TGI I - Territórios Negros no Centro de São Paulo

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TERRÓRIOS NEGROS NO CENTRO DE SÃO PAULO Por Geovana Rodrigues Duarte



SUMÁRIO

PARTE I. identidade . monumento . negritude

o devir negro nas cidades brasileiras ...................................................... 06

PARTE II. centro histórico de são paulo

análise dos território negros em são paulo .......................................... 16

são paulo na pintura e no monumento ................................................ 22

caminhadas pela história de são paulo ................................................. 32

PARTE III. referências . projeto

um outro olhar sobre a história e a arte ................................................ 72

percurso entre a sé a e liberdade ............................................................... 86

referências bibliográficas ................................................................................ 92



PARTE I identidade . negritude . (anti)monumento


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O DEVIR NEGRO NAS CIDADES BRASILEIRAS Este trabalho tem como objetivo promover a discussão sobre o apagamento das marcas urbanas e históricas da ocupação negra nas cidades brasilerias por meio do projetos de antimonumentos instalados em espaços onde ocorreram esse apagamento de modo que os negros, hoje, consigam se identificar com esss espaços

Este trabalho parte da tese de que qualquer análise da formação e da situação das cidades brasileiras em suas mais diversas camadas sem pensar a formação histórica-racial do Brasil é incompleta. Contudo, como esse recorte quase nunca é abordados nas escolas de arquitetura, a maioria dos traços de ocupações não-européias são ignorados e apagados da arquitetura e urbanismo brasileiro. Deste modo, este trabalho se propõe a estudar uma cidade, recuperando essa ocupação por meio de monumentos, (r) estabelecendo assim a conexão da população negra com o espaço no qual vive. A partir desta proposta inicial do trabalho foram estabelecidas três palavras-chaves cuja a síntese corresponde exata-


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mente ao que se almeja com este trabalho: • identidade, que corresponde ao papel que a arquitetura e o urbanismo possuem de criar espaço com as quais a população possa se identificar, apropriando-se deles. • negritude, que corresponde a uma questão pessoal da autora do trabalho uma vez que, enquanto mulher negra, percebeu a ausência da representação da cultura e da história da população negra no curso de arquitetura e urbanismo, e • monumento, que, por se tratar de uma arquitetura intrinsecamente ligada a questão da memória, parecia a melhor arquitetônica para abordar as questões levantadas neste trabalho

IDENTIDADE E URBANIDADE Ecos deste pensamento podem ser percebidos no no conceito de urbanidade defendido por Vinicius M. Neto em seu artigo ‘A urbanidade como devir do urbano”. Em ‘A urbanidade como devir do urbano”, Vinicius M. Neto busca estabelecer uma definição de urbanidade por meio da análise de cinco conceitos de urbanidade por ele levantado através da aproximação do estudo urbano e da filosofia. Esses cinco conceitos são: 1. A urbanidade como experiência do mundo e do Outro; 2. As tensões no cerne do social: as forças de diferenciação na formação das identidades; 3. A urbanidade como trans-

cendência das diferenças: a cidade na integração do mundo social; 4. A condição material da urbanidade, ou a urbanidade como efeito do espaço e; 5. Diferente urbanidades. Sendo que esse conceitos cominam em (6) “O devir do urbano numa urbanidade plena e aberta”. De acordo Netto, para que exista de verdade uma urbanidade primeiramente é necessário o reconhecimento do outro (1), processo este que acontece em paralelo com a formação da nossa própria identidade, sendo que, como uma consequência desse processo de reconhecimento e diferenciação de si e do outro, ocorre a formação de grupos e de classes (2). É nesta


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etapa em que surgem os conflitos uma vez que esta diferenciação cria condições para que o outro passe a ser visto como um antagonista, alguém que deve ser combatido. Contudo,uma das camadas da urbanidade é justamente a transcendência desses conflitos e tensões (3) de modo que seja possível uma experiência urbana verdadeira, ou seja, uma experiência de integração que tem como condição a priori a espacialização dessas relações (4). Por fim, tendo como ponto de partida o reconhecimento da pluralidade e diversidade cultural das cidades (1 e 2), Netto conclui que esses diferentes modos de se relacionar e ocupar o espaço urbano resultam em diferentes urbanicidades (5), sendo que cada uma possui

idiossincrasias que precisam ser reconhecidas nas política urbana, apesar de nem toda experiência urbana ser considerada como urbanidade uma vez que Netto defende urbanidade como ‘coexistência e bem vir das alteridades, e como um desejo de futuro’ (6). A partir desta análise, Netto joga uma nova luz nessa relação usuário-arquitetura-cidade ao apontar o diversidade existente em uma mesma cidade e os conflitos derivados dessa diversidade como elementos intrínsecos das cidades e, portanto da experiência urbana. Sendo assim, pode-se entender as relações estabelecidas no e com espaço urbano enquanto elementos de formação de uma identidade individual e coletiva como questões centrais ao se pensar a arquitetura e a cidade,


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uma vez que, ao mesmo tempo em que essas relações influenciam o processo de construção das cidades por meio da valorização de determinadas experiências e identidades em detrimentos de outras, a arquitetura e os lugares da cidades agem como cenário para essas mesmas relações, tendo um papel ativo na formação dessas experiências e memórias por meio da evocação de significados simbólicos e narrativas relacionadas a vida individual e coletiva. Netto também aponta para a necessidade de, ao se analisar as cidades, da analisar o fator espacial em conjunto com o fator temporal. As cidades podem ser entendidas como palimpsestos nos quais estão registrados as sucessivas e, às vezes, concomitantes ocupações dos espaços urbanos, sendo que a

decifração dessas diversas camadas e, consequentemente, o reconhecimento dos diferentes indivíduos e grupos enquanto atores na constituição deste ‘texto’ fazem parte da construção do sentido do presente. Como já apontado, essas diferentes ocupações do espaço urbano, responsáveis pelas constantes transformações das cidades, são marcadas por tensões e conflitos entre os diferentes atores nele presente. Contudo, frequentemente essas tensões têm como resultado o apagamento das marcas de ocupação histórica e das relações simbólicas de determinados grupos com o espaço das cidades, fazendo com que esses grupos percam parte de sua identidade e, inclusive, percam na sua condição de cidadãos uma vez que eles deixam

de se verem como atores do espaço urbano, com direitos e com responsabilidade em relação a esse espaço. Este é a situação de determinados grupos historicamente colocados às margens dos processos formais de constituição e transformação das cidades, sendo estes grupos os mais vulneráveis a qualquer tentativa autoritária de transformação das cidades que descaracterize ou apague as suas marcas de identificação com e nas cidades. Ao nos expor constantemente à diversidade social, cidades têm o potencial de naturalizar as diferenças. Quando cidades ou áreas na cidade falham nesse papel de exposição mútua, temos a diluição da presença dos socialmente diferentes em nossos campos de percepção, um afastamento que os invisibiliza e que pode constituir um progressivo alheamento entre sujeitos - um alheamento que os definem como


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um ‘Outro’ estranho, distante, irreconciliável. (NETTO 2013, p.24)

Diante do exposto, a arquitetura e o urbanismo surgem como ferramentas fundamentais para a criação não apenas de espaços, mas de locais que atendam tanto às necessidades materiais, tais como moradia e equipamentos de saúde e educação, quanto as necessidade subjetivas e simbólicas, em especial dos grupos que até então tiveram suas necessidades negligenciadas até os dias atuais, por meio da criação e da recuperação destas camadas das cidades que foram inviabilizadas, de modo que elas ajam como elementos de identificação para esses grupos. NEGRITUDES Como já desenvolvido na Par-

te I deste artigo, as cidades são espaços de diversidade, onde diversos atores coexistem disputando e tensionando esse espaço. Contudo ao analisarmos tanto o processo de formação histórico das cidades e da cultura brasileira, fica claro que nem todos esses atores tiveram seus ‘interesses’ reconhecidos. Este é o caso, em especial, da população negra no Brasil, que sempre ocupou uma posição periférica, tanto academicamente quanto espacialmente. Para entender a posição que os negros vem ocupando no Brasil é preciso entender como se deu a formação racial no Brasil. O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, apenas a 130 anos atrás. As peculiaridades desse sistema escravocrata, que perdurou por pratica-


