Histórias Que A Bíblia Não Contou

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Histórias que a Bíblia não contou

Encontros com Jesus

Almir dos Santos Gonçalves Júnior

Supervisão editorial

Marcos Simas

Assistente editorial

Maria Fernanda Vigon

Preparação de textos

Josemar Pinto

Revisão

João Rodrigues

Nataniel Gomes

Angela Baptista Capa

Ricardo Szuecs

Diagramação

Clara Simas

Histórias que a Bíblia não contou Categoria: Ficção/Romance

© Copyright Almir dos Santos Gonçalves Júnior © Copyright Geográfica

Os textos das referências bíblicas foram extraídas da versão

João Ferreira de Almeida, “Revisada de acordo com os melhores textos do hebraico e do grego” da IBB / JUERP – 1967.

A 1ª edição brasileira foi publicada em julho de 2014.

Copyright Geográfica Editora

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Dados internacionais de catalogação da publicação (CIP)

G636h Gonçalves Júnior, Almir dos Santos Histórias que a Bíblia não contou: os encontros com Jesus / Almir dos Santos Gonçalves Júnior – Santo André : Geográfica, 2014.

314p.

311p. ISBN 978-85-8064-068-7

1.Ficção. 2. Romance. 3. Jesus Cristo. 4. Bíblia. I. Título.

CDU 869.0(81)-3

Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273

Dedicatória

“CONTA OUTRA VEZ”

A inspiração para escrever as “Histórias que a Bíblia não contou” veio ao autor desde sua mais tenra idade, quando seu pai, o Pastor Almir dos Santos Gonçalves (1893/1981), patrono da Cadeira Nº 31 da AELB -Academia Evangélica de Letras do Brasil o acalentava para dormir contando as histórias da Bíblia.

Nos seus 5/6 anos de idade o autor lembra-se ainda que muitas delas, as de Davi principalmente, o entusiasmavam tanto que antes que as últimas palavras fossem pronunciadas,ele pedia ao pai:

“Conta outra vez”.

Quando ele agora em sua maturidade escreve as “histórias que a Bíblia não contou” ele dedica este livro ao pai que o inspirou para tal.

Rio de Janeiro, 18 de Agosto de 2014.

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As histórias que a Bíblia não contou ................................................... ................ 1 Primeira parte – As curas que Jesus realizou 7 1. Simão, o leproso..................................................................................................... 9 2. Misael, o paralítico de Cafarnaum ........................................................ ........... 13 3. Zila, a mulher enferma........................................................................................ 20 4. Otoniel, o paralítico de Betesda ........................................................................ 26 5. Abiatar, o cego de Cafarnaum ........................................................................... 33 6. Nemuel, o surdo-mudo de Decápolis .............................................................. 41 7. Hamã, o cego de Betsaida .................................................................................. 47 8. Joana, a mulher paralítica................................................................................... 53 9. Bartimeu, o cego de Jericó.................................................................................. 60 10. Obede, o leproso agradecido............................................................................ 67 Segunda parte – As orações a que Jesus atendeu 75 1. Cláudio, o centurião de Cafarnaum ................................................................. 77 2. Jairo, o chefe da sinagoga ................................................................................... 83 3. Manaém, o oficial do rei .................................................................................... 91 4. Jael, a mulher cananeia ....................................................................................... 97 5. Eliúde, o pai de um lunático ............................................................................ 103 6. Dimas, o ladrão na cruz ................................................................................... 110
Sumário
Terceira parte – As transformações que Jesus operou 117 1. Pedro, o pescador ................................................................................................ 119 2. João, o discípulo amado ..................................................................................... 126 3. Filipe, de Betsaida ............................................................................................... 133 4. Natanael, o israelita ............................................................................................ 139
Mateus, o evangelista.......................................................................................... 145 6. Legião, o endemoninhado .................................................................. ............... 151 7. Ana, a mulher pecadora ..................................................................................... 157 8. Lia, a mulher de Sicar ......................................................................................... 164 9. Zaqueu, o publicano ........................................................................................... 170 10. Orfa, a mulher adúltera ................................................................ ................... 176 Quarta parte – As advertências que Jesus proferiu 183
Satanás, o tentador .............................................................................................. 185
Pedro, o discípulo de pequena fé ...................................................................... 192
Pedro, o discípulo enganado ............................................................................. 199 4. Judas, o traidor .................................................................................................... 206 5. Pedro, o negador ................................................................................................. 213 6. Pilatos, o governador .......................................................................................... 219 Quinta parte – As vidas que Jesus inspirou 225 1. João, o Batista ...................................................................................................... 227 2. Nicodemos, o fariseu discípulo ......................................................................... 233 3. Pedro, o discípulo inspirado .............................................................................. 240
Pedro, o discípulo contribuinte ......................................................................... 246 5. Hazael, o jovem de qualidade ............................................................................ 251 6. Marta, a irmã de Lázaro ..................................................................................... 257 7. Maria, a testemunha da ressurreição ............................................... ................ 262 8. Cleopas, o discípulo de Emaús .......................................................................... 268 9. Tomé, o discípulo que duvidou ......................................................................... 274 10. Simão, o pastor de ovelhas .............................................................. ................ 280 A história que a Bíblia contou ......................................... ..................................... 287
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As histórias que a Bíblia não contou

Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra.

Timóteo .-

ABíblia não é um livro de histórias. Não poderia ser diferente, considerando o Livro que é!

A Palavra de Deus não é um livro como outro qualquer, que, fruto da mente e escrito pelas mãos do homem, tem propósitos e finalidades específicas, que se explicam através da racionalidade humana.

Ela pode até em determinados trechos e momentos, pela importância da situação registrada ou proeminência do personagem envolvido, deter-se um pouco mais detalhadamente na descrição de aspectos diversos da vida do povo hebreu ou mesmo de um líder em destaque. Mas isso é muito mais exceção que regra.

José, Moisés, Davi e Cristo seriam algumas dessas exceções, cujas histórias foram relatadas com mais detalhes e minúcias. Mesmo assim, não temos a narrativa completa da vida deles, a não ser naqueles momentos em que foram parte da História Maior que se estava escrevendo.

Mesmo na vida de Cristo, temos omissões enormes, como a dos dez anos que nos separam do infanticídio dos meninos judeus, ordenado por Herodes, da apresentação de Cristo no templo já com 12 anos. Depois, dos 12 aos 30 anos, temos dezoito anos sem qualquer registro bíblico, o que leva, inclusive, o homem moderno a divagar sobre o que teria sido a vida de Jesus nesse interregno, entre a sua infância e o início do seu ministério.

Tudo isso porque a Bíblia não é um livro de histórias, mas a revelação, ao homem, da pessoa de Deus e de seu plano redentor.

Assim, muitos fatos que podemos depreender nas entrelinhas das Escrituras não nos foram narrados, porque não estavam no plano de Deus para a sua revelação. Fo-

ram julgados talvez desnecessários aos homens inspirados que escreveram a Bíblia, por serem aspectos subjacentes e não essenciais da revelação que transmitiam. Isso, sem dúvida, motivado pela orientação do Espírito Santo de Deus, que tudo conduziu.

Dessa forma, podemos imaginar muitas coisas que devem ou não ter ocorrido em determinadas situações, sem que com essa atitude estejamos ferindo a autenticidade bíblica, desde que a imagem montada não contrarie no fundo e na forma o fato explicitamente registrado na Palavra de Deus.

A verdade é que muitos fatos e eventos podem ter ocorrido em determinados momentos da narrativa bíblica, sem que tenhamos tomado conhecimento deles, já que não foram considerados importantes para o registro pelo escritor inspirado:

— O que fez Moisés durante os quarenta anos em que esteve na corte egípcia? Em que áreas de poder exerceu a sua capacidade, sendo “filho da filha do faraó”? Na magnífica civilização egípcia do seu tempo, o que estudou ou praticou? A que dedicou os dias da sua juventude? Voltava vez por outra para visitar os pais e irmãos, ou só o fez quando por ocasião do fato gerador da sua fuga para Midiã?

— E depois, durante os quarenta anos em que esteve nas terras dos midianitas pastoreando o rebanho do seu sogro? Aproveitou para escrever a história do Gênesis, como se supõe? Meditou muitas vezes em Horebe? Procurou falar a Zípora, sua esposa, do Deus verdadeiro dos hebreus? Educou os seus filhos nos caminhos do Senhor? Como convivia com o seu sogro Jetro?

Isso, focando-nos apenas em Moisés. Mas que dizer de outros personagens?

— O que fez Sansão com a sua força dada por Deus, antes de começar a molestar os filisteus?

