc. Quanto ao futuro, especificamente, é interessante notar a recuperação do processo ocorrido no latim vulgar: perífrase constituída por verbo auxiliar (no presente) mais verbo principal no infinitivo; a diferença é que o auxiliar agora é outro: ir. Essa formação ocorre em outras línguas românicas (francês e espanhol, por exemplo) e, no caso do português brasileiro, ao que tudo indica, significa mais do que a ideia de futuro próximo, incidindo sobre o futuro como um todo. Também se observa aqui a influência psicológica de diminuir a distância entre um futuro (desconhecido) e o presente (conhecido). Com isso, o futuro passa a ser, de fato, uma projeção (para um futuro próximo ou distante) de uma

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vontade (presente); estamos, então, no campo da volição e das possibilidades. De fato, o futuro é mais modo do que tempo verbal. Uma última observação, sobre a classificação morfológica que as gramáticas apresentam, dos elementos componentes da forma futura, segmentados assim (futuro do presente: amarei, amarás, etc; futuro do pretérito: amaria, amarias, etc.): Radical

amamamam-

Vogal temática -a-a-a-a-

Desinência modotemporal -re-ra-ria-ria-

Desinência número-pessoal -i -s -s

Tempos a que se referem Futuro presente Futuro pretérito

do do

A partir disso, e em analogia com a descrição de outras formas verbais, a descrição sincrônica do sistema diz que a característica modo-temporal é marcada pelos elementos morfológicos “-re-” e “-ra-” (futuro do presente) e “-ria-” (futuro do pretérito). Sob o ponto de vista diacrônico, contudo, não procede a descrição, porque a composição se dá pela aglutinação do infinitivo do verbo principal mais o presente do indicativo do auxiliar habeo (para a composição do presente) ou o imperfeito do indicativo (para o futuro do pretérito): amar-(h)ei, amar-(h)ás; etc; amar-ia, amar-ias, etc. É possível que, futuramente, o verbo auxiliar ir, anteposto à forma infinitiva no português atual (vô cantá, vai cantá, etc.), se incorpore como elemento prefixal (vocantá, vaicantá, etc.), como ocorreu como o auxiliar habeo, que se tornou parte da desinência modo-temporal, incorporada à forma final.

11 CONCLUSÃO

Como foi visto e discutido, o futuro não e propriamente um tempo verbal; é um modo, devido à carga de eventualidade que encerra. No que se refere à formação e emprego do futuro, manifesta-se no latim vulgar e nas línguas românicas a tendência à simplificação do sistema verbal clássico. Com a perda das flexões que não se adaptaram às novas exigências de comunicação, houve necessidade de criação de novos elementos para suprir necessidades de pensamento, através de perífrases verbais, mais analíticas e precisas. Hoje o mecanismo de formação do futuro das línguas românicas se repete: não é usado, a não ser na língua escrita; é substituído pelo presente; quando usado, é expresso por perífrase com o verbo “ir” (o mesmo fenômeno ocorre em línguas românicas). Esse fenômeno de

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permanência indica especial relação de falantes com a língua; a expressão do tempo futuro se reveste de características linguísticas que dizem respeito a formas específicas de relação com a dimensão temporal. Deve-se registrar, ainda, a importância da diacronia para a simplificação do ensino e estudo dos fenômenos linguísticos; isso se justifica pelo fato de que a diacronia tem muito a contribuir, mostrando origem e evolução de fenômenos linguísticos. Querer recuperar a diacronia não significa rejeitar a sincronia, de importância decisiva; o que falta é a necessária vinculação do ensino/ aprendizado da língua, sobretudo a materna, à vida. A língua é a mediadora das interações humanas. Por isso mesmo, tem ela a cara dos seus usuários, que dela se servem, sempre a transformando segundo as necessidades.

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A ARTICULAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NO MINICURSO “ A LUDICIDADE NO ENSINO DE LÍGUA PORTUGUESA”: A GRAMÁTICA EM FOCO Delma Pachecho Sichu 6 Resumo: A presente proposta de trabalho tem como objetivo discutir sobre a importância de se articular teoria e prática no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da gramática. Entende-se que lançar mão de metodologias inovadoras no ensino da gramática torna o aprendizado e o uso desta, de fato significativo. O professor, nesse caso, tem um papel fundamental no sentido de encontrar mecanismos que ajudem o aluno, por meio de atividades lúdicas, a compreender e a reconhecer a importância da gramática no desenvolvimento da sua expressão oral e escrita. O minicurso “A ludicidade no ensino de Língua Portuguesa” o qual faz parte do projeto Novos Talentos, fomentado pela CAPES, é um exemplo de que quando o ensino da gramática é trabalhado de forma lúdica e prazerosa o uso da gramática deixa de ser visto como problema para o aluno. O minicurso, ora citado, tem como objetivo oferecer a professores da Educação Básica e alunos do curso de Letras do Centro de Estudos Superiores de Parintins- Amazonas, propostas de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa de forma lúdica e contextualizada, num constante diálogo entre a teoria prática. O minicurso tem contribuído significativamente na formação continuada dos participantes, provocando o pensar e o refletir sobre a importância de se promover um ensino da Língua Portuguesa que seja significativo para o aluno, ajudando-o a melhorar sua competência comunicativa em qualquer situação de discurso. Como base teórica, toma-se aqui os estudos de Philippe Perrenoud (2000), Odenildo Sena (2001), Valéria Chiavegatto (2002), Irandé Antunes (2003), Luciano Oliveira (2010), Rosa Palomanes e Angela Bravin (2012), Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa, entre outros que podem contribuir significativamente para o tema em questão. Palavras-chave: Gramática- Teoria- Prática- Metodologia- Ludicidade

Considerações Iniciais

O Ensinar e o Aprender a Língua Portuguesa ainda é, para muitos professores e alunos, uma tarefa extremamente difícil. Por parte dos professores há uma queixa constante de que os alunos não sabem falar nem tampouco escrever o bom português; por outro lado, encontra-se o aluno que se vê diante de um dilema entre dois português: um que ele usa, de fato, no seu dia a dia e outro que é ensinado na escola e que muitas vezes parece-lhe estranho e distante de sua realidade. O que se percebe é a necessidade urgente de se repensar, avaliar e colocar em prática um ensino e aprendizagem da língua materna que seja realmente significativo tanto para o professor como para o aluno; um ensino e aprendizagem ancorados num arcabouço teórico consistente que 6

Professora do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas; Mestre em Letras e Artes.

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possa embasar a aplicação da língua portuguesa em atividades práticas; um ensino em que o aprendiz sinta-se, realmente, usuário da língua. O presente trabalho parte da procura de um grupo de professores da Educação Básica Fundamental que estavam à procura de novas metodologias do ensino de Língua Portuguesa em que o aluno não se sentisse um estrangeiro na própria língua. Diante da procura desses professores é que se pensou em desenvolver um projeto de extensão aliando teoria e prática, oferecendo aos referidos professores metodologias de ensino que pudessem contribuir para uma aprendizagem mais leve, mais prazerosa e mais significativa da Língua Portuguesa. O projeto “A Ludicidade no ensino da Língua Portuguesa” atende professores da Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I e II e tem como objetivo oferecer a esses professores novas metodologias no ensino da Língua Portuguesa de forma lúdica, aliando teoria e prática. Entre os pontos de destaque do minicurso encontra-se a gramática, considerada pelos professores como a parte mais difícil do ensino da Língua, pois muitos dizem sentir dificuldade em saber aliar gramática internalizada dos alunos à gramática padrão. O presente trabalho foca-se exclusivamente na gramática, no sentido de mostrar como o minicurso tem contribuído para propor soluções para o dilema que é ensinar e aprender gramática na escola. Como base teórico toma-se os estudos de Antunes (2003), Sena (2001), os PCNs (1998), Oliveira (...) e outros que contribuíram para o esclarecimento deste estudo. Espera-se que este estudo possa contribuir na formação de professores de Língua Portuguesa e dos que a pesquisam.

O minicurso “A ludicidade no Ensino da Língua Portuguesa”

O minicurso em questão funciona há um ano e tem como participantes 20 professores do Ensino Fundamental das redes estadual e municipal. Ele surgiu da necessidade de atender às necessidades desses professores que, queixavam-se de que participavam de muitas formações, mas dificilmente lhes eram mostrados como realmente colocar em prática a teoria. Diante desse contexto, o projeto foi criado a fim de dar suporte teórico e metodológico aos professores, proporcionando-lhes metodologias de ensino da Língua numa perspectiva lúdica e que, de fato, pudesse fazer sentido para os professores. Assim, antes de desenvolver as atividades práticas, primeiramente se fazia uma discussão sobre o tema a ser tratado. Um dos pontos muito 37


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discutido no minicurso foi sobre o papel do professor de língua materna que, antes de tudo, deve ter claramente o seu papel como mediador de conhecimento, pois a ele cabe possibilitar aos alunos um ensino que os ajude a usar a língua em qualquer situação de discurso, com direito de usar no seu dia-dia a gramática internalizada, mas também com o direito de ter acesso, compreender e colocar em prática a gramática padrão. Como se percebe, o professor deve ser consciente de que ensinar a língua portuguesa não é repassar conteúdos gramaticais soltos, desconsiderando a gramática internalizada do aluno. O professor, como mediador do conhecimento deve ter uma postura crítica reflexiva, ajudando os alunos a entenderem que a língua que se usa perpassa também por questões políticas e ideológicas. Sena (2001) diz que: é preciso evitar, a todo custo, a postura tola de que se deve optar pelo ensino exclusivo da norma culta e pelo apagamento da linguagem coloquial ou pelo fortalecimento desta em detrimento daquela. O compromisso pedagógico e, por isso, político do professor de Língua Portuguesa é oportunizar a real aprendizagem de uma sem o massacre da outra. (SENA, 2001, p. 81).

O que se defende aqui é um ensino que não exclua a gramática internalizada do aluno, mas que a considere no ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, mantendo uma relação com a gramática padrão que, na visão dos alunos, é tão distante de sua realidade; tão complexa de se aprender. É necessário assim que o professor de Língua Portuguesa seja competente no seu fazer docente, compreendendo que a língua evolui conforme também a evolução da sociedade. Phillipe Perrenoud (2000) diz que o profissional do século XXI, em especial o professor, deve dominar e colocar em prática competências essenciais para a efetivação de um ensino/aprendizagem significativo na escola. Essas competências exigem do educador prática reflexiva, profissionalização, trabalho em equipe, projetos, autonomia, responsabilidade crescente e pedagogias diferenciadas. Por entender que o professor de língua materna deve, pois encontrar mecanismos que o ajudem a melhorar a sua prática docente é que se enquadra o projeto “A ludicidade no Ensino de Língua Portuguesa”, cujo objetivo é oferecer, aos professores de Educação Básica e alunos do curso de Letras, propostas de ensino da língua numa perspectiva lúdica e contextualizada. O projeto tem como participantes professores da Educação Básica e abrange as seguintes comunidades: três escolas estaduais, três escolas municipais e o Centro de Estudos Superiores de Parintins, onde funciona o curso de Letras.

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O projeto baseia-se nas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa considerando que os conteúdos de Língua Portuguesa “articulam-se em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem.” Toma-se como ponto de partida as orientações dos PCNs a fim de oferecer propostas do ensino da Língua Portuguesa que contemplem a expressão oral e escrita do aluno, ajudando-o a perceber os mecanismos de uso da língua e as competências comunicativas que ele deve dominar para compreender a língua e se fazer compreendido. Entre essas competências comunicativa encontra-se, pois a competência gramatical. De acordo com Oliveira a competência gramatical, contribui para que o aluno compreenda sobre a importância da pronúncia de palavras em dialetos regionais diferentes, sobre a ortografia, as convenções e pontuação, o vocabulário, os mecanismos de formação de palavras, a concordância e os tempos verbais na efetivação de uso da língua (OLIVEIRA, 2010, p. 54 e 56).

Para trabalhar a competência gramatical, foram propostas atividades que pudessem levar os participantes a perceberem a importância dos elementos que constituem a competência gramatical, através de atividades práticas como a leitura e reescritura de texto, a contação de histórias, entre outras atividades, tomando como foco o ensino e o uso da gramática. As atividades foram trabalhadas de forma contextualizada, partindo antes de uma discussão teórica e colocadas em prática num diálogo entre a gramática internalizada e a gramática padrão. Procurou-se, portanto, desenvolver atividades redimensionando o ensino da gramática, compreendendo que ela “...existe não em função de si mesma, mas em função do que as pessoas falam, ouvem, leem e escrevem nas práticas sociais de uso da língua” (ANTUNES, 2003, p. 89). E por entender que o ensino e aprendizagem da língua deve fazer sentido para o professor e para o aluno é que o projeto trabalha constantemente com situações de usos concretos da mesma. Busca-se em todas as atividades práticas procurar abordar os conteúdos gramaticais de forma que estes possam ser compreendidos e colocados em prática naturalmente. Entre as atividades trabalhadas no minicurso, destacam-se aqui algumas. A primeira tomou como base a História em Quadrinhos intitulada “Bicho Perigoso”, de Maurício de Souza, a fim de trabalhar a leitura, a reescritura, discutir sobre variação e preconceitos linguístico. A segunda atividade, intitulada ditado ao professor, tomou como base a fábula “O lobo e o cordeiro”, adaptada por Monteiro Lobato, a fim de trabalhar a leitura, a reescritura, a pontuação, a ortografia e a sequência lógica das ideias. A partir do ditado da fábula feita pelos alunos ao professor que, durante o ditado dos alunos, escrevia o texto no quadro. Após o término do ditado

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do texto, o professor fazia uma análise linguística do que estava escrito no quadro, considerando diversos aspectos como a pontuação, o vocabulário e a sequência da história. Uma terceira atividade denominada “Escrita e Leitura de contos de assombração” tinha como objetivo tratar sobre a importância dos contos populares na história de uma sociedade, a socialização da leitura de textos, a coerência e coesão textual. Além das atividades acima citadas, outras foram realizadas e antes de serem colocadas em prática houve a leitura e discussão de textos teóricos sobre os aspectos e trabalhos nas atividades. Para Palomanes e Bravin (2012, p. 13): O século XXI coloca os educadores, mais do que nunca, frente à necessidade de uma reavaliação da formação dos alunos e do papel do professor no que se refere às práticas pedagógicas voltadas a alcançar os objetivos a que se propõe a educação formal. O ensino da modalidade padrão da língua portuguesa ministrado, principalmente, nas escolas públicas brasileiras de ensino básico, torna-se um desafio para o professor desta disciplina quando oferecida àqueles que não a dominam efetivamente.

É, pois, partindo do contexto acima colocado que se coloca aqui a necessidade de se repensar acerca do ensino da língua numa relação dialógica entre teoria e prática a fim de que os professores possam efetivamente promover uma aprendizagem da língua materna que faça realmente sentido para o aluno e possa ajudá-lo a ter acesso a norma padrão. Nesse sentido o minicurso “A ludicidade no ensino de Língua Portuguesa” foi pensado como uma alternativa para que professores participantes do projeto pudessem não só ter acesso à teoria, mas encontrar mecanismos que pudessem aliá-la à sua prática pedagógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto tem contribuído de forma significativa na prática pedagógica dos participantes, ajudando-os a repensar sobre o ensino de Língua Portuguesa e a importância das atividades lúdicas no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, num constante diálogo entre a Teoria e a Prática. Segundo os professores envolvidos, as atividades desenvolvidas no projeto tem sido de suma importância para sua formação continuada, pois além de permitir a discussão de textos

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teóricos há também propostas de atividades para trabalhar de forma diferenciada a Língua Portuguesa, considerando a gramática internalizada e a gramática padrão. Assim, tudo que se discute e propõem como atividades, é transformado em ações praticadas em sala de aula pelos participantes do projeto, nas seis escolas públicas em que os professores atuam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiros e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. PALOMANES, Roza. BRAVIN, Angela Marina. Práticas de Ensino de Português. São Paulo: Contexto, 2012. SENA, Odenildo. Palavra, poder e ensino da língua. 2. ed. Manaus: Editora Valer, 2001.

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ADVÉRBIOS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SUAS CONCEPÇÕES NAS GRAMÁTICAS DE EVANILDO BECHARA, CELSO CUNHA, MANOEL P. RIBEIRO E ROCHA LIMA Vanessa Teixeira de Oliveira Resumo: Esse estudo consta de uma análise comparativa das definições do advérbio, tendo em vista a abordagem de diferentes gramáticas da Língua Portuguesa. Estudando o item "advérbio", percebemos que as gramáticas tradicionais o descrevem como uma palavra invariável que modifica o verbo, o adjetivo e o advérbio, acrescentando-lhe uma circunstância. Nessa perspectiva, consideramos o pressuposto básico de que os advérbios apresentam domínio restrito e caráter homogêneo, ou seja, limitamos a conceituação do advérbio em seu aspecto morfológico apenas não considerando a dinamicidade da língua, o que acaba limitando seu campo de aplicação. Tal conceito se confirma em algumas ocorrências de seu uso, porém desconsidera os aspectos sintáticos e/ou semânticos, haja vista que apenas um critério não é o suficiente para agregar o que seja advérbio. Nosso estudo objetiva mostrar que na prática, o uso de advérbios evidencia que esta classe apresenta comportamentos heterogêneos, tanto no que se refere ao seu posicionamento numa sentença quanto às suas propriedades semânticas. Assim, percebemos que nos três critérios utilizados, morfológico, sintático e semântico, encontram-se lacunas na aplicação da teoria. Para alcançar nossos objetivos foi feita uma fundamentação teórica com base nas definições descritas em diferentes gramáticas. Desta forma, o presente trabalho busca pesquisar o comportamento morfológico-sintático-semântico dos advérbios a partir do estudo de algumas concepções teóricas do fenômeno gramatical, analisando descrições gramaticais sob a ótica de autores tradicionalmente consagrados na Língua Portuguesa, como Evanildo Bechara, Celso Cunha, Rocha Lima e Manoel P. Ribeiro. Palavras-chave: Advérbios. Gramática. Descrição

1. INTRODUÇÃO

Um dos maiores problemas incitados pelos profissionais de Língua Portuguesa são as imprecisões da teoria gramatical tradicional, as quais vão desde a falta de sistematização dos conceitos das classes de palavras à heterogeneidade dos critérios adotados. Ao analisarmos diferentes gramáticas percebemos que há algumas divergências na descrição dessas classes e diferentes colocações quanto aos seus critérios, considerando ainda as variadas concepções de gramática e o que elas visam. Neste trabalho abordamos alguns aspectos relevantes sobre a teoria do advérbio, sua delimitação como classe e sua conceituação, objetivando investigar o tratamento dedicado a esta classe.

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Embasamos nossa pesquisa a partir do estudo de algumas concepções teóricas a respeito dos advérbios, analisando e comparando descrições gramaticais sob a ótica de Evanildo Bechara, Celso Cunha, Rocha Lima e Manoel P. Ribeiro. Numa abordagem superficial, vimos que a principal função desta classe é detalhar como ocorre certa ação, expressa por um verbo, exprimindo circunstâncias em que esse processo se desenvolve. Os advérbios assim descritos têm a propriedade de modificar também outros elementos com os quais formam unidades na sentença. Basicamente, as descrições tradicionais apontam que o advérbio pode ser um modificador do verbo, do adjetivo e do próprio advérbio. O tema do presente estudo visa à necessidade de ampliar nossos conhecimentos em relação a certos mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos da Língua Portuguesa, uma vez que as classes gramaticais precisam ser compreendidas tanto em seus aspectos sintagmáticos, de acordo com os conceitos tradicionais definidos na gramatica normativa, quanto em seus aspectos pragmáticos, o que trata das relações entre o signo e seu usuário. Desta forma, compreendemos que elas podem, na prática, veicular sentidos muito mais amplos que os delimitados na gramática tradicional. Na perspectiva das gramáticas tradicionais consideramos o pressuposto de que os advérbios têm a propriedade de alterar o sentido de categorias específicas, com função homogênea e conceito paradigmático, o que configura um ponto convergente nas diferentes gramáticas analisadas. Todavia, na prática, o uso de advérbios evidencia que os mesmos não apresentam comportamentos homogêneos, tanto no que se refere ao seu posicionamento numa sentença quanto às suas propriedades semânticas, o que faz cair por terra o conceito descrito pela gramática normativa tradicional, especificado anteriormente. Ao longo desta pesquisa também observaremos que a conceituação e a delimitação do advérbio como classe apresentam algumas divergências. Em função de sua grande mobilidade semântica e sintática as tentativas de definições restritas, rígidas ou mesmo simplificadas tornamse um componente “dificultador” do entendimento, tendo em vista a exclusão do caráter heterogêneo advindo da natureza do próprio advérbio, como defende Mattoso Câmara em Estrutura da Língua Portuguesa: “O advérbio é nome ou pronome que serve de determinante a um verbo”. Em nota ele esclarece que alguns advérbios dão uma qualificação a mais a um adjetivo, mas não sendo um aspecto geral, que deva entrar como definição da classe.

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2. A CLASSE DOS ADVÉRBIOS: UMA VISÃO GRAMATICAL

As gramáticas tradicionais, ao abordarem o advérbio, imprimem certa homogeneidade a essa categoria. Basicamente, ele é descrito como um elemento invariável que modifica o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio. Vejamos algumas definições: “São palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade.” (CUNHA, 1986, p. 499) “O advérbio é, fundamentalmente, um modificador do verbo[...]” (CUNHA; CINTRA,1985, p.529) Advérbios são palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as várias circunstâncias que cercam a significação verbal. Alguns advérbios, chamados de intensidade, podem também prender-se a adjetivos, ou a outros advérbios. (LIMA, 2012, p. 227) Percebemos que os autores se atêm à ideia principal de advérbio como modificador verbal, admitindo ainda seu funcionamento como modificador de adjetivo, advérbio ou oração. Contudo, a conceituação e a delimitação do advérbio como classe agregam algumas divergências em função de sua grande mobilidade semântica, sintática e morfológica. Tais definições trazem uma mistura de critérios morfológicos, sintáticos e semânticos. Ao caracterizar o advérbio como palavra invariável, considera-se um critério morfológico; ao relacioná-lo sintaticamente ao verbo, ao adjetivo ou a outro advérbio, aplica-se um critério sintático; e, adota-se um critério semântico, quando o considera como um modificador do sentido da palavra ou quando se caracterizam os advérbios pelas circunstâncias que expressam. Diante dessa análise e dos estudos de várias gramáticas, podemos dizer que as definições dadas aos advérbios assumem características muito gerais e não dão conta do seu potencial funcional, ou seja, os usos. Se avaliarmos a ideia de “modificação”, por exemplo, além da falta de clareza, vemos que não contempla boa parte dos advérbios uma vez que muitos deles não exercem essa função. Outro fato relevante é que o advérbio pode incidir sobre outras categorias, inclusive a própria sentença, contrapondo a premissa básica de que ele é modificador de verbo, adjetivo ou de outro advérbio. A noção de modificação de acordo com Perini (1996) “tem em parte uma vertente semântica e outra sintática”. Do ponto de vista semântico, funciona como uma espécie de ingrediente ao significado da ação; já em relação ao aspecto sintático implica uma ocorrência conjunta a um constituinte, ou seja, “estar em construção com”. Porém, Perini defende que

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nenhuma das duas ideias particulariza a classe, já que ambas se aplicam a outras classes; como também ainda não se aplicam a todos os elementos do mesmo grupo, já que os advérbios de negação, afirmação e dúvida, por exemplo, não “modificam” o verbo. Tais palavras, na verdade “expressam uma opinião do locutor ou sua dúvida sobre o enunciado”. (Bonfim, 1988, p. 6). Sobre a ideia de “circunstância”, também ficam alguns questionamentos de relevância para nossos estudos. Em uma das definições para a palavra no Dicionário Houaiss (2001), encontramos: “1 – Condição de tempo, lugar ou modo que cerca ou acompanha um fato ou uma situação e que lhes é essencial à natureza”. O conceito por si só é inexato para definir a classe, já que, dessa forma, nem todo advérbio é circunstancial. Nesta linha de raciocínio entendemos que os advérbios de afirmação, negação, dúvida, também não expressariam a noção de circunstância, podendo por sua vez, assumir outro tipo de ideia acessória, como foi explicado no parágrafo anterior. Segundo Bonfim (1988), esses advérbios não expressam circunstância, não se referem ao processo verbal e não são intensificadores como afirmam as gramáticas tradicionais.

2.1. Celso Cunha

Em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo, CUNHA (2008) define advérbios como palavras que “fundamentalmente, são modificadoras do verbo”, acrescentando ainda os chamados advérbios de intensidade que podem reforçar o sentido de um adjetivo ou de outros advérbios (2008, p. 556). Destaca ainda que “alguns advérbios aparecem, não raro, modificando toda a oração” (2008, p. 556). Neste caso vêm geralmente destacados no início ou no fim da oração, de cujos termos se separam por uma pausa nítida, marcada na escrita por vírgula. Observa-se, porém, que os advérbios de afirmação, de negação e de dúvida não se conciliam com a proposta de Cunha, não expressam circunstância, não são intensificadores e não dizem respeito ao processo verbal. Cunha diz ainda que “sob a denominação de advérbios reúnem-se, tradicionalmente, palavras de natureza nominal e pronominal com distribuição e funções às vezes muito diversas” (p. 556). Devido a esta colocação, nota-se entre linguistas modernos uma tendência a reexaminar o conceito de advérbios, seja do ponto de vista funcional, seja do ponto de vista semântico. Logo após, o autor classifica os advérbios quanto à circunstância ou ideia acessória que expressam. Fundamentado na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), destaca a proposta terminológica já estabelecida por ela e identifica como “espécies” de advérbios: a) de afirmação; b) de dúvida; c) de intensidade; d) de lugar; e) de modo; f) de negação; g) de tempo; além dos

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advérbios interrogativos, que indicam circunstância de causa; de lugar; de modo e de tempo, nas interrogações diretas e indiretas. Quanto aos advérbios formados com o sufixo –mente, o autor cita apenas o uso recorrente de tais advérbios na seção “Repetição de advérbios em –mente”. De acordo com o gramático, “quando numa frase dois ou mais advérbios em –mente modificam a mesma palavra, pode-se, para tornar mais leve o enunciado, juntar o sufixo apenas ao último deles”. “Dir-se-ia que tudo naquele paraíso murado se movimentava lúdica e religiosamente”. (M. Torga, CM, 176.) Suas considerações destacam o uso repetido, porém não aprofundam reflexões sobre o processo de formação nem tampouco dos sentidos que esse tipo de advérbio pode veicular. Como concebe a NGB, “certas palavras por não se poderem enquadrar entre os advérbios terão classificação a parte. São palavras que denotam exclusão, inclusão, situação, designação, retificação, realce, etc”. Fundamentado neste conceito, Cunha aponta como palavras denotativas aquelas enquadradas impropriamente entre os advérbios, sem maiores ou esclarecimentos a respeito.

2.2. Evanildo Bechara

Evanildo Bechara em sua Moderna Gramática Portuguesa é um pouco mais abrangente no tratamento dessa classe, haja vista sua análise dos critérios de natureza sintática, morfológica, semântica, funcional e pragmática. Segundo Bechara: Advérbio – É a expressão modificadora que por si só denota uma circunstância (de lugar, de tempo, modo, intensidade, condição, etc.) e desempenha na oração a função de adjunto adverbial. [...] O advérbio é constituído por palavras de natureza nominal ou pronominal e se refere geralmente ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo nominal unitário, a um adjetivo e a um advérbio (como intensificador), ou a uma declaração inteira. (BECHARA, 2009, p. 287) O autor salienta a dificuldade em atribuir uma classificação uniforme e coerente no que diz respeito às circunstâncias adverbiais, em função de ser o advérbio uma classe muito heterogênea. Destaca que em geral seu papel na oração se prende não apenas a um núcleo verbal, mas se amplia na extensão que se espraia o conteúdo manifestado no predicado. Para Bechara a classe dos advérbios tem bastante mobilidade dentro da estrutura frasal e este papel singular “lhe dá também certa autonomia fonológica, de contorno entonacional muito variado, a serviço do

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intuito comunicativo do falante” (p.290). Em observação, Bechara destaca o grupo heterogêneo que a rigor não é incluso entre os advérbios, constituindo uma classe chamada denotadores, que coincide com a proposta de José Oiticica das palavras denotativas as quais constam na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Para tratar dos advérbios terminados com sufixo –mente, Bechara dedica apenas uma pequena seção intitulada advérbios de base nominal e pronominal, na qual classifica os advérbios quanto a sua origem e significação. Destaca que o uso do sufixo –mente para formar advérbios nominais fica “a meio caminha, fonológica e morfologicamente, da derivação e da composição (locução)” (p. 293). Concluímos que Bechara, apesar de evidenciar o aspecto pragmático na classificação dos advérbios de base nominal, limita-se mais ao processo de formação de palavras. O autor classifica os advérbios por “espécies ou tipos”, conciliando suas ideias ao que prevê a NGB. Reconhece que o sufixo –mente forma advérbios mas não explicita suas propriedades semânticas. Apesar de ir um pouco mais a fundo na descrição dos advérbios de base nominal, Bechara ainda não esclarece a respeito de como esse tipo de advérbio pode expressar o ponto de vista do locutor em relação ao dito.

2.3. Manoel P. Ribeiro

Segundo o autor, os advérbios servem para expressão de nossas ideias ou de nosso pensamento. São palavras, expressões ou orações que acompanham, principalmente, o verbo, trazendo uma sugestividade maior ao texto. Ribeiro aborda de forma superficial a classificação e definição dos advérbios delimitando-os como modificadores verbais de base nominal ou de base pronominal. Ribeiro utiliza, basicamente, o conceito semântico, de que as palavras transmitem certas circunstâncias e que “são elementos enriquecedores de nossas mensagens”. Manoel Ribeiro define de maneira genérica essa classe de palavras: “O advérbio atua como expressão modificadora (determinante) de um verbo. É ainda determinante de outro advérbio, de um adjetivo ou de uma oração inteira”. (Ribeiro, 2013, p. 245). De forma bem sucinta o autor aborda também uma classificação de advérbios em “espécies” com base na NGB. Segundo Ribeiro, alguns advérbios, como meio e todo, aparecem flexionados em muitos exemplos, embora a norma culta rejeite esse uso. Afirmativa esta, que não está coerente com a primeira conceituação básica do advérbio como classe gramatical: “(...) classe de palavras invariável”. Mesmo adotando vários critérios e considerando toda mobilidade desta classe, Ribeiro limita as reflexões sobre advérbios e suas possibilidades de uso. Apesar de seus conceitos tradicionais, o autor aponta para os estudos de Eneida Bonfim e Cláudio Cezar Henriques, 47


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sinalizando que o trabalho conduz a uma necessidade de reflexão sobre determinados critérios de classificação dos vocábulos, para que possamos analisar com maior exatidão as diferentes mensagens do nosso cotidiano. Aponta ainda para o enquadramento de certas palavras que sempre constituíram alguma dificuldade. Em consonância com a NGB, o autor as identifica como “denotadores” (2013, p. 248).

2.4. Rocha Lima

Numa abordagem sucinta, o autor delimita a função desta classe atrelada ao papel modificador do verbo atribuindo ao mesmo as várias circunstâncias que cercam sua significação. “Advérbios são palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as várias circunstâncias que cercam a significação verbal” (p. 226). Segundo Rocha Lima, alguns advérbios, chamados de intensidade, podem também prender-se a adjetivos, ou a outros advérbios, para indicar-lhes o grau. Afirma que “alguns há, até, que não acompanham a verbos, mas somente a adjetivos e advérbios – tais como tão, quão, que”. Chama atenção especialmente para o advérbio de intensidade que, figurante em frases exclamativas como: “Que generoso coração!” e “Que lua maravilhosa!” Para Lima, “a força emocional dessas frases pode ser tão poderosa, que se chegue a dispensar a presença de qualquer adjetivo – concentrando-se então no QUE a ideia global qualificativa e intensificadora” (p. 227). No item classificação dos advérbios, afirma que distribuem-se pelas seguintes espécies: de dúvida, de intensidade, de lugar, de modo e de tempo. Considera ainda os advérbios relativos e interrogativos. Mais adiante, o autor aborda as funções do advérbio e, numa pequena seção, trata dos advérbios em –mente, mas, da mesma forma que Cunha, Rocha Lima salienta apena que “concorrendo na frase vários advérbios dos terminados em –mente, é usual o emprego do sufixo apenas no último; a menos que, por ênfase, se prefira a repetição” (p. 423). “Estávamos calma, tranquilamente, aguardando a solução do caso”. “Falava-me doce, suave, suavissimamente”. No restante do capítulo, Rocha Lima expõe regras de emprego de inúmeros advérbios, mas nenhuma observação de maior relevância sobre o processo de formação dos advérbios em – mente ou quaisquer reflexões sobre a problemática da definição e dos usos dessa classe tão complexa.

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3. O ADVÉRBIO NA FUNÇÃO DE ORAÇÃO E ADJUNTO ADVERBIAL Considerando a vasta mobilidade e o “leque de funções” abarcado pela classe dos advérbios percebemos que sua classificação e conceituação torna-se mais clara e específica nos capítulos referentes ao adjunto adverbial e as orações adverbiais. De acordo com Matoso Câmara, os adjuntos adverbiais são complementos circunstanciais que ampliam a comunicação feita pelo verbo, indicando variadas circunstâncias de ocorrência. Do ponto de vista formal, em português, tais complementos caracterizam-se por poderem figurar como advérbio. Câmara considera a oração adverbial correspondendo a complemento circunstancial da oração principal. O estudo desses elementos de acordo com sua função implica numa ramificação maior de possibilidades de análise considerando a mobilidade semântica e sintática dos vocábulos ou expressões que podem acompanhar o verbo de uma oração completando ou ampliando a comunicação linguística. Manoel P. Ribeiro nos aponta três exemplos. Vejamos. 1- Ele saiu às escondidas. 2- Ele saiu rapidamente. 3- Ele saiu quando eu cheguei. De acordo com Ribeiro, nos três exemplos verifica-se que o verbo “saiu” está modificado por uma locução adverbial, por um advérbio e por uma oração subordinada adverbial. Sintaticamente, os três elementos grifados atuam como adjunto adverbial. Nesta classificação, a tradição gramatical procura caracterizar semanticamente o tipo de circunstância acrescentada ao verbo. Assim: 1- Falava-se de gramática: adjunto adverbial de assunto. 2- Falava-se de Antônia: adjunto adverbial de referência. 3- Não saí por causa do vento: adjunto adverbial de causa. 4- Saí da gafieira à meia-noite: adjuntos adverbiais de lugar e de tempo. Manoel Ribeiro exemplifica ainda adjuntos adverbiais de companhia, de comparação, de modo, de matéria, de meio, de reciprocidade, de favor de finalidade, etc. Cabe salientar que, enquanto adjunto adverbial, as possibilidades de análise se apresentam de forma mais ampla já que obrigatoriamente adotamos o critério semântico e sintático ao avaliar a possível classificação e definição para estes termos. Segundo Celso Cunha: “Adjunto adverbial é o termo de valor adverbial que denota alguma circunstância do fato expresso pelo verbo, ou intensifica o sentido deste, de um adjetivo ou de um advérbio”. (p. 165).

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Para Cunha o adjunto adverbial pode vir representado por um advérbio, por locução ou expressão adverbial ou por uma oração adverbial. Ressalta a dificuldade de enumerar todos os tipos de adjuntos, já que muitas vezes, só em face do texto se pode propor uma classificação exata. Destaca a relevância de se conhecer alguns tipos de adjuntos adverbiais que enumera e exemplifica listando dezesseis tipos de adjuntos adverbiais e salientando as inúmeras possibilidades para classificar esses complementos de acordo com o contexto em que aparecem. Para Celso Cunha, “as orações adverbiais funcionam como adjunto adverbial de outras orações e vêm, normalmente, introduzidas por uma das conjunções subordinativas (com exclusão das integrantes, que iniciam orações substantivas)”. Evanildo Bechara apresenta a seguinte informação para adjunto adverbial: A expansão do núcleo pode dar-se mediante um adjunto adverbial, representado formalmente por um advérbio ou expressão equivalente. Semanticamente exprime uma circunstância e sintaticamente representa uma expansão do verbo, do adjetivo ou do advérbio. (BECHARA, 2010, p.53)

Para Bechara, “semanticamente, o papel dos adjuntos adverbiais é matizar o processo designado na relação predicativa, acrescentando à mensagem informações que o falante julga indispensáveis ao conhecimento do interlocutor.” Entretanto considera que seu comportamento sintático na oração é heterogêneo. Sua coesão, ora é maior com o verbo ou com o sintagma verbal, ora faz referência a toda oração. Tais aspectos entram no domínio da gramática do texto, fugindo do âmbito de esquemas idiomáticos. Assim Bechara considera todos esses casos uniformemente como adjuntos adverbiais, apesar de citar uma distinção entre complemento relativo e complemento adverbial. Bechara classifica as orações adverbiais como “orações complexas de transposição adverbial”, que exercem funções de natureza do advérbio e as reparte em dois grupos.

as subordinadas adverbiais propriamente ditas, porque exercem função própria do advérbio ou locução adverbial e podem ser substituídas por um destes (advérbio ou locução adverbial; estão neste caso as que exprimem as noções de tempo, lugar, modo (substituíveis por advérbio), causa, concessão, condição e fim (substituíveis por locuções adverbiais formadas por substantivo e grupos nominais equivalentes introduzidos pelas respectivas preposições); as subordinadas comparativas e consecutivas. (BECHARA, 2010, p.348).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fato de a gramática normativa não considerar a dinamicidade da língua traz algumas consequências: uma delas é não conseguir contemplar com suas definições todas as ocorrências da

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língua, ou seja, a limitação do seu campo de aplicação, o que comprova a necessidade de maiores estudos para esclarecimento sobre alguns pontos fundamentais da teoria. Vimos que nos três critérios utilizados, morfológico, sintático e semântico encontramos lacunas na aplicação dessas teorias. Assim, como a gramática é prescritiva, sempre que aborda as circunstâncias expressas pelo advérbio, o coloca de maneira geral, mas não especifica o sentido veiculado por essas palavras. A concordância entre gramáticos tradicionais e linguistas em relação à imprecisão que envolve a classificação dos chamados advérbios é indicativo claro que nenhuma das correntes deu conta, ainda, de chegar a conclusões definitivas quanto à classe adverbial. Refletindo sobre o fato de os estudiosos agregarem a todos os elementos entendidos na classe o fator circunstancial, destacamos que nem todo advérbio indica circunstância. Temos como exemplos: o “não”, que não se opõe a “sim”; o “sim”, que funciona como um reforço, uma ênfase à afirmativa, já que esta não precisa de uma marca, como acontece com a negação; os advérbios de dúvida, que demonstram a incerteza do locutor e não da ideia expressa pelo verbo do enunciado; entre outros. Partindo desse pressuposto, consideraremos como únicos advérbios com a noção de circunstância os de tempo e de lugar. Em contrapartida, estes não correspondem à ideia de modificação verbal, que só compete aos advérbios de modo e de intensidade. Dessa maneira, pressupõe-se que as noções de circunstância e modificação não podem conviver simultaneamente na definição de advérbio. Segundo Matoso Câmara Jr. “advérbio é palavra de natureza nominal ou pronominal que na frase se acrescenta à significação de um adjetivo ou de um verbo, como seu determinante”. O autor afirma que advérbio é, portanto, um elemento frasal terciário, pois serve de determinante ao adjetivo ou ao verbo, que como elementos frasais secundários, determinam por sua vez um substantivo com seu adjunto, ou um sujeito como seu predicado. Na função determinante de um verbo os advérbios funcionam nas frases como complementos circunstanciais. É importante destacar, por fim, que há uma discussão acerca do conceito de advérbio, bem como de sua delimitação, por conta da heterogeneidade semântico-funcional, desta classe de palavras. Numa reflexão mais profunda ousaríamos afirmar que não podemos determinar e/ou restringir, a função e o sentido de algo que se mostra tão amplo. Como diz Mattoso Câmara (MC. 8, 122 citado por BECHARA, 2009, p. 288), perturba a descrição e a demarcação classificatória a extrema mobilidade semântica e funcional que caracteriza os advérbios.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do Português. 10 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português. 5 ed. Revista - Rio de Janeiro: Zahar, 2010. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. BONFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988. CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática. 26 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 50 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do Português. São Paulo: Editora UNESP, 2000. PERINI, Mario A. Gramática Descritiva do Português. 2ed. São Paulo: Ática, 1996. RIBEIRO, Manoel Pinto. Gramática aplicada da Língua Portuguesa. 11ed. Rio de Janeiro: Metáfora, 2000.

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A ALTERNÂNCIA DE NÓS/A GENTE NA PRODUÇÃO DE TEXTOS DE ALUNOS DO 8º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Ana Paula Martins Alves (UFC – CNPq) Giselli Freitas (UFC - CAPES) Maria Vanderlúcia Sousa Tabosa (UFC – CAPES) Resumo: Pesquisas recentes, à luz da Teoria da Variação e Mudança, comprovam a frequente substituição de nós por a gente na língua falada do Português brasileiro. Nas gramáticas normativas da Língua Portuguesa, o uso do a gente é visto por muitos puristas como “um erro” em relação ao emprego do nós. No entanto, atualmente, muitas pesquisas de cunho variacionista têm apontado os próprios fatores linguísticos é que favorecem o uso do a gente e, portanto tais estudos exercem pressão para que essa forma seja inserida no quadro pronominal português (LOPES, 1998). Neste contexto, este estudo objetivou analisar a alternância do “nós” e do “a gente” na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. Com isso, intencionamos verificar se fatores linguísticos e extralinguísticos estabelecidos na pesquisa influenciam ou não a frequência ou preferência de uso de um pronome ao invés de outro dentro de um contexto estabelecido. A investigação desenvolveu-se com a participação de três turmas de estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental de três escolas estaduais de Fortaleza/CE. Nosso corpus foi constituído por 150 textos, contudo, foram encontradas, apenas, 65 ocorrências das variantes. Para a análise selecionamos quatro fatores estruturais: função sintática, paralelismo e referência e tempo verbal. Concluímos, pois, que o uso do “nós” e do “a gente” aparecem de modo significativo nas produções escritas, demonstrando que tanto a forma normativa como a forma inovadora são concorrentes no contexto linguístico da comunidade pesquisada. Verificamos, também, que a forma pronominal “a gente” se sobrepõe à normativa “nós” na fala dos personagens adolescentes, ao passo que o contrário acontece na fala dos personagens adultos. Palavras-chave: Teoria variacionista; nós e a gente; Ensino Fundamental.

1.

INTRODUÇÃO Nas gramáticas normativas da língua portuguesa o uso do pronome a gente sempre é

visto por muitos puristas como “um erro” em relação ao emprego correto da gramática. Em algumas, esse uso nem ao menos é citado, tal como vemos em Cegalla (2008), Rocha Lima (2011) e Bechara (2001). Entretanto, atualmente muitas pesquisas de cunho variacionista têm apontado os fatores linguísticos que favorecem tal uso e que também têm chamado atenção para que o a gente seja colocado no quadro pronominal português. Com uma realidade sociolinguística bastante estratificada e um acentuado descompasso entre língua oral e escrita, o português brasileiro vem se distanciando cada vez mais dos padrões linguísticos tidos como “corretos” estabelecidos pelas normas impostas pelas comunidades de prestígio. Neste trabalho faremos um recorte de tal realidade no tratamento dos pronomes pessoais que constantemente estão se atualizando em função da substituição, migração e/ou alargamento do domínio de algumas formas: a forma do pronome de 1ª pessoa, nós, e da 53


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expressão a gente, com base nos dados coletados de produções de diálogos escritos, por alunos do 8º ano, em três escolas públicas em diferentes bairros de Fortaleza. É importante esclarecer que tais análises contribuem não apenas para identificação do uso mais recorrente das formas pela comunidade pesquisada, mas também objetiva mostrar como a frequência ou substituição de uma forma por outra se configura em detrimento das variáveis linguísticas e extralinguísticas estabelecidas. Destarte, a análise nos ajudará a concluir se tais ocorrências sinalizam um processo de variação ou de mudança linguística. Com isso, intencionamos verificar se fatores linguísticos e extralinguísticos estabelecidos na pesquisa influenciam ou não a frequência ou preferência de uso de um pronome ao invés de outro por estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental de três escolas estaduais de Fortaleza/CE nas quais foram submetidos à produção de um diálogo cujo tema estivesse relacionado à Copa do Mundo. O presente artigo se organiza em quatro partes. Na primeira parte, apresentamos as concepções teóricas sobre os postulados labovianos que, juntamente com os trabalhos desenvolvidos sobre o tema em questão, subsidiarão nossa análise. Na segunda parte, descrevemos os procedimentos metodológicos necessários para o desenvolvimento da pesquisa. Na terceira parte, apresentamos a análise dos dados. Por fim, temos os resultados finais bem como apontamentos relevantes para estudos posteriores.

2.

A TEORIA VARIACIONISTA A teoria da Variação e Mudança Linguística, fundamentada por William Labov (1972)

tem como objeto de estudo a variação e mudança da língua no contexto social da comunidade de fala. A língua, segundo o sociolinguístico, é dotada de heterogeneidade sistemática. Tal pressuposto rompe com a visão de língua homogênea preconizada no estruturalismo Saussureano que considera a fala como caótica e desmotivada. Quando se fala em hetogeroneidade, vale ressaltar que tal natureza não aponta como objeto primário de interesse as particularidades idiossincráticas dos indivíduos, mas considera como objeto de estudo da Teoria as comunidades de fala, lugar onde estão assentados os condicionamentos que estruturam a correlação indispensável entre a língua e sociedade via análise linguística de regras variáveis condicionadas por fatores linguísticos e extralinguísticos. Nesse sentido a ausência de heterogeneidade estruturada da língua seria tida como disfuncional. (WEINREICH;LABOV;HERZOG, 2006, p. 36). Segundo Herman Paul (1970) uma variação linguística tem de ser definida sob condições estritas para que seja parte da estrutura linguística; de outro modo, se estará abrindo as portas para

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regras que “ocasionalmente” se aplicam, portanto a necessidade de sistematização desses fenômenos de variação e mudança da língua. Estudos realizados sobre os pronomes nós e a gente dentro da abordagem variacionista mostram não se tratar somente de uma variação, mas de uma mudança conforme aponta Lopes, (1999). Nesse sentido, tem-se observado os diversos aspectos de uso desse fenômeno linguístico como, por exemplo, a alternância da forma do pronome de 1ª pessoa, nós, da expressão a gente e o encaixamento dessa expressão no subsistema dos pronomes pessoais – seja na função de sujeito, seja na de complemento ou de adjunto. Uma das grandes contribuições para teoria da variação observou-se em Lopes (1999), ela acredita que para explicar as causas das mudanças ocorridas no sistema pronominal, é preciso identificar as motivações de ordem discursivo-pragmático, os de natureza formal e social que atuaram em tempo real de longa e curta duração. Para tanto realiza um mapeamento históricodescritivo da inserção de a gente no sistema pronominal do português brasileiro, europeu e africano. Verificando o percurso histórico da forma a gente, Lopes (1999) parte para análise linguística e social da alternância entre o pronome nós e a forma a gente em tempo real de curta duração. Esse tipo de análise é voltado para o comportamento do indivíduo e da comunidade. Nele a autora percebeu que a substituição de nós por a gente, embora esteja sendo implementada de forma acelerada nos últimos vinte anos no português do Brasil, caracteriza-se, dentro dos modelos interpretativos de Labov (1994), como um padrão de gradação etária, pois se configura, no estudo de tendências, como um comportamento estável da comunidade e, no estudo de painel, como um comportamento instável dos mesmos indivíduos. Lopes afirma ainda que o processo de pronominalização do substantivo gente se deu de maneira gradativa em consequência de uma mudança da língua e da sociedade, isto é, o processo de mudança se realiza em um continuum em que as formas tendem a perder seu significado semântico inicial, gramaticalizando-se algumas de forma mais acelerada que as outras. Maia (2003), a partir de sua investigação de duas comunidades linguísticas mineiras, uma rural e uma urbana, conclui que o verbo na 3ª pessoa do singular e as formas nominais mostram-se mais favoráveis ao uso de a gente, o que seria indicativo de que a ausência de marcas morfológicas de pessoa favorece o uso dessa variante, ao passo que, ao atestar a ocorrência da desinência número-pessoal –mos, as porcentagens confirmaram que a desinência de 1ª pessoa do plural é um fator que favorece o uso do pronome nós. A pesquisadora considera a hipótese de que a variação entre o pronome nós e a forma a gente é mecânica, ou seja, o número de fenômenos variáveis em português é de natureza funcional e que, nestes casos, a variante em questão é usada

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pelos falantes em certos contextos porque colabora para a transmissão de um determinado sentido de nível semântico-discursivo (Apud Naro, 1998). Por fim, em consonância, com alguns conceitos de Lopes, Zilles (2005) afirma que o surgimento do a gente representa um novo ciclo no processo de gramaticalização e que tal processo ocorre lento e gradualmente num continuum de mudanças que se definem como diferentes processos que afetam um item através do tempo. E esse percurso, conforme a autora, são reflexos de algumas evidências que comprovam uma reorganização no sistema verbal e pronominal do português brasileiro a saber: a forma a gente está adquirindo propriedades semânticas de pronome pessoal apoiada em um processo de gramaticalização. Segundo Zilles, a perda progressiva da 2ª pessoa do singular em favor da 3ª pessoa e a integração da forma a gente trouxeram consequências para o sistema verbal e pronominal. Para Zilles, um dos processos de reorganização resulta no uso do item nominal a gente em alternância com o pronome nós.

3.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A investigação desenvolveu-se com a participação de três turmas de estudantes do 8º

ano do Ensino Fundamental de três escolas estaduais de Fortaleza, doravante denominadas escola A, B e C. As escolas foram escolhidas de acordo com suas características e resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – no ano de 2011. A escola A é notadamente reconhecida por sua qualidade de ensino e resultados nas avaliações de larga escala, tais como SPAECE, Prova Brasil, etc. Esta apresenta o IDEB de 7,3 e altos índices de aprovações nas avaliações de ingresso ao ensino superior. Vale salientar, contudo, que embora a escola A seja pertencente à rede pública estadual de ensino, esta possui uma prova de seleção de ingresso, ou seja, todos os anos a escola promove teste de seleção de novos alunos, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Destacamos que os estudantes desta escola, na maioria, são filhos de militares e provenientes de escolas particulares. A escola B, por sua vez, está localizada numa área central da cidade e próxima a uma universidade. Em consequência, a escola, constantemente, recebe visitas de alunos e professores universitários na tentativa de desenvolvimento de projetos que visam à melhoria do ensino. Destacamos, contudo, que embora a escola seja localizada numa área central da cidade, os alunos são pertencentes a comunidades carentes situadas na periferia. O desempenho da escola B no IDEB de 2011 é de 2,3, uma nota relativamente baixa. Já a escola C está situada numa área considerada de risco, marcada pela forte presença de drogas, violência e pobreza. Os alunos são pertencentes à comunidade em que a escola está

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situada e esta, normalmente, não recebe visitas de estagiários ou professores universitários. O IDEB da escola C em 2011 foi de 3,5. Os dados foram coletados no mês de maio do corrente ano, em turmas do 8º ano do Ensino Fundamental, e a atividade compreendia a produção de um texto em que se desenvolvesse um diálogo sobre a Copa do Mundo de 2014, entre quatro participantes, a saber: dois adolescentes e dois adultos. Salientamos, no entanto, que houve uma autorização prévia, por parte dos setores competentes, para o procedimento de coleta de dados nas escolas. Foram coletados 65 textos na escola A, 58 na escola B e 50 na escola C. Tendo em vista a equidade na análise dos dados, optamos por constituir nosso corpus com 50 textos de cada escola, totalizando uma amostra de 150 textos produzidos por alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. Nossa investigação contou com uma variável dependente: a alternância do nós e do a gente na produção escrita de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. Como variáveis independentes, temos varáveis extralinguísticas: 1 A escola na qual os alunos redatores dos textos estudam; 2. Os personagens participantes do diálogo: adolescente do sexo masculino com, aproximadamente, 16 anos (P1); adolescente do sexo feminino com, aproximadamente, 16 anos (P2); Professor de Educação Física com, aproximadamente, 30 anos (P3); e funcionária dos serviços gerais com, aproximadamente, 40 anos (P4). Como variáveis linguísticas, temos: 1. A função sintática do nós ou do a gente (sujeito ou complemento); 2. A presença ou ausência de paralelismo no uso do nós e do a gente; 3. O tempo verbal em que os termos foram usados (passado ou não passado); e 4. Referência que o nós e o a gente faz (genérica, específica e particular). Na análise dos dados, seguimos os pressupostos da Teoria Variacionista, fundamentada pelo linguista William Labov (1972) por conceber a língua como um sistema heterogêneo do qual a variação é parte inerente. O tratamento quantitativo dos dados foi feito por meio do programa computacional GOLDVARB e utilizamos como valor de aplicação a variante nós.

4. RESULTADO E DISCUSSÃO DOS DADOS Nosso corpus foi constituído por 150 textos produzidos por alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de escolas estaduais de Fortaleza. No entanto, foram encontradas, apenas, 65 ocorrências das variantes, sendo 37 nós e 28 a gente. Tendo em vista nosso objetivo de pesquisa, analisar a alternância do nós e do a gente na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, organizamos nossa análise a partir das variáveis extralinguísticas e linguísticas, a saber: Escola; Personagem; Função Sintática; Paralelismo; Tempo Verbal; e Referência. 57


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No que diz respeito a alternância do nós e do a gente em função do fator escola, os dados apresentaram um maior número de ocorrências na utilização do nós e do agente entre as produções dos alunos da escola A , 30 ocorrências no total, ao passo que, nas produções das escolas B e C, foram encontradas 17 e 18 ocorrências, respectivamente. Salientamos que a maioria dos alunos das escolas B e C não atenderam, em essência, a proposta de produção de texto, ou seja, grande parte dos alunos escreveram textos narrativos ou descritivos. Acreditamos, pois, que, em decorrência deste fato, houve uma baixa ocorrência no uso dos termos investigados neste estudo. Os dados nos revelam, também, que os alunos das três escolas, de um modo geral, optaram por utilizar, preferencialmente, a variante “nós”. Acreditamos que este fato se deu em virtude dos diálogos terem ocorridos na escrita e não, propriamente, na oralidade. Segundo Ferreira (2002), a forma “a gente” é preferida na oralidade, ao passo que “nós” é mais recorrente na escrita, uma vez que, no processamento da língua escrita, há uma predominância do planejamento e monitoramento do ato de escrever. No entanto, ao observarmos o número bruto de ocorrências nas escolas B e C, perceberemos que as duas variantes são co-ocorrentes, ou seja, estas foram utilizadas em quantidades bem próximas, mostrando que os alunos de tais escolas apresentam alta alternância entre os termos. Em relação ao fator extralinguístico personagem participante do diálogo, analisando os dados, notamos que houve maior ocorrência do fenômeno na fala dos personagens adolescentes, tanto menina como menino, um valor de 75% no total das ocorrências. Destacamos, contudo, que, ao analisar os textos produzidos pelos alunos, identificamos que os personagens adolescentes tinham mais falas nos diálogos, enquanto que o personagem professor e o personagem zelador apareciam de forma mais pontual. Acreditamos que, em virtude disso, os adolescentes apresentaram um índice maior de ocorrência. Um fator interessante a ser destacado na tabela 2 é o percentual de ocorrência da variante normativanós na fala do personagem zelador (85,7%). Inicialmente, acreditávamos que este personagem apresentaria uma predominância da forma a gente, visto que é uma forma mais utilizada entre pessoas com um nível de escolaridade mais baixo. No entanto, os dados demonstraram o contrário. Acreditamos que tal índice se deu pelo fato de a fala do personagem zelador ser uma representação do pensamento do redator do texto e este associar ao adulto a fala mais normalizada. O terceiro aspecto relevante a ser destacado, na tabela 2, é que a forma pronominal inovadora a gente está se sobrepondo à normativa nós na fala dos personagens adolescentes, ao

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passo que o contrário acontece na fala dos personagens adultos. Isso reforça o postulado de Leite (2013) de que a forma a gente é predominante na fala de pessoas mais jovens. Já em relação ao fator linguístico função sintática do nós e do a gente, de acordo com os dados, a alternância ocorre, predominantemente, na função de sujeito, conforme podemos verificar nos exemplos a seguir: (C1ECP2): “Nós vamos chama a Ana que trabalha na escola”. (A10EAP2): “Sim eu posso cuidar dessa parte. Vai que a gente aparece na Globo”. No entanto, tendo por base o valor individual da função complemento, notamos uma predominância da forma a gente, com 54,5% das ocorrências. Vejamos os exemplos a seguir: (A2EAP2): “Eu conheço uma pessoa que pode botar agente num lugar muito bom”. (C13ECP1): “Que tal a gente montar um time e escrever a gente da ki da escola”. No que diz respeito ao segundo fator linguístico observado, verificamos que 73,8% das

ocorrências

apresentaram paralelismo.