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mente 400 anos, definiram e continuam definindo como as relações raciais são estabelecidas e discutidas aqui. Essa influência pode ser percebida, por exemplo, na forma como alguns intelectuais brasileiros absorveram teorias raciais europeias eugenistas de cunho racista que hierarquizam e excluíam pessoas de acordo com a sua genética ou pela forma como foram atribuídos significados negativos a ‘ser negro’ no Brasil, buscando-se apagar esses traços de negritude por meio de teoria de embranquecimento e de miscigenação forçada. Um dos primeiros pontos para entender a formação da identidade racial brasileira passa pela discussão do mito da raça brasileira que destruiu a conexão da população negra com a sua

ancestralidade, assim como aconteceu com as populações indígenas. Florestan Fernandes desmente o mito da democracia racial ao apontar que esta construção teve como principal propósito manter os negros na margem da sociedade, uma vez que, ao se defender que todos somos iguais, se coloca um véu que impede a discussão dos verdadeiros sofrimentos pelos quais a população negra passou e vem passando no Brasil. Esse mito da democracia racial é reforçado pelo fato de não ter existido, no Brasil, nenhuma segregação racial tão ruidosa como nos Estados Unidos (Jim Crow Laws) e na África do Sul (Apartheid). Contudo, existiram diversas políticas de segregação no Brasil, tais como o incentivo à miscigenação com o

objetivo de embranquecimento da população brasileira. As consequências dessa miscigenação, na maioria das vezes forçada e violenta, pode ser percebida hodiernamente por meio do Colorismo, visto que apesar dos traços de negritude terem sido amenizados, eles continuaram presentes. Essa política de embranquecimento também pode ser percebida quando, devido a proibição do tráfico negreiro (A Lei Eusébio de Queirós, 1850), a governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes europeus com o objetivo de aumentar a população branca no Brasil. Ainda hoje, a população negra paga um preço muito alto por essa mito da democracia racial. Apesar de haver uma interação racial no Brasil, é inegável


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a existência de ‘hierarquização racial’ que pode ser percebida, por exemplo, nos espaços universitários onde a maioria da população negra que frequenta este espaço o frequenta na condição de funcionários terceirizados.

ra enxerga a identidade branca como superior e busca alcançá-la. Isso mina a construção de uma identidade negra, deixando esta população, até certo ponto, sem referências que a faça se enxergar e se identificar enquanto negra.

O mito da democracia racial também age como uma barreira que dificulta a formação de uma identidade negra. O professor Kabengele Munanga diz que o processo de branqueamento pode ter falhado fisicamente visto que, um século depois, vivemos em uma sociedade majoritariamente negra.

Outra barreira para a construção de uma identidade negra é a homogeneização dos povos de origem africana pelo tráfico negreiro, desconectando esses povos de suas origens, tradições e ancestralidade, contribuindo para a propagação de uma imagem estereotipada dos negros brasileiros que refletia apenas o modo raso como os colonizadores viam essa população.

Mas o ideário de branqueamento ficou impregnado no imaginário coletivo, dificultando a construção de qualquer identidade coletiva baseada na negritude uma vez que a maioria da população brasilei-

Contudo, ser negro engloba diferentes origens, diferentes tons de peles e, consequentemente, diferentes experiências de vida. Deste modo, não é pos-


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sível pensar em apenas uma negritude. Ser negro é plural, ou seja, existem diversas negritudes, cada qual com as suas especificidades e suas riquezas culturais que vão muito além dos estereótipos racista mais divulgados (o moreno malandro, a mulata sensual, a mulher negra raivosa, o homem negro violento…). O reconhecimento e aprofundamentos dessas negritudes é um passo essencial para a criação de lugares para a população negra periféricas, reconhecendo o direito que este grupo também tem à cidade e ao controle de sua própria narrativa. Direito este que poucas vezes foi colocado em prática uma vez que o racismo no Brasil também se expressou de modo espacial no território brasileiro.

(ANTI)MONUMENTO Diante da necessidade de criar elementos de identificação que atendam as necessidade subjetivas da população negra, os monumentos surgem como uma estratégia a ser discutida, visto que os monumentos são justamente elementos arquitetônicos sem programa, cuja a principal função é o seu próprio valor simbólico. Os monumentos, que geralmente estão associados a comemorações e homenagens, tem um importante papel na formação do imaginário coletivo, contribuindo para ressaltar determinadas narrativas em detrimento de outras. Em Goiânia, por exemplo, no centro da Praça Cívica está localizada o Monumento à Goiânia (1968), comumente conhe-

cido como Monumento às Três Raças. Este monumento, que é uma escultura composta por três homens trabalhando juntos para erguer um pilar, simboliza a construção do Estado de Goiás pelo meio do trabalho conjunto e da miscigenação entre as etnias negras, indígenas e brancas, reforçando o discurso da democracia racial brasileira. Contudo, a poucos metros dessa estátua, no cruzamento entre as Avenidas Anhanguera e Goiás, está localizado o Monumento ao Bandeirante (1942), uma escultura em bronze de 3,5 metros de Bartolomeu Bueno da Silva (Filho). Bartolomeu Bueno da Silva foi um bandeirante paulista que, além de ter sido um dos primeiros bandeirantes a adentrar nas terras que hoje formam o Estado de Goiás, ainda em 1682, em uma


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expedição liderada por seu pai Bartolomeu Bueno da Silva (Pai), ao encontrar ouro na região, fundou o Arraial de Santana, futuramente conhecida como Vila Boa de Goiás e atualmente Cidade de Goiás. Um presente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,a estátua deveria ser uma homenagem de São Paulo a Goiás, simbolizando tanto a ‘colaboração’ dos bandeirantes com o Estado de Goiás quanto a caminha do progresso para o Oeste característica do Estado Novo da Era Varga. Ao contrapormos as duas obras, surge uma nova narrativa a respeito da formação do Estado de Goiás. Se o Monumento às Três Raças defende que o Goiás foi construído pelo trabalho conjunto e igualitário entre as três etnias representadas nele,

o Monumento aos Bandeirantes, além de colocar o Estado de São Paulo em um posição superior em relação ao Estado de Goiás, questiona essa narrativa por meio de sua persistência em uma espaço nodal da cidade, mostrando que apesar de as três etnias terem contribuído para a construção do estado, apenas uma se sobressaiu e mereceu ser destaca, a etnia branca. Este é apenas um dos inúmeros exemplos de como as cidades brasileiras são constituídas de modo a corroborar uma narrativa que coloca em segundo plano tanto os negros quanto os indígenas e grupos de imigrantes não europeus. Os monumentos fazem parte da cultura arquitetônica da humanidade desde a antiguidade, tendo uma história rica e com-


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plexa. Contudo, neste trabalho, tendo como ponto de partida os monumentos, geralmente associados a comemorações e valorização de determinados feitos históricos, busca-se trabalhar com o antimonumento. Os antimonumentos surgiram no final do século XX como uma forma de lidar , pelo viés das artes, com a violência de Estado, como nos casos do nazismo e das ditaduras latino-americanas. Dentre os artistas que trabalharam com antimonumentos estão, entre outros, Jochen Gerz, Horst Hoheisel, Andreas Knitz, Marcelo Brodsky e Fulvia Molina. Diante do seu forte papel social enquanto memória de um passado cruel que deve ser lembrado com o principal objetivo de servir de aviso para que essas violências por eles retrata-

dos não se repito, os antimonumentos surgem como a forma de representação mais indicada no passado escravocrata brasileiro. As raízes da formação da identidade dos negros brasileiros se encontram neste passado e, por mais cruel que ele tenha sido, é importante lembrá-lo para reforçar a importância de políticas afirmativas que visem corrigir essas injustiças históricas.



PARTE II centro histรณrico de sรฃo paulo


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ANÁLISE DOS TERRITÓRIOS NEGROS EM SÃO PAULO São Paulo é passou por profundas transformações tanto na sua configuração urbana quanto na seu perfil demográfico. Sendo assim, busca-se entender como se deu a ocupação do espaço da cidade pelo negros ao longo deste tempo tendo como base a análise feita por Raquel Rolnik sobre territórrio negros1

É comum que a inexistências de guetos propriamente ditos - bairros onde são confinados certas minorias, por imposições econômica e/ou raciais - seja usado como prova incontestável da ausência de segregação racial em São Paulo e em outras cidades brasileiras. Contudo, uma análise da ocupação dos territórios urbanos pelos negros deixam evidente a formação e permanência de territórios predominantementes negros, geralmente espaços ou marginalizados e estigmatizados ou apagados por meio de diferentes intervenções do Estado. Em 1854, a população de São Paulo, em torno de 30 mil habitantes, era composta por 8 mil escravizados e, para além dos espaços confinados das senzalas, as ruas da cidade já se configuravam como espaços


