UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
PARQUE LINEAR DA PRAINHA, CUIABÁ-MT: UMA RUPTURA DE PARADIGMAS NA INTERVENÇÃO URBANA.
DISSERTAÇÃO: GEOVANY JESSÉ ALEXANDRE DA SILVA
CUIABÁ-MT 2007 I
GEOVANY JESSÉ ALEXANDRE DA SILVA
PARQUE LINEAR DA PRAINHA, CUIABÁ-MT: UMA RUPTURA DE PARADIGMAS NA INTERVENÇÃO URBANA.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia, na Linha de Pesquisa de Produção do Espaço Regional.
Orientador: Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto Professor Doutor do Curso de Geografia / UFMT
CUIABÁ-MT 2007 II
247p
SILVA, Geovany Jessé Alexandre da. Parque Linear da Prainha, Cuiabá-MT: Uma Ruptura de Paradigmas na Intervenção Urbana. Orientador: Luiz da Rosa Garcia Netto. Dissertação (Mestrado em Geografia)– Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007. Bibliografia: 1. Planejamento Urbano – Cuiabá (MT). 2. Intervenção Urbana – Cuiabá (MT). 3. Córrego da Prainha – Cuiabá (MT). 4. Utopia Urbana – Cuiabá (MT). I. GARCIA NETTO, Luiz da Rosa. II. Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-Graduação em Geografia. III. Título.
III
GEOVANY JESSÉ ALEXANDRE DA SILVA
PARQUE LINEAR DA PRAINHA, CUIABÁ-MT: UMA RUPTURA DE PARADIGMAS NA INTERVENÇÃO URBANA.
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia, na Linha de Pesquisa de Produção do Espaço Regional.
Aprovado em: 20/11/2007.
Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto – Orientador. Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto. Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
Profª. Drª. Dora Maria Orth. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina – FAU/UFSC.
IV
Dedico este trabalho à Esther Vida, querida filha, a Samira, amada companheira e à nossa primeira filha Sarah que está por vir. Todas são inspirações de minha vida e fortaleceram cada passo dessa jornada. A todos que lutam por uma cidade e um Brasil melhor e mais igual. V
AGRADECIMENTOS Diante do atual cenário de descrença e apostasia de nossas cidades, a presente utopia não seria possível sem o apoio e importante colaboração de pessoas especiais, comprometidas com a construção de uma sociedade mais igualitária e, conseqüentemente, mais qualitativa. Assim, reforço meus sinceros agradecimentos: Ao Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto que, além da orientação séria e compromissada, norteou meu trabalho para os históricos problemas de nossa capital e seus córregos, apoiando a utopia como ruptura de paradigmas do urbanismo contemporâneo. À Profª. Drª. Ana Fernandes, da Universidade Federal da Bahia, pela contribuição decisiva na qualidade desse trabalho final, auxiliando com suas precisas sugestões na banca de qualificação. Ao Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto, pela dedicação e objetividade nas observações apresentadas. Especial agradecimento à Profª. Drª. Dora Maria Orth, da Universidade Federal de Santa Catarina, pela pronta disponibilidade em participar da banca final desse trabalho e contribuir consideravelmente na qualidade e consistência da pesquisa. A todos meus familiares, a começar pelos meus pais Elias e Rosália, e meus irmãos queridos. Aos meus dois amores: minha filha Esther Vida e minha companheira Samira. Aos meus grandes amigos, que sempre apoiaram e fortaleceram as idéias e discussões, bem como me descontraíram no momento oportuno. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFMT que através das experiências acadêmicas, me condicionou a uma nova percepção acerca da cidade, região e todas suas relações e complexidades. Agradecimento especial ao professor e célebre arquiteto Júlio De Lamonica que, em nossas conversas, acreditou e incentivou a “ousadia da Prainha” (como ele qualificou a proposta), além da importante orientação histórica fornecida por sua publicação. Aos colegas mestrandos do Programa que no decorrer das aulas, em sala ou no campo, enriqueceram as discussões e questionamentos através de seus distintos olhares interdisciplinares. Aos funcionários do Programa e demais departamentos ou setores que trabalham com dedicação e afinco. Aos colegas do Arquivo Público, Museu de Imagem e Som de Cuiabá (MISC), IPHAN (Regional de Cuiabá) e IPDU (Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de Cuiabá), que não mediram esforços ao disponibilizarem materiais e informações que contribuíram decisivamente para o trabalho. A todos moradores da cidade, em especial ao povo que vive há décadas na Prainha e têm resistido bravamente a toda forma de especulação e degradação urbana. Meus sinceros agradecimentos a essas pessoas que apesar da triste realidade de concreto, asfalto, muita poluição e violência, ainda demonstram seus saudosos suspiros e brilhante olhar de uma Prainha que um dia foi rica (e dessa riqueza se construiu a cidade), e bela (além de navegável, forneceu água e peixes aos cuiabanos). Meus sinceros agradecimentos a todos os entrevistados, que nos mostraram uma realidade sensível que não observamos nos mapas e nem nas estatísticas.