— E Davi, até que o Senhor o enviasse a lutar contra Golias?

— E Cristo, entre os 12 e os 30 anos?

— E Saulo, antes do início da perseguição aos cristãos? Terá ido mesmo à Espanha, como se sugere, após a sua prisão em Roma?

— E Onésimo, durante o tempo em que esteve foragido de Filemom?

Enfim, histórias que a Bíblia não contou, pois não eram indispensáveis nem fundamentais para que a revelação divina se fizesse em toda a sua inteireza e integridade. No entanto, podemos conjecturar ou imaginar e, através de exercícios mentais e intelectuais, montar o enredo desses intervalos de tempo que, não narrados na Palavra de Deus, não nos impedem, pelo contexto geral dos fatos antes envolvidos na narrativa e pelo registro dos fatos posteriormente ocorridos, de abstrair algo do que tenha neles acontecido.

As conjecturas podem servir-nos como fonte de inspiração e fortalecimento espiritual, na medida em que podemos retirar desses intervalos, de forma lógica e sem exageros de imaginação, impressões e exemplos que, coerentes com o contexto global da narrativa bíblica, muito nos podem ensinar.

Aliás, para a mente humana, fica difícil apreender certas histórias, quando os fatos não são narrados em sua total abrangência. Diante de situações assim, somos levados de forma natural a imaginar, depreender, enfim conjecturar, o que terá acontecido naqueles momentos que nos foram ocultados, criando-se hipóteses sobre o

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comportamento das pessoas envolvidas ou das situações que antecederam a ocorrência principal.

Na Palavra de Deus, ficamos imaginando o que terá acontecido entre Abraão e Isaque nos três dias que levaram para chegar até Moriá, o diálogo entre Moisés e Josué na tenda da revelação, o relacionamento entre Eli e Samuel depois que o sacerdote soube que os seus dias e os de seus filhos estavam contados, o reencontro de Paulo e Marcos depois de ter sido este o causador da desunião com Barnabé...

Não que a Bíblia seja um livro incompleto. Longe de nós tal pensamento, pois a revelação de Deus é perfeita em toda a sua extensão. Mas, sim, porque tais fatos não foram considerados pelo crivo divino como necessários ao nosso conhecimento, e que até mesmo, por sua ausência, poderiam se constituir em motivos para nosso estímulo e crescimento espiritual, na medida em que, pelos olhos da fé, levam-nos a imaginar e visualizar algo.

É neste contexto que este livro foi escrito.

fOs Evangelhos no Novo Testamento estão repletos de momentos assim.

A vida de Jesus, narrada por enfoques diferentes nos quatro Evangelhos, enseja-nos inúmeros instantes, em que podemos extrair ensinamentos preciosos, simplesmente pela imagem que criamos daquilo que pode ter acontecido antes ou depois da narrativa dos quatro Evangelistas a respeito de alguns dos seus personagens.

Particularizando um pouco mais a vida e obra do Senhor Jesus Cristo, extasiamnos as pequenas conversas, as poucas palavras, os rápidos diálogos desenvolvidos pelo Mestre com as mais diversas pessoas, seus impactos, seus resultados, suas repercussões... Há muito de verdades, de ensinos, de exemplos que podemos abstrair de tais contatos, reduzidos às vezes a não mais de três ou quatro frases, mas de profundo significado para os participantes.

Muitos desses diálogos têm para cada um de nós uma mensagem especial, um aspecto singular que deve ser realçado e destacado, no objetivo de extrairmos ensinamentos e exemplos para meditação, pesquisa e inspiração que conduzam ao maior crescimento da nossa vida cristã.

Sempre nos impressionamos com a importância que se dá à conversa com uma pessoa influente ou de destaque na sociedade. Lembro-me da emoção relatada por uma menina que, ao ser entrevistada na TV, falava do que sentiu quando pôde conversar ainda que rapidamente com o presidente da República.

Há algum tempo, um menino que iria se submeter a uma intervenção cirúrgica para evitar a cegueira definitiva testemunhava da sua alegria, no noticiário da TV, por ter conversado com o seu ídolo preferido do futebol.

Em outra vez, vimos os olhos do humilde e rude homem do campo tornarem-se úmidos pela emoção de ter trocado um aperto de mão com o ministro de Estado que visitava o interior do país.

3 As histórias que a Bíblia não contou

Se tais reações ocorrem em contatos tão rápidos e esporádicos, e com pessoas que por mais autoridade que tenham são também limitadas e falhas em seu poder, o que podemos esperar da reação daqueles que tiveram o privilégio de conversar com o Mestre, o Senhor Jesus?

O que nos diria um Nicodemos depois da noite em que dialogou com Jesus?

— O que nos falaria a mulher samaritana depois da tarde em que à beira do poço conversou com o Mestre?

— O que nos testemunharia o centurião de Cafarnaum após ouvir dos lábios do Nazareno a declaração de que nem em Jerusalém encontrei tanta fé?

— O que nos diria Pedro, depois de ter ouvido do Senhor, por três vezes, a mesma pergunta: Simão, amas-me?

Somente no primeiro Evangelho, podemos coligir cerca de 32 diálogos de Jesus, com gente importante ou simples, rica ou pobre, humilde ou soberba, indiferente ou crente, mas todos plenos de lições para cada um de nós.

É nossa intenção nesta série transcrever, então, o antes ou depois dos diálogos de Jesus, “as histórias que a Bíblia não contou”, aquilo que em toda a nossa vida cristã tem servido de estímulo, indagação e advertência. Os ensinamentos, enfim, que podemos extrair de cada um desses fatos narrados em sua síntese por Mateus, Marcos, Lucas e João.

Não será o comentário de um exegeta, ou de um profundo conhecedor de teologia ou hermenêutica, mas, sim, o sentimento, a interpretação de um leigo que, vivendo no confronto com o mundo de hoje, procura, busca, luta por sentir Cristo em sua vida e, sentindo-o, fazê-lo mentor dos seus atos e propósitos.

Que privilégio o daqueles homens e mulheres que, no alvorecer da nossa era, estiveram com Jesus, viram-no, ouviram suas palavras e até mesmo conversaram com ele! Eles viram os seus olhos fitando-os; sua boca mexer-se para falar-lhes; ouviram sua voz; receberam, talvez, o tocar das suas mãos; e, sobretudo, puderam sentir e perceber a força, o poder e o magnetismo pessoal que, sem dúvida alguma, o Mestre transmitia a todos que dele se aproximavam.

Esse mesmo privilégio que, pela fé, nos está reservado também.

Vamos, nesta caminhada, procurar absorver um pouco da atmosfera maravilhosa que deve envolver a presença junto a nós do nosso Salvador, lembrando-nos daqueles que tiveram a bênção de participar de um diálogo com Jesus, de integrar a história que não nos foi contada.

Para que possamos fazer isso de maneira efetiva, alguns nomes precisarão ser imaginados, pois a Bíblia não os revelou. Algumas situações locais terão que ser criadas dentro do contexto histórico que conhecemos dos tempos bíblicos, pois os Evangelistas não as citaram — o antes, o decorrer e o depois dos fatos como registrados nas Escrituras serão aqui evidenciados de uma forma que, esperamos, não contrarie o registro inspirado ali pelo Santo Espírito de Deus.

O objetivo dessa idealização será compor determinados enredos e entreatos, para que a história bíblica registrada em toda a sua simplicidade e crueza pelo Evangelista possa vir a ser causa de novas fontes de estímulo ou desafio para a nossa vida no presente século.

Histórias que a Bíblia não contou 4

Não que a nossa intenção seja complementar ou acrescentar algo àquilo que provém de Deus. Isso seria impossível, pois em nosso entendimento a revelação divina consubstanciada na Bíblia Sagrada é completa em si mesma. Daí, não termos tal pretensão, mas, sim, o humilde propósito de tentar extrair ainda mais da revelação que o Senhor nos permitiu ter!

O texto da carta a Timóteo que abre a presente introdução foi ali colocado exatamente porque este autor, com base no texto das Escrituras Sagradas de que estas são proveitosas para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, pretendeu trazer com sua imaginação o que qualquer um de nós, cristãos, pode ter: novos elementos para estímulo e desafio à formação desse homem de Deus, que no dizer do apóstolo deve ser perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra.

fNa pesquisa que fizemos nos Evangelhos, verificamos que basicamente cinco reações se evidenciaram nos 42 encontros diferentes que ocorreram de diversas pessoas com Jesus. Alguns desses encontros são contados repetidamente em mais de um dos Evangelhos, com certas diferenças às vezes, mas sempre com a mesma tônica e ênfase. Para nossa interpretação, escolhemos, no entanto, apenas uma das narrativas de um dos Evangelistas, usando as demais como adendo ou complemento à história que nos será revelada.