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de ocupação negras. Nas zonas centrais da cidade era intensa a circulação de escravizados domésticos -buscando água no chafariz, indo ou voltando com a roupa ou os objetos para jogar nos rios, carregando cestas perto dos mercados, transportando objetos de um ponto a outro da cidade e outras atividades - e de escravizados de ganho que eram alugados por seus senhores por hora ou dia para a realização das mais diversas tarefas. A medida que se aproximava o final do século, o números de libertos foram aumentando cada vez mais tanto devido a intensificação das campanha abolicionista. Em 1872, dos 12 mil negros da cidade - ainda ⅓ da população - apenas 3.800 eram escravos. A cidade se apresentava para esta população tanto como um espaço para trabalho

para os libertos que exerciam vários ofícios e quanto como um espaço de proteção e anonimato para os escravizados evadidos da fazenda uma vez de foi sendo formada em São Paulo uma rede de socialização e sobrevivência negra paralela que se opunha ao sistema escravocrata. Dentre esses espaços, às irmandades religiosas vão desempenhar um papel central na organização social e resistência da população negra. A Irmandade do Rosário, por exemplo, serviu de abrigo para libertos que não tinham para onde ir e a Confraria dos Remédio, assim como outras, envolveu-se diretamente na campanha abolicionista, articulando quilombos rurais às redes de apoio urbanas. Contudo, esses espaço negros sofreram profundas transfor-

mações devido intensa reorganização territorial pela qual São Paulo passou no final do século XIX devido à expansão cafeeira e a chegada de grandes levas de imigrantes. A partir deste período a população negra de São Paulo começou a passar por decréscimo tanto relativo quanto absoluto, sendo que em 1893, apenas 4 anos após a abolição, eram apenas 11 mil negros para uma população de quase 65 mil habitantes, ou seja, 16,92%. Além do processo de embranquecimento da cidade com a chegada dos imigrantes houve um aumento da segregação urbana com as elites locais abandonado o Centro da cidade pelo novos loteamentos exclusivos que surgiam em áreas de antigas chácaras e a população negra passando a se concentrar nos cortiços e porões


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da região central recém abandonada. Estas regiões ocupadas ficaram com a fama de ser lugar de desclassificados, refletindo o racismo que também marginalizavam outras espaços e práticas vinculadas a população negra tais como as práticas religiosas africanas que eram vista como uma afronta a religião oficial. A hegemonia deste pensamento que considerava tantos os corpos negros quanto todas as práticas culturais associadas a ele incompatíveis com a aparência civilizada e europeizada que se pretendia para São Paulo pode ser percebida no código de posturas municipal de 1886 que proibia várias das práticas comerciais da população negra com a justificativa de que elas obstruiam a circulação na cidade e o desalojamento da

população negra que ocupava a região hoje conhecida como “Centro Velho” para as grandes operações de renovação urbana promovidas durante a administração de Antônio Prado (1899-1911). Após essas transformações, na década de 1920, Barra Funda. Bexiga, Liberdade e alguns pontos da Sé vão se configurar como espaços negros importantes. Apesar deste espaços não serem exclusivamente negros uma vez que também eram ocupados pela população pobre da cidade em geral, eles abrigaram sociedades negras que além de promover atividades culturais e recreativas, também se envolviam na publicação de jornais e na produção literomusical e teatral. Nestas regiões também vão ser fundadas escolas de samba, terreiros, times de futebol e


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salões de baile. Na década de 1930 ainda se percebe o movimento de periferização das classes baixas que afetam principalmente os negros. Contudo, ganha força o discurso de revalorização da mão-de-obra nacional em detrimento da mão-de-obra devido ao xenofobismo crescente em relação ao “estrangeiro sindicalista e anarquista”. Deste modo, o que se percebe é o início de um processo de integração do negro na sociedade “branca”. Já na década de 1940 o que se percebe é o início da reversão da tendência do embranquecimento da cidade: dos quase 1,3 milhão de habitantes, 108 mil ou 8,45% eram pretos e pardos. Em 1950 esse número passou para 224,91%, ou seja, 10,3% da população.

Este processo de aumento e periferização da população negra também podem ser percebidas no dados censitários de 1980 e 2000. Em 1980, a população negra de São Paulo correspondia a 23,3% da população total e, em 2000, esse número passou para 30%. Contudo, os bairros centrais e o anel intermediário abrigam uma porcentagem de pretos e pardos abaixo a média da cidade enquanto alguns bairros periféricos chegam a atingir uma porcentagem de 52% Todos esses dados apresentados apresentam de modo númerio o processo de segregação e exclusão que os negros passaram e ainda passam em São Paulo.


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EXPANSÃO DA ÁREA URBANIZADA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 1881-2002 Fonte: Emplasa. Mapa de Expansão da Área Urbanizada da Região Metropolitana de São Paulo, 2002/2003.

Até 1881

De 1963 a 1974

De 1882 a 1914

De 1975 a 1985

De 1915 a 1929

De 1986 a 1992

De 1930 a 1949

De 1992 a 2002

De 1950 a 1962

De 1992 a 2002


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SÃO PAULO NA PINTURA E NO MOMUMENTO A partir da análise de uma determinada obra é possível obter informações importantes sobre a sociedade que a produzio. Deste modo, a partir de algumas obras selecionadas busca se traçar uma linha do tempo do desenvolvimento da identidade paulista e da realação que essa identidade estabalecia com negro

Apesar dos número apontarem que, devido ao seu tamanho, era impossível não se notar a população negra que ocupava a cidade desde o período colonial, o que percebe-se a partir da análise de algumas obras chaves da iconografia paulistana é que o negro foi sempre tido como indesejável ou não digno da imagem que a elite paulista buscava construir de si mesmo. Começando pela obra “Entrada de São Paulo pelo caminho do Rio de Janeiro” (1827) do artista francês Debret na qual a São Paulo que surge é a cidade das várzeas e, principalmente, dos tropeiros. Apesar de suas aquarelas do Rio de Janeiro terem se concentrado nas atividades dos negros nas ruas da cidade, neste e em suas outras aquarelas sobre São Paulo, Debret, assim como os outros pintores da


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época, se dedicou ao registro das vistas do entorno da cidade e dos tropeiros de modo que quase nenhum espaço é dado a representação dos escravos. Se a São Paulo de Debret era a São Paulo rural do tropeiro, a São Paulo representada por Jules Martin em “Vista Geral da Imperial Cidade de São Paulo” (1875) era uma cidade em pleno crescimento econômico e demográfico que se refletiam em profundas mudança no espaço urbano. Sob os vestígios da velha capital de taipa eram erguidas novas e amplas construções de tijolos que se adequavam melhor à burguesia em ascensão representando pela família em primeiro plano que admira de longe as transformações pelas quais a cidade se passava. Também é neste contexto de

pleno crescimento econômico e de aumento do poder político dos fazendeiros e políticos republicanos paulista com o advento da república em 1889 que Benedito Calixto pintou “Inundação da Várzea do Carmos” (1892). Neste quadro foi representada um São Paulo em desenvolvimento industrial, conforme indicado pela presença de chaminés de fábricas e do trem, mas ao mesmo tempo zoneada e organizada. O modo como a Várzea do Carmo foi representada em ambas pinturas, sem nenhum vestígio de ocupação de pessoas de baixa renda e negros contradizem os relatos da época que destacavam o fato desta ser uma área muito frequentada pela população negra, embora estes relatos também evidenciavam o modo preconceituoso como esse grupo era visto pela

elite local. Esta visão é percebida. por exemplo, no relato de Washington Luís: É aí que, protegida pelas depressões do terreno, pelas voltas e banquetes do Tamanduateí, pelas arcadas das pontes, pela vegetação das moitas, pela ausência de iluminação se reúne e dorme e se encachoa, à noite, a vasa da cidade, numa promiscuidade nojosa, composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as idades, todos perigosos [...] Era aí que, quando a polícia fazia o expurgo da cidade, encontrava a mais farta colheita.01

No relato de Washington Luís outro aspecto dessa transformação pela qual São Paulo passava: a mudança radical do perfil demográfica da cidade devido a fixação de milha-


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res de imigrantes estrangeiros, exóticos a terra, que chegaram após a abolição da escravidão em 1989. A forte presença dos imigrantes impulsionou o processo já em andamentos nos meios intelectuais de dar forma a uma identidade paulista para a elite local que legitimar o seu poder e a distinguisse do resto do país e dos imigrantes recém chegados. Em um primeiro momento, a identidade paulista vai ser criada em torno da figura do tropeiro, o “paulista típico” que já era era representado em diversas obras da época e que, segundo Tadeu Chiarelli, é a chave do sucesso das obras de Almeida Jr uma vez que diversos setores da burguesia queriam “[...] ver levado para o campo da arte, signos precisos de uma suposta identificação étnica e cultural “paulista” e/ou “brasi-

leira” em oposição à influência da cultura francesa e à crescente infiltração de valores culturais e artísticos trazidos pelos imigrantes europeus que aqui chegavam.02 Mas logo este papel de central na identidade paulista passou a ser ocupado pelo bandeirantes, que foram foram apontados como homens corajosos que deveriam ser enaltecidos pelo seu pioneirismo que alargará as fronteira do país. Para além disso, a louvação dos feitos sertanistas correspondeu também ao enaltecimento da raça paulista, síntese entre o gentio e o colonizador, que excluía naturalmente o negro africano. A valorização deste ideal de uma raça paulista, fruto da miscigenação muitas vezes forçada entre os povos originários e os colonizadores, pode ser