VI
A distribuição eqüitativa e justa dos bens e seu emprego feliz em prol da humanidade só é possível mediante a abolição completa da propriedade; enquanto esta permanecer, uma carga angustiante pesará sempre na parte melhor e mais preponderante dos homens. Thomas Morus Ponho-me (então) a pensar nos cinco milhões de homens que formigam nestas ruas. A pensar que, embora todas estas avenidas, estas praças, estes monumentos sejam criações suas, o homem perdeu aqui, mais do que noutra parte, as rédeas da sua personalidade, consentido que a criatura domine o seu criador. Não posso dizer ao certo a razão por quê, mas a impressão que se tira desta enorme multidão é de que não se trata de gente mas duma grande levada que as próprias ruas canalizam. Miguel Torga Mesmo em Raissa, cidade triste, corre um fio invisível que liga um ser vivo a outro por um instante e a seguir se desfaz, e depois torna a estender-se entre pontos em movimento desenhando novas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem sequer sabe que existe. Ítalo Calvino JURAMENTO DA JUVENTUDE ATENIENSE Nunca traremos desgraça para a nossa Cidade, por nenhum ato de desonestidade ou covardia, nem jamais abandonaremos nossos companheiros sofredores. Lutaremos pelos ideais e pelas coisas sagradas da cidade, isoladamente ou em conjunto. Respeitaremos e obedeceremos às leis da Cidade e tudo faremos para despertar respeito e reverência naqueles que, estando acima de nós, inclinam-se a reduzi-las a nada. Lutaremos incessantemente para estimular a consciência do cidadão pelo dever urbano. Assim, por todos esses meios, transmitiremos essa Cidade, não menor, porém maior, melhor e ainda mais bela do que nos foi transmitida. Patrick Geddes VII
RESUMO O Parque Linear da Prainha se constitui num projeto utópico de intervenção urbana para a cidade de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, resultado da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. A utopia como proposição conceitual visionária de uma nova cidade permeia a necessidade atual de se romper paradigmas urbanos da contemporaneidade, e assim idealiza uma cidade que respeite as leis ambientais reinventando um espaço urbano para o cidadão e estabelecendo seu lazer, recreio e convívio social saudável com a natureza. A cidade de Cuiabá é uma metrópole que enfrenta um processo de conurbação com o município de Várzea Grande, contabilizando uma população urbana estimada de oitocentos mil habitantes. O intenso crescimento demográfico, dispersão da capital e impermeabilização do solo urbano (especialmente no centro da cidade), processo acentuado a partir da década de 1970, atuaram como agentes diretos na constituição de uma cidade segregada, repleta de vazios urbanos, de intenso calor e seca nos períodos longos de estiagem. A poluição dos recursos, os altos custos de deslocamento e uso e ocupação do solo, a intensa especulação imobiliária e a negligência secular do poder público com a porção mais pobre da sociedade estabeleceram um cenário urbano caótico de degradação social e espacial, além da violência e pouca qualidade de vida decorrente; dados latentes que nem sempre expressam as estatísticas oficiais do Governo Federal. Cuiabá também se consolida como um pólo metropolitano e de logística de marcado a partir da divisão do Estado em 1977, quando se tem o avanço das fronteiras agrícolas e do capitalismo agroindustrial para o interior do país (região Centro-Oeste e, posteriormente, região Norte brasileira), como também para o Norte de Mato Grosso. Nos últimos dez anos a capital têm assumido seu papel como centro de distribuição de mercadorias e serviços dentro do Estado e para outras regiões, substituindo as capitais de outros Estados como Goiânia, Brasília e Campo Grande que atuavam como tal. No contexto urbano, a utopia vislumbra a intervenção na cidade como mecanismo de produção de um lugar melhor para as pessoas, conforme o próprio significado etimológico da palavra. A cidade quando pensada a partir de uma visão utópica, se desvencilha de sua realidade e passa a projetar uma nova imagem urbana, visionária, pois antevê novas possibilidades transformadoras da urbe. A proposta do Parque Linear da Parinha é recriar um lugar natural esquecido e substituído pelo homem em seu processo de ocupação e modernização urbana; pois idealiza a descanalização e a recuperação do traçado original de um córrego localizado na área central histórica da cidade (antes denominado córrego da Prainha), e que atualmente se encontra retificado, concretado, canalizado e poluído sob a Avenida Tenente Coronel Duarte. A recriação desse potencial ambiental do córrego da Prainha, com seus meandros de traçado sinuoso, revive uma imagem da Cuiabá colonial do século XVIII; na qual a chamada Prainha constituía-se em uma importante artéria hidrográfica que conectava o centro da ocupação aurífera da Igreja do Rosário (hoje área do centro histórico tombado pelo IPHAN) com a região do Porto Geral, sendo piscoso, navegável e utilizado como área de lazer pela antiga população até meados da década de 1960 e 1970. A utopia de cidade que será recriada a partir da implementação do Parque Linear da Prainha aponta para a necessidade humana de se repensar seu espaço urbano e sua sociedade global; suprimindo as mazelas sociais, educacionais e econômicas entre ricos e pobres, propondo um novo modelo de desenvolvimento em sinergia com o meio ambiente e mais próximo, portanto, do utópico conceito de sustentabilidade mundial. PALAVRAS CHAVE: Parque Linear da Prainha para Cuiabá-MT; Intervenção Urbana Utópica; Planejamento Urbano e Regional; Projeto de Urbanismo.
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RESUMEN El Parque linear da Prainha se constituye en un proyecto utópico de intervención urbana para la ciudad de Cuiabá, capital del Estado de Mato Grosso, resultado de la Disertación de Maestría presentada al Programa de Postgrado en Geografía de la Universidade Federal de Mato GrossoUFMT. La utopía como ideal conceptual visionaria de una nueva ciudad interpone a necesidad actual de romper los paradigmas urbanos de la contemporaneidad y idealiza así una ciudad que respete las leyes ambientales reinventando un espacio urbano para el ciudadano y estableciendo su ocio, recreo y convivencia social saludable con la naturaleza. La ciudad de Cuiabá es una metrópoli que enfrenta un proceso de conurbación con la ciudad de Várzea Grande, registrando una población urbana estimada de ochocientos mil habitantes. El crecimiento demográfico intenso, la dispersión de la capital y la impermeabilización de la superficie urbana (especialmente en el centro de la ciudad), proceso este, acentuado a partir de la década de 1970, actuaron como agentes directos en la constitución de una ciudad segregada, repleta de vacios urbanos, intenso calor y seca en los largos periodos de estiaje. La contaminación de los recursos, los altos precios de desplazamiento, uso y ocupación del territorio, la intensa especulación inmobiliaria y la negligencia secular del poder público con la porción más pobre de la sociedad, establecieron un escenario urbano caótico, de degradación social y espacial, además de la violencia y escasa calidad de vida decurrente; datos latentes que ni siempre expresan las estadísticas oficiales del Gobierno Federal. Cuiabá también se consolida como un polo metropolitano y de logística demarcado a partir de la división del Estado ocurrida en 1977, cuando se tiene el avance de las fronteras agrícolas y del capitalismo agroindustrial para el interior del país (región Centro-Oeste y, posteriormente, región Norte brasilera), como también para el norte de mato Grosso. En los últimos diez años la capital asumió su papel como centro de distribución de mercaderías y servicios dentro del estado y para otras regiones, sustituido a las capitales de otros estados como Goiânia, Brasília y Campo Grande que actuaban como tal. En el contexto urbano, la utopía vislumbra la intervención en la ciudad como mecanismo de producción de un lugar mejor para las personas, conforme el propio significado etimológico de la palabra. La ciudad, cuando pensada a partir de una visión utópica, se desvencija de su realidad y pasa a proyectar una nueva imagen urbana, visionaria, pues prevé nuevas posibilidades transformadoras de la urbe. La propuesta del Parque Linear da Parinha es crear un lugar natural olvidado y sustituido por el hombre en su proceso de ocupación y modernización urbana, pues idealiza a descanalización y la recuperación del trazado original de un pasadizo localizado en la área central histórica de la ciudad (antes denominado pasadizo da Prainha), y que actualmente se encuentra rectificado, concretado, canalizado y contaminado bajo la Avenida Teniente Coronel Duarte. La re-creación de ese potencial ambiental del pasadizo de la Prainha, con sus meandros de trazado sinuoso, revive una imagen de la Cuiabá colonial del siglo XVIII; en la cual la llamada Prainha se constituía en una importante arteria hidrográfica que conectaba el centro de la ocupación aurífera de la Iglesia del Rosario (hoy área del centro histórico protegido por el IPHAN) con a región del puerto general, gozando de peces, navegable y utilizado como área de recreación por la antigua populación hasta mediados de la década de 1960 y 1970. La utopía de la ciudad que será replanteada a partir de la implantación del Parque Linear da Prainha apunta la necesidad humana de repensar su espacio urbano y su sociedad global, supliendo las patologías sociales, educacionales y económicas entre los ricos y pobres, en vista de un nuevo proyecto de desarrollo en unión con el medio ambiente y más próximo, por tanto, del utópico concepto de sustentabilidad mundial. PALABRAS CHAVE: Parque Linear da Prainha para Cuiabá-MT; Intervención Urbana Utópica; Planeamiento Urbano y Regional; Proyecto de Urbanismo.