Assim, vamos extrair dos Evangelhos — de Mateus, 14; de Marcos, 4; de Lucas, 11; de João, 13 — as 42 histórias que a Bíblia não contou, divididas em cinco livros.

Nesses diálogos e encontros, curas foram realizadas; orações atendidas; transformações operadas; pessoas advertidas; vidas inspiradas.

Nesta série que iniciamos com este livro, cada um dos seus capítulos tratará de um desses temas, conforme podemos verificar no sumário.

Aliás, este é o fato sempre marcante no encontro com o Mestre: ninguém sai da presença dele sem uma nova perspectiva de vida. Isso, inclusive, acontece hoje como no passado.

Esperamos, assim, que esta série seja um estímulo para tais reações em nossos tempos e que o leitor de hoje encontre nas “histórias que a Bíblia não contou” o estímulo adequado para o seu melhor crescimento cristão.

5 As histórias que a Bíblia não contou

1

Simão, o leproso

Quando Jesus desceu do monte, grandes multidões o seguiram. E eis que veio um leproso e o adorava, dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo. Jesus, pois, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Quero; sê limpo. No mesmo instante ficou purificado da sua lepra.

Disse-lhe então Jesus: Olha, não contes isto a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhe servir de testemunho.

Mateus .-

Simãoescondeu-se por entre os arbustos mais uma vez. Agora mesmo, quase ele foi visto pelos que ainda subiam ao monte para ouvir o Mestre falar. “Oh, como seria bom poder livremente subir a colina e, juntamente com os outros, buscar a solução para a minha vida!”, pensou.

Ele olhou para o caminho que serpenteava pela elevação e viu por entre a folhagem que lhe servia de abrigo um pai que, aflito e com grande esforço, levava nas costas o filho paralítico. Outras pessoas, por certo parentes e amigos, vinham ao lado, tentando ajudar de alguma forma a escalada, no afã de levar o doente aos pés do Mestre de Nazaré. “Que injustiça social!”, pensou Simão. Enquanto outros doentes podem ser levados por parentes e amigos para a cura milagrosa, ele não tinha ninguém que o levasse. Muito pelo contrário, tinha de esconder-se, pois, se o vissem, era bem provável que o apedrejassem, expulsando-o para longe.

Simão pensou mais uma vez: “Eu preciso falar com ele. Sei que pode me curar!”. Lembrou-se de quando a lepra o acometeu. Desfrutava do respeito da família, de prestígio por parte das pessoas da cidade, tinha posses. Vivia em Jerusalém com certas regalias: frequentava o templo, participava das festas, era benquisto por todos. De repente, a tragédia desabou sobre ele, quando naquela manhã percebeu as mãos como que esbranquiçadas, a pele descascando, o que tentou ocultar dos demais membros da família.

Naquele dia, nem sequer saiu à rua. Mas à noite as mãos estavam feridas. No dia seguinte, amanheceu todo ulcerado, e o rosto já com as marcas da impureza. Viu-se,

então, de uma hora para outra banido de casa, escorraçado do ambiente familiar. Sentia que seus entes queridos estavam constrangidos, os quais, forçados pelas autoridades religiosas, o expulsaram de casa. Não podia entender por que o mal o acometera. Mas as consequências que o atingiram eram para ele plenamente compreensíveis, embora dolorosas, pois inúmeras vezes tinham ocorrido com pessoas que ele conhecera.

Mas como doeu! Como foi difícil acostumar-se a viver isolado, procurando os alimentos que os familiares de forma discreta deixavam próximo aos monturos de lixo da cidade, para que ele os apanhasse. Sentiu-se tão envergonhado com isso que, reconhecendo inclusive ser um motivo de humilhação para os seus queridos, resolveu fugir para o interior, abandonando as paragens próximas de Jerusalém. Assim, ninguém mais se lembraria dele.

Recordou-se das cidades à beira-mar. Como as lembranças das localidades marítimas da Galileia lhe eram simpáticas! Resolveu esconder-se, então, no campo, pois ali sem dúvida seria mais fácil sobreviver. Afastou-se das cercanias de Jerusalém, onde tinha a possibilidade de entrever vez por outra a esposa e os filhos, que, de longe, constrangidos também, algumas vezes vinham vê-lo, e refugiou-se no interior da Judeia. Olhou mais uma vez para o alto da encosta. Estava observando o momento em que o discurso do Mestre terminaria, para, então, verificar se na sua descida ele passaria por aquela vertente que havia escolhido para ficar de guarda. Orou ao Pai: “Senhor, coloca-o no meu caminho! Faze-o extirpar da minha vida o pecado que me marcou!”.

Sim, ele seria capaz de fazê-lo. Desde que aparecera em Cafarnaum que Simão o seguia de longe. Infelizmente estava sempre tão cercado de pessoas que nunca pudera se aproximar um pouco mais. Via-o de longe. Ouvia de outros doentes como ele, ou dos diálogos entreouvidos dos passantes pelas estradas, as histórias que se contavam a seu respeito. Soube que na sinagoga ao expulsar o demônio de um pobre coitado. Curara a mão aleijada de outro. Em frente à casa de um pescador, curar aos enfermos e restaurar aos aleijados que lhes eram trazidos por familiares. À beira-mar, sentado no barco, pregara e curara todos os que se achegaram. Depois, entrando no barco, fizera com que as redes, antes vazias, quase se rompessem com o peso dos peixes.

“Oh, sem dúvida, um homem com tal poder seria capaz de me curar”, pensou mais uma vez, enquanto continuava orando: “Senhor, torna-me digno de encontrá-lo! Dá-me a mercê da tua bênção, pois, ó Pai, não sei que pecado cometi para me encontrar nesta condição. Permite, Senhor, a minha salvação!”.

Simão entreabriu os arbustos, olhando para o alto, pois o movimento das pessoas lá em cima parecia demonstrar que o discurso que não ouvira havia chegado ao fim. Olhando por entre a folhagem que as suas mãos separavam, viu os seus dedos macerados, feridos, o indicador direito já sem duas falanges, o polegar esquerdo pelo meio, o sangue pisado da palma das mãos. Sentiu os olhos molharem-se de lágrimas, tristeza, angústia e saudade. “Ó Senhor, eu imploro, dá-me a tua salvação!”, orou.

Viu-o, então. Ele vinha à frente. O povo que o cercava abrira alas para que ele passasse, e agora começava a descer a colina, com as pessoas correndo em sua volta, ao seu lado, mas deixando o caminho aberto para que seguisse o rumo de volta à cidade.

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Simão tremeu dentro de si. “Senhor, dá-me paciência para só expor-me na hora certa. Se eu aparecer antes que ele me veja, por certo o povo vai me expulsar, me apedrejar, e não poderei falar com ele”, orou.

Descumprindo a ordem dos sacerdotes, segurou com sofreguidão os guizos pendurados em suas vestes dos dois antebraços, para que não o denunciassem com seu tilintar estridente. Pediu mais uma vez: “Senhor, faze-o vir na minha direção”.

fEle aproximava-se da encruzilhada ao sopé do monte. Como Simão tinha optado por um dos caminhos que ali se dividiam, tapou os olhos com as mãos e pediu: “Ó Pai, é agora ou nunca. Se ele tomar o outro caminho, vai passar à grande distância de mim. Terei que vê-lo mais uma vez de longe, sendo impossível alcançar a minha salvação. Dá-me, ó Pai de Abraão, Isaque e Jacó, a alegria da tua salvação!”.

Devagar, aos poucos, Simão foi tirando as mãos de sobre os olhos para ver o que acontecia. Foi quando balbuciou baixinho, com um esgar de sorriso no rosto disforme, esta oração: “Obrigado, Senhor, porque ele vem em minha direção!”. Sim, o Mestre havia tomado o seu caminho e vinha direto ao arbusto ao lado da vereda em que Simão se escondia.

O povo, alegre, vinha em volta dele. As crianças corriam sorrindo, os adultos à sua volta conversavam animadamente, e ele, andando altaneiro à frente, dirigia ora a uns, ora a outros, a sua atenção, gesticulando e falando alguma coisa, que Simão ainda não podia ouvir, em virtude da distância e também do alvoroço que o envolvia.

Simão olhou para os lados. Vigiou-se e contou os passos e momentos que os separavam. Embora a respiração quase lhe faltasse, e a emoção o fizesse transpirar, tinha que guardar alguma distância respeitável em se tratando de um rabi. Se alguns desses detalhes falhassem nessa hora, ele poderia botar tudo a perder. De repente, chegou a hora! Era agora ou nunca, pois jamais, por certo, voltaria a estar tão próximo do Mestre.