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percebida em um dos maiores monumentos erguidos em São Paulo durante a República Velha: “Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo” concebida por Amadeo Zani em 1913 mas inaugurada apenas em 1925. Nas quatro faces do pedestal deste monumento estão baixos-relevos que reproduzem a narrativa hegemônica da época de como se deu os primeiros tempos de ocupação da vila que viria a ser São Paulo, com o cacique Tibiriçá e os tamoios trabalhando em conjunto com os padres de modo pacífico na construção da vila. Retornando a questão do mito bandeirante como essência paulista, é possível perceber esse percurso de ascensão e de posterior abandono deste discurso visual por meio do acompanhamento do processo de criação do “Monumento das

Bandeira” de Victor Brecheret que embora tenha sido inaugurado apenas em 1955, começou a ser projetado em 1920, passando por períodos de profundas mudanças em São Paulo e no Brasil como um todo. O primeiro modelo do monumento, ainda sem local definido, foi projetado por Brecheret ainda em 1920 para a comemoração do Centenário da Independência e nele é possível perceber o vínculo temporal com a consolidação do mito do bandeirante. Esta primeira versão era uma massa escultórica composta apena por bandeirantes que apareciam despersonalizados visto que o principal foco da obra estava em representar a força deste grupo ao avançar pelo sertão. Já o projeto final, além da figura do bandeirante, são acres-

centadas figuras de negros e de povos originários, representando assim as três raças que compunham São Paulo durante o período colonial. O discurso ao redor da obra também mudou para se adaptar ao novos tempos do Estado Novo: não são mais os bandeirantes o motivo de orgulho, mas sim o espírito das bandeira. Deste modo, o discurso regionalista abre espaço para um discurso mais amplo: Como você sabe, pretendi transformar isto num Altar da Pátria. Aqui estão as raças que formaram o Brasil. Aqui se encontram o índio, o negro e o branco (1952).03

Se no monumento do Brecheret a figura do bandeirante ainda permanece embora esvaziada do seu conteúdo excludente, em outra obra do mesmo período, a “Espiral do IV Centenário


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de Fundação da Cidade de São Paulo” (1954) de Oscar Niemeyer,a figura do bandeirante já foi completamente superada. Por ocasião do IV Centenário de Fundação da cidade de São Paulo, Niemeyer foi convidado a projetar um conjunto de edificações para uma exposição comemorativa no Parque Ibirapuera que tinha como objetivo destacar a pujança de São Paulo, líder econômica inconteste do país. Para além dos prédios, Niemeyer também desenhou a logomarca do evento, reproduzida em um monumento na entrada do parque, a Voluta Ascendente, que: [...] estava livre de alusões étnicas ou históricas. Tratava-se de uma forma helicoidal – uma espiral – que se arrancava abruptamente do solo apontando para o céu, simbolizando a pujança da cidade, do estado e

do próprio país, do qual era a maior metrópole. Guardava do passado apenas o ponto de partida de sua escalada para o futuro, para o progresso.04

Esta nova representação oficial estava alinhada aos interesses dos ideólogos paulista de criar uma nova identidade paulista, livre dos preconceitos passadistas, que estivesse mais de acordo com o papel que São Paulo desempenhava de líder e modelo para o Brasil na era da industrialização. Este novo discurso pode ser percebido na fala de Vargas por ocasião da inauguração da exposição: Esta é a metrópole poderosa, [po] pulação ordeira, disciplinada e laboriosa, os que [sic] vêm de todos os rincões do Brasil e do mundo, em busca de um viver melhor. São Paulo não conhece preconceitos de qualquer ordem. Abre a perspectiva generosa de suas oportunidades que absorve e integra, num só povo a todos e a cada um, porque sabe


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que o progresso de cada um será o progresso de todos. (1954)05

Contudo, na prática, esta superação do mito do bandeirante e a busca por novos símbolos para a identidade paulista não significou um pleno reconhecimento da importância do negro na ocupação e no desenvolvimento de São Paulo. Até hoje tantos os lugares de importância histórica quantas as personalidades negras continuam sofrendo um processo de apagamento. O primeiro monumento a Zumbi dos Palmares em São Paulo, por exemplo, só foi inaugurado em 2016 em um local da onde a população negra havia sido expulsa 113 anos atrás.


1827 Entrada de SĂŁo Paulo pelo caminho do Rio de Janeiro, Convento dos Carmelitas Jean-Baptiste Debret


1875 Vista Geral da Imperial Cidade de São Paulo Jules Mantin

1892 Inundação da Várzea do Carmo Benedito Calixto de Jesus


1813-1825 Glรณria Imortal aos Fundadores de Sรฃo Paulo Amadeo Zani

195

Monumento Victor B


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o Ă s Bandeiras Brecheret

1954 Voluta Ascendente Oscar Niemeyer


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CAMINHADAS PELA HISTÓRIA DE SÃO PAULO Nam etur, comnis eaqui as doluptam faccabo reptibus inversp ictotatis anit pro to im qui tem cullenienit placerferum eleseritis essus alis ullorerrum atqui dolorere eostem fugiae aut ma sapitias ventnit pro to im qui tem cullenienit placerferum eleseritis essu qeqeqqeqeqews .

A partir da análise do mapa de expansão já havia se percebido que o Centro de São Paulo seria um dos melhores regiões para o desenvolvimento deste trabalho por se tratar da parte mais antiga da cidade e, portanto, podia oferecer camadas de ocupação urbanda negra que retorvam ao período colonial. Contudo, a delimitação do espaço de estudo só foi definida após o levantamento de pontos significativos para a ocupação da população negra de São Paulo no passado e nos dias de hoje. Para a realização deste levantamento foi feito a comparação dos estudos realizados tanto por coletivos quanto por grupos de pesquisa e instituições/ projetos municipais. Contudo, as principais fontes de informa-


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ção adotadas para a produção do mapa “Levantamentos” foram o Coletivo Cartografias Negras e o Mapa da Rede Antirracismo criado pela ONG Ação Educativa.

CAMINHADAS URBANAS

Apesar de muito rico, muitos dos pontos levantados pela ONG Ação Educativa não foram inclusos no mapa “Levantamentos” estavam distribuidos desde a região da Luz até o Bixiga e optou-se por estabelecer como limite para a região de levantamento o espaço delimitado pelo Anel Perimetral Externo.

Contudo, apesar dessas caminhadas se concetraram nos pontos historicos e culturais delas, o que se percebeu é que a maioria delas ignora grande parte dos pontos importantes para a história da população negra, passano apenas pela Igreja do Rosário.

Este recorte foi assim estabelecido porque percebeu-se que além de concentrar uma grande quantidade de pontos, os pontospresentes nessa área já apresentavam um desenvolvimento histório em comum.

Nesta etapa também foi feito o levantamento de algumas caminhadas realizadas no centro de São Paulo .

Deste modo, para a seleção dos pontos que formariam o percurso a ser visitado em campo e estudo mais profundamente, optou-se por adotar o percurso criado pela Coletivo Cartografias Negras e percorrido durante as Voltas Negras, caminhadas promovidas pelos membros do coletivo. A partir

desta base foram acrescentados outros pontos que se jugou importante ou pela proximidade fisica ou pela relação histórica com os pontos já selecionados pelo coletivo. VISITA DE CAMPOS A visita de campo, para além dos registro fotográfico teve como o objetivo a análise dos pontos de interesse. Deste modo foram estabelecido as seguintes critérios de análise: • Categoria O principal critério da análise, corresponde ao tipo de espaço tanto atualmente quanto em relaçao ao passado de cada ponto, sendo dividido em espaços não-edificados sem demolições (lugares que não tinham uma edificação previamente e


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continuam assim), nãoedificados com demolições (lugares que atualmente não possuem edificações mas foram formados a partir da demolição ou remoção de espaços ocupados pela população negra), edificações (lugares com forte significado para a população negra que ainda permanecem), e ruas (vias que eram conhecidas pelos usos que os negros faziam delas). • Condição Este critério corresponde tanto ao estado dos indices de ocupação negra destes locais (visível, ocultada e apagada) quanto ao próprio estado de conservação destes espaços atualmente (bem conservado, mal conservado e abandonado)

• Forma Já o critério forma corresponde a uma analise formal do terreno deste espaços de acordo com a área ou o comprimento, o desenho (círculo para espaço aproximadamente iguais em ambas direção, retâgulo para espaço acentuados em uma direção e linha para as ruas), e o desnível (inclinado ou plano) dos pontos escolhidos. • Uso Por fim, o último critério corresponde ao uso do espaço tanto em relação a quantidade de usuários (baixo, médio e alto) quanto ao principal uso (estar, fluxo unidirecional, fluxo cruzamento) observado em cada espaço.