Não

obstante,

60.4%

das ocorrências

da

forma nós apresentaram paralelismo. Destacamos, contudo, que nosso estudo considerou como paralelismo as ocorrências dos termos analisados no âmbito do texto completo e não entre as falas dos personagens. Assim, em muitos dos casos, o paralelismo apareceu durante o diálogo, conforme o exemplo a seguir: (A2EA): “P1: A gente se encontra aqui, né? P2: É, a gente pode convidar também o P3 também pra ir, não?” Outro aspecto linguístico observado foi o Tempo verbal. Verificamos que 89.2% no total das ocorrências foram utilizadas no tempo não-passado. Salientamos, no entanto, que segundo nosso ponto de vista, o tempo verbal não favorece o uso do nós e do a gente, ou seja, nossos informantes alternavam na utilização dos termos analisados independentemente do tempo verbal, conforme podemos ilustrar nos exemplos abaixo: (A15EAP1): “Sim, a gente começou a falar disso”. (B6ECP1): “Nós temos que fazer a pesquisa sobre a copa”. O último fator linguístico analisado neste estudo foi a referência. De acordo com os dados, a referência específica apresentou um alto índice de ocorrências, 46 num total de 65 ocorrências. De acordo com os dados, verificamos que as formas nós e a gente concorrem na produção dos alunos, apresentando índices de ocorrências bem próximos, 54,3% e 45,7%, respectivamente. Sabemos que a forma normativa nós é bastante difundida nos meios educacionais como a primeira pessoa do plural. No entanto, segundo Omena (1998), a introdução da forma a gente foi uma necessidade de os falantes contraporem uma referência precisa a uma imprecisa. Isso posto, vejamos o seguinte exemplo: 59


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(C4ECP1): “Amanda, eu vou para o estágio, então a gente se encontra lá”. Nesse exemplo, podemos observar que o falante utiliza a forma a gente com uma referência precisa, ou seja, incluindo-se neste grupo. Já no exemplo: (A20EAP2): “Mas nós não estamos mais desenvolvidos, se olhar bem, nós estamos é menos”. O nós não se refere à pessoa que está falando e nem ao ouvinte, mas sim a um grupo não especificado, ou seja, refere-se às pessoas de forma genérica. No exemplo a seguir, temos: (C6ECP4): “Bom, gente, bom dia a todos, nós estamos aqui pra falar sobre a copa do mundo”. Neste exemplo, a forma nós refere-se a um personagem específico, o zelador. Com isso, temos uma referência particular.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, diversos estudos sociolinguísticos têm discutido a variação linguística de comunidades de fala. De um modo geral, a literatura oferece-nos uma gama de estudos que comprovam a interferência de fatores linguísticos e extralinguísticos no domínio ou abandono de certas formas nas comunidades de fala. Nosso estudo se enquadra num panorama de pesquisas a respeito da alternância das formas pronominais nós e a gente. A maioria das pesquisas desenvolvidas sobre tais termos partem de bancos de dados de falas previamente constituídos. Nosso estudo, no entanto, volta seu olhar para a alternância do uso do nós e do a gente nas instituições de ensino, ou seja, os dados foram coletados pelas pesquisadoras em escolas estaduais da cidade de Fortaleza/CE. Destarte, esta pesquisa teve por escopo analisar a alternância do nós e do a gente na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. A análise estatística dos dados levou em conta dois grupos de fatores extralinguísticos e quatro grupos de fatores linguísticos, a saber: escola; personagens participantes do diálogo; função sintática; paralelismo; tempo verbal e referência. O resultado da análise revelou que os sujeitos participantes da pesquisa optaram por utilizar, preferencialmente, a variante nós. Atribuímos este dado ao fato de os diálogos terem ocorrido na escrita, reafirmando o postulado por Ferreira (2002) de que a forma a gente é preferida na oralidade, ao passo quenós é mais recorrente na linguagem escrita. Salientamos, porém, que o diálogo, solicitado na produção textual, embora coletado na forma escrita, é um gênero no qual podemos observar as nuances típicas da modalidade fala, ou seja, é possível depreendermos as marcas da oralidade que apontam a relação desses pronomes

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com as variáveis linguísticas, já que as produções foram realizadas por estudantes de 8º ano do Ensino Fundamental, adolescentes que tendem a transferir suas marcas orais para o texto escrito. Verificamos, também, que a forma pronominal a gente se sobrepõe à normativa nós na fala dos personagens adolescentes, ao passo que o contrário acontece na fala dos personagens adultos, ratificando a afirmação de Leite & Guedes (2013) de que a forma a gente é predominante na fala de pessoas mais jovens. Destacamos, ainda, que os fatores linguísticos que se mostraram favorecedores na alternância entrenós e a gente foram: função sintática, paralelismo e referência. Todavia, o tempo verbal - passado ou não passado apresentou-se como fator que não favorece a alternância dos termos analisados Concluímos, pois, que o uso do nós e do a gente aparece de modo significativo nas produções escritas dos sujeitos participantes, demonstrando que tanto a forma normativa como a forma inovadora são concorrentes no contexto linguístico da comunidade pesquisada. Enfatizamos, no entanto, que, apesar de determinadas formas serem predominantemente consideradas do “bem falar”, muitas pesquisas de cunho variacionista vem apontando para uma nova maneira de tratar a linguagem, oferecendo aos usuários da língua uma perspectiva mais dinâmica do Português brasileiro. Assim, acreditamos que, através dos resultados obtidos, a presente pesquisa oferece contribuições para a teoria variacionista, como também é de suma importância para o ensino na escola de maneira que poderá favorecer a minimização do preconceito a partir de uma abordagem mais reflexiva dos usos da língua. REFERÊNCIAS ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Gramática: texto, análise e construção de sentido. São Paulo: Moderna, 2006. ABRAÇADO, M. J. A. Mudanças no sistema pronominal do português brasileiro: causas e conseqüências. 1991. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. CEGALLA, D.P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do português contemporâneo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2013. LOPES, C.R.S. A inserção de a gente no quadro pronominal do português: percurso histórico. 1999. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Rio de Janeiro. LOPES, C.R.S. Nós and a gente in standard spoken Brazilian Portuguese. DELTA, São Paulo, v.14, n.2, 1998.

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MAIA, F. S. A variação nós e a gente no dialeto mineiro: investigando a transição. 2003. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte. NARO; GÖSKI; FERNANDES. Change without change. Language Variation and Change, 11 (1999), p.197-211. Cambridge University Press. OMENA, N.P. A referência à primeira pessoa do discurso no plural. In: SILVA, Gisele M. Oliveira; SCHERRE, Maria Marta. (Orgs.). Padrões sociolingüísticos: análises de fenômenos variáveis do português falado no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998. p.185212. PAUL,H. Princípios fundamentais da história da língua. Lisboa: Gulbenkian, 1970. ROCHA LIMA, C.H. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Empirical foundations for a theory of language. In: MALKIEL (Ed.). Perspective on historical linguistics. Amsterdan: Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1968. p.1-70. ZILLES, A. M. S. The development of a new pronoum: the linguistic and social embedding of a gente in Brazilian Portuguese. Language variation an change, 17, p.19-53, Cambrige University Press, 2005.

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A GRAMÁTICA DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS) COM EXPERIÊNCIA VISUAL ENTRE SURDOS E OUVINTES: DISCUTINDO VERDADES E MITOS Marcus Weydson Pinheiro (UFC) Resumo: A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua natural dos surdos. O seu reconhecimento como segunda língua oficial do Brasil surgiu com a Lei federal nº 10.436/2002. Para nos expressarmos, utilizamos principalmente as mãos e as expressões faciais como articuladores para produzirmos os sinais. Nós Surdos, por sermos uma minoria linguística e termos ricas experiências linguísticas visuais, diferimos dos ouvintes que utilizam o canal oral-auditivo. Esta língua se difere das orais por usar um canal visuoespacial como meio de perceber e expressar quaisquer ideias, sentimentos, literatura, política, conhecimentos científicos, entre outros. Os estudos linguísticos sobre as línguas de sinais têm se aprofundado e demonstram regras de sua gramática, ora similares ora contrastivas com a gramática das línguas orais. É fato que a maioria das pessoas pensa que as Línguas de Sinais são constituídas por meras mímicas e que, portanto, são universais. Desse modo, o presente trabalho objetiva desmitificar os pensamentos equivocados sobre as línguas de sinais e os sujeitos surdos, comumente reproduzidos pelo senso comum. Fundamenta-se nas teorias sobre linguagem (VYGOTSKY, 1993), além dos estudos linguísticos no âmbito das línguas de sinais (FERREIRA- BRITO, 1997; QUADROS & KARNOPP, 2004; QUADROS, 2007). Assim, pretendo discutir como as pesquisas específicas da Libras tem favorecido a acessibilidade aos coetâneos surdos, na última década, a partir do curso de licenciatura em Letras Libras, promovido pioneiramente pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e que se estendeu aos demais estados. Os Cursos de Letras Libras tem formado professores com novos conhecimentos gramaticais dessa língua visuoespacial.

PALAVRAS-CHAVES: Mitos – Estudos Linguísticos – Gramática – Libras.

1 - Introdução “A linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua encarada em si mesma e por si mesma. (Ferdinand Saussure, p.15) A experiência visual é primordial nas práticas discursivas e construções de significado dos sujeitos Surdos. Apesar disso, a sociedade em geral ainda não tem conhecimento sobre a cultura surda, ou estranham a comunicação realizada com os rápidos movimentos de mãos percebidas através do canal visual. No início de 2014, realizei uma pesquisa com alunos ouvintes

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da disciplina de Libras da UFC a qual questionava sobre conceitos da Libras, pessoa Surda, cultura surda e acessibilidade surda, na qual, após a análise de resultados, pude perceber um desconhecimento geral acerca desses assuntos, não conheciam por exemplo, o que eram as comunidades surdas brasileiras ou os diversos artefatos culturais da comunidade surda, tais como: a língua de sinais como primeira língua em famílias de surdos, a obrigatoriedade de iluminação para se estabelecer comunicação, as adaptações no âmbito dos desporto, como apitos e sirenes que são substituídos por luzes e bandeiras com boa visibilidade, entre outros. Na década de 1960, o linguista americano William Stokoe, que trabalhou como docente e chefe de departamento da Língua Inglesa na Universidade Gallaudet, publicou os primeiros estudos linguísticos sobre a estrutura da Língua Gestual e foi co-autor de um Dicionário de Língua Gestual Americana. Os estudos de Stokoe foram pioneiros e deram impulso a vários outros estudos sobre Línguas de Sinais no mundo inteiro. Visto que a Língua de Sinais é a língua natural da comunidade surda, esse tipo de língua apresenta uma complexidade peculiar como estruturas gramaticais próprias além de todos os níveis de análise de uma língua como a fonologia, morfologia, sintático, semântico, dentre outros (deste modo as Línguas de Sinais não se tratam de simples mímicas ou gestos soltos e descontextualizados utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação). Assim, qualquer uma pessoa que entre no contato com uma Língua de Sinais irá percorrer o processo de aprendizagem de uma língua como qualquer outra, similarmente como o que com o inglês, o francês ou o espanhol. Os surdos que dominam a Língua de Sinais podem discutir assuntos de qualquer natureza: filosofia, política, esportes, ou até mesmo produzir humor e peças teatrais e pode ser encontrada em diversos espaços sociais, dentre os quais podemos destacar, as associações, igrejas, shoppings e universidades. Apesar da crença popular, as Línguas de Sinais não são universais, no nosso caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) teve sua origem influenciada pela Língua de Sinais Francesa. Finalmente, a Libras foi reconhecida e oficializada como segunda língua oficial com a Lei Federal 10.436 de 2002, que se pode considerar um curto período de tempo, tendo em vista a longa idade das línguas orais modernas.

As pessoas frequentemente usam a palavra linguagem em uma variedade de sentidos: linguagem musical, linguagem corporal, linguagem das abelhas, entre outras possibilidades. [...] utiliza essa palavra para significar o sistema linguístico que é geneticamente determinado para desenvolver-se nos humanos. Os seres humanos podem utilizar uma língua de acordo com a modalidade de percepção e produção desta: modalidade oral- auditiva (português, francês, inglês, etc.) ou modalidade visuoespacial (língua de sinais brasileira, língua de sinais americana, língua de sinais francesa, etc.). [então, definindo língua e linguagem] Sabe-se que para vocábulo inglês language encontram-se, no português, dois vocábulos: língua e linguagem. A diferença entre as

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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583 duas palavras está correlacionada, até certo ponto, com a diferença entre os dois sentidos da palavra inglesa language. A palavra linguagem aplica-se não apenas às línguas português, inglês, espanhol, mas a uma série de outros sistemas de comunicação, notação ou cálculo, que são sistemas artificiais ou não naturais. Por exemplo, em português, a palavra linguagem é usada como referência à linguagem geral, e a palavra língua aplica-se às diferentes línguas. O vocábulo linguagem, em português, é mais abrangente que o vocábulo língua, não só porque é usado para se referir às linguagens em geral, mas também porque é aplicado aos sistemas de comunicação, sejam naturais ou artificiais, humanos ou não. (QUADROS e KARNOPP, 2004, p.24)

Tomemos por exemplo as Línguas de Sinais da Inglaterra e Estados Unidos, que compartilham a mesma língua oral (o inglês), mas diferem em suas línguas de sinais. O mesmo acontece com outros países como o Brasil e Portugal, compartilhamos a língua oral (o Português), mas possuímos línguas de sinais diferentes. A Libras, como Língua de Sinais, tem caráter visuoespacial e possui cinco parâmetros: configuração de mão, ponto de articulação, orientação, movimento e as expressões faciais e corporais. Na fala sinalizada outros aspectos gramaticais podem surgir no espaço de sinalização como movimentos do corpo e classificadores. Outra peculiaridade das línguas de sinais são a iconicidade e arbitrariedade: A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a Libras é produzida e percebida pelos surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o desenho no ar do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza lingüística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a que se refere, mas isso não é uma regra. A grande maioria dos sinais da Libras é arbitrária, não mantendo relação de semelhança alguma com seu referente. (REBECA, 2012).

2 - Desenvolvimento

É importante notar que a Língua Portuguesa e a Libras possuem estruturas linguística e regras gramaticais diferentes. Uma das especificidades da Libras, por exemplo, é o uso de recursos visuais como os classificadores, que se fazem constantemente presentes em produções sinalizadas e conseguem expressar o pensamento do falante durante a conversa. A Libras se constitui um meio eficiente de comunicação para crianças surdas, adultos surdos, ouvintes sinalizantes e tradutores/intérpretes de Língua de Sinais (TILS), ou seja, para todos os usuários.

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2.1 Estrutura Linguística da Libras

Contrário ao modo como muitos definem a surdez (...) pessoas surdas definem-se em termos culturais e linguísticos. (WRIGLEY, 1996, p.13) Segundo Stokoe, doutor norte-americano em Linguística, os aspectos estruturais gramaticais básicos das línguas de sinais são: as configurações de mão, movimento e locação. Em síntese, a estrutura das línguas de sinais, no que diz respeito à formação de palavras, se difere da Língua Portuguesa, uma vez que a unidade mínima da Língua Portuguesa é o som (fonema), que varia gradualmente até a formação da sílaba. Nas línguas de sinais as unidades mínimas são os movimentos, as configurações de mão e a locação onde o sinal é articulado. As configurações de mão é um parâmetro fonológico primordial no desenvolvimento das construções e no entendimento de fala sinalizada para crianças e adultos surdos, assim como para ouvintes e intérpretes de línguas de sinais. Para exemplificar, com a configuração de mão em “Y”, podemos ter s sinal de “aproveitar”, “avião” e “evita”. O movimento é o parâmetro articulado que usa o espaço, pode ser realizado de várias formas e direções. Os movimentos podem ser do pulso, internos da mão e direcionais no espaço. (KLIMA E BELLUGI, 1979). A locação, também chamado de ponto de articulação, é uma unidade mínima responsável de articular o sinal. A locação pode tocar alguma área do corpo, ou no espaço em frente ao corpo do sinalizante. Vale ressaltar que na Libras existem variações de sinais de uma região para outra, no mesmo país. Para exemplificar essa variação regional, podemos citar que para o verbete “verde” existem sinais diferentes em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.

2.2. Sistema de transcrição para LIBRAS

Vários pesquisadores vêm adotando um sistema de transcrição para a língua de sinais tanto no Brasil como em outros países. Nesse sistema a utilização de palavras de uma língua oral- auditiva é usada para representar os sinais. Vejamos a tabela abaixo alguns exemplos:

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Língua Portuguesa Itens Lexicais

Língua Brasileira de Sinais Sinais da Libras transcritos com letras maiúsculas. Exemplo: CASA, ESTUDAR, CRIANÇA, etc. São produzidos com Sinal único, tem um hífen. Exemplo: CORTAR-COM-FACA; QUERER-NÃO; AINDANÃO, etc.

Duas ou mais palavras

Composto duas ou mais palavras

Dois sinais ou mais sinais. Mesmo sentido e significado. Única palavra Exemplos: CAVALO^LISTRA=ZEBRA, CASA^CRUZ=IGREJA

Desinência para gêneros Sinais sem marcação transcritos em LP com terminação usando (masculino e feminino) e número o símbolo (singular e plural) @ para reforçar a ideia de ausência de marcação de gênero e numero. Exemplos: AMIG@ (amiga/amigo); EL@ (ele/ela); MENIN@(menino/menina). Formas exclamativas interrogativas

e São feitos por meio da expressão facial e corporal na formação do sinal. Exemplo: QUEM? O QUE? BONITO! FEIO!

Os verbos que possuem São representados pelo tipo de classificador em Libras concordância de gênero (pessoa, Exemplo: pessoa ANDAR; veículo ANDAR, animal ANDAR objeto e animal). Plural Às vezes há uma marca de plural pela repetição do sinal, representada por uma cruz no lado direto acima do sinal que está sendo repetido: Exemplo: CASA+, CARRO +, MENINO + Na Libras, a regência verbal é marcada com um elemento que traz noção temporal ao verbo para expressar o tempo que se situa. No contexto sintático em algumas frases utilizase um advérbio de tempo para situa o verbo no presente (agora/hoje), no passado (ontem/já) ou futuro (amanhã/depois). Os tipos de frases na Libras são demarcados pela utilização de sinais acompanhados de expressões faciais e corporais, assim como as entonações demarcam os tipos de frases na Língua Portuguesa. Por isso, para perceber se uma frase em Libras está na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa ou negativa, é necessário está atento as expressões faciais e corporais que são feitas simultaneamente com alguns sinais. Tais exemplos: Frases em LIBRAS

Tipos de Frase – Expressões Faciais/Corporais

MEU NOME P-A-U-L-O

Afirmativa: A expressão facial é neutra.

SEU NOME?

Interrogativa: Sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça, inclinando-se para cima.

EL@ CASADA!

Exclamativa: Sobrancelhas levantadas num ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima e para baixo.

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As frases negativas podem ser feitas por três processos: a) com o acréscimo do sinal NÃO à frase afirmativa. Exemplo: CASA FEIA COMPRAR NÃO. b) com incorporação de um movimento contrário ao sinal negado. Exemplo NÃ0-GOSTAR, NÃO-QUERER CARNE e c) com um aceno de cabeça que pode ser feito simultaneamente com a ação que está sendo negada ou juntamente com os processos acima. Exemplo: EU VIAJAR NÃO PODER. Os autores Supalla e Newsport (1978) observaram que na Língua de Sinais Brasileira, os verbos podem surgir como derivações de substantivos, pela mudança de tipo de movimento. Os substantivos apresentam movimentos curtos e repetitivos, enquanto os verbos apresentam

movimentos

mais

longos

e

não-repetitivos,

tais

exemplos

a

seguir:

CADEIRA/SENTAR; ESCOVA/ESCOVAR E PERFUME/PERFUMAR. Também outro processo de repetição é chamado reduplicação, é muito parecido nominalização em português, assim como Libras repete o morfema (verbo). O que vem o substantivo e verbos ambos envolvidos são diferentes no movimento. Segue os exemplos: ABRIR LIVRO/LIVRO; ABRIR PORTA/PORTA. Segundo Battison (1978), classificaram-se as duas restrições fonológicas na produção de diferentes tipos de sinais envolvendo as duas mãos: “A condição de simetria” é aquela que usa as duas mãos das mesmas configurações de mãos, a locação deve ser a mesma e o movimento deve ser simultâneo (VÍDEO CASSETE) e alternado (TRABALHAR). “A condição de dominância” é aquela que usa uma mão ativa produz o movimento e outra mão passiva não produz o movimento mas serve de apoio. Tais exemplos a seguir: AJUDAR, VERDADE, PEDRA. As duas mãos usam as diferentes das configurações de mãos.

3 - Conclusão

Compreender e entender alguns aspectos da gramática da Libras, suas regras de formação e combinação dos elementos desta língua, por meio de estudos desenvolvidos por linguistas surdos e ouvintes fluentes em língua de sinais. No Brasil, ainda é recente essas pesquisas e carece de mais atenção acadêmica, ainda há poucos mestres e doutores nas áreas da linguística, educação, interpretação/tradução, saúde e dentre outras voltadas às línguas de sinais. No presente momento, pesquisas ainda estão em andamento aprofundando assuntos diversos da área, em especial a gramática da língua de sinais. Pesquisas como essa, trazem a reflexão da qualidade de “Ser humano” dos falantes de línguas sinalizadas, gerando uma postura diferenciada no modo de ver esses falantes (surdos), respeitando a língua e seus usuários caracterizando-os como bilíngues e biculturais. As pesquisas e artigos desenvolvidos sobre a 68


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Língua Brasileira de Sinais desempenham um importante papel na divulgação e reconhecimento da Libras como uma língua pela sociedade em geral. Esses trabalhos embasam as práticas de ensino e o processo de aprendizagem da Língua de Sinais em ambientes diversos, principalmente no contexto do Curso Superior de Letras/Libras ofertado em algumas Universidades Federais do Brasil.

Referências Bibliográficas

QUADROS, R. M., KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: Estudos Lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

FERREIRA, Lucinda. Por uma Gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro, 2010. STOKOE, W.C. “Sign Language Structure: An outline of the visual communication System of the American Deaf”. Studies in Linguistics: Occasional Papers, nº 8. Buffalo. University of Buffalo Press, 1960.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1984. KLIMA, E e BELLUGI, U. “Perception and Production in a Visually Based Language”. In: D.Aaronson e R. Rieber. Developmental Psycholinguistic and Communication Disorders, New York: The New York Academy of Sciences, 1975.

REBECA, Nemer. Acesso em 18 dezembro 2012. Disponível em: <http://www.rebecanemer. com.br/site/ content/surdos.php?content=7>.

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A GRAMÁTICA NOS TEXTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS, EM ESPECIAL O LIVRO DIDÁTICO Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva (UnP)

Resumo: Os Parâmetros Curriculares Nacionais – os PCNs – enfatizam a ideia de que a prática docente procure trabalhar as questões linguísticas, portanto a gramática, objetivando atender aos propósitos pragmáticos e comunicativos de maior relevância para o aluno. Tais documentos sugerem que a unidade de ensino seja o texto e que este seja o ponto de partida e de chegada para o trabalho com a gramática. Ressalta-se que um ponto importante nesse assunto é saber se no livro didático essas sugestões são consideradas, uma vez que este se constitui hoje principal referência em sala de aula. Assim, por reconhecer a pertinência do tema, este estudo visa, de uma maneira geral, analisar como são abordadas as questões de línguas no livro didático adotado em duas escolas de educação básica da cidade do Natal/RN. Para isso, nossa investigação centra-se em verificar como a gramática é trabalhada nos diversos gêneros textuais que são encontrados nesses manuais, em particular no do 60 ano do Ensino Fundamental e no da 1a série do Ensino Médio. Situado no âmbito da Linguística Aplicada, este estudo é conduzido numa perspectiva qualitativa e interpretativista, seguindo-se aportes da Linguística Funcional, da Linguística de Texto, do Sociointeracionismo e da Didática de Língua Materna. Nas constatações deste estudo, verificamos que as questões de língua ainda são trabalhadas nos livros didáticos da educação básica por meio de usos isolados, apesar de esses manuais apresentarem uma diversidade de gêneros que poderiam se apresentar como ponto de partida e de chegada para o ensino de gramática. Palavras-chave: Gramática. Textos didático-pedagógicos. Livro didático.

1 INTRODUÇÃO

O ensino de português na educação básica, apesar de alguns avanços decorrentes de políticas públicas, ainda se fundamenta, em sua maioria, nos estudos gramaticais. Isso porque parte-se do entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal, em que descrição e norma se confundem na análise do enunciado. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – tanto os do Ensino Fundamental (PCNEF, 1998) como os do Ensino Médio (PCNEM 1999) – enfatizam a ideia de que a prática docente procure trabalhar as questões linguísticas objetivando atender aos propósitos pragmáticos e comunicativos de maior evidência para o aluno, de forma que essas questões estejam ligadas ao seu ambiente histórico e social. Tais propósitos sugerem, então, que o ensino de português seja dado na perspectiva da descrição e da reflexão linguística, do estudo dos gêneros textuais e da promoção do letramento, por intermédio do estudo dos mais variados textos. Acreditamos que um ponto importante nesse assunto é o uso do livro didático ou manual do aluno, na medida em que ele pode se constituir

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como um recurso de apoio, portanto de importância secundária, ou como recurso explicitamente adotado, por conseguinte principal referência em sala de aula para o ensino de português. Considerando essas possíveis realidades, este estudo, de uma maneira geral, visa analisar como são abordadas as questões de línguas no livro didático adotado em escolas de educação básica da cidade de Natal/RN. Para isso, nossa investigação centra-se em verificar como a gramática é trabalhada nos diversos gêneros textuais que são encontrados nesses manuais, em particular no do 60 ano do Ensino Fundamental e no da 1ª série do Ensino Médio. A análise está pautada nos encaminhamentos abordados nos documentos oficiais os quais sinalizam para o texto como unidade de ensino, por meio das diversas formas de comunicação as quais se concretizam em textos, isto é, concretizam-se em diversos gêneros textuais, bem como no reconhecimento de que o livro didático é, atualmente, uma importante ferramenta de trabalho do professor e um suporte pelo qual o aluno entra em contato com os mais variados textos, em geral, na modalidade escrita. Situado no âmbito da Linguística Aplicada, o estudo é conduzido numa perspectiva qualitativa e interpretativista, seguindo-se procedimentos aportes da Linguística Funcional, da Linguística de Texto do Sociointeracionismo e da Didática de Língua Materna. Assim, para um melhor entendimento do que aqui será discutido, iniciamos o artigo falando um pouco sobre o português na educação básica, em particular o que os documentos oficiais dizem acerca do ensino de língua portuguesa. Em seguida, analisamos como são tratadas as questões referentes a texto e gramática no livro didático. Para isso, fazemos usos de dois manuais do aluno: o do Ensino Fundamental, Para viver juntos (COSTA, GRETA e SOARES, 2009); e o do Ensino Médio, Português: ensino médio (NICOLA, 2005).

2 PORTUGUÊS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PERSPECTIVAS PARA O ENSINO NOS PCN

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental - PCNEF (BRASIL, 1998, p. 22) caracterizam o ensino de língua portuguesa como uma prática pedagógica que resulta da interação de três níveis variáveis: “o aluno; os conhecimentos com os quais se operam nas práticas de linguagem; e a mediação do professor.” Essa tríade é, assim, explicada: O primeiro elemento dessa tríade - o aluno – é o sujeito da ação de aprender, aquele que age com e sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento – o objeto de conhecimento – são os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem. O terceiro elemento da tríade é a

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prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento (BRASIL, 1998, p. 22).

Os PCNEFs enfatizam a utilização competente da língua portuguesa não só como meio de acesso e apropriação de bens culturais e participação ativa no mundo das letras, mas também, e nesse caso bem mais enfático, seu emprego na resolução e superação de situações e problemas do dia-a-dia. Vendo por esse lado, percebe-se que a ideia é que o aluno trabalhe as questões linguísticas para propósitos pragmáticos e comunicativos de maior evidência, e que o ensino de língua portuguesa não esteja direcionado apenas a assuntos relacionados à gramática. Os parâmetros resumem essa prática na atividade cujo objetivo busca a “análise e reflexão sobre a língua” (BRASIL, 1998, p. 78). Por meio dessa atividade, espera-se que os alunos aprimorem a sua capacidade de compreensão e expressão, em contextos de comunicação oral ou escrita. Salienta-se, pois, que o trabalho analítico e reflexivo acerca da língua tem como ponto fundamental e inicial o exame das estruturas mais regulares percebido no desempenho discursivo. Em se tratando do Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para esse nível – PCNEM (BRASIL, 1999) propõem competências e habilidades as quais permitem inferir que o ensino de português deve, dentre seus principais objetivos, desenvolver no aluno seu potencial crítico, seu entendimento de ver o mundo e de expressar-se linguisticamente acerca desse mundo e de diferentes representações, pois, só assim, ele adquirirá meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que o possibilitem atuar, de forma adequada, nas diversas situações de uso da língua. Ao abrigar o ensino de português, por meio da disciplina de Língua Portuguesa, que se encontra na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, os PCNEMs (BRASIL, 1999, p. 105) enfatizam que a inserção nessa área deve-se ao fato de que nela estão [...] destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados que serão de grande valia para a aquisição e formalização de todos os conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da cidadania. As escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos relacionados às diferentes formas de expressão, das quais a Língua Portuguesa é imprescindível.

Especificamente para a disciplina de Língua Portuguesa, essa área visa à constituição de competências as quais deverão ser trabalhadas no processo de ensino e aprendizagem, ao longo de todo o Ensino Médio. Por meio dessas competências, não se pretende diminuir os conhecimentos a serem adquiridos, mas sim explicar os limites nos quais o aluno desse nível de ensino venha a ter dificuldades para dar continuidade a seus estudos e participar da vida social.

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Nesse caso, o ensino de português deve procurar desenvolver no aluno desta última etapa da educação básica uma competência linguística, cuja essência não se pauta na exclusividade do domínio técnico do uso da língua “padrão”, mas, sobretudo, no saber empregar a língua na sua diversidade, em que se leva em consideração o contexto interativo. Para isso, os documentos estabelecem uma síntese das teorias desenvolvidas, nas últimas décadas, acerca do processo de ensino e aprendizagem da língua materna, bem como o papel que esse processo exerce. O que há de novo é a forma em tornar o eixo interdisciplinar viável na disciplina de Língua Portuguesa, pois “[...] o estudo da língua materna na escola aponta para uma reflexão sobre o uso da língua e a vida na sociedade” (BRASIL, 1999, p. 137). Percebemos, portanto, que está mantida e reforçada a relevância de uma prática que se resume na atividade de “análise e reflexão sobre a língua”, já estabelecida no Ensino Fundamental. Faz-se importante destacar que, para o Ensino Médio, os conhecimentos da língua materna devem ser aprofundados, a fim de que o aluno continue aprendendo e cresça como pessoa e intelectualmente, levando em consideração questões como ética, estética e política as quais resultam na formação de valores sociais e culturais.

3 TEXTO E GRAMÁTICA NO LIVRO DIDÁTICO

As questões relacionadas a texto e gramática, aqui analisadas, foram retiradas do corpus organizado por quatro alunos de iniciação científica, bolsistas do projeto de pesquisa do curso de Letras da Universidade Potiguar – UnP: O ensino de português na educação básica: texto e gramática. Esse corpus, cujas informações foram coletadas no período de agosto a dezembro de 2010 e de agosto a dezembro de 2011, é constituído pelo que denominamos textos didático-pedagógicos, por nós entendidos como textos adotados pelo professor em sua prática. Como exemplos desses textos, temos o livro didático, elaborado previamente objetivando o ensinar e o aprender; e outros textos, cuja produção não visa, inicialmente, ao ensino e aprendizagem. Entretanto, o conteúdo desses textos, em muitas situações da prática docente, atende aos propósitos educacionais. Para esta análise, escolhemos o livro didático, uma vez que este se constitui, hoje, principal referência em sala de aula e é por nós considerado o protótipo do texto didáticopedagógico. As questões de texto e gramática serão analisadas em dois manuais do aluno 7: o do Ensino Fundamental, Para viver juntos (COSTA, GRETA e SOARES, 2009), que faz parte do 7

Empregaremos também esse termo para nos referir ao livro didático.

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catálogo disponibilizado às escolas por meio do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, e fora escolhido para ser adotado nos anos de 2011, 2012 e 2013; e o do Ensino Médio, Português: ensino médio (NICOLA, 2005), que, desde 2006, se encontra disponível no catálogo do PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio) e foi escolhido para ser adotado nas escolas de ensino médio da cidade de Natal nos anos de 2009, 2010 e 2011. Em se tratando de como no livro didático do Ensino Fundamental8, em particular no do 60 ano, texto e gramática são trabalhados, verificamos que o manual apresenta uma diversidade de gêneros textuais, principalmente contos populares, histórias em quadrinhos e notícias. Percebemos que no LDEF a leitura e a produção de textos escritos ocupam espaço privilegiado em atividades com objetivos já bem definidos. No entanto, a temática dos textos se volta, em grande parte, a uma realidade de uma única região do país: a sudeste. As questões de gramática, apesar de os autores afirmarem que os conhecimentos linguísticos serão apresentados e analisados nos textos por meio de uma abordagem reflexiva, o que nos remete à “análise e reflexão sobre a língua” proposta pelos PCNEF (BRASIL, 1998, p. 78), continuam sendo trabalhadas de forma isoladas. Isso pode ser visto em várias passagens do manual. Dada às limitações deste estudo, reproduzimos a seguir apenas uma delas:

Releia:

HOMEM-PEIXE ENCERRA DESAFIO

a) Em que tempo está o verbo que aparece no título da notícia? b) Por que o título, embora diga respeito a um fato já acontecido, apresenta o verbo nesse tempo? (LDEF, p. 126)

A reprodução acima nos mostra que, mesmo utilizando um texto para trabalhar com questões de língua, como a categoria do verbo, por exemplo, o trabalho com a gramática no LDEF analisado ainda não apresenta uma proposta que possibilite ao aluno uma análise e reflexão sobre o uso da língua. Apesar da grande diversidade de gêneros textuais encontradas no manual, as questões de gramática ainda são trabalhadas de forma isoladas sem que possibilite ao aluno “refletir” sobre os usos linguísticos considerando essa diversidade textual. 8

A partir de agora LDEF.

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Quanto ao livro didático do ensino médio 9, em particular o da 1a série, para analisarmos como texto e gramática são trabalhados nesse manual, remetemos inicialmente a verificar com qual concepção de gramática as questões de língua serão abordadas. Percebemos, então, que a concepção de gramática nesse manual está ligada à concepção de linguagem como expressão do pensamento. Daí, uma valorização pela gramática normativa, já que, na primeira parte do LDEM, o autor trabalhar os termos gramaticais apenas dentro da variedade padrão da língua. Tal concepção pode também ser constatada nos capítulos que tratam sobre as questões de gramática, como, por exemplo, os capítulos 4 e 6 (LDEM, p. 42 e 81, respectivamente) 10. Isso porque, apesar de os capítulos serem introduzidos por textos, estes não passam de “pretextos”, conforme Geraldi (2003, 2005), para uma abordagem deslocada de questões de gramática. No capítulo 4, como pode ser visto a seguir, as questões relacionadas a aspectos gramaticais, como concordância verbal e nominal, são introduzidas por um anúncio referente à exportação de carne bovina, a saber:

Exportadores de carne argentinos Querem seguir exemplo do Brasil

Após a leitura da anúncio acima, responda; o que é de nacionalidade argentina, a carne ou os exportadores? Claro que são os exportadores, e nada se dizem sobre a carne que exportam e sua nacionalidade, e por que sabemos disso? O adjetivo gentílico argentino está no masculino plural, concordando com um nome também masculinos, plural exportadores, se ao contrário, o adjetivo gentílico estivesse no feminino singular, “exportares” de carne argentina querem seguir exemplo do Brasil. Com certeza seria a carne e não os exportadores, ou seja a carne seria de nacionalidade argentina.

(LDEM, p. 47)

Como podemos verificar, logo abaixo desse anúncio, são feitos alguns questionamentos que devem ser respondidos com base na leitura do texto. Como se trata de solicitar ao aluno a leitura de um anúncio, tem-se a ideia de que o leitor/ouvinte, no caso o aluno, possa entender o texto com base nas leituras que ele já tem sobre o tema para, a partir desse entendimento, compreender por que os argentinos querem tanto seguir o exemplo do Brasil, no que tange à exportação de carne, e por que esse fato propiciou a produção de um gênero 9

A partir de agora LDEM

10

Restringiremos a nossa análise apenas ao capítulo 4.

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publicitário. O que se vê, no entanto, é uma leitura já direcionada com um único propósito de justificar regras do uso padrão de aspecto gramatical da flexão de pessoa e número – a concordância verbal – e da flexão de gênero e número – a concordância nominal. As questões de concordância, tanto a verbal como a nominal, vão sendo explicadas na seção intitulada A gramática da frase (LDEM, p. 49) por meio de exemplos soltos descontextualizados do texto inicial: o anúncio publicitário. Esses exemplos vão desde citações de obras da literatura brasileira, como em (01) e (02), até aqueles que já se tornaram comuns na abordagem de aspectos gramaticais de concordância, como em (03), (04) e (05):

(01) a) Memórias de um sargento de milícias é a melhor crônica do Brasil de D. João VI. b) As Memórias de um sargento de milícias são a melhor crônica do Brasil de D. João VI. (LDEM, p.49) (02) a) Dom Casmurro é o livro machadiano mais conhecido. b) Dom Casmurro e Memórias póstumas são os livros machadianos mais conhecidos. (LDEM, p. 51) (03) a) b)

Consertam-se sapatos. Aluga-se casa de praia. (LDEM, p. 52)

(04) a) b)

É proibido a passagem de pedestres. São proibidos as passagens de pedestres. (LDEM, p. 53)

(05) a) Já é meio-dia e meia [hora]. b) Particularmente, acho que os horários são meio autoritários. (LDEM, p. 53)

Considerando que se trata de um texto didático-pedagógico destinado ao Ensino Médio, em que a literatura já é objeto de estudo ou deveria ser, o manual poderia aproveitar e abordar situações de organização interna da língua (a sintaxe) por meio de abordagem voltada para discussão acerca de algumas construções sintáticas de concordância em obras que fizeram parte de um estilo literário (o Realismo), já que faz referência em (01) às crônicas de Manuel Antônio de Almeida e em (02) ao famoso clássico machadiano – Dom Casmurro, com aquelas mais contemporâneas que, em muitas situações, estão disponíveis nos meios de comunicação de massa, como jornal e revistas, e nas redes sociais.

Nesse caso, os alunos seriam motivados a,

primeiramente, analisar a organização textual em épocas diferentes, especificamente questões de organização interna do texto como a flexão de nome e de verbo – tema do capítulo em estudo, para

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depois refletirem acerca do que permaneceu ou mudou nas questões de língua como concordância verbal e nominal após um século.

3 CONCLUSÃO

Ao abordarmos sobre o ensino de português na educação básica, em particular texto e gramática no livro didático, vimos que os documentos oficiais, PCNEFs (BRASIL, 1998) e PCNEMs (1999), sinalizam para um trabalho no ensino de português já centrado na “análise e reflexão sobre o uso da língua”. Percebemos que em ambos os níveis da educação básica esses documentos reforçam a ideia de uma prática que se resume na atividade de “análise e reflexão sobre a língua”. Verificamos que, nesses documentos, o texto passa a ser considerado o escopo de todo o processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa nos dois níveis de ensino da educação básica: o fundamental e o médio. Dessa forma, o conteúdo a ser explorado passa a ser a linguagem, por intermédio de três práticas interdependentes, a saber: leitura, produção de texto e análise linguística. Isso implica dizer que questões de língua, isto é, de gramática devam ser trabalhadas a partir da produção textual do aluno que, por sua vez, é motivada pela leitura cujo conteúdo deve proporcionar discussões para o ensino de língua portuguesa, resultando, pois, em uma análise e reflexão sobre os usos da língua. Assim, ao analisarmos, neste estudo, as questões de texto e gramática em dois livros didáticos da educação básica, adotados por escolas públicas da cidade de Natal/RN, percebemos que nos dois manuais ainda há um direcionamento para o tratamento dado às questões de gramática com um único propósito de justificar regras do uso padrão dos aspectos gramaticais. Até mesmo a diversidade de gêneros textuais que encontramos nesses manuais, principalmente o do ensino fundamental, o trabalho com o texto não passava de “pretextos”(Cf. GERALDI, 2003, 2005), para uma abordagem deslocada de questões de gramática. Com isso, percebemos que o tratamento dados à grande parte das questões de gramática trabalhadas nos dois livros didáticos ainda é exposto por meio de usos isolados, o que resulta num afastamento aos encaminhamentos propostos nos documentos balizadores para o ensino de português, que podem ser sintetizados como “análise e reflexão sobre a língua”.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Media e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMT, 1999. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. COSTA, Cibele Lopresti; GRETA, Marchetti; SOARES, Jairo J Batista. Para viver juntos: português, 6° ano: ensino fundamental. São Paulo: Edições SM, 2009.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ______. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. NICOLA, José de. Português: ensino médio. São Paulo: Scipione, 2005, v1.

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FUNCIONALISMO, DR. HOUSE E A GRAMÁTICA NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA Larisse Carvalho de Oliveira (UFC) Resumo: O mercado televisivo atingiu seu ápice com os seriados, formato televisivo mais comum nos Estados Unidos, fazendo-o ganhar mais espaço na televisão brasileira. Essa mídia pode auxíliar o ensino de gramática, por ser adaptável à dinâmica de sala e expor contextos discursivos comuns. Assim, objetivamos analisar as ocorrências de verbos modais em língua inglesa, e seus diferentes matizes no que diz respeito aos seus sentidos em um seriado americano, House (2004-2012), objetivando contemplar como os verbos modais diferenciam o grau de modalização no discurso médico televisivo. Nossa hipótese indica que poderão ser encontrados dados que demonstrem o nível de hierarquia e de formalidade expresso pelos falantes (fonte), quando se portam aos ouvintes (alvo). Consideramos os trabalhos sobre funcionalismo de Hengeveld (1988), os de modalidade de Palmer (1979), Lyons (1977), Neves (2006) e Lopes (2009). Como há divergências entre as concepções do que seja um verbo modal, seguimos a concepção de Bland (1996), referente aos modais sociais, que expressam polidez, formalidade, e autoridade em diferentes tipos de situações sociais. Utilizamos os cinco primeiros e últimos episódios da primeira temporada da série, televisados nos Estados Unidos em 2011-12. Separamos as ocorrências dos verbos modais referentes aqueles ‘sociais’, totalizando 64 casos. Tivemos o médico como a fonte de 82.8% das ocorrências, para 17.2% feitas por outras personagens. O alvo mais recorrente foram outros médicos – 78.1%, para 21.9%. Constatamos que devido à polissemia dos verbos modais, esses podem ser melhor compreendidos dentro de um contexto discursivo e que a fonte se utilizará de seu cargo social para obter o que deseja de seu alvo (ouvinte). Ressaltamos que esse estudo conta com o apoio da bolsa de fomento CAPES. Palavras-chave: Verbos modais, Gramática de língua inglesa, Seriado.

1 INTRODUÇÃO Frente ao uso de novas tecnologias no âmbito da sala de aula, o professor tem procurado meios de diversificar suas aulas, com o auxílio de novas ferramentas. No campo dos gêneros televisivos, as séries adquiriram importância na mídia mundial, adentrando a televisão brasileira. Tal gênero pode ser utilizado como ferramenta de apoio pelos professores, quando no planejamento de suas aulas, e ainda, como material linguístico pelas diferenças de sotaque, vocabulares e variedade de assuntos. É possível encontrar-se até mesmo, materiais já prontos, baseados nesse gênero, dispostos na rede, como é o caso do site de buscas de materiais didáticos ‘busy teacher’11, que auxilia professores de inglês com tarefas prontas. A maioria delas é feitas por professores que compartilham suas atividades. Assim, com o intuito de promover esse gênero televisivo na sala de aula, este artigo 11

Acessado em 20 de outubro de 2014: http://busyteacher.org/

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tem a intenção de tratar do funcionalismo linguístico, em especial, àquele pleiteado por Dik (1989), que considera a língua como instrumento de comunicação. Basearemos nossas discussões nos preceitos de Palmer (1979), Lyons (1977), Neves (2006) e Lopes (2009), para analisarmos o uso dos verbos modais em dez episódios da série americana House M.D. (2004-2012). É de nosso conhecimento que tal assunto é problemático para a compreensão dos alunos de uma língua estrangeira (LE), devido à polissemia apresentada por esses verbos. Portanto usaremos a classificação dos verbos modais de Bland (1996), em especial aqueles ditos ‘sociais’, pela autora. Escolhemos a série citada por sua grande aceitação por parte do público, e pela figura marcante de suas personagens, em especial o Dr. House, o que nos possibilitou tratarmos da modalidade da conduta, avaliando o uso dos verbos modais pelas personagens da série. Na seção seguinte, expomos alguns preceitos da vertente funcionalista que seguimos, assim também como definições sobre modalidade e modalidade deôntica. Logo depois, discutimos sobre o uso da gramática em uma aula de LE, versando sobre as possibilidades de se ligar um gênero televisivo que possa auxiliar os estudantes na aprendizagem das quatro habilidades exigidas de um aluno de língua estrangeira – leitura, escrita, escuta e fala. Explicamos na seção cinco como coletamos os dados e como esses foram codificados para rodagem no software Goldwarb12, para mellhor contabilização das ocorrências. Em sequência trazemos nossas análises e resultados, por meio de algumas tabelas para melhor compreensão. Ao fim, concluímos com nossas considerações finais.

2 FUNCIONALISMO

A teoria funcionalista nasceu a partir dos estudos do Círculo Linguístico de Praga (CLP), principalmente daqueles relacionados à Roman Jakobson e à Troubetzkoy. Ao CLP interessava antes de tudo o aspecto teleológico da língua, voltando-se para a sua finalidade no contexto linguístico. Para tal escola, as mudanças que ocorriam na língua não seriam ataques a sua independência, mas uma forma do sistema se desenvolver e de mostrar a sua dinamicidade. (FONTAINE, 1978) Dik (1989), por sua vez, desenvolveu a sua teoria funcionalista, de uma gramática funcional, na qual a abordagem linguística teria como alicerce as propriedades dos discursos com

12

É possível fazer o dowload do software no seguinte site: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.html. Acessado em 20 de agosto de 2014.

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propósitos comunicativos, ou seja, a interação, o uso e explicitamente a finalidade, intenção, do falante. A gramática desenvolvida pelo holandês tem por intuito ser um modelo para outras gramáticas funcionais (GF) que almejem tratar da língua e de suas normas, seguindo os padrões de adequação: pragmática, psicológica e tipológica.

Figura 1. Modelo de interação verbal (PESSOA, 2007, adaptado de DIK, 1989)

O modelo de interação de Dik mostra que o falante tem a sua informação pragmática, assim também como o seu ouvinte, suas crenças, opiniões, sentimentos e preconceitos não são desconsiderados. Ao elaborar e construir a sua intenção comunicativa pela expressão linguística, o falante tem em mente parte da informação pragmática de seu ouvinte, o que o possibilita a fazer mudanças em seu discurso. Segundo Neves (1997:21) “o falante, então, tenta antecipar a interpretação que o destinatário, num determinado estado da sua informação pragmática, possivelmente atribuirá à sua expressão linguística.” O ouvinte, por sua vez, antecipa e reconstrói o que lhe foi dito, interpretando o enunciado.

2.1 Modalidade e modalidade deôntica

Na antiguidade clássica, Aristóteles se ocupou do estudo da lógica para tentar explicar o raciocínio empreendido pelo homem, abrindo caminho para as definições de modalidade mais associadas ao estudo filosófico e da lógica. Algumas das modalidades conhecidas são divididas em aléticas, epistêmicas e deônticas. A primeira estaria mais relacionada à verdade das proposições, e como indica Lyons (1977), tem seu nascimento na lógica aristotélica. No entanto, como explica Neves (2006), as

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línguas naturais não mantêm o que se estabelece pela lógica, pois no momento da comunicação, de um falante e de um ouvinte, implica-se a existência de um contrato epistêmico em termos de conhecimento asseverado com o real, com a verdade e com o que é factual. No eixo deôntico, temos que a modalidade deôntica diz respeito a todos os meios linguísticos pelos quais um falante pode avaliar a realidade de um estado de coisas em termos de seu conhecimento dos estados de coisas possíveis (Hengeveld, 1988). Ou seja, do que é possível, ou requerido daquele a que se dirige o falante. Para Lyons (1977), a origem da modalidade deôntica diz respeito à função instrumental da linguagem, que de um lado expressa ou indica o querer e o desejo, e de outro faz com que as ‘coisas aconteçam’ por meio da imposição da intenção, do desejo e da vontade de seus agentes. Ela está preocupada com a necessidade ou a possibilidade dos atos performados por esses agentes moralmente responsáveis. Concordamos com Palmer (1979), que a modalidade da conduta, a deôntica, é orientada para o discurso, uma vez que é através do discurso do falante, que ele pode dar uma permissão (may/can; poder), fazer uma promessa ou ameaça (shall; particula de futuro, intensificada pelo verbo a ser utilizado em conjunto) e ainda, a imposição de uma obrigação (must; dever). Já sobre o uso dos imperativos, a autora (1986:168) explicita que eles podem não ser tão fortes quanto os modais, no entanto, fica a cargo do ouvinte julgar a força de tais proposições. Os valores semânticos que condizem à vertente da modalidade deôntica, são os de: obrigação/negação da obrigação; permissão/negação da

permissão; proibição/negação

de

proibição. Por fonte, tem-se aquele que enuncia o discurso, que faz uso dos valores deônticos em sua fala para de alguma forma impor sua vontade sobre um determinado alvo. Esse é aquele que recebe a mensagem, o qual será endereçado à carga valorativa do verbo modal. Essa dinâmica acontecerá através dos meios de expressão, que mostram de que forma a modalidade pode aparecer em textos escritos e falados, por meio dos verbos auxiliares ou modais: ter que/ter de, precisar, necessitar, poder/não poder, dever/não dever. Neste estudo daremos prioridade aos verbos modais de língua inglesa, já citados na subseção anterior.

2.2

O uso da gramática

Pensando-se gramática como o meio pelo qual o falante estrutura o seu falar para comunicar-se, acreditamos que o uso da gramática em sala de aula ‘assusta’ os alunos,

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principalmente quando nos referimos àquela normativa. Tal fato se dá por certa intimidação dos alunos de uma LE, quando relacionam essa com a sua língua materna. Cabe, então, ao professor coloborar para quebrar esse preconceito, possibilitando que a competência gramatical do aluno se construa e se desenvolva juntamente com a sua competência comunicativa. Essa última competência, como atesta Travaglia (2009:17), “implica duas outras competências, a gramatical e a textual.” Ou seja, é através dessas competências que o falante irá produzir significado e gerar textos, que se adequem às normas de determinada língua. No ensino de LE, é necessário que o estudante ‘internalize’ regras gramaticais que o ajudarão a formular textos, falados ou escritos, em uma língua não dominada por ele, como uma espécie de ‘guia’, para atingir o seu grau de formação desejado. Esse deverá incluir domínio dos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua, atendando-se para os valores proposicionais mantidos pela sociedade dos falantes que a dominam. Sobre a gramática tradicional, a respeito dos verbos modais, acreditamos que o tratamento de tal assunto ainda seja um pouco obscuro. Percebemos que: A tradição gramatical privilegiou tão somente o estudo do modo ao tratar dos modos do verbo no âmbito da morfologia e dos verbos modais em oposição aos verbos sensitivos e causativos no que se refere à sintaxe. De fato, o modo está intimamente ligado à categoria modalidade, [...] percebe-se que o conceito de modo permanece confuso e pouco explorado na abordagem tradicional. (FERNANDES, 2011, p. 162)

No que concerne a gramática de língua inglesa, pelo menos àquela utilizada em sala de aula – consideramos aqui a de Bland (1996) – notamos certo cuidado em se tentar dispor um contexto, inserindo o aluno em alguma situação que seja do seu dia-a-dia para que os sentidos dos verbos modais sejam melhor compreendidos. Esse cuidado é necessário para que o aluno consiga associar os dados que já domina de situações comunicativas de sua língua, percebendo as nuances de sigfinicado que podem mudar. Na seção seguinte, discutimos os métodos utilizados na coleta de nossos dados.

5 METODOLOGIA

Primeiramente selecionamos os cinco primeiros e últimos episódios da primeira temporada da série, televisados nos Estados Unidos em 2011-12, e conferimos a transcrição

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retirada da rede13, com os episódios televisados. Em seguida, separamos as ocorrências modais, e as plenas, para facilitar nossa quantificação. Optamos por trabalhar apenas com os verbos modais nesse artigo, e aprofundarmos nossas análises, deixando as discussões sobre os verbos plenos para outro momento. Utilizamos o software GoldVarb 30b3, que fornece o percentual, e a quantidade de ocorrências, desde que estabelecido previamente os grupos de fatores a serem analisados. Selecionamos os seguintes grupos: modais e plenos, como variante independente; fonte (médico ou paciente), fonte (médico ou paciente). Na próxima seção, trazemos nossas análises e resultados, assim também como os números obtidos com a rodada dos dados.

6 ANÁLISE E RESULTADOS Na tabela 01, expomos os resultados obtidos com base no grupo de fator ‘fonte’, tendo como possibilidade o médico ou o paciente. Ao todo foram analisadas 64 ocorrências.

FONTE

PERCENTUAL

Médico

82.8%

Paciente

17.2 %

Tabela 01 – fonte modal: médico e paciente O alto percentual mantido pelas personagens médicas, já era esperado, uma vez que o teor central da série é discutir os casos médicos que surgem no departamento de diagnósticos de House. As ocorrências variaram a depender do nível hierárquico mantido por aquele detentor da palavra. Em Lopes (2009), por exemplo, que analizou a modalidade deôntica em aulas de língua inglesa na rede pública de Fortaleza, a fonte poderia ser o professor, o aluno, o autor do livro e até mesmo a própria língua inglesa, impondo suas ‘normas’ ao professor e aos alunos. O maior percentual, 78,0%, dos dados também se voltou para a fonte esperada, o professor, assim 13

Todas as transcrições utilizadas neste trabalho foram retiradas do site: http://clinicduty.livejournal.com/12225.html. Acessado em: Março de 2014.

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como em nossa presente pesquisa. Confirmando a influência da relação hierárquica mantida pela fonte com o alvo. A tabela 02 traz os dados referentes ao alvo deôntico, àquele que é requerido a fazer algo.