Simão lançou-se de imediato na trilha que descia ao seu encontro e interpôs-se entre o povo que descia do monte com o Mestre à frente e a cidade de seu destino. Houve um impacto na multidão. As crianças se espantaram, chegando a gritar assustadas. Todos pararam, diante da figura carcomida e em andrajos do leproso.

Ao silêncio que se seguiu ao susto, Simão pensou: “Tenho que ser rápido, antes que a surpresa se desvaneça e me ataquem”. Falou, então, com intrepidez: – Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo.

Nunca a voz de Simão lhe pareceu tão altissonante e vibrante. Sentiu como se toda a natureza houvesse silenciado para ouvir o seu apelo. Ele, então, arrojou-se de joelhos ao chão e, cruzando as mãos em atitude de oração, dirigiu os olhos para o Senhor e o adorou intimamente, dizendo dentro de si mesmo: “Senhor, tu que és o Messias, purifica-me do meu pecado!”. Tapou com as mãos os olhos marejados, e as lágrimas corriam livremente por sua face desfigurada, sem pálpebras que as sustentassem.

11 Simão, o leproso

Entre soluços, Simão sentiu o silêncio da multidão, a tal ponto que chegou a ouvir os passos de alguém que se aproximava dele.

“É o Mestre, sem dúvida”, pensou. Os passos pararam à sua frente. Embora os olhos continuassem cobertos e o rosto em terra, sentia a proximidade de um ser muito especial junto dele. Algo maravilhoso estava por ocorrer.

Foi quando ele ouviu uma voz clara e gentil em meio ao silêncio reinante: – Quero; sê limpo!

Mais do que ouvir a voz, Simão sentiu, depois de muitos anos, o toque de uma mão em seu rosto, o calor de um ser que o amava, o carinho de um Mestre que o salvara. Então, começou a descobrir os olhos.

Na posição de oração em que se encontrava, suas mãos estavam postas bem próximas ao rosto. Ele começou afastando-as vagarosamente do rosto. Pouco a pouco, começou a percebê-las melhor. A visão dos seus dedos, completos, imaculados, curados, foi a primeira coisa que Simão viu! Não mais curativos sujos e rasgados protegendo-os. Eles haviam caído ao chão, mas mãos e dedos limpos e saudáveis.

Levantou-se rápido, olhou-se de cima abaixo e foi vendo, parte por parte, que tudo estava limpo, que ele estava completamente são. As feridas entrevistas nos andrajos estavam secas e limpas. As próprias roupas perderam as manchas do sangue e das impurezas. Os pés perderam os sacos e remendos que os envolviam e estavam postos sobre a terra, limpos de qualquer úlcera. Então, Simão concluiu: ele havia sido curado. Ele fora purificado do seu pecado!

Passou as mãos pelo rosto e, em vez de sentir os calombos dos ferimentos e as úlceras pegajosas de pus e sangue, percebeu que seus dedos escorriam livremente por um rosto limpo e sem feridas. Levou-as, então, às orelhas, e, onde antes uma delas já não mais existia e a outra era um simples resíduo de carne purulenta prestes a cair também, sentiu agora que elas estavam intactas, limpas e secas, enfim.

Olhando o Mestre face a face, então ouviu a sua recomendação para ir e mostrar-se ao sacerdote. Enquanto o povo sorrindo e dando vivas prosseguia seguindo o Mestre, este, depois de lançar um último olhar a Simão, continuou a descida, não sem antes que o exleproso balbuciasse apenas para ele a gratidão da salvação que lhe chegara através do Messias de Deus.

No dia seguinte, cedo, Simão se pôs a caminho de Jerusalém. “É lá, junto com a minha família, que vou apresentar a oferta de gratidão”, pensou.

Ao chegar ao monte, de onde na véspera aguardara a sua salvação, olhou pela última vez para a cidade que o abrigara em sua doença e, sabendo que lá se encontrava o autor de sua remissão, pensou: “Eu o espero em Jerusalém!”. Então, pôs-se a caminho.

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Misael, o paralítico de Cafarnaum

Um dia, quando ele estava ensinando, achavam-se ali sentados fariseus e doutores da lei, que tinham vindo de todas as aldeias da Galileia, da Judeia e de Jerusalém; e o poder do Senhor estava com ele para curar. E eis que uns homens, trazendo num leito um paralítico, procuravam introduzi-lo e pô-lo diante dele. Mas, não achando por onde o pudessem introduzir por causa da multidão, subiram ao eirado e, por dentre as telhas, o baixaram com o leito, para o meio de todos, diante de Jesus. E vendo-lhes a fé, disse ele: Homem, são-te perdoados os teus pecados. Então os escribas e os fariseus começaram a arrazoar, dizendo: Quem é este que profere blasfêmias? Quem pode perdoar pecados, senão só Deus? Jesus, porém, percebendo os seus pensamentos, respondeu, e disse-lhes: Por que arrazoais em vossos corações? Qual é mais fácil? dizer: São-te perdoados os teus pecados; ou dizer: Levanta-te, e anda? Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados (disse ao paralítico), a ti te digo: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. Imediatamente se levantou diante deles, tomou o leito em que estivera deitado e foi para sua casa, glorificando a Deus. E, tomados de pasmo, todos glorificavam a Deus; e diziam, cheios de temor: Hoje vimos coisas extraordinárias.

Lucas .-

Eneias apressou-se.

Vira o ajuntamento de pessoas na casa onde habitava o Mestre e deduziu logo que ele ali estaria realizando curas. Isso estava se tornando rotina em Cafarnaum desde alguns dias atrás. Deixou o que estava pensando fazer e procurou voltar rápido ao lugar de onde viera.

Passou pela casa de Manaém e, sem mesmo parar, gritou pelo seu nome, continuando a caminhar. Quando este logo depois apareceu à porta, já meio de costas, e prosseguindo na caminhada, Eneias fez-lhe apenas um gesto para que o seguisse.

Se Manaém estava ocupado com alguma coisa, não pareceu, pois de imediato, atendendo ao aceno do amigo, saiu-lhe ao encalço.

Enquanto rapidamente Eneias lhe falava sobre o ocorrido, chegaram ao outro lado da rua, aproximaram-se de uma humilde casa e gritaram quase a uma voz: — Bildate!... Eleazar!

Esperaram alguns segundos, mas logo, ansiosos, voltaram a chamar pela segunda vez. Antes, no entanto, que terminassem de pronunciar os nomes dos dois irmãos, eis que ambos surgem à porta como se estivessem esperando por aquele momento.

Eneias fez apenas um gesto de chamado, enquanto Manaém, que ficou um pouco para trás, rapidamente disse aos dois que chegavam: — Hoje é o dia!

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Finalmente, a vigília dos quatro amigos parecia que chegava ao fim.

Puseram-se a caminho em direção da casa de Misael, enquanto Eneias apressadamente, com a voz meio entrecortada pela respiração ofegante, ia explicando: — Eu vi a casa em que ele se hospeda. Está abarrotada. Gente por todos os lados. Sem dúvida, ele está lá, e nós não podemos perder esta oportunidade.

Com uma nova determinação nos olhos, os quatro amigos apressaram mais o passo, atravessando a cidade em direção ao mar.

fMisael virou-se no catre que lhe servia de leito. Como lhe era difícil qualquer movimento! Que esforço lhe era requerido para simplesmente mover um pouco o corpo encarquilhado e ressecado, para descansar um dos lados! “Mais um dia que se passaria”, pensou, e a sua vida expirando-se pouco a pouco, sem horizonte e sem amanhã. Os pais ficando cada vez mais velhos, e por isso mesmo sem forças e sem ânimo para ajudá-lo em sua locomoção.

Como era diferente quando criança! Podia correr pela praia, pescar com os amigos, subir as colinas e respirar o ar frio da manhã, lembrou. Mas um dia, na primavera dos seus 12 anos, quando quis correr atrás dos seus amigos, não pôde. As pernas começaram a pesar de forma estranha. Ficou mancando, para trás, sofrendo a zombaria e a vaia dos colegas que de longe olhavam para ele.

Recordou que, com raiva, chegou a falar consigo mesmo: “Amanhã vocês me pagam!”. Mas, para Misael, não houve outros amanhãs de correrias pelos prados e pelas praias. Mal chegou a casa naquele dia, teve febre alta e vômitos dias seguidos. Uma fraqueza generalizada. Os dias e as noites se tornaram confusos para ele. Só se lembrava da mãe sempre ao seu lado, enxugando a sua testa e insistindo para que bebesse um caldo qualquer.