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LINHA DO TEMPO Além das fichas produzidas de cada espaço, jugou-se necessário fazer uma comparaão entre o desenvolvimento de cada espaço ao longo do tempo. Deste modo, foi produzida a linha do tempo (páginas xx-xx) onde no eixo horizontal foram dispostos os pontos de acordo com a orde do percurso já estabelecido e no eixo vertical foram dispostas fotos históricas de cada ponto, sendo que as fotos mais antigas estão na parte superior e as fotos atuais, na parte inferior. A partir desta linha do tempo é possível perceber mais nitidamente as alterações que cada espaço sofreu ao longo do tempo e as relações que se estabelecem entre um ponto e outro.


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LEVANTAMENTOS Fonte: produção da autora.

Cartografia Negra

Rede Antirracismo

01

Largo da Memória

01

Largo da do Arouche

02

Rua do Ouvidor

02

Geledés

03

Largo São Francisco

03

Avenida Ipiranga

04

Praça João Mendes

04

EducaAfro

05

Beco dos Aflitos

06

Rua da Glória

01

Praça da Bandeira

07

Praça da Liberdade

02

Rua Direitra

08

Largo da Misericórdia

03

Rua da Quitanda

09

Praça Antônio Prado

04

Ladeira Porto Geral

10

Largo do Paissandú

Outros Pontos

Perimetrais

Percurso

Anel Interno

Triângulo Histório

Anel Externo


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PERCURSOS E PONTOS DE INTERESSE Fonte: produção da autora.

01

Largo da Memória

11

Largo da Memória

02

Rua do Ouvidor

12

Rua do Ouvidor

03

Largo São Francisco

13

Largo São Francisco

04

Praça João Mendes

14

Praça João Mendes

05

Beco dos Aflitos

15

Beco dos Aflitos

06

Rua da Glória

16

Rua da Glória

07

Praça da Liberdade

17

Praça da Liberdade

08

Largo da Misericórdia

18

Largo da Misericórdia

09

Praça Antônio Prado

19

Praça Antônio Prado

10

Largo do Paissandú

20

Largo do Paissandú Percurso


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LARGO DA MEMÓRIA E OBELISCO DOS PIQUES

Categoria Não edificado Condição Oculta Mal Conservado Forma 930 m2 Círculo Inclinado (escadaria) Uso Médio Fluxo cruzamento

O Largo era considerado a porta de entrada do Município de São Paulo porque ficava nos limites da cidade nova. As bicas de água e o chafariz do local tinham função dupla: serviam aos moradores dos arredores e eram ponto de parada para os viajantes e seus animais. Também era lá que, uma vez por semana, aconteciam os leilões de pessoas escravizadas. O primeiro chafariz do local foi retirado do Largo em 1872, época em que o fluxo de tropas via-

jantes diminuiu por conta da chegada dos trens. Em 1919, o então prefeito Washington Luís encarregou o arquiteto Victor Dubugras de elaborar um projeto para o Largo da Memória, como uma maneira de celebrar o Centenário da Independência do Brasil, que ocorreria três anos depois. Tanto o Obelisco quanto o nome “Largo da Memória” são em homenagem ao governo provisório de 1813 a 1814.


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PRAÇA DA BANDEIRA No século XIX, o então Largo do Bixiga era usado, uma vez por semana, para concorridos leilões de escravos, que começavam pontualmente ao meio-dia, graças às badaladas do relógio da Igreja de São Francisco, do outro lado do vale onde hoje corre a Avenida Vinte e Três de Maio. Quando carregamentos importantes, como os de açúcar, chegavam à cidade, pelo Largo do Piques, boa parte da população ficava sabendo do fato e corria para lá.

Com o tempo, aos poucos o Largo do Bixiga foi sofrendo uma simbiose com o Largo do Piques, e o resultado foi uma nova praça. Talvez para tentar apagar o passado de eventos escravocratas ou talvez por uma simples coincidência, o nome dessa nova praça passou a ser Praça da Bandeira.”

Categoria Não edificado Condição Apagada Bem conservada Forma 21.500 m2 Grande Plano Uso Alto Fluxo cruzamento


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LARGO DE SÃO FRANCISCO

Categoria Não edificado Condição Oculta Bem conservado Forma 11.700 m2 Retângulo Plano Uso Alto Estar

O chamado Largo do São Francisco engloba três construções. A Igreja de Ordem Primeira, ou simplesmente Igreja São Francisco de Assis, começou a ser construída em 1642. Inaugurada em 1647. O Convento de São Francisco, que fazia parte do complexo, abrigou a Faculdade de Direito da USP a partir de 1827. Em 1930 o prédio foi demolido e deu lugar a um projeto maior, em estilo neo-colonial, concluído em 1934.

A também conhecida como Faculdade de Direito do Largo do São Francisco formou grandes nomes da luta abolicionista, tal como Rui Barbosa e Castro Alves. Por fim, originalmente uma capela construída em 1676, a Igreja Chagas do Seráfico Pai São Francisco foi concluída em 1787, após extensa ampliação. Hoje, após tombamento como patrimônio histórico em 1982. Joaquim Pinto de Oliveira Tebas, arquiteto negro, ornou a fachada da última construção.


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PRAÇA DR. JOÃO MENDES A região que hoje conhecemos como Praça Doutor João Mendes abrigou a primeira Capelinha de São Vicente Ferrer que possuía a imagem de Nossa Senhora dos Remédios. Foi construída ainda no século XVII, e sobre ela, em 1836, foi erguida a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Em 1864, algumas casas junto à igreja foram desapropriadas para dar lugar ao Largo do Pelourinho - posteriormente Largo 7 de setembro.

Até o século XIX, o local ainda era conhecido como Praça do Pelourinho, símbolo do poder político e lugar onde os escravos eram levados para serem castigados.

Categoria Demolições

A partir de 1871, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios serviu como local de refúgio para escravos libertados por Antônio Bento e outros abolicionistas, servindo também de escola para os negros livres beneficiados pela Lei do Ventre Livre.

Forma 2.880 m2 Retângulo Plano

Condição Oculta Bem conservada

Usos Grande Fluxo cruzamento


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PRAÇA DA LIBERDADE

Categoria Demolições Condição Apagada Bem conservada

No século XVIII a atual Praça da Liberdade era conhecida como Largo da Forca devido a Casa da Pólvora (1754) localizada nas proximidades, era difícil a exploração a região, o que a tornava periferia da cidade.

Forma 3.990m2 Triângulo Plano

Já no ínicio do século XIX essa região passou a ser conhecida como Largo da Forca devisdo ainstalação da forca que antes ficava na rua Tabatinguera.

Uso Alto Estar

No largo houve execuções de criminosos e escravos até 1891, quando recebeu o nome de Li-

berdade. As versões mais aceitas sobre a origem dessa denominação está associado às punições ocorridas no local durante o século XIX, sendo que uma delas ficou marcada na história da região e da cidade: a execução do Chaguinhas.


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IGREJA S. CRUZ DAS ALMAS DOS ENFORCADOS Tal igreja nasce do “milagre de Chaguinhas” no antigo Largo da Forca, atual Praça da Liberdade. Uma das versões dito milagre é as cordas que o enforcariam arrebentaram várias vezes. O público pedia clemência e gritava: “Liberdade, Liberdade!”. Como o ato não se consumava, morreu a pauladas. Daí por diante, passou Chaguinhas a ser herói. Tamanha injustiça, associada ao milagre, gerou uma devoção imediata naquele local. Ve-

las foram acesas e uma cruz foi erguida. Dizem que nem vento, nem chuva apagavam as velas! Depois de muito tempo erigiu-se uma capela, em 1887 (segundo Miguel Milano em seu livro Fantasmas de São Paulo, p.23). Mas a documentação primária diz que sua primeira missa celebrou-se em 1 de maio de 1891, ano de sua fundação.