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LISTA DE FIGURAS Nº. Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8
Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27 Figura 28 Figura 29 Figura 30
Figura 31 Figura 32 Figura 33 Figura 34
TÍTULO
PÁGINA
Jacarandá do cerrado, árvore típica da região com troco sinuoso, copa baixa e raiz profunda. Ninho de isópteros (Animais Pedológicos). Ninho de casal de passarinhos João-de-Barro. Construção típica indígena, utilizada para cultos religiosos, Aldeia Umutina em Barra do Bugres-MT. Construção indígena com técnicas e estrutura de influência colonial bandeirista, Aldeia Umutina, Barra do Bugres-MT. Rua de traçado colonial típico do séc. XVIII, com casas adaptadas ao estilo Neoclássico em Cuiabá-MT. Varanda-quintal adaptada ao clima local de uma residência cuiabana em Cuiabá-MT, atual sede do IPHAN-MT. Exemplos de arquitetura “importada” idealizada por arquitetos brasileiros nas cidades de Brasília e São Paulo, utilizam fachadas com vidros espelhados de “alto desempenho” termo-acústico. Evolução populacional do mundo apresentando curva exponencial. Estimativa de crescimento populacional por continente de 2002 a 2050. Estimativa de crescimento populacional em diversos países entre os séculos XX e XXI. Gráfico representativo da relação entre IDH e consumo anual per capita de energia. Retrato de Thomas More por Hans Holbein (1497 – 1543), o jovem, em 1527. Gravura original da primeira obra de Utopia, de Thomas More, criada em 1518 por Ambrósio Holbein. Mapa de utopia, feito por A. Ortelius (sem data). O Cácere, de Piranesi. Memorial de Newton, planta baixa e Cobertura. Memorial de Newton, Vista Frontal, Corte diurno e Corte noturno. Memorial de Newton, detalhe do corte noturno. Planta do primeiro projeto para Chaux. Planta ampliada do segundo projeto para Chaux, composição formal distinta da primeira proposta. Planta do segundo projeto para Chaux. Perspectiva do segundo projeto para Chaux. Imagens do conjunto arquitetônico de Chaux e edifícios centrais (17741779). Imagens do conjunto arquitetônico de Chaux e edifícios centrais (17741779). À esquerda, o pórtico neoclássico de entrada, e à direita, imagem superior do conjunto arquitetônico de Chaux (1774-1779). À esquerda, o pórtico neoclássico de entrada, e à direita, imagem superior do conjunto arquitetônico de Chaux (1774-1779). Projeto de Owen para uma cidade cooperativa. Vista em perspectiva de um Falanstério segundo os princípios de Fourier em 1847. Seção esquemática de um Falanstério de Fourier. Legenda: 1- Sótão; 2- Reservatório de água; 3- Apartamento Privado; 4- Acesso interno; 5Sala de reuniões; 6- Mezanino com alojamentos; 7- Plano térreo. Projeto da Avenida da Ópera e as respectivas edificações a serem desapropriadas e demolidas por Haussmann, 1853. Os antigos distritos e o novo limite de Paris em 1860. Corte Ilustrativo de um edifício multifamiliar parisiense, mostrando as diferentes condições sociais de seus moradores em 1895. A Ilha da Cidade e o seu tecido urbano medieval antes dos trabalhos
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haussmannianos - plano Vaugondy de 1771. A Ilha da Cidade remodelada pelos trabalhos de Haussmann, novas ruas transversais (em vermelho), espaços públicos (em azul claro) e construções (azul escuro). Mapa de Paris, 1853. Projeto de inclusão de novas ruas, novos distritos e os dois grandes parques periféricos, à esquerda o “Bois de Boulogne” e à direita o “Bois de Vincenne”. Principais eixos criados ou transformados entre 1850 e 1870 no centro de Paris. Plano de Cerdà para a cidade de Barcelona, 1859, indicando áreas edificadas, quadras, áreas verdes, praças, definição do sistema viário e ferroviário. Processo de densificação das quadras de Cerdà. Acima, o centro de Paris comparado, abaixo, com o Plano de Extensão (Ensanche) de Barcelona. As manzanas de Cerdà em imagem atual, descaracterização da proposta inicial a partir da especulação imobiliária urbana e do processo de densificação das quadras. O perfil transversal da rua principal com 40 m de largura de caixa viária. Abaixo, a planta da Cidade Linear de Soria y Mata, 1882. Estudo de setorização da Cidade Industrial de Tony Garnier, 1917. À esquerda, planta esquemática da Cidade Jardim de Howard; à direita, estudo do sistema de unidades de vizinhança em composição polinuclear interligada por sistema viário e ferroviário. Plantas das Cidades-Jardim de Welwyn (1920) e Letchworth (1903). À esquerda o estudo preliminar e, à direita, uma implantação da BroadAcre City de Frank Lloyd Wright (1935). Perspectivas ilustrativas sobre a forma de organização espacial da Broad-Acre City. O projeto para a Cidade Industrial de Tony Garnier, apresentado em 1904. O Plan Voisin para Paris, projeto desenvolvido em 1925 por Le Corbusier. As dezoito torres em formato de cruz, com cento e oitenta metros de altura e grandes parques entre os edifícios. Perspectivas da Cidade Contemporânea de Le Corbusier, 1925. Detalhe das torres e área do parque do Plan Voisin de Le Corbusier. A perspective acima representa o setor residencial “La Ville Radieuse”, e a implantação demonstra o esquema de implantação dos edifícios. Projeto de Mindlin e Palanti. Detalhe da super-quadra da equipe de Gonçalves, Milman e Rocha. Proposta de Rino Levi para Brasília. À esquerda, proposta de uma unidade urbana e, à direita, a cidade de Brasília em todo seu conjunto de unidades. Autoria de M.M.M. Roberto. Projeto vencedor do concurso para a construção e Brasília, de Lucio Costa. Vista atual do Eixo Monumental de Brasília a partir da Torre Central de TV, com a Explanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes ao fundo. Evolução da população total residente no Estado de Mato Grosso. Evolução da área de produção da cultura de cana-de-açúcar no Estado de Mato Grosso, de 1978-2002. Foco de queimada em lavoura de cana-de-açúcar no município de Barra do Bugres-MT, nas proximidades do perímetro urbano, apesar de iniciado o período de chuvas na região. Produção de Lenha em m³/ano no Estado de Mato Grosso. A imagem declara o contraste entre a riqueza (agroindústria ao fundo) e a pobreza das habitações de sem-terra às margens da rodovia matogrossense BR-070. Habitação improvisada sob a ponte do rio Paraguai em encontro com o