Quando voltou a ter conhecimento das coisas dias depois, estava irremediavelmente paralítico da cintura para baixo. Tomou até um susto quando viu que as suas pernas já começavam a afinar.

Histórias que a Bíblia não contou 14

Chorou dias seguidos, perdeu o apetite, emagreceu muito e passou a viver pedindo a morte. Quando, no entanto, viu que essa atitude entristecia mais ainda o seu pai e fazia sua mãe chorar, resolveu controlar-se. Mas à noite, no silêncio da casa, quando todos pensavam que estivesse dormindo, soluçava baixinho, enxugando as lágrimas quentes na manta que o cobria.

Os dias foram se transformando em meses, e os meses em anos, e Misael condenado ao imobilismo das suas pernas agora atrofiadas e retorcidas. f

Foi despertado de seus devaneios pelo barulho dos amigos que chegavam. Era praticamente o único momento alegre da sua vida, quando recebia em casa Eneias, Manaém, Bildate e Eleazar, que, juntos ou sós, vinham sempre conversar, contar as novidades, falar-lhes de suas famílias.

“Grandes amigos”, pensou. “Nunca me abandonaram. Ainda que casados hoje, com famílias formadas, trabalhos por realizar, sempre se lembram de visitar-me.” Ele fechou os olhos e agradeceu a Deus a amizade dos quatro colegas de infância. “Desde que não pude mais acompanhá-los nas brincadeiras”, pensou, “eles têm-me feito companhia aqui em casa. Agora, então, como estão animados por causa desse mestre que está na cidade fazendo curas maravilhosas, achando eles que eu também possa ser curado”.

Foi nesse momento que ele despertou realmente. Disse mentalmente: “Tomara que não seja mais uma tentativa em vão. Estou tão dolorido... Essa noite quase não dormi com as dores. Já chega de tentar sem resultado! Afinal de contas, por duas vezes tentou-se, e nada feito: levaram-me à beira-mar onde ele estaria pregando, e, quando lá chegamos, o povo já se havia dispersado, e o barco em que ele se encontrava sumia no horizonte. Conduziram-me ao monte onde ele pregava, e, quando lá chegamos, o povo retornava, enquanto ele se retirava com os seus discípulos para um lugar deserto”.

“Não, basta...”, prosseguiu em seus pensamentos. “Quanto esforço perdido! Eles se cansam, e eu me machuco todo, ficando com o corpo todo dolorido pela maneira em que são obrigados a me conduzir correndo. Afinal de contas, nem sabemos se dará certo? Será que algum dia dará?”

Entretanto, era mais uma tentativa, sim, logo concluiu. Chegaram animados, falando ao mesmo tempo:

— Está na cidade! Na casa de Simão, o pescador!

Enquanto mexiam nele, continuaram falando:

— Hoje, sem dúvida, Misael, iremos alcançá-lo, pois está bem mais perto do que das outras vezes. Vamos correndo...

Então, sob o olhar pesaroso dos seus pais, começaram a carregá-lo, saindo da humilde casa.

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paralítico
o
de Cafarnaum

Misael pensou em dissuadi-los. Não estava disposto nesse dia. O corpo doía, e os seus ossos pareciam meio desconjuntados. Mas, à sua primeira palavra de discordância, Eneias retrucou, enquanto apanhavam os varapaus em que ajustavam o seu catre de forma que pudessem carregá-lo: — Hoje é o dia! Anime-se, homem! Não podemos perder esta oportunidade.

Saíram apressados. Misael queria erguer a cabeça, para ver o movimento da rua ao redor, mas logo ficava tonto, quer pelo fato de estar muito tempo deitado, quer pelo movimento da maca conduzida pelos amigos.

Deitado como estava, só podia ver o céu azul e as nuvens que por ele passavam apressadas, sopradas pelo vento da tarde. Virando-se um pouco para um lado ou para o outro, via apenas o cimo dos telhados das casas que ladeavam a rua por onde marchavam quase correndo os seus amigos, com o fardo que era ele. De vez em quando, algum solavanco mais forte, motivado pelo tropeço de um dos amigos, quase fazia a maca virar, e ele se agarrava aos varapaus, cerrando os dentes com força, para não gritar das dores que sentia.

Logo, porém, chegaram à casa. “Dessa vez, pelo menos”, pensou Misael, “a caminhada foi menor que das vezes anteriores”. Mas como havia gente! A casa estava totalmente tomada. Ergueu-se em seus braços e olhou ao redor. Inúmeros cegos, coxos, mancos, ali estavam, esperando uma oportunidade. Pais seguravam nos braços crianças enfermas. Misael desanimou. Voltou-se para Manaém, que segurava a maca à sua direita, e disse: — Vamos voltar.

Manaém retrucou logo:

— Deixa disso! Hoje temos de conseguir!

Mas realmente estava difícil. Andavam, paravam, davam voltas à casa... “Se para uma pessoa andar sozinha por entre o ajuntamento já era penoso, quanto mais para quatro homens conduzindo uma cama”, pensou Misael. Pior é que o corpo começava a enrijecer e a machucar-se com o movimento que faziam para desvencilhá-lo da multidão.

Quis falar com Bildate à sua esquerda, mas este nem lhe deu atenção.

Então, voltou-se para Eneias que estava segurando a cama à esquerda de seus pés e, quando ia falar-lhe, notou que Eleazar, com a mão que estava livre, chamou a atenção de Eneias, apontando para a escada que ao lado da casa conduzia ao terraço.

Eneias parou um instante como que meditando sobre o que fazer e logo resolutamente encaminhou-se para a escada, único lugar livre junto à casa.

“Não”, pensou rápido Misael, “eu vou acabar caindo. A escada é muito estreita e íngreme, e eles não vão conseguir”. Então, mais do que acelerado falou: — Eneias, de que adianta subir ao telhado? De dentro da casa ele não nos verá!

Mas logo teve de calar-se e procurar da melhor forma possível agarrar-se nos varapaus da cama improvisada, para que não caísse, enquanto os quatro amigos faziam um esforço enorme para levá-lo pela escada acima.

Efetivamente, quase caiu. Sentiu dores pelo corpo todo, agarrado e empurrado que foi, para que dentro da maca chegasse até o telhado. Mas agora estavam no terraço. Enquanto os quatro amigos, esfalfados e respirando fundo, procuravam recuperar o

Histórias que a Bíblia não contou 16

fôlego, depositando a maca sobre o piso, Misael, assustado e respirando também ofegante, deteve-se em contemplar o céu azul, por entre a cabeça dos quatro amigos que, preocupados com o seu estado, se debruçaram sobre ele.

Quase sorrindo, enquanto descansava, falou baixinho para eles: — Quero ver agora o que vocês vão fazer comigo...

Os outros sorriram também e, meio contrafeitos, olharam para os lados para ver o que poderiam fazer.

Foi quando com um olhar como que calculando o lugar em que estavam sobre a sala que Eneias comandou o grupo e começou a retirar do piso do terraço a massa ressecada de barro que juntava e impermeabilizava os troncos e folhas que protegiam a casa das chuvas da primavera.

Tiraram os varapaus da maca e, batendo com suas pontas no piso, logo este começou a rachar e a sair em pedaços. Os quatro se abaixaram e, em cima dessas primeiras fissuras na massa, começaram a cavoucar e puxar os pedaços de madeira e paus que, entrecruzados com o barro solidificado, faziam a segurança do telhado.

Logo, uma brecha de bom tamanho apareceu, permitindo ver-se o que acontecia lá embaixo, e também serem vistos pelos que lá estavam.

Misael, assustado ainda pela ideia de Eneias, e pensando no prejuízo que estariam causando ao dono da casa, que não iria gostar nada daquilo, tentou virar-se para ver o que acontecia no interior da sala, agora em alvoroço pelo inusitado da cena, mas não conseguiu.

Logo, no entanto, que a abertura no telhado ficou de bom tamanho, viu que Eneias, sem precisar falar nada aos companheiros, tirou de sua cintura o tecido que lhe amarrava a túnica, sendo nisso imitado pelos outros. Colocando os varapaus novamente nos orifícios que haviam feito em sua cama para transformá-la na maca, amarraram, então, cada um deles, a sua cinta nas extremidades de cada uma das duas varas.

Foi então que Misael percebeu o que iria acontecer. Ele seria descido pelo buraco aberto à sala onde estava o Mestre.