Categoria Edificação História Visível Bem conservada Forma 730 m2 Retângulo Plano Uso Alto Estar


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BECO DOS AFLITOS

Categoria Não edificado Condição Visível Mal conservado Forma 51 m Linha Plano Uso Baixo Fluxo unidirecional

O Beco dos Aflitos é arualmente a único acesso que existe para a Capela dos Aflitos. Após a destivação do cemitérios dos, a área do cemitério fora loteada e tomada por uma ocupação de carater desordenado. Essa ocupação é um dos fatores que ajuda a conformar a especificidade do beco, que como o próprio nome sugere, é um corredor, de pouco uso e permanência, composto por costas de edifícios e pequenos

comércios. Além disto, o Beco surge como uma evidência do descaso em relação ao Capela dos Aflitos e o cemitério que ali se encontraava uma vez queele é frequentemente uado como ponto de carga e descarga pelas lojas e restaurantes localizados na quadra.


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CAPELA NOSSA SENHORA DOS AFLITOS Localizada atualemente no Beco dos Aflitos, a Capela foi construída em 1715 ou 1750 (Utilizamos aqui a referência de Paulo Cursino (1715) e a segunda (1750) é do Guia de Ruas da Prefeitura de São Paulo). Era o local onde eram velados os corpos das pessoas escravizadas, das populações originárias e dos condenados a forca. Por tradicionalmente velar essas populações, a capela ao longo dos anos - e até hoje - conta com a presença maciça da po-

pulação negra no seu funcionamento. A Capela Nossa Senhora dos Aflitos encontra-se em condições deploráveis, suas paredes estão trincadas e a pequena edificação está espremida entre prédios, lojas e restaurantes orientais. É um dos patrimônios mais antigos de São Paulo e foi tombada em 1978.

Categoria Edificação Condição Visível Mal conservada Forma 140 m2 Uso Médio Estar


50 | Territórios Negros em São Paulo

CEMITÉRIO DOS AFLITOS Próximo ao antigo Largo da Forca, foi instalado em 1779 o primeiro cemitério público aberto em São Paulo, entre as ruas Galvão Bueno, Glória e Estudantes.

fora construído para atender a essa demanda, ficando ativo até 1858 quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação, construído em um terreno doado pela Marquesa de Santos.

Forma 10.700 m2 Retângulo Inclinado (bem sutil)

Em meados do século XIX os sepultamentos costumavam ocorrer no interior das igrejas, porém, ficavam excluídos os indigentes, os escravos, as prostitutas e os condenados pela justiça, que não poderiam ser enterrados em solo sagrado.

Apesar de registro da época dizerem que as ossadas foram transferidas para o novo cemitério, até hoje ossadas são achadas com frequência no local.

Uso

Assim, o Cemitério dos Alfitos

Categoria Não edificado Condição Apagado Abandonado


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RUA DA GLÓRIA Presente desde a fundação da cidade de São Paulo, a rua da Glória foi tombada recentemente - junto à Rua do Lavapés. O trajeto corresponde às rotas de tropeiros que passavam pela cidade no século 19, vindos da Serra do Mar, no litoral do estado. As ruas, cheias de curvas, são o trajeto original do Rio Tamanduateí, que corta boa parte da Grande São Paulo e foi canalizado. Essa região é uma das únicas

da cidade em que o crescimento urbano preservou o desenho do rio e, de acordo com o tombamento, essas duas ruas não podem ter seus formatos alterados.

Categoria Não edificado Condição Apagada Bem conservada Forma 395 m Linha Plano Uso Médio Fluxo unidirecional


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LARGO SETE DE SETEMBRO

Categoria Demolições Condição Apagada Bem conservada Forma 11.400 m2 Círculo Plano Uso Alto Fluxo cruzamento

Até o ano de 1865, esse era o Largo do Pelourinho, uma vez que ali estava construído o pelourinho da cidade, ou seja, uma coluna que servia para castigar os escravizados. No dia 28 de novembro de 1865, por proposta do vereador Malaquias Rogério de Salles Guerra, essa antiga denominação foi substituída por Largo 7 de Setembro, uma referência à data da Independência do Brasil, proclamada por Dom Pedro I, às margens do riacho do Ipiranga no dia 7 de setembro de

1822. A primeira Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, símbolo da resistência e luta negra em São Paulo, teve sua primeira versão edificada na região e permaneceu no sítio até 1864.


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IGREJA NOSSA SENHORA DA BOA MORTE A Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte foi fundada em 16 de janeiro de 1728 do berço jesuíta de São Paulo, o Pátio do Colégio. Seu nome original era Irmandade dos Homens Pardos de Nossa Senhora da Boa Morte e sua principal característica era aceitar membros de todas as etnias, classe social e gênero, algo inédito na época, sem distinção. A lenda reza que, não se sabe se por causa do nome ou con-

sequência do mesmo, a Igreja era parada de escravos que iam em direção à forca após serem condenados no Largo da Liberdade e pediam uma “boa morte” à Santa.

Categoria Edificação Condição Visível Bem conservada Forma 1.370 m2 Uso Médio Estar


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RUA DIREITA

Categoria Não edificado Condição Aoagada Bem conservada Forma 283 m Linha Plano Uso Alto Fluxo unidirecional

Apesar do nome, a rua Direita tem algumas curvas e quebradas, mas em São Paulo de antigamente, era a rua mais reta perto de tantas vielas e ruas tortas do centro antigo. Entre o começo do século XIX, a rua Direita sempre deu lugar às mais refinadas casas e lojas que eram o marco dourado da juventude da época. No inicio do século XX a Rua Direita se tornou um local ondes os negro passeavam nas calçadas e ruas adjacentes, conolidando, consolidando estes

passeiso como atividade de domingo. No entanto, em 1938, um ano após ser instaurada a ditadura do Estado Novo, o chefe da polícia paulista proibiu essa tradiçãode passeios na Rua Direita - um local dos negros.


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LARGO DA MISERICÓRDIA Na esquina da Rua Direita, com a fachada voltada para o largo, na direção da Sé, existiu a Igreja da Misericórdia, construída em 1716 e demolida em 1886. No lugar da igreja demolida foi construído, o atual edifício Ouro para São Paulo. Um segundo marco do largo foi o Chafariz da Misericórdia, erguido em 1793, por meio de subscrição pública, quando Bernardo José de Lorena era governador e capitão-general de São Paulo.

O autor da obra foi o mestre-pedreiro Joaquim Pinto de Oliveira Tebas, mulato, que dizem ter sido escravo. Ali faziam fila escravos que vinham buscar água em barricas para as moradias e aproveitavam desse momemento para também conversar e “namorar”. Contudo, essa convivência não era bem vista pelos moradores das redondezas que se queixaram várias vezes a Câmera, causando a remoção do chafariz.

Categoria Demolição Condição Apagada Bem conservado Forma 380 m Círculo Plano Uso Alto Fluxo cruzamento


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RUA DA QUITANDA

Categoria Não edificado Condição Apagada Bem conservada Forma 194 m Linha Plano Uso Alto Fluxo unidirecional

Em 1822, ela era conhecida também como Rua do Cotovelo, pois o seu traçado lembrava de fato um cotovelo dobrado. Esse cotovelo foi suavizado com o tempo através de retificações. Porém, ainda hoje podemos notar a curvatura da rua. A partir de meados do século XIX, os paulistanos a denominaram como Quitanda, uma vez que ela era a preferida pelas quitandeiras, mulheres que vendiam miudezas e alimentos cozidos ou in natura.

Um antigo trecho, hoje integrado à Rua da Quitanda, e localizado entre as ruas Álvares Penteado e 15 de Novembro, era no passado conhecido como Beco da Cachaça, numa referência ao comércio de cachaça ali praticado.


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RUA XV DE NOVEMBRO Seu primeiro nome foi Manoel Paes Linhares, em homenagem a um suposto bandeirante que ali tinha terras. Em sequência a rua chamaria Rua do Rosário por causa da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos que tinha no Largo do Rosário, a atual praça Antônio Prado, na outra extremidade da rua. Devido à existência da Igreja, se concentravam ali diversas pessoas ligadas à Nossa Senhora do Rosário, principalmente es-

cravos africanos foragidos, que acabaram por se instalar nas imediações, resultando em diversas atividades ligadas ao catolicismo e a cultura africana. Após a demolição da igreja no meio do século XIX, Dom Pedro II mudou nome da rua para Rua da Imperatriz. Por fim, em 1889, a rua passaou a ser chamada de XV de Novembro, em homenagem a data de aniversário da recém inaugurada República.