ALVO

PERCENTUAL

Médico

78.1%

Paciente

21.9%

Tabela 02 – alvo modal: médico e paciente Novamente o percentual referente às personagens médicas foi alto. Aqui, acreditamos que o fato de House comandar a equipe, composta por três membros na primeira temporada, impondo seu querer sobre os outros médicos, contribuiu para esse valor. Os números referentes ao paciente foram consideráveis, no entanto, ainda baixo, já que se espera do médico maior ‘intromissão’ reportada à vontade do paciente, que deve seguir um tratamento ‘proposto’. Esperávamos um maior percentual, mas tal fenômeno explica-se por termos a figura médica como centro da série, o que é refletido pelos nossos resultados. De acordo com Filha, Lopes e Oliveira (2014), em trabalho com o mesmo corpus, mas com abordagem diferente, sociolinguística variacional, foi constatado que:

[...] a manifestação deôntica de proibição e de permissão (pode) ser mais significativa do que a de obrigação, uma vez que a personagem principal tem o poder de permitir e/ou proibir as ações feitas pela sua equipe médica. Nos dados envolvendo o discurso médico/médico, o valor de proibição pode ter se sobressaído em função também da hierarquia entre as personagens médicas.

Os valores deônticos acarretam maior carga semântica aos modais, transportando o teor volitivo de sua fonte para com seu alvo, por vezes mitigando ou asseverando aquilo exposto. Assim, podem ainda ser outra fonte para o professor explorar os significados dos verbos modais com seus alunos, atendando para os casos de formalidade, hirarquia e polidez. Isso envolveria aquele que fala e a quem se dirige o falante, dinamizando as nuances semânticas trazidas pelos verbos modais.

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CONCLUSÃO

Frente ao que apresentamos nesse artigo, podemos afirmar que devido à polissemia dos verbos modais pode ser melhor compreendida dentro de um contexto discursivo, no qual a fonte se utilizará de seu cargo social para obter o que deseja de seu alvo (ouvinte). Ou seja, a fonte se portará com maior força deôntica dependendo daquele ao qual é dirigido o seu discurso. Em um tratamento funcionalista de tal fato, é importante frizar os contextos de ocorrência desses verbos, os modais, que viabilizam maior grau de polidez, formalidade ou asseveração da vontade daquele que os enuncia. Dessa forma, caberá ao professor chamar a atenção dos alunos, para que uma reflexão seja feita sobre as situações expostas, tentando-se determinar as regras de convivência/polidez daquele ambiente.

Referências Bibliográficas DIK, S. The theory of functional Grammar. Parte I. The structure of the clause. Dordretcht: Foris, 1989. FERNANDES, M. B. S. “Breve abordagem da categoria discursiva modalidade”. In: Revista da academia brasileria de filologia. Ano IX, N° IX Nova fase. Rio de Janeiro, 2011, Segundo Semestre. p.157-169. FILHA, M. V. M; LOPES, M.F.S; OLIVEIRA, L. C. “A variação entre verbos modais e verbos plenos no discurso médico televisivo – House m.d. ” In: Anais da XXV Jornada Nacional do GELNE, Natal, RN, 01 a 03 de outubro de 2014 / organizadores Marco Antonio Martins, Lucrécio Araújo de Sá Júnior e Sulemi Fabiano Campos. Realização Grupo de Estudos Linguísticos e Literários do Nordeste- GELNE. - Natal, RN : EDUFRN, 2014. p.695-705. FONTAINE, J. O círculo linguístico de Praga. São Paulo: Cultrix, 1978. HENGEVELD, K. Illocution, mood and modality in functional grammar of Spanish. In: Journal of Semantics. v. 6, 1988, p.227-269. KOCH, I.G.V. Argumentação e linguagem. 9ª. ed.São Paulo: Cortez, 2004. LOPES, M. F. V. A modalidade deôntica na aula de inglês ministrada em português. 2009. Tese (Doutorado em Linguística) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. 263pgs.

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GRAMÁTICA FONOLÓGICA FUNCIONAL: O GESTO COMO UNIDADE BÁSICA14 Ronaldo Lima Jr (UFC) Resumo: A fonologia gestual procura aliar os aspectos (bio)mecânicos e físicos (fonéticos) bem como os linguísticos e cognitivos (fonológicos) em um único modelo, no qual o gesto articulatório opera como unidade básica. Utilizando a Teoria de Sistemas Complexos e Dinâmicos para representação linguística, a fonologia gestual interpreta a sistematização de um número limitado de contrastes sonoros para distinguir palavras como a auto-organização do sistema complexo que é a real possiblidade articulatória, não necessitando, portanto, de uma separação entre o físico e o cognitivo, entre o fonético e o fonológico. O gesto é uma unidade dinâmica de ação articulatória cujos resultados físicos podem ser vistos na movimentação dos articuladores, mas também opera como unidade básica de contraste lexical, tendo tanto uma dimensão abstrata como uma concreta. O gesto tem tanto uma dimensão discreta, quando isolado e limitado temporalmente para fins de análise, como uma dimensão gradiente, caracterizando-se pelos movimentos gradientes e sobrepostos dos articuladores. Além disso, os gestos são dinâmicos e se sobrepõem a outras unidades gestuais na representação de enunciados. A sobreposição dos gestos permite o estudo de fenômenos gradientes, contrastando-se às fonologias tradicionais, cujas unidades de análise são discretas e categóricas. A sobreposição de gestos, juntamente com a diminuição de suas magnitudes, explica, por princípios gerais em vez de regras de mudanças categóricas, fenômenos tradicionalmente tratados como alofonia, variação, assimilação, elisão, apagamento, redução, inserção, etc. Com isso, a possibilidade da sobreposição de gestos significa que uma série de fenômenos fonológicos acontecem automaticamente em vez de terem que ser estipulados por manobras de regras específicas. Diferentemente das regras de fonologias de traço, na fonologia gestual, gestos nunca são apagados ou transformados em outros gestos, e novos gestos nunca são adicionados. Finalmente, a natureza funcional da fonologia gestual exige dados reais, tanto articulatórios como acústicos, como insumo para suas análises.

Palavras-chave: fonologia, gesto, dinamicismo

1 INTRODUÇÃO No final da década de 80 e início de 90, Browman e Goldstein (e.g. 1988; 1989a;1989b;1990;1991;1992;1995) propuseram uma abordagem de análise e representação fonológica baseada em sistemas complexos e dinâmicos, denominada por eles Fonologia Articulatória. Nessa abordagem, Browman e Goldstein procuram aliar a fonética e a fonologia no propósito comum de melhor descrever e compreender a fala nas línguas. Eles criticam os estudos sobre a fala humana desenvolvidos até então que viam a fala exclusivamente como uma atividade (bio)mecânica e física (fonética) ou como uma estrutura linguística e cognitiva (fonologia), sem dialogar uns com os outros. Para eles, esses dois tipos de estudo são, na verdade, descrições de duas dimensões de um mesmo sistema complexo e, portanto, devem ser investigadas

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Este texto é uma versão reduzida e traduzida de Lima Jr (2013), publicado em inglês.

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conjuntamente, trazendo à fonologia articulatória tanto o aspecto físico/mecânico como o linguístico/cognitivo. Os modelos fonológicos tradicionais tinham como ponto principal de investigação o fato das línguas utilizarem um número limitado de contrastes sonoros para distinguir palavras (dimensão macroscópica) se comparado ao número real de possiblidades articulatórias (dimensão microscópica), estabelecendo, então, uma separação entre estudos fonológicos, sobre a dimensão macroscópica, e estudos fonéticos, sobre a dimensão microscópica, com pesquisadores de uma área ignorando dados da outra. Contudo, essa diminuição da quantidade de possíveis formas articulatórias para a quantidade que realmente é utilizada sistematicamente em uma língua pode ser interpretada como um exemplo de auto-organização de um sistema complexo, não necessitando, portanto, de uma separação entre o físico e o cognitivo. Conforme exposto na seção anterior, sistemas complexos apresentam padrões de comportamento globais que emergem da interação local de seus diversos componentes entre si e com o ambiente, com o próprio padrão global servindo de input para outras interações locais. Sob essa ótica, é possível interpretar os padrões macroscópicos (fonológicos) como um estado de atração consequente da autoorganização das interações na dimensão microscópica (fonética) (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1991;1995). É possível, portanto, unir o estudo de fenômenos contínuos e gradientes (fonéticos, microscópicos) na sistematização de representações discretas (fonológicas, macroscópicas). Na fonologia articulatória, Browman e Goldstein (1992, pg. 23) veem o termo fonologia como “um grupo de relações entre eventos físicos reais”, que corresponde à fonética tradicional, “e padrões em que esses eventos entram” , que corresponde à fonologia tradicional. Em uma metodologia de complexidade e dinamicismo, a interação entre frentes de estudo separadas, e muitas vezes dicotômicas, como as perspectivas tradicionais de fonética e de fonologia, é essencial, como aponta Larsen-Freeman (1997, pg. 158): “a teoria do caos/complexidade

incentiva o

enfraquecimento das barreias em ASL

para ver

complementariedade, e para praticar inclusão onde linguistas têm visto oposição e exclusão.” A união entre a fonética e a fonologia é defendida há bastante tempo, por Keating (1996) e Pierrehumbert (1990), por exemplo, e tem recebido mais e mais adeptos, principalmente por causa da perspectiva complexa e dinâmica da linguística, por exemplo, com Leather (1999), Albano (2001), Silva (2003) e Cristófaro Silva (2006), para citar alguns. Na introdução do livro “Fonologia em Contexto” organizado por Martha Pennington, ela diz acreditar que. estamos em um momento na linguística no qual as nossas divisões estão interferindo com o progresso e enfraquecendo nosso poder descritivo, explanatório e preditivo. Este não é o momento de reforçar fronteiras históricas e de cavar território ainda mais, mas sim, um momento em que todos nós

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precisamos conversar uns com os outros (PENNINGTON, 2007, pg. 3).

2 O GESTO ARTICULATÓRIO

Na fonologia articulatória, a unidade primitiva deixa de ser o fonema e passa a ser o gesto articulatório. O gesto é uma unidade dinâmica de ação articulatória cujos resultados físicos podem ser vistos na movimentação dos articuladores. Ele é “uma oscilação abstrata que especifica constrição no trato vocal e induz os movimentos dos articuladores” (ALBANO, 2001, pg. 52). Consoante com a diminuição da barreira entre a fonética e a fonologia, a fonologia articulatória estabelece o gesto não apenas como unidade de ação articulatória, mas também como unidade básica de contraste entre itens lexicais, ou seja, itens lexicais serão contrastados se tiverem uma composição gestual diferente. Além disso, o gesto tem tanto uma dimensão abstrata como uma concreta, pois, apesar de ser uma unidade abstrata, ele pode ser observado, e investigado, na movimentação dos articuladores. Browman e Goldstein modelam os gestos por meio da dinâmica de tarefa de Saltzman (1986), que é um modelo de motricidade que define um movimento não por movimentos individuais, mas pela tarefa a ser cumprida, nesse caso, utilizada para modelar as ações multiarticulatórias coordenadas da fala. Uma das características mais importantes da dinâmica de tarefa é que não é o movimento dos articuladores individuais que caracteriza a dinâmica da fala, mas o movimento das variáveis do trato, sob uma perspectiva de sistema dinâmico. Albano (2001, p. 43) ainda defende que o gesto “se materializa não em movimentos efetivos dos articuladores, mas em comandos invariantes para a implementação desses movimentos em tempo real no trato vocal”. Uma primeira diferença entre o fonema e o gesto é que o fonema é uma unidade discreta, categórica, enquanto que o gesto tem tanto uma dimensão discreta, quando isolado e limitado temporalmente para fins de análise, como uma dimensão gradiente, caracterizando-se pelos movimentos gradientes e sobrepostos dos articuladores (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1991). A natureza categórica do fonema acaba exigindo muitas regras para dar conta de certos fenômenos fonológicos (SILVA, 2003), e muitas vezes nem mesmo dá conta deles, como será mostrado adiante e como os próprios Chomsky e Halle admitem ao dizer que “toda a discussão de fonologia neste livro sofre de uma inadequação teórica fundamental (...) o problema é que a nossa abordagem de traços, regras, e avaliações tem sido excessivamente formal” (CHOMSKY; HALLE, 1968, p. 400, trecho destacado por ALBANO, 2001, p. 38).

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Além dessa diferença, os fonemas são a) estáticos, b) neutros na relação entre articulação e acústica, e c) dispostos em grupos lineares e não-sobrepostos. Há teorias fonológicas pós-gerativas que procuram desafiar uma ou outra dessas características do fonema, como as fonologias não-lineares (e.g. a fonologia autossegmental de Goldsmith (1990)), que procuraram desafiar a disposição linear dos fonemas. Contudo, a fonologia articulatória é capaz de desafiar todas essas características do fonema, pois sua unidade básica, o gesto, tem como características principais a) ser dinâmico, uma vez que cada gesto é um sistema complexo; b) não ser neutro na relação articulação-acústica; e c) se sobrepor a outras unidades gestuais na representação de enunciados (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1995). O gesto articulatório é especificado por um grupo de variáveis do trato, que são cinco no trato oral: protrusão/abertura labial, local/grau de constrição da ponta da língua, local/grau de constrição do corpo da língua, abertura vélica, e abertura glotal. As variáveis do trato são descrições funcionais da tarefa, e distribuem o movimento associado ao gesto entre os articuladores envolvidos. O quadro a seguir mostra as variáveis do trato com seus respectivos articuladores, e a figura 1 mostra as variáveis no aparelho fonador. Variável do trato

Articuladores envolvidos

(1) Protrusão labial Lábios superior e inferir, mandíbula (2) Abertura labial (3) Local de constrição da ponta da língua Ponta e corpo da língua, mandíbula (4) Grau de constrição da ponta da língua (5) Local de constrição do corpo da língua Corpo da língua, mandíbula (6) Grau de constrição do corpo da língua (7) Abertura vélica

Véu platino

(8) Abertura glotal

Glote

Quadro 1: Lista de variáveis do trato e articuladores envolvidos na fonologia articulatória.

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Figura 1: Indicação das variáveis do trato no aparelho fonador.

No quadro 1, as variáveis do trato que estão dentro da mesma célula são duas dimensões de uma mesma constrição e, por isso, são consideradas variáveis do trato relacionadas. Isso ocorre com as variáveis local e grau de contrição, e com as variáveis protrusão e abertura labial. Cada variável ainda recebe um descritor, ou valor, gestual, que pode ser: Para as variáveis “grau de constrição” e “abertura”: 

Fechado (oclusivas);

Crítico (fricativas);

Aberto, que, para as variáveis “corpo da língua” e “abertura glotal”, se subdivide em: o

Estreito, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição indica uma vogal, e em “abertura glotal” indica uma consoante não aspirada;

o

Médio, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição indica uma vogal;

o

Largo, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição indica uma vogal, e em “abertura glotal” indica uma consoante aspirada.

Para as variáveis “local de constrição” e “protrusão”:  Para lábios: protruso, labial e dental;  Para ponta da língua: labial, dental, alveolar, pós-alveolar, palatal;  Para corpo da língua: palatal, velar, uvular, faríngeo. Esses descritores, ou valores, gestuais são discretos e podem remeter aos traços das fonologias gerativas; entretanto, apesar dos descritores serem também binários no sentido de estarem ou não presentes em um gesto, uma vez presentes, eles apresentam comportamentos gradientes e de sobreposição, características ausentes nos traços. A descrição de um gesto inclui um alvo para as variáveis do trato, que é atingido pela ação coordenada dos articuladores, que, por sua vez, é prevista em uma equação dinâmica de um sistema

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massa-mola, conforme explorado na dinâmica de tarefa. O ponto de equilíbrio da equação, que é o ponto de repouso da massa na mola, se traduz no gesto na sua chegada ao alvo. Como já mencionado, os gestos também funcionam como unidades de contraste fonológico, pois dois itens lexicais são contrastados se apresentarem uma composição gestual diferente. Essa composição diferente pode envolver a) a presença ou ausência de um gesto, b) diferença na variável do trato controlada pelo gesto, c) diferença no descritor/valor de uma variável, e d) diferenças na organização de um mesmo gesto. Cada um desses contrastes é ilustrado nas pautas gestuais da figura 2 e explicado a seguir. Pautas gestuais são utilizadas para ilustrar as relações temporais entre gestos. Cada gesto é representado por um bloco, cujo eixo horizontal indica sua duração e cuja altura relativa pode representar a amplitude. Gestos que envolvem variáveis do trato diferentes são exibidos em camadas horizontais diferentes.

Figura 2: Exemplos dos possíveis contrastes lexicais envolvendo mudanças gestuais.

O primeiro tipo de contraste, a presença/ausência de um gesto, é ilustrado por “pan” versus “ban”, pois a única diferença é que o primeiro tem um gesto de abertura glotal largo enquanto que o segundo não. O mesmo tipo de contraste pode ser encontrado entre “ban” e “bad”,

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pois essas palavras se distinguem apenas pela ausência do gesto de fechamento da glote na segunda, pois nela a closura final não é nasal, mas apenas alveolar. Semelhantemente, se retirarmos o gesto de fechamento labial do início da pauta que representa “ban”, passaremos a ter “Ann”. O segundo contraste é quando uma variável diferente controla o mesmo gesto, o que ocorre entre “pan” e “tan”, pois o gesto de fechamento inicial é nos lábios em “pan” e na ponta da língua (alveolar) em “tan”. O próximo contraste está na diferença de descritor/valor na mesma variável, como no contraste entre “sad” e “shad”, cujos valores do gesto crítico na ponta da língua mudam de alveolar para alvéolo-palatal. Finalmente, o último tipo de contraste é ilustrado por “bad” e “dab”, pois ambos apresentam exatamente os mesmo gestos, só que coordenados em ordens diferentes. Nas pautas da figura 2, é possível verificar uma das principais características do gesto: a possibilidade de sobreposição. Gestos podem não se sobrepor, ou se sobrepor minimamente, parcialmente ou completamente. A sobreposição dos gestos permite o estudo de fenômenos gradientes, contrastando-se às fonologias tradicionais, cujas unidades de análise são discretas e categóricas. Um exemplo de fenômeno gradiente que nenhum modelo fonológico de traços dá conta é o [ʃ] que ocorre na expressão ‘miss you’ em fala encadeada. Esse [ʃ] não tem as mesmas características articulatórias e acústicas do [ʃ] interno de palavras como mission. O [ʃ] da fala encadeada apresenta uma característica intermediária entre [s] e [ʃ] (ALBANO, 1990). Além disso, em modelos fonológicos de traços, a explicação dessa palatalização em sandhi externo é dada por meio da assimilação de traços, manobra não necessária na fonologia gestual, pois os gestos têm uma extensão de tempo prevista pela dinâmica da tarefa e, consequentemente, a sobreposição de gestos pode produzir resultados articulatórios e acústicos audíveis. A sobreposição de gestos, juntamente com a diminuição de sua magnitude, também substitui a manobra de apagamento de traços das fonologias pós-gerativas, e explica, por princípios gerais em vez de regras de mudanças categóricas, fenômenos tradicionalmente tratados como alofonia, variação, assimilação, elisão, apagamento, etc. Com isso, a possibilidade da sobreposição de gestos significa que uma série de fenômenos fonológicos acontecem automaticamente em vez de terem que ser estipulados por manobras de regras específicas, fazendo da fonologia articulatória um modelo implementacional e não derivacional (SILVA, 2003). Browman e Goldstein (1992) explicam que um dos motivos de grande ocorrência da sobreposição gestual é devido às diferenças temporais de gestos consonantais e gestos vocálicos, com estes muito mais longos que aqueles. Essa justificativa vai ao encontro da unidade rítmica proposta por Barbosa (2006), a unidade vogal-vogal (VV), que vai do onset de uma vogal até o onset da vogal seguinte, incluindo todas as consoantes e glides nesse intervalo. A proposta dessa

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unidade é baseada em estudos que apontam para a preservação da duração dessa unidade a fim de manter a estrutura rítmica e entonacional do enunciado, sendo, portanto, mais resistente a variação do que a sílaba. Dentro de seu modelo dinâmico acerca do ritmo do português do Brasil, Barbosa (2006) mostra como a unidade VV controla a sobreposição gestual. Outro exemplo de fenômeno que a fonologia articulatória explica por meio da sobreposição de gestos é o que tradicionalmente é chamado de variação alofônica. Nas pautas gestuais das quatro primeiras palavras da figura 2, por exemplo, há grande sobreposição do gesto de abaixamento vélico (“largo” na variável véu) com o gesto para a vogal (“largo e faríngeo” no corpo da língua), pois o início do gesto de abaixamento vélico precede ao término do gesto de fechamento labial. Isso resulta em um momento temporal no qual a cavidade nasal está aberta e o trato vocal está em posição para produzir uma vogal, ou em outras palavras, numa vogal nasal. O mesmo não ocorre com consoantes nasais em início de palavra, pois, nesse caso, o gesto de abaixamento vélico termina aproximadamente junto com o final do gesto de fechamento labial. Tradicionalmente, vogais nasais no inglês são explicadas por uma regra que transforma (ênfase intencional) uma vogal oral em uma vogal nasal quando precedida de consoante nasal final, com assimilação do traço nasal. Contudo, sob a ótica de uma fonologia gestual, as vogais nasais do inglês são simplesmente o resultado físico, regular e legítimo de como os gestos são organizados, não necessitando que uma vogal oral seja transformada em outra, pois o gesto para a vogal de “pan”, i.e. largo e faríngeo na variável corpo da língua, é exatamente o mesmo para a de “pad”, sendo que na segunda simplesmente não há a sobreposição com um gesto de abaixamento vélico que resulta na abertura da cavidade nasal. A sobreposição gestual também dá conta de fenômenos de fala encadeada, como (tradicionalmente chamadas de) assimilações, reduções, inserções, etc. Por exemplo, a inserção da oclusiva [t] em palavras como ‘prince’ é consequência da antecipação do fechamento do véu palatino em relação à passagem da constrição na ponta língua de fechada para crítica, produzindo um efeito audível, ou seja [t] (ALBANO, 2001), conforme ilustrado na figura 3.

Figura 3: Ilustração da inserção de [t] em prince na fonologia articulatória.

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Outro exemplo explicado pela antecipação de um gesto é o da redução de [t] para [] em algumas variedades róticas do inglês, como no inglês Americano. A figura 4 exemplifica o flap em ‘get it’, onde há o encurtamento do gesto de fechamento alveolar na ponta da língua, somado a uma significativa sobreposição deste aos dois gestos vocálicos. Para Albano (2001, p. 59), “nenhum modelo fonológico estático é capaz de dar conta desses deslizamentos”.

Figura 4: Ilustração do flap na fonologia articulatória

Com esse processo, de sobreposição gestual, a fonologia gestual dá conta de vários outros fenômenos, tais como:  a aspiração de oclusivas de início de sílabas tônicas em inglês, que é, na verdade, um fenômeno gradiente e, por isso, incabível em fonologias (pós-)gerativas;  o “l” pré- e pós-vocálico do inglês, i.e. puramente alveolar [l] ou alveolar e velar [], respectivamente;  a variação das oclusivas finais do inglês [p, t, k, b, d, g] pela oclusiva glotal [];  o aparente apagamento de traços, como o [t] em ‘perfect memory’, ou o schwa em ‘beret’;  a aparente transformação de [t] em [k] em ‘late class’, ou de [n] em [m] em ‘seven plus’.

CONCLUSÃO

A explicação para todos esses fenômenos é feita por duas modificações gradientes durante a fala: o aumento da sobreposição e a diminuição da magnitude gestuais. Diferentemente das regras e manobras de fonologias de traço, nas fonologias gestuais gestos nunca são apagados, nunca são transformados em outros gestos e novos gestos nunca são adicionados. É importante lembrar que a formulação dessas explicações se dá a partir de dados reais tanto articulatórios, por meio de eletropalatografias, eletromiografias, fibroscopias, transiluminação, raios-X, etc.; como acústicos, por meio de análises espectrais, e não pelo simples julgamento de falantes ou de

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pesquisadores sobre a boa formação. São por esses motivos que Albano conclui, em sua análise da fonologia articulatória, que: diante da elegância das soluções obtidas para esses problemas, tão difíceis de tratar no quadro das fonologias pós-gerativas, mesmo não-lineares, o mínimo que se pode dizer da fonologia articulatória é que ela modela adequadamente, em primeira aproximação, a ‘fonética linguística’ (ALBANO, 2001, p. 59).

O principal motivo de Albano incluir “em primeira aproximação” na sua análise está na ênfase que a pesquisadora dá ao papel acústico na constituição do gesto articulatório. Portanto, Albano (2001) propõe a Fonologia Acústico-Articulatória, que marca sua afiliação à proposta de Browman e Goldstein, mas enfatiza “a importância das relações acústico-articulatórias para a questão da comensurabilidade” (ALBANO 2001, p. 104). A importância da incorporação do aspecto acústico está relacionada à Teoria Quântica (STEVENS, 1972), discutida na seção anterior. Para Albano, tanto a dimensão articulatória como a acústica estão envolvidas no gesto. Para ilustrar seu ponto, a autora menciona pesquisas de bite-block, nas quais participantes têm o movimento da mandíbula limitado momentaneamente por algum dispositivo e, ao serem requisitados a falar algo, conseguem adaptar a trajetória dos articuladores para a produção (acústica) correta de algum som. Dessa maneira, é possível executar um [i] com a mandíbula aberta e um [æ] sem baixar a língua. Ou seja, para uma melhor investigação do gesto, não pode haver demasiada ênfase na produção articulatória em detrimento do resultado acústico.

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GRAMÁTICAS EM LÍNGUA INGLESA: FORMALISTA OU FUNCIONALISTA?15 Larisse Carvalho de Oliveira (UFC)

Resumo:

É de nosso conhecimento que as teorias funcionalista e formalista tratam da língua de modo diferente: a primeira, inserindo os estudantes num contexto e em seus usos; e a segunda, preocupada com as estruturas e regras da língua. Considerando os métodos que se guiam por ambas vertentes, analisamos duas gramáticas de inglês e suas maneiras de explorar a gramática dessa língua, pois é essencial que um professor conheça o recurso que utiliza no ensino de línguas. Escolhemos Intermediate Grammar – From form to meaning and use, de Susan K. Bland (1996), e Macmillan English in Context – intermediate, de Michael Vince (2008), e analisamos os capítulos referentes ao‘Past Perfect Tense’, normalmente ensinado para estudantes no nível B1. Pautamosnos nas obras de Neves (1997), Pezatti (2004) e Oliveira (2003). Analisamos a estruturação das explicações e atividades que deveriam ser respondidas pelos alunos. Constatamos que a gramática de Bland segue a corrente funcionalista, inserindo os estudantes em um contexto, antes de expor as regras gramaticais. Totalizamos seis (31.5%) questões de dezenove (68.5%), com trinta e três (33) itens, o restante é direcionado ao aspecto ‘continuous’ do Past Perfect. Vince é formalista, priorizando a estrutura, apesar de o próprio título e a apresentação da gramática indicarem um trabalho voltado para o contexto. Contabilizamos somente seis exercícios (100%), com sessenta (60) itens, a maioria no estilo ‘cloze’. Concluímos que a gramática funcional pode mostrar melhores resultados quando é utilizada em comunhão com a abordagem comunicativa, devido a sua cuidadosa reflexão sobre o significado, forma e uso, e pelos seus contextos sociais. No entanto, acreditamos que tanto a abordagem formalista, quanto a funcionalista podem ser utilizadas em conjunto, adequando-se a estrutura às necessidades dos alunos e ao meio em que estão inseridos.

Palavras-chave: Gramática de Língua Inglesa, Funcionalismo; Formalismo.

15

Mestranda do programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará (PPGL-UFC). Bolsista demanda social – Capes.Trabalho orientado pela profa. Dra. Maria Fabíola Vasconcelos Lopes, profa. do PPGL-UFC e do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC.

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1 INTRODUÇÃO

Admitindo-se que a língua é um organismo vivo e dinâmico, uma variedade de teorias foi criada para tratar de suas especificidades, por vezes focando-se em aspectos, semânticos, sintáticos, fonológicos, ou na união desses. Atentando-se para o aprendizado de tais aspectos em uma língua estrangeira, este artigo pretende trazer duas teorias – a funcionalista e a formalista – que diferem em método e abordagem, para tratarmos da língua inglesa. Discutiremos qual dessas teorias seria mais apropriada ao ensino de Língua Estrangeira (LE), inserido em contextos comunicativos. A terceira parte de nosso trabalho mostra algumas das características das teorias escolhidas, assim também como a nossa concepção do que seria ideal para se trabalhar em uma aula que focalize as quatro habilidades que um estudante deve aprender através da abordagem comunicativa, reading, speaking, listening e writing. A seguir, temos a descrição de coleta de dados e posteriormente, a análise dos dados coletados de duas gramáticas de língua inglesa, Intermediate Grammar – From form to meaning and use, de Susan K. Bland (1996), e Macmillan English in Context – intermediate, de Michael Vince (2008), em quais analisamos a exposição do tópico gramatical Past Perfect Tense. Logo em seguida, expomos nossos resultados e discutimos a abordagem escolhida pelos autores. Essas discussões serão fechadas em nossas conclusões, onde propomos soluções baseadas no nosso conceito de gramática para o ensino de língua estrangeira.

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FUNCIONALISMO / FORMALISMO

Com a urgência de se estudar os aspectos de uma língua, aspectos estruturais dessa são esquecidos, atrapalhando a comunicação em si, ou não contribuindo para a promoção da mesma. Neste artigo foram trabalhas as diferentes abordagens de gramáticas de língua inglesa sob as perspectivas funcionalista e formalista. A teoria funcionalista compreende que as particularidades de cada língua são classificadas em relação ao papel daquela durante a comunicação. Isso significa que a função de um termo tem um papel, um lugar, dentro de um sistema, ou seja, em um discurso e em uma interação com outro falante. Divergências entre classificações de termos na gramática funcionalista existem, ainda mais quando se leva em consideração as suas escolas. Nichols (1984), classifica as correntes funcionalistas em três tendências. A primeira, conservadora – que critica os conceitos estruturalistas e formalistas, não exprimindo um caminho 100


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de análise funcional que possa explicar as estruturas linguísticas e o propósito comunicativo. Seguida da moderada, a qual nos apoiaremos, mostra as inadequações dessa primeira linha e propõe uma análise funcionalista da estrutura. Por último, a extremada, considerando as regras das línguas naturais intrínsecas a função, não admitindo a realidade cognitiva das estruturas linguísticas. Seguimos a vertente holandesa, focalizando nos trabalhos de Dik (1989), e de Neves (1997). Dik (1989), afirma que o falante toma para si o papel principal, já que ele se comunica com os outros de maneira eficiente. Para Dik, uma descrição linguística não pode vir antes de uma referência para o falante e seu ouvinte, durante a interação. Ou seja, é necessário que se entenda quem são os participantes daquela dinâmica/conversação, o contexto ao qual estão inseridos, para que se possa refletir linguisticamente sobre os seus papéis e as suas habilidades. Em A Gramática Funcional, Neves (1997: 15) propõe que uma gramática funcional seja “uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social". A competência comunicativa do falante estaria entrelaçada às suas habilidades para codificar e decodificar expressões (NEVES, 1997), adequando-se ao contexto vivido e levando-se em consideração a intenção do falante. Por outro lado, Pezatti (2004), afirma que uma gramática formalista gera suas explicações a partir de suas próprias estruturas. Isso significa que o ponto de vista formalista vê a linguagem como um órgão autônomo, ligado e registrado por regras específicas, o contexto em que essas ocorrem não é de todo importante. Os estudos de ordem formalista tiveram seus anos de glória durante a Segunda Guerra Mundial. Como explica Oliveira (2003), entre esse periodo, os governantes estavam preocupados com a necessidade de se dominar uma segunda língua, para ‘manter‘ alguma vantagem sobre seus inimigos, ou comunicar-se com seus aliados. Dessa reflexão nasceu o método áudio-lingual, tendo Bloomfield como seu principal responsável. Mais tarde, com sua teoria, o descritivismo, Bloomfield propôs que os usos de uma língua poderiam ser previstos pelos inputs fornecidos pelo ambiente. Estudiosos, como Chomsky, sugeriram um sistema de cálculo, diferente do sistema lógico, que serviria de comunicação. Além desses, outros métodos foram criados, até que o método comunicativo ganhou mais forças entre as décadas de 70 e 80.

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A CRIAÇÃO DE UM CONTEXTO – A ABORDAGEM COMUNICATIVA

Até agora, a gramática tem sido ensinada através de uma grande soma de regras, cobrindo a mente dos estudantes com fórmulas de estruturas de formação do ‘bom-falar’. No entanto, como 101


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explica Oliveira (2003), Celce-Murcia e Larsen-Freeman (1999), uma gramática pedagogicamente proposta está preocupada com as explicações internas e externas do sistema linguístico. De acordo os últimos autores, o intuito pedagógico de uma gramática, é fazer os estudantes se comunicarem uns com os outros, tornando possível uma linha de entendimento e interação. A figura seguinte demonstra o modelo proposto por Celce-Murcia and Larsen-Freeman (1999), chamado de pie chart:

Figura 1 (OLIVEIRA, 1999)

É possível vermos as nuances de aprendizagens ligadas. Um falante precisa usar forma e estrutura com uma variedade de significados, enquanto o uso pode diversificar as funções de determinadas estruturas no sistema. A ligação desses três conjuntos formará o discurso do falante, estando de acordo com a intenção comunicativa desse, e com o seu contexto discursivo.

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METODOLOGIA

Como já dito antes, duas gramáticas inglesas foram escolhidas para análise. A primeira, Macmillan English Grammar in Context: intermediate with key – de Michael Vince (2008), por ser contemporânea e a segunda – Intermediate Grammar: From Form to Meaning and Use – de

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Susan K. Bland (1996), por ser comumente usada no curso de Letras-Inglês da Universidade Federal do Ceará, por alguns dos professores que ministram aulas da grade curricular de inglês. O tópico gramatical escolhido foi o Past Perfect Tense, geralmente ensinado para estudantes com nível pré-intermediário da língua. Nossa primeira hipótese era a de que as duas gramáticas exporiam atividades motivadoras e desafiadoras, centrando o estudante em um contexto antes de sua imersão nas regras da língua padrão. Separamos os capítulos das gramáticas e avaliamos a forma de abertura desses, atentando para a exposição do tópico e para o foco de cada autor – forma, significado e uso. Em seguida, realizamos a contagem do número de exercícios e itens propostos aos alunos. Os resultados serão expostos e discutidos na seção seguinte.

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ANÁLISES E RESULTADOS

Dispomos nesta seção as análises e os resultados obtidos das duas gramáticas que avaliamos. Iniciamos com a de Vince (2008), com um pequeno trecho da seção introdutória:

The aim is to encourage students to see grammar used more realistically and in more interesting ways. The topics covered in the exercises can be used as a starting point for a lesson, as a subject for discussion (grifo nosso), and as a means of helping to build students' vocabulary in useful areas. (VINCE, 2008 p. 04)16

De fato, o professor se sente motivado a encontrar tal material. É sugerido que as lições trazidas pela gramática podem ser utilizadas como fontes de abertura (brainstorming) de uma aula, o que traria o estudante para um contexto antes de serem expostas as regras do novo tópico que deve ser compreendido. No entanto, encontramos um quadro similar ao que será mostrado a seguir:

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Tradução nossa: O [nosso] propósito é encorajar os estudantes a verem a gramática ser usada modo mais realisticamente e mais interessante. Os tópicos e exercícios abordados podem ser usados no começo de uma aula, ou como assunto para discussão, e como meio de auxílio na construção do vocabulário dos estudantes em áreas úteis.

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Figura 2 - (adaptado de VINCE, 2008: 28)

A página de abertura mostra apenas formas (afirmativa, negativa e interrogativas) e usos, esses últimos minimamente. Não há menção em significado, ou contextos, nenhuma situação é dada ao aluno, para que esse possa se situar. Em seguida, é mostrado um quadro com mais formas, e as atividades vêm logo depois.

Complete the sentences with the simple past or the past perfect. Use the verbs in the brackets.

a. When they _________ (ask) to use my car, I noticed I __________ (not –have) any gas. b. When I ___________ (arrive) at home, my mother ____________ (leave) to France.

Figura 3 - (adaptado de VINCE, 2008: 29)

Todas as atividades seguem a mesma estrutura e a mesma estratégia. Os estudantes deveriam preencher lacunas com a forma correta dos verbos, usando a forma do passado simples (Simple Past) ou do passado perfeito (Past Perfect). Em nenhum dos exercícios foi proposto que os alunos tentassem criar um diálogo, ou que produzissem algo com base em suas vivências. Todavia, acreditamos que a gramática traga características que podem ser apropriadas pelo professor durante a explicação. A atividade acima poderia ser um ponto de início para tornar os estudantes conscientes sobre o tópico, após a exposição de situações em que o tópico estudado

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aparecesse, por exemplo. O professor poderia pedir aos estudantes para pensar sobre situações e inserir sentenças com o tempo verbal estudado nesse momento. Depois disso, o professor poderia pedir aos alunos para criarem uma conversação, ou uma história sobre acontecimentos passados, fornecendo um input à criação individual ou conjunta dos mesmos. Dessa forma, material real estaria sendo produzido poderia ser usado posteriormente para a explicação das estruturas e dos usos do past perfect. Ao analisarmos a obra de Bland (1996), deparamo-nos com uma abordagem diferente. O capítulo é iniciado com pequenas ocorrências, possíveis de acontecer em um dia comum, uma notícia e uma conversa entre dois amigos.

Figura 4 (BLAND, 1996: 389) A partir do momento em que é indicado onde acontece a ação, ou quem a faz, torna-se assessível aos alunos a transposição das características daquele lugar/conceito ao momento da aprendizagem. Tal proposta, insere o aluno em campo de significados associados àquela situação, abrindo espaço para o professor explorar a continuação daquele evento, ou para tratar do que poderia ter acontecido, fornecendo material para a criação de novos exemplos. Logo após essa seção, a autora chama a atenção dos leitores/alunos, falando claramente que será estudado o past perfect, outra forma de falar do passado, e lembra-os dos capítulos que já abordaram essas ideias:

Figura 5 (BLAND, 1996: 389)

Mais tarde, as sentenças de abertura do capítulo são explicadas. Fala-se da relação entre as duas formas de passado e de um tipo de linha do tempo que pode ser estabelecido, tendo-se em mente qual ação ocorreu primeiro. A situação seguinte, a conversa entre amigos, é descrita como

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uma situação irreal, frente ao uso da terceira condicional, na qual também é utilizado o past perfect:

Figura 6 (BLAND, 1996: 389)

Em uma das atividades foi proposto aos alunos que trabalhassem juntos, para responder um diálogo, usando as formas do tópico estudado. Em seguida, requeria-se que os mesmos encenassem os diálogos, trabalhando assim, as habilidades de fala, escrita e leitura:

Figura 7 (BLAND, 1996:391)

A tabela abaixo mostra os números obtidos após a nossa análise. Em Bland (1996) totalizamos seis (31.5%) questões de dezenove (68.5%), com trinta e três (33) itens, sendo que as outras questões diziam respeito ao aspecto ‘continuous’ do Past Perfect. Já Vince (2008) apresentou somente seis exercícios (100%), com sessenta (60) itens, a maioria no estilo ‘cloze’, preenchimento de lacunas.

Gramáticas Exercícios Itens

Bland (1996)

Vince (2008)

6/19

6

33

60

Tabela 01 – Exercícios e itens

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corroborando com o que já foi dito neste artigo, acreditamos que a gramática funcional é a mais adequada para o ensino de uma LE, uma vez que insere o aluno em um contexto, as vezes por meio de um brainstorming, para em sequência voltar-se para as regras, caso necessário. A abordagem comunicativa demanda situações reais, que trabalhe usos e sentidos, sendo o oposto de uma gramática que se pauta na exposição de regras de antemão. Podemos afirmar que a gramática de Susan K. Bland trabalha com o tratamento funcionalista, encorajando os estudantes a criarem suas próprias situações comunicativas, expondo modelos verossímeis e de fácil associação. Considerando Collins Cobuild (1990), destacamos que os falantes usam a linguagem para formular significados, serem entendidos e primordialmente para se comunicarem, usufruindo das estruturas gramaticais para melhor estabelecer uma ligação com outros falantes de sua sociedade e conseguir o que desejam através da língua. As vezes a abordagem funcional não é tratada como importante, no entanto, é necessário ter uma gramática que diga ‘como, por que e quando’ devemos usar determinadas estruturas de uma língua. A gramática de Vince é nova, remodelada e interessante, traz novos fatos históricos em seus textos e um novo layout. No entanto, carece de um pouco de variedade em suas atividades, no que diz respeito a sua resolução, que atualmente privilegia os exercícios de cloze. Todas essas características influenciam os alunos a uma repetição exaustiva, que nem sempre significa êxito frente ao que deveria ser apreendido pelos alunos.

Referências Bibliográficas

BLAND, Susan Kesner. Intermediate Grammar: From Form to Meaning and Use. Oxford: Oxford University Press, 1996. COLLINS, C. English Grammar. London: Collins publishers – The University of Birmingham, 1990. DIK, S. The theory of functional Grammar. Parte I. The structure of the clause. Dordretcht: Foris, 1989. OLIVEIRA, Luciano Amaral. “Formalismo e Funcionalismo: fatias da mesma torta” In: Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p. 95 – 104, jul./dez. 2003. Disponível em: http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/29/formalismo_e_funcionalismo_fatias_da_mesma_torta.pdf. Acessado em: 01/06/2014. 107


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NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. NICHOLS, J. Functional theories of Grammar. Annual Review of anthropology, v.43, 1984. PEZATTI, Erotilde Goreti. “O Funcionalismo em Linguística”. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à Linguística. Vol. 3: Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez Editora, 2004. VINCE, Michael. Macmillan English Grammar in Context: intermediate with key. Oxford: Macmillan Education, 2008.

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INTERTEXTUALIDADE E GRAMATICALIDADE NO GÊNERO TEXTUAL TIRINHA: UM ESTUDO DE CASO Ariadna Rodrigues Probo Amara17 (UFPI) Elizandra Dias Brandão Clímaco18 (UFPI) Resumo: Este trabalho pretende mostrar como o estudo de aspectos formais da língua portuguesa pode ser abordado em sala de aula. Para tanto, nos valemos do gênero textual tirinha para observar as habilidades de leitura e interpretação de textos. Nosso objetivo foi compreender como se caracteriza esse gênero dando enfoque especial à presença da intertextualidade verbal e não verbal. A escolha do gênero tirinha se deu pelo fato do reconhecimento de sua importância na combinação entre texto escrito e imagem. Este estudo teve suporte em alguns teóricos, onde todos eles acreditam que, no trabalho com textos agramática é constitutiva, e ao mesmo tempo, uma imposição social. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho consistiu em uma pesquisa de campo realizada na Escola Municipal Mercedes da Costa, em Teresina – PI, com duas turmas do 8º ano, sendo, primeiramente, apresentado às turmas o projeto, o seu objetivo, a sua finalidade e a sua contribuição para o processo de compreensão do gênero textual estudado. Adentramos ao campo de pesquisa e discutimos a importância do uso da língua, assim como, a contribuição da gramática no gênero textual tirinha. Ao final do trabalho, percebemos que os alunos identificaram a relação de significado comum entre a imagem e o texto apresentado, conseguindo reconhecer, analisar e produzir o gênero textual estudado, assim como desenvolver o senso crítico a partir dos debates realizados nas aulas expositivas, recorrendo a uma análise linguística do gênero por meio de trabalhos provenientes das habilidades de leitura e escrita. Palavras-chave: Gramática. Gênero. Intertextualidade.

1 INTRODUÇÃO

No estudo de aspectos formais e informais da língua portuguesa, uma abordagem sobre intertextualidade e gramática no gênero textualtirinha: um estudo de caso merece destaque. Para tanto, nos valemos do gênero textual tirinha para observar as habilidades de leitura e interpretação de textos. Esse gênero ganhou grandes proporções e estudos a maioria dos estudos sobre a linguagem dos quadrinhos possui um ponto em comum, trabalha assuntos com base nas partes verbais e não verbais e o uso da intertextualidade. Partindo do objetivo destacado, foi 17

Ariadna Rodrigues Probo Amaral- Graduada em Pedagogia - FAEPI e Graduanda do Curso de Letras Portuguesa-UFPI. E-mail: ariadnaprobo@hotmail.com 18

Elizandra Dias Brandão Clímaco-Graduada em Pedagogia - ISEAF e Graduanda do Curso de Leras Portuguesa–UFPI. E-mail: eliclimaco35@hotmail.com

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realizada uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, com o propósito de encontrar suporte teórico para a importância dos gêneros textuais no processo de ensino aprendizagem de língua bem como definir de que maneira os gêneros textuais se portam como norteadores dos estudos de língua. Para tanto, tomamos como aportes teóricos estudiosos como: Bakhtin, Marcuschi, Bechara, Antunes, Koch, dentre outros que se fizeram necessários para o aprofundamento de nossa pesquisa.Este trabalho é relevante para dá ênfase à importância que há na leitura do gênero textual como fator determinante.

2 GRAMÁTICA EM SALA DE AULA

Os conhecimentos gramaticais são percebidos (ou relembrados) enquanto o escritor produz, monitorando a sua escrita. Eles devem ser trabalhados no texto. Principalmente se for no texto do aluno. Desse modo, utiliza-se o conhecimento para gerir prática, pois saber isoladamente o que é substantivo, verbo, adjetivo etc., não significará que o aluno será capaz de construir bons textos. A prática da leitura e o exercício da escrita, vinculados aos estudos gramaticais, são elementos que permitirão ao aluno uma melhor legibilidade dos textos. A propriedade metalinguística da linguagem permite a análise da língua por ela mesma. Não há dúvida que deve-se ensinar a gramática normativa nas aulas de língua portuguesa, embora sabe-se perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever com precisão (Antunes, 2007 p. 53). O dever da escola é ensiná-la oferecendo condições ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada.É importante enfatizar que a assimilação crítica dos estudos linguísticos e a necessidade de se estabelecer um maior contato do professor com a língua materna e a proposta da linguística; valorizar a língua falada pelo aluno. Considerando que a gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e acabada antes, porém seus conceitos devem ser relativizados, não existe relação entre a teoria gramatical e a prática de texto, porque para muitos estudar a língua se generaliza em estudar a gramática normativa. Por isso, existem tantas dificuldades nos alunos em elaborar um texto, pois a gramática é estudada de forma separada, isto é, não entra em consenso com as outras interações da língua, como a própria prática de produção textual, leitura, dentre outros. Para que haja um ensino de qualidade, faz-se necessário que o estudo da gramática vá de encontro à vida do aluno, a isto conceitua-se aplicabilidade.

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3 GÊNEROS TEXTUAIS

O trabalho com gêneros em aulas de língua faz com que os educandos, ao terem contato com uma grande diversidade textual, se familiarizem com as características próprias de cada gênero bem como os contextos nos quais cada gênero pode ser utilizado, levando-os a perceber a funcionalidade da língua. Assim, comungamos a ideia de Bronckart (1994, p. 137) que considera que “os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série de decisões que ele necessita ter competência para executar”. Dessa forma, o interlocutor que faz uso dos gêneros discursivos precisa conhecê-los e utilizá-los de forma competente, visto que o objetivo do ensino norteado pelos gêneros textuais é desenvolver no aluno a habilidade de utilizálos de forma eficaz. Assim, quando os gêneros forem levados para a sala de aula como ferramenta para desenvolver nos alunos habilidades de leitura e escrita deve ser salientado as características próprias de cada gênero, bem como seu papel no processo comunicativo e sua funcionalidade. O professor deve promover debates e diálogos com o propósito de instigar o aluno a ler e interpretar os textos de forma crítica e reflexiva. Outro ponto importante quando se trata de diversidade de textos é partir do conhecimento prévio dos alunos começando por aqueles com os quais estão mais familiarizados, para só depois introduzir gêneros com os quais eles ainda não têm familiaridade. Segundo Bakhtin (1997, p. 302), “aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero”. Observa-se que nessa concepção de Bakhtin os gêneros assumem certo poder normativo, ou seja, eles fornecem preceitos para que os usuários da língua, seja ela oral ou escrita, norteiem suas escolhas durante o processo comunicativo. Por possuírem uma função modeladora de enunciados discursivos os falantes recorrem a eles nas diversas situaçõesde interação.

3.1 AS TIRINHAS

O trabalho com os gêneros textuais em aulas de Língua Portuguesa tem como objetivo melhorar o desempenho dos alunos quanto à leitura e a produção de texto, uma vez que os gêneros fazem parte do cotidiano das pessoas. Com o gênero tirinha não é diferente, pois ela é um meio de comunicação muito utilizado pelo público por seu caráter humorístico, envolvendo personagens fixos, relacionados com o cotidiano. Esse gênero é constituído pela linguagem verbal e não verbal que agregadas produzem o sentido do texto. Sendo um gênero agradável e de fácil análise

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linguísticas, leitura e interpretação textual, é bem instigante para o aluno que na maioria das vezes criam uma aversão à leitura. As tirinhasé um gênero que pode ser focalizado pelo professor e alunos por meio de uma análise do texto, enfocando a materialidade da língua, e ainda a determinação histórica dos seus processos de significação. Elas constituem um subtipo das Historias em Quadrinhos, mas com narrativas mais curtas, ou seja, são historias sintetizadas, tem como característica principal o humor servoltado para o lado humorístico e sarcástico sempre mostrando inesperados, desperta a curiosidade dos leitores para podermos perceber com mais clareza como pode acontecer um trabalho com o gênero textual tirinha e considerando esse gênero uns excelentes recursos a ser utilizado em aulas de língua Portuguesa. Analise de uma tirinha de Mauricio de Sousa:

Usando como suporte essa tirinha poder ser feita uma análise da linguagem oral, que é preponderante nesse gênero textual devido à presença das falas nos balões, pois os alunos devem perceber as diferenças existentes entre a língua falada e a escrita e que no caso desse gênero a modalidade oral da língua está bastante presente, mas que o mesmo não ocorre em outros gêneros de cunho mais formal. Porém, cabe ressaltar, que deve ser um trabalho reflexivo das diferenças e semelhanças entre língua orla e escrita, e não apenas de forma a mostrar a linguagem informal como “errada”, pois se trata de variações linguísticas que precisam ser abordadas muito bem por parte do professor de língua. Outra possibilidade é utilizar esse texto para contextualização de conteúdos gramaticais.Mas não usando o texto para trabalhar uma gramática tradicional, mas uma gramática textual e reflexiva. Essas opções são apenas uma amostra do leque de atividades que podem ser desenvolvidas por professores de língua para dinamizar o estudo da mesma.

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4 INTEXTUALIDADE

A intertextualidadeé a influência de um texto sobre outro. Todo texto, em maior ou menor grau, é um intertexto, pois é normal que durante o processo da escrita aconteçam relações dialógicas entre o que estamos escrevendo e outros textos previamente lidos por nós. A intertextualidade pode acontecer de maneira proposital ou não, mas é certo que cada texto faz parte de uma corrente de produções verbais e, conscientemente ou não, retomamos, ou contestamos os chamados textos-fonte, fundamentais na memória coletiva de uma sociedade. A intertextualidade pode ser construída de maneira explícita ou implícita. Na intertextualidade explícita, ficam claras as fontes nas quais o texto baseou-se e acontece, obrigatoriamente, de maneira intencional. Pode ser encontradas em textos do tipo resumo, resenhas, citações e traduções. Podemos dizer que, por nos fornecer diversos elementos que nos remetem a um texto-fonte, a intertextualidade explícita exige de nós mais compreensão do que dedução. Vejamos alguns exemplos ¹:

Até o Fim

Com licença poética

Chico Buarque de Hollanda

Prado

Quando nasci veio um anjo safado

Quando nasci um anjo esbelto,

O chato do querubim

Desses

E decretou que eu estava

anunciou:

predestinado

Vai carregar bandeira.

A ser errado assim Já de saída a

Cargo muito pesado pra mulher,

minha estrada entortou

Esta espécie ainda envergonhada.

Mas vou até o fim (...).

Aceito os subterfúgios que me cabem,

que

Sem precisar mentir. (...) Exemplo ²

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tocam

Adélia

trombeta,


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O texto implícito é mais subjetivo, portanto, dependendo muito do olhar do leitor/espectador para ser encontrado e, muitas vezes, colocado deforma inconsciente pelo autor, justamente pelo fato de certas INFLUÊNCIAS ou REFERÊNCIAS desenso comum estarem tão dispersas no mundo que essas acabam surgindo naturalmente. Em um dos anúncios da BomBril, o ator se veste e se posiciona como se fosse a “Mona Lisa”, de Da Vinci. O slogan que o acompanha diz: “MonBijou deixa sua roupa uma perfeita obra-prima”. Esse enunciado sugere ao leitor que o produto anunciado deixa a roupa bem macia e perfumada, ou seja, uma verdadeira obra-prima (referindo-se ao quadro de Da Vinci). Vale destacar que, neste caso, a intertextualidade não assume a função apenas de persuadir, como também de difundir a cultura, uma vez que se trata de uma relação com a arte.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da nossa pesquisa nos possibilitou uma reflexão sobre o conceito de gêneros textuais na concepção de alguns teóricos, bem como, refletir sobre a sua importância para o ensino de língua, de forma a destacar os gêneros como instrumentos para o estudo e ensino de gramática. Dessa forma, percebemos que para que os alunos se tornem leitores críticos, com a capacidade de interpretar textos diversos de forma competente é preciso entender o contexto de produção e utilizar a língua em interações sociais com propósitos comunicativos. Para tanto, é necessário que os alunos tenham conhecimento da estrutura e das características dos gêneros textuais, bem como utilizá-los tanto nas produções cotidianas como nas mais complexas como os gêneros que permeiam a vida acadêmica e profissional. Nessa perspectiva, devemos pensar os gêneros textuais não apenas como objetos a serem analisados, mas também como um instrumento norteador para o desenvolvimento.

6 REFERÊNCIAS

ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 114


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BECHARA, E. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 12 ed., São Paulo: Ática, 2006. FRANCHI, C. Maso que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola Editoração, 2006.

MARCUSCHI,

Luiz

Antônio.

Gêneros

textuais:

definição

e

funcionalidade.

In:

DIONISIO,Ângela Rachel & BEZERRA, Maria Auxiladora (orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

MARCUSHI, Luiz A. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.

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LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR Raquel Figueiredo Barretto (FANOR) Resumo: Tem-se notado que os alunos ingressam no curso superior apresentando grandes dificuldades em língua portuguesa. As Instituições de Ensino Superior têm consigo uma grande responsabilidade: fazer com que a língua se torne um dos principais recursos para a realização plena da cidadania. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de professores sobre as aulas de português no ensino superior. Foi realizada, no primeiro semestre de 2014, uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva com abordagem qualitativa. Os sujeitos-informantes foram professores da disciplina de língua portuguesa de uma IES particular de Fortaleza. A coleta de dados deu-se, através da aplicação de um questionário enviado/disponibilizado através intranet da empresa. Como instrumento de análise de dados, optou-se pela análise de conteúdo de Bardin (1977). Os aspectos éticos da pesquisa foram respeitados conforme a resolução 196/96 do conselho nacional de saúde. Quando questionados sobre qual o papel do professor de português na faculdade, os sujeitos reconhecem dois papeis importantes: promover a interdisciplinaridade de discutir sobre a complexidade da língua. Quando questionados sobre qual a maior dificuldade encontrada pelo professor para o ensino de língua portuguesa, os informantes identificaram três grandes dificuldades: falta de motivação discente, relação teoria X prática e dificuldade do aluno em ler. Conclui-se que as IES têm consigo uma grande responsabilidade não só para com os seus discentes, mas com toda a sociedade. Trata-se da oportunidade de quebrar um círculo vicioso de formação de pessoas (ALVES, 2007, p. 03) que influenciarão outros a serem da mesma forma, de fazer com que a leitura se torne um dos principais recursos para a realização plena da cidadania, visto ser ela essencial a qualquer área de conhecimento. Palavras-chave: Língua Portuguesa, Ensino Superior, Professores.

1 INTRODUÇÃO

O ensino superior no Brasil é realizado por instituições de natureza diferentes. As instituições de educação superior, de acordo com sua organização e respectivas prerrogativas acadêmicas, são credenciadas como: faculdades; centros universitários; e universidades. Giroux (2010) enfatiza que o ensino superior não deve apenas fornecer competências fundamentais e o conhecimento técnico. A educação superior deve dar ao alunado a oportunidade para se apropriarem da linguagem da crítica e da possibilidade, exercitando-as. Conforme dados do IBGE (2010 apud APRILE, BARONE, 2009), o Brasil tem mais de 190 milhões de habitantes. Diante de tamanho processo de expansão demográfica, o governo precisou criar mecanismos de acesso, expansão e democratização do ensino superior. Esse tema, aliás, tem sido um entrave para o desenvolvimento do país nos últimos anos.