Enquanto escorregava para o centro da sala, Misael não deixava de ver através do rombo do telhado o sorriso de confiança e certeza estampado no rosto de cada um dos amigos, emoldurados pelo azul diáfano do céu. Então, pensou: “Como, Senhor, poderei agradecer tanta dedicação e desprendimento?”.

Logo sentiu que outras mãos ajudavam a pousar sua maca no chão da casa, enquanto o burburinho ao redor diminuía pouco a pouco, depois da surpresa de sua aparição. Com esforço, tentou virar-se para os lados, para ver o interior da casa, e, na posição incômoda em que estava, começou a levantar o rosto em busca do homem que diziam ser a sua salvação, o Messias de Israel!

Notou que todos que o circundavam olhavam para alguém que estava no nível dos seus pés. A claridade que vinha do buraco aberto no teto ofuscava um pouco os seus olhos, pelo que, virando-se um pouco de lado, começou a erguer paulatinamente a visão para um vulto que, em pé, estava efetivamente a três ou quatro passos de seus pés.

Achou longa e bonita a veste branca que ele vestia. Considerou que devia ser bem alto, pois sua cintura estava bem acima de seus olhos. Viu que o seu peito era largo

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e forte. Por fim, estacou diante do rosto que vislumbrou: que traços fortes, que rosto varonil, que profundidade nos olhos! Pensou: “Se alguém nascido de mulher pode ser o Messias, este homem, sem dúvida, o é!”.

Por fim, ao olhar para aquele rosto, viu que ele se voltava para o alto do telhado onde as fisionomias radiantes dos quatro amigos ainda apareciam. Notou que os quatro fitavam o rosto do Mestre como a enviar-lhe uma muda mensagem. Mas isso foi rápido, rápido mesmo, e o Nazareno, como que sorrindo, voltou-se agora para ele. Quando isso aconteceu, Misael começou a tremer intimamente, pois sentiu que o Mestre iria dirigir-lhe a palavra.

Então, Jesus olhou para ele e disse-lhe: — Homem, os teus pecados te são perdoados

Um êxtase enorme o invadiu. Uma sensação diferente. Algo que nunca havia sentido. A consciência de pecado que parecia pesar sobre ele, e que justificava interiormente a sua enfermidade, desvaneceu-se por completo.

De imediato, enquanto fitava o Mestre, uma nova perspectiva surgiu diante do atônito Misael: “Senhor! Se o meu pecado foi purificado, que falta para eu ser curado?”. Tais palavras queriam sair da sua boca. Ele precisava falar a Jesus, dizer-lhe que se sentia livre do peso do seu pecado. Necessitava gritar-lhe que agora estava pronto para ser curado.

Contudo, enquanto essa ânsia toda quase asfixiava o pobre Misael, deitado aos pés do Mestre, com a fala entrecortada e a voz embargada, verificou que o Senhor Jesus estava como que continuando o seu discurso para os presentes, voltando-se para um lado e para o outro, como que interrogando os visitantes e os estrangeiros que ali se encontravam.

Foi quando Misael ficou mais aflito ainda, pensando que o Senhor já o tivesse esquecido ao prosseguir em seu sermão. Foi quase um susto para ele quando viu que o Mestre, voltando-se em sua direção, estendeu-lhe a mão e, com a força daquele olhar que Misael nunca mais esqueceria, disse-lhe: — Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa.

Quando Misael ouviu a ordem, o seu coração quase parou. Pensou no quanto lhe custava virar-se um pouco de um lado para o outro em sua cama e como isso o machucava. Levantar-se, então, como? Quando tentava erguer um pouco a cabeça, já sentia tonteiras! Então, como poderia levantar-se? Andar, então, nem pensar.

No entanto, sentindo um ânimo novo que lhe incutia as palavras do Mestre, tentou mexer-se. Sentiu que nada doeu quando moveu os braços, levantando o dorso do solo para ficar sentado, apoiado contra as mãos, ao lado do corpo. A tonteira que sempre sobrevinha nessa hora não apareceu. Mais ainda estremeceu quando sentiu que as pernas inertes e insensíveis, depois de tantos anos imobilizadas, se enrijeceram ao seu comando de recolhimento junto aos joelhos. Os pés antes retorcidos e atrofiados vieram juntos e se firmaram no chão e foram eles o apoio para que Misael, o paralítico de Cafarnaum, se pusesse de um átimo em pé!

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Vendo-se no meio da sala, cercado por todos aqueles homens ilustres, agora em pé e mais alto do que eles, pois todos, à exceção do Mestre, encontravam-se sentados, temeu ficar tonto e logo desabar ao chão, pois isso sempre acontecia quando tentava levantar o dorso depois de permanecer deitado muito tempo. Mas dessa vez nem a visão escureceu. Sentia-se firme e seguro.

Voltou-se, então, para o Mestre. Ele lhe enviava o mais reconfortante dos sorrisos. Lembrando-se, então, da ordem recebida, abaixou-se rapidamente e levantou os varapaus e o catre. Olhou para os amigos lá em cima e viu-lhes o contentamento estampado no rosto de cada um. Com gratidão, olhou mais uma vez para Jesus e, com um sorriso, voltou-se e, por entre a multidão atônita, que abria espaço, saiu rápido da casa.

Quando Misael, após atravessar a porta da casa e passar por entre os que se aglomeravam em torno, olhou para trás e para o alto acenando para os seus quatro amigos, chamou-os com um gesto para que se juntassem a ele. Foi quando Jesus, então, olhando para o alto do telhado, e vendo-lhes a fé, sorriu mais uma vez.

Misael pôs-se, então, a correr enquanto gritava: — Louvado seja o Senhor! Preciso mostrar isso aos meus pais. Eles precisam saber que estou curado. Jesus, o Messias de Deus, me curou.

Eneias, Manaém, Eleazar e Bildate, em alvoroço, desceram do telhado e correram atrás de Misael, o recém-curado paralítico de Cafarnaum.

19 Misael, o paralítico de Cafarnaum

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Zila, a mulher enferma

... Enquanto, pois, ele ia, apertavam-no a multidão. E certa mulher, que tinha uma hemorragia havia doze anos [e gastara com os médicos todos os seus haveres] e por ninguém pudera ser curada, chegando-se por detrás, tocou-lhe a orla do manto, e imediatamente cessou a sua hemorragia. Perguntou Jesus: Quem é que me tocou? Como todos negassem, disse-lhe Pedro: Mestre, a multidão te apertam e te oprimem. Mas disse Jesus: Alguém me tocou; pois percebi que de mim saiu poder.

Então, vendo a mulher que não passara despercebida, aproximou-se tremendo e, prostrando-se diante dele, declarou-lhe perante todo o povo a causa por que lhe havia tocado, e como fora imediatamente curada. Disse-lhe ele: Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz.

Lucas .-

Zila levantou-se ainda de madrugada.

Na casa dos pais ainda não havia movimento algum. Silenciosamente, então, começou a arrumar-se. O cântaro de água recolhido na véspera foi despejado na bacia, e o frescor do líquido fez bem ao seu corpo maldormido.

Fazia algum tempo que não dormia bem. Até então, acostumara-se à doença, de maneira que, embora tentasse encontrar caminhos para a cura, às escondidas, junto a curandeiros e médicos de outras cidades para onde viajava, repousava bem as noites, despertando tranquila e disposta na manhã seguinte.

Desde que vira o Mestre de Nazaré, no entanto, sua aflição crescera. Sentia que ali estava a possibilidade da cura, mas para tal precisaria revelar-se, e isso a deixava desesperada. Não podia conceber a vergonha que a atingiria e mesmo o escárnio a que exporia os seus velhos pais quando assumisse diante da sociedade a doença que a atormentava.

Não sabia como agradecer ao amor da mãe, que, notando o seu problema logo no início da puberdade e vendo chegar a idade casadoura, impediu qualquer compro-

misso matrimonial para ela. Depois foi a vez do pai, que, sem nunca ter falado com ela sobre o problema, preservava-a no interior da casa, para ajuda e alegria dos dois velhos, dizia ele, enquanto os demais filhos, principalmente suas irmãs, iam se casando e constituindo família.

Assim, o seu segredo ficou guardado, como num cofre, para ela, a mãe e talvez o pai, pois não tinha certeza se ele sabia ao certo do que ocorria com ela. A verdade, no entanto, é que, quando procurado pelos jovens casadoiros ou seus pais para o contrato das bodas dela, sempre se desviava de ceder a “filha da sua velhice”, como falava.