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rio Bugres, na cidade de Barra do Bugres-MT, cidade com estimativa de 33.200 hab./IBGE-2005. Praça Alencastro na década de 1950 com o Palácio do Governo e casarios vizinhos ao fundo, hoje demolidos. Postal da Praça Alencastro e gasômetro à direita na década de 1950. Construção do moderno Palácio Alencastro no final da década de 1950, edifício erguido no quintal das antigas construções da Delegacia Fiscal, palacete do Barão de Diamantino e antigo Palácio Alencastro. Atual Palácio Alencastro, de linhas modernistas corbusierianas. Vista panorâmica da Cuiabá ainda colonial, em 1914, imagem captada do Morro da Luz. A mesma vista panorâmica de Cuiabá, em 1957. A cidade ainda preserva suas características coloniais, mas com a substituição de algumas edificações por construções com mais de quatro pavimentos. Localização de Cuiabá em relação ao continente americano e ao Brasil, destaque do Estado de Mato Grosso (em amarelo). A cidade de Cuiabá em relação ao seu território e limites municipais. Em laranja a delimitação do perímetro urbano da capital. Mapa da rede hidrográfica de Cuiabá, em verde o destaque da área do Córrego da Prainha, com canalização aberta nas suas cabeceiras e canalização fechada a partir do encontro com a Avenida Tenente Coronel Duarte. À esquerda, o tratado de Tordesilhas no período pré-colonial (15001530); e à direita, o processo de expansão do domínio português e os tratados decorrentes desse processo. À esquerda o mapa das monções e o percurso de Pascoal Moreira Cabral (linha verde), trajeto feito em 1718. À direita, o caminho dos bandeiristas à procura de índios por rios (linha vermelha contínua) e por terra (linha vermelha tracejada). A chegada da bandeira do sorocabano Pascoal Moreira Cabral a São Gonçalo Velho em 1718. Acrílico sobre tela de Moacyr Freitas, 2000. À esquerda, foto da Igreja de Nossa Senhora do Rosário recém restaurada, 29/08/2006. À direita, vista do entorno das Igrejas Nossa Sª doRosário e Senhor dos Passos, 28/08/2006. Vista do entorno das Igrejas Nossa Sª doRosário e Senhor dos Passos, a partir do mirante (terraço-jardim) do Palácio Alencastro, atual Prefeitura Municipal de Cuiabá. Ao fundo, verticalização do Bairro Bosque da Saúde, à direita, o Morro da Luz. Planta da Villa do Cuiabá, cortado pelo Córrego da Prainha até o encontro do Rio Cuiabá, na região do Porto Geral, séc. XVIII. Imagem do Córrego da Prainha na década de 40. À direita e acima o sobrado chamado de “Palácio das Águias” (famoso prostíbulo da época) e, próximo à cumeeira do telhado colonial observa-se a ponta da torre do campanário da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Imagem do Córrego da Prainha na década de 40. Ao fundo e à direita a Igreja gótica Nossa Senhora do Bom Despacho construída em 1918, no morro do Seminário da Conceição. Imagem do Córrego da Prainha e casario na década de 40. Imagens da Avenida Getúlio Vargas na secada de 1950. À esquerda e em destaque o Grande Hotel (atual Secretaria de Estado de Cultura); à direita, o cruzamento com a Rua Joaquim Murtinho e no canto direito da imagem o gasômetro da Praça Alencastro. À esquerda, o edifício do IAPC (atual INSS) localizado na esquina da A. Getúlio Vargas com a Rua Batista das Neves, construído na década de 1960. À direita, o Palácio da Justiça (atual Arquivo Público do Estado), da década de 1940. Ambas as obras são exemplares das Obras Oficiais, arquitetura de linhas retas e sóbrias, que mesclam elementos modernos e de Art-Déco. Planta de Cuyabá, séc. XVIII. O desenvolvimento do núcleo urbano se
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dá principalmente na porção oeste do Córrego da Prainha, exceto a Igreja Nossa Senhora do Rosário na porção superior do Mapa. A Catedral de Bom Jesus de Cuiabá em sua terceira fachada, reformada na década de 1920, e a Praça da República, com seu desenho preservado até os dias atuais. Vista do Porto Geral de Cuiabá em 1865, gravura de Bartolomé Bossi. A Casa Orlando de 1873, antiga empresa importadora e exportadora construída durante o surto açucareiro da capital no final do séc. XIX. O casarão de linhas neoclássicas está em estado de ruínas e seu pavimento térreo atende ao comércio do calçadão da Rua Galdino Pimentel. Vista de Cuiabá na década de 1930, ao fundo o Palácio da Instrução (centro) e a Catedral (direita). Vista parcial do centro na década de 1960, à direita o Palácio Alencastro recém construído, à direita a Catedral com ampliação ao fundo e ao centro o art-déco do Hotel Centro América, demolido em 1990. Ao centro a Avenida Getúlio Vargas. Após ter sofrido várias alterações arquitetônicas, em 14 de agosto de 1968, a Igreja da Matriz é implodida à dinamite. O fenômeno de modernização da capital resulta na desconsideração do passado. Pessoas acompanhando a demolição da Matriz em 1968. Construção da atual Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá na década de 70. Vista atual de Cuiabá no mesmo enquadramento da Figura 90. Além dos edifícios do centro, temos ao fundo a intensa verticalização dos bairros Goiabeiras, Duque de Caxias e Quilombo. A imagem acima ilustra a atual Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá da década de 1970 e, ao fundo, a atual sede da Prefeitura Municipal (Palácio Alencastro) de linhas modernas e verticalidade em 2005. O centro da capital cede lugar ao moderno e negligencia de seu passado. Apresentação da evolução urbana de Cuiabá do século XVIII ao XXI. Demonstração da área linear da região do Córrego da Painha e Porto, o objeto de intervenção será a cabeceira do córrego (1), passando pela Avenida Tenente Coronel Duarte (2) e, por fim, a região do Porto (3). Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiabá, do acervo do Museu Botânico Bocage em Lisboa, em 1790; desenhado por Joaquim José Freire/José Joaquim Codina. Vista tradicional de Cuiabá a partir da torre da Embratel, junho de 2002. Observa-se o Parque do Morro da Luz e seu potencial paisagístico em contraste com a cidade e seus edifícios. Imagem de 1910, no primeiro plano a famosa “Ponte da Confusão” sobre o Córrego da Prainha. Acima e à esquerda a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, seguindo-se da Rua dos Bandeirantes e seus casarios coloniais. Imagem da Ponte da Confusão em 1941. À esquerda um casario ainda existente e ao fundo o antigo Palácio das Águias, demolido, local onde há um ponto de ônibus (ao fundo o Morro da Luz). Ponte sobre o Córrego da Prainha que dá acesso a Rua dos Bandeirantes, pavimentada em pedra cristal. Ao fundo, a Igreja do Rosário com a torre pontiaguda, reforma em 1923-30. Década de 1930, Largo do Mundéu, às margens da Prainha. Á direita o chafariz e acima a Igreja do Bom Despacho construída em 1918, de estilo neo-gótico. Década de 1970, vista do Córrego da Prainha já canalizado e entorno. Ao fundo a Igreja Nossa Sª. do Rosário e à esquerda a Igreja do Senhor dos Passos. Vista atual do mesmo enquadramento da Figura 104, com o Córrego já canalizado.
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Região de Tombamento do Centro Histórico e área de proteção do entorno. Vista da Prainha ainda aberta na década de 1970, rotatória do cruzamento com a Avenida Isaac Povoas. À esquerda a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e ao fundo a torre da Igreja de São Gonçalo. Vista atual da Prainha já canalizada, atual Avenida Tenente Coronel Duarte. Cruzamento sobre a Prainha na década de 1970. Ao fundo a Igreja do Rosário e Capela São Benedito. Desembocadura do Córrego da Prainha no Rio Cuiabá, suas águas poluídas segundo a SANECAP são direcionadas para uma Estação Elevatória que, posteriormente, canaliza até uma estação com tanques para o tratamento há algumas quadras, nas proximidades da Avenida Beira-Rio (sentido Leste). Porém, a imagem declara o córrego de águas escuras e poluídas sendo jogados diretamente no Rio Cuiabá. À esquerda, vista atual da região do loteamento Consil, no Bairro Alvorada, local urbanizado sobre a nascente do córrego da Prainha. À direita, manilha que traz a água do córrego proveniente da nascente (água já poluída). À esquerda, intervenção feita pelo supermercado Modelo, como contrapartida social para ocupação de uma reserva permanente nas proximidades, Bairro Alvorada. À direita, manilha que traz a água do córrego proveniente da nascente da reserva ao fundo do Modelo. À esquerda, Avenida Miguel Sutil (Perimetral), sobre a Prainha. À direita, manilha que conduz a água do córrego desviado sob a Avenida. À esquerda, Praça Ernete Ricci no Bairro Araés. À direita, travessa improvisada sobre o córrego já bastante poluído. À esquerda, erosão e descaso do poder público municipal. À direita, ligações ilegais da Sanecap, depositando resíduos e água pluvial no córrego. Imagens do córrego adentrando sob a Avenida Ten. Cel. Duarte (já canalizado e coberto). À esquerda, cruzamento da Avenida da Prainha com a Av. Mato Grosso. À direita, vista da Prainha nas proximidades com o Chafariz do Mundéu, ao fundo (à direita da imagem) o Morro da Luz. À esquerda, Largo do Mundéu e chafariz. À direita, parada de ônibus e Igreja Bom Despacho (ao fundo). À esquerda, Avenida Prainha e comércios. À direita, cruzamento da Prainha com a Av. Isaac Povoas (em frente à Praça Ipiranga). À esquerda, o antigo Quartel da Força Pública (1862), na Praça Ipiranga. À direita, Avenida da Prainha nas proximidades com a Igreja Nossa Srª Auxiliadora (1920). À esquerda, o ponto de ônibus movimentado em frente à Igreja Nossa Srª Auxiliadora. À direita, Avenida da Prainha nas proximidades com o colégio São Gonçalo e comércios À esquerda, cruzamento da Prainha com a Av. Carmindo de Campos. À direita, o mesmo cruzamento observado para o sul com centro comercial popular à esquerda (Camelódromo). À esquerda, parque popular entre as Avenidas Carmindo de Campos, Prainha e Beira Rio. À direita, final da Av. da Prainha e início da Av. Beira Rio. À esquerda, estação elevatória de tratamento da Sanecap, que recebe as águas poluídas da Prainha. À direita, o despejo das águas poluídas no Rio Cuiabá. Médias das temperaturas registradas às 8h, 14h e 20h, nas duas estações de seca (agosto de 1998) e de chuva (janeiro/fevereiro de 1999), e as diferenças médias de temperatura em relação ao caso mais crítico, o Morro da Luz (em vermelho). Taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, percentagem de