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No conjunto dos países da América Latina, o Brasil apresenta um dos mais baixos índices de acesso ao ensino superior se comparado com a Argentina (cerca de 40%), Venezuela (26%) e Chile (20,6%). Tal situação se configura como particularmente desafiadora, quando se toma como referência a meta definida pelo Plano Nacional de Educação de 2001, que propõe prover até o final da década a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos. (APRILE, BARONE, 2009) Ler é uma atividade que requer concentração e prazer. Tem ficado evidente o enfraquecimento do ato da leitura, principalmente na fase acadêmica. A maioria dos estudantes não procuram mais livros em biblioteca ou livrarias. O desinteresse fica cada vez maior, principalmente quando há uma mistura de cansaço físico e mental. Todo discente tem capacidade de pensar, sentir e expressar-se, mas para isso é preciso que ele faça uma leitura atenta. Fazer uma leitura crítica é ter uma ideia, um ponto de vista sobre o texto, fazer comparações com conhecimentos já adquiridos, avaliar informações sobre leituras já feitas. É de suma importância que se crie uma política de leitura na universidade, dar acesso aos textos impressos, conscientizar os alunos da importância do ato de ler. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de professores sobre as aulas de português no ensino superior. Foi realizada, no primeiro semestre de 2014, uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva com abordagem qualitativa. Os sujeitos-informantes foram os alunos e professores da disciplina de língua portuguesa de uma IES particular de Fortaleza. A coleta de dados deu-se, através da aplicação de um questionário enviado/disponibilizado através intranet da empresa. Como instrumento de análise de dados, optou-se pela análise de conteúdo de Bardin (1977). Os aspectos éticos da pesquisa foram respeitados conforme a resolução 196/96 do conselho nacional de saúde.

2 DESENVOLVIMENTO

Após a criteriosa análise das respostas, identificamos 02 categorias descritivas para a pergunta Qual você julga ser o papel do professor de português na faculdade?  Reflexão sobre a complexidade da linguagem “O professor de português tem a missão de orientar os alunos para a compreensão de uma realidade linguística que não se limita ao gramaticalismo, mas aprofunda uma reflexão sobre a comunicação, a linguagem, e a complexidade do texto, sua estrutura, tipos, gêneros e elementos.” (S) 117


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 Interdisciplinaridade “O professor de português tem um papel bem significativo, pois nossa área de atuação permite uma promoção de interdisciplinaridade com diferentes disciplinas. Além de ajudar os alunos a aprofundarem seus conhecimentos sobre o uso da linguagem, refletir sobe a importância da leitura e que o português é a base de qualquer comunicação bem-sucedida tanto âmbito profissional como pessoa” (M)

Após a criteriosa análise das respostas, identificamos 03 categorias descritivas para a pergunta Qual é a maior dificuldade (no ensino da língua) que você enfrenta com seus alunos?  Desmotivação discente “Os alunos não se sentem motivados quando ficamos no âmbito da conceitualização, da teorização. Se o professor conseguir incluir mais prática lúdica - porque mesmo na universidade, é uma missão possível - os alunos se sentem mais estimulados e pensam a prática da sua realidade profissional” (S).  Relação teoria X prática “A maior dificuldade é ajudá-los a perceber a importância dos conteúdos desenvolvidos, pois acham chatos e desnecessários, pois desde o colégio estudam português” . (M).  Falte de interesse do aluno pela leitura “Muitos alunos apresentam sérias dificuldades de leitura e escrita, ou seja, não entendem realmente a intenção comunicativa de um texto e escrevem textos com problemas de textualidade, gramática e ortografia. O que me leva a concluir que esses alunos tiveram problemas no ensino e na aprendizagem da língua no ensino básico“.(L)

2.1.Crise na leitura e o ato de ler

Silva (1988) distingue duas posturas do sujeito diante da leitura: o ledor e o leitor. Ler é muito mais do que extrair a significação de um texto. Assim, a leitura está embutida em todas as experiências da vida. Percebe-se então que a leitura é a compreensão do texto a partir do momento em que o individuo transita do ângulo superficial para a visão crítica, ultrapassando os limites do texto. A cada leitura feita surgem significados novos. Toda leitura de um texto é, portanto, individual, porque individuais são as experiências de cada um. Um texto é plurissignificativo, e cada pessoa atualiza parte de suas possibilidades, ou seja , dependendo de sua vivencia , atribui

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determinando significado e mobilizada por outro aspecto explorado pelo autor. Ler na verdade é uma terapia que torna o homem um ser capaz de realizar algo acima da sua imaginação. Despertar no aluno a motivação para leitura, não é uma tarefa fácil. Dessa forma, se o aluno tomar conhecimento dos benefícios e utilidades que a leitura traz, até mesmo para o seu dia a dia, com certeza, o aluno terá prazer em ler. Suscitar no aluno uma leitura crítica, capaz de chegar à interpretação da ideologia do texto e das concepções que estão escondidas nas entrelinhas. O aluno deve entender que nenhum texto é neutro, ou seja, que por trás de simples palavras há uma visão de mundo, pois qualquer texto tem como função reforçar ideias já sedimentadas ou propor novas formas de ver o mundo. Com o aumento do acesso à universidade, possibilitado pela expansão tanto do sistema público como de programas de bolsa e financiamento em instituições particulares, muitos estudantes chegam ao ensino superior. A linguagem é uma das formas de atuar, de influenciar, de intervir no comportamento alheio, que outros atuam sobre nós usando-a e que igualmente cada um de nós pode usar para atuar sobre os outros. Segundo Jean Foucambert (1994 ,p. 43): para aprender a ler, enfim, é preciso estar envolvido pelo escrito o mais variado, encontrá-lo, ser testemunha de e associar-se à utilização que outros fazem dele querer deter de textos da escola , do ambiente, da imprensa, dos documentários, das obras de ficção. Ou seja, é impossível tornar-se leitor sem essa continua interação com um lugar onde as razões para ler são intensamente vivida. A leitura no âmbito acadêmico tem sido objeto de muitos estudos, todos eles destacam a sua importância como um dos caminhos que levam o aluno ao acesso e à produção do conhecimento, enfatizando a leitura crítica como forma de recuperar todas as informações acumuladas historicamente e de utilizá-las de forma eficiente. Entretanto, tem sido demonstrado que os alunos ingressam no curso superior apresentando grandes dificuldades em relação à leitura, isto é, não conseguem compreender os textos lidos, textos esses que são solicitados pelos professores e, portanto, imprescindíveis para uma sólida formação acadêmica. Assim, o ato de ler e o de aprender são duas realidades muito próximas, portanto indissociáveis, interferindo-se mutuamente. Dominar a leitura e ser um leitor proficiente conduz o aluno a uma atitude ativa, dinâmica e crítica em relação ao conhecimento. Em uma pesquisa relacionada ao Exame Nacional de Desempenho (Enade) do ano de 2006, constatou-se que 43,6% dos universitários brasileiros – ou seja, menos de metade deles – estuda entre uma e duas horas por semana além do horário de aula, 34% leem no máximo dois livros por ano, excetuando os escolares, e 41,3% se informam mais pela televisão. A pouca dedicação à leitura e ao estudo busca sua justificativa na falta de tempo dos alunos. Segundo o

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Enade 2006, 68,2% dos universitários brasileiros estudavam à noite e 73,2% trabalhavam durante o dia (ANTUNES, 2003).

2.2. Dificuldade de leitura crítica e interpretação textual

É muito comum o professor pedir aos alunos que façam uma leitura prévia de um texto para próxima aula para ser debatido. Porém, os alunos mostram pouco interesse sobre o assunto, o que se percebe é que não houve motivação dos alunos pela pesquisa, logo não há propriamente uma discussão em sala de aula sobre as ideias apresentadas pelo autor e sim a exposição, pelo professor, daquilo que considera importante. Além disso, a leitura dos textos também é utilizada para a realização de resumos, sendo que, muitas vezes não há explicitação de um objetivo para essa atividade, bem como não há o retorno para o aluno sobre o texto que produziu. O problema se agrava quando o professor solicita uma resenha. Não há como o aluno posicionar-se criticamente diante de um texto quando ele sequer compreendeu as ideias apresentadas. O texto do aluno, geralmente, revela a sua incompreensão e se caracteriza como uma colagem do texto original, isto é, revela que ainda não se constituiu como um leitor proficiente. O que realmente fazer para despertar a curiosidade? Desenvolver a autonomia, criar condições necessárias para a formação de um leitor proficiente. Fazer uma leitura crítica é ter uma formação, um ponto de vista sobre o texto, fazer comparações com conhecimentos anteriores, avaliar ideias sobre leituras já feitas. Levar para o âmbito crítico e reflexivo, cumpre o papel de combater a alienação e promove a libertação de um povo. A dificuldade dos alunos para compreender os diferentes textos, que são necessários para a sua formação acadêmica, principalmente os propostos nos trabalhos de leitura em sala de aula, requer uma reflexão sobre a prática efetiva de ler, compreender e criticar. Assim, sendo o professor um leitor ávido, ele poderá, através de leituras de textos acadêmicos, transferir o material lido para sua prática pedagógica e deixar de ser apenas um repetidor de conteúdos prontos para tornar-se um profissional mais crítico, capaz de questionar o mundo que o rodeia e também às leituras praticadas. Para Freire (1982) não se pode fazer apenas uma leitura mecânica do texto, na qual se memoriza o conteúdo, sem compreendê-lo. É imprescindível ter postura crítica para que o estudo possa ser produtivo. Essa postura crítica necessária ao ato de estudar requer que se “assuma o papel de sujeito desse ato”. Freire ( 19982) ressalta a importância do ensino da leitura para que o aluno torne-se “sujeito do ato de ler” e seja capaz de “ler o mundo”, demonstrando criticidade diante da realidade em que está inserido. Para que o aluno torne-se apto para isso, o professor

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exerce papel fundamental. Durante as atividades na sala de aula, o professor deve mostrar ao aluno que um texto apresenta diversos níveis de significação. Despertar no aluno motivação para leitura é um ato de educar. Todo aluno deve ser convencido das vantagens de saber e poder ler. Dessa forma, ele terá motivação e consequentemente irá leva-lo à análise crítica. Assim, o essencial é aplicar metodologias aptas à amenização da crise da leitura na e da interpretação textual, pois o mais viável seria uma sistematização de ensino, onde os professores desde o alicerce estudantil, isto é, as séries iniciais orientassem os alunos a ler para que não sofressem futuramente com as dificuldades atreladas à compreensão textual.

4 CONCLUSÃO

Todas as formas de leitura são interessantes. O importante é ler. O aluno tem certa dificuldade de ler em público. Talvez pela insegurança, pela falta de hábito, pelo nervosismo e, quem sabe pelo medo de errar. Com o ingresso no curso superior, muitos acadêmicos sentem dificuldades de lerem em voz alta e consequentemente de produzir texto. Saber ler é uma exigência das sociedades modernas. Há, porém, uma importante diferença entre saber ler e praticar efetivamente a leitura: se aquela é uma necessidade pragmática e permite a realização individual de atividades básicas, como executar tarefas cotidianas, a esta é um importante instrumento para o exercício da cidadania e para a inclusão social do indivíduo. Trabalhar a crise da leitura e interpretação textual significa compreender os fatores que provocam essa crise. Fica evidente que a leitura e a interpretação textual são caminhos relevantes para o aprendizado. Logo, ler requer do individuo uma bagagem vivencial e um conhecimento prévio em relação aos textos a serem trabalhados. Analisar as consequências e buscar metodologias e/ou sugestões praticas com o intuito de amenizar a problemática em questão e dessa forma diminuir a crise com empenho. De acordo com a base na reflexão apresentada, torna-se claro que a escassa leitura por parte dos universitários não pode ser simplesmente atribuída a algum critério volitivo, seja por “má vontade” ou desapego insensato dos estudantes, pois existe um real déficit em nível socialmente determinado, que limita o êxito acadêmico desses discentes. As motivações negativas são mais profundas do que aquilo que está visivelmente aparente. Em geral, espera-se que eles já sejam leitores plenamente aptos, que apresentem as várias habilidades de absorção integral da mensagem de um texto, pois, ao final no ensino médio, o aluno/leitor já deveria ter adquirido as habilidades essenciais em termos de competências e motivações para que se tornasse um “bom” leitor. No entanto, a realidade observada é de pessoas 121


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despreparadas para conviver no mundo da leitura, determinadas por fatores de origem familiar, escolar e social, que não foram incitados em seu gosto pelo ato de ler, muito menos foram levados a perceber a importância disso na vida como cidadãos plenos. As Instituições de Ensino Superior têm consigo uma grande responsabilidade não só para com os seus discentes, mas envolvendo toda a sociedade. Trata-se da oportunidade de quebrar um círculo vicioso de formação de pessoas (MANGEL, 1997) que influenciarão outros a serem da mesma forma, de fazer com que a leitura se torne um dos principais recursos para a realização plena da cidadania, visto ser ela essencial a qualquer área de conhecimento. Não se trata de corrigir erros da formação básica dos alunos e sim represar uma situação professores e também dos estudantes, pois, sem a contribuição dos estudantes o esforço docente não terá sucesso. Sabese, que a leitura e interpretação textual são cruciais ao desenvolvimento educativo do individuo. Portanto, os estudos feitos através da revisão bibliográfica tem valor impar para a análise da temática em ênfase, a crise da leitura e interpretação textual na esfera escolar. Considerando que a leitura é essencial para o aprendizado do aluno, e, consequentemente, tem implicações na sua formação acadêmica e no seu desempenho como futuro profissional, nesse pensamento a educação visa a preparar o aluno para a vida sócio-política e cultural, cumprindo seu ideal político que é a emancipação do homem. Também não se deve esquecer que a leitura, como atividade significativa que é, não pode ser entendida sem que se leve em consideração a participação do sujeito, possuidor de uma história individual e singular, e seu convívio tanto familiar quanto em sociedade, bem como na Academia. Há que se dar preparo adequado aos alunos para lerem textos técnico-científicos, e aos professores, para capacitá-los a formarem bons leitores. Por isso, faz-se ciente que os professores das instituições de Ensino Superior tenham consciência do potencial transformador de cada uma de suas disciplinas para que, através delas, se possa vislumbrar o leque de possibilidades necessário para que seus alunos sejam os principais agentes do processo de leitura, interpretação e ação social, colocando-os na condição de prolongamento das ideias do autor, numa perfeita sintonia, fazendo da leitura um fato argumentativo. Por isso, faz-se necessário, entre outras coisas, que os professores das instituições de Ensino Superior tenham consciência do potencial transformador de cada uma de suas disciplinas para que, através delas, se possa vislumbrar o leque de possibilidades necessário para que seus alunos sejam os principais agentes do processo de leitura, interpretação e ação social, colocandoos na condição de prolongamento das ideias do autor, numa perfeita sintonia, fazendo da leitura um fato argumentativo.

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Referências Bibliográficas

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003 APRILE, Maria Rita; BARONE, Rosa Elisa Mirra. Educação superior: políticas públicas para inclusão social. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v. 2, n.1, p. 39-55, jan./jul. 2009. BARDIN. Laurence. Análise de Conteúdo.Porto: Edições 70, 1977. GIROUX, Henry. Ensino superior, para quê?. Educ. rev. [online]. 2010, n.37, pp. 25-38. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa: Rio de Janeiro: Paz, 1996 FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler. Fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

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O CONECTOR SEM E A EXPRESSÃO DE MODO EM ORAÇÕES ADVERBIAIS REDUZIDAS DE INFINITIVO Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB) Camilo Rosa Silva (UFPB) Resumo: Neste artigo, analisamos sentenças introduzidas pelo transpositor sem junto à forma verbal infinitiva, que configuram o mecanismo de articulação oracional denominado hipotaxe adverbial. Refletimos mais especificamente sobre as orações que expressam valor de modo, matiz pouco abordado pela tradição gramatical, o que causa estranhamento, dado que os gramáticos admitem a existência de advérbios de modo e afirmam que esse sentido é expresso em orações gerundiais. Feita a observação do uso da locução conjuntiva sem que em estruturas adverbiais desenvolvidas e da estrutura reduzida introduzida pela preposição em foco, em textos pertencentes aos gêneros artigo de opinião e entrevistas, da esfera jornalística, constatamos maior incidência da segunda estrutura, o que justifica o recorte aqui realizado. Objetivamos mostrar que a função conjuntiva é assumida pela preposição em estudo, comprovando que este item tanto se comporta como preposição junto a sintagma nominal, quanto como conjunção nas orações reduzidas, aspecto explicado pelo paradigma da gramaticalização. Nosso estudo se sustenta em pressupostos do funcionalismo linguístico, vertente que concebe a incorporação de novas funções pelos itens da língua como reflexo da criatividade dos usuários da língua, o que denuncia a influência de fatores cognitivos e discursivos na construção da gramática. Para essa discussão, confrontamos a visão de gramáticos e linguistas em torno da expressão de modo. Feita a análise, constatamos que ao lado de ocorrências em que a noção de modo se impõe, há casos que autorizam a inferência de outros matizes, a exemplo de concessão. Significa dizer que a presença do conector orienta o processo interpretativo, mas o contexto de uso favorece extensões de sentido. Palavras-chave: hipotaxe adverbial; preposição; matiz modal

1. INTRODUÇÃO

Neste artigo, temos como objeto de estudo sentenças introduzidas pelo transpositor sem junto à forma verbal infinitiva (sem + infinitivo), envolvidas no mecanismo de articulação oracional denominado hipotaxe adverbial. Entre as relações semânticas apontadas nas gramáticas em relação à estrutura aqui focalizada destacam-se concessão e condição. Enéas Barros (1985) acrescenta consequência e tempo; Kury (1991) e Bechara (1999) adicionam modo aos valores citados. É em torno desse último matiz que centramos nossa reflexão, por entendermos ser contraditória a posição da tradição gramatical, já que os gramáticos admitem o adjunto adverbial de modo na oração simples, admitem que o modo é expresso em orações reduzidas de gerúndio, além de a preposição “sem” também encerrar valor modal. O mecanismo de articulação ora em estudo compreende estruturas dependentes, mas não encaixadas, de modo que uma oração, estando em relação de adjunção com outra, adiciona-lhe

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uma informação ou circunstância.

A atribuição de uma classificação semântica à oração

adverbial (ou satélite) normalmente tem por base o conteúdo “unitário” expresso pelo conector. Por outro lado, fatores de ordem cognitiva e discursiva motivam extensões de sentido, a ponto de um conector expressar diferentes matizes semânticos. A partir da observação do comportamento da locução sem que em orações adverbiais, sob a forma desenvolvida e da preposição sem na oração reduzida, em uma amostra de textos argumentativos (artigo de opinião, entrevista), de periódicos semanais Veja, Época e Isto É, percebemos que a estrutura reduzida não só era bastante recorrente como também boa parte dos dados expressava, dentre outros matizes semânticos, a noção de modo. Tendo em vista serem poucos os estudos sobre esse conector, por se considerar que essa preposição, ao contrário daquelas que introduzem termos argumentais, é pouco gramaticalizada, entendemos que seria relevante apresentar algumas ocorrências com o objetivo de destacar uma função que originariamente não lhe seria própria – a de conectar sentenças, fato também desconsiderado pela tradição gramatical e de ilustrar orações adverbiais modais. Nosso estudo tem como base os pressupostos do funcionalismo linguístico. De acordo com essa vertente, a incorporação de novas funções pelos itens da língua é reflexo do dinamismo próprio de uma gramática que sofre pressões da situação comunicativa. Para essa exposição, dada a limitação espacial, apresentamos sucintamente considerações em torno da definição de preposição, seção (2); em seguida, confrontamos posicionamentos de gramáticos e linguistas em relação à caracterização da oração modal, seção (3). Essa seção apresenta uma subdivisão (3.1), espaço destinado à análise das orações reduzidas introduzidas pelo conector em foco, ilustrativas da relação de modo. Na seção (4), tecemos as considerações finais.

No decorrer do texto,

reportamo-nos a gramáticos e linguistas, como Bechara (1999), Kury (1991), Rocha Lima (2002), Poggio (2002), Ilari at. al. (2008), Vilela e Koch (2001), Silva (2007), entre outros.

2. SOBRE A DEFINIÇÃO DE PREPOSIÇÃO, EM PARTICULAR A PREPOSIÇÃO SEM

O termo preposição se origina da combinação das palavras prae e positio, significando “posicionar à frente” (ILARI at. al., 2008, p.623). Normalmente ela se coloca à frente de palavras (verbo, substantivo, adjetivo), podendo também reger uma sentença introduzida pelo complementizador “que”, como ilustra o período: “A circular foi mandada para que todos se manifestassem”. Além disso, junto a um acompanhante, a preposição forma um constituinte cuja função é de adjunto.

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Ao conceder à preposição o papel de relacionar palavras, as definições de preposição deixam implícita a noção de que só conjunção liga sentença, o que evidencia uma limitação conceitual. Embora Ilari at. al. (op. cit.), afirmem que a preposição pode posicionar-se à frente de uma sentença, os exemplos fornecidos revelam o emprego da preposição como adjunto da sentença precedente; mas a estrutura formada com a preposição não constitui uma sentença, como revela o exemplo: “Mas será que, na hora em que começa a entrar muito criação do próprio homem, ele não vai anular isso sem querer?”. (ILARI, at. al., p.667) Ou seja, mantém-se a visão de que preposições não ligam sentenças. Nesta situação, a forma querer é tomada como palavra, por estar o verbo na forma nominal. De outro modo, sendo concedido ao infinitivo o estatuto de forma verbal plena, vindo a caracterizar a estrutura oracional, essa visão pode ser contrariada, de modo que a preposição passa a conjunção nas estruturas reduzidas. Poggio (2002, p.221), ao tratar do processo de recategorização do sem, destaca os seguintes empregos dessa preposição: em locução adverbial (sem dúvida), em locução conjuntiva (sem embargo) e ainda em locução conjuntiva (sem que). Em se tratando da locução, ocorre não só recategorização sintática como semântica – no primeiro coso, pelo fato de a preposição passar a relacionar, além de vocábulos, orações; no segundo, por passar a assumir novos sentidos, a saber negação de consequência e condição. Em se tratando do sentido, Poggio (2002) ressalta que há um desacordo entre os linguistas quanto à caracterização das preposições em palavras plenas ou palavras vazias. Enquanto para Tesnière (1976), a preposição pertence ao grupo das palavras vazias, ou seja, desprovidas de função semântica, sendo sua função “indicar, precisar ou transformar a categoria de palavras plenas e reger as relações entre elas” (POGGIO, op. cit., p.102); para Borba, “a preposição é um elemento integrante do sistema da língua e constitui-se de um conjunto de valores semânticos que se realizam de acordo com o contexto.” (1971, apud POGGIO, op. cit., p.103).

3. O CONECTOR SEM: CLASSIFICAÇÃO SEMÂNTICA

A observação dos matizes semânticos expressos pela locução conjuntiva sem que ou a estrutura formada pela preposição sem junto a verbo no infinitivo em algumas gramáticas revela uma falta de homogeneidade quanto à classificação semântica desse conector. A multiplicidade de relações de sentido confirma a não - fixidez de função dessas formas gramaticais, mas essa multifuncionalidade só se torna perceptível desde que se confrontem as abordagens – um autor indica um valor que não é apontado por outro –, de modo que o acúmulo de funções parece ser

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ignorado. O valor de condição prevalece, seguindo-se os de concessão, consequência, causa, tempo e modo. A oração modal não é bem recepcionada pelos gramáticos, sob a alegação de que a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não a legitima. Enéas Barros (1985, p. 220-221) traz observações sobre os vários sentidos do sem que, em um tópico à parte “considerações sobre a conjunção SEM QUE” – uma delas é a de que a locução tem valor de “tempo”, se equivalente a “antes que”; e, quanto ao modo, afirma que “embora a Nomenclatura Gramatical Brasileira não aceite tal classificação, pode a locução assumir valor modal”. Rocha Lima (2002) destaca que, apesar de a circunstância de modo, tal como as de tempo e lugar, ser uma das circunstâncias mais importantes, não há conjunção modal que a represente, sendo esta expressa apenas através de oração reduzida de gerúndio. Nos termos do autor: “[...] Mas em português, assim como não existem conjunções locativas, assim também não existem conjunções modais; de sorte que, no plano do período composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a forma de oração REDUZIDA (de gerúndio)” (ROCHA LIMA, op. cit., p. 283). Cunha e Cintra (2001) não fazem alusão ao assunto. Bechara (1999) é quem oferece uma caracterização mais abrangente, esclarecendo que, apesar de a locução SEM QUE ser normalmente enquadrada no conjunto das conjunções condicionais, ela reúne diversos sentidos contextuais, a saber: condição, consequência esperada; negação de consequência, negação de causa, caso em que chega quase a exprimir concessão e modo. Vejamos o que o autor afirma sobre esse último sentido, embora alerte sobre o desprezo da NGB quanto às orações modais: “denota simplesmente que tal ou qual circunstância não se deu, aproximando-se da idéia de modo (subordinada modal): “Entrou em casa sem que tomasse nenhum alimento”; “Retirou-se sem que chamasse seus colegas” (BECHARA, 1999, p. 506). Em linhas gerais, o valor de modo é contemplado quando da abordagem das noções de conformidade, conformação, comparação ou de concessão. A fluidez de significação, no que respeita às três primeiras noções, reflete-se no enunciado quando se parafraseia a estrutura formada pela locução conjuntiva SEM QUE (+ verbo no subjuntivo) ou a estrutura SEM (+ verbo no infinitivo), usando os conectores como/como se, sendo o conector sem que também responsável pela proximidade de conteúdo em relação à última noção – de concessão. Comparemos dois exemplos fornecidos com a estrutura reduzida: “Saiu sem ser percebido” e “Não sairá sem apresentar os exercícios”, para os quais o autor confere os valores de modo e condição, respectivamente. Já que ambos apresentam o mesmo verbo (sair), diferenciando-se apenas na flexão temporal, provavelmente é o fato de o verbo estar flexionado no futuro que favorece a leitura condicional, além da forma negativa da oração principal, resultando em: “Não sairá se não apresentar os exercícios”. 127


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Por outro lado, se compararmos a sentença “Saiu sem ter apresentado o trabalho.” com a primeira sentença citada pelo autor (Retirou-se sem que chamasse os colegas), percebemos que, embora os verbos apresentem o mesmo tempo verbal – passado, é possível atribuir a interpretação concessiva, pois “chamar os colegas” poderia ser interpretado, em um contexto específico, como condição para que alguém se retirasse, e não tendo sido atendida esta condição, infere-se o valor de concessão. Portanto, modo e concessão são valores concorrentes para uma só forma. Silva (2007), após uma extensa exposição em que demonstra a aproximação entre as orações modais e outros tipos de orações, propõe alguns critérios com o propósito de caracterizar as adverbiais modais, dentre os quais: 1) comparação de orações modais com orações fronteiriças, de forma a identificar traços distintivos; 2) contraposição de orações supostamente modais com outros tipos de construção, como a estrutura coordenada. Em relação ao primeiro critério, o autor analisa a possibilidade de alternância desta locução por (Se não), traço identificador do valor condicional, ou (Embora não), identificador de concessão, de modo que se as sentenças forem marcadas positivamente quanto a esse aspecto, chega-se a indicação dos traços [- Se não] e [-restrição abandonada], para caracterizar a oração modal. Logo, fica implícita a ideia de que, se a sentença não é condicional nem concessiva, é modal. Quanto ao segundo critério, de modo a elucidar a distinção entre uma modal (reduzida de gerúndio) e uma coordenada, altera-se o primeiro modelo oracional com o auxílio do conector aditivo e. Assim, dada a oração “Recebeu a jóia, entregando-a depois à esposa”, cuja estrutura correspondente seria Recebeu a jóia [e entregou depois à esposa], como um fato ocorre após o outro, considera-se um caso de coordenação. Por outro lado, se a situação retratada na oração reduzida de gerúndio ocorrer simultaneamente ao fato descrito na principal, a oração se caracteriza como modal, “já que a modal indica o modo como um acontecimento se deu e, por isso, representa uma situação simultânea á apresentada na oração principal.” (SILVA, 2007, p. xxvii). Finalizando esta seção, convém destacar que na proposta de classificação de Halliday, (1985), no eixo que diz respeito ao papel semântico-funcional das orações, dá-se a divisão entre relação de expansão e de projeção. As cláusulas adverbiais situam-se no primeiro tipo de relação, sendo denominadas de cláusulas de realce, responsáveis por qualificar a oração nuclear, manifestando relações circunstanciais relativas a tempo, modo, lugar causa ou condição. Para uma melhor compreensão das orações em foco, passemos à análise das sentenças.

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4. DESENVOLVENDO A ANÁLISE Conforme Vilela e Koch (2001, p. 246; 287), os seguintes mecanismos permitem o reconhecimento da relação modal: 1. perguntas, por meio do advérbio interrogativo “como” ou da locução “de que modo/forma”, cuja resposta pode igualmente ser preenchida por advérbio de modo terminado em mente ou estrutura similares, formadas de “preposição + substantivo ou adjetivo; 2. a substituição do conector em uso por outro de valor equivalente; e 3. a paráfrase com estruturas de gerúndio. Assim, dados os excertos: (1) “A Copa do Mundo, na doutrina de Dunga, é um calvário que é preciso escalar sem medir prejuízos, físicos ou morais, para fincar lá no alto o pendão verde-amarelo.” (Artigo: Talibãs de chuteiras, Veja, 19/05/10);

(2) “Eu lhe respondo com uma pergunta: como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo sem sequer falar com seus jogadores derrotados? [...].” (Entrevista: A voz que vale 1milhão,Veja, 18/08/10)

As orações introduzidas pelo sem atendem ao primeiro critério, admitindo as paráfrases: (1’) “A Copa do Mundo, na doutrina de Dunga, é um calvário que é preciso escalar de forma destemida/corajosamente, ou seja, ultrapassando prejuízos, físicos ou morais, para fincar lá no alto o pendão verde-amarelo.” (2’) “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo grosseiramente/ irritado com seus jogadores derrotados? [...].” ; ou (2’’) “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo ignorando seus jogadores derrotados? [...].”

Nesses casos, há o interesse em qualificar um estado de coisas, no caso, a maneira de atuar, de agir. Quanto à estratégia apresentada por Silva (2007), relativa à permuta da oração supostamente modal com uma estrutura de coordenação, vejamos os fragmentos textuais e as respectivas paráfrases: (3) “[...] Dois fatos contraditórios marcaram na semana passada o reino da política brasiliense. No momento em que políticos se engalfinhavam para saber quem ficaria com qual cargo no sistema elétrico, sem titubear eles propuseram a reforma política, a “mãe de todas as reformas”. Parece que as duas coisas não vêm dos mesmos homens. Mas muitos dos que lutaram por seu quinhão na administração pública federal também disseram ser os maiores entusiastas em prol das reformas da instituições públicas brasileiras”. (Artigo: Fim do balcão de cargos: base da reforma política, Época, 14/02/11);

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(3’)“[...] eles propuseram a reforma política, a “mãe de todas as reformas” [e/mas não titubearam. Parece que as duas coisas não vêm dos mesmos homens. (4) “Marina - O PV é um dos canais para o movimento. Mas esse movimento é maior do que eu, do que o PV. (...) Quando eu entrei no PV, estava havendo um movimento dentro do partido para que a sustentabilidade passasse a ser o eixo estratégico do partido e para estruturá-lo adequadamente. Você não tem como fazer isso durante uma eleição. Agora esse processo tem de estar em curso sem desconhecer o esforço feito pelos dirigentes históricos do partido. E sem a pretensão de que o partido seja um partido de massas. [...]” (Entrevista: Há um achado político nestas eleições, Época, 11/10/2010) (4’) [...] Agora esse processo tem de estar em curso [e/mas não (tem/deve) desconhecer o esforço feito pelos dirigentes históricos do partido. E sem a pretensão de que o partido seja um partido de massas]. (5) “Elisabete Miranda, uma brasileira do interior de São Paulo que chegou aos Estados Unidos sem falar uma palavra de inglês, aprendeu rápido e viu a chance.[...]” (Artigo: A mulher vencedora, Isto É, 30/11/2011) (5’) [...] uma brasileira do interior de São Paulo que chegou aos Estados Unidos [e/mas não falava uma palavra de inglês, aprendeu rápido e viu a chance].

Nesses exemplos, identificamos a relação modal, pois, como demonstra o teste, não há uma sequencia de fatos, implicando ordenação temporal, de forma que o fato descrito na coordenada assindética ocorra após o outro descrito na sindética; logo, não se trata de orações coordenadas. Trata-se de subordinada adverbial modal, sendo marcadas com o traço [+simultâneo]. Em (3), há a afirmação de que no momento em que foi feita uma proposta de reforma política não houve qualquer evidência de vacilo; em (4), há a defesa de que o projeto seja desenvolvido ao mesmo tempo em que não seja desconsiderado o esforço dos dirigentes do partido; e em (5), do mesmo modo, há menção à ausência de uma competência (falar uma segunda língua) de um indivíduo no momento em que chega em um país estrangeiro. consideremos outro excerto: (6) “A consciência do homem público brasileiro, hoje em dia, é algo que se satisfaz com pouco. É como o camelo: basta lhe dar aquele tanto de água e o bicho atravessa um deserto inteiro, sem reclamar de nada. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”. (Artigo: Nada a ver, Veja, 29/09/11)

neste caso, tanto é possível substituir a oração por um advérbio como por um adjetivo, além da evidência do traço [+simultaneidade]:

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(6’) [...] É como o camelo: basta lhe dar aquele tanto de água e o bicho atravessa um deserto inteiro, tranquilamente/calado. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”. (6’’) [...] o bicho atravessa um deserto inteiro [e/mas não reclama]. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”.

Para finalizar este tópico, devemos esclarecer que reconhecemos o valor de modo como predominante, e nesse caso poderíamos dizer que são marcados quanto aos traços indicados pelo autor [- se não] e [- retrição abandonada], que conduziria a interpretação de condição e de concessão. Por outro lado, conforme se façam inferências de acordo com as circunstâncias da situação comunicativa, pode ser feita outra leitura. O excerto (2), por exemplo, admitiria o valor de concessão, resultando em: “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo apesar de não falar com seus jogadores derrotados?. Isso confirma o fato de um único conector autorizar diferentes leituras, por ele não se o único responsável pela condução do processo interpretativo.

5. CONCLUSÃO Em linhas gerais, podemos afirmar que a abordagem da relação modal ainda não é satisfatória, e isso porque, assim como outros matizes semânticos, um sentido pode se interrelacionar com outros. No caso do modo existe a concorrência com as noções de conformidade, conformação, comparação ou de concessão. A ligação com esse último valor pode estar relacionada ao sentido da preposição sem, que indica ausência, negação, privação, daí favorecer a ideia de contraste. Salientamos que tanto quanto a locução sem que esta preposição ostenta uma diversidade de matizes semânticos, ainda que carregue vestígios do sentido original. E, no que respeita ao estatuto sintático, essa preposição diante de infinitivo tem se especializado como conjunção, o que não invalida a classificação paralela de preposição.

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HALLIDAY, M. A. (1985) An introduction do functional grammar. 2 ed. London: Edwards Arnold Publishers Ltd., 1994. ILARI, R. As conjunções. In ILARI, R; NEVES, M. H. M. (orgs.). Gramática do português culto falado no Brasil. VOL. 2, Campinas: Unicamp, 2008. ILARI, R; CASTILHO, A. T. de; ALMEIDA, M. L. L. de; KLEPPA, Lou-Ann; BASSO, R. M. A preposição. In ILARI, R; NEVES, M. H. M.(orgs.). Gramática do português culto falado no Brasil. VOL. 2, Campinas: Unicamp, 2008. KURY, A. G. Novas lições de análise sintática. São Paulo: Ática, 1991. LUFT, C. P. Moderna gramática brasileira. Sã Paulo: Globo, 1989. MATTHIESSN, C.: THOMPSON, S. The structure of discourse and “subordination”. In: HAIMAN, J.; THOMPSON, S. (Ed.) Clause combining in grammar and discourse. Amsterdam: John Benjamins Plublishing, 1988. p. 275-392. NEVES, M. H. M. A gramaticalização e a organização dos enunciados. In: SCRIPTA, Belo Horizonte. v 5. n. 9, p.13-22, 2º sem. 2001. POGGIO, R. M. G. F. Processos de gramaticalização de preposições do latim ao português: uma abordagem funcionalista. Salvador: EDUFBA, 2002. ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro, José Olympio, 2000. SILVA, Anderson Godinho. Orações modais: uma proposta de análise. (Dissertação de Mestrado). Rio de janeiro: UFRJ, 2007. VILELA M. KOCH. M. I. V. Gramática da Língua Portuguesa: gramática de palavra, gramática de frase e gramática do texto/Discursivo. Coimbra: Almedina, 1999.

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O ENSINO DE GRAMÁTICA ATRAVÉS DA LEITURA DE TEXTOS Francineide dos Anjos Teixeira19 Resumo: O ensino da gramática é muito importante, mas precisa ser significativo para os estudantes, por isso este trabalho fará uma abordagem do ensino da gramática através da leitura com o objetivo de mostrar que a aprendizagem da gramática pode ser adquirida pela leitura constante de textos diversificados sem precisar ensinar regras isoladas e descontextualizadas. O aluno assimila as estruturas da língua e adquiri novo vocabulário pela leitura constante de textos e passa a empregá-lo na escrita e as utiliza também nas inferências feitas em outras leituras, pois quando se lê é ativado o conhecimento prévio que se uni com o novo conhecimento do texto escrito que levam a compreensão do material impresso mais rapidamente. Com isso ele aprende a utilizar as regras da língua sem decorá-las isoladamente, a leitura proporciona a internalização de estruturas linguísticas complexas e até mesmo o registro da língua padrão, pois o input visual permite a lembrança de palavras e frases, por isso é importante o contato dos alunos com a leitura de textos diversos, quanto mais eles lerem mais palavras e estruturas linguísticas aprenderão. A metodologia utilizada foi de cunho qualitativo por se tratar de pesquisa bibliográfica desenvolvida na prática no contexto escolar e também por ser socialmente relevante, priorizando a leitura para fixar palavras, expressões e conteúdos gramaticais. Os resultados foram satisfatórios, pois os alunos realmente conseguiram assimilar e empregar na produção textual Memória Literária vários assuntos de gramática pelo contexto lido em outros textos trabalhados nas oficinas. Portanto, as regras gramaticais são ensinadas através da leitura de textos diversos e os alunos as assimilam sem decorar regras isoladas, tornando a aprendizagem mais interessante e significativa. Palavras-chave: Gramática, Leitura, Escrita, Teoria e Prática.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho relatará a metodologia e práticas no ensino de gramática adquiridas com a realização do projeto de produção textual na Escola Estadual Dom Gino Malvestio, onde se trabalhou oficinas do gênero Memória Literária nas turmas de 8º ano. Com o objetivo de mostrar que a aprendizagem da escrita também se adquire pela leitura constante de textos, por isso se priorizou ensinar as características do gênero e as regras gramaticais através de leituras de outros textos da mesma categoria de produção e condizentes com a realidade dos alunos. Para aprimorar o conhecimento prévio e desenvolver o raciocínio e a habilidade escrita. O projeto é desenvolvido na escola com a participação de estagiários do curso de Letras que fazem parte de um Programa Institucional de bolsa de Iniciação a Docência (PIBID), implantado na Universidade Estadual do Amazonas (UEA/ CESP) em parcerias com outros

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Graduada em Licenciatura em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas, Centro de Estudos Superiores de Parintins – CESP; pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Integrada do Brasil - FAIBRA Professora de Língua Portuguesa e Literatura na escola Dom Gino Malvestio; Endereço eletrônico: francedos@hotmail.com

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órgãos, que visa incentivar a formação de professores para a educação básica e também melhorar a qualidade de ensino nas escolas públicas. Ao longo do trabalho será apresentada a metodologia utilizada, assim como os resultados alcançados.

2 METODOLOGIA PARA ENSINAR GRAMÁTICA ATRAVÉS DA LEITURA DE TEXTOS: LEITURA E ESCRITA

A metodologia utilizada possui cunho qualitativo por ter embasamento bibliográfico e ser desenvolvida na prática no contexto escolar e também por ser socialmente relevante. Para isso se utilizou a leitura dos textos finalistas em Olimpíadas de Língua Portuguesa anteriores na categoria Memória Literária, estes foram à base para ensinar características do gênero e assuntos gramaticais essenciais para construção do texto. Com o objetivo de fixar na memória do leitor estruturas linguísticas para serem recapturadas e usadas nas produções textuais. O contato com texto de outros alunos poderia incentivá-los a acreditar que se eles se esforçassem em aprender sobre o gênero durante as oficinas, estes também poderiam escrever um bom texto e teriam possibilidades de ser um dos finalistas. Mas também, porque a leitura e a escrita estão correlacionadas e não podem ser trabalhadas de forma independente. Segundo Alliende e Condemarín (2005, p. 13) “A grande maioria de leitores que lê mal apresenta má ortografia”. A leitura estimula a produção de textos, ou seja, o aluno passa ter um melhor desempenho na escrita e a produção de textos variados melhora a compreensão em leitura. Dessa forma, correlacionaram-se as duas habilidades leitura e escrita. [...] a produção de textos variados melhora a compreensão da leitura, a leitura leva a um melhor desempenho na escrita [...] a escrita constitui uma excelente estratégia de construção de significados e de métodos de estudo graças a seu componente motor, que facilita a lembrança e a recuperação da informação guardada na memória (ALLIENDE; CONDEMARÍN, 2005, p. 16).

A leitura e a escrita praticadas juntas possibilita ao aluno desenvolver níveis de pensamento mais altos do que quando cada uma dessas atividades é trabalhada separadamente. A leitura faz com que os alunos evoluem também na escrita, pois ela amplia o vocabulário do leitor e deve ser trabalhada constantemente nas aulas. Uma das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua escrita possa ser atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas próprias aulas de português. Ler e escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula (POSSENTI, 1996, p. 20).

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Durante as oficinas explicava-se o conteúdo e em seguida se utilizava textos para fixar melhor as características do gênero, os alunos identificavam essas marcas durante a leitura. Faziase a leitura com a turma do texto e em seguida se trabalhava a parte interpretativa para depois identificar algumas características como verbos no passado, por exemplo. O objetivo era que os alunos aprendessem mais pela leitura e pelo contato com o texto do que pela simples decoração de regras. Adquirindo um “vocabulário visual” extensivo de palavras imediatamente identificáveis, as crianças são capazes de compreender, relembrar e utilizar as regras fonéticas e outras estratégias mediadas de identificação de palavras [...] o modo fácil de aprender palavras não é trabalhar com palavras individuais, mas com passagens significativas de textos [...] (SMITH, 1989, p. 178) [grifo do autor].

Por isso se priorizou a leitura para depois trabalhar a escrita, pois quanto mais os alunos lessem mais palavras e frases ficariam fixadas em sua memória, sendo recordadas no momento da construção do texto, eles aprenderiam as estruturas linguísticas e gramaticais sem decorar uma variedade de regras isoladas. A instauração do gosto pela leitura está intimamente ligada à aprendizagem de estruturas da língua, criando, para o aluno e para o professor, a possibilidade de adquirir conhecimentos a respeito dessas estruturas sem a necessidade de lidar com regras e nomenclaturas cuja memorização não garante o verdadeiro aprendizado. Em outras palavras, é possível aprender a língua materna através da leitura e da produção de textos (COELHO, 2009, p. 187).

A partir do conhecimento que se aprendem muitas regras e estrutura da língua pela leitura, recorreu-se a essa metodologia para que os alunos pudessem assimilar as características do gênero Memória Literária e a estrutura do texto pela leitura de outros textos. Segundo Smith (1989, p. 236) “O aprender a ler não requer a memorização de nomes de letras, ou regras fonéticas, ou um grande vocabulário; tudo vem no curso do aprendizado da leitura”.

2.1 Metodologia nas Oficinas de Produção Textual “Memória Literária”

Durante a realização das oficinas pude notar o interesse da maioria dos alunos em conhecer e aprender o gênero Memória Literária. Um fator positivo para o bom resultado do trabalho foi à forma como foram desenvolvidas as oficinas e o tempo dedicado exclusivamente para essas atividades, foram incluídos alguns assuntos gramaticais dentro das oficinas e se trabalhou com as regras dentro do texto como, por exemplo, os verbos no passado, pontuação na construção do texto, pronomes possessivos, oblíquos, elementos de coesão e algumas figuras de 135


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linguagem. Dessa maneira as aulas não ficaram muito cansativas e os alunos puderam fixar bem as características do gênero. Os textos trabalhos nas oficinas foram: texto finalista em 2012: “Lembranças da minha infância”, texto finalista em 2010 “A princesa dos campos”, textos finalistas em 2010: “Chão varrido”, “Como nos velhos tempos” e “A velha arigó”. Houve também oficina de preparação para entrevista: orientações e roteiro e a partir da entrevista a “produção do texto Memória Literária”. Após a correção os alunos reescreveram o texto seguindo as orientações. Após cada oficina os alunos faziam atividades de interpretação textual para depois reconhecer nos textos os elementos gramaticais estudados. Ensinar gramática é instrumentalizar o aluno a fazer aportes conscientes e significativos aos textos, mas, reiteremos: isso é atividade meio e não fim [...] o ideal da educação básica é levar o aluno a expressar-se com proficiência, oralmente e por escrito na língua pátria. Para tanto, desenvolver a habilidade da leitura é fundamental (TELLES, 2010, p. 52-3).

A leitura proporciona a internalização de estruturas linguísticas complexas e até mesmo o registro da língua padrão, pois o input visual permite a lembrança de palavras e frases. Segundo Ellis (1995, p 32) “Ele é uma espécie de depósito mental de palavras, que contém representações das formas escritas de todas as palavras familiares”. Por isso é importante o contato dos alunos com a leitura de textos diversos, quanto mais eles lerem, mais palavras e estruturas linguísticas aprenderão. Se o conhecimento do vocabulário facilita a leitura, é interessante então que o inventário léxico possa ser continuamente incrementado, que se possam incorporar novas palavras àquelas já conhecidas e novas acepções a termos já conhecidos, e que o número de termos incompreendidos possa se reduzir progressivamente. É justamente através do contato com novos itens que podemos aumentar o repertório do léxico (LIBERATO; FULGÊNCIO, 2007, p. 121).

O aluno chega à compreensão quando faz uso das informações anteriores que possui e constrói outros significados durante a leitura. A leitura de mundo é todo conhecimento adquirido pelo leitor durante toda a sua vida, compreende seus conhecimentos linguísticos e sobre os diversos assuntos, toda informação é válida e pode ajudar a construir o significado no momento da leitura e pode também ajudar na escrita no momento da produção textual, esse recurso é chamado de informação não visual ou conhecimento prévio.

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O conhecimento prévio é todo conhecimento que se possui na memória e é trazido para o ato de ler, chama-se também memória a longo prazo, juntando o conhecimento prévio com a informação do texto escrito, é possível montar com mais facilidade o significado deste. Todo esse conhecimento está, de alguma forma, armazenado em nossa memória, juntamente com o conhecimento da linguagem – em uma parte que os psicólogos chamam de memória a longo prazo – e é utilizado no processo da leitura, permitindo dar sentido àquilo que a visão capta (idem, p. 14) [grifo do autor].

O conhecimento prévio permite ao leitor chegar à compreensão do texto mais rapidamente, toda informação adquirida ao longo de sua vida ou na escola através das várias leituras contribuem para compreensão e facilidade na escrita. Logo, os enunciados – ajustados a situações comunicativas diversas -, com seus componentes pragmático, semântico e gramatical, são aprendidos naturalmente, pois nossas relações sociais são construídas igualmente de forma livre e (quase) assistemática (WACHOWICZ, 2012, p. 24-25).

Para esta autora a criança adquire a linguagem pelas diferentes situações comunicativas, assimilando as estruturas linguísticas pelo contexto de fala com as pessoas com quem convive. Sendo assim, a escola serve como aprimoramento dessas habilidades que o falante da língua já possui, ou seja, o conhecimento prévio que este tem da língua se juntará com as informações necessárias para acesso ao mundo letrado.

2.1.1 Projeto de Produção Textual “PIBID na escola”

Outro fator importante que não se pode deixar de destacar foi à participação dos estagiários do PIBID (Programa Institucional de bolsa de Iniciação a Docência), principalmente na pesquisa e elaboração das oficinas, que foram aplicadas em conjunto. As oficinas foram planejadas com antecedência e foi feito tudo com calma, sempre revisando as aulas, escolhendo os textos em conjunto. Não se optou em fazer várias produções durante as oficinas, porque os alunos precisavam estar preparados para escrever um bom texto. Então foi ensinado passo a passo através das oficinas a construção do gênero para ao final se obter textos de qualidade.

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3 RESULTADOS

Os resultados da produção textual foram muito bons, pois dos alunos que produziram o texto apenas quatro não escreveram um texto com as características de Memória Literária. Então ficou evidente que a maioria compreendeu o gênero e se esforçou para escrever um bom texto, pude observar durante a leitura e correção dos textos o resultado do que foi ensinado, os alunos empregavam verbos e expressões do passado, pronomes pessoais, elementos de coesão, figuras de linguagem como comparação, havia sentimentos nas histórias narradas, modos de vida, costumes, brincadeiras, palavras antigas e detalhes da cidade, pois eles tinham que contar a história do entrevistado e ao mesmo tempo relacionar com o lugar onde este viveu. Mesmo os textos que tiveram alguns erros ortográficos e algumas falhas como ideias desorganizadas, traziam na sua essência as características das Memórias Literárias. Observei também que a maioria dos alunos evoluiu na escrita e escreveram textos coerentes e bem estruturados com riquezas de detalhes, alguns emocionantes, pois as histórias contadas eram reais recolhidas através de entrevista e narradas em primeira pessoa como se fosse do aluno, por ser um dos pontos marcantes das Memórias Literárias, narração em primeira pessoa. Em textos de caráter mais literário, é possível observarmos diferentes possibilidades para a presença do narrador. Em dadas circunstâncias, o uso dos verbos na primeira pessoa (eu, nós) cria situações de aparente subjetividade, redundando na participação do narrador na condição de personagem (SENA, 2008, p. 207).

Outro fator importante já citado na metodologia utilizada e que contribuiu para o bom resultado foi à aprendizagem do gênero através da leitura de outros textos, pois os alunos usaram na escrita do texto muitas das palavras e expressões que leram em textos anteriores, como verbos no passado e conectivos de coesão. Emprego de expressões que leram em outros textos: “Recordo-me dos velhos tempos quando tudo era muito simples e calmo...” (Daniele de Souza). “Naquela época, Barreirinha tinha poucas ruas, muito mato e caminhos que não sabíamos onde levavam.” (Laís Trindade). Emprego dos conectivos de coesão: “Além disso, nossa alimentação não era tão boa ...” (Daniela Mascarenhas).

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“Viemos para a cidade, aqui encontramos algumas dificuldades, mas depois nos acostumamos...” (Débora Ferreira). Verbos no passado: “encantador lugar onde vivi” (Daniele de Souza). “Meu pai fazia de tudo, trabalhava na roça, caçava, pescava...” (Laís Trindade). A leitura fez com que eles evoluíssem na escrita através da ampliação do vocabulário. Na medida em que os alunos leem diferentes escritos, em contextos reais de uso, compreendem sua função social. Além, disso, é por meio da leitura que “internalizam, além do registro padrão da língua, estruturas linguísticas mais complexas” (VILLARDI apud COELHO, 2009, p. 13) [grifo do autor].

Os textos trabalhados em sala de aula foram selecionados levando em consideração aqueles que mais se pareciam com a realidade dos alunos para estes se interessarem pela leitura e se identificarem com a história narrada. Esse foi um dos pontos positivos das oficinas, por isso se alcançou bons resultados. Outro fator relevante foi à metodologia utilizada nas aulas, primeiro à leitura e discussão do texto e depois cobrava-se o assunto ensinado. Os alunos participavam das aulas e comentavam o texto. [...] os projetos de produção-interpretação. O trabalho por projetos permite, realmente, que todos os integrantes da classe – e não só o professor – orientem suas ações para o cumprimento de uma finalidade compartilhada [...] a organização por projetos permite resolver outras dificuldades: favorece o desenvolvimento de estratégias de autocontrole da leitura e da escrita por parte dos alunos e abre as portas da classe para uma nova relação entre o tempo e o saber (LERNER, 2002, p. 22).

As oficinas de produção textual proporcionou aos alunos conhecimentos que levarão para séries posteriores, pois sempre se lembrarão do gênero Memória Literária e de suas características, devido o tempo que tiveram contato com os textos. Além disso, aprenderam bastante com a reescrita, observando seus erros e corrigindo-os.

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CONCLUSÃO

Este trabalho relatou a metodologia e práticas no ensino de gramática adquiridas através do projeto produção textual, fazendo uma conexão entre leitura e escrita e ao mesmo tempo apresentou os resultados das oficinas realizadas com os alunos do 8º ano nas aulas de Língua Portuguesa que sem dúvida foi um aprendizado imprescindível que estes levarão para o resto de sua vida escolar. Ao analisar os textos produzidos, observou-se o bom resultado das oficinas, pois a maioria dos alunos escreveram textos com as características do gênero ensinado nas aulas, empregando os assuntos gramaticais corretamente dentro do texto, mesmo os alunos que apresentaram alguns erros de ortografia e ideias confusas conseguiram empregar na essência do texto as palavras e expressões adquiridas nas aulas. Portanto, este fator comprova que a metodologia utilizada de aprender a gramática e estruturas linguísticas pela leitura de outros textos foi eficaz e poderá ser repetida em outras oficinas de produção com outros gêneros textuais e tipologias.

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O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS Maria Celeste de Souza Cardoso(CESP/UEA) Resumo: Ensinar Língua Portuguesa não é tarefa fácil. Cada vez mais se torna difícil enfrentar os ditames da língua em sala de aula. Hora é o professor que se atrapalha, hora é o aluno que não sabe como se dirigir: português da escola ou o falado em casa? Esta dicotomia dificulta o aprendizado dos alunos, os quais nem sempre conseguem compreender o fato de que a língua falada por eles não é aceita facilmente dentro da escola. Geralmente aulas descontextualizadas, baseadas na gramática tradicional, são comuns nas escolas públicas, das quais fazem parte exercícios classificatórios, partindo ou não de textos. E como fica o ensino de Língua Portuguesa na escola? Em casa os pais não falam português? E as crianças? Nesta confusão, professores e estudantes ficam sem saber o que fazer. Apesar de que a maioria dos professores fez graduação, na prática a questão é outra. Nem sempre o que foi ensinado na universidade condiz com a realidade de sala de aula. Partindo dessas reflexões, este trabalho procura apresentar algumas estratégicas essenciais para facilitar o ensino de língua portuguesa para os alunos do Ensino Fundamental. Autores como Freire (1996), Silva (2005), PCN (1997) e outros, embasam teoricamente este trabalho. Como metodologia principal, partiu-se de observações feitas em salas de aula de professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental, de experiências da própria pesquisadora e de acompanhamento de estágio com professores em formação. Tendo como base o questionamento: Como o Português é ensinado nas escolas? buscou-se compreender e refletir a respeito da questão e mostrar algumas estratégias envolvendo oficinas, miniprojetos, jogos e brincadeiras que podem fazer parte do dia a dia de ensino do português para melhor desenvolvimento de atividades de leitura, gramática e produção textual. Palavras-chave. Ensino. Língua Portuguesa. Estratégias. INTRODUÇÃO Ensinar Língua Portuguesa não é tarefa fácil. Cada vez mais se torna difícil enfrentar os ditames da língua em sala de aula. Hora é o professor que se atrapalha, hora é o aluno que não sabe como se dirigir: português da escola ou o falado em casa? Esta dicotomia dificulta o aprendizado dos alunos, os quais nem sempre conseguem compreender o fato de que a língua falada por eles não é aceita facilmente dentro da escola. Geralmente aulas descontextualizadas, baseadas na gramática tradicional, são comuns nas escolas públicas, das quais fazem parte exercícios classificatórios, partindo ou não de textos. Também, às vezes, na exposição e apresentação de conteúdos não há uma sequência que pareça lógica ao aluno, impedindo-o de estabelecer ligações entre o que aprende na escola e o que vive fora dela. Se ensinar não é apenas transmitir conhecimentos ou conteúdos. Por que, na maioria das escolas públicas brasileiras, o ensino da língua portuguesa ainda é tradicional? Muitos professores preocupam-se apenas em ensinar gramática, ou (pior) tentam ensinar português para quem já fala português.