O dinheiro que a mãe lhe conseguia era todo separado para suas viagens a cidades mais distantes, onde, sem o risco de a enfermidade ser conhecida dos amigos e vizinhos, frequentava os melhores médicos em busca da cura, mas sem sucesso algum. Era até já sem entusiasmo que empreendia novas viagens para outras tentativas. Agora então que sentia que o dinheiro da família vinha minguando, em razão da diminuição da atividade comercial do pai, que já apresentava os primeiros sinais de cansaço e velhice, era mesmo sem otimismo algum que saía em viagem com a mãe.

Ela comeu frugalmente e, antes que qualquer pessoa se levantasse na casa, saiu, ganhando a estrada.

Desde que o vira pela primeira vez na sinagoga da cidade, seu olhar a estremecera. Não sabia por que, mas desde aquele dia seguia-o sempre, evitando, no entanto, o seu olhar, pois sentia que, se ele a fitasse nos olhos, descobriria todo o seu segredo.

O sol já começava a clarear as colinas, e na entrada da cidade logo à frente, pois sua casa ficava pouco distante na estrada, podia perceber algum movimento.

Lembrou-se do dia quando o vira passar acompanhado de um grupo de seguidores. Sua mãe, chegando em casa, contou as notícias que se propalavam acerca do que havia acontecido na sinagoga, onde o endemoninhado da cidade havia sido liberto, instando que ela, sem demora, fosse ao encontro do Homem de Nazaré e procurasse ajuda.

Daquele dia em diante, via-o sempre. Achou-o maravilhoso quando no alto da colina pregou com voz forte e incisiva a mensagem do Reino. Viu-o à porta da casa do pescador curando os que lá chegavam. Sentiu seu poder quando, surpreendido por Simão, o leproso, à beira do caminho, com um simples toque das mãos purificou aquele homem. À beira-mar, as lágrimas vieram ao seu rosto, pois as palavras que dizia sentado no barco para a multidão atenta que o escutava eram como que endereçadas diretamente para ela. Ficou mais maravilhada ainda quando a autoridade romana da cidade veio até ele pedindo a cura para um escravo.

Contudo, foi no dia em que viu Misael, o paralítico, ser introduzido através do telhado da casa onde se encontrava o Mestre e depois sair de lá correndo, carregando a cama que o escravizara, que Zila resolveu de uma vez por todas tomar essa atitude. Ele a poderia curar! Sim, se curara aquele paralítico que ela conhecia havia tantos anos, com os seus pés retorcidos e atrofiados, de forma tão miraculosa, como não teria poder

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sobre a hemorragia que a enfraquecia? “Não!”, disse para si mesma. “Ele é capaz de me restituir a alegria de viver!”

Atravessou a cidade que começava a acordar com a chegada dos primeiros mercadores e logo chegou à praia. O dia prenunciava-se magnífico depois da tempestade da noite passada. Olhando para um lado e para o outro, verificou que algumas pessoas se encaminhavam para a colina que, como um promontório, avançava sobre o mar à direita da cidade. Encaminhou-se também para a mesma direção.

Lembrou-se então que, desde o momento em que chegou a essa convicção, a sua ansiedade só fez aumentar. Não sabia como chegar ao Mestre sem revelar-se aos circunstantes. Se durante doze anos conseguira esconder a doença, como fazer para alcançar a cura sem que os outros soubessem? O Senhor Jesus andava sempre cercado por muitas pessoas. Os seus discípulos praticamente não o deixavam. Todos os dias saía, esperando falar com ele, mas, quando via a multidão cercando-o, desanimava e, envergonhada, ficava de longe assistindo aos seus milagres e sermões.

Daí a sua angústia quando, à noite, deitava-se para dormir e as perguntas se sucediam: “E se amanhã ele for embora?”; “E se eu não o vir mais?”; “Terei perdido a minha última oportunidade de vida?”. Entre soluços e pesadelos, só dormia pela madrugada, quando o cansaço a vencia, e fazia afinal que os seus olhos se fechassem.

fQuando chegou à colina, viu que um bom grupo ali já se achava. Todos o aguardavam. Novamente a pergunta voltou-lhe: “Será que ele vem?”, pois o seu susto foi grande quando dois dias atrás notou, juntamente com a multidão, que ele não estava mais em Cafarnaum, tampouco seus discípulos. Sua ansiedade quase a sufocou. Mas depois começou a ficar mais esperançosa, ao ouvir dizer que ele tinha ido para os lados de Gadara, do outro lado do mar, mas que logo retornaria.

Naqueles dois dias andou, como toda a multidão, à espera do Mestre. Hoje, a vigília a trouxera cedo para a beira do mar, pois todos afirmavam que não poderiam demorar-se mais em terra de estrangeiros.

O dia passava, e Zila, sentada sobre uma pedra, acompanhava a sua sombra deslocar-se gradativamente à luz do sol, da direita para a esquerda, enquanto o corpo se aquecia ao calor que começava a tornar-se cada vez mais intenso. Todos falavam entre si, alguns comiam as refeições que haviam trazido, sabendo que a espera poderia ser longa, e outros se entregavam a orações. Todos, no entanto, esperançosos, aguardavam-no.

Olhando para o mar que se perdia na direção de Decápolis do outro lado, Zila orou baixinho: “Ó Senhor, dá-me coragem para falar com ele! Que ele me veja e possa me dar o alento do seu poder! Que ele me cure, Senhor!”.

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Após o meio-dia, o cansaço dobrou. Não só não encontrava mais posição para ficar sentada na pedra, como também a fome e a sede começaram a atormentar o seu corpo. O sol que ao amanhecer trazia um calor agradável, agora dardejava os seus raios quentes do céu sem nuvens sobre o mar cintilante, sobre a areia da praia que parecia escaldar e sobre a relva rala da colina de onde continuava a mirar o outro lado.

Quando o barco apareceu na pequena baía onde a cidade estava situada, contornando a beira da colina que se estendia até a praia, a fome e a sede que pareciam aguilhoar Zila se esvaíram por completo. Levantou-se de súbito.“Será o barco em que ele está?”, pensou. Verificando que com ela, como ligados por uma corrente, toda a multidão fazia a mesma coisa, viu confirmada a sua suspeita.

“Quem sabe, antecipando-se ao povo, poderia por alguns instantes falar a sós com o mestre?”, pensou. Achou que deveria correr para chegar logo à praia, mas toda a multidão parecia pensar a mesma coisa, pois, como que a uma ordem de comando, todos se levantaram e puseram-se a descer a colina. Para não ficar para trás, Zila, um pouco enfraquecida pela vigília e exposição ao sol, sem alimento e água, começou a descer com dificuldade para acompanhar os outros mais lépidos que ela.

Olhava com firmeza para o barco, para verificar se efetivamente o Senhor ali se encontrava, enquanto continuava a descer. Sentiu a relva da colina que arranhava os seus pés por entre as sandálias não mais incomodar e logo percebeu na planta dos pés, através das finas alparcas, a areia e as pedras quentes da praia. Mas não olhava para o chão, pois os seus olhos estavam fitos no barco onde as pessoas já se preparavam para saltar. Embora não o tivesse visto, sentia que ele estava ali, pelo rumor da multidão e a presença no barco de alguns dos discípulos dele, que ela, mesmo a distância, reconhecera.

De repente ela o viu. A sua presença imponente como sempre fazia como que todos ao seu redor ficassem pequeninos. O pescador Simão que ela conhecia de vista, em todo o seu tamanho, se tornou pequeno quando, junto a mais dois outros discípulos, saltou do barco à frente para estender as mãos em auxílio ao Mestre, a fim de que ele não molhasse as suas vestes nas águas da praia.

Neste momento em que o viu descendo à praia, notou que o cortejo do qual fazia parte como que estancou. Todos, constrangidos, pararam e, diante do falatório que vinha detrás, viraram-se. Quem vinha à frente do novo grupo era um homem muito bem trajado. Um chefe da sinagoga, ela reconheceu. Os demais que com ela haviam descido da colina encolheram-se diante daquela presença e permitiram, sob a recomendação dos escribas que o acompanhavam, que ele passasse à frente de todos.

Num rompante, sem que ela tivesse pensado nisso, numa atitude inusitada para a sua conduta sempre tão recatada e retraída, saiu do grupo em que estava e colocou-se logo atrás do chefe da sinagoga, passando assim à frente dos demais.

Os escribas que o cercavam quiseram impedi-la, mas não puderam, pois logo ele parou, já que o Mestre vinha ao seu encontro em meio à praia. Quando o homem se ajoelhou à frente de Jesus, ela pôde vê-lo por completo.