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Figura 138 Figura 139 Figura 140 Figura 141 Figura 142 Figura 143
superfícies d’água e de arborização brutos versus média das temperaturas registradas às 8 h, 14 h e 20 h durante as estações seca e chuvosa. Vista da Prainha já em 1972, a Avenida Tenente Coronel Duarte ainda não havia se prolongado depois da rotatória das Igrejas (local da antiga “Ponte da Confusão”), em sentido à sua cabeceira. Na década de 1970 também ocorrem ocupações e intervenções mais agressivas sobre o Córrego. A exemplo da canalização da cabeceira e da urbanização de uma Praça Ernete Ricci junto à Prainha, no Bairro Araés. Imagem atual da Praça no Bairro Araés. A ausência do Poder Público e poluição intensa da água resultaram na marginalidade e violência local, assim os moradores deram as costas ao lugar com seus muros altos. Na cabeceira do córrego, próximo à nascente no Bairro Alvorada, a própria Prefeitura Municipal se encarregou de lançar o esgoto no córrego. Inserção de imagem na área de intervenção e abairramento do Parque Linear da Prainha em Cuiabá. Abairramento SETOR 1: 07-Bairro Alvorada; 24-Bairro dos Araés (parcial Leste); 52-Bairro do Baú; 53Bairro da Lixeira; 54-Bairro dos Bandeirantes e 19-Centro Norte; SETOR 2: 21-Bairro do Porto e 71-Bairro do Terceiro; e SETOR 3: 20Centro Sul e 70-Bairro Dom Aquino. SETOR 1: A imagem apresenta o divisor de águas no Bairro Araés em vermelho, área consolidada que ocupou a nascente do Córrego da Prainha. Em amarelo, área de preservação na qual se localiza uma nascente afluente do Prainha e parcialmente ocupada por uma grande rede de Supermercados da cidade (Supermercados Modelo). Acima e à esquerda a Rodoviária Municipal em azul. A área delimitada em verde se constitui no Córrego canalizado. SETOR 1: A Avenida Tenente Coronel Duarte, logo quando se canaliza a Prainha em azul. Em vermelho a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em amarelo, Igreja Senhor dos Passos, ao lado do Misc e próxima ao Iphan. SETOR 1: Segue-se a Avenida Tenente Coronel Duarte, e Morro da Luz em verde. Ao Longo da Avenida Getúlio Vargas temos em vermelho a Igreja da Matriz e Palácio da Instrução, logo à frente da Praça da República, prédio dos Correios e Museu do Thesouro. Em azul, o Palácio Alencastro e Praça, e atrás do edifício a Residência dos Governadores em estilo neocolonial, à Rua Barão de Melgaço. SETOR 2: Vista parcial do Rio Cuiabá e afluência do Córrego da Prainha já muito poluído. Em vermelho, a estação elevatória de esgoto que, apesar de estar ativada segundo informações da Prefeitura, parece não desviar as águas da Prainha para tratamento adequado. Imagem do SETOR 1, da nascente do Córrego da Prainha até o Morro da Luz. Imagem do SETOR 2 e 3. Acima temos o desvio sinuoso da Avenida Tenente Coronel Duarte (em frente ao Colégio Salesiano São Gonçalo e Supermercado Modelo), depois segue até o encontro com a Avenida Beira Rio (à esquerda o Super-Mercado Atacadão e à direita o Parque de Exposições Agropecuárias). Vista panorâmica da região do Porto e do Terceiro, no encontro do Prainha com o rio Cuiabá. Vista panorâmica da região do Porto e do Terceiro, com as pontes que conectam Cuiabá à Várzea Grande. Sugestões de projeto para o uso correto da vegetação urbana. Exemplos de abrigos artificiais e naturais adaptados ao clima do cerrado. Exemplo de pavimentação ecológica para a cidade. Croqui do Parque Linear da Prainha a partir da vista da Igreja do
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Rosário (ao Centro) e Morro da Luz (à esquerda). Croqui do Parque Linear da Prainha a partir da vista sobre o Largo do Mundéu e Chafariz (Praça Bispo Dom Aquino) e Igreja Bom Despacho (à esquerda). Croqui do Parque Linear da Prainha e os novos espaços e construções propostas para as áreas a serem desapropriadas. Edifícios construídos com técnicas e materiais locais (regionalismo arquitetônico), adequadas ao clima como a madeira, a cobertura de palha de buriti, sistemas de ventilação, etc. Croqui de um centro educacional e qualificação profissional. Além da arquitetura de referências regionalistas, têm-se a utilização do piso subterrâneo para adequação climática mais eficiente decorrente da inércia térmica do solo. O paisagismo e o uso da água (cascatas) permitem melhor ambiência urbana.
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XVI
LISTA DE TABELAS Nº. Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6
Tabela 7
Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11
TÍTULO
PÁGINA
Crescimento populacional 2002-2050. Tabela de porcentagem populacional urbana por continente e taxa de crescimento demográfico. Tabela de taxa de natalidade de 2002 a 2005. Evolução da população residente em Mato Grosso, por situação de domicílio entre 1872 e 2003*. Área das Regiões Administrativas de Cuiabá, em 2003. Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 1 do Parque Linear da Prainha. Os dados demonstram a distribuição equivalente entre as faixas, exceto entre 25 e 59 anos, tendo em vista a maior concentração etária (34 anos). Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 2 do Parque Linear da Prainha, com 11.445 habitantes e área total de 334,42 ha. Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 3 do Parque Linear da Prainha. Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 1. Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 2. Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 3.
019 019 021 111 130 204
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XVII
LISTA DE QUADROS Nº. Quadro 1
TÍTULO Cronologia histórico-urbanística da cidade de Cuiabá.