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A criança vai para a escola falando português e sai de lá confuso, muitas vezes, sem saber exatamente o porquê de tanta confusão com a língua que aprendeu a falar. Se, em casa, a criança fala de um jeito, por que na escola seria diferente? A confusão demonstra que o falar da criança não está sendo respeitado. Então, a escola cairá no que Marcos Bagno chama de preconceito linguístico, o qual, na maioria das vezes, passa despercebido. Tanto a criança, quanto a família e a escola acreditam ser natural essa “correção” da fala do estudante. A falta de respeito pelo falar da criança em sala de aula já se tornou tão natural, que esta quando chega em casa corrige os familiares, diz que eles falam “errado”, perpetuando, assim, o preconceito disseminado na escola. E como fica o ensino de Língua Portuguesa na escola? Em casa os pais não falam português? E as crianças? Nesta confusão, professores e estudantes ficam sem saber o que fazer. Apesar de que a maioria dos professores fez graduação, na prática a questão é outra. Nem sempre o que foi ensinado na universidade condiz com a realidade de sala de aula. É por isso que há necessidade de organizar o estágio para que os futuros professores possam chegar a um consenso entre teoria e prática. É também preciso que escola e família entrem em acordo quanto à questão do ensino-aprendizagem das crianças. A família precisa fazer-se presente não somente nas reuniões para receber notas, mas também para tomar decisões pertinentes ao estudo de seus filhos. Enquanto os pais ou responsáveis ficarem afastados da escola não haverá melhoria. A escola por si só não conseguirá oferecer educação de qualidade se a família não estiver presente nas atividades que requer a presença e intervenção dos familiares. É neste sentido, que este artigo parte de algumas reflexões feitas durante a prática pedagógica em escolas públicas e alguns cursos de atualização, além da participação como professora de estágio na universidade.

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM NOSSAS ESCOLAS

Não se pode desvincular o ensino de Língua Portuguesa das atividades do dia-a-dia que fazem parte da realidade do aluno. No entanto, uma questão ainda é frequente e muito discutida no meio educacional: Como o Português é ensinado nas escolas? Esta questão nos leva a refletir sobre a prática de milhares de professores pelo Brasil a fora. O português da escola é o mesmo de fora dela? Na verdade, sabe-se que a língua que se ensina na escola é diferente e distante do português que se usa no dia-a-dia. Geralmente, o que se ensina na escola é um conjunto de conhecimentos sobre as coisas ou um modo de se relacionar com eles. No ensino de Português, o que se ensina, ou deveria ensinar, é o produto de uma visão, entre outras coisas, do fenômeno da língua e do papel de seu ensino numa determinada sociedade. Quando se ensina 143


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português, se ensina, fundamentalmente, a disciplina gramatical. Embora em sala de aula a interlocução se desenvolva em torno de uma coleção heterogênea de saberes (leitura, escrita, linguagem oral, vocabulário, etc.), o que se ensina realmente são os aspectos gramaticais, sem levar em conta os saberes trazidos pelos alunos e aqueles pertencentes ao ambiente escolar. A língua não existe por si só, mas para seus falantes e em virtude do uso que eles fazem dela. A língua é uma forma de conhecimento e um meio de construir, estabelecer, manter e modificar relações com os outros. É com a língua que o sujeito aprende a conhecer o mundo, a entender a realidade no que ela tem de significativo para as relações com as outras pessoas. Então, como é que a escola pode pensar em um ensino da Língua Portuguesa afastado da realidade do aluno? Um ensino sem conhecimento significativo para aqueles que já são falantes dessa língua, mas estão ali para aprender mais, para serem capazes de utilizar a língua de modo variado, para produzirem diferentes efeitos de sentido e se adequarem a diferentes situações de interlocução oral e escrita. Silva (2005) coloca a questão da escola brasileira de uma forma bem crítica, quando diz que pseudodemocratizada, no que diz respeito à língua materna, a escola persegue, no geral, a tradição normativo-prescritiva. Isto traz consequências óbvias, pois existem na escola, muitas e variadas falas, muitas e variadas normas, e esta, ainda persegue um modelo normativo tradicional. A maioria das pessoas cala e muitos deixam a escola para lutar pela sobrevivência, continuando, assim, subalternos a uma situação que se perpetua de geração a geração. Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um conjunto de variedades. Língua e variação são inseparáveis: a Sociolinguística encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno linguístico. De acordo com Sena (2001, p. 42)

A aplicação da Lingüística ao ensino precisa estabelecer parâmetros linguísticos que se coadunem com os objetivos desse ensino. (...) não existem modelos teóricos que possam, isoladamente, ser aplicados ao ensino da língua materna. Não existe, por outro lado, um modelo integrado que reúna todas as características que se voltem para o objetivo maior do ensino da língua: capacitar os falantes a usar a língua de modo eficaz e adequado.

Este autor reforça ainda que a necessidade de novas pesquisas voltadas para a produção de técnicas adequadas a um melhor trato no ensino da língua e a transferência dessas habilidades leva a crer que a aplicação da linguística nesse campo deve pressupor, acima de tudo, uma ação contínua e uma estreita colaboração entre o linguista e o professor. Dessa forma, o ensino de língua materna poderá ser visualizado como uma maneira de combater preconceitos que estão enraizados na escola e que afetam tanto a vida do aluno como a do professor e que vão desde

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o uso de metodologias quanto à questão de competências e habilidades que o aluno deve adquirir no decorrer de sua vida escolar. Silva (2008) reforça a percepção de que a língua materna não se “ensina”, ela se adquire naturalmente no processo de aquisição na primeira infância, tanto que, no caso do português no Brasil, muitos sabem o português sem nunca terem tido a possibilidade de irem à escola. Assim, o que se ensina na escola é a aquisição do uso escrito, tanto no processo de produção da escrita quanto de sua recepção na leitura. Atualmente, a questão mais fundamental do ensino de português é o que ensinar português para pessoas que já sabem falar o português. Ensinar português para falantes nativos como se fossem estrangeiros é realmente um absurdo. Se o aluno já sabe português, então o que o professor vai ensinar? O objetivo mais geral do ensino de português para todas as séries da escola é mostrar como funciona a linguagem humana e, de modo particular, o português; quais os usos que têm, e como os alunos devem fazer para estenderem ao máximo, ou abrangendo metas específicas, esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes situações de vida. Em outras palavras, o professor de português deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas mais variadas situações de suas vidas. (CAGLIARI, 2001, p.28)

A língua portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado somente em relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades falantes, não existe o certo e o errado linguisticamente, mas o diferente. O português, como qualquer língua, é um fenômeno dinâmico, não estático, isto é, evolui com o passar do tempo, modifica-se de acordo com as mudanças ocorridas nos grupos sociais. É por isso, que as escolas não podem e não devem optar somente pela variação padrão da língua materna. A criança e o jovem estudante precisam conhecer as outras formas de variação da língua para lançarem mão quando necessitarem. É o que se chama, nas palavras de Magda Soares, fazer uso da língua quando for preciso. O ideal do ensino de língua portuguesa seria mostrar que através deste todos os alunos que ingressam em uma escola, pública ou privada, em qualquer lugar do Brasil, obtivessem o mesmo grau de domínio da norma culta e de outras variantes para que todos saíssem da escola em condições de igualdade e tendo que depender apenas de seu esforço para realizar as suas aspirações. Porém, sabe-se que na prática do ensino de Língua Portuguesa isso não acontece e ainda está muito distante da realidade da maioria das escolas do país, porque o ensino no Brasil continua funcionando como um instrumento de dominação, de forma que ainda é possível falar em escolas de ricos, escolas de periferia, escolas do interior, etc., sem estar se referindo a espaço físico e localização espacial, mas, principalmente, às diferenças estruturais que as moldam. No entanto, a própria escola pode mudar essa situação, apesar de ainda existir essa atitude 145


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preconceituosa em relação ao ensino de Língua Portuguesa, há propostas de transformação para o ensino dessa disciplina, consolidando as práticas em que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada é o uso da linguagem. “... hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita”. (PCN, 1997, p.18) Perini (2010) enfatiza que a língua que falamos (professores, operários, mecânicos, médicos, etc.) é bastante diferente da língua escrita. No dia a dia, as pessoas não se preocupam em falar de acordo com a norma culta da língua, somente pensam na comunicação, em fazer-se entender como falante. Mas é claro que as duas variantes existem e têm relevância na sociedade vigente. Assim, a gramática é necessária em sala de aula, mas estudar a língua como ela é (falada) também é essencial. Os PCN (1997) consideram que o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa na escola é resultado da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O aluno como sujeito da ação de aprendizagem; a língua como objeto de conhecimento, tal como se fala e escreve dentro e fora da escola; e o ensino como prática educacional mediadora entre o sujeito e o objeto. Entretanto, esse processo só acontece quando o professor age como mediador, ao planejar, implementar e dirigir atividades concretas que desenvolvam, apoiem e orientem o aluno no decorrer dessa caminhada. O professor do Ensino Fundamental precisa, antes de tudo, “conhecer as estruturas da língua e amparar-se no referencial que o aluno carrega. Isso transforma a ação pedagógica, ajuda na construção de caracteres humanos, valoriza o homem e consequentemente torna menos fricativa a convivência em sociedade”. (ROSA, 2006, p.41) O ensino de Língua Portuguesa no nível fundamental deveria estar pautado no ato de falar, ler, escrever, de acordo com os pressupostos dos PCNs. Entretanto, a maioria dos professores do Ensino Fundamental não conhece esses pressupostos, outros conhecem, mas não os põem em prática e ainda há os que acreditam não ser necessário mudar em relação às suas aulas. Continuam a perpetuar um sistema de ensino caótico e desconexo. Bechara (2008) enfatiza a questão de que a escola não pode ficar no dogmatismo de uma gramática intransigente nem tampouco no populismo onde tudo se aceita. É preciso que haja uma integração dessas duas atitudes em benefício não só da educação linguística do aluno, mas também da sua adequada preparação para as ocasiões em que ele precise utilizar a língua em diversas situações sociais. Neste sentido, é preciso acabar com a mania de jogar pedras na gramática tradicional, pois se esta tem defeitos é porque as pesquisas não avançaram o suficiente. Então, há necessidade de integração entre professores, acadêmicos e estudiosos para que as pesquisas avancem e a língua 146


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portuguesa possa ser colocada em seu devido lugar: a escola. Mas de uma forma inteiramente nova e arrojada, que possa oferecer aos jovens e crianças o conhecimento necessário para suas vidas práticas. Também não se pode acusar os professores da rede pública de incompetência. É preciso, nas palavras de Antunes (2003), reconhecer a falta de políticas públicas de valorização do trabalho do professor, reduzido, quase sempre à tarefa de dar aula, sem tempo para ler, pesquisar e estudar. Outros fatores contribuem para o insucesso escolar, os quais vão desde questões salariais até evasão escolar. Porém, a maior preocupação que a escola deveria ter é com os alunos, com o desenvolvimento destes no processo ensino-aprendizagem. Porque, na maioria das vezes, o aluno se sente frustrado quando não consegue estudar e ter um bom desempenho em outras disciplinas, geralmente por não saber ler e escrever com competência. Então, a consequência disso tudo é o aluno evadir-se da escola e ficar à margem da sociedade.

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS

Nos dias atuais, muita coisa já mudou, ações instituídas pelo governo têm reforçado as escolas de uma forma mais eficiente que no passado. Porém, somente essas ações não adiantam, há necessidade de medidas mais eficientes que contemplem professores, alunos e escola como um todo. Apesar de que já existe uma luz forte no fim do túnel, com cursos de formação para professores, discussões a respeito do assunto e exames nacionais que avaliam o desempenho dos alunos e, consequentemente, da escola; todavia, torna-se a enfatizar que essas ações não são suficientes. É preciso muito mais. É preciso olhar cada região com suas peculiaridades, cada estado com suas diferenças e cada município com suas necessidades. A escola é o lugar onde as transformações precisam acontecer. As Secretarias de Educação imbuídas de um novo saber teórico enfatizam mudanças em relação à prática do professor, aos currículos e planos de cursos. Resta, então, à escola juntamente com toda a comunidade escolar estudar a melhor maneira para oferecer um ensino de qualidade a seus alunos, pois não se pode mais reclamar de falta de recursos nem de cursos de formação. Não existe um “ensino perfeito” de qualquer disciplina. Sobretudo a Língua Portuguesa, por ter uma natureza muito teórica, apresenta uma série de dificuldades adicionais. Tentando diminuir essas dificuldades, estudiosos do assunto apresentam possibilidades diferentes para tornar o ensino do português mais prático e agradável e, até mesmo, dinâmico e lúdico. Mas, para isso ocorrer, faz-se necessária a pesquisa do melhor paradigma pedagógico para se ministrar aulas de Língua Portuguesa. Resultados de algumas pesquisas mostram que o melhor seria a junção de partes de cada paradigma já existente: tradicional, escola novista, tecnicista, críticoreprodutivo e progressista. No entanto, uma forma atual de ministrar aulas dessa disciplina, seria o 147


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uso de jogos, brincadeiras, dinâmicas, oficinas, miniprojetos e relatos de experiência como metodologias dinâmicas e criativas. É claro que, ao propor uma aula dinâmica em forma de jogos, o professor de língua portuguesa deve pensar no perfil que deverá ter. Em alguns jogos o professor deverá ocupar a função de mediador. Ele deve ser um professor-animador, buscando o acerto nos alunos, oferecendo dicas, estimulando o aluno tímido a responder e moderar os mais extrovertidos, tentando assim um nivelamento da turma. Em outros, poderá apenas orientar, fixar regras e conduzir os alunos em direção ao objetivo proposto. As novas metodologias estão dispostas no mercado de trabalho. O professor deve escolher as ferramentas mais adequadas para tornar as aulas interessantes ao aluno. Sem deixar de lado o que realmente interessa: a leitura e a escrita, elementos essenciais para uma boa aprendizagem, seja nas aulas de língua portuguesa seja nas demais disciplinas. É importante um ensino significativo, que chame a atenção do aluno para os conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Uma aprendizagem significativa tem um atrativo maior sobre o aluno, porque tudo que está à volta dele é fonte de algum significado. Por isso, não se pode desvincular o ensino de Língua Portuguesa das atividades do dia a dia dos milhares de alunos que lotam as escolas públicas. Os professores de Língua Portuguesa são os mais cobrados no processo educativo. Se os alunos não sabem ler nem escrever direito, a culpa é do professor de língua, os de outras disciplinas se eximem dessa culpa e cobram uma posição do responsável por essa disciplina. Quando deveriam, de forma coletiva, chegar a um consenso e tentar resolver os problemas de outra forma. As disciplinas são divididas somente de forma didática, mas os professores podem e devem juntar os saberes comuns e organizá-los em atividades que possam ser desenvolvidas com os alunos de uma forma que aproxime as diversas disciplinas do currículo. É evidente que essa forma de trabalho facilita a vida escolar dos alunos. Mas, a maioria dos docentes acredita ser trabalhosa essa forma de organizar os conteúdos e acaba deixando-a de lado. É por isso que não se pode pensar em trabalhar a interdisciplinaridade sem um bom planejamento coletivo. Um trabalho comum a todos que envolva a equipe escolar e interligue todos os saberes necessários ao desenvolvimento dos educandos. É neste sentido, que se faz necessário organizar o planejamento da escola, o plano de curso e o plano de aula. É relevante que o professor de português tenha consciência das aptidões e limitações de seus alunos. Mas isso não é motivo suficiente para que as aulas de língua portuguesa continuem na mesmice de atividades voltadas para o ensino de regras gramaticais. Como já se sabe, os PCNs mostram variadas atividades que podem ser o ponto de partida para um ensino voltado para a autonomia dos alunos. Um ensino centrado na leitura, compreensão e escrita. Quando o professor compreender realmente a importância da leitura e da escrita na vida dos alunos das séries iniciais 148


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do ensino fundamental até o ensino médio; então, talvez, alguma coisa mude no atual panorama educacional. Ao optar por determinados métodos e técnicas, o professor precisa escolher aqueles que estejam de acordo com o conteúdo a ser desenvolvido; porém, que possam também chamar a atenção do aluno. São muitas coisas que concorrem nos dias atuais com a escola e a tecnologia é uma delas. Como fazer com que o aluno preste atenção em um determinado conteúdo, se a internet chama mais atenção? Se os jogos eletrônicos são mais divertidos? Se a televisão tem filmes, desenhos e novelas melhores que as aulas? Ensinar usando metodologias ultrapassadas não irá fazer com que os alunos melhorem a leitura e a escrita, essenciais ao desenvolvimento cognitivo desses alunos. Como professora de Língua Portuguesa que trabalha há mais de 20 anos em sala de aula com alunos do Ensino Fundamental e Médio, pode-se ressaltar a experiência de utilizar algumas metodologias envolvendo o uso de jogos, brincadeiras, dinâmicas, oficinas e projetos, os quais contribuíram para melhorar o ensino da disciplina com esses educandos em escolas consideradas “de periferia”. Metodologias essas que foram importantes tanto para o ensino da gramática quanto para o incentivo da leitura e escrita. O principal foi realmente elaborar pequenos projetos para desenvolver o conteúdo da disciplina e englobar o incentivo pela leitura de obras clássicas, as quais muitas vezes os estudantes não conseguem ler nem compreender. Além disso, jogos, brincadeiras e dinâmicas que envolvem os conteúdos gramaticais foram essenciais para chamar a atenção dos alunos para determinados assuntos considerados “enfadonhos”, assim como também encenação de poesias e de obras literárias contribuíram para que os alunos se integrassem e apreciassem um pouco mais a disciplina. A leitura dramatizada é uma boa maneira de fazer com que os alunos apreciem poemas e textos literários e, o mais importante, passem a compreendê-los de forma eficiente. O espaço é pequeno para demonstração de algumas estratégias que possam amenizar a problemática do ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas, no entanto, é importante frisar que o professor em sala de aula tem autonomia suficiente para buscar as melhores formas de incentivar seus alunos à leitura, compreensão e interpretação de textos, assim como mediar a integração de conteúdos gramaticais das aulas de português com outros conteúdos considerados essenciais para o desenvolvimento intelectual de seus alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Freire (1996) afirma que o ensino não pode estar separado da pesquisa, assim como não deve existir ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino. O professor deve pesquisar para conhecer o que ainda não sabe, mas também precisa anunciar o resultado de sua pesquisa. O 149


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professor de Língua Portuguesa precisa estar inserido nesse panorama de pesquisa, incitar a curiosidade de seus alunos, não importa o método nem as estratégias escolhidas. O importante é o conhecimento adquirido como resultado da pesquisa feita pelos alunos. É claro que o professor precisa, antes de tudo, conhecer seus alunos, diagnosticar para ter um bom resultado, procurar a melhor maneira para desenvolver as atividades em suas aulas. Estratégias que incentivem a leitura, a produção textual e o conteúdo gramatical são importantes para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental e até mesmo do Ensino Médio. É importante ensinar o aluno a aprender, a pesquisar, a argumentar, a formar seu pensamento crítico e avaliativo do mundo que o rodeia. E isso o professor pode fazer ao planejar suas aulas e escolher as melhores estratégias para desenvolver os conteúdos necessários à formação do aluno como sujeito de sua trajetória e não mais como objeto alheio à sua realidade.

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O ENSINO GRAMATICAL DAS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: RAZÕES PARA SEU INSUCESSO Paulo Mosânio Teixeira Duarte (UFC) RESUMO: A finalidade deste artigo é mostrar os desafios que comprometem o ensino de Língua Portuguesa, considerando as gramáticas clássicas e sua influência no Português. Enfatizamos as primeiras gramáticas do Português, considerando, em seguida, o papel da NGB, cujo objetivo era a unificação terminológica e o excesso descritivista. Ao fim, concluímos que a NGB não cumpriu seus objetivos de unificação terminológica e o excesso descritivista. As grandes divergências continuaram, o que foi parcialmente responsável pelo fracasso de nossas gramáticas. PALAVRAS-CHAVE: gramática, ensino, NGB

Introdução Aquilo que hoje constitui disciplina gramatical com certa autonomia teve seu início na Grécia, no bojo das perquirições filosóficas. Era a Filosofia a pedra angular sobre a qual se foram edificando, com o passar do tempo, os diversos setores do saber. O ponto alto na reflexão filosófica encontra-se representado por Platão e Aristóteles, que refletiram sobre a linguagem em termos de categorias. Dada a importância de ambos os filósofos, mencionamos sua contribuição em secção à parte, juntamente com os estoicos. O que os une não é simplesmente o estudo do discurso articulado, mas o exame analítico do mesmo. Dionísio da Trácia e Apolônio Díscolo serão referidos em seguida, quando tratarmos da tradição gramatical, embora o segundo retome em parte o legado filosófico, reorganizando as partes do discurso conforme os polos centrais do mesmo: o nome e o verbo, as classes por excelência. Quanto à contribuição do mundo latino, houvemos por bem nos referir a Prisciano, cuja doutrina teve grande importância na Idade Média, e a Varrão, devido à sua originalidade, embora não tivesse logrado o reconhecimento conferido a Prisciano. As obras consultadas para este capítulo são a de Robins (1979), Kristeva (s/d), Neves (1987), além das fontes originais colhidas em Varrão (1990)

1. O legado grego 1.1. O âmbito filosófico Assim, o genitivo e o dativo seriam casos, tomando como ponto de partida o nominativo. Como apenas este último corresponderia ao nome em função do sujeito da proposição, ele não seria afetado pela categoria de caso. Destaquemos, porém, que o conceito de

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caso não é unívoco: ora abrange a flexão nominal e a verbal e a derivação; ora o conceito se restringe àqueles dois tipos flexionais. Aristóteles também identificou a categoria de tempo, manifestada através do verbo, mas, em suas considerações lógicas, deu saliência ao presente. Passo importante foi dado pelos estóicos. No afã de revelar a simetria entre a estrutura do pensamento e a da linguagem, identificaram inicialmente quatro partes do discurso: nome, verbo, conjunção e artigo. Distinguiram mais tarde o nome próprio do nome comum. O mérito deles não consistiu simplesmente na ampliação do número de classes. Ao reconhecerem a existência dos três gêneros, por exemplo, introduziram o termo técnico oudéteron (literalmente “nem um, nem outro”) para designar o neutro. A identificação da categoria de caso, relacionada aos nomes, foi obra desses estudiosos. A referida categoria serviu de base para inclusão dos adjetivos na classe nominal, para a distinção entre esta classe e a dos verbos. Trataram da noção gramatical de tempo, embora confusamente, e vislumbraram a de aspecto. A gramática dava sinais de libertação das amarras filosóficas.

1.2

O âmbito gramatical

A disciplina gramatical propriamente dita é uma criação da época helenística. Tinha por objetivo cultivar e ensinar aquilo que o espírito havia criado e elaborado. A gramática ganhou relativa autonomia com a Téchne Grammatiké, de Dionísio da Trácia, a primeira gramática do Ocidente, cuja influência sobre outras obras gramaticais foi incontestável. Dionísio identificava oito partes do discurso inspiradas em Aristarco: nome (ónoma), verbo (rhema), particípio (metoche), artigo (árthon), pronome (antonymia), preposição ^ ´

^ (próthesis), advérbio (epírrhema) e conjunção (sýndesmos). O gramático reconhecia as

propriedades acidentais (parepómena) para uma determinada classe de palavras, quando isto era cabível. Constituem, por exemplo, acidentes do nome: gênero (génos), número (arithmós) e caso (ptosis). Incluíam-se também entre os acidentes o tipo (eîdos), que podia ser primitivo e derivado, e a forma (schema), que se dividia em simples e composta. Como vemos, sob o nome de acidentes, se abrigavam aspectos amplos relativos não apenas à flexão como também à derivação e à composição. Outro gramático de nome foi Apolônio. Este estudioso, afastando-se de exame exterior, característico do período alexandrino, procurou versar sobre matéria lingüística,

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respaldado em enfoque filosófico. Foi Apolônio que abriu espaço para os estudos sintáticos. Escreveu não somente sobre a divisão das partes do discurso, mas também sobre a sintaxe destas. Vislumbrou o encadeamento das unidades menores nas maiores, nos moldes de uma hierarquia. Privilegiando a relação entre nome e o verbo no âmbito da frase, colocou as partes do discurso sob a égide da sintaxe e arrolou-as de modo a simularem uma proposição completa. Embora mantendo o essencial da téchne dionisiana, repensou as categorias, sua

´

ordenação e o seu conceito. Não foi à toa que seu ensinamento, de extração filosófica, teve repercussão no pensamento lingüístico medieval. Apolônio distinguiu as seguintes classes, em conformidade com os parâmetros retrocitados: 1. o nome e o verbo, os dois pólos, sem os quais inexiste proposição completa; 2. o particípio, que participa da natureza daqueles acima; 3. o artigo, que se liga ao nome e ao particípio, mas não ao pronome; 4. o pronome, que se coloca no lugar do nome, em contraste com o artigo, adjunto ao nome; 5. a preposição, que se antepõe às partes acima quer por composição (ex. andar com Pedro), quer por aproximação (conviver);

6. o advérbio, que é adjetivo do verbo; 7. a conjunção.

Não nos referiremos às categorias, que mantêm a essência da proposta de Dionísio. Passemos à contribuição dos latinos.

2. A herança dos gramáticos latinos

A tradição gramatical latina sofreu forte influência helênica. Nesta secção, trataremos de mostrar de que modo ela se manifestou através de Prisciano e o de Varrão. Em sua descrição morfológica das classes vocabulares variáveis, Prisciano procurou estabelecer formas básicas. Para o nome, elegeu o nominativo singular e, para o verbo, a primeira pessoa do singular do presente do indicativo na voz ativa. O gramático não separava fenômenos de natureza flexional dos de natureza derivacional. Neste particular, não soube tirar proveito das idéias de Varrão. Entretanto, ele tinha

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suficiente lucidez teórico para estabelecer as categorias e identificá-las, ainda que com fortes bases nocionais. Prisciano chegou à descrição de oito classes de palavras com seus acidentes (gênero, número, caso, etc.) em conformidade com o ensinamento de Dionísio e Apolônio. As classes são: nome (nomen), verbo (verbum), particípio (participium), pronome (pronomen), (adverbium), preposição (praepositio), interjeição (interiectio) e conjunção (coniunctio). Ele adaptou as categorias da língua grega, inerentes a cada classe, ao latim. Além de Prisciano, outros gramáticos houve de grande valor, entre os quais Varrão, o primeiro gramático latino e o mais original dentre eles. Empenhou-se na sua obra, De Língua Latina, em questões etimológicas e em problemas ligados aos aspectos regulares e irregulares da linguagem. Em seu livro III, cunhou o termo declinatio, que se relaciona não somente com a declinação dos nomes, mas também com a conjugação verbal. Estamos no terreno da declinatio naturalis, a flexão, que se caracteriza pela generalidade e sistematicidade e da declinatio voluntaria, relacionada com a derivação. Levando em consideração aspectos da declinatio naturalis, Varrão identificou o seguinte sistema de classes: o que comporta palavras com flexão de caso (nomes), o que comporta palavras com flexão de tempo (verbo), o que abriga palavras com ambas as flexões retrocitadas (particípios) e, enfim, palavras sem flexão de caso e de tempo (advérbios e conjunções). Varrão, no estudo das categorias do verbo, distinguiu as noções de tempo e de aspecto. Na análise das formas verbais do modo indicativo, vozes passiva e ativa, considerou como fundamental

divisão

entre

ação

completa

e

incompleta

(exemplos

do

português:

estudou/estudava). Naturalmente, ainda era um estudo eivado de imperfeições, mais tarde reparadas por Prisciano. Não podemos, contudo, deixar de registrar o fato, tendo em vista o contexto histórico no qual ele se situa. Ressaltamos também que nossas gramáticas normativas, anos e anos depois de Varrão, ainda não acolhem a categoria de aspecto devidamente.

3. Gramáticas de língua Portuguesa renascentistas e iluminista . A gramática de Oliveira (1530), que é mais um livro de anotações, não se detêm a discorrer longamente sobre as partes do discurso nem a aplicar os esquemas formais da língua latina.

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A influência clássica foi de fato saliente. Barros (1540), que procedeu ao estudo das classes vocabulares, considerando sempre que possível os acidentes, estes compreendidos em ampla acepção. Identificou o nome e o verbo como as partes principais da oração. De menor importância são as demais: o pronome e o advérbio, além do particípio do artigo, da conjunção e da interjeição. Os acidentes do nome eram, por exemplo: a) qualidade: própria ou comum; b) espécie: primitiva ou derivada; c) figura: simples ou composta; d) gênero: masculino e feminino; e) número: singular e plural; f) caso: nominativo, genitivo, dativo, acusativo, ablativo, vocativo. Quanto ao verbo, identifica-se: a) o gênero (voz): ativo e neutro; b) espécie e figura: as mesmas supra do nome; c) tempo; d) número; e) conjugação. É óbvio que nem tudo elencado pelo gramático pode ser considerado categoria, à luz dos estudos modernos. Qualidade, espécie e figura certamente não o são. Isto se pode atribuir à nítida influência greco-latina, já patente pela inclusão dos acidentes no estudo das classes. Influência mais evidente está na atribuição de caso aos nomes. Ora, sabe-se muito bem que, em geral, as funções sintáticas em português não são expressas por casos, exceção feita aos pronomes. Só a partir do século XVII, com o advento do Iluminismo, se configura de fato uma salutar reação ao modelo gramatical latino. Representativa deste período foi a gramática de Barbosa (1871), que criticou os gramáticos que o antecederam, pelo fato de terem imposto o modelo latino às gramáticas de língua portuguesa. Defendeu que a língua é um instrumento analítico do pensamento. Como todos os homens pensam segundo as mesmas leis, as línguas devem ser reguladas por princípios universais.

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Estabeleceu duas partes para qualquer gramática: uma de natureza mecânica, que considera as palavras como meros vocábulos, constituídos de sons articulados e letras, encaradas, portanto, quanto a sua ortoépia e ortografia; outra de natureza lógica, que considera as palavras como signos, enfocadas quanto à etimologia, que versa, sobre as partes da oração, e quanto à sintaxe, que ensina a juntar as palavras e a dispô-las em discurso. O adjetivo tem uma extensão bem ampla.

Corresponde a grandes grupos, os

determinativos, os explicativos e os restritivos. Os primeiros incluem os artigos os pronomes pessoais os demonstrativos de quantidades (o que chamamos hoje de pronomes indefinidos e numerais). Os explicativos e restritivos abrangiam o que entendemos hoje por qualificativos. O verbo ser é considerado de natureza substantiva. Os

demais se enquadram

naturalmente entre os verbos adjetivos. Quanto aos advérbios, estes não constituem classe autônoma, por se deixarem decompor em preposição e nome substantivo (docemente é igual com doçura). Destaque-se que Barbosa, à maneira dos antigos, procedia ao estudo dos acidentes de tipo e forma juntamente com os acidentes propriamente gramaticais. Assim, discorrendo sobre os substantivos comuns, divide-os em primitivos e derivados, simples e compostos. Barbosa apresenta uma nomenclatura muito complicada, que não teve continuidade em nossa tradição gramatical. Há um esforço por parte do autor em individualizar cada parte oracional no intuito de vez cada uma delas em seus aspectos peculiares. Ao que nos consta, não apareceu em língua portuguesa, por um longo tempo, obras gramaticais tão destacadas quanto a de Barbosa. Somente numa fase historicista de nossa produção gramatical é que vêm a lume obras de autores como Júlio Ribeiro e João Ribeiro dentre outros, as quais oferecem uma visão diacrônica da língua, refletida principalmente no estudo da estrutura e formação de palavras.

4. As gramáticas de linha diacrônica e a NGB

No período que antecede a confecção do Anteprojeto à NGB, surgem gramáticas que, numa orientação historicista, que se reflete nitidamente no estudo da estrutura e formação de palavras, imprimiram novos rumos na descrição da classificação vocabular. Cada gramática do referido período apresenta em relação a uma outra divergências num ou noutro pormenor. Não nos interessa analisar os detalhes sobre a classificação das palavras e os acidentes gramaticais relativos a elas, porque isto nos conduziria a pormenores desinteressantes. Importam

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somente as linhas gerais que norteavam os compêndios gramaticais, precisamente no que diz respeito à problemática ora em tela. Ribeiro (1911) reconhece uma disciplina geral denominada lexiologia, à qual compete o estudo da palavra quanto aos seus elementos sonoros e quanto aos seus elementos mórficos. Neste último caso, identifica duas subdivisões: taxeonomia, na qual se estuda a classificação vocabular, kampenomia ou ptoseonomia, em que se descrevem os acidentes gramaticais (gênero e número, por exemplo). Ribeiro (1893), por sua vez, reconhece na lexeologia dois subdomínios: a morfologia, que estuda o vocábulo considerado quanto aos seus elementos significativos, e a taxinomia, responsável pelo agrupamento dos vocábulos em classes. Já Pereira (1943) reconhece a morfologia como domínio subdividido em taxeonomia, à qual cabe o estudo da diversas classes e de seus acidentes, e a etimologia, à qual compete o estudo da origem e da formação do léxico. Por fim, Maciel (1914) concebe um setor gramatical, denominado lexiologia, cujo escopo são as palavras “isoladamente consideradas, isto é, como organismos independentes.” Nela se insere a morfologia, a taxonomia e a ptseonomia, sendo a segunda responsável pela classificação vocabular e a última, pelo estudo dos acidentes e propriedades. Como vemos, mesmo com o pequeno quadro ilustrativo acima, reinava uma confusão terminológica nas gramáticas do período pré-NGB. Convinha estabelecer uma certa ordem que atendesse a finalidades pedagógicas, unificasse as terminologias com base em critérios científicos. Para este fim, nasceu a NGB. Antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira, veio a lume o Anteprojeto a NGB de 13 de agosto de 1957, de cuja elaboração participaram Antenor Nascentes, Clóvis Monteiro, Cândido Jucá (filho), Celso Cunha e Rocha Lima. O Anteprojeto, além das dez classes vocabulares hoje conhecidas, propunha uma classe de partículas e locuções, às quais não nos referiremos aqui. Sobrevieram divergências. Cândido Jucá (Filho) por exemplo, não aceitava uma classificação vocabular senão dentro de um contexto oracional. A Academia Brasileira de Filologia não admitiu a existência de uma classe de partículas e locuções, pois deveriam ser inseridas, pelo menos em sua maior parte, entre os advérbios. Os gramáticos da Faculdade de Filosofia do Rio Grande do Sul não admitiram a interjeição entre as classes de palavras de valor morfológico. Ao final de toda uma longa discussão, a cujos pormenores não aludiremos aqui, resultou soma de opiniões, não uma síntese. Bidermann (1978:191), pronunciando-se sobre o Anteprojeto, assevera que gramáticos e linguistas que opinaram a respeito dele sempre lhe opuseram umas tantas restrições. Acabaram por adotar uma atitude política e não científica, 158


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tirando-se a média em os pareceres de gregos e troianos. Desse acordo entre os detentores da verdade gramatical, afirma a linguista, resultou a portaria ministerial de 28/01/1959, que institui a Nomenclatura Gramatical Brasileira. As classes de palavras permaneceram dez. A NGB lista dez classes de palavras a serem tratadas no domínio da morfologia: seis variáveis - substantivo, adjetivo, artigo, pronome, numeral e verbo. E quatro invariáveis. Questionamos, em primeiro lugar, o enquadramento de algumas destas classes no setor morfológico, como as invariáveis. É objetável também a inclusão da interjeição entre as classes vocabulares, já que ela se comporta como frase, pois se associa sempre a uma entonação específica e a uma situação comunicativa, da qual fazem parte emissor e receptor (cf. CAMARA.JR, 1977 capítulo XI). A NGB não estabelece definição para as classes. Temos que colhê-las nas gramáticas. Mas aí já se configura uma primeira dificuldade, pois as definições não coincidem em muitos casos. Para fins ilustrativos, tomamos como exemplo a gramática de Cunha (1983), que se situa entre as mais célebres, e segue mais de perto a NGB. Na referida gramática, encontram-se definições de ordem semântica, imprecisas como estas: SUBSTANTIVO é a palavras com que designamos ou nomeamos os seres em geral (1983: 121). ADJETIVO é a espécie de palavra que serve para caracterizar os seres, os objetos nomeados pelos substantivos... (1983: 170). VERBO é (...) a palavra que exprime um fato (ação, estado ou fenômeno) representado no tempo (1983: 253).

Perguntamo-nos o que o autor entende por designamos, seres, caracterizar, ação, estado e fenômeno. As definições, vagas e imprecisas, contrastam com estas de caráter morfossemântico, de Dionísio da Trácia: ónoma (nome): parte do discurso que possui flexão de caso e que significa pessoa ou coisa; rhema (verbo): parte do discurso sem flexão de caso, mas flexionada em tempo pessoa e número, que significa atividade ou processo executado ou experimentado (ROBINS, 1979: 27);

Devido à imprecisão conceitual, o que é classe em dado momento passa a ser subclasse em outro. Vejamos a conceituação de numeral: Para indicarmos uma quantidade exata de seres ou objetos, ou para assinalarmos o lugar que eles ocupam em determinada série, empregamos uma classe especial de palavras - OS NUMERAIS (1983: 193).

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Ora, pela definição acima, não há como diferenciar numeral de substantivo coletivo, a exemplo de dúzia e centena. Acrescente-se também que a definição não se compatibiliza com o elenco de numerais, já que parece abranger apenas os cardinais e os ordinais. Outro fato a considerar-se é mistura de critérios. Devido a ela ora os pronomes são classes, ora subclasses, enfocadas sob o aspecto sintático. Daí as denominações pronome substantivo e pronome adjetivo. Mistura de critérios existe, às vezes, numa só definição, como esta, relativa ao advérbio: Estas palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade, chamam-se ADVÉRBIOS. (1983: 368)

Noutras vezes, sequer há definição como se vê: Dar-se-á no nome de ARTIGO às palavras o (com as variações a, os, as) e um com as variações (uma, uns, umas), que se antepõe aos substantivos... (1983: 144)

Em outros momentos, as definições padecem de inexatidão. Em Cunha (1983), por exemplo, os pronomes são considerados palavras que servem para representar um substantivo e para acompanhar um substantivo, determinando-lhe a extensão do significado. Pela primeira "definição", só sabemos o que é o artigo porque ele está citado. O fato de antepor-se ao substantivo nada esclarece, porque isto caracteriza também outras classes. A segunda definição enfatiza somente o caráter substitutivo do pronome e não sua natureza mostradora, isto é, dêitica. Acompanhar o substantivo determinando-lhe a extensão do significado não difere alguns pronomes dos adjetivos. Em suma, o problema d permanece na NGB e nas gramáticas que a ela de algum modo se filiam. Isto se deve ora à adoção de critérios semânticos vagos, ora à mistura de critérios (como na definição de advérbio, por exemplo) ora à tautologia (vide definição do artigo), ora à inadequação da definição (a exemplo da definição do pronome). E proliferaram gramáticas, cada uma com suas peculiaridades, excessivamente acadêmicas e descritivas, como de Lima (1985) e descritivas sem que os autores se dessem conta dos destinatários, o público estudantil, alheio às controvérsias e divergências. Assim, categorias de tempo, modo e aspecto, ricas no texto, deixaram de ser focadas para serem meras entidades sujeitas a um tratamento apropriado para se reduzirem a categorias tratadas sem contexto.

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O ESTUDO DOS PRONOMES NA PERSPECTIVA DO INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA NO ESTÁGIO DE LÍNGUA PORTUGUESA Victor Flávio Sampaio Calabria (GEPLA/SEDUC)¹ Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (GEPLA/UFC)² Resumo: Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior desenvolvia no âmbito do PIBIC e está localizada no GEPLA - Grupo de Estudos e Pesquisa em Linguísticas Aplicada. Ele visa a apresentar parte de nossa experiência didática vivenciada numa escola da rede pública de ensino, em situação de estágio de regência de língua portuguesa, em que intentamos trabalhar com um conteúdo gramatical na perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais da língua portuguesa. Trata-se de uma pesquisa norteada por um enfoque linguístico-enunciativo (BAKHTIN, 1992) e também baseada em reflexões possibilitadas pelo Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2007), em especial sobre o uso de mecanismos de textualização. Trata-se de um referencial teórico orientador da abordagem dos gêneros no ensino de língua portuguesa. Entendemos o estágio como espaço de transformação do professor no início de sua atividade docente e entendemos, ainda, a língua em sua dimensão social. Com isso, a abordagem dos gêneros se inscreve no quadro geral de uma psicologia da linguagem orientada pelos princípios epistemológicos do Interacionismo Social (VYGOTSKY, 1934). Nesta experiência didática, desenvolvemos uma atividade sobre a classe pronominal, com base nos PCN, tornando assim mais satisfatória a aprendizagem, que também foi desenvolvida com a participação ativa dos alunos, dado o enfoque não normativo. Dessa forma, verificamos em nosso estágio que o ensino da classe gramatical pronome obteve um maior sucesso devido ao enfoque que foi dado, que recaiu não sobre a nomenclatura gramatical em si, mas no uso e na função comunicativa do pronome na produção verbal. Isso foi, de fato, verificado a partir da aplicação de uma atividade elaborada para a aula em questão, bem como pela participação constante dos alunos. Palavras-chave: estágio, formação, ensino, língua portuguesa.

1 INTRODUÇÃO O ensino da gramática oficialmente deu lugar ao ensino da análise linguística, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua materna. Mas, saber gerir uma aula com base nessa mudança parece que vem sendo um dos grandes desafios dos professores de língua portuguesa. Questionamentos em torno dessa problemática são vários, mas elencamos alguns: o que realmente mudou, quanto aos __________________ ¹Professor de Língua e Literatura Portuguesa na rede pública estadual de ensino e, no período de estágio, era bolsita PIBIC, sob orientação da profa. Dra. Eulália Leurquin. ² Professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada (Gepla), situado na referida instituição.

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conhecimentos necessários a ensinar? Quanto aos conhecimentos para o ensino, que ferramentas são necessárias para assegurar um ensino produtivo? O que é ensinar língua materna com base em gêneros textuais? Qual é o espaço do ensino da análise linguística no contexto da aula a partir de gêneros textuais? Tais questões parecem ganhar fôlego, quando se trata do estágio de regência, pois as aulas são ministradas por professores em formação. Contudo, é válido lembrar que o contexto do ensino da leitura e produção de textos não diferente. A aula de leitura e a aula de produção de textos não acontecem conforme sugere a carga horária do professor e o maior argumento dado é que o conteúdo de gramática é superior ao tempo disponível na carga horária do professor. Ao entrar na sala de aula, o estagiário se depara com esses conflitos. O docente em formação, na realização do seu trabalho, traz em evidência seus conhecimentos teóricos e práticos, adquiridos ao longo de sua vida e não apenas na universidade. Na ocasião, ele vê a necessidade de pôr em prática as orientações descritas em documentos do Ministério de Educação, os PCN, visto que, no período do estágio anterior (o estágio de observação), é constatado (LEURQUIN, 2013) que as orientações dos parâmetros curriculares não são consideradas como referência para o professor regente. Este se sustenta nos livros didáticos independentemente da proposta do autor. Por tudo isso, o estágio não se configura para nós apenas como uma atividade obrigatória a ser realizada no percurso curricular do Curso de Letras, mas também como um objeto de estudo. O estágio de regência é composto por uma carga horária de 32horas/aula, em sala de ensino médio ou em sala de aula dos últimos anos do ensino fundamental. Inicialmente, há um período de planejamento na universidade e outro na escola, em seguida o período de observações e apenas no último período é que o estagiário assume a sala de aula. Em nossa experiência como estagiário durante o período de regência, aconteceram as aulas às quintas-feiras, das 7h50min às 12h20min, durante os meses de março, abril e maio, em duas turmas do 2º ano do Ensino Médio (turmas A e B), com aproximadamente 40 alunos cada, na Escola Estadual de Ensino Médio Liceu do Conjunto Ceará, situada à Rua 1139 A, 10, 4ª etapa do Conjunto Ceará – Fortaleza/CE. Na escola, funcionava apenas o ensino médio regular, nos três turnos: manhã, tarde e noite. Ao mesmo tempo, assumíamos as atividades de bolsista de Iniciação Científica. O Liceu do conjunto Ceará é uma escola que reúne excelentes condições para se desenvolver um trabalho produtivo em sala de aula de língua materna. Possui uma boa estruturada e organização humana, profissional e material. O núcleo gestor é muito empenhado nas soluções necessárias para um melhor desempenho de alunos e professores, apesar das adversidades em torno da escola. Nela, há projetos em desenvolvimento na escola, como o PIBID, que proporcionam experiências acadêmicas fundamentais para um bom desempenho dos alunos e aproximação com o ensino superior. Tais iniciativas estimulam alunos e professores a 163


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participarem dos projetos construídos no ambiente universitário e aplicados na escola básica, ambos se favorecendo nesse âmbito. As composições dessas oportunidades deram-nos condições de nos afastar do estágio de regência para vê-lo como pesquisador e não apenas como um simples fato do cotidiano do final do Curso de Letras. Os dados analisados nesse artigo foram coletados na escola onde realizamos a regência e também foram considerados dados da pesquisa de PIBIC intitulada “O estágio como espaço de (trans) formação do professor”, da qual atuamos como bolsista. Nosso percurso discursivo tem três aspectos: o estágio como espaço de (trans) formação do professor; tipos de ensino e concepções de gramática e, por fim, relato de experiência de estágio. No primeiro aspecto, falamos sobre o estágio e sua importância na formação inicial do professor. Em seguida, discutimos, de forma ampla, os tipos de ensino e as concepções de gramática neles implicadas. Por fim, relataremos nossa experiência didática no estágio de regência de língua Portuguesa, em que tratamos da categoria pronominal, numa perspectiva comunicativa e enunciativa, de acordo com os PCN e à luz do Interacionismo Sociodiscursivo.

2 O ESTÁGIO COMO ESPAÇO DE (TRANS) FORMAÇÃO De acordo com Leurquin (2008), a década de 1990 tem se consolidado como bastante significativa para as mudanças teóricas do ensino e aprendizagem de Língua Materna (LM). De acordo com a autora, tendo em vista a presença dos PCN há mais de dez anos como documento oficial que rege ou deveria reger o ensino, é importante saber o que de fato mudou e como as instituições formadoras de professores intervêm para o alcance de um ensino produtivo. Sabemos que a Linguística Moderna avançou bastante, mas que nas salas de aula pouca coisa mudou. Constatamos isso nos relatórios recebidos pelos alunos do Curso de Letras da Universidade Federal de Ceará (UFC), no final das disciplinas de estágio (Estágio em regência de língua portuguesa, Estágio em oralidade e escrita e análise linguística e Estágio em leitura), através das descrições e análises de práticas docentes. Também sobre o estágio, Santos e Lonardoni (2001) ressaltam as diversas situações problemáticas que envolvem os alunos da graduação ao chegarem ao nesse momento do Curso. Elas asseveram sobre a necessidade de discussão e elaboração de resoluções de problemas e ressaltam ainda a distância existente entre os conhecimentos para o ensino exigidos pelos professores formadores e os que o estagiário, de fato, possuem e mobilizam em sala de aula. Ainda Sobre essa questão, as autoras enfatizam a distância entre os documentos da educação brasileira e o agir professoral real em sala de aula, uma vez que as aulas decorrem das orientações do método tradicional. As estudiosas reiteram a preocupação com as atividades de análise linguística, leitura e

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produção e textos. Sobre as primeiras atividades informam que elas persistem, pois os graduandos estão presos ainda a uma tradição em que decorar regras e escrever listas de conjugação eram as melhores formas de aprender. Segundo as autoras, é necessário que o professor formador mostre aos alunos uma nova perspectiva de análise linguística, baseada na função dos elementos, a fim de que seus alunos também assim possam fazer nas escolas em que desempenharão seu papel docente. Esse quadro apenas ratificou nossa posição e preocupação com questões relacionadas ao estágio, ao quão complexo ele é na formação inicial do professor. Somada a toda essa problemática, ainda há o fato de o estudante assumir uma função dupla, pois ele é ao mesmo tempo aluno (graduando) e professor (enquanto estagiário). O curioso disso é que, paradoxalmente, não há valorização do estágio nem por parte da própria Secretaria de Educação, ultimamente poucas querem aceitar o estagiário e nada fazem para mudar o quadro; nem por parte dos estagiários, pois eles os deixam para o final de curso e querem realizá-los de forma aligeirada; nem por parte da própria universidade, quando pouco investe nessa etapa da formação. É provável que todo esse quadro negativo em torno do estágio decorra da indecisão em torno de sua identidade. Nesse sentido a grande questão é retomada: onde deve afinal se situar o estágio de língua portuguesa: na Faculdade de educação (no âmbito da Didática de línguas) ou no Departamento de Letras (no âmbito da Linguística Aplicada)? Tal incerteza fortalece as inquietudes quanto ao estágio sob diversas ordens e tem desdobramentos no agir professoral porque atinge a qualidade de ensino em jogo na sala de aula.

3 TIPOS DE ENSINO E CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA

Os tipos de ensino mobilizados pelo estagiário em sala de aula estão em relação com as concepções de gramática, também mobilizadas pelo professor em formação (voltaremos a essa questão). Para tratar disso, é necessário primeiramente diferenciar o que entendemos de ensino da gramatica e de ensino da análise linguística. No contexto do ensino da gramática, situamos as práticas docentes que têm como referência a gramática tradicional, a gramática normativa. Nesses casos, há uma forte explicação dos elementos gramaticais e isso acontece com exemplificações em frases, através de exercícios estruturais. No contexto do ensino de análise linguística, observamos um procedimento diferente, focado na comunicação, na funcionalidade dos elementos linguísticos nas práticas sociais linguageiras. Nesse sentido, as frases dão lugar ao enunciado, aos gêneros e os exercícios às práticas discursivas diversas, de gêneros textuais diversos, orais e/ou escritos, verbais e/ou não verbais.

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Para Halliday, McIntosch e Strevens (1974), há três tipos de ensino (prescritivo, descritivo e produtivo) e cada um deles possui uma concepção de linguagem e uma de gramática. É a relação que se estabelece entre essas concepções traduzidas no agir professoral que nos permite compreender e interpretar a situação do ensino e aprendizagem da língua portuguesa. O ensino prescritivo privilegia a norma padrão e costuma fazer distinções entre o certo e o errado. Concebe a linguagem como expressão do pensamento, desta forma, só sabe escrever e falar bem aquele que pensa bem. No tocante à gramática, concebe-a como sendo normativa, ou seja, trata-se de um conjunto de regras que determinam o que é certo ou o que é errado, tanto na fala como na escrita. A importância desse tipo de ensino e consequentes concepções, desconsiderando a postura taxativa, é o domínio de boa parte das regras da norma padrão, que são necessárias para a produção e compreensão de textos formais. De acordo com os PCN, esse tipo de ensino não deve ser tomado como base para o aprendizado hoje, desta forma, não o utilizamos como base em nosso tirocínio. O ensino do tipo descritivo, ainda de acordo com os mesmos autores, privilegia a descrição da estrutura da língua. Assim sendo, o importante é entender o funcionamento da língua na transmissão de informações ou em qualquer atitude comunicativa. Tal ensino concebe a linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, é necessário dominar o código para se comunicar. O ensino descritivo concebe a gramática como sendo descritiva, ou seja, contempla a exposição da estrutura dos diversos estratos gramaticais, considerando qualquer variedade linguística, sem preconceito ou diminuindo-lhe o valor. A importância desse tipo de ensino repousa no fato de que a análise da estrutura linguística pode ser útil para a formulação de uma mente voltada para a análise científica dos fenômenos. Com tais características, esse tipo de ensino se aproxima ao exigido pelos PCN, bem como com as concepções de ensino para a Linguística Aplicada e, desta forma, contribui com a abordagem que utilizamos em sala de aula, em situação de estágio. Por fim, o ensino produtivo privilegia o aumento do repertório linguístico do aluno. O contato com situações diversificadas possibilita o pleno desempenho linguístico em diferentes contextos. A linguagem, aqui, é vista como lugar de interação, assim, o importante é saber utilizar a língua para agir sobre os outros em diferentes contextos de uso. O ensino produtivo concebe a ideia de uma gramática internalizada, entendida nesse âmbito como um conjunto de regras que o sujeito domina e que, efetivamente, utiliza para produzir e compreender textos. O fator produtivo desse ensino se preocupa em acrescentar conhecimentos e habilidades sem desconsiderar aquilo que o aluno já sabe, assim, contribui para a ação transformadora do ato de educar. O ensino produtivo também foi levado em consideração na nossa prática, tendo em vista sua contribuição para as discussões semeadas no espaço educativo. 166


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4 RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

Ao adentrar a sala de aula de estágio de regência percebemos que era necessário ter uma definição teórica e metodológica que respaldasse nosso agir professoral. A nossa opção foi pelo quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo, pois ele era coerente com nosso posicionamento quanto ao ensino de língua e era de conformidade com os PCN. Entendemos que o ensino de língua deve ter como objetivo maior ampliar os conhecimentos dos aprendizes para que eles pudessem participar de forma mais produtiva das práticas sociais. Para isso, seria necessário se ancorar em um ensino produtivo, onde a linguagem fosse entendida como espaço de comunicação entre os membros de sociedades. Com esse quadro desenhado, não havia espaço para o ensino da gramática. Era necessário que o aluno soubesse analisar os elementos linguísticos nas diversas manifestações deles em textos orais e escritos, em formato de diferentes gêneros. A aula de leitura deveria ter como concepção o modelo interativo de leitura e o modelo sociopsicolinguístico (LEURQUIN, 2001, CICUREL, 1992), ser planejada considerando o contexto de produção, a infraestrutura, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos (BRONCKART, 2012); o ensino de produção textual deveria ser compreendido como um processo de forma a contemplar o processo de desenvolvimento da escrita, assim sendo, considerar as sequências didáticas e estratégia na sala de aula. Imbuídos dessa compreensão e acreditando que tais colocações poderiam contribuir para o bom encaminhamento do estágio de regência que realizamos nosso estágio. Foi verificado, a partir da participação ativa dos alunos, um bom resultado do nosso trabalho. Tal recepção foi ratificada nas respostas dadas a um questionário aplicado. A aula a que nos referimos nesse artigo aconteceu com base na produção de gênero textual e o foco necessário foi nos pronomes. Ancoramo-nos, a saber, nos mecanismos de textualização para esse momento. O tema havia sido introduzido pelo professor regente e cabia-nos dar a continuidade, aprofundamento. Nosso foco foi a coesão nominal a partir desse elemento linguístico nos gêneros estudados. As aulas aconteceram durante uma carga horária de duas h/a em cada turma (2º ano A e B); sendo uma teórica, com exposição em Power Point, e outra prática, com resoluções de atividades baseadas em gêneros textuais e levando em consideração as orientações dos PCN para o ensino de Língua Portuguesa. Nas atividades, prezamos também pelos usos linguísticos e respeito aos seus diferentes contextos de produção e propomos uma reflexão linguística nos usos da língua, seja na modalidade escrita ou na oral. Para atividade, organizamo-la de forma a ocupar apenas um anverso e um verso da folha e trabalhamos basicamente com dois textos: uma charge da Mafalda e uma piada. Tendo em 167


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vista a necessidade de acompanhar o planejamento já feito pelo professor e também para se utilizar do livro didático adotado na escola, fizemos uma revisão de literatura através dele e podemos afirmar que em muito foi colaborativo. A aula aconteceu em um dos laboratórios de multimeios da escola, para que pudéssemos fazer uso do data-show. A sala foi organizada em semicírculo, conforme orientação. A disposição inicial em semicírculo foi necessária, pois a intenção era que a aula fosse uma espécie de debate de conhecimentos, a partir do conhecimento prévio os alunos, o que denota o tipo de ensino produtivo, que adotamos nesse momento, com base em Halliday, McIntosch e Strevens (1974), conforme já expusemos na seção 3 deste artigo. De fato, os alunos contribuíram com a aula e tudo que eles falavam e que era relevante era transcrito na lousa para posterior apreciação e síntese do conteúdo. Isso tanto serviu para o primeiro momento da aula de leitura, quanto para a conclusão da atividade. Inicialmente, mobilizamos o repertório dos leitores e na última utilizamos dos conhecimentos previamente adquiridos para interagir com os conhecimentos da turma e também do autor via textos (LEURQUIN, 2001). Na apresentação em Power Point, no momento de entrada no texto para compreender o espaço dos elementos linguísticos em sua formação, ressaltamos o papel do pronome, dos movimentos que ele pode dar ao texto em suas retomadas necessárias e, por isso, como elemento de coesão nominal. A partir da análise dos gêneros, os alunos eram instigados a compartilharem a respeito do emprego do pronome e de sua importante função na construção do texto. Na ocasião, uma discussão a respeito do conceito de texto se fez necessária e foi muito bem debatida. Um aluno ficou surpreso em saber que uma foto é um texto, porém um texto não verbal. Durante a regência, não nos sentimos incomodados por aluno algum. As intervenções que foram necessárias aconteceram devido ao cumprimento da ordem de fala, pois vários alunos acabam falando ao mesmo tempo e a compressão acabava ficando comprometida. Na hora da resolução de alguns exercícios, o silêncio era bastante solicitado, uma vez que os alunos não conseguiam se concentrar e, então, alguns queriam conversar após terminarem suas atividades, outros não queriam fazer, outros alegavam ter terminado, no entanto, ao final, tudo foi bem direcionado.