Zila espantou-se, pois nunca o vira tão de perto. De tal maneira seus olhos se fixaram nele que nem sequer ouvia o que falavam ao derredor. Aquele rosto visto agora tão de perto lhe causou profunda impressão. Ficou aturdida, estática, olhando-o, enquanto

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o Mestre se voltava para conversar com o rico e aflito homem que estava ajoelhado à sua frente. Nunca vira um olhar tão terno, e nunca uma expressão tão solícita a impressionara tanto.

Quando Jesus deu a mão a Jairo (pois todos agora pronunciavam quase inaudível o nome do chefe da sinagoga), a fim de erguê-lo do chão, o seu gesto transmitiu a Zila em relâmpago tal imagem de força, de segurança, de poder, que imediatamente a ideia atingiu-lhe o cérebro e a resolução sobre o que fazer lhe consumiu a mente. “Eu não preciso falar-lhe! Basta tocar a orla das suas vestes! Não o incomodarei com a minha narrativa. Como ele tocou em Simão, o leproso, e o livrou da lepra, eu o tocarei, e serei livre da minha doença!”.

Rápido, vendo que o Mestre com Jairo ao lado reiniciava a sua caminhada em direção à cidade, procurou não perder o seu lugar privilegiado, aproximando-se mais e mais do Cristo.

Logo se viu cercada pela multidão. Todos queriam ficar perto dele.

Alguns, vendo que o Mestre se dirigia para a cidade, desceram da colina e esperavam o grupo que vinha à frente, no ponto em que a trilha que levava ao morro se encontrava com o caminho que vinha da praia, já próximo ao portão da cidade.

Zila verificou que ali, naquele lugar, seria talvez o melhor momento. O grupo que cercava o Mestre já era grande e iria encontrar-se com o outro que na estrada o aguardava. Ali, por certo, se ela se sustentasse na posição em que estava, haveria a oportunidade de aproximar-se um pouco mais e tocar nas vestes de Jesus.

Quando os dois grupos se encontraram, Zila resolutamente passou à frente de um dos discípulos do Mestre e pôs-se exatamente atrás dele. No momento em que Jesus subiu um pequeno degrau do barranco que separava a estrada que passava ao largo da praia, Zila fechou os olhos e pediu no seu interior: “Senhor Jesus, cura-me!”, colocando a mão na fímbria da túnica dele!

Foi um instante só, mas para Zila foi como se anos e anos se concentrassem naquele segundo: o desânimo da doença, a mocidade se indo sem perspectiva para ela, o medo de ser descoberta a impureza do seu corpo, o constrangimento da procura de médicos, o ideal do casamento sendo algo inatingível para ela, a certeza de que agora com Cristo a sua salvação tinha chegado.

Tudo isso explodiu na mente de Zila, quando, ainda de olhos fechados, sentiu que algo acontecera em seu interior. A sensação do fluxo que cessara atingiu-a com impacto. Afinal, aquele mal-estar a acompanhava permanentemente havia doze anos, por isso foi com verdadeiro espanto e alegria que sentiu nitidamente que estava curada. A hemorragia cessara!

Zila abriu os olhos e percebeu então que, no instante em que os fechara, o grupo se adiantara um pouco e ela ficara para trás. Notou que o Mestre também parou e agora interrogava a todos:

Histórias que a Bíblia não contou 24
f

— Quem é que me tocou? — perguntou ele.

Notou que seus discípulos tentavam dissuadi-lo de descobrir quem o havia tocado, pois era grande a multidão que o comprimia, e muitos o teriam feito. Mas ele insistiu: Alguém me tocou; pois percebi que de mim saiu poder.

Zila sentiu-se levada às alturas. A sensação de alegria era tão grande que o seu rosto abriu-se num sorriso. Logo iriam descobri-la, pois ela não podia esconder a felicidade extrema que o toque no Mestre lhe proporcionara. “Mas não fazia mal”, pensou. Todos agora podiam descobrir que tinha sido doente, porém não era mais! Jesus a curara! Que mal faria se agora soubessem de algo que não mais a importunava e amaldiçoava?!

Diante do silêncio de todos, e de sua expectação, parada poucos passos atrás dele, a multidão em volta logo iria desconfiar dela. Mas não foi preciso. Antes que a fitassem, ou indagassem algo dela, Zila adiantou-se e prostrou-se aos pés do Mestre e, adorandoo no íntimo do seu ser, clamou:

— Fui eu, Senhor; fui eu que te toquei.

Imediatamente, sem nenhum receio, vergonha ou temor, quis começar a narrar para ele, diante de todo o povo que o rodeava, a causa do seu toque, o segredo que durante doze anos a fizera escrava do medo e do ridículo.

Não precisou ir muito longe. Quando os olhos dele a fitaram, ela sentiu que não precisava dizer mais nada. Ele sabia de tudo, mesmo antes que ela se revelasse. Era como se ele já a conhecesse de muito tempo atrás.

Quando ele deu-lhe a mão, ajudando-a a levantar-se, Zila sentiu que se erguia para uma nova vida, para um recomeço que não esperava mais. Segurando-a pelos braços, ele falou-lhe:

— Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz. — Depois, deixou-a seguir com a multidão. Zila ficou em pé, estática, vendo o povo passar, seguindo o Mestre, que, à frente de todos, agora, começava a entrar na cidade. A sensação de tranquilidade e segurança era tão grande que ela quase nem queria locomover-se, com medo de perdê-las.

Os retardatários passaram por ela, alguns querendo correr atrás do grupo maior que já se perdia dentro da cidade. Outros se perguntavam o que estaria ela fazendo ali, estática, às portas da cidade, enquanto todos acorriam para os portões? Foi quando Zila voltou a si e verificou que estava sozinha na estrada à entrada da cidade.

Ela sorriu. — Papai e mamãe precisam saber disso —, murmurou. Com uma alegria transbordante que a inundava por inteiro, se foi em paz!

25 Zila, a mulher enferma

4

Otoniel, o paralítico de Betesda

Depois disso havia uma festa dos judeus; e Jesus subiu a Jerusalém. Ora, em Jerusalém, próximo à porta das ovelhas, há um tanque, chamado em hebraico Betesda, o qual tem cinco alpendres. Nestes jazia grande multidão, de enfermos, cegos, mancos e ressicados [esperando o movimento da água.]

[Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e agitava a água; então o primeiro que ali descia, depois do movimento da água, sarava de qualquer enfermidade que tivesse.]

Achava-se ali um homem que, havia trinta e oito anos, estava enfermo. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: Queres ficar são?

Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que, ao ser agitada a água, me ponha no tanque; assim, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.

Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda.

Imediatamente o homem ficou são; e, tomando o seu leito, começou a andar.

João .-

Naquela manhã o tanque de Betesda regurgitava de gente. Era época de festa em Jerusalém, e além do povo da cidade, que sempre o frequentava, estavam ali judeus vindos de diversas partes da Palestina. O ar que era sempre fresco e convidativo, pela sombra dos alpendres e proximidade da água, estava quase irrespirável.

A presença de enfermos de todas as partes, seus parentes e amigos que para ali os traziam, muitos curiosos também, tudo isso contribuía para que quase não houvesse espaço para a circulação das pessoas. Todos ansiosos e interessados, achando que, sem dúvida, o anjo do Senhor se manifestaria naqueles dias de festa.

Otoniel, por sua vez, estava desesperançado. Em virtude de seu estado, tinha ele um lugar predileto bem próximo às águas. Mas hoje, quando chegara, esse lugar, bem como outros mais favoráveis estavam todos ocupados. Teve que se contentar em ser deixado

UMA VISÃO SOBRE O ANTES E O DEPOIS DOS DIÁLOGOS

MAIORES E MENORES DOS ENCONTROS DE JESUS COM AQUELES QUE O SEGUIRAM:

• João, o Batista

• Nicodemos, o fariseu discípulo

• Tomé, o discípulo que duvidou

• Zila, a mulher enferma

• Ana, a mulher pecadora

• Jairo, o príncipe da Sinagoga

• Léa, a mulher de Sicar

• Mizael, o paralítico de Cafarnaum

e outros 34 personagens bíblicos que tiveram a alegria de um encontro com Jesus.

Podemos imaginar muitas coisas que teriam ocorrido em determinadas situações narradas na Bíblia, sem que, com isso, estejamos ferindo sua autenticidade – basta que a imagem montada não contrarie, no conteúdo e na forma, o fato explicitamente registrado na Palavra de Deus.

É exatamente isso que este livro pretende proporcionar ao leitor: uma visão daquilo que pode ter acontecido antes e depois de determinados fatos registrados nas Sagradas Escrituras. Neste volume, 42 desses encontros com Jesus, que não estão narrados no Novo Testamento, são reproduzidos.

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