Categoria Não edificado Condição Invisível Bem conservada Forma 343 m Linha Plano Uso Alto Fluxo unidirecional


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LADEIRA PORTO GERAL

Categoria Não edificado Condição Apagada Bem conservado Forma 165 m Linha Inclinado Uso Alto Fluxo unidirecional

A Ladeira Porto Geral recebeu este nome por se tratar do caminho que dava para o pincipal porto do Rio Tamanduateí no período anterior a retificação do rio. O Porto Geral era onde atracavam as canoas que conduziam mercadorias das roças ribeirinhas e das olarias. Ali também era um local que vivia cheio de tropas, de mercadores e de escravos que chegavam das fazendas do interior. No cruzamento da Ladeira Por-

to Geral com a Rua Boa Vista também ocorria frequentemente leilões de pessoas escravizadas. Este fluco de pessoas e mercadores permaneceu até 1849 quando a navegação doi impedida com a retificação do rio.


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PRAÇA ANTÔNIO PRADO A antiga Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi construída entre os anos de 1724 e 1737 na atual Praça Antônio Prado. Na época, a terra era do governo da cidade de São Paulo e foi requerida e concedida à Irmandade do rosário dos Homens Pretos, que ali ergueu sua igreja, entre a Rua São Bento e a XV de Novembro. No início do século XX, a Lei 698, de 24 de dezembro de 1903 desapropriou as terras da Irmandade para fazer obras de modernização na cidade e as

terras - inclusive as do cemitério da Igreja - foram entregues ao irmão de Antonio Prado, prefeito daquela época, o Martinico Prado. Ali, sobre o cemitério, foi construído o Palacete Martinico Prado, que já abrigou o Citybank e, hoje, acolhe a Bolsa Mercantil e de Futuros. A praça abrigava a antiga Igreja do Rosário dos Homens Pretos e por este motivo recebeu, ao final de 2016, o primeiro monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares na capital paulista.

Categoria Não edificado Condição Oculta Bem conservada Forma 1.220 m2 Retângulo Plano Uso Alto Estar


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LARGO DO PAISSANDÚ

Categoria Edificação Condição Visível Bem conservada Forma 7.480 m2 Círculo Plano Uso Médio Estar

Ponto de importantes referências, como a Igreja do Rosário dos Homens Pretos, este local, no início do século XIX, era conhecido como Praça das Alagoas, pois existiam nascentes de água que, ao escoarem em direção ao Anhangabaú, formavam algumas lagoas. O nome Largo do Paissandú , atribuído em 1865, refere-se à Batalha de Paissandú, travada na cidade uruguaia de mesmo nome entre as tropas do Brasil e Uruguai – os aliados – contra as paraguaias.

Desde 1906, abriga a Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, uma vez que este terreno foi dado pelo governo à Irmandade dos Homens Pretos como parte da iddenização pela despropriação da antiga igreja. Ao lado da igreja, foi instalada em 1955 a estátua da Mãe Preta, do escultor Júlio Guerra, uma referência às Amas de Leite – escravas que amamentavam recém-nascidos cujas mães não tinham leite.


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PRAÇA RAMOS DE AZEVEDO Até a metade do século XIX, a região era conhecida como Morro do Chá. Ali estava a Chácara do Chá do Barão de Itapetininga. Considerado um dos maiores capitalistas e proprietários do seu tempo, herdou o local do seu primo. Em 1855, a região foi delimitada por conta da construção da Rua Formosa. No período, começou também a ser ocupada por cortiços, onde morava a população mais pobre - muitos alforriados, portanto.

Com a construção do Teatro Municipal, em 1910, os cortiços foram demolidos. A população negra que habitava ali foi, então expulsa.

Categoria Demolição Condição Apagada Bem conservada Forma 12.800 m2 Retângulo Inclinado (patamares) Uso Baixo Estar



1850

1900

1950

ATUAL



1850

1900

1950

ATUAL



1850

1900

1950

ATUAL



1850

1900

1950

ATUAL


70 | Territórios Negros em São Paulo

Para além das categorias já apresentadas, após a visita de campo os pontos foram dividos em três mini-percursos de acordo com semelhanças que se percebeu na ocupação histórica desses espaços. Estes mini-percursos (Remoções, Ocupações Urbanas e Equipamentos Urbanos) correspondem aos eixos verticais do diagrama ao lado. Interligando esses mini-percursos, percebeu-se que também poderiam ser estabelecidos dois eixos horizontais associados ao modo como se deu a relação entre a população negra e esses espaços. Deste modo, foram estabelecidos um eixo dos espaços de punição, ligados diretemante à violência a qual os negros eram constatemente submentidos, eum eixo eixos dos espaços de resistência, que serviam tanto como espaços de convivio quanto espaços de oranização social. No diagrama também foram marcados os pontos que tiveram o seu nome alterado em uma tentativa de apagar o passado negro em detrimento do nova imagem que se formava para São Paulo. A partir deste diagrama já se o mini-percurso Equipamentos Urbanos como opção de recorte para os primeiro estudos de projeto uma vez que ele é bem coeso em si mesmo e engloba tanto pontos de punição quanto de resistência.

os costumes da população negra eram mal vistos pela elite local

REMOÇÕES

igreja

18. praça antônio 19. igreja do ros

04. praça dr. joão m 11. largo sete de se

moradias e ou

20. praça ramos de 14. largo da miser

APAGAMENTOS

nomes que foram alte


comércio de escravizados

estado

01. largo da memória 02. praça da bandeira 10. rua da glória 17. ladeira porto real

05. praça da liberdade 11. largo sete de setembro

PUNIÇÃO

mendes etebro

EQUIPAMENTOS URBANOS

regime escravocrata

prado sários

OCUPAÇÕES URBANAS

utros

azevedo ricordia

a praça e o edifício da bolsa de valores foram

erados convívio 13. rua direita 14. largo da misericórdia 15. rua xv de novembro 16. rua da quitanda

06. igreja das almas 07. beco dos aflitos 08. capela dos aflitos 09. cemitério dos aflitos 14. igreja da boa morte

{

RESISTÊNCIA

04. largo são francisco 19. igreja do rosário

igreja

igreja

organização

conjunto dos aflitos

construídos sobre o cemitério do rosário



PARTE III referĂŞncias . projeto


74 | Território Negros em São Paulo

UM OUTRO OLHAR SOBRE A HISTÓRIA E A ARTE O olhar atento sob os projetos anteriores é uma importante etapa de projeto, deste modo, nesta sessão são apresentadas as referências que forneceram as chaves de leitura da história e, principalmente, do reflexo desta história no espaço urbano que guiaram esse trabalho.

Ao longo da graduação e, principalmente, durante o intercêmbio realizado à Marseille entre 2016 e 2017, foram sendo acumuladas uma série de referências que, para além de uma mera inspiração formal, apresentaram questões tanto em relação ao monumento/anti-monumento quanto a própria relação das cidades com o seu passado que nortearam esse trabalho desde o seu desenvolvimento no pré-tgi. Deste modo, as referências a seguir são apresentadas antes da análise do mini-percurso escolhido para os primeiros estudos de projeto porque foi a partir da análise destas referências que foi traçado um plano de intervenção na área de projeto. Embora em contextos totalmente diferentes e incomparáveis, tanto no projeto Stolpers-


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tein quanto Emplacement du Mur du Fossé, fazem uso de pequenas intervenções no chão para retomar o passado. Enquanto a obra em Marseille recupera o próprio passado da cidade, o projeto de Demning tem como objetivo recuperar as memoria das vítimas do regimes Nazista. Esse desejo de relembrar as vítimas, criticando às ações barbaras de muitos governos também pode ser percebido nas obras Pássaro Livre / Vogel Frei, no conjunto do Complexo do Valongo (Cais do Valongo, Cemitério dos Pretos Novos e Museu Memorial e no projeto Mémorial de l’Abolition et le Parcour Urbaine, sendo que o impacto da visita a este último e o descaso do governo em relação ao Valongo foram uns dos principais motivadores deste trabalho.

Já, as obras JR au Louvre, Pavilhão da Santa Fé também foram selecionadas pelo modo como elas se relacionam com o seu entorno, tanto passado quanto presente. Se a colagem de JR retorna a fachada do Louvre ao seu estado original questionando ao forte atenção que os turistas dão a Pirâmida, Carla Juaçaba em seu pavilhão para a Bienal de Veneza capta a essência do espaço da capela e a resume em duas cruzes que são complementadas pela natureza na Ilha de San Giorgio Marggiore. Por fim, a Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo S. Jorge se tornou uma referência importante devido a presença de um sítio arqueológico a onde antes se encontrava o Cemitério dos Aflitos.