CONCLUSÃO

Neste artigo, problematizamos o estágio de regência; questionamos as concepções de ensino, gramática e linguagem que respaldaram a nossa prática docente nesse estágio. Para isso, ancoramo-nos nos pressupostos teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo e nos estudos sobre o ensino de leitura na perspectiva interativa. 168


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Mesmo utilizando o material didático selecionado pelo professor de língua portuguesa, vimos que é possível também utilizar um material complementar em sala de aula. Isso é muito importante tendo em vista que sempre há ressalvas a fazer em se tratando do livro didático brasileiro, apesar de já termos melhorado demais nesse item. Nossos objetivos foram alcançados porque entendemos o Estágio de Regência como um momento ímpar e fundamental na construção de nossa identidade como professores. Compreendemos que esse é um espaço de transformação que nos permite vivenciar experiências que se misturam no fato de sermos ainda estudantes e ao mesmo tempo professores. Outro ponto que merece destaque foi o fato de a escola nos deu todo o suporte necessário para bem desempenharmos nossa atividade. Não sentimos resistência ou dificuldade por parte dos alunos ou do núcleo gestor. O espaço escolar em pouco tempo nos contagiou e nos fortificou na conclusão de nossa atividade e nos permitiu caminhar convictos de que a educação ainda possui papel transformador em nossa sociedade. Acreditamos que o ensino é uma arma poderosa no combate aos vários males que nossa sociedade atual enfrenta. As várias teorias podem nos auxiliar a manusear cada vez melhor essa tarefa tão laboriosa. Entendemos que ensinar é compartilhar experiências e asseveramos que a afetividade e o amor pelo que se faz são ingredientes fundamentais para a execução de qualquer tarefa, principalmente a do ensino. Há muito mais a se estudar, problematizar, mudar no contexto do estágio no Brasil. Talvez nós possamos realmente avançar nas discussões quando tivemos melhor acesso à escola e o estágio não permaneça no espaço marginal da universidade. Para Veiga (2008), o ensino corresponde a três desafios: é uma tarefa humana; tem sua dimensão afetiva e deve cumprir seu papel cognitivo. A esses três desafios, somos capazes de corresponder e aceitar. Quanto aos desafios

atribuídos,

tais

como:

desvalorização,

remuneração,

falta

de

respeito,

descompromisso, agressão etc., não aceitemos nem nos permitamos a isso, pois a tarefa docente deve compreendida por todos como cerne para o desenvolvimento de uma sociedade justa, séria e comprometida com os valores éticos e morais. Procuramos ao longo dessas aulas proporcionar aos alunos uma aula interessante e não maçante. Uma aula centrada nas perspectivas do educando, com elaboração de dinâmicas e atividades que promovessem o debate e participação de todos. Essa experiência foi satisfatória e dela não podemos citar pontos negativos, pois nos foram insignificantes. É fato que problemas no dia a dia escolar existem e sempre irão existir, mas tudo depende da forma como queremos contornar a situação. Reiteramos a importância no estudo dos PCN e reivindicamos uma reformulação imediata no ensino de Língua Portuguesa para que de fato aconteçam as mudanças anunciadas e oficializadas em documentos. 169


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Ao concluir nossas reflexões, alinhamo-nos a Saussure (2006), quando ele afirma que a Língua é uma herança cultural passada de geração a geração, cabendo a nós, enquanto professores de língua materna, o ensino em vista à aprendizagem significativa dessa herança. Para isso, cabe-nos procurar utilizá-la da melhor maneira possível, considerando os diferentes contextos de produção e respeitando os fenômenos linguísticos.

Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. SP: Martins Fontes, 1992. BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília. 2001. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. 2. ed. SP: EDUC, 2007. _____________________. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. (Trad. E org. de Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes M. Matencio). Campinas: Mercado das Letras, 2006. HALLIDAY, M. A. K. McINTOSH, Agnus e STREVENS, Peter. As ciências linguísticas e o ensino de línguas. Trad. Myriam Freire Morau. Petrópoles: Vozes, 1974. LEURQUIN, E. V. L. F. O Relatório de Observação de Aulas como um Viés de Acesso ao Ensino/Aprendizagem de Língua Materna. In: MATTES, M.; THEOBALD, P. [orgs.]. Ensino de Línguas: questões práticas e teóricas. Fortaleza: Edições UFC, 2008. LEURQUIN, E. V. L. F. Contrato de Comunicação e Concepções de Leitura na Prática Pedagógica de Língua Portuguesa. Tese (Doutorado em Educação). Natal: PPGED-UFRN, 2001. LEURQUIN. E.V.L.F. Que dizem os professores sobre o seu agir professoral? In: GERHARDT (org.). Ensino – aprendizagem na perspectiva da Linguística Aplicada. São Paulo: Pontes, 2013. SANTOS, M. C. O. T.; LONARDONI, M. Prática de Ensino de Língua Portuguesa e Estágio supervisionado: questões a serem discutidas. Disponível em <http://eduemojs.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewFile/2768/1897.> Acesso em 18 fev. 2013. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2004. VEIGA, I. (Org.). Lições de didática. SP: Papirus,2006. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. SP: Martins Fontes, 1932.

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O PREDICADO NOMINAL EM ANÁLISE Tatiana Schwochow Pimpão (FURG) 20

Resumo: O objetivo principal desta pesquisa é realizar uma revisão bibliográfica acerca do predicado nominal em gramáticas tradicionais: Bechara (2009), Cunha (1992), Luft (1971), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010). A revisão inclui, além da definição de predicado nominal, a listagem dos verbos de ligação. Para Cunha (1992. p.144), por exemplo, “o predicado nominal é formado por um verbo de ligação + predicativo”. O gramático não lista os verbos de ligação; porém, a partir dos exemplos de predicado nominal, é possível destacar os seguintes verbos por ele considerados como de ligação: ser, estar, andar, ficar, tornar-se, continuar, permanecer e parecer. Essas considerações não correspondem, por vezes, a enunciados observados em situações reais de comunicação, como é o caso do seguinte exemplo: “Salário dos docentes federais segue defasado. (InformANDES, 2014. nº 33)”. Nesse exemplo, há um adjetivo que exerce a função de predicativo e um verbo que funciona como verbo de ligação, porém este último não está previsto na listagem de Cunha (1992). Diferentemente, Luft (1971) incorpora ao verbo de ligação valores aspectuais, permitindo que diferentes verbos em diferentes situações de comunicação possam funcionar como verbos de ligação. A revisão bibliográfica permite confrontar conceituações entre os próprios gramáticos, bem como confrontá-las com exemplos que as questionem. Ainda, esta pesquisa pode contribuir com a atualização dos professores das redes municipal, estadual e particular na medida em que a revisão bibliográfica é, muitas vezes, dificultada pela demanda de conteúdos a serem ministrados em sala de aula e pelas diferentes abordagens mesmo entre gramáticos tradicionais. Palavras-chave: predicado nominal, verbos de ligação, revisão gramatical.

1 INTRODUÇÃO

Desde o mês de maio de 2014, desenvolvo um projeto para monitoria nas disciplinas de Morfossintaxe III e Morfossintaxe IV, oferecidas nos quinto e sexto semestres, respectivamente, dos cursos de Letras da Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS). Em decorrência do acompanhamento das atividades realizadas pelas monitoras, julguei pertinente abordar um dos conteúdos gramaticais de significativa divergência entre os gramáticos tradicionais: a noção de predicado nominal e, consequentemente, a listagem dos verbos de ligação. Nesse sentido, este artigo apresenta uma revisão bibliográfica realizada em cinco gramáticas tradicionais no que diz respeito a um dos fenômenos sintáticos trabalhados na disciplina de Morfossintaxe III durante o primeiro semestre de 2014. Os conteúdos dessa disciplina referem-se à estrutura do período simples: sujeito (definição e classificação); predicado 20

Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Professora nos cursos de Letras da Universidade Federal do Rio Grande. Contato: tatianapimpao@furg.br. Agradeço a leitura de Tiago de Mattos Cardoso.

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(definição e classificação); verbos de ligação/verbos relacionais e verbos de significação/verbos nocionais; funções sintáticas dos sintagmas nominais, adjetivais, adverbiais e preposicionados e do sintagma verbal; vozes verbais; transitividade. São dois os objetivos desta pesquisa: (i) realizar uma revisão bibliográfica em gramáticas tradicionais acerca da noção de predicado nominal e da listagem dos verbos de ligação; e (ii) contribuir com a atualização dos professores das redes municipal, estadual e particular na medida em que a revisão bibliográfica muitas vezes é dificultada pela demanda de conteúdos a serem ministrados em sala de aula e pelas diferentes abordagens mesmo entre gramáticos tradicionais. Este artigo está assim organizado: inicialmente, descrevo os procedimentos metodológicos adotados; e, na sequência, apresento a revisão bibliográfica realizada em cinco gramáticas tradicionais, delineando a problemática que cerca a noção de predicado e a listagem dos verbos de ligação. Na quarta seção, procedo à análise de dois enunciados extraídos de situações reais de comunicação com o objetivo de confrontar os preceitos prescritivos com o uso. Seguem-se as conclusões.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O critério metodológico adotado para a realização desta pesquisa desdobra-se em dois momentos: primeiramente, procedo à revisão bibliográfica acerca da concepção de predicado nominal e da listagem dos verbos de ligação segundo o ponto de vista de cinco gramáticos tradicionais (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; LUFT, 1971; MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010). Em um segundo momento, analiso dois enunciados extraídos de contextos reais de comunicação (de um informativo (InformANDES) e de um jornal (Jornal Agora, de Rio Grande/RS)), procurando confrontar os preceitos desses gramáticos tradicionais com o uso de verbos, que, segundo os próprios gramáticos, de uma forma geral, não estão contemplados como verbos de ligação.

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O eixo nos estudos sintáticos está no verbo (PERINI, 2010). A identificação do verbo permite perceber as relações entre sujeito e predicado, os dois conteúdos basilares para a disciplina de Morfossintaxe III. É a partir desses dois grandes sintagmas, nominal e verbal, respectivamente, 172


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que os demais sintagmas podem ser identificados: adjetival, preposicionado, adverbial e mesmo outro nominal. Identificados os sintagmas, a etapa seguinte consiste na atribuição de funções sintáticas, dentre as quais menciono, além do sujeito e predicado, predicativo, adjunto adnominal, complemento nominal, objeto direto e indireto, agente da passiva e adjunto adverbial. Mesmo sendo conteúdos basilares, as noções de sujeito e de predicado não são isentas de problemas. A própria definição de sujeito não é homogênea entre os gramáticos. De acordo com Cunha (2005), os gramáticos tradicionais dividem-se em três critérios para a definição de sujeito: critério sintático, critério semântico e critério discursivo. Alguns gramáticos podem, inclusive, valer-se de dois desses critérios para apresentar a definição de sujeito. Quanto ao predicado, os problemas parecem residir nestes dois pontos: (i) a classificação ternária do predicado  nominal, verbal e verbo-nominal , ancorada, de forma geral, em uma diferenciação entre verbo de ligação/relacional e verbo de significação/nocional21; e (ii) a listagem, não consensual, dos verbos de ligação entre os gramáticos consultados para esta pesquisa. Nesse sentido, esta seção tem os objetivos de (i) apresentar a definição de predicado nominal e (ii) listar os verbos de ligação (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; LUFT, 1971; MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010). Os gramáticos estão distribuídos em três grupos de acordo com a perspectiva adotada. Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010) estão reunidos no primeiro grupo. Esses gramáticos vinculam a noção de predicado nominal a uma lista fechada de verbos de ligação. Diferentemente, Luft (1971), que ilustra o segundo grupo, não identifica o verbo de ligação pelo item lexical, porém por propriedades aspectuais, o que permite uma lista aberta para esse tipo de verbo e, portanto, de predicado nominal. No terceiro grupo, Bechara (2009) não considera essencial a distinção entre predicado nominal e verbal, porém mantém a listagem dos verbos de ligação, ou verbos relacionais, conforme denomina.

3.1 Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010) De acordo com Cunha (1992. p.144), “o predicado nominal é formado por um verbo de ligação + predicativo”, definição contemplada também por Mendes de Almeida (1973). Diferentemente, Rocha Lima (2010. p.292) não centra a definição de predicado nominal no tipo de

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Para Cunha (1992), há verbos que ora são empregados como de ligação, ora como de significação. A título de ilustração, tem-se, respectivamente, um verbo de ligação e um verbo de significação: “Fiquei perplexo/Permanece elevada e Fiquei em casa/Permanece no cargo.” (CUNHA, 1992. p.145).

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verbo, mas na propriedade do núcleo nominal: “o predicado nominal tem por núcleo um nome (substantivo, adjetivo, ou pronome)” [grifos do autor]. Cunha (1992) não lista os verbos de ligação; porém, a partir dos exemplos de predicado nominal, é possível destacar os seguintes verbos por ele considerados como de ligação: ser, estar, andar22, ficar, tornar-se, continuar, permanecer e parecer. De forma semelhante a Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) não lista os verbos de ligação. Os exemplos que apresenta, entretanto, permitem identificar os seguintes verbos como sendo de ligação: ser, estar, ficar, parecer, andar e permanecer. Diferentemente de Cunha (1992) e de Mendes de Almeida (1973), Rocha Lima (2010), ainda que não considere os verbos de ligação como um critério para a definição de predicado nominal, indica os verbos que entram nessa categoria. Para Rocha Lima (2010. p. 293), são os seguintes: “ser, estar, andar, permanecer, continuar, ficar, parecer”. Observa-se que, para Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010), há uma certa similaridade nos verbos de ligação. Todos esses gramáticos consideram como de ligação os seguintes verbos: ser, estar, andar, ficar, permanecer e parecer. O verbo tornar-se é mencionado apenas por Cunha (1992) e o verbo continuar, por Cunha (1992) e Rocha Lima (2010). Esses três gramáticos reforçam a imagem que tradicionalmente, durante os anos escolares, tem se constituído: a lista praticamente homogênea e limitada de verbos de ligação, assentada em uma perspectiva do item lexical.

3.2 Luft (1971)

Luft (1971. p.131) amplia a definição de predicado nominal apresentada pelos gramáticos anteriores (CUNHA, 1992; MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010) de modo a abarcar outras classes gramaticais que podem funcionar como predicativo, como, por exemplo, o advérbio: “predicado que tem como núcleo, como elemento significativo (...) – a) um nome (substantivo, adjetivo, numeral, advérbio, forma nominal do verbo) ou b) um pronome (substantivo, adjetivo, advérbio [pronominal])”. Diferentemente, Luft (1971) apresenta uma lista mais extensa e mais flexível para os verbos de ligação, partindo não do verbo propriamente, porém da classe de verbos:

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Cunha (1992) faz uma ressalva com relação aos verbos andar, ficar e permanecer, que podem ser também classificados como verbos significativos.

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1) Ser – indica estado normal, habitual (aspecto permansivo, permanente). 2) Estar, andar, achar-se, etc. – indica estado recente, passageiro (aspecto transitório). 3) Ficar, tornar-se, fazer-se, meter-se, acabar, sair, figurar, etc. – indicam mudança de estado (aspecto transitório inceptivo). 4) Ficar, continuar, permanecer, quedar, viver, persistir– indicam duração, continuação ou continuidade de estado (aspecto durativo). 5) Figurar, parecer, semelhar, etc. – indicam semelhança, dúvida de estado (aspecto dubitativo) [grifos do autor]. (LUFT, 1971. p.134)

De uma forma interessante, Luft (1971) vincula ao item verbal um valor aspectual. Nessa perspectiva, verbos não contemplados na concepção de Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010), assumindo um determinado valor aspectual, podem ser, portanto, classificados como de ligação. A posição defendida por Luft (1971) liberta o analista, o professor, da relação biunívoca estabelecida: por verbo de ligação, concebem-se, de modo geral, os verbos ser, estar, andar, ficar, permanecer e parecer, por exemplo. Em contrapartida, há que se atentar para a propriedade semântica do verbo, pois esse pode assumir, em determinadas circunstâncias e sob determinadas condições, um valor mais estativo, mais permansivo, e são esses valores que tornam o verbo de ligação, não o próprio item lexical.

3.3 Bechara (2009)

Segundo Bechara (2009), a distinção entre verbos de ligação, ou verbos relacionais, como denomina, e verbos nocionais está assentada na própria necessidade de distinção entre predicado nominal e predicado verbal. Nesse sentido, uma das características do predicado nominal é apresentar um verbo sem força semântica, por isso um verbo de ligação ou relacional, cuja finalidade concentra-se em ligar, relacionar o sujeito ao predicativo. De acordo com Bechara (2009. p.209), “o verbo ser [grifo do autor] e o reduzido grupo de verbos que integram a constituição do chamado predicado nominal em nada diferem dos outros verbos”. Para o autor, os verbos relacionais também possuem morfemas de pessoa e de número, da mesma forma que os verbos nocionais. Seguindo esse ponto de vista, Bechara (2009) defende que toda relação predicativa tem, como núcleo, um verbo, seja o que tradicionalmente é reconhecido como de ligação/relacional,

seja

o

que

também

é

tradicionalmente

reconhecido

como

de

significação/nocional. Dessa forma, uma oração seria analisada, conforme o autor, de acordo com

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o conteúdo léxico do verbo, sendo o predicado classificado em simples e complexo a depender da necessidade de um complemento. O predicado simples diz respeito ao verbo que não exige complemento; é o que as gramáticas tradicionais denominam verbo intransitivo. O predicado complexo pode ser ilustrado, por exemplo, por verbos que exigem um complemento predicativo. Para Bechara (2009. p.425), há uma pequena lista de verbos de referência vaga, como “ser, estar, ficar, permanecer, parecer [grifos do autor] e poucos outros, que aparecem matizados semanticamente pelo signo léxico que funciona como predicativo”. Diferentemente de gramáticos como Cunha (1992), Luft (1971), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010), a proposta de Bechara (2009) concebe o núcleo do predicado como uma função sintática. As gramáticas tradicionais, de um modo geral, concebem o núcleo do predicado como uma função semântica (PERINI, 2006). Segundo esta concepção, o verbo classificado como de ligação não possui significação própria, estando essa significação no sintagma a sua direita, que cumpre a função sintática de predicativo. Bechara (2009), por outro lado, não sustenta a posição que considera o verbo de ligação, ou relacional, como esvaziado semanticamente, uma vez que, conforme sua opinião, todos os verbos indicam valores como tempo, modo, pessoa e número. O critério utilizado por Bechara (2009) é, portanto, de base sintática. Bechara (2009) inova ao propor uma classificação binária para o predicado (simples e complexo), ancorada na sintaxe. Por outro lado, mantém a lista fechada para os verbos de ligação.

4 ANÁLISE DE DOIS ENUNCIADOS

Esta seção propõe-se a analisar duas ocorrências, uma com o verbo seguir e outra com o verbo encontrar-se, de modo a filiar-se à posição assumida por Luft (1971) uma vez que essa gramática não prevê uma lista fechada de verbos de ligação; ao contrário, considera o verbo de ligação uma propriedade semântica e não propriamente ancorada no item lexical. A análise das duas ocorrências ainda aproxima-se da proposta de Bechara (2009) na medida em que o autor apresenta uma nova tipologia para os predicados: simples e complexo. Conforme mencionado na seção anterior, os gramáticos tradicionais consultados foram distribuídos em três grupos de acordo com a perspectiva adotada acerca do predicado nominal e dos verbos de ligação. As gramáticas de Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010) apresentam uma significativa identidade de verbos de ligação. Esses gramáticos são unânimes na identificação dos seguintes: ser, estar, andar, ficar, permanecer e parecer. Outros verbos são destacados por um ou outro gramático: o verbo tornar-se é mencionado por Cunha 176


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(1992) e o verbo continuar, por Cunha (1992) e Rocha Lima (2010). Bechara (2009), ainda que proponha uma nova concepção para o predicado, distanciando-se desses gramáticos, aproxima-se dos mesmos na listagem dos verbos de ligação. Diferentemente desses gramáticos, os verbos de ligação, na perspectiva de Luft (1971), distinguem-se na medida em que estão distribuídos em classes e de acordo com determinados valores aspectuais. Nesse sentido, a lista de Luft (1971) não se esgota; ao contrário, é fluida e maleável, permitindo o acréscimo de outros verbos. Vejamos dois exemplos encontrados em situações reais de comunicação. (1) “Salário dos docentes federais segue defasado.”23 (2) “Carros encontram-se abandonados na avenida Portugal.” 24

No exemplo (1), observamos o emprego do verbo seguir; em (2), do verbo encontrarse. O sentido do verbo seguir em (1) não se refere ao desenrolar de uma situação; ao contrário, aponta para um estado e indica uma duração, uma continuação ou continuidade desse estado, para usar as palavras de Luft (1971). Dessa forma, no exemplo em questão, podemos admitir o verbo seguir como um verbo de ligação e o adjetivo defasado como predicativo. Em (2), o verbo encontrar-se não está sendo utilizado com o sentido de encontrar alguém, porém traduz uma significação diferenciada, sinalizando um estado, e o adjetivo abandonados funciona como predicativo. Nesse caso, o verbo indica a permanência de carros em um determinado local. Conforme mencionado, o verbo seguir, em (1), poderia ser substituído por permanecer ou continuar, uma vez que o sentido de seguir, no exemplo em análise, é justamente de indicar que uma situação perdura e que, portanto, não houve mudança. Luft (2010) não apresenta situações em que o verbo seguir pudesse ser considerado de ligação. No entanto, o autor admite que esse verbo é sinônimo de continuar, ainda que este não seja considerado de ligação nos exemplos que ilustram o verbete no dicionário. De forma semelhante, Cunha (1982) considera o verbo continuar como um dos possíveis sinônimos para o verbo seguir. Em (2), o verbo encontrar-se poderia ser substituído por estar, uma vez que a manchete divulga a notícia de carros estarem abandonados em uma rua, na Avenida Portugal, localizada na cidade do Rio Grande/RS. De acordo com Luft (2010. p.240-241), o verbo encontrar-se pode anteceder um predicativo: “achar(-se) (em certo estado, condição, lugar): Encontrei-a doente ( Encontrei-a/ela estando doente ou Ela estava doente/quando a encontrei). 23

Fonte: InformANDES, 2014, nº 33.

24

Fonte: http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=7&n=62720. Acessado em 15 set. 2014.

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Encontrou-a de cama, com febre, etc” [grifos do autor]. No exemplo em (2), infere-se, pelo contexto em que o verbo é empregado, um valor mais estativo, i.e., os carros estão abandonados em um determinado lugar. Luft (1971), conforme apresentado na subseção 3.2 deste artigo, não destaca o verbo encontrar-se como um possível verbo de ligação, porém menciona o verbo achar-se25, com indicação de um estado passageiro, observável no exemplo em análise. Seguindo a proposta de Luft (1971), os dois enunciados em análise apresentam verbos de ligação; e, de acordo com Bechara (2009), apresentam um predicado complexo. Se a noção de predicado nominal, associada a determinados verbos de ligação, fosse utilizada para classificar esses enunciados, dificuldades emergiriam: (i) como conceber um predicado nominal em (1) e (2) se o verbo não é de ligação (segundo Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010))?; e (ii) se o predicado for considerado verbal, como classificar defasado e estacionados?

CONCLUSÕES

Acredito ser inquestionável o ensino da norma padrão prescrita nas gramáticas tradicionais. Baseando-se nessas gramáticas, o professor dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio pode desenvolver o ensino produtivo, introduzindo variantes no repertório linguístico do aluno de modo que este desenvolva, continuamente, a habilidade de adequar estratégias linguísticas a diferentes contextos de comunicação. Entretanto, a gramática tradicional escolhida pelo professor não constitui um exemplar representativo de todas as gramáticas tradicionais. Conforme apresentado na seção 3, não há uniformidade entre os gramáticos com relação à concepção de predicado nominal e à listagem dos verbos de ligação. Esta pesquisa, ainda que breve, pode constituir um referencial teórico para o professor dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio no que se refere ao predicado nominal e aos verbos de ligação. De posse deste material, o professor pode decidir qual abordagem seguir: se aquela com uma concepção mais estreita de língua, que dificulta, ou mesmo impede, a análise de enunciados reais de comunicação (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010), ou se aquela com uma concepção mais alargada de língua, de modo a envolver os próprios enunciados reais (LUFT, 1971).

25

Não há referência aos verbos encontrar-se e achar-se em Cunha (1982).

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Referências Bibliográficas

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. CUNHA, Antônio Sérgio Cavalcante da. Discutindo os critérios para a definição de sujeito no português do Brasil. In: SOLETRAS, Ano V, Nº 10. São Gonçalo: UERJ, jul./dez. 2005. p.97106. CUNHA, Celso. Gramática da língua portuguesa. 12ed. Rio de Janeiro: FAE, 1992. LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência verbal. 9ed. São Paulo: Ática, 2010. ______. Gramática resumida. 2ed. Porto Alegre: Globo, 1971. MENDES DE ALMEIDA, Napoleão. Gramática metódica da língua portuguesa. 24ed. São Paulo: Saraiva, 1973. PERINI, Mário Alberto. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. ______. Princípios de linguística descritiva: introdução ao pensamento gramatical. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 48ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

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OS ELEMENTOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NA CONSTITUIÇÃO DA COESÃO NOMINAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS EM PLE Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (UFC) Meire Celedônio da Silva (UFC) Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre a produção de textos escritos por estudantes de PLE em situação de imersão na UFC. Essas reflexões fazem parte da nossa dissertação de mestrado que se encontra em desenvolvimento nessa instituição de ensino. Para isso, partimos dos pressupostos do ISD sobre a aprendizagem de uma língua natural. Segundo Bronckart (1999), a aprendizagem de uma língua se dá nas atividades de interação social. Sobre esse conteúdo Bakhtin (2000) é enfático, ao colocar como centro do aprendizado de uma língua as interações sociais: “adquirimos (uma língua) mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva”, portanto, é nos e pelos textos, sejam orais ou escritos que um sujeito faz uso efetivo dos elementos linguísticos. Os parâmetros da situação de enunciação implicam-se nas escolhas linguísticas de um sujeito ao empreender em um agir linguageiro em determinada situação de produção. Quanto à produção de texto em uma língua estrangeira, o agente produtor precisa mobilizar conhecimentos linguístico-discursivos para interagir com seu receptor. Um dos elementos que durante as nossas análises percebemos apresentarem problemas para o estabelecimento da coesão nominal é a ausência do artigo definido dentro dos sintagmas nominais. Segundo Neves (2011), os artigos definidos são elementos importantes para a construção do sentido do texto, além de serem dependentes da situação de comunicação e da intenção dos sujeitos da interação verbal. Dessa forma, em nossos resultados preliminares, podemos afirmar que os estudantes precisam desenvolver capacidades linguístico-discursivas para conseguir utilizar esse elemento linguístico disponível no português para estabelecer relações de coesão nominal. Palavras-chave: produção de texto; elementos linguísticos discursivos; português língua estrangeira.

1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como ponto de partida algumas reflexões surgidas no percurso da análise do nosso corpus da pesquisa de mestrado em andamento no programa de Pós Graduação em Linguística (PPGL) da UFC. Durante esse itinerário percebemos como alguns elementos que compõem um Sintagma Nominal (doravante SN) dentro do texto na construção de cadeias anafóricas para introduzir, manter e fazer progredir temas e subtemas. Esses elementos dependem não apenas de conhecimentos estruturais da língua que está sendo apreendida, mas também da mobilização dos conhecimentos da situação de enunciação.

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Diante desse quadro, partimos da seguinte pergunta: o uso do artigo definido na constituição de cadeias anafóricas depende apenas de conhecimentos linguísticos ou os parâmetros da enunciação também exercem influência na escrita de aprendizes de PLE? A questão relacionada ao ensino e à aprendizagem do texto escrito em LE vem sendo discutida por muitos autores (HYLAND, 2003; MATSUNDA,2003), além das pesquisas que tratam do ensino de LE através dos gêneros textuais em uma perspectiva da interação verbal . Em seu artigo sobre a aprendizagem do texto escrito em segunda língua, Matsunda (2003) percorre o caminho histórico da inserção da escrita no ensino aprendizagem de língua estrangeira. Segundo a autora, o interesse começa a partir dos anos 60, mas os estudos mais envolvidos com a pesquisa sobre a escrita em segunda língua só começa a surgir a partir dos anos 90 e está atrelado a Linguística Aplicada como um subcampo de interesse dessa área. Para a autora, a negligência dada ao estudo da escrita em segunda língua, deve-se possivelmente pelo predomínio do método audiolingual em meados do século vinte. Outro fator que contribui para essa desvalorização da escrita nessa área de investigação provém da teoria de que a fala é aprendida antes da escrita. Devido a esses motivos, principalmente, não se deu tanta importância ao aprendizado da escrita em LE até recentemente. Segundo a autora, um ensino de segunda língua centrado no nível da estrutura não é capaz de dar conta de uma organização geral do texto, mesmo que esses estudantes fossem capazes de produzir frases gramaticalmente corretas. Alguns pesquisadores argumentavam que o problema estava na transferência das estruturas da primeira língua para a produção de texto em segunda língua. Hyland (2003) complementa esse raciocínio e afirma que um conceito de escrita em segunda língua sob o ponto de vista da estrutura direciona uma visão de escrita como um produto e estímulos com foco em unidades formais do texto ou aspectos gramaticais. Assim, aprender a escrever em uma língua estrangeira ou segunda língua envolve principalmente conhecimentos linguísticos, escolhas de palavras, partes da gramática e mecanismos de coesão que formam blocos essenciais de textos. Percebe-se, assim, a exclusão de operações essenciais para uma ação de linguagem que tem como produto empírico um texto (BRONCKART, 1999). Matsunda (2003) afirma que só nos anos 70, com as pesquisas de Vivian Zamel é que foi introduzida a noção de escrita como um processo no ensino e aprendizagem de segunda língua. Segundo Zamel citada por Matsunda, a escrita de aprendizes avançados em segunda língua é similar a de aprendizes em primeira língua. Além disso, eles podem se beneficiar do foco dado as instruções de escrita como um processo em sua língua materna. No entanto, Petrova (2010), ao relatar sua experiência com o ensino PLE a estudantes russos, percebeu muitas dificuldades. Essas dificuldades teriam origem na distância tipológica entre as línguas – português e russo- apontadas 181


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por ela como a causa dessas dificuldades, embora a autora relate o ensino de vocabulário e não exatamente de produção escrita. Entretanto, Hyland (2003) afirma que a escrita é uma atividade social, pois todo ato de comunicação tem um propósito, inserido em um contexto e tem um tipo de receptor específico. Dessa forma, esses aspectos podem formar a base de um contexto para o aprendizado da escrita. Isso evidência a importância de os estudantes estarem inseridos em situações de comunicação real. Assim, percebemos a importância do agir comunicativo para os aprendizes de uma língua, pois é através desse agir que mobilizam os conhecimentos para realizarem determinada tarefa. Hyland (2003) é categórico ao tratar da atividade de escrita como uma atividade social. Essa visão vai ao encontro do que pensa Bronckart (1999, p.32) as atividades humanas são reguladas e mediadas pelas interações verbais (orais ou escritas). A língua, dessa forma, assume um papel importante nas atividades humanas. É através dela que o homem interage e age nos diversos campos de atividade no meio social. O aprendizado da escrita é ensejado dentro das rotinas familiares, ou em ciclos de atividades e está ligado a novos contextos e compreensão do que os estudantes já sabem sobre a escrita. Portanto, a influência do contexto social no aprendizado da escrita, assim como o que o estudante já sabe sobre a escrita principalmente em se tratando de língua estrangeira é de grande valia. Esse pensamento de Hyland remete ao que Vygotsky (1998 ) chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) em que o estudante conta com o apoio do professor e dos demais seres que o cercam para desenvolver habilidades com um conteúdo. Em se tratando de aprendizagem de uma segunda língua percebemos o valor que a língua materna tem nesse processo, contradizendo o que alguns pesquisadores afirmam da influência negativa da língua materna, Vygotsky afirma: O êxito no aprendizado de uma língua estrangeira depende de um certo grau de maturidade na língua materna. A criança pode transferir para a nova língua o sistema de significados que já possui na sua própria. O oposto também é verdadeiro – uma língua estrangeira facilita o domínio das formas mais elevadas da língua materna. (VYGOTSKY, 1998, p.70 )

Dessa maneira percebemos a importância dos pré-construídos e das representações sociossubjetivas de um aprendiz de segunda língua, ou seja, das formações sociohistórica de aprendizes de uma LE. Hyland (2003) também enfatiza a influência que o contexto social tem sobre a escrita. Segundo ele, o contexto é mais que a interação de escritores e leitores particulares, isso remete como instituições, sociedades e culturas influenciam a escrita.

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E continua, o ato de escrever é um mecanismo que se encontra, tanto no sentido de uma atividade pessoal quanto individual, mas é também interacional e social, expressando propósitos culturalmente reconhecidos, refletindo um tipo particular de relações e reconhece um engajamento em uma dada comunidade. Ele então lista cinco tipos de conhecimentos que os agentes produtores (BRONCKART, 1999) de segunda língua trazem para criar textos efetivos. O nosso trabalha encontra-se assim organizado: primeiro elaboramos uma síntese do contexto na qual a pesquisa se desenvolveu e a metodologia utilizada por nós para chegarmos aos resultados parciais; em seguida fazemos algumas considerações sobre os mecanismos de coesão no contexto do interacionismo sócio discursivo além de um subtópico sobre o artigo definido depende de elementos também pragmáticos e não apenas sintáticos; logo em seguida, realizamos a análise dos nossos dados. Além dessas seções temos esta introdução e algumas considerações do nosso trabalho.

2 CONTEXTO DA PESQUISA E METODOLOGIA A nossa pesquisa compreende textos que foram coletados no curso ofertado pelo grupo de estudo GEPLA26 que é intitulado Curso de Português para Estrangeiro: Língua e Cultura Brasileira. Esse curso tem como objetivo (SOUSA, 2013) inserir os estudantes que chegam ao Brasil para realizar intercâmbio da UFC, ou seja, são estudantes de mobilidade acadêmica27 a desenvolver capacidades de linguagem em português nas modalidades oral e escrita 28 como forma de inserir esse aluno com maior participação nas atividades acadêmicas demandada por sua permanência de seis meses nos cursos de graduação. Além desses, Silva e Leurquin (2014) destacam os seguintes objetivos do curso de PLE ofertado na UFC: i) contribuir para ampliar as competências linguísticas discursivas dos alunos estrangeiros na UFC; ii) proporcionar aos alunos melhores condições de comunicação em PLE dentro da universidade bem como fora dela; iii) investir no projeto de construção da licenciatura em PLE e na formação de professores em PLE. No período de 2013.2, o grupo ofertou o curso a uma turma de estudantes do nível avançado que tem por objetivo focar os estudantes na produção escrita. Nesse período foram propostas aos estudantes algumas produções de textos. Para isso, os professores organizam as 26

Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguística Aplicada coordenado pela professora doutora Eulália Leurquin.

27

A mobilidade acadêmica é o processo que possibilita ao discente matriculado em uma IES estudar em outra e, após a conclusão dos estudos, a emissão de atestado de comprovante de estudos, registro em sua instituição de origem. A mobilidade acadêmica envolve a existência de condições apropriadas, que contribuem com a formação e o aperfeiçoamento dos quadros docente e discente, objetivando a aquisição de novas experiências e a interação com outras culturas. Informação disponível em:< http://www.cai.ufc.br/mobilidadeestrangeiro.htm>. Acesso em: 20 nov. 2013 28

No caso do curso ofertado para os estudantes do nível avançado o foco maior é com a modalidade escrita da língua.

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atividades para atender os objetivos desse nível a partir das dificuldades apresentadas pelos estudantes na prova de nivelamento. O curso contava com 16 estudantes de diferentes nacionalidades como podemos ver no gráfico abaixo.

Quanto ao perfil linguístico desses estudantes, eles já haviam estudado português em seus países de origem por pelo menos 1 ano. Isso justifica eles estarem em um curso de PLE do nível avançado e também a nossa escolha de trabalharmos com os textos deles. Quanto às motivações e aos objetivos para aprender português também são bastante heterogêneos. Alguns citaram que queriam aprender gramática e melhorar a pronúncia, outros escrever melhor textos e outros ainda citaram que compreender o português falado no Brasil. A nossa pesquisa é de cunho descritivo. Partimos de um corpus de textos escritos por estudantes estrangeiros de mobilidade acadêmica coletados no período letivo de 2013.2. Antes do início das aulas, os estudantes fazem um teste de nivelamento para aferir as capacidades de linguagens já desenvolvidas. Esse teste é composto de uma prova de produção e compreensão oral e outra de produção e compreensão escrita. A proposta de produção escrita – que é a que nos interessa aqui – foi a escrita de um email pessoal e a partir dela os estudantes produziram textos que são os objetos de análise nesse trabalho.

Proposta de produção de texto para a prova de nivelamento Durante a sua estadia no Brasil, um amigo seu resolve vir visitá-lo e você está muito feliz. De acordo com os seus conhecimentos sobre esse país, redija um e-mail em português a seu amigo. Nesse e-mail você deve relatar um pouco das suas experiências aqui, descreva alguns lugares que já conhece, dê sugestões de atividades recreativas culturais que ele pode fazer no Brasil. Além disso, peça que traga do seu país alguma coisa da qual sente 184 falta.


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Essa proposta é importante no âmbito da pesquisa para percebermos que todo texto ou produção verbal é a resposta a um outro texto (BAKHTIN, 2000) e sofre influência do intertexto (MACHADO; BRONCKART, 2009). Poderemos na análise perceber que os estudantes fazem usos dos elementos que se constitui a textualidade a partir de um contexto mais amplo. Passaremos, na seção seguinte a algumas considerações sobre os elementos da textualidade sob uma perspectiva discursiva dentro do quadro do ISD, além de levarmos em consideração alguns aspectos da teoria de Neves sobre os recursos linguísticos.

3 ELEMENTOS GRAMÁTICAIS SOB UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA As questões que envolvem o ensino e aprendizagem de línguas têm ganhado relevância no cenário das pesquisas no Brasil. A mudança de atitude diante do que se pensa realmente o que é língua provocou mudanças significativas nesse processo. Com as teorias da enunciação principalmente sob um ponto de vista bakhtiniano têm impulsionado essas reflexões. Para esse estudioso, há uma necessidade de perceber ou analisar os contextos ideológicos nos quais acontecem as interações verbais. A língua como objeto de ensino e aprendizagem, de acordo com a proposta do ISD. Na perspectiva do ISD que tem como expoente maior Bronckart, a língua não é um objeto de apreciação de culto ou padrão, mas deve estar a serviço dos sujeitos que dela fazem uso para a inserção social desses sujeitos nas diferentes esferas do agir linguageiro em um determinado campo de atuação deles no campo social. Assim, a língua existe em potência em uma determinada comunidade verbal e se realiza nas diferentes atividades humanas através dos textos produzidos nesses espaços sociais. Dessa forma, Não há mais espaço para perceber a linguagem como algo estanque ou mesmo normativa apenas. O falante de uma língua dispõe de uma gama variada de recursos para deles fazer uso. Leva-se em considerações as permissões das línguas e também a criatividade de cada agente produtor, apartir das instâncias que assume ao fazer o seu dizer em um determinado contexto. São sujeitos situados sociohistoricamente e a situação de produção no qual está inserido, trate-se de produção verbal em língua materna ou estrangeira, podemos associar ao fato de que os conhecimentos construídos coletivamente (BRONCKART, 1999) influenciam nas tomadas de decisões.

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Para Bronckart (1999), a atividade de linguagem é fundamental para o desenvolvimento. Ela exerce duas funções principais: pode tanto semiotizar as representações coletivas construídas historicamente quanto organiza, comenta e avalia as interações humanas.

3.1 O uso dos definidos na construção do sentido

Os artigos definidos tem bastante visibilidade dentro dos estudos da análise da coesão nominal dentro do texto. Neves (2013). Para alguns autores tem desenvolvido algumas pesquisas sobre a função que o artigo definido tem dentro de um SN (APHOTELOZ; CHANET, 2003; KOCH, 2006 ). Pesquisas que tratam da construção da referenciação mostram o papel que o artigo definido exerce dentro do texto como fator preponderante na introdução ou retomada de uma fonte de significação (BRONCKART, 1999). Eles estão diretamente relacionados a essas retomadas de acordo com o conhecimento da situação enunciativa que o agente produtor possui. Além disso, as pesquisas que tratam do uso dos elementos linguísticos discursivos sob um ponto de vista funcionalista descrevem as várias situações nas quais o contexto de produção influencia ou é determinante na escolha de um artigo definido. Neves (2013) cita alguns autores que fazem referência ao uso do artigo definido na construção da textualidade. Para isso, ela faz cita vários autores como Givón, Lyons e Hawkins. Segundo Neves (2013), para esse último autor, o artigo definido apresenta três usos: um anafórico e dois situacionais. Assim, os artigos definidos assumem papel importante dentro de um texto principalmente no que diz respeito aos elementos de coesão nominal. O conhecimento partilhado entre os interlocutores da situação e do conteúdo a ser tematizado diz muito sobre isso. Não podemos tratar a questão da coesão nominal apenas sob o viés de uma análise de elementos estruturais, mas como esses elementos são construídos pelos interlocutores na situação de interação e que exige o conhecimento da situação pelos interlocutores. A partir dessas considerações, passaremos na seção seguinte a tratar da análise dos nossos dados. Assim, primeiramente partiremos da análise do contexto de produção no qual os estudantes estavam inseridos. Em seguida, faremos algumas considerações sobre o uso dos artigos definidos dentro da tessitura textual.

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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A produção de texto das quais extraímos os exemplos da nossa análise faz parte da primeira produção de texto desses estudantes. Trata-se de um e-mail que será enviado a um colega que se encontra em seu país de origem. Podemos sistematizar da seguinte maneira o contexto de produção dos textos analisados nesse trabalho.

Contexto físico

Contexto sociossubjetivo

Outros conhecimentos

Uma sala de aula Âmbito informal e da universidade; da UFC;

Do gênero textual e-mail;

Conhecimentos intermediários da Um estudante língua alvo que comprovem que Amigo; estudante de mobilidade estrangeiro; já desenvolveu capacidades de acadêmica; linguagem nela; Produzido durante uma hora e 30 minutos; antes de De colega do enunciador; iniciar o curso de PLE

Conhecimento do assunto a ser textualizado.

O professor coordenador do curso Relatar ao seu colega suas experiências de estadia no Brasil, sobretudo, seus sentimentos em relação ao seu país de origem.

Os textos a seguir foram produzidos na mesma situação de produção, no entanto, podemos cada agente produtor mobiliza diferentes mecanismos que podem ser organizados de acordo com os conhecimentos de cada uma das atividades propostas. Destacaremos os SN que são introduzidos e ou retomados como parte da atividade discursivas desses estudantes. O primeiro

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texto da nossa análise é de uma estudante francesa que estudou português por aproximadamente 1 ano em seu país de origem.

07_A_1 Oi querida! Tudo ben? Que legal você está vindo para o Brasil para passar as suas férias comigo. Eu estou aqui em Fortaleza e moro no bairro Meireles, que fica ao lado da praia você vai gastar! Eu moro com duas amigas numa república! Eu tenho um pedido: por favor leva uma garrafa de cerveja “Hefeweinzen”, qual eu adoro. Você sabe! Eu tenho muitas saudades da cerveja alemã. Se você vai vir para cá, me lige. Depois eu vou buscar você no aeroporto. Já estou anciosa! Beijos e abraços xxxx

Podemos perceber que o agente produtor dentro de uma situação de enunciação que partilha os conhecimentos entre ele e o interlocutor mobiliza os recursos linguísticos da língua alvo para estabelecer o conteúdo temático através da introdução de uma SN definido. Essa operação está diretamente associada aos conhecimentos mobilizados por esse agente dos parâmetros físicos e sóciosubjetivo da produção de linguagem. Alguns SN são introduzidos, mesmo que apareça pela primeira vez no texto, como podemos perceber com os SN no aeroporto, a cerveja alemã. Dessa forma, na situação na qual se encontra, o agente produtor participa ativamente da interação e ativa também os conhecimentos do seu receptor como conhecedor de conteúdos culturalmente construídos. Podemos perceber também com a introdução do SN o Brasil com o artigo definido pelo agente-produtor ativar o conhecimento que se trata de elemento de referência única (NEVES, 2013) devido aos conhecimentos sobre o assunto a ser tematizado e da situação de enunciação e também estruturais, acreditamos.

09_F_1 Oi xxx! Como você vai? Estou muita contenta que você vem para o Brasil! Eu moro na cidade de Fortaleza na região do Ceará. Aqui tem muitas bonitas praias como praia do futuro o Cumbuco. Espero que você vai venir me visitar! Eu falta muito de comida francesa, tipo, saussisson e queijo.

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Em particular, o que falta mais e minha petuche (uma cabra), tem muito valor para eu. Você pode me trazer estas coisas por favor? (Mas não é obrigado do queijo porque cheira mal) Si você quer venir na Fortaleza, aqui fica em aeroporto e eu moro perto deste, mais o menos 15 minutos de taxi. Eu posso venir se encontrar no aeroporto si quer. Bom viagem amiga! Até logo! Beijos O conhecimento da situação de comunicação parece levar os estudantes a se colocarem mais diretamente diante dos conhecimentos construídos ao longo de suas vivências. As opções que ele encontra na língua demonstra que esses estudantes usam com alguma propriedade os elementos linguísticos estruturais para a construção do texto de maneira a organizar cada um dos subtemas e manter a unidade textual. Os elementos de menção única como já na introdução do SN o Brasil, não basta apenas conhecimento da gramática, mas mobilizar algumas representações sobre o conteúdo temático a ser textualizado. No entanto, algumas operações mostram que o estudante ainda não assimilou algumas formas de tratar a informação no texto. Por exemplo, no SN aeroporto exige a mobilização de conhecimentos sobre a cidade de Fortaleza enquanto capital e rota de turismo internacional, portanto deve ter um aeroporto. Assim, como a introdução do SN de comida francesa sem o uso do artigo definido. Isso mostra que o agente produtor não mobilizou a capacidade de ação na textualização do seu dizer e isso implica em não perceber diretamente o seu interlocutor. Dessa forma, ele fala de maneira genérica da comida francesa como se o seu interlocutor não partilhasse dos mesmos conhecimentos culturais.

13_E_1 Oi xxxx, Tudo bom? Estou esperando pra você chegar. Eu gosto de Brazil muito mas eu sinto falta algumas coisas. Antes você cheiga pode vem com morningstar e Boca Burgers? A comida de “vegetarians” é muito caro daqui Brazil. Então, eu preciso meu notebook. Notebook e muito cara também. Eu sinto falta a musica de Erykan Badu e Lauryn Hill. Pode me dar o CD. Estou na Fortaleza. Não tem authentica molho de pimenta. Ser certeza pratica Portuguese muito Não pessoas falam inglês. E bom porque podemos ser bilingual. Excercia muito pra praia. Mais uma coisa, pode vem com ropas barrato, e muito cara em Brazil. Não sei porque. Pronto ver você. Te amo Nesse texto, podemos perceber que é um texto truncado por não apresentar os elementos estruturais da constituição de um SN, mas que tem uma implicação do conhecimento do contexto discursivo. O agente-produtor introduz o SN Brasil sem o uso do artigo definido. Essa 189


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operação se repete ao longo do texto com a repetição do SN Brasil, além de parecer que o agente produtor não mobiliza os conhecimentos da situação de comunicação ampla, ele provavelmente ainda não aprendeu a utilizar os elementos linguísticos discursivos na língua estrangeira. Esse fato fica mais evidente, quando ele introduz o SN Fortaleza com um artigo definido. Talvez, nesse último caso, o agente produtor mobilizou o conhecimento necessário para o primeiro, mas que não é a mesma situação do outro. Nesse caso, a língua portuguesa apresenta algumas especificidades em relação ao uso dos artigos definidos com nomes geográficos. Outros SN, como a comida de vegetarians, o CD que são introduzidos pelo artigo definido aponta para o diálogo entre agente produtor e interlocutor que compartilham dos mesmos conhecimentos de mundo. Assim, quando o agente produtor introduz o SN definido o CD, podemos inferir que trata-se de um objeto específico que o interlocutor tem acesso e sabe do que se trata especificamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com os conhecimentos mobilizados pelos estudantes, percebemos que há uma busca por estabelecer as estratégias de uso da língua alvo por parte do aluno de acordo com os diversos conhecimentos disponíveis nele. Ele mobiliza conhecimentos do contexto de produção e intervém mesmo que de maneira, ás vezes insatisfatória, pois os textos apresentam alguns problemas gramaticais os elementos de fusão que constroem o seu dizer como objetivo de estabelecer um agir na língua alvo. Assim, percebemos que o contexto enunciativo assume papel preponderante nas tomadas de decisões desses estudantes. A análise, por nós realizada, tem uma perspectiva diferente do que os elementos estruturais exercem em uma determinada língua. Esses elementos são postos como possíveis realizações de atividades de linguagem, eles existem em potência em uma dada língua, mas apenas seu efetivo é que alimenta essa língua. O lugar social e as representações do agente produtor aprendiz de uma segunda língua - pode motivar o uso de um determinado elemento. A visão que eles – os estudantes estrangeiros em situação de imersão - também têm das atividades e do papel social deles contribuem para elaborar determinadas estruturas dependem não somente dos conhecimentos de língua desses estudantes, mas, sobretudo, do contexto discursivo – amplo e restrito – no qual estão inseridos. Percebemos assim que as escolhas de elementos que constituem os sintagmas nominais responsáveis por estabelecer um conteúdo temático em um determinado texto. Partindo da reflexão inicial: o uso do artigo definido na constituição de cadeias anafóricas depende apenas

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de conhecimentos linguísticos ou os parâmetros da enunciação também exercem influência na escrita de aprendizes de PLE? Podemos perceber que a textualização de um conteúdo temático não depende apenas de elementos linguísticos, mas da mobilização dos diferentes conhecimentos envolvidos em uma produção verbal. No entanto, estes mediatizam o processo de construção de uma determinada isotopia no texto. Esse trabalho também permite realizarmos uma reflexão em torno do ensino de PLE e dos conteúdos a serem abordados em um curso de PLE. Podemos perceber que é preciso pensar o ensino e aprendizagem de PLE como uma dinâmica que considere os contextos de uso da língua nas diferentes atividades que os estudantes estão envolvidos no país no qual se encontram.

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PRÁTICAS E CONTEXTO DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM RORAIMA Luzineth Rodrigues Martins29 (UERR) Cristiani Dália de Mello 30 (UERR) Resumo: O projeto “Práticas e Contexto do Ensino da Língua portuguesa em Roraima” tem como objetivo coletar dados gerais sobre o ensino de LP em 14 municípios do Estado de Roraima, pois detectamse problemas como a falta de atendimento das expectativas de qualidade desenhadas pelo sistema nacional de educação, pelos gestores , professores e pais de alunos; dificuldade dos professores na promoção de práticas pedagógicas que resultem na elevação dos níveis de habilidades de leitura e de escrita dos alunos em conformidade com o nível de ensino em que se encontram; dificuldade na inclusão dos avanços dos estudos da linguagem no ensino da LP e falta de promoção da formação continuada em atendimento às necessidades reais do professor de LP. A metodologia utilizada deu-se pela coleta de dados, tendo como instrumento um questionário destinado aos professores, composto de questões abertas e fechadas, com o objetivo de fornecer respostas que levassem à realidade do cotidiano professor/aluno nas salas de aula de LP. Esses dados foram tabulados, analisados e os resultados foram distribuídos em três contextos, isto é, a atuação do professor no ensino de LP; o uso e importância do LD e a contribuição do PPP. Como conclusão, constatamos que o ensino de LP no Estado precisa ser atualizado, pois é pautado pelo uso da gramática em detrimento das práticas de uso da linguagem; a grande preferência dos professores pelo LD recai sobre os livros não recomendados ou recomendados com ressalvas, pelo descompasso que há entre a expectativa do professor e dos livros recomendados pelo PNLD; e, por fim, muitas escolas não têm o PPP construído e as que possuem não veem a necessidade prática deste documento. Palavras-chave: ensino de LP, práticas de ensino, escolas públicas

INTRODUÇÃO O projeto “Práticas e Contexto do Ensino da língua Portuguesa em Roraima” está ancorado no grupo de pesquisa Sociolinguística, letramento e ensino, linha de pesquisa Letramento e ensino da língua materna, coordenado pela professora Luzineth Rodrigues Martins, e foi criado com o objetivo de coletar dados gerais sobre o ensino em Roraima, de modo a sinalizar quais fatores interferiam na promoção da qualidade desse ensino, para que se pudesse posteriormente, subsidiar a implementação de ações que visem à superação dos problemas já detectados, tais como: a falta de atendimento das expectativas de qualidade desenhadas pelo sistema nacional de educação, pelos gestores, professores e pais de alunos; dificuldades dos professores na promoção de práticas pedagógicas que resultem na elevação dos níveis de 29

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habilidades de leitura e de escrita dos alunos em conformidade com o nível de ensino em que se encontram; dificuldade na inclusão dos avanços dos estudos da linguagem no ensino de LP e a falta de promoção de formação continuada em atendimento às necessidades reais do professor de LP. Foram pesquisados 225 professores que atuam do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, em quatorze municípios do Estado de Roraima. A metodologia do projeto para a pesquisa pode ser compreendida em quatro momentos, a saber, a construção do instrumento de coleta de dados; a coleta de dados; a sistematização dos dados e a análise dos dados. A coleta de dados deu-se a partir de visitas aos professores em suas respectivas escolas, no período de seis meses. Para ser colaborador, foi estabelecida pela pesquisa a condição do professor estar em efetivo exercício da docência. As informações a respeito da realidade do ensino da LP em Roraima foram coletadas a partir de três contextos: atuação no ensino da Língua Portuguesa; o uso e importância do Livro didático e a contribuição do Projeto Político Pedagógico da escola. Os dados foram registrados em categorias analíticas para permitir mais clareza em sua visualização das questões. Relata-se a seguir os principais resultados obtidos em cada um dos contextos da pesquisa citados acima.