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XVIII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABM - Associação Brasileira de Municípios ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas APP - Área de Preservação Permanente BID - Banco Internacional para o Desenvolvimento BNH - Banco Nacional de Habitação CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgotos CNM - Confederação Nacional dos Municípios COHAB - Companhia de Habitação CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente CPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos CREA - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura ECO-92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro - 1992 EIA - Estudo de Impacto Ambiental FEMA - Fundação Estadual de Meio Ambiente (extinta) FINASA - Financiamento Nacional de Saneamento FINEP - Financiamento Especial de Projetos IAB - Instituto dos Arquitetos do Brasil IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INMET - Instituto Nacional de Meteorologia INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPDU - Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPTU - Imposto Territorial Urbano MDU - Ministério de Desenvolvimento Urbano (uma pasta do Ministério do Interior) MISC - Museu da Imagem e do Som MMA - Ministério do Meio Ambiente OGU - Orçamento Geral da União ONU - Organização das Nações Unidas PGA - Plano de Gestão Ambiental PIB - Produto Interno Bruto PLANASA - Plano Nacional de Saneamento PMC - Prefeitura Municipal de Cuiabá PNMA - Política Nacional de Meio Ambiente PROCONVE - Programa de Controle de Poluição por Veículos Automotores RIMA - Relatório de Impacto Ambiental SANECAP - Companhia de Saneamento da Capital SEMA - Secretaria Estadual de Meio Ambiente (atual) SEPLAN - Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral do Estado SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso
XIX
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. O ESPAÇO URBANO E A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO AMBIENTAL URBANA 1.2 DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE URBANA 1.3 AMBIENTE URBANO SUSTENTÁVEL 1.4 A SUSTENTABILIDADE URBANA ATUAL EM QUESTÃO 1.5 A SUSTENTABILIDADE NO CONTEXTO POLÍTICO ATUAL BRASILEIRO FRENTE À GLOBALIZAÇÃO 2. A UTOPIA NA CONSTRUÇÃO DAS CIDADES, UM PARTIDO PARA A REINVENÇÃO URBANA DO SÉCULO XXI 2.1 UTOPIA E CIDADE A PARTIR DO PENSAMENTO HUMANO 2.2 UTOPIA E CIDADE NO CONTEXTO DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX 2.3 O SOCIALISMO UTÓPICO DURANTE O SÉCULO XIX E A VISÃO DE MARX SOBRE O UTOPIANISMO 2.4 AS CIDADES UTÓPICAS E SUAS CONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS ATÉ O SÉCULO XIX 2.5 AS GRANDES INTERVENÇÕES URBANAS E SURGIMENTO DAS CIDADES UTÓPICAS NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX 2.6 A PARIS DE HAUSSMANN E A BARCELONA DE CERDÀ 2.7 O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS PROPOSTAS UTÓPICAS PARA AS CIDADES NO SÉCULO XX 2.8 A UTOPIA URBANA DE LE CORBUSIER E O CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETOS MODERNOS (CIAM) 2.9 AS CIDADES UTÓPICAS PARA O SÉCULO XXI 3. A UTOPIA URBANA DA CAPITAL BRASILEIRA: O CASO DE BRASÍLIA 4. PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES: DA CIDADE À SUSTENTABILIDADE, DA LEI À REALIDADE 4.1 PLANEJAMENTO URBANO X PLANEJAMENTO AMBIENTAL 4.2 DA SUSTENTABILIDADE IDEAL À INSUSTENTABILIDADE REAL 4.3 A CIDADE E O PODER NO BRASIL 4.4 OS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL EM DISCUSSÃO 4.5 A POLÍTICA AMBIENTAL NO CONTEXTO NACIONAL 4.6 A GESTÃO AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES A PARTIR DO CONTEXTO MATO GROSSENSE 4.7 DA CONJUNTURA LEGAL À REAL 4.8 AS FERRAMENTAS LEGAIS DO ESTATUTO DA CIDADE E DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL 4.9 PLANEJAMENTO AMBIENTAL NA RE-CONSTRUÇÃO DAS CIDADES 5. DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ E O PROCESSO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E ARQUITETÔNICA 5.1 A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA, ASPECTOS FÍSICOS E AMBIENTAIS
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5.2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA CIDADE DE CUIABÁ 5.3 AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS E DEFINIÇÃO DOS CICLOS DE DESENVOLVIMENTO DA CAPITAL 5.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO URBANA DE CUIABÁ 6. O CÓRREGO DA PRAINHA: O OBJETO DE ESTUDO, A QUESTÃO HISTÓRICO-AMBIENTAL E O PROCESSO DE RETIFICAÇÃO 6.1 PERCORRENDO A PRAINHA HOJE 6.1.1 A NASCENTE URBANIZADA 6.1.2 SUPERMERCADO MODELO - A INTERVENÇÃO NA DÉCADA DE 1990 6.1.3 A PRAÇA ERNETE RICCI – INTERVENÇÃO DA DÉCADA DE 1970 6.1.4 A AVENIDA TENENTE CORONEL DUARTE (AVENIDA DA PRAINHA) 6.1.5 O ENCONTRO COM O RIO CUIABÁ 7. O PORQUÊ DA INTERVENÇÃO NO CONTEXTO ATUAL DA AVENIDA TENENTE CORONEL DUARTE 7.1 A INTERVENÇÃO NO CENTRO DE CUIABÁ ENQUANTO MEDIDA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL 7.2 A INTERVENÇÃO NO CENTRO DE CUIABÁ COMO PARTIDO PARA UMA BIOCIDADE SUSTENTÁVEL FUTURA 7.3 A RUPTURA DE PARADIGMAS NA INTERVENÇÃO URBANA 8. O “PARQUE LINEAR DA PRAINHA” EM CUIABÁ: UMA PROPOSTA UTÓPICA? 8.1 ABAIRRAMENTO DA REGIÃO DE INTERVENÇÃO, COMPREENSÃO DO ENTORNO E DETERMINANTES DE PROJETO 8.2 UTOPIA, POR QUÊ? 8.3 O PROJETO DE INTERVENÇÃO “PARQUE LINEAR DA PRAINHA”: SUAS CODICIONANTES E POTENCIALIDADES 8.3.1 PRIMEIRA FASE 8.3.2 SEGUNDA FASE 9. A PROPOSTA UTÓPICA A PARTIR DO DESENHO URBANO: DIRETRIZES GERAIS DO PARQUE LINEAR DA PRAINHA 9.1 PRAÇAS, LARGOS, ÁGUA E VEGETAÇÃO URBANA 9.2 TRAÇADO E IMPLANTAÇÃO GERAL DO PARQUE LINEAR DA PRAINHA 9.3 ÁGUAS PLUVIAIS 9.4 ACESSIBILIDADE E SINALIZAÇÃO 9.5 O PROJETO E A RELAÇÃO COM A FORMA DOS ESPAÇOS LIVRES 9.6 EQUIPAMENTOS COMUNITÁRIOS E ALGUMAS INFORMAÇÕES GERAIS DO PROJETO DE INTERVENÇÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES ANEXOS
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INTRODUÇÃO Pensar utopicamente uma cidade não é ter uma alucinação e propor algo estapafúrdio e inviável. Ao contrário. É buscar um caminho viável dentro do caos urbano, saindo à frente, prevendo soluções e mudando o curso da história. O percurso das cidades pós-revolução industrial é sempre o da especulação do solo urbano, é a trajetória do capital e do uso do solo da cidade como gerador de capital. Os urbanistas, quando atuam (raramente são chamados para participar das decisões de intervenções nas cidades), não fazem senão abrandar os erros existentes, remendar o tecido urbano já bem deteriorado. Pensar utopicamente hoje faz todo sentido. Mesmo que esta utopia indique um caminho de transformações muito mais radical do que o que é possível realizar, mesmo sabendo-se que o projeto possivelmente não será totalmente aproveitado. O uso da arquitetura visionária e da utopia como instrumental de projeto vai permitir o avanço de maneira firme e sólida. Com o uso dessa metodologia será possível traçar um rumo na direção correta. Denise Falcão Pessoa, 2006: 141