76 | Territórios Negros em São Paulo

STOLPERSTEIN - PEDRAS DO TROPEÇO Gunter Demnig . Colônia, Alemana . 1995 Stolperstein é um projeto do artista alemão Gunter Demnig que surgiu com o objetivo de dar nome às vitimas do regime Nazista por meio da colocação de blocos de pedra de 10x10cm com informações sobre as víti-

mas na frente de suas residência ou locais de trabalho. Apesar de ter começado na Alemanha, hoje exitem mais de 70.000 pedras espalhadas pela Europa.


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EMPLACEMENT DU MUR FOSSÉ Marselha, França Na Praça do General de Gaulle, em Marseille, foi realizada um intervenção na qual, por meio de uma variação na materialidade do piso, foi marcada a posição de duas das mulharas que protegeram a cidade em

épocas diferetes. Além da marcação, também foram instaladas placas metálicas que explicam suncitamente a história de cada um dessas muralhas.


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PÁSSARO LIVRE / VOGEL FREI Hoheisel & Knitz . São Paulo, Brasil . 2003 Construída no Octógono da Pinacoteca, esta obra é uma reprodução em 1:1 do portal do Presídio Tiradantes, única lembrança do prédio que foi demolido em 1973.

Contruído na forma de uma gaiola, a prórpia orbra se metamorfoseava em um présios na medida qem que abrigava 12 pombos que, a cada final de semana, foram sendo libertados um a um.


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JR AU LOUVRE JR . Paris, França. 2016 Esta obra consite na aplicaçãod e uma colagem trompe l’oeil gigante sobre a Pirâmide do Louvre durante um mês. Por meio desta anamorfose, cujo o efeito era visto perfei-

tamente apenas de um ponto específico, criou-se a ilusão de que a Pirâmide havia desaparecido e o Louvre tinha retornado ao seu estado de origem.


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PAVILHÃO DA SANTA SÉ Carla Juaçaba . Veneza, Itália . 2018 Esta capela, uma das represetantes do Vaticano na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2018, se apresenta como uma “síntese dos elementos da igreja católica”, articulando a cruz e o banco para criar o espaço de

contemplação caracterisitcos das igrejas católicas. O espaço da capela também é definido pela natureza ao redor, com as copas das árvores fazendo as vezes de cobertura.


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LES PROMENADES URBAINES Nantes, França Em Nantes, uma linha verde traçada no solo marca um percurso pelos principais pontos da cidadr, criando um guia visual que permitem que as pessoas circulem sem precisarem de mapas.

Completando esse percurso foram instaladas sinalizações* que marcam quatro percursos temáticos dos quais se destaca “Nantes et La traite négrière’ que liga o Mémorial de l’Abolition ao Musée d’Histoire.


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MÉMORIAL DE L’ABOLITION Wodiczko + Bonder . Nantes, França . 2012 Sobre o cais se encontra um percurso para pedestre ao longo do qual foram instaladas 2.000 placas de vidro com o nome dos navios negreiros que partiram de Nantes.

Já sob o cais, em uma passagem subterrânea que evoca o confinamento dos porões dos navios negreiros, foram gravadas citações que remetem a luta da humanidade contra a escravidão.


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PRAÇA NOVA DO CASTELO SÃO JORGE Carrilho da Graça Arquitectos . Lisboa, Portugal . 2010 O acesso ao sítio é claramente delimitado por uma membrana de aço corten que contem a superfície perimetral mais elevada. Já descendo ao sítio, uma su-

perfície flutuante também em aço corten protege os mosaicos existentes enquanto um volume contido em si mesmo protege tanto os afresco quanto as evidências de ocupação da era do aço.


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COMPLEXO DO VALONGO Rio de Janeiro, Brasil A região conhecida como o Complexo do Valongo foi entre 1808 e 1888 a principal ponto de tráfico de africanos escravizados no Brasil devido a instação de um porto, o Cais do Valongo, na região.

Atualmente, além do Sítio Arqueológico Cais do Valongo que foi considerado Patrimônio Mundial pela Unesco, essa região também abriga o sítio arqueológico Cemitério dos Pretos Novos e o Museu Memorial.



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PONTOS DE INTERES 01

Para efeito de estudo das referências apresentadas, os projetos foram agrupados em quatro categorias pensadas a partir do modo como eles intervêm no seu entorno e de suas escalas, conforme apresentado no diagrama ao lado. Com essas categorias definidas foi feito uma comparação com as categorias nas quais os pontos de interesse haviam sido distribuidos durante a análise da visita de campo. A partir desta compração foi possível estabalecer uma correspondência entre as categorias dos pontos de interesse (não-edificado, edificado com demolição, edificado e rua) e as estratégias de projeto identificadas em cada uma das categorias das referências (intervenções pontuais, instalações arquitetura e percursos). Deste modos, foram estabelecida uma estratégia de intervenção na área de projeto baseada em três tipos de intervenções que nortearam os primeiros estudos de projeto no mini-percurso selecionado.

conservação e restauro

02

03

não-edificados

01. largo da memó 02. praça da band 03. largo são franc demolições

04. praça dr. joão me 05. praça da liberd 09. cemitério dos a 11. largo sete de sete 14. largo da misericó 18. praça antônio p 20. praça ramos de az edificações

06. igreja das alm 08. capela dos afl 12. igreja da boa m 19. igreja do rosár ruas

07. beco dos aflit 13. rua direita 15. rua da quitand 16. ruas xv de novem


s

ória deira cisco

endes dade aflitos embro órdia prado zevendo

mas flitos morte rio

tos

da mbro

REFERÊNCIAS

TIPOS DE INTERVENÇÃO

01

percurso urbano marcado por uma paginação de piso diferenciada e por mobiliários urbanos que agem como totens explicativos.

02

intervenções pontuais marcando os locais das construções demolidas relacionadas a ocupação negra e as construções que ainda resistem mas cujos vínculos com a população negra foram invibilizados.

03

instalação de anti-monumentos em praças e largos que tenham uma área livre maior.

intervenções pontuais stolperstein emplacement du mur du fossé instalações pássaro livre / vogel frei jr sur le louvre pavilhão da santa sé arquitetura mémoria de l’abolition praça nova do castelo s. jorge complexo do valongo percursos les promenades urbaines

cemitério dos preto novos

.escala da intervenção

SSE


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PERCURSO ENTRE A SÉ EA LIBERDADE Tendo como base os dois diagrama produzidos, o minipercurso Equipamentos Urbanos foi escolhido como área de projeto para os primeiro estudos de projeto tanto pelo fato de formar um mici-percurso bem coeso quanto por englobar pontos de todos os três tipo de intervenção pensadas para percurso como um todo.

O principal diferencial deste mini-percuros em relação aos outros é o fato dele compreender um caminho que já era realizados pelos escravizados ainda na época da Colônia. Normalmente, as pessoas escravizadas que iam ser executada na forca ou torturadas no pelourinho passavam na Igreja da Boa Morte para orarem por uma “boa morte” e os escravos assassinados eram velados ou na Igreja dos Enforcados ou na Igreja dos Aflitos antes de serem enterrados no cemitérios dos aflito ANÁLISE Antes de serem feitos os primeiros esboços para a região, foi elaborado uma mapa de análise mais aprofundado apenas da área do mini-percurso.


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Neste mapa é possível ver a localização extada das edificações, largos, praças e ruas que compôem o percurso bem como a presença de edificações que ou por serem contíguas às edificações selecionadas ou estarem localizadas em largo e praças selecionas também fazem parte da área de intervenção.

gia de intervenção delimitadas anteriormente, sendo estabelecido assim, as seguintes áreas:

Já nas imagens colocadas ao lado é possível ver os monumentos instalados na Praça da Liberdade, nenhum se refere a ocupação negra, e a situação das Igrejas dos Enforcados e dos Aflitos, ambas constrangidas pelas construções do seu entorno.

02. Intervenções Pontais: intervenção no piso das praças e largos marcando o local onde ficavam os equipamentos e edificações demolidas e intervenções nas edificações existentes que atuem como marcadores visuais da relação destes espaço com a historia da população negra.

INTERVENÇÕES

03. Instalações / Anti-monumentos: colagem de referências de possíveis obras a serem instaladas em alguns pontos.

No segundo mapa foi proposto a separação dos espaços de intervenção de acordo a estraté-

01. Percursos: intervenção nas ruas que estabelecem o percurso e o fechamento para carro das rua sem saída na Praça da Liberdade e do Beco dos Aflitos.


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praça escolhidas

monumento tombado

estação de metro

prédios escolhidos

bens arqueológicos

fluxo de pedestres

prédios de interesse

via tombada

percurso


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01. percurso

02. prédios

01. vias fechadas para pedestre

02. praças e largos

proposta de instalações e anti-monumentos


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TERRÓRIOS CENTRO DE

Por Geovana R


NEGROS NO SÃO PAULO

Rodrigues Duarte


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