1.1 A atuação no ensino de Língua Portuguesa

Foram questionados aos professores sobre a faixa etária, a formação acadêmica e o tempo de conclusão de curso. Desses itens, constatou-se que a grande maioria, tanto na capital, quanto no interior está na faixa etária entre 31 a 50 anos; que 42% dos professores do interior só possuem o ensino médio, apesar de que na capital 91% são formados em Letras, e que a maioria possui um tempo de 3 a 15 anos de conclusão de curso. A respeito da atualização de conhecimentos, a metade dos professores informou que sua participação mais relevante foi em curso de capacitação. Esse se torna um agravante, tendo em vista a necessidade de os professores estarem sempre em formação continuada, pois o afastamento dos espaços de formação pode impedir ou enfraquecer as possibilidades de reflexão e de alcance de possíveis alternativas para o enfrentamento dos conflitos pedagógicos. Além desses quesitos para se caracterizar o perfil dos professores de LP, fez-se necessário considerar outro aspecto, o letramento do professor. Foram feitas algumas perguntas sobre a visão de leitura dos docentes e mais de 40% divididos entre a capital e os interiores responderam que a leitura era uma prática obrigatória e não como fonte de conhecimento para a 194


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vida. Essa informação pode ter conotação positiva ou negativa. Positiva quando entendemos que a leitura faz parte das formas de interação social, e negativa quando é vista como ação impositiva, sem o reconhecimento pelo sujeito, do valor social desta prática. Ainda em relação ao letramento, a grande maioria dos professores informou que nunca produziu artigos de opinião nem artigo científico. Esse percentual é considerado muito elevado e coloca-se em dúvida a formação continuada desse profissional. Vê-se refletido essa desmotivação à leitura , quando se indagou sobre a frequência com que os professores solicitam leitura e escrita dos alunos, apenas 61% dos professores afirmaram que às vezes solicitam leitura e 75% às vezes solicitam a escrita. Considerando ser a leitura uma prática social de grande relevância, especialmente, no ambiente escolar, onde ela tem a importante função de ser uma via fundamental de veiculação de informação, a negligência do professor com relação a essa prática se traduz em dano direto e imediato ao processo cognitivo do aluno, porque ela é uma das vias de excelência para a aquisição de informações. No que tange à escrita, a sua negligência implica na omissão à prática do letramento escrito a uma parcela significativa de alunos a uma prática de grande valor social. Esperava-se que todos os professores pesquisados, sem exceção, respondessem positivamente a questão, haja vista que a leitura e a escrita são práticas essenciais e obrigatórias em todas as séries em que atuam os professores pesquisados. Mas os dados da pesquisa contrariam essa expectativa, quando revelam, principalmente que 8% dos professores não solicitam leitura e 1% não solicita escrita. Além disso, sabendo-se que a prática de uso do texto como pretexto para o ensino da gramática é uma realidade muito forte nas escolas brasileiras, pela sua tradição, em decorrência do processo histórico do ensino (ANTUNES, 2007; BAGNO 2013; BORTONI-RICARDO, 2013) buscou-se informações a esse respeito, isto é, perguntou-se aos professores a frequência com que eles trabalhavam com as questões gramaticais nos textos. Os percentuais relativos à categoria de “às vezes” (69%) utilizam a gramática são elevados e representam uma prática danosa ao conhecimento linguístico do aluno, porque significam que, de modo geral, tirando um pelo outro, os professores utilizam os textos com o fim de exploração de aspectos gramaticais. E sabe-se que a prática de exploração gramatical jê é muito enfatizada, mesmo sem o recurso do uso do texto, isto é, a gramática pela gramática. Basta observar o livro didático para uma simples constatação desse fato. Outra forma de observação desta realidade pode ser a observação direta dos eventos em sala de aula ou das atividades registradas nos cadernos dos alunos. Ainda questionando o letramento, indagou-se sobre as dificuldades com a prática da escrita e os professores pesquisados revelaram que a maior dificuldade dos alunos é usar a norma padrão da língua, considerada por aqueles como sendo o aspecto mais importante em uma produção textual. Segundo os professores, os alunos têm mais dificuldades nesse aspecto do que 195


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em fazer o plano de redação do texto; selecionar o léxico adequado ao tema do texto; organizar as informações nos parágrafos; desenvolver o tema do texto. Vê-se que dentre os critérios de conhecimento interacional (planificação do texto); conhecimento linguístico (invocado pelo uso da norma padrão da língua), conhecimento informacional etc, os professores optaram por considerar, em primeira ordem de valor, o conhecimento gramatical, como o de maior dificuldade dos alunos. Os demais conhecimentos dividem espaço quase em grau de igualdade”, com variação de 4% para mais ou para menos. Diante desses percentuais fazem-se as seguintes indagações: se a gramática é tão difundida, porque usar a norma padrão da língua é uma das maiores dificuldades de escrita dos alunos? Será que os professores não estão supervalorizando a norma padrão da língua em detrimento de outros aspectos de uso da língua? Pelas respostas dadas, percebe-se que apesar da grande preocupação dos professores com o ensino da gramática, ele é pouco produtivo, o que torna assim o ensino da língua portuguesa de pouca importância para os alunos.

1.2 O uso e importância do livro didático para o ensino de Língua Portuguesa

A partir dos resultados da análise do livro didático pôde-se constatar que o livro mais utilizado pelos professores de LP no estado de Roraima é a coleção Português-Linguagens de Magalhães e Cereja (ensino fundamental do 6º ao 9º ano) e Magalhães e Cereja (ensino médio de 1º ao 3º ano). Esta coleção é alvo de críticas por apresentar uma abordagem tradicional do ensino da língua portuguesa. Acredita-se que este LD foi escolhido justamente pela proximidade do formato tradicional de ensino, dos aspectos gramaticais da língua. Esse dado, contraposto com o próprio guia do LDP do Ensino Médio (2012),mostra que as orientações e/ou posições teórico-metodológicas sugeridas no LD não coincidem com a perspectiva do professor, já que de acordo com o guia os “pontos fracos” do livro de ensino médio de Magalhães e Cereja são os “exercícios de análise linguística a partir de frases isoladas e a ênfase em atividades de classificação de termos da oração”. Em relação à adoção efetiva do LD, nesta pesquisa observou-se que 95% dos professores adotam o LD, usando-o de 2 a 3 vezes por semana. Esses dados mostram que o livro é uma ferramenta de grande importância em sala. Na realidade, questiona-se o conhecimento desses professores sobre o seu objeto de ensino e as teorias que condicionam o seu ensino, quando ao analisar as respostas dadas pelos professores sobre o LD, verifica-se que eles consideram ser fundamental conter conteúdo gramatical, nesse material. Assim esbarramos em outro aspecto de ensino de língua materna: a formação inicial e continuada dos professores.

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1.3 O papel do Projeto Político pedagógico das escolas de Roraima na orientação do ensino de Língua portuguesa

Nesta parte da pesquisa, a relevância é dada aos PPPs das escolas de Roraima. Foram analisados 44 PPPs das escolas, nas quais funcionam as últimas séries do ensino fundamental e ensino médio, em Boa Vista. O objetivo foi verificar como este documento orienta o ensino da língua portuguesa, para isso foi elaborado um roteiro de análise contendo dez questões, por meio das quais se pudesse conhecer a orientação dada ao ensino dos gêneros textuais, nas dimensões da leitura, escrita, oralidade e escuta; no tratamento dado à gramática e à variação linguística; e a previsão do planejamento coletivo, dentre outras. Na análise realizada, o foco principal eram as orientações sobre o ensino da LP, razão pela qual, os aspectos observados giram em torno da linguagem. No roteiro de análise adotado, procurou-se verificar qual a concepção de linguagem e ensino assumidos pela escola, expressos nos PPPs. Do total de 44 projetos analisados, em 37 deles não há uma concepção de linguagem claramente adotada, em 06 é indicada a concepção sociointeracionista citando em sua maioria os teóricos Piaget, Vygotsky e Wallon. A ausência de registro no PPP sobre a questão da linguagem pode decorrer de dois fatores: um deles é que falte clareza sobre tal concepção, outra possibilidade é de que não se compreende o papel do PPP como orientador do modus operandi da escola. Quaisquer das possibilidades trazem uma preocupação: não ter conhecimento ou clareza das diferentes concepções implica não ter consciência do objeto sobre o qual

se

trabalha

e

do

processo

interativo da linguagem. Com isso, há outras implicações: a construção de um Projeto Político Pedagógico passa pela capacidade de a escola, coletivamente, delinear sua própria identidade, o que exige, por sua vez, relativa autonomia. Essa construção significa resgatar a escola como espaço público, lugar de debate, de diálogo, fundado na reflexão coletiva. Para isso, é necessário estar alicerçada nos pressupostos de uma teoria pedagógica “crítica, viável, que parta da prática social e esteja compromissada em solucionar os problemas da educação e do ensino na escola”. (VEIGA, 2006. p. 14) Quanto à orientação dada ao ensino com os gêneros textuais e as dimensões abordadas, nenhum dos projetos analisados apresenta orientação para trabalho com os gêneros textuais. Registra-se que em dois planos de ensino do professor, há referência aos gêneros na relação de conteúdo, embora fale de tipologia textual, como gênero. De igual forma, não há menção ao trabalho com os gêneros nas dimensões de leitura, escrita e oralidade.

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Nos projetos analisados também não constam nenhum registro de como a escola organiza o trabalho com as dimensões de leitura, oralidade, escuta e escrita. Na verdade os PPPs apresentam mais características de Regimento Escolar, pois trata de regras de funcionamento. Também trazem aspectos mais gerais, abstratos como visão de homem, mundo, sociedade, missão da escola, mas não explicita como tudo isso se materializa por meio do ensino na sala de aula. Procurou-se analisar ainda se o PPP prioriza a linguagem verbal escrita em detrimento da linguagem verbal oral. No mesmo sentido do que se tem apresentado aqui, a grande maioria dos projetos não manifesta tratamento à linguagem. De três deles se depreende que sim, a partir do objetivo proposto para o ensino fundamental que é “que o aluno seja capaz de ler e escrever corretamente”. Buscou-se verificar qual a orientação metodológica voltada às práticas de leitura, oralidade, escuta e escrita, mas, como regra geral não há orientações especificas para cada modalidade. Registra-se em 05 projetos, referência ao incentivo à leitura, mas não se diz como isso será feito. Quanto ao tratamento dado à gramática, os projetos não apresentam como será a abordagem gramatical, no entanto, é possível perceber em alguns, pela listagem de conteúdo como uma tabela de conjugação verbal, que o foco está na estrutura da língua, nas palavras fora de contexto. Esse procedimento foi confirmado por meio do questionário aplicado, no qual mais de 70% dos respondentes afirmam o frequente uso de atividades para trabalhar as regras gramaticais. Foi analisado também qual o tratamento dado à variação linguística pelas escolas, e dos 44 projetos analisados, nenhum deles aborda o tema, seja teórico, prático ou ainda de como características da fala da comunidade escolar. Sobre a diversidade linguística, dos professores pesquisados, cerca de 65% deles entendem que o livro didático atual contempla essa diversidade e a variedade de gênero. Quanto à formação continuada, procurou-se saber como ela está prevista no PPP e que foco apresenta. Pela análise realizada, percebe-se que cerca de 45% das escolas traz alguma referência à formação continuada, e muito embora o faça no sentido de destacar sua importância e necessidade, não dizem como ela se dará, tampouco qual o foco. De igual forma, cerca de 40% (quarenta por cento) dos projetos analisados fazem referência ao planejamento coletivo, alguns dos quais tratam do próprio projeto pedagógico que foi “fruto de discussão coletiva”. Os projetos ainda destacam o valor do planejamento coletivo, mas não deixam claro uma orientação para fazê-lo. Sobre essa questão, o mesmo percentual dos professores pesquisados afirma que fazem planejamento coletivo com frequência semanal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das questões expostas neste texto e, a partir dos sujeitos pesquisados, pôde-se estabelecer um quadro geral sobre o ensino de língua Portuguesa no estado de Roraima, o qual precisa urgentemente ser atualizado, pois concluiu-se que esse ensino é pautado pelo uso da gramática em detrimento das práticas de uso da linguagem (gêneros). Além disso, os professores têm perfis compatíveis à realização de uma prática mais qualitativa, quando se considera o aspecto funcional, mas quando a questão é formação, o problema se instaura. Pelos dados confirmou-se que o livro didático é uma ferramenta de grande importância em sala, e, na grande maioria, o professor assume as orientações desse material e as segue da forma mais fiel possível, mas, ao mesmo tempo, pôde-se perceber que a escolha do LD nem sempre é a mais conveniente e muitas vezes se esquece de adequar o conteúdo à realidade de sala. Ainda se confirmou que o PPP das escolas não serve como documento norteador da prática escolar, considerando que ele não orienta a prática pedagógica, fato que o torna apenas um gênero da burocracia escolar. Diante desse cenário, em continuidade da pesquisa, no que tange à formação dos professores pesquisados, procurou-se atuar por meio de um processo de formação continuada, visando a uma formação mais sólida a respeito dos objetos do ensino da língua portuguesa e das metodologias adequadas ao tratamento da linguagem na sala de aula, processo que ocorre em formato de curso de extensão, com carga horária de 100 horas semestrais em cada turma. Espera-se que essa ação possa, a médio prazo, ir minimizando os problemas diagnosticados nesta pesquisa, para que o ensino da língua portuguesa possa realizar-se por meio de práticas coerentes e eficazes do ponto de vista de uma aprendizagem mais produtiva e qualitativa para os alunos.

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RELAÇÃO CAUSAL ENTRE PROCESSAMENTOS INFERENCIAL E REFERENCIAL: PROBLEMATIZAÇÃO Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos (DLV/DLE – UFC)

“Assim, postulamos a incontornabilidade da inferenciação na determinação referencial e na produção de sentidos.” (MARCUSCHI, 2003, p. 246)

Resumo: Na linguagem verbal, os processos cognitivos de natureza inferencial são desencadeados por aspectos formais, tais como as expressões referenciais ou elementos anafóricos, sujeitos a fatores pragmáticodiscursivos. E é exatamente sobre essas expressões ou elementos que este estudo se debruça por entendermos que seu emprego se caracteriza como um fenômeno de retomada informacional relativamente complexo. Marcuschi (2003, 245), postulador da “incontornabilidade da inferenciação na determinação referencial”, defende que os “três grandes temas” referência, inferência e categorização “deveriam ser analisados de maneira integrada e como atividades ou processos representados nas expressões significativamente mais dinâmicas referenciação, inferenciação e categorização, construídas essencialmente em atividades discursivas”. Vale salientar, contudo, que a categorização foge ao escopo deste trabalho embora tenhamos a compreensão de que os três processos supracitados se imbriquem de tal forma que ao falarmos de um, estaremos inevitavelmente, contemplando o outro, mesmo que de forma implícita. Este artigo, baseado em pesquisa de doutorado, em andamento, objetiva problematizar a relação referenciação-inferenciação. Palavras-chave: referenciação, inferenciação, processamento de texto Introdução

É notório que os processos inferenciais variam em grau de complexidade, indo do mais automático ao menos automático, dependendo do número de recursos cognitivos empreendidos para a geração de inferência31. Assim, este artigo visa, mesmo que tímida e muito embrionariamente, problematizar a relação referenciação - inferenciação, ao propor a busca pela elaboração de um continuum/continua para os processos de referenciação-inferenciação.

A referenciação

31

Vale salientar que o termo inferência está sendo utilizado aqui para designar o produto final do processo inferencial.

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Na sua evolução enquanto ciência, a Linguística Textual, doravante LT, estabeleceu e estreitou diálogos com outras ciências como, por exemplo, a Filosofia da Linguagem, a Neurologia, a Neuropsicologia, a Ciência da Computação, a Ciência Cognitiva, entre outras. Tornou-se, como diz Koch (1993, p. 3), cada vez mais “multi- e transdisciplinar, [ao buscar] compreender e explicar essa entidade multifacetada que é o texto”. Com o desenvolvimento das pesquisas na área de cognição, por exemplo, questões relacionadas ao processamento do texto (no que diz respeito, à produção e compreensão, às estratégias sociocognitivas e interacionais, etc.) passaram a ser o foco de interesse de diversos pesquisadores da LT. No Brasil, essa tendência foi observada notadamente nos trabalhos desenvolvidos por Marcuschi e Koch32. Norteando-se pela “concepção sociocognitivo-interacional de língua, que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos em processos de interação”, Koch e Elias (2006, p. 12) definem texto como sendo lugar de interação e cujo sentido lá não se encontra uma vez que é construído pelo leitor quando tenta decifrar as pistas ali deixadas pelo autor. O termo referência, por sua vez, também sofreu alteração de sentido. Enquanto que, tradicionalmente, a referência é entendida como simples representação extensional de referentes do mundo extramental, as atuais reflexões sobre referência conduzem à abordagem discursiva na qual a referência deixa de indicar uma relação entre língua e “coisas” (objetos do mundo real) e passa a indicar dada construção coletiva de um modo de dizer. A realidade construída não corresponde[, portanto,] à realidade objetiva, mas a uma realidade discursiva, que reúne os referentes na condição de objetos de discurso e não de objetos do mundo. Sob essa perspectiva discursiva, temos a proposta da referenciação, que, com esse nome, quer enfatizar a atividade, o caráter dinâmico do processo de construção de referentes (MENEZES, 2009, p.37).

Assim, na literatura mais recente da LT, o termo referência foi substituído por referenciação que, segundo Cavalcante (2013, p. 98), é um processo que “diz respeito à atividade de construção de referentes, ou objetos de discurso, depreendidos por meio de expressões linguísticas específicas para tal fim, chamadas de expressões referenciais”. De acordo com Koch (2004, p. 64), existem duas formas de ativação de referentes textuais: a. ativação não-ancorada – é aquela que ocorre “quando um objeto-de-discurso totalmente novo é introduzido no texto”, como é o caso de ‘um náufrago’ e ‘uma ilha deserta’ no fragmento abaixo:

32

Marcuschi & Koch; Koch & Marcuschi, 1998; Marcuschi, 1998, 1999, 2008; Koch, 1997, 1998, 1999, 2002, 2006, 2008.

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b. ativação ancorada33 - é aquela que acontece sempre que um novo objeto de discurso é introduzido, sob o modo dado, em virtude de algum tipo de associação com elementos presentes no cotexto (superfície textual) ou no contexto34 sóciocognitivo, sendo passível de ser estabelecida por associação e/ou inferenciação, conforme ilustrado em (03) e (04):

Para Cavalcante (2011, 2012), são dois os critérios de referencialidade: a introdução referencial e a continuidade referencial. Enquanto a introdução referencial ocorre quando um dado referente não se relaciona a nenhum elemento anteriormente mencionado no texto, a continuidade referencial, por sua vez, diz respeito à retomada de um referente por meio de novas expressões referenciais. As expressões que retomam referentes anteriormente introduzidos, mesmo que por outras expressões, são chamadas de anáforas diretas ou correferenciais. As expressões que apresentam um novo referente como dado, ou seja, como se já tivesse sido previamente introduzido são chamadas de anáforas indiretas ou não correferenciais (cf. KOCH, 2004). Os exemplos (05) e (06) ilustram, respectivamente, esses dois tipos de anáforas.

33

Termos cunhados por Prince (1981), resgatados por Koch (2004, p. 64) e reutilizados por Elias & Koch (2006, p. 127).

34

Tudo aquilo que, de alguma forma, contribui para ou determina a construção do sentido (KOCH e ELIAS, 2006, p. 59)

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Em (05), observamos a ocorrência de uma anáfora direta, efetuada pela relação estabelecida entre a expressão anafórica ‘o advogado’ e seu referente ‘o advogado de Castor de Andrade’. Nesse caso, ‘o advogado’ e ‘o advogado de Castor de Andrade’ são expressões correferentes, pois fazem referência a uma mesma entidade. Da mesma forma que, em (06), ‘cursos de japonês’ e ‘os cursos’ fazem menção à mesma entidade sendo, portanto, classificadas como expressões anafóricas diretas ou correferenciais. ‘As aulas do nível avançado’, contudo, não se constitui em correferente de nenhum termo anteriormente introduzido, mas apresenta significado recuperável pela introdução referencial ‘cursos de japonês’, constituindo-se assim em anáfora indireta. Na concepção de Cavalcante (2011), anáforas indiretas são todas aquelas que possuem vinculação não direta com um dado antecedente, não sendo, portanto, correferenciais entre si. Dessa forma, não importa a origem da âncora em que se apoia o anafórico indireto, nem importa a forma como ele se manifesta (se como SN definido, demonstrativo, possessivo; se como pronome pessoal), pois o que vale é o mecanismo inferencial envolvido no processo.

Em outras palavras, o referente estará ancorado no contexto e exigirá do interlocutor certo cálculo inferencial para ser identificado. Há ainda um terceiro tipo de estratégia anafórica, a anáfora encapsuladora, ou seja, aquela que não recupera nenhum antecedente pontual no texto, mas passa a exigir um novo referente (sob o ângulo da menção) através da síntese de conteúdos ou porções textuais que realiza, como ilustrado em (07):

Nesse caso, ‘Essa hipótese’ resume o conteúdo textual expresso pelo enunciado ‘Imagina-se que existam outros planetas habitados.’ e inclui também outros conhecimentos que temos sobre o que está sendo inferido como, por exemplo, que a existência de vida em outros planetas se constitui em uma hipótese apenas e não fato. A classificação brevemente descrita acima foi esquematizada por Cavalvante (2013, p. 127) conforme a seguir:

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As investigações desenvolvidas sobre o tema anáfora, bem como as categorizações já propostas até agora, parecem-nos, potencializar a elaboração de um continuum ao longo do qual os diversos tipos de anáfora podem ser dispostos um ao lado do outro em ordem crescente de dificuldade de recuperação de seus referentes. Resta-nos investigar, contudo, como esses tipos se organizam de modo a formar um continuum que os disponha um ao lado do outro em ordem crescente de dificuldade de recuperação de seu(s) referente(s). Para tanto, queremos ressaltar a importância do conceito de inferência e o processo da inferenciação para a melhor compreensão e análise do significado veiculado pelas expressões referenciais ou pelos elementos anafóricos. Reiteramos aqui, portanto, a proposta de Marcuschi (2003, p. 245) sobre uma aproximação entre referência/referênciação e inferência/inferenciação, sendo essa última apresentada a seguir:

A inferenciação

O conceito de inferência, altamente complexo, adquiriu ao longo dos séculos grande abrangência, sendo usado para descrever as mais variadas operações cognitivas, que vão desde as mais simples – identificação do referente de elementos anafóricos – até as mais complexas – construção de representação mental ou modelo cognitivo 35. 35

As representações mentais ou modelos cognitivos despertaram muita atenção na Lingüística Textual, na Psicologia Cognitiva e na Inteligência Artificial, recebendo nomes diversos, como por exemplo, esquemas (Barlett, 1933; Rumelhart, 1980;

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No que se refere às taxonomias inferenciais (cf. LÉON & PÉREZ, 2003)36, a literatura sobre inferenciação tem registro de inúmeras categorizações, geralmente dicotômicas e divergentes. As pesquisas sobre o assunto, no geral, cobrem um número limitado de tipos em detrimento de outros igualmente importantes. São raras, portanto, as taxonomias que se preocupam em privilegiar todos os tipos de inferência já identificados até hoje. Contudo, quando o fazem, procedem de modo tão minucioso que confundem aqueles que se interessam pelo assunto. Além disso, a grande maioria dos estudiosos da inferenciação opta por criar uma nomenclatura própria, dificultando ainda mais as investigações na área.

Referenciação – inferenciação: um continuum

A fim de melhor esclarecer o porquê da proposta de um continuum para os processos de referenciação e inferenciação, optamos por transcrever e adotar neste trabalho, puramente de natureza instigadora, a definição proposta por McKoon & Ratcliff (1992, p. 440), doravante M&R.

Uma inferência é definida como uma porção de informação que não seja explicitamente dada em um texto. (...) Uma inferência seria a codificação da relação entre um pronome e seu referente ou entre as instâncias de uma mesma palavra como referindo ao mesmo conceito. Seria também uma inferência computar 2 como referente do número que é quatro menos o produto de três vezes dois ou combinar as pistas de um livro de mistério para identificar o assassino37 (Tradução nossa).

No que tange a categorização proposta pelos pesquisadores supracitados, existem, a partir da definição proposta por eles, dois grandes tipos de inferências: (a) as automáticas (automatic inferences) e (b) as elaborativas ou estratégicas (elaborative or strategic inferences). As primeiras, que exigem baixíssimo ou nenhum processamento estratégico, como é o caso dos anafóricos, se constroem automaticamente durante a leitura (online); enquanto as últimas, resultantes de um processamento praxeograma (Ehlich & Rehbein, 1972), frames (Minsky, 1975), script (Schank &Abelson, 1977); modelos mentais (JohnsonLaird, 1983), [modelos situacionais (Dijk & Kintsch, 1983)], cenários (Sanford & Garrod, 1985), modelos experienciais, episódicos ou de situação (Dijk & Kintsch, 1989, 1997). 36

LEÓN, J.A. & PÉREZ, O. Taxonomias y tipos de inferências. In: LEÓN, J.A. (Coord.) Conocimiento y Discurso: claves para inferir y comprender. Madrid: Pirámide, 2003, pp. 45 - 66

37

“An inference is defined as any piece of information that is not explicitly stated in a text. (…) It would be an inference to encode the relation between a pronoun and its referent or to encode two instances of the same word as referring to the same concept. It would also be an inference to compute 2 as the referent of the number that is four less than the product of three times two or to combine the clues of a mystery novel to give the murderer.”

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consciente, se manifestam pela necessidade que o leitor tem de solucionar problemas de compreensão ou produzir alguma conclusão lógica sobre o que lê como, por exemplo, responder questões interpretativas. Orientam-se, portanto, mediante processos específicos, demandando com isso maior tempo para serem geradas. Vale salientar que, segundo os autores, a distância espacial entre as proposições que geram inferências automáticas não supera mais do que uma ou duas sentenças. Os estudos realizados por M&R (1992) evidenciam ainda que enquanto as inferências automáticas são de fundamental importância para o estabelecimento da coerência local – exemplos (08) e (09); as elaborativas, por sua vez, exemplos (10) e (11), geram informações que, diferentemente das anteriores, contribuem para o estabelecimento da coerência global.

(08) Rachel tentou pegar Sally, mas Ø não foi capaz de fazê-lo38. (M&R, 1992, p. 443)

(09) Três tartarugas repousavam em um tronco flutuante e um peixe nadava abaixo delas39. (M&R, 1992, p. 441)

Nos exemplos (08) e (09), a inferência automática se baseia na combinação de informações explicitamente veiculadas pelo texto. Em (08), o pronome do caso reto ela, elidido em português, faz referência a Rachel, o oblíquo – lo, por sua vez, a pegar Sally. Em (09), delas refere-se às três tartarugas que se encontravam sobre o tronco. Inferir, ainda a partir do exemplo (09), que o peixe que nadava embaixo das três tartarugas que repousavam sobre um tronco flutuante nadava embaixo do tronco em nada contribui para o estabelecimento da coerência entre as duas sentenças (coerência local). Portanto, essa inferência é, segundo M&R (1992), considerada elaborativa ou não-necessária. As inferências elaborativas (M&R, 1992) se subdividem em três tipos:

(a) inferências semânticas: aquelas que adicionam aspectos semânticos contextualmente apropriados à representação de um conceito.

(10) Hoje Pedrinho veio buscar o avô. O velhinho caminhava apoiando-se numa bengala. (LIBERATO & FULGÊNCIO, 2007, p. 36)

38 39

Rachel tried to catch Sally, but she was not able to do it. Three turtles rested on a floating log, and a fish swam beneath them.

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Para extrair sentido do exemplo (10), o leitor precisará inicialmente compreender quem caminhava apoiando-se numa bengala: o velhinho. Na sequência, deverá associar ‘o velhinho’ ao conceito: avô e inferir quem era o velhinho - avô de Pedro e não o próprio Pedro - que caminhava apoiando-se na bengala. A ligação entre velhinho e avô não está expressa no texto, mas pode ser estabelecida por meio do conhecimento enciclopédico que as pessoas têm sobre avô. O conceito inclui o significado básico do termo (= pai do pai ou pai da mãe) e outros traços semânticos não obrigatórios do tipo ‘em geral os avós são pessoas de idade avançada e, portanto, idosas’.

(b) inferências instrumentais: as que adicionam o instrumento típico para um verbo. (11) A – Me empresta a tesoura? B – O que é que você vai cortar? (LIBERATO & FULGÊNCIO, 2004, p. 29)

O diálogo só terá coerência para aqueles que conseguirem estabelecer uma ponte entre duas sentenças relacionando o objeto ‘tesoura’ e sua função ‘cortar’. É a inferência de que A vai usar a tesoura para cortar algo que garantirá a coerência do diálogo.

(c) inferências preditivas: ajudam o leitor a, por meio das pistas textuais, tirar conclusões sobre o que deverá acontecer a seguir em uma história, por exemplo.

(12) Alguém caiu do 14º. andar. (Adaptado de M&R, 1992, p. 444)

Inferir, a partir de (12), que a queda, muito provavelmente, resultou em morte, seria elaborar uma predição, uma inferência preditiva, sobre um evento futuro. Nossa opção pela concepção abrangente de M&R (1992) foi proposital. Para nós, e para outros estudiosos, como León (2003), por exemplo, ela sugere que as inferências de modo geral, desde as mais simples até as mais complexas de serem processadas, se distribuem uma ao lado da outra ao longo de um continuum lógico conforme idealizado por nós no quadro abaixo:

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Para nós, faz-se urgente estudar a relação entre os processamentos inferencial e anafórico para que se possa identificar uma possível correspondência causal entre seus processos, ou seja, identificar, para cada tipo de referência, o processo inferencial realizado para sua recuperação, estabelecendo também relação entre as terminologias da LT e da Cognição por meio de uma taxonomia inferencial a ser definida ou implementada.

Conclusão

Nas seções acima, buscamos apresentar uma possibilidade de maior estreitamento entre os estudos já realizados até agora sobre referenciação e inferenciação. Nossa proposta, meramente de cunho instigador, levanta a possibilidade de elaboração de um continuum que ponham em ordem crescente de dificuldade de recuperação de referente (referenciação) e de esforço cognitivo (inferenciação) seus elementos, visando uma possível correspondência biunívoca entre seus elementos. Vale salientar que, no melhor do nosso esforço, não encontramos trabalhos acadêmicos que se assemelhassem a proposta aqui apresentada e que consideramos imprescindível para os estudos sobre compreensão de textos – linguísticos e não linguísticos. O assunto em questão encontra-se agora sob nossa investigação em estudos de doutorado.

Referências ABREU, Sandra C. de. Análise de expressões referenciais em corpus anotado da Língua Portuguesa. Dissertação de Mestrado, São Leopoldo: UNISINOS, 2005, pp. 106. Disponível em:

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<http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/analisedeexpressoesreferenciais.pdf>. 22.10.2013.

Data

de

acesso:

CAVALCANTE. Mônica Magalhães. Referenciação: Sobre Coisas Ditas e Não Ditas. Fortaleza: Edições UFC, 2011. ___________. Os Sentidos do Texto. 1ª. edição, SP: Contexto, 2013. FELTES, Heloísa de Moraes (Org.). Produção de Sentido: estudos interdisciplinares. Porto Alegre: Nova Prova Editora, 2003. KOCH, Ingedore Villaça. Lingüística Textual: uma entrevista com Ingedore Villaça Koch. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 1, n. 1, agosto de 2003. ISSN 1678-8931. [www.revel.inf.br]. Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/117442/mod_resource/content/1/ENTREVISTA%20INGEDO RE%20VILLA%C3%87A%20KOCH%20-%20REVEL%20%281%29.pdf>. Data de acesso: 08.10.2013. __________. Desvendando os segredos do texto. 2ª. edição, SP: Cortez, 2003. __________. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 51 – 80. _________. & ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender - os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. LEÓN, J.A. (Coord.) Conocimiento y Discurso: claves para inferir y comprender. Madrid: Pirámide, 2003, pp. 45 – 66. McKOON, Gail & RATCLIFF, Roger. Inference during reading. In: Psychological Review. 1992, Vol. 99, No. 3, pp. 440-446. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Atividades de Referenciação, Inferenciação, e Categorização na Produção de Sentido. In: FELTES, Heloísa de Moraes (Org.). Produção de Sentido: estudos interdisciplinares. Porto Alegre: Nova Prova Editora, 2003, p. 239 – 261.

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REPRESENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DE GRAMÁTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O AGIR DO PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNA EM FORMAÇÃO INICIAL Manoelito Gurgel (UFC) Resumo: Neste trabalho, buscamos refletir sobre as representações de professores de língua materna em formação inicial sobre o ensino de gramática. Assumindo o quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sóciodiscursivo (BRONCKART, 2006, 2008, 2009), identificamos, no discurso de oito estagiárias da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa do curso de LetrasPortuguês da UFC, os sentidos atribuídos pelo grupo ao ensino de gramática, (re)velados pelas modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas (BRONCKART, 2009) mobilizadas durante a interação em dois grupos focais (um realizado antes e outro durante a disciplina). Em nossa análise, percebemos que as representações partilhadas pelo grupo são marcadas por valores negativos, como nos indicam as modalizações lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas mobilizadas pelas estagiárias, que, segundo afirmaram, não estão preparadas para ensinar gramática de acordo com as novas orientações propostas, por exemplo, pelos PCNs (1998). Como não se sentem preparadas, elas acabam insistindo em atividades prescritivas, nas quais destacam não o uso efetivo da língua, mas sim as nomenclaturas das estruturas linguísticas. Para as estagiárias, o despreparo que sentem é uma consequência da falta, no curso de Letras, de disciplinas teóricas e práticas sobre o ensino de gramática. Palavras-chave: representações; estágio de regência; ensino de gramática.

1 INTRODUÇÃO Já é bastante alardeado, lamentado e discutido o fracasso do ensino de gramática no Brasil. Há décadas trabalhos aplicados vêm apontando o seu fracasso (que se estende ao ensino de modo geral) e propondo novas orientações para as práticas de sala de aula. Apesar dos avanços já galgados, ainda não conseguimos ressignificar consideravelmente as práticas tradicionais de ensino. Nesse contexto, algumas ações de instituições governamentais têm contribuído para a reorientação do ensino de língua materna e, por conseguinte, do ensino de gramática. Dentre essas ações, destacamos a criação e a divulgação de documentos de parametrização do ensino. Apesar de suas - compreensíveis – limitações, essas iniciativas devem ser comemoradas, pois têm empreendido significativas mudanças, como as geradas pela publicação, em 1998, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante, PCNs), cujas propostas se baseiam acertadamente em uma concepção sociointeracionista de linguagem. Essas ações de instâncias governamentais respaldam

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e assumem uma nova prática de ensino de língua materna, pautada por dois grandes eixos, o de uso da língua e o de reflexão sobre esse uso. De acordo com essa proposta, o ensino de gramática passa a ser pautado, então, pelo ensino da análise linguística 40, o que, para nós, impõe novos desafios ao professor, que precisa, diariamente, buscar e descobrir novos caminhos para a sua prática. Sendo assim, acreditamos que, do professor, é exigida, cada vez mais, uma mudança de postura. Nesse sentido, para que haja reorientação do ensino de gramática, esperamos uma participação reflexiva, crítica e criativa do professor, já que é ele o principal mediador do processo de ensino-aprendizagem. 41 Sem considerarmos os inúmeros desafios que impõem ao professor uma rotina muitas vezes desestimulante (aqui vale a pena destacar as condições precárias de atuação, que vão desde salas de aulas lotadas a baixos salários), acreditamos que ressignificar as práticas de ensino de gramática, implica, dentre outras ações, identificar, analisar e problematizar as representações do professore sobre o ensino de gramática, pois o seu agir em sala de aula é orientado pelas suas representações.42 Em outras palavras, o agir do professor implica, para nós, dadas representações, que estão relacionadas à tentativa de ele, o professor, compreender e interpretar diferentes objetos de representação relevantes para o seu agir, como defendemos em Gurgel (2013). Para nós, então, essas representações orientam – e até justificam – como ele, o professor, interpreta e delimita o objeto de estudo, bem como as abordagens, os procedimentos e as estratégias em sala de aula. Portanto, essas representações determinam as práticas de ensino de gramática.

40

O termo análise linguística , cunhado por Geraldi (1984), foi criado para se contrapor ao ensino tradicional de gramática e para propor uma nova prática pedagógica, estabelecendo uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos. 41

Com essas considerações, não pretendemos – nem poderíamos - culpar os professores pelos descaminhos do ensino de gramática, pois, para nós, o insucesso escolar é resultado de inúmeros fatores, dentre os quais muitos são externos à escola. Como observou Antunes (2003, p.20), “a escola, como qualquer outra instituição social, reflete as condições gerais de vida da comunidade em que está inserida. No entanto, é evidente também que fatores internos à própria escola condicionam a qualidade e a relevância dos resultados alcançados.” 42 Ao definir a ação como “o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem” (grifo do autor), Bronckart (2009, p. 42) reforça que a ação de linguagem produz os conhecimentos coletivos/sociais, que se organizam em três mundos representados, que definem o contexto do agir humano. Esses mundos representados, como já discutimos anteriormente, são historicamente construídos e constituem, em um dado estado sincrônico, “sistemas de coordenadas formais a partir dos quais se pode exercer um controle da atividade humana” (BRONCKART, 2009, p. 42, grifos do autor). Assim, os mundos representados, que estão relacionados aos conhecimentos sobre o meio físico, sobre as normas reguladoras da interação entre os diversos grupos e sobre as expectativas relacionadas às qualidades requeridas de um agente humano, estão coletivamente disponíveis e engendram quadros de avaliação da participação dos agentes na atividade.

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Sob essa perspectiva, buscamos, neste trabalho, como alternativa para (re)pensarmos as práticas de ensino de gramática, refletir sobre as representações de professores de língua materna em formação inicial sobre o ensino de gramática. Neste trabalho, então, assumindo o quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sóciodiscursivo (BRONCKART, 2009), pretendemos identificar, no discurso de oito estagiárias da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa do curso de Letras-Português da UFC, os sentidos atribuídos pelo grupo ao ensino de gramática, (re)velados pelas modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas (BRONCKART, 2009) mobilizadas pelas estagiárias durante a interação com os seus pares em dois grupos focais (um realizado antes e outro durante a disciplina). Nosso interesse em analisar essas representações justifica-se pela necessidade de reconhecermos e problematizarmos os sentidos que estão implicados no agir dos futuros professores e que, muito provavelmente, orientarão as atividades em sala de aula. 43 Sendo assim, nossa análise não busca identificar os sentidos que as estagiárias atribuem à gramática, mas sim ao seu ensino; nesse sentido, interessa-nos não as concepções de gramática partilhadas pelo grupo, mas sim os sentidos que ele atribui ao ensino de gramática e as implicações desses sentidos para o agir do grupo nas práticas de sala de aula. Para nós, como já adiantamos, a proposta do ensino de gramática pautado pelo ensino da análise linguística impõe novos desafios aos professores de língua materna, já que se trata de uma proposta relativamente nova, que precisa, portanto, ser discutida nos cursos de licenciatura. 44 No que se refere especificamente ao ensino de análise linguística, os PCNs (1998) sugerem que a objetivo é refletir sobre elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos da língua, já que: é na prática de reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas situações de interação (PCNs, 1998, p. 34).

43

Em nossas pesquisas, dentre as quais destacamos Gurgel (2013), reforçamos essa necessidade, ao defendermos que é preciso analisarmos como os professores em formação inicial interpretam, discursivamente, os objetos de representação comuns ao seu grupo. Para nós, só haverá mudança efetiva na postura metodológica dos professores se suas representações forem ressignificadas. 44 Sobre os cursos de licenciatura, o que percebemos em geral é que as disciplinas teóricas já discutem as novas orientações para o ensino de gramática, mas não possibilitam que os próprios professores em formação elaborem propostas práticas para o ensino; é somente nas disciplinas de estágio, geralmente no último ano do curso, que os professores em formação inicial têm oportunidade de esboçar atividades reais para levarem, efetivamente, às salas de aula. Concentrados no final da licenciatura, os estágios são marcados, sobretudo, por questões burocráticas, que reforçam a pressa dos professores em formação para colarem grau, como problematizamos em Gurgel (2013).

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Na proposta da análise linguística, segundo Mendonça (2006), no lugar da classificação e da identificação, ganha espaço a reflexão, a partir de atividades linguísticas e epilinguísticas. De acordo com a autora, “os fenômenos eventualmente podem até serem os mesmos nas aulas de gramática e nas de AL [análise linguística], entretanto os objetivos de ensino diferem, o que leva à adoção de estratégias distintas, situadas em práticas pedagógicas distintas” (MENDONÇA, 2006, p.208). Nesse sentido, a metodologia da prática de análise linguística não segue o modelo normativo em que se faz a classificação, a definição e o exercício, pois o método consiste em promover reflexões a respeito dos usos reais da língua, sem preocupações intermináveis com nomenclatura. Sendo assim, os conteúdos para análise devem ser selecionados de acordo com as dificuldades apresentadas na produção textual dos alunos (PCNs, 1998). Posto isso, passaremos, então, à análise dos dados, os quais compõem o corpus coletado por Gurgel (2013) durante dois grupos focais (doravante GFs): um realizado antes do estágio de regência e outro realizado durante a disciplina. Dos dois GFs, participaram, como já adiantamos, oito alunas da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa do curso de Letras-Português da UFC.

2 ANÁLISE DOS DADOS Para esta análise, identificamos e analisamos, no discurso das estagiárias, as ocorrências de modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas. Para esta análise das modalizações, apoiamo-nos na proposta de Bronckart (2009), baseada na Teoria dos Mundos de Habermas (1987). Para nós, essa proposta é a mais adequada aos nossos objetivos, pois parte da consideração dos mundos objetivo, social e subjetivo, que estão relacionados a diferentes representações mobilizados pelos atores sociais em suas ações de linguagem. 45

45

Para Bronckart (2009, p. 330), as modalizações traduzem avaliações relativas a elementos do conteúdo temático e, portanto, “pertencem à dimensão configuracional do texto, contribuindo para o estabelecimento de sua coerência pragmática ou interativa e orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático” (grifos do autor). A partir dessa premissa, o autor propõe quatro funções de modalização. As modalizações lógicas são as avaliações de dados elementos do conteúdo temático, apoiadas em critérios elaborados e organizados no quadro das coordenadas formais que definem o mundo objetivo. Sendo assim, as modalizações lógicas organizam as avaliações baseadas no julgamento sobre o valor de verdade das proposições, ou seja, apresentam os elementos do conteúdo temático a partir do “ponto de vista de suas condições de verdade, como fatos atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais, necessários, etc.” (BRONCKART, 2009, p. 330). O autor lembra que essas modalizações agrupam as modalizações conhecidas como aléticas, relacionadas à verdade das proposições enunciadas (seu caráter necessário, possível e contigente, por exemplo), e também as conhecidas como epistêmicas, relacionadas às condições de verdade das proposições. Já as modalizações deônticas são as avaliações de dados elementos do conteúdo temático, apoiadas nos valores, nas normas e nas regras que definem o mundo social. Nesse sentido, as modalizações deônticas apresentam os elementos do conteúdo temático sob o ponto de vista dos valores sociais, ou seja, do direito, da obrigação social, da conformidade com as normas em uso. Sendo assim, as modalizações deônticas apresentam os elementos do conteúdo temático como, por exemplo, socialmente permitidos, proibidos, necessários, desejáveis. As modalizações

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Pela análise das modalizações, acreditamos que nos seja possível problematizar as avaliações do grupo sobre o ensino de gramática. Para nós, essas avaliações constituem as representações partilhadas pelas estagiárias e indicam como elas interpretam, discursivamente, o ensino de gramática. Dado o espaço de que dispomos, discutiremos, a seguir, apenas algumas das ocorrências identificadas, as quais são relevantes para o nosso objetivo de problematizar as representações e de apontar as suas implicações para o agir do professor na prática de ensino de gramática. Posto isso, passemos à discussão dos dados. Em sublinhado, destacamos as ocorrências modalizadoras. 

Modalizações lógicas

Pela análise das modalizações lógicas, as quais indicam-nos avaliações baseadas no julgamento sobre o valor de verdade das proposições, podemos destacar, sobretudo, que as estagiárias não se sentem confiantes quanto ao domínio dos saberes teóricos necessários ao ensino de gramática. Notemos, na fala a seguir, que a estagiária Carolina 46, a partir do modalizador lógico “tenho certeza”, assegura, categoricamente, que não está preparada para ensinar gramática de acordo com as novas orientações, que priorizam o ensino da análise linguística.

Para as

estagiárias, haveria divergência entre os saberes estudados por elas na licenciatura e os ensinados nas escolas, como sinaliza a fala a seguir: (01) Carolina – “Eu tenho certeza que não estou preparada em relação a conteúdos, porque o conteúdo da escola não é o que nós aprendemos na faculdade.”

Para o grupo, essa divergência está relacionada à grade curricular do curso de Letras, que não contempla, por exemplo, o estudo das regras prescritivas da gramática normativa, as quais, segundo as estagiárias, os professores devem ensinar na escola. Essa divergência causa insegurança aos professores, como destacou a estagiária Beatriz, que não se sente preparada para continuar exercendo o magistério: (02) Beatriz – “Porque eu sei que eu não tenho segurança o suficiente para dar uma aula de gramática.”

apreciativas são as avaliações de dados elementos do conteúdo temático, apoiadas nos parâmetros do mundo subjetivo da voz que é a fonte dos julgamentos. Assim, as modalizações apreciativas apresentam os seus elementos do conteúdo do ponto de vista da instância que avalia e que os classifica como bons, benéficos, maus, infelizes e estranhos, por exemplo. Por fim, as modalizações pragmáticas revelam a responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático (personagem, grupo, instituição, por exemplo) em relação às ações das quais é o agente. Sendo assim, as modalizações pragmáticas atribuem, a esse agente, dadas intenções (o querer-fazer), razões (o dever-fazer), capacidades de ação (o poder-fazer) e restrições, por exemplo. Nesse sentido, as modalizações pragmáticas indicam intencionalidades e responsabilidades das instâncias/entidades que aparecem no conteúdo temático. 46 Os nomes das estagiárias são fictícios.

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As estagiárias também destacaram que não sabem agir conforme as orientações propostas, por exemplo, pelos PCNs (1998), como nos indica a pergunta retórica da estagiária Carolina: (03) Carolina– “Mas como a gente sai pra mudar as coisas, se a gente não sabe?”

Pela fala destacada acima, podemos inferir que, para a estagiária Carolina, ao estagiário, futuro professor, é atribuída a função de romper com o paradigma tradicional de ensino, pautado pela abordagem da gramática prescritiva, e mudar as práticas de ensino já cristalizadas, destacando, em sala, os usos reais e efetivos da língua. Entretanto, para ela, as estagiárias não conseguem cumprir essa função, pois não estão preparados para ela, como reforçaremos mais adiante. 

Modalizações deônticas

Pela análise das modalizações deônticas, podemos reconhecer, por exemplo, as necessidades e as obrigações que prescrevem o seu agir nas práticas de ensino de gramática. Uma dessas necessidades e obrigações é destacada na fala a seguir: (04) Cíntia – “Aí o professor daqui [a professora orientadora] diz assim ‘tem que dar aula de gramática no texto’, aí você chega na escola, lá na escola, a professora de português de lá [professora acolhedora] diz assim ‘isso é frescura, tá aqui, ó, tô dando aula de regência verbal, então vai lá e explica regência verbal.”

Nessa fala, a estagiária Cíntia relata a fala da professora orientadora, que indica uma necessidade ou até mesmo uma obrigação no que se refere ao ensino de língua materna: as estagiárias, futuras professoras, precisam “dar aula de gramática no texto”. Essa é a orientação da professora orientadora, mas não é o que faz, de fato, a professora acolhedora. A estagiária Cíntia aponta, então, para o encontro e o confronto que parece haver entre o professor orientador e o professor acolhedor (para nós, os seus valores, as suas experiências e os seus objetivos são, de fato, diferentes), ou seja, pela fala destacada, a estagiária aponta para o confronto que parece existir entre o que propõe a universidade e o que faz a escola. Nesse sentido, a estagiária sugere que professora acolhedora conhece as novas orientações para o ensino de gramática, mas as ignora ou até mesmo despreza (“isso é frescura”47). A seguir, destacamos outra ocorrência de modalização deôntica no discurso das estagiárias:

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Trata-se de uma ocorrência de modalização apreciativa, pois indica uma avaliação relativa aos parâmetros do mundo subjetivo.

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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583 (05) Beatriz – “(...) a gente precisa ter uma base pra aplicar tudo bem direitinho, porque eu não vou mentir, eu não sei. Nas minhas aulas de português, eu não parto do texto para trabalhar o texto não, é gramática pura.”

A estagiária Beatriz admitiu que conhece as orientações dadas pela professora orientadora, mas se colocou como incapaz de cumpri-las, já que, embora fosse necessário (modalização deôntica “a gente precisa ter”), a ela não foi dada uma base para que pudesse saber “aplicar tudo” (nesse caso, a estagiária representa-se como beneficiária de ações de outros e não como protagonista de suas ações, ou seja, ela posicionou-se como aluna de um curso de formação de professores, aos quais deveria ser dado o suporte para saberem “aplicar tudo bem direitinho”). Notemos ainda que, da fala destacada acima, emerge a representação de que ensinar gramática é aplicar teorias na prática. Por “gramática pura”, a estagiária se refere às atividades metalinguísticas tradicionais de identificação e classificação de estruturas linguísticas. 

Modalizações pragmáticas

Para nós, as modalizações pragmáticas sinalizam, no discurso das estagiárias, graus de responsabilização, indicando-nos, por exemplo, suas intenções e suas capacidades de ação, como nos indica a fala a seguir: (06) Lúcia – “(...) o professor pede pra gente dar uma aula diferente [aula de análise linguística] e a gente não vai poder.”

A fala destacada evidencia, mais uma vez, que as estagiárias se representam como profissionais que não são capazes de atender às orientações estabelecidas pela professora orientadora (dar aula de análise linguística): na fala acima, o “a gente não vai poder” indica uma atribuição de não capacidade de ação (modalização pragmática) e, portanto, revela-nos que as estagiárias não se sentem seguras quanto ao ensino de análise linguística. Embora se representem como despreparadas, como destacamos acima, algumas estagiárias mostraram-se empenhadas em criar novas estratégias de ensino, que fujam, por exemplo, daquelas atividades tradicionais da gramática normativa. As falas a seguir indicam-nos que algumas estagiárias, como Marina, estão se esforçando para ressiginificarem as práticas cristalizadas do ensino de gramática: (07) Marina – “A gente não quer fazer os pontos ruins. A gente vai tentando ser diferente, tentando fazer as coisas boas.” (08) Marina – “Eu tô tentando fazer diferente.”

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A partir das falas destacadas acima, podemos perceber, então, que algumas estagiárias, mesmo não se sentindo preparadas nem confiantes quanto ao domínio de aspectos teóricos, estão engajadas em propor alternativas para ressignificar (“fazer diferente”) as atividades tradicionais de gramática. Elas concordam que seja necessária uma mudança de postura no que se refere ao ensino de língua materna e, para isso, buscam descobrir novos caminhos para sua prática. 

Modalizações apreciativas

Como vimos destacando, as estagiárias se representam como profissionais inseguras quanto ao domínio da teoria. No discurso delas, identificamos relatos de episódios vivenciados que são marcados por pequenas descrições, nas quais aparecem modalizações apreciativas que reforçam essa insegurança quanto ao domínio da teoria. Para nós, essas modalizações atribuem certo grau de emotividade ao discurso do grupo, como percebemos nas falas a seguir: (09) Carolina – “Meu Deus, o que faço agora?” (10) Carolina – “Meu Deus! É muito estranho, muito ruim!”

Notemos que as falas destacadas nos indicam angústia, sentimento que marca o agir das estagiárias. Esse sentimento está relacionado, para elas, às dúvidas causadas pela falta de domínio da teoria. Notemos, por fim, a seguir, os adjetivos “solto” e “perdido”, que nos indicam um sentimento de insegurança e angústia, e o adjetivo “cruel”, com forte carga semântica negativa, acentuada ainda mais pelo advérbio de intensidade “muito”: (11) Carolina – “Você fica, se sente assim solto, perdido, quando você vai entrar na escola.” (12) Carolina – “Essa questão de saber alguma coisa é muito cruel.”

CONCLUSÃO Neste trabalho, procuramos identificar e problematizar as representações de professores de língua materna em formação inicial sobre o ensino de gramática. Para isso, analisamos as modalizações lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas mobilizadas por oito estagiárias da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa da UFC, ao se referirem, em dois grupos focais, ao ensino de gramática. Com esta análise, podemos corroborar que as modalizações são mecanismos enunciativos que contribuem para o estabelecimento da coerência pragmática ou interativa do discurso (BRONCKART, 2009), orientando-nos para os posicionamentos assumidos pelas estagiárias quanto às avaliações sobre o ensino de gramática. A partir da análise das modalizações deônticas,

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pudemos identificar os valores prescritivos que as estagiárias mobilizaram quando se referiram às práticas de ensino de gramática: elas reconheceram que há a necessidade de se ressignificar o ensino tradicional, pautado pelo estudo da nomenclatura gramatical, mas também reconheceram que mudar é sempre desafiador, pois toda mudança de postura metodológica envolve conhecimento teórico, criatividade e disposição); pela análise das modalizações lógicas, pudemos identificar as avaliações do grupo baseadas no julgamento sobre o valor de verdade das proposições e pudemos destacar, sobretudo, que as estagiárias não se sentem preparadas para ensinarem gramática de acordo com as novas orientações, como as sugeridas pelos PCNs (1998); a partir da análise das modalizações apreciativas, pudemos marcar as avaliações subjetivas das estagiárias quanto ao ensino de gramática, para o qual não se sentem seguras; por fim, pela análise das modalizações pragmáticas, pudemos identificar as intenções e as (não) capacidades de ação que as estagiárias atribuíram a si próprias. Essas avaliações, que constituem o acervo de representações sobre o ensino de gramática partilhadas pelo grupo, trazem implicações negativas para o ensino, já que são elas que orientam o agir do grupo nas atividades de sala de aula. Como não se sentem preparadas, as estagiárias acabam insistindo em atividades prescritivas, nas quais destacam não o uso efetivo da língua, mas sim as nomenclaturas das estruturas linguísticas. Para as estagiárias, o despreparo que sentem é uma consequência da falta, no curso de Letras, de disciplinas teóricas e práticas sobre o ensino de gramática. A partir dessas conclusões, considerando que os futuros professores de língua materna estão saindo da licenciatura sentindo-se incapazes de atender às novas orientações para o ensino de gramática, podemos questionar: que professores estamos formando?

Referências bibliográficas ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2009. GURGEL, M. C. Representações sociais de professores de língua materna em formação inicial sobre o estágio de Regência. 2013. 206f. Dissertação (Mestrado em Linguística). Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.