Reflexo das grandes e rápidas transformações espaciais a partir da década de 1970, aglutinador das diversas formas de manifestação e relações humanas, conflitos, contradições, poluições, ocupações descontroladas enfim, a cidade contemporânea se tornou sinônimo de desordem e caos na configuração de um espaço complexo em sua essência. A cidade também é o lugar do poder, da concentração do capital e das suas diversas formas de produção, assim torna-se um espaço que produz oportunidades de trabalho e, paradoxalmente, apresenta as maiores desigualdades e carências para uma grande parcela de sua população. Diante desse repertório de problemas, o urbanismo vem se adaptando no decorrer dos últimos séculos e tentando responder, em teorias ou projetos, às necessidades e exigências desse espaço, com suas condicionantes e variáveis de fatores sociais, econômicos, culturais, políticos e, essencialmente, ambientais. A capital mato-grossense de Cuiabá é uma imagem desse processo global de construção das cidades capitalistas, especialmente quando analisada a partir do seu centro histórico, que é o objeto desse trabalho. A antiga cidade colonial do século XVIII já não apresenta as características de outrora. A cidade de Cuiabá se transfigurou em uma metrópole conurbada ao município de Várzea Grande, com uma região violenta, impermeabilizada, poluída, degradada e congestionada. O objetivo desse trabalho é propor uma realidade alternativa e diversa desse contexto através da implementação do Parque Linear da Prainha, assim uma nova cidade seria possível, com qualidade ambiental e humana. Uma cidade ideal que respeite sua histórica ocupação, considerando a cultura ribeirinha e a do caboclo, resgatando a cuiabania tradicional que tem por necessidade se relacionar com a natureza e sua religiosidade. A região da antiga Prainha é o limite linear e objeto da intervenção urbana desta proposta, pois essa área expressa condicionantes importantes como um patrimônio arquitetônico 1
expressivo no contexto histórico do cerrado no Centro-Oeste brasileiro, além de ser uma área constituída por edifícios simbólicos e emblemáticos para a capital. Atualmente, também é uma das áreas mais degradadas e densas da cidade, teve seu córrego canalizado e retificado entre os anos 1960 e 1970, intervenção que esconde sob a atual Avenida Tenente Coronel Duarte um curso d’água poluído de esgoto e intensamente depreciado pela sociedade. Esse surto de expansão urbana ocorrido nos anos 1970 e 1980 subjuga a cultura local e imprime forte pressão especulativa sobre o centro histórico. Isso culmina com a descaracterização ou destruição de várias edificações coloniais, situação que expressa a ideologia do moderno e avanço da fronteira capitalista para o Centro-Oeste. Considerando o fato de este Parque Linear estar intervindo na atual Avenida Tenente Coronel Duarte (antigo córrego da Prainha), esta que constitui uma área consolidada, de intenso uso e ocupação do solo urbano densificado, torna a proposição transformadora e radical frente à leitura urbana contemporânea da capital. A antiga Prainha atualmente se apresenta transfigurada, desde a década de 1960, em uma via estrutural de fluxo intenso e de alto impacto na urbe. Também temos nessa região linear a existência de um comércio pujante para a cidade, delineada por edifícios simbólicos e emblemáticos do patrimônio arquitetônico, cultural e religioso da cuiabania. A transformação dessa área em um grande parque urbano, proposta por este projeto, não é em nenhum momento sequer imaginada pelo Poder Público ou pela sociedade local. Dessa forma, o caminho encontrado para uma possível reinvenção urbana seria a utopia como proposição conceitual de projeto visionário. O olhar para a cidade e perceber suas fissuras, seus conflitos, seus abusos, sua poluição ou o seu clima desfavorável, permite ao urbanista se desvencilhar de um possível comodismo humano, o que possibilita a não aceitação da feiúra urbana e da sua pouca qualidade de vida e ambiental. Assim sendo, a Prainha é um ponto vital e estratégico para uma intervenção urbana em Cuiabá e podemos enumerar algumas determinantes principais que justificam tal escolha:
1. A consistência histórica (história urbana) da Prainha e do seu patrimônio arquitetônico e paisagístico pregresso, essencial ao surgimento da capital desde o séc. XVIII; 2. O centro de Cuiabá, em especial a região da Prainha, tem um papel vital quanto à identidade e à referência de seus cidadãos e visitantes; 3. A destruição dos recursos naturais, matas de galeria, antigos largos e parques, ocupação das colinas de Cuiabá resultaram na profunda alteração de sua paisagem
2
urbana colonial principalmente a partir da década de 1960 e 1970 (CONTE & FREIRE, 2005); 4. A poluição e descaracterização das águas urbanas do córrego da Prainha e seus tributários, a destruição da flora e fauna, bem como a alteração de seu traçado original e a ligação criminosa da rede de coleta de esgoto e pluvial ao seu leito, este que deságua diretamente no rio Cuiabá sem nenhum tratamento adequado; 5. O impacto climático gerado pelas intervenções antropogênicas na área central de Cuiabá, desde a construção da Avenida Tenente Coronel Duarte e canalização do córrego (1962); posterior cobertura do mesmo (1979), (Ibid., 2005), assim como a verticalização, densificação e impermeabilização do solo nos bairros centrais da cidade resultaram na formação de Ilha de Calor1, sendo constatadas as maiores médias de temperatura urbana na região da Prainha (MAITELLI, 1994); 6. A potencialidade transformadora de uma área intensamente utilizada pela população da cidade, principalmente em virtude do comércio e serviços diversificados, polarizados no local – marcante presença das atividades terciárias2; 7. A possibilidade de expansão do projeto para outras áreas e córregos da cidade, estabelecendo um diálogo com outras Áreas de Preservação Permanentes ou Unidades de Conservação; 8. A ausência de arborização e corpos d’água. Para Oke (1973b), quando se tem uma área com 20% da superfície verde, a energia radiante é utilizada predominantemente nos processos de evapotranspiração, e não para aquecer o ar. Assim, para a melhoria do clima urbano, a vegetação apresenta duas vantagens: o sombreamento e o resfriamento indireto do ar por evapotranspiração