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MENDONDA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no ensino médio e formação de professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

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TEORIAS LINGUÍSTICAS E SUAS CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA: ALCANCES E LIMITES Francisco Elton Martins de Souza (UFC/CNPq)1 Mônica de Souza Serafim (UFC)2

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de abordar as concepções de gramática que percebemos inerentes às correntes teóricas do estruturalismo, do gerativismo e do funcionalismo. Para cada uma destas vertentes, realizamos uma breve explanação a respeito de seu quadro teórico e procuramos explicitar o que compreendemos que concebem como gramática. Objetivamos também explicar o que consideramos como sendo alcances e limites em cada corrente tanto no que se refere à concepção de gramática que revelam, como no que diz respeito à própria concepção de língua, a partir da qual podemos perceber com qual amplitude se dá a análise e a compreensão dos fatos de linguagem. Para empreendermos esta pesquisa, baseamo-nos nos estudos de Neves (1997; 2002), Saussure (2006), Nogueira (2006), Lyons (2009), Martelotta (2010), Kenedy (2010), dentre outros. Apesar de compreendermos que tais correntes teóricas não foram elaboradas com intuitos didáticos, mostramos também em nosso trabalho que ainda é possível identificar reminiscências das citadas correntes na prática do ensino de línguas. Para isso, baseamo-nos em Neves (2002), quando a autora cita prováveis influências das correntes estruturalista e funcionalista no ensino. Enfocamos, em especial, a corrente funcionalista, já que é a mais aprofundada pela autora como tendo relações mais estreitas com o ensino. Os resultados nos mostram que as concepções de gramática parecem evoluir, no sentido de expandirem suas visões de língua/linguagem, na passagem de uma corrente teórica para outra. Ao final do trabalho ressaltamos que outras correntes, pós-funcionalistas, como chamamos, possam apresentar visões ainda mais expandidas de gramática, língua e linguagem. Palavras-chave: Teorias linguísticas, Concepções de gramática, Fatos de linguagem.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS A Linguística é a ciência da linguagem verbal, eminentemente humana. No entanto, nem sempre os estudos vinculados à linguagem foram considerados como pertencentes a um campo do conhecimento que se pudesse considerar como ciência. Foi somente graças aos estudos do linguista suíço Ferdinand de Saussure que a Linguística ganhou o status, os métodos e os resultados suficientemente relevantes para que passasse a ser considerada tão ciência quanto a Física, a Biologia, a Astronomia, a Psicologia, a Medicina. Porém, diferentemente de todas as outras ciências, que possuem um objeto de estudo claramente definido, a Linguística fluidifica-se em seu próprio objeto, uma vez que é de extrema dificuldade delimitar critérios que possam servir como definidores do que seja linguagem. Como se pergunta Ferdinand de Saussure em sua obra Cours de Linguistique Générale:

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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583 Qual é o objeto, ao mesmo tempo integral e concreto, da Linguística? A questão é particularmente difícil (…). Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre. (...) Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto (SAUSSURE, 2006, p. 15).

A linguagem está nos animais, a linguagem está no homem, a linguagem está na natureza. A linguagem verbal diferencia o homem dos outros animais e, por isso, mesmo diante de impasses, chegou-se à conclusão de que a Linguística seria a ciência ocupada do estudo da linguagem humana. O presente trabalho tem o objetivo de lançar um olhar panorâmico sobre os conceitos de gramática imanentes às teorias linguísticas, pelo menos em suas vertentes mais conhecidas. Procuraremos abordar os conceitos de gramática dentro das correntes Estruturalista, Gerativista e Funcionalista, analisando, na medida de nossas possibilidades, os alcances e limites de cada abordagem.

1 Concepções de gramática subjacentes a teorias linguísticas

Com relação a tais tratamentos, consideraremos a existência de uma gramática estruturalista, uma gramática gerativista e uma gramática funcionalista. Apesar de sabermos que tais abordagens de gramática são abordagens científicas, não voltadas a aplicações ao ensino, verificamos que Neves (2002) apresenta algumas contribuições que possivelmente poderiam ser dadas por tais teorias ao ensino de língua. Ao longo da explanação das correntes, em específico a gerativista e a funcionalista, discorreremos sobre as contribuições apontadas por Neves (2002).

1.1 Concepções de gramática no Estruturalismo

Podemos afirmar que o Estruturalismo começou com os trabalhos de Ferdinand de Saussure, sendo a teoria precursora dos estudos linguísticos. Muitos dos conhecimentos existentes hoje no campo da Linguística tiveram suas bases estabelecidas na teoria estruturalista. Por este motivo, é possível dizer que, por mais contemporânea que seja uma corrente ou teoria linguística e por mais distante que esteja do ramo estrutural da Linguística, sempre haverá vínculos entre tais correntes e teorias e o legado saussuriano.

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Ferdinand de Saussure (2006) não considerava a necessária relação existente entre língua e uso. Para ele, a Linguística deveria ocupar-se do estudo da língua em si mesmo e por si mesmo e não com as possibilidades de uso do sistema. Assim, a tradição estruturalista que até hoje perdura na Linguística tomará a língua como um sistema fechado, sem interferências exteriores. Nas palavras de Martelotta (2010), a gramática estruturalista pode ser caracterizada “como uma tendência de descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as como um sistema autônomo, cujas partes se organizam em uma rede de relações de acordo com leis internas, ou seja, inerentes ao próprio sistema” (MARTELOTTA, 2010, p. 53). Do ponto de vista teórico, reconhecemos a validade de tal concepção de gramática estruturalista, pois, em uma análise deste tipo, buscar-se-á “constatar que elementos constituem o sistema (...) [de] uma língua, assim como observar como eles se organizam dentro desse sistema e como eles se unem para formar unidades maiores” (MARTELOTTA, 2010, p. 55). Em outras palavras, para a gramática estruturalista, como já afirmava Saussure (2006), analisa-se a língua voltada para si mesma, sem levarem-se em conta possíveis influências externas ao sistema. O sistema é considerado como uma entidade fechada em si mesma. Ao contrário do que defendia Chomsky, como veremos na abordagem gerativista, Saussure não acreditava na existência de estruturas inatas que possibilitariam ao homem o desenvolvimento da capacidade de linguagem sem influências culturais. Apesar de considerar a língua em si mesma e por si mesma, Saussure não negava a influência do ambiente no desenvolvimento linguístico.

1.2 Concepções de gramática no gerativismo

O gerativismo teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950, mais precisamente em 1957, com o lançamento do livro Estruturas sintáticas, concebido a partir dos estudos do linguista Noam Chomsky, professor do Massachussets Institut of Tecnology (MIT). Tal corrente de estudos constituiu-se, em princípio, numa profunda crítica ao behaviorismo. A principal intenção de Chomsky era criar um modelo que fosse capaz de explicar a linguagem humana de maneira matematicamente precisa. Ele acreditava que a mente humana era modular, de maneira que, para cada módulo de nossa estrutura cerebral, haveria uma estrutura ou mecanismo linguístico que acionaríamos quando dele necessitássemos. Chomsky também acreditava que a partir de um número limitado de sentenças poderíamos gerar um número infinito de sentenças:

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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583 O termo ‘gerar’, usado na definição, deve ser tomado exatamente no mesmo sentido que tem em matemática. A título de ilustração: dado que X pode assumir o valor de qualquer número natural {1, 2, 3...}, a função x2 + x + 1 (a qual podemos considerar como um conjunto de regras ou operações) gera o conjunto {3, 7, 13...}. É nesse sentido abstrato, ou estático, que se diz que as regras da gramática geram as sentenças da língua. Não é preciso nos aprofundarmos na matemática. O importante é que ‘gerar’, neste sentido, não está relacionado a qualquer processo de produção de sentenças em tempo real da parte dos falantes (ou das máquinas). Uma gramática gerativa é uma especificação matematicamente precisa da estrutura gramatical das sentenças que gera (LYONS, 2009, p. 95).

Além disso, também defendia que a capacidade da linguagem era inata à espécie humana e independia de estímulo. Assim, vivendo em uma grande metrópole ou em uma selva totalmente isolada da civilização, o ser humano seria capaz de desenvolver sua linguagem da mesma maneira, com a mesma complexidade de estruturas. De modo amplo, podemos afirmar que a teoria gerativa “preocupa-se em descrever e explicar a língua como processo mental, parte do sistema cognitivo do homem” (PASSOS & PASSOS, 1990, p. 9). Mas as vertentes mais proeminentes que encontramos ao estudarmos especificamente o conceito de gramática no gerativismo são as vertentes da gramática universal (GU) e das gramáticas particulares das línguas, além da gramática gerativo-transformacional. Já mencionamos que, para Chomsky, desde que deu início à sua teoria gerativista, a faculdade da linguagem é geneticamente transmitida de maneira exclusiva na espécie humana, sendo algo inato e inerente a todos os membros da espécie. De acordo com Kenedy (2010), a faculdade da linguagem, para Chomsky, seria um dispositivo interno, como um algoritmo com um conjunto ordenado de instruções, tal qual nos programas de computadores, que nos tornaria capazes de desenvolver ou adquirir a gramática de uma língua. Então, se todos os seres humanos partilham de uma mesma dotação linguística, isso significa que todas as línguas humanas teriam necessariamente características comuns, já que são todas faladas pelos mesmos seres humanos que, biologicamente, não se diferenciam em nenhum lugar do planeta. Ao princípio que regula o funcionamento geral das línguas, inclusive impondo limites em sua variação e assemelhando-as, chamamos gramática universal (GU). Os gerativistas ainda se preocuparam em explicar o fato de os falantes nativos de uma língua terem uma espécie de “intuição” a respeito das sentenças que ouvem e proferem. Por exemplo, qualquer falante nativo do português sabe que uma sentença como “a parede do quarto de Cézar é azul” é perfeitamente possível e aceitável dentro do sistema gramatical da Língua Portuguesa. No entanto, um falante nativo não compreenderia e também jamais diria uma sentença como “Cézar parede a azul de é quarto do”. Outro aspecto da gramática gerativa é o fato de Chomsky considerar a existência de dois fatores conhecidos por competência e desempenho (Kenedy, 2010). A competência seria a

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capacidade inata que cada falante tem em seu idioma. Assim, cada pessoa tem plenas condições de executar as mais diversas manifestações linguísticas, já que seria conhecedora do sistema e de suas regras de funcionamento. No entanto, o desempenho de cada falante seria diferenciado, pois se entende que o desempenho seria a maneira como cada falante utilizaria seus conhecimentos do sistema para a realização das expressões linguísticas necessárias. Chomsky assume que o objeto da Linguística deve ser a competência e não o desempenho. Para Kenedy (2010), com quem corroboramos, a visão de Chomsky se assemelha à de Saussure, quanto à consideração do escopo da Linguística, o que nos leva a concluir que a língua, em Saussure, está para a competência, em Chomsky, assim como a fala, em Saussure, está para o desempenho, em Chomsky, já que Saussure considera a língua como o objeto da Linguística, e não a fala. Neves (2002) aponta que o conhecimento da teoria gerativista pode contribuir para o ensino de língua materna, na medida em que o professor, de posse do conhecimento de tal teoria, se tornará ciente de que a língua é “uma das manifestações do funcionamento da mente (o que o velho Humboldt já dizia) (p. 267)”, o que, por sua vez, levará ao entendimento de que a linguagem humana não é realmente manifestação exterior, e isto torna sem sentido a utilização, em sala de aula, de diagramas arbóreos sintagmáticos. Em síntese, a teoria gerativista terá contribuído para a compreensão de que todo falante de língua natural já é detentor de uma gramática internalizada. A teoria gerativista, ainda de acordo com Neves (2002), também contribuirá para que o professor compreenda também as propriedades básicas da faculdade da linguagem, o que lhe há de permitir – feita devidamente a transferência – uma útil e saudável compreensão mínima do processo de aquisição da linguagem, sem dúvida um componente fundamental da compreensão do papel do professor de língua de crianças (NEVES, 2002, p. 267).

Neves (2002) ressalta ainda que o gerativismo, ao explicar o mecanismo de construção das representações pelo cérebro, auxilia na compreensão de que a forma física de enunciados não é o ponto a que se dá mais atenção dentro da teoria e que, portanto, não fará sentido usá-la numa tarefa descritiva de estrutura.

1.3 Concepções de gramática no Funcionalismo

As primeiras ideias funcionalistas surgiram a partir do pensamento de linguistas da Escola Linguística (ou Círculo Linguístico) de Praga, em contraposição às concepções de língua imanentes ao estruturalismo e ao gerativismo (Lyons, 2009). Ao contrário das duas correntes anteriores que se preocuparam em estudar a língua apenas ao nível de suas estruturas, o

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Funcionalismo passou a se preocupar com o estudo “da relação entre as estruturas gramaticais das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas” (CUNHA, 2010, p. 157), isto porque, para os funcionalistas “a língua não pode ser vista como absolutamente independente de todas as forças externas” (NEVES, 1997, p. 109). Em termos gerais, a perspectiva funcionalista da Linguística, de acordo com Neves (1997, p. 2), tem como questão básica de interesse a verificação do modo como os usuários da língua se comunicam eficientemente, isto é, a abordagem funcionalista considera “as estruturas das expressões linguísticas como configurações de funções, sendo cada uma das funções vista como um diferente modo de significação na oração” (NEVES, 1997). Para os funcionalistas, como o próprio termo já designa, nenhuma sentença ou nenhum texto da língua usada pelos falantes são produzidos aleatoriamente, sem uma função comunicativa. A gramática é compreendida “como acessível às pressões do uso” (NEVES, 1997, p. 15), isto é, como algo passível de ser moldada pelos falantes da língua. A gramática funcional também considera, segundo Neves (1997), o conceito de competência comunicativa, entendida como “a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de usar e interpretar essas expressões de uma maneira interacionalmente satisfatória” (NEVES, 1997, p. 15). Compreendemos ainda uma diferença essencial entre o estruturalismo e o funcionalismo: este reconhece a linguagem como um fenômeno que não é isolado, mas, ao contrário, como um fenômeno que se liga diretamente à necessidade social de comunicação, entretanto, não se encerrando nela. Como a gramática funcional leva sempre em consideração o uso das expressões linguísticas, temos “uma certa pragmatização do componente sintáticosemântico do modelo linguístico” (NEVES, 1997, p. 16). Retomaremos Neves (2002) para discorreremos sobre as contribuições que a autora acredita que a teoria funcionalista prestaria ao ensino de língua materna:

De uma teoria funcionalista (...) o estudante de Letras levará para sua atividade de professor de língua conhecimentos que têm seu centro no uso linguístico. O que está em vista é a competência comunicativa dos falantes, não a competência linguística dos seres humanos, como ocorre no gerativismo. Estão, portanto, no foco, os enunciados efetivamente produzidos, e – note-se bem – vistos nas suas funções, e vistos, portanto, como um simples componente daquele modelo mais amplo de interação verbal dentro do qual se produziram (NEVES, 2002, p. 268).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo de nossa explanação, podemos perceber que temos uma caminhada histórico-teórica entre as teorias linguísticas e as concepções de gramática que sustentam. O que 227


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podemos verificar, em nossa visão, de mais proeminente em cada corrente linguística é que as concepções de gramática parecem evoluir, no sentido de expandirem suas visões de língua/linguagem, e de fato o fazem, na passagem de uma corrente para outra. Se observarmos panoramicamente uma concepção de gramática estruturalista, ainda perceberemos limitações como a não consideração do uso, bem como o fato de uma análise dentro desta corrente teórica ainda considerar a existência de elementos isolados no sistema que formariam elementos maiores. Ainda não se aborda, por exemplo, a gramática numa perspectiva transformacional, como se faz na corrente gerativista, procurando explicar o movimento gerador de novas sentenças a partir de outras preexistentes. A propósito, este fato, a nosso ver, já representa um certo avanço no modo de se conceber a gramática. Também percebemos um avanço na concepção de gramática gerativista pelo fato de ser uma teoria que procura explicar o modo como o homem adquire e desenvolve sua linguagem. Aliás, para Chomsky, não se trataria exatamente de uma aquisição, já que todo ser humano seria dotado de um dispositivo interno e inato que lhe propiciaria o desenvolvimento da faculdade da linguagem. Tal desenvolvimento não teria relações diretas com o ambiente. Uma gramática gerativista se limita a explicações da linguagem enquanto faculdade mental humana, mas ainda não passará a considerar o uso das estruturas linguísticas. A consideração do uso vem com as concepções funcionalistas de gramática, iniciadas com o Círculo Linguístico de Praga. Dentro destas próprias concepções já percebemos evoluções. É o caso da evolução que percebemos da GF, de Dik, que considera uma análise até o nível das orações, até a GDF, que expandirá sua análise até o nível do discurso. Se neste trabalho tivéssemos lançado a proposta de tratar de concepções de gramática dentro de outras correntes linguísticas pós-funcionalistas, perceberíamos que a expansão nas concepções de gramática, e de língua, continuaria e, com isso, a expansão do alcance da análise dos fenômenos linguísticos. Por exemplo, se tivéssemos optado por abordar também a corrente teórica cognitivista, depararíamos com concepções que abrangem até considerações a respeito da corporificação do pensamento humano, o que já implicaria uma concepção que considera que os usos linguísticos refletem nossa experiência no mundo.

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Outras correntes como a Linguística Textual, por exemplo, buscam a superação do tratamento da língua ao nível da palavra, frase ou período, compreendendo estas três instâncias apenas como componentes do texto, considerado a forma legítima do uso da língua nos processos comunicativos (OLIVEIRA, 2010). Tendo em vista o fato de nos comunicarmos por meio de textos, e não de frases ou períodos isolados, a Linguística Textual considera que a forma mais legítima de estudarmos a linguagem humana seria partimos da análise do texto. Prosseguindo, teríamos correntes ainda mais contemporâneas dos estudos da linguagem, como a Análise do Discurso de linha francesa e a Análise do Discurso Crítica, que realizarão análises dos elementos linguísticos relacionando-os com estudos que já transcendem as próprias fronteiras da Linguística. Buscam-se contribuições da Antropologia, da Sociologia, da Psicologia, da Filosofia para explicar os fenômenos linguísticos a partir da consideração de que são

componentes

das

relações

humanas

que

ultrapassam

a

condição

de

simples

elementos/estruturas de língua. No entanto, ressaltamos que já não estaríamos mais falando de gramática e sim de língua, uma entidade muito mais abrangente e que engloba aquela. O foco de nosso trabalho foi discutir concepções teóricas de gramática que, a nosso ver, podem ser percebidas mais nitidamente nas correntes estruturalista, gerativista e funcionalista. Correntes como o Cognitivismo, a Linguística Textual e a Análise do Discurso parecem ter superado a consideração de uma gramática, mais reducionista, uma vez que se propõem a abrangerem considerações a respeito de fatos de linguagem, mais amplos.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras do caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. CUNHA, Maria Angélica Furtado da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo da (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2010, p. 157-176. KENEDY, Eduardo. Gerativismo. In: In: MARTELOTTA, Mário Eduardo da (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2010, p. 125-140. LYONS, John. Lingua(gem) e linguística: uma introdução; tradução Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: LTC, 2009.

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MARTELOTTA, Mário Eduardo da. Conceitos de gramática. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo da (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2010, p. 43-70. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ___________________________. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: UNESP, 2002. ___________________________. Estudar os usos linguísticos ou a visão funcionalista da linguagem. In: NEVES, Maria Helena de Moura. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006, p. 15-34. NOGUEIRA, Márcia Teixeira. Considerações sobre o funcionalismo linguístico: principais vertentes. In: CUNHA, Maria Angélica Furtado da (Org.). Linguística funcional: a interface linguagem e ensino. Natal: EDUFRN, 2006, p. 23-40. OLIVEIRA, Mariangela Rios de. Linguística textual. In: In: MARTELOTTA, Mário Eduardo da (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2010, p. 193-204. PASSOS, Claiz & PASSOS, Maria Emiliana. Princípios de uma gramática modular. São Paulo: Contexto, 1990. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. SOUZA, Edson Rosa Francisco de. Gramática funcional: da oração rumo ao discurso. Revista Domínios de lingu@gem: revista eletrônica de linguística. Ano 2, nº 1 – 1º Semestre de 2008 – ISSN 1980-5799. Disponível em <http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/11475> Acesso em 20 dez. 2013.

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TEXTO E GRAMÁTICA: PORQUE NÃO HÁ VOCÊ SEM MIM Maria Claudete Lima i (UFC) Resumo: O presente trabalho objetiva discutir a relação entre texto e gramática, os quais costumam ser considerados como entidades distintas, o que motiva a separação de estudos textuais e gramaticais, danosa, especialmente no âmbito do ensino de língua. Tal distinção não se justifica na perspectiva da linguística cognitivo-funcional, segundo a qual a gramática se instancia no texto. Assim, se o texto é a instanciação de significados interpessoais e ideacionaise a gramática é a codificação desses mesmos significados, não há texto sem gramática, nem gramática sem texto. A longa tradição de separação dessas suas entidades no ensino de língua portuguesa torna complexa a tarefa de reuni-las num todo de modo a atender às demandas de um ensino produtivo de língua, conforme a exigência dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Para lidar com essa complexidade, duas atitudes se põem. De um lado, há os que julgam ser necessário tratar a gramática com base no texto. Do outro, os que julgam que a gramática deva ser descartada em favor do texto. Ambas pecam pela distinção. Nosso propósito é mostrar que, ao invés de serem tidos como entidades distintas que precisam ser reunidas, texto e gramática precisam ser considerados como uma unidade. Para tanto, apresentaremos alguns dados ilustrativos, com apoio nos postulados da linguística funcional de Givón (2001, 2005); Halliday (2004) e Langaker (1991). Palavras-chave: texto, gramática, ensino de língua.

1 INTRODUÇÃO

No título faço alusão a uma conhecida canção de Tom Jobim "Eu não existo sem você", para discutir a relação entre texto e gramática. Destaco, em especial, o trecho "Assim como o oceano/Só é belo com luar/Assim como a canção/Só tem razão se se cantar/Assim como uma nuvem/Só acontece se chover/Assim como o poeta/Só é grande se sofrer/Assim como viver/Sem ter amor não é viver/Não há você sem mim/E eu não existo sem você" (JOBIM, 2005). Essa é a ideia que pretendo discutir. A ideia de que a gramática só acontece no texto e de que o texto reflete a gramática. Esta relação não é em si novidade, Os próprios Parâmetros curriculares Nacionais (PCN) recomendam claramente que a unidade de ensino seja o texto e que a atividade de reflexão sobre a língua ocorra a partir de textos:

Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é possível tomarcomo unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que,descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva21 , que é questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas isso não significa que nãose enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que o exijam....a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que o exijam. (BRASIL, 1998. p.29).

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No âmbito do ensino, podemos com Neves (2003) vislumbrar, na história dessa relação gramática/texto, três momentos, conforme ilustra o quadro 1.

Quadro 1: as fases do ensino de língua portuguesa no Brasil Fase

Tendência de ensino vigente

Problema

1

Foco na prescrição gramatical

Desconsideração da heterogeneidade linguística

2

Foco na terminologia gramatical

Dissociação das práticas discursivas

3

Foco no texto

Desconsideração dos

fenômenos

sintático-

semânticos

Abandonamos, em regra, o ensino normativo, em favor de considerar as variantes linguísticas, mas caímos na esparrela de confundir gramática com nomenclatura. A importância que o estudo dos gêneros assumiu no ensino tem, naturalmente, um aspecto positivo. Mas não se pode desprezar o estudo dos aspectos linguísticos estruturais que enformam os gêneros, sob pena de não se atingir um dos propósitos do ensino de língua materna: ampliar a competência comunicativa. Nas palavras dos PCN:

Considerando os diferentes níveis de Conhecimento prévio, cabe à escola promover a sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações (BRASIL, 1998, p.21)

2 DA DIFICULDADE DE INTEGRAÇÃO

A proposta do que chamam "gramática contextualizada" já existe explícita e oficial, portanto, desde a década de 90, com os PCN. Mas só atingiram a escola recentemente com o crescente uso da nota do Enem como forma de ingresso às universidades. O novo Enem em 2009 trouxe a necessidade de se cobrar conhecimento sobre fenômenos gramaticais em textos, o que traz à tona a recomendação dos PCN (1998, p.29): "“...a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que o exijam”.E, de repente, professores habituados a considerar separadamente os fenômenos textuais e os gramaticais, se viram na tarefa de reuni-los em um só item. Nem sempre são bem-sucedidos. Para ilustrar essa dificuldade, tomemos inicialmente a matriz de referência do Enem. Na área Linguagens e Códigos, os conteúdos gramaticais se diluem em várias competências, em

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favor da construção do sentido nos diversos gêneros. No entanto, três competências, em especial, encontram-se mais diretamente ligadas a objetos do conhecimento considerados mais gramaticais, conforme demonstrao quadro 2.

Quadro 2: A gramática na matriz de referência do Enem (2012) Competência 6

Compreender e usar os sistemas simbólicos

Estudo dos aspectos linguísticos em diferentes textos:

das diferentes linguagens

recursos

organização constituição

7

Objeto do conhecimento

como meios de

cognitiva da realidade pela de

significados,

expressão,

expressivos

da

língua,

procedimentos

de

construção e recepção de textos – organização da macroestrutura semântica e a articulação entre idéias e

comunicação e informação.

proposições (relações lógico-semânticas)

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as

Estudo do texto argumentativo, seus gêneros e recursos

diferentes linguagens e suas manifestações

linguísticos: argumentação: tipo, gêneros e usos em língua

específicas.

portuguesa – formas de apresentação de diferentes pontos de vista; organização e progressão textual; papéis sociais e comunicativos dos interlocutores, relação entre usos e propósitos comunicativos, função sociocomunicativa do gênero, aspectos da dimensão espaço-temporal em que se produz o texto.

8

Compreender e usar a língua portuguesa como

Estudo dos aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos

língua materna, geradora de significação e

da língua: norma culta e variação linguística – uso dos

integradora da organização do mundo e da

recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto

própria identidade.

é constituído: elementos de referência pessoal, temporal, espacial, registro linguístico, grau de formalidade, seleção lexical, tempos e modos verbais; uso dos recursos linguísticos em processo de coesão textual: elementos de articulação das sequências dos textos ou a construção da microestrutura do texto)

Em uma questão do Enem 2013 (Figura 1), embora o enunciado solicite a identificação de um recurso morfossintático e todas as alternativas contenham a metalinguagem gramatical (substantivo, conjunção aditiva etc), é o restante das afirmações de cada alternativa, que diz respeito a elementos não estruturais, que leva o candidato ao erro ou acerto. Noutras palavras, rigorosamente, a questão não testa identificação do recurso morfossintático, mas interpretação. Na alternativa (C), por exemplo, foca-se ambiguídade. Na alternativa (D), sóa aparentemente focaliza-se o emprego de uma forma pronominal, conforme o registro, pois basta ao candidato entender que não há tratamento formal na frase para saber que a afirmação é falsa.

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Figura 1: Falseamento por interpretação de elementos não estruturais.

A adequação do ensino ao Enem traz à cena a necessidade de integrar texto e gramática e as eventuais dificuldades de levar isso a cabo. Já se falou do uso do texto como pretexto, o que ainda se encontra em muitas propostas, mesmo naquelas que negam o tratamento isolado dos fenômenos gramaticais, como é o caso de um livro didático de Língua Portuguesa do 6º ano, que afirma na sua quarta capa: "o estudo da língua situa e contextualiza de forma mais clara os fatos linguísticos focalizados, vinculando-os às escolhas de linguagem feitas conforme o gênero e segundo as intenções do autor". É dele a proposta de exercício da Figura 2, em que se usa uma tirinha da Mônica como pretexto para identificar adjetivos e locução adjetiva, sem explorar nenhum aspecto semântico-discursivo.

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Figura 2: a gramática tratada como nomenclatura

Parece que a Mônica não gostou de ser carinhosamente comparada a um coelho.

a) Escreva os adjetivos usados para caracterizar os substantivos menininha e narizinho. b) A moça empregou uma locução adjetiva. Transcreva essa locução no caderno e diga a qual substantivo está se referindo. (BORGATTO, 2012, p.118-119)

3. DA RELAÇÃO GRAMÁTICA E TEXTO

No quadro do funcionalismo, em especial, da linguística sistêmico-funcional de Halliday, não faz sentido separar gramática e texto. Na visão de Halliday, a linguagem é um sistema de significados codificados pela gramática, que é, assim, “uma rede de escolhas de significados inter-relacionados” (HALLIDAY, 2004, p.31). O linguista concebe a linguagem como uma complexa rede sistêmica em que entram o Contexto de Cultura, mais abrangente, e o Contexto de Situação, mais específico, ligado ao Registro. A semiotização da experiência e das relações sociais se dá na Semântica que realiza o Contexto de Situação e se manifesta na Lexicogramática, ou simplificadamente, na gramática. Tais significados se manifestam no texto, que é visto como instanciação do sistema, entendido como potencialidade. É o próprio Halliday (2004) que fala da relação entre sistema e texto como uma relação similar a que se dá entre tempo e clima 48 (em inglês, weather e climate), em que o tempo é o texto, o que nos afeta no

48

Segundo Houaiss (2009): tempo é o "conjunto de condições meteorológicas" e clima é "conjunto de condições atmosféricas que caracterizam determinada região". Assim, o tempo está limitado a um curto período e pode mudar

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cotidiano, e o clima é o sistema subjacente a todas as variadas manifestações do tempo. A figura 3 resume a rede sistêmica tal como a concebe a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF):

Figura 3: A rede sistêmica da linguagem

3.1. Semântica e lexicogramática: as construções de voz

Em Lima (2009), analisamos, na Crônica Geral de Espanha de 1344, 1061 ocorrências de construções verbais classificadas como passivas, impessoais e médias, com o fim de avaliar a função semântico-discursiva "não atribuição de causalidade". A análise levou em conta fatores sintáticos, semânticos e discursivos que, ao final, corroboraram a íntima relação gramática e texto. As

construções

analisadas

são

escolhas

possíveis

em

língua

portuguesa,

discursivamente determinadas, diante da percepção de uma situação de mudança. Noutras palavras, são fraseados que manifestam a semiotização de um evento de mudança não espontâneo (passiva, impessoal e média não prototípica) ou espontâneo (média prototípica). A escolha da construção passiva depende essencialmente da perspectivação pretendida pelo falante, que, por sua vez, se relaciona ao grau de topicalidade da entidade afetada. Não se trata de o Afetado ter maior saliência cognitiva, pois tanto o SN sujeito como o SN causativo da em um mesmo dia, por exemplo. Já o clima é um comportamento atmosférico por um período mais longo. Noutras palavras, é o tempo padrão de determinada região em um período longo.

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passiva representam, predominantemente, entidades humanas. Tampouco parece ser uma questão de estatuto informacional, pois tanto o Afetado como o Causativo codificam, predominantemente, informação evocada. A seleção de uma construção impessoal — incluímos aqui as impessoais de terceira pessoal do plural, sem antecedente expresso, e as chamadas passivas sintéticas — se dá quando o foco é no evento em si. O Causativo humano é altamente pressuposto, daí deixado sem codificação. A impessoal codifica predominantemente eventos de valor habitual e atemporal. Já a construção média é escolhida quando a entidade afetada é Figura e o Causativo ou tem baixa saliência ou sequer existe, caso dos eventos espontâneos. O Afetado da média á altamente saliente e, por isso, selecionado como sujeito. As diferenças entre as construções ficam mais evidentes quando observadas em frases semelhantes como ilustramos a seguir. (01) Passiva e média (a) a cidade de Tallaveyra foy acabada, sempre se defendeu per sua boa obra. (CGE-32) (b) E aqui se acabou o reyno dos Estrogodos de todo (CGE-122)

(02) Passiva agentiva, passiva não-agentiva e impessoal (a) el rey Allarigo fora morto por el rey Clodoveo (CGE-104) (b) E foy h imorto o emperador Almycal (CGE-51) (c) E enno seu termho mata~ hu~u~ peixe que ha nome alffarida (CGE-40)

(03) Passiva e média (a).ca no~ tan solamente forom departidos em a linguagem (CGE-2) (b) E desta guysa ficou o senhorio dos Suevos departido em duas partes (CGE-93) Em suma, as construções de voz — como outros recursos linguísticos — não são meras formas com mesmo significado, como querem fazer crer os exercícios de conversão da voz ativa em passiva e vice-versa. São formas com distintas funções semântico-discursivas em que interagem, entre outros, fatores ligados ao estatuto informacional, à perspectivação, à modalidade, ao tempo, modo e aspecto verbal, à ordenação de constituintes e à codificação do sujeito.

CONCLUSÃO O que demonstramos em relação às construções de voz poderia ser demonstrado com relação a qualquer outro recurso lexicogramatical. Afinal, a gramática, como mecanismo de codificação de significados, é reflexo do jogo de forças cognitivo-semântico-pragmáticas que se manifestam no texto. Portanto, não há gramática sem texto nem texto sem gramática.

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A dificuldade de integração entre texto e gramática reflete a separação indevida que é feita mesmo nos cursos de formação de professores, em que são vistos como conhecimentos absolutamente distintos, e a concepção errônea de gramática como mera nomenclatura gramatical ou conjunto de normas estanques. A gramática é, antes de tudo, um sistema de recursos de construção de sentidos experienciais, interpessoais e textuais. A verdadeira gramática não pode ser apreendida e estudada fora do texto. O que se estuda isoladamente não é gramática, é a outra, a "falsa gramática", a mera taxonomia. Confundir ensino de gramática com ensino de nomenclatura é semelhante a considerar que o ensino de matemática poderia ser feito ensinando-se, por exemplo, os nomes das quatro operações, do termos de cada uma ou os tipos de números, ou que o ensino de música seria limitado ao ensino dos nomes das notas musicais, da pauta e dos símbolos. Ora, qualquer um saberia que saber a nomenclatura musical não torna alguém apto a tocar um instrumento. Por que razão conhecer a nomenclatura gramatical tornaria alguém com maior competência comunicativa? A gramática tem de ser vista tal como realmente é: dinâmica, maleável, simbólica, motivada. Ao ser vista assim, acaba-se a fronteira entre ela e o texto, pois este nada mais é que a manifestação desses traços: sendo dinâmica e maleável, a gramática se constrói no texto, na interação discursiva; sendo simbólica, ela codifica significados que se materializam no texto; sendo motivada, ela se submete a pressões discursivas e cognitivas refletidas no texto. Noutras palavras, a relação entre gramática e texto é de interdependência, exatamente como diz a música: "não há você sem mim, eu não existo sem você" (JOBIM, 2005).

Referências Bibliográficas BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília. MEC/SEF, 1998. BORGATTO, A.M.T. Projeto Teláris: português. São Paulo: Ática, 2012. v.1 BRASIL. Matriz de referência ENEM. Brasília:Inep, 2012. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_enem.pd f>. Acesso em 20 out. 2014. BRASIL. Prova do Enem 2013. Prova amarela. Brasília: Inep. Disponível em: < http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/enem/enem_2013_port_redacao.pdf>. Acesso em 20 out. 2014.

HALLIDAY, M.A.K. Na introduction to functional grammar. London: Hodder Arnold., 2004. HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. JOBIM, Tom. Eu não existo sem você. Intérprete: Maria Bethânia. In:BETHÂNIA, Maria. Que falta você me faz. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2005. 1 CD. faixa 14.

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LIMA, Maria Claudete. A não-atribuição de causalidade na crônica geral de Espanha de 1344. Tese (Doutorado em Linguística) – Curso de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. NEVES, M. H. M. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

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UM TRATAMENTO REFLEXIVO DA GRAMÁTICA: ESTUDO DA INTERJEIÇÃO ATRAVÉS DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Ana Maria Pereira Lima (UECE) Antonio Lailton Moraes Duarte (UECE) Resumo: Hodiernamente, há a necessidade de um olhar reflexivo sobre a abordagem da gramática, pois esta é responsável pela ativação da linguagem na produção linguística (NEVES, 2014). Essa ativação na produção linguística ocorre, neveseanamente, através do entrelaçamento discurso-textual das relações que se estabelecem na sociocomunicação, que se efetuar, bakhtinianamente, em forma de enunciados, concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana e cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, denominados, por Bakhtin (1997), de gêneros do discurso. Diante disso, este trabalho é uma tentativa de mostrar que é possível abordar os aspectos gramaticais relacionados à vivência linguística, manifestada pelo gêneros do discurso. Para tal empreitada, partiremos da perspectiva reflexiva do uso da gramática proposta por Neves (2014), cujo foco reside no fato de a gramática abranger os componentes pragmático, semântico e sintático, e da perspectiva dos gêneros do discurso de Bakhtin (1997), cujo cerne reside na interação verbal por meio de diversos textos que circulam na sociedade. O entrelaçamento dessas perspectivas será mostrado nesta investigação por meio da discussão do Trabalho de Conclusão de Curso (Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas) de Amorim (2012), que focalizou o ensino de interjeições através das Histórias em Quadrinhos (HQs). Com esse estudo de Amorim (2012), podemos concluir que é significativo o uso das interjeições nas HQs, por expressarem os estados emotivos dos personagens e impressionarem o leitor, e que a inclusão das HQs na sala de aula, principalmente nas aulas de interjeição, é uma forma de penetrar na produção de sentidos e de efeitos, relacionados às motivações e interações dos personagens e estes com os leitores, e na produção das significações da expressões reveladas pelas interjeições na organização das relações construcionais das HQs. Palavras-chave: gramática, interjeição, história em quadrinhos.

1 INTRODUÇÃO Hodiernamente, temos observando uma discussão sobre a necessidade de um olhar reflexivo sobre a abordagem da gramática. Mas por que há a necessidade desse olhar reflexivo sobre a abordagem da gramática? Para responder a esta inquirição, devemos partir da ideia de que a gramática é responsável pela ativação da linguagem na produção linguística (NEVES, 2014). Essa ativação na produção linguística ocorre, neveseanamente, através do entrelaçamento discursivo-textual das relações que se estabelecem na sociocomunicação. Daí, não podemos pensar a gramática isolada da vivência da linguagem. Uma prova de que não podemos dissociar a gramática da vivência da linguagem é notar que “a gramática (...) abrange: um componente pragmático (na ponta de entrada das motivações, e na ponta de saída dos efeitos da interação); um componente semântico (na produção

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das significações); e um componente sintático (na organização das relações construcionais no enunciado)” (NEVES, 2014, p. 73). Essa abrangência da gramática nos níveis pragmático, semântico e sintático é indispensável para vivência da linguagem, pois a linguagem é uma forma de ação no mundo e como tal é eivada de motivações que geram uma série de efeitos no processo interacional dos interactantes, já que estes realizam ação no mundo. Também devemos observar que essas ações realizadas pelos usuários da língua produzem significações que acarretam modos de agir sobre mundo usando a linguagem. Além disso, para que os usuários da língua produzam as significações pretendidas e ajam sobre o mundo, é necessário que estes falantes organizem sintaticamente as relações construcionais dos seus enunciados, já que a ordem dos sintagmas em um enunciado pode gerar várias significações e consequentemente ações diferentes no mundo pelo uso da linguagem. Diante disso, este artigo tem como objetivo mostrar que é possível abordar os aspectos gramaticais relacionados à vivência linguística, manifestada pelo gêneros do discurso, pois acreditamos que o tratamento escolar da gramática deve percorrer e penetrar na produção de sentido e de efeitos a partir de usos apropriados e significativos em cada diferente situação de uso da língua. O entrelaçamento, dessas perspectivas, será mostrado nesta investigação por meio da discussão do Trabalho de Conclusão de Curso (Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas) de Amorim (2012), que focalizou o ensino de interjeições através das Histórias em Quadrinhos (HQs) da Turma da Mônica, da revista Cebolinha, da edição Alfacinha o Miúdo Luso, do cartunista Maurício de Souza, do Brasil.

2 ENTRELAÇAMENTO DISCURSIVO-TEXTUAL DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS NA SOCIOCOMUNICAÇÃO: OS GÊNEROS DO DISCURSO O entrelaçamento discursivo-textual das relações estabelecidas na sociocomunicação estabelecidos pela gramática da língua, apontado por Neves (2014), efetuar-se, a nosso ver, em forma de enunciados, concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana e cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, denominados, por Bakhtin (1997), de gêneros do discurso. Essa perspectiva dos gêneros do discurso de Bakhtin (1997) reside, a nosso ver, na interação verbal, pois é para atingi-la que os usuários da língua utilizam e fazem com que diversos textos circulem na sociedade com seus padrões sociorretóricos mais ou menos estabilizados por

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uma comunidade discursiva, como já apontará Swales (1990). Portanto, a interação verbal só se efetiva através dos gêneros textuais, já que só nos comunicamos por meio deles.

3 ESTUDO DA INTERJEIÇÃO NA ESCOLA: UMA BREVE REFLEXÃO

Refletindo um pouco sobre o estudo da interjeição na escola, Amorim (2012, p. 15) diz que:

O ensino das interjeições é fundamental nas escolas, porque proporciona aos alunos a oportunidade do estudo deste conteúdo gramatical como forma de entretenimento, reflexão, informação ou até mesmo emoção. Porém, sabemos que abordar recursos que proporcionam interesse por parte dos alunos nas aulas de gramática nem sempre é uma tarefa fácil.

Dessa assertiva, podemos perceber que o estudo das interjeições é uma campo profícuo para produção de sentidos e efeitos da ativação linguística proveniente da sociocomunicação, já que o ensino da interjeição poderá oportunizar os discentes no estudo de um elemento gramatical que é capaz de envolver formas dinâmicas de aprendizagem e de uso da língua. Esse envolvimento é possível porque as interjeições, como asseverou Amorim (2012), podem ser ensinadas a través de entretenimento, já que revelam emoção e reflexões sobre as diversas atividades linguística dos alunos ao longo de sua vida diária. No entanto, essa não é a realidade das aulas de gramática nas escolas brasileiras, pois, conforme Madeira (2005, p. 32),

as aulas de gramática, em especial as de interjeições são pouco criativas, [porque] os professores não fazem com que os alunos expressem os seus estados emotivos para assimilar os conceitos sobre interjeições e que são ensinados apenas regras prescritivas, classificações que muito pouco colaboram para que o aluno se torne um falante competente da língua, ou seja, capaz de produzir, interpretar e compreender textos eficientemente.

Percebemos que Madeira (2005) tem total razão, pois as aulas de gramática que abordam o ensino da interjeição não exploram o potencial que essa classe gramatical pode proporcionar aos alunos por conta de os professores de Língua Portuguesa (Professores de

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gramática) 49 abordarem este assunto de forma prescritivista e com excessiva preocupação com a metalinguagem. Na verdade, a metalinguagem (uma mal necessário) não deve ser o cerne do ensino gramatical, pois é importante que os alunos ao estudarem as interjeições devam expressar os seus estados emotivos como forma de assimilação dos conceitos desta classe gramatical tão utilizadas pelos faltantes da língua. Outro fato que faz com que as aulas de gramática sobre a classe gramatical interjeição sejam não criativas reside no fato de que os lentes pensam que o conceito de interjeição é fixo. Na verdade, os educadores deve perceber que o conceito de interjeição é flexível e pode sofre de acordo com cada teórico, pois como aponta Rodrigues (2011, p. 01), “a gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e acabada”. Outro problema no ensino de interjeições diz respeito às atividades abordadas nas aulas de Língua Portuguesa, pois, segundo Perini (1993), os exercícios se resumem em questões extremamente objetivas, o aluno não é levado a refletir, ele apenas copia no caderno informações que estão nas classificações das interjeições. Ou seja, este tipo de exercício não produz sentido nem efeitos no uso das interjeições pelo aluno, pois há uma preocupação pelo docente na assimilação da metalinguagem pelo discente e não na reflexão do uso dessa classe gramatical tão rica, a nosso ver, na produção de sentidos e nos efeitos do uso da linguagem. Dessa forma, percebemos, por meio desta breve reflexão, que a atual prática cotidiana de sala de aula, no ensino das interjeições, encontra-se baseado em um número expressivo de situações, através de exemplos descontextualizados, de frases pré-fabricadas para exemplificar ou exercitar o conceito de interjeições e também está alienado aos livros didáticos, que mantêm um ensino rígido e descontextualizado, sem proporcionar na produção linguística a ativação da linguagem (NEVES, 2014), pois não há o entrelaçamento discursivo-textual das relações que se estabelecem na sociocomunicação pelo uso das interjeições.

4 A INTERJEIÇÕES NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UMA ABORDAGEM REFLEXIVA DA GRAMÁTICA

4.1

Visão gramatical e linguística da interjeição

Fazendo um levantamento do conceito de interjeição nos dicionários de Língua 49

Apesar de entendermos que o ensino de Língua Portuguesa não corresponde ao ensino de gramática, percebemos que nas escolas brasileiras ainda se perpetua o entendimento que ensinar Língua Portuguesa é ensinar gramática.

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Portuguesa, obtivemos os seguintes:

Interjeição. S.f. Palavra invariável ou sintagma que, com entonação peculiar, geralmente sem combinar-se gramaticalmente com elementos da oração, formam, por si sós, frases que exprimem uma emoção, uma sensação, uma ordem, um apelo ou descrevem um ruído (p. ex.: psiu!, oh!, coragem!, meu Deus!). (HOUAISS, 2002) Interjeição. S.f. Palavra que serve para exprimir de modo enérgico e conciso um sentimento violento, uma emoção, uma ordem, como ah!, ai!, psiu!. (DICIONÁRIO online de português) Interjeição [Do lat. interjectione]. S.f. gram. Palavra ou locução com que se exprime um sentimento de dor, de alegria, de admiração, de aplauso, de irritação, etc. (FERREIRA, 1999, p. 439)

Dessa rápida pesquisa nos dicionários, notamos que todos os dicionaristas consideram a interjeição como sendo uma palavra cuja função é exprimir emoção, sentimentos. Apesar de que o lexicólogo Houaiss (2002) nos fornece uma abordagem mais ampla, pois detalha a noção de interjeição como sendo um sintagma com entonação peculiar, independente oracionalmente, que por si só forma frase que exprimem sentimentos ou até mesmo descrevem ruídos. Essa noção dada pelos Houaiss (2002) faz uma abordagem próxima da perspectiva linguística da interjeição, pois colocar a interjeição como sendo uma palavra-frase e ressalta um aspecto fonológico desta classe gramatical ao afirmar que a interjeição tem uma entonação peculiar. Essa entonação peculiar, a nosso ver, faz com que algumas palavras assumam o status de interjeição, pois poderemos usar uma substantivo para exprimir determinado sentimento e este terá o status de interjeição pela entonação dada pelo falante. Analisando os conceitos de algumas gramáticas, encontramos, por exemplo, em Bechara (2004, p. 330) e Cereja e Magalhães (2008, p. 242) a seguinte definição: “a expressão com que traduzimos os nossos estados emotivos”. Não distanciando dos demais gramáticos, Sacconi (2010, p. 347) e Moura Neves (2004, p. 267) pensam semelhantes, definindo interjeição como “toda palavra invariável que indica emoção e sentimento repentino”. Já Cunha e Cintra (1985, p. 77) dizem o seguinte: “a interjeição, vocábulo-frase, fica excluída de qualquer das classificações”. Além disso, esses gramáticos, define a interjeição como sendo “uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções” e que dizem que o seu valor “depende fundamentalmente do contexto e da entonação” (p. 577). Dessa maneira, percebemos que a noção gramatical da interjeição coincide bastante com a perspectiva dos dicionarista, pois as definições sempre se pauta em um critério ora sintático ora semântico, tratando-a ora como uma palavra, ora como frase, ora como palavra-frase. Além disso, incluindo-a como uma classe gramatical ora excluindo dessa categoria, como uma 244


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classificação à parte. Diante desse imbróglio gramatical sobre o conceito de interjeição, Câmara Jr. (19977, P. 147) diz que “a interjeição é a palavra que traduz, de um modo vivo, os estados d´alma. É uma verdadeira palavra-frase, pelo qual o falante, impregnado de emoção, procura exprimir seu estado psíquico num momento súbito, em vez de se exprimir por uma frase logicamente organizada”. Essa definição de Câmara Jr. (1997) aponta para ideia de que a interjeição é uma palavra-frase que é usada pelo falante para exprimir o seu estado psíquico em determinado estado emotivo, revelando assim o estado d´alma. Marcuschi (2007, P. 64) chama atenção para o fato de que a interjeição é “o único fenômeno linguístico exclusivo da língua portuguesa falada”, pois mesmo quando aparece na escrita representa a fala, já que sempre acontece em contexto de diálogo. Além disso, Marcuschi (2007, p. 135), citando Quirk Greenbaur, Leech e Svartivik (1985), diz que: “as interjeições são gramaticalmente periféricas no sentido de que não entram nas construções com outras classes de palavras e são frouxamente conectadas às frases com as quais elas parecem estar ortográfica ou fonologicamente associadas”. Ao fazer esta citação percebemos que os autores citados por Marcuschi (2007) situam a interjeição na pragmática da comunicação 50, pois as interjeições são intencionais, situam-se na esfera da interação e do envolvimento (autoenvolvimento) e voltam-se para a expressão das intenções dos falantes. Sob essa perspectiva, Marcuschi (2007) considera que as interjeições não formam classes de palavras, mas classes de funções discursivas bastante características; têm um status holofrástico independente, não é uma frase, mas apresenta a função ilocucional de uma frase, já que: Discursivamente, a interjeição situa-se sempre em contextos de maior vivacidade e reproduz momentos em que uma posição pessoal é tomada ou manifestada. Vincula-se aos gêneros textuais mais espontâneos de modo mais saliente e em geral tem mais a ver com o envolvimento do que com a informação. Portanto, as interjeições são fenômenos essencialmente discursivos e nesta perspectiva acham-se perfeitamente integradas na estrutura ilocucional do texto. (MARCUSCHI, 2007, p. 140).

Diante de tudo isso, percebemos que as interjeições revelam sobretudo uma postura pessoal e os traços de decisão dos interlocutores quanto às suas intenções, não sendo assim uma simples questão de emotividade como frisam os gramáticos. Além disso, diferem das hesitações porque estas se volta preferencialmente para as atividades de formulação do falante (processamento linguístico) e dos marcadores conversacionais, porque estes, por seu caráter de 50

A pragmática da comunicação é, grosso modo, um estudo da linguagem com as funções comunicativas.

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envolvimento interpessoal mais acentuado, voltam-se para as relações interpessoais e são mais ricos em função e posições, relacionando-se tanto aos falantes como aos ouvintes e ao próprio conteúdo.

4.2

Interjeições em Histórias em Quadrinhos: uma análise do ensino reflexivo da gramática

A partir dos apontamentos feitos anteriormente, faremos uma breve análise do ensino das interjeições através das Histórias em Quadrinhos (HQs), tomando por base a pesquisa de Amorim (2012). Amorim (2012) fez uma análise das (HQ) da Turma da Mônica, da revista Cebolinha, da edição Alfacinha o Miúdo Luso, do cartunista Maurício de Souza, do Brasil. Para esta análise, procedeu com a identificação das interjeições presentes nestas HQs, com o reconhecimento das finalidades e das principal função das interjeições nas HQs selecionadas. Além disso, identificou diferentes temas para se trabalhar em sala de aula, a fim de tornar, a nosso ver, o ensino da interjeição mais criativo, lúdico e dinâmico, como propõe Neves (2014) ao fazer uma abordagem reflexiva do ensino de gramática. Diante disso, Amorim (2012) mostrou, em seu trabalho, que as interjeições possuem diferentes finalidades nas HQs mostradas e percebidas pelos leitores desses textos pelas imagens, que revelam os estados emotivos e reproduzem momentos em que uma posição pessoal é tomada ou manifestada pelos personagens da história. Isso é possível porque as HQs, conforme asseverou Amorim (2012, p. 44), “associa a linguagem verbal e não- verbal para a construção do sentido. Desta forma, as HQs tornam-se acessíveis não só aos adultos com baixo grau de letramento, mas também a crianças em fase de aquisição de escrita, que podem apoiar-se nos desenhos para produzir sentido”. Além disso, Amorim (2012) lembra que: é preciso ensinar os alunos a lerem a HQs associando as duas linguagens. Uma HQ é uma narrativa que envolve fatos, personagens, tempo e espaço. Os fatos se organizam em sequência, numa relação de causa e efeito. A linguagem realiza-se no meio escrito, mas busca reproduzir a fala nos balões, com a presença de onomatopéias, interjeições, reduções vocabulares, etc.

Dessa forma, na perspectiva amoriniana, o ensino das interjeições por meio das HQs é fazer com que o discente perceba o contexto de vivacidade e a reprodução dos momentos em que uma posição pessoal é tomada ou manifestada pelos personagens da história por meio da interjeição. Além disso, a vinculação das HQs ao ensino das interjeições proporcionam o

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envolvimento dos discentes com esta classe gramatical sob a perspectiva discursiva. Para demonstrar e ilustrar esses posicionamentos de Amorim (2012), observemos a HQ a seguir:

(Retirado de Amorim, 2012, p. 45)

De acordo com Amorim (2012), ao se fazer a leitura da HQ acima, infere-se nitidamente as interjeições, tanto nas imagens (pelas expressões faciais e corporais), como na escrita (epa! Que solte! respectivamente na tirinha dois e cinco), pois, segundo Ramos (2009), através das imagens e da escrita, podemos perceber os estados emotivos dos personagens bem como a postura pessoal e os traços de decisões do Cebolinha e da Mônica quanto às suas intenções. A fim de detalhar as finalidades dessas interjeições reveladas pelo texto imagético, Amorim (2012) propôs o seguinte quadro:

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INTERJEIÇÕES

FINALIDADES DAS

PRESENTES NA HQ1:

INTERJEIÇÕES NA

IMAGEM

HQ1 Receio e triste.

Espanto e medo.

Raiva, reprovação e dor

(Retirado de Amorim, 2012, p. 46)

Já o para o texto com a linguagem verbal, Amorim (2012) elaborou o seguinte quadro: INTERJEIÇÕES PRESENTES NA HQ1:

FINALIDADES DAS INTERJEIÇÕES NA HQ1

ESCRITA EPA!

Espanto, medo e surpresa

QUE SOLTE!

Alívio

(Retirado de Amorim, 2012, p. 47)

Esses quadros revelam, conforme Amorim (2012), que as interjeições inferidas na HQ em questão através linguagem não-verbal e da linguagem verbal, respectivamente, têm o papel de expressar receio, tristeza, espanto, medo, raiva, reprovação, dor e espanto, medo, surpresa, alívio. Dessa forma, essas interjeições revelam e expressam emoções, dor, animação, chamamento dos personagens e discursivamente reproduzem os momentos em que uma posição pessoal dos personagens é tomada ou manifestada.

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CONCLUSÃO

Pelo exposto, ao longo deste artigo, podemos concluir que é significativo o uso das interjeições nas HQs, pois, como apontou Amorim (2012), estas interjeições expressam os estados emotivos dos personagens, impressionam o leitor, levando-o a se emocionar juntamente com os personagens, e, a nosso ver, revelam os contextos de vivacidade e reproduzem os momentos em que uma posição pessoal é tomada ou manifestada pelos personagens da HQ. Além disso, essa vinculação a um gênero textual mais espontâneos, como as HQs, revela a saliência da produção de sentidos e os efeitos discursivos das interjeições no envolvimento do leitor, ao fazer com que este perceba a força ilocucional do texto, seja pela imagem, seja pela expressão escrita. Diante de tudo isso, a inclusão das HQs na sala de aula, principalmente nas aulas de interjeição, é uma forma de penetrar na produção de sentidos e de efeitos, relacionados às motivações e interações dos personagens e estes com os leitores, e na produção das significações da expressões reveladas pelas interjeições na organização das relações construcionais das HQs, pois, de acordo com Amorin (2012), na maioria das HQs analisadas, os elementos comuns foram à sequência narrativa de textos verbais e não-verbais, a representação em um ou mais quadros, uso da linguagem gráfica, como balões, sinais de pontuação (!) e (?), onomatopéias e interjeições.

Referências Bibliográficas AMORIM, L. F. de. Gênero textual história em quadrinhos: um estudo do tratamento do ensino de interjeições. 2012. 93 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Letras: Licenciatura em LÍNGUA Portuguesa) –Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, Universidade Estadual do Ceará, 2012. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In:______. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes: 1997. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucena, 2004. CÂMARA JR. J. M. Dicionário de Língua Portuguesa e Gramática. Petrópolis: Vozes, 1977. FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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HOUAISS, A. Dicionário eletrônico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. CDROM. MADEIRA, F. Crenças de professores de Português sobre o papel da gramática no ensino de Língua Portuguesa. Revista (Linguagem & Ensino), Vol. 8, No. 2, 2005 (17-38), p. 17 – 38. MARCUSCHI, L. A. (2007). Nota sobre interjeição. In:______. Fenômenos da linguagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. 168p. ISBN 978-85-86930-63-8. NEVES, M. H. de M. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2004 ______. Defino minha obra gramatical como...In: NEVES, M. H. de M.; CASSEB-GALVÃO, V. C. (org.) Gramáticas contemporâneas do Português: com as palavras os autores Evanildo Bechara et al. São Paulo: Parábola, 2014, p. 68-79. SACCONI, L. A. Novíssima gramática ilustrada sacconi. 23. ed. São Paulo: Nova Geração, 2010.

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i Professora Adjunta do Departamento de Letras Vernáculas da UFC. claudetelimaster@gmail.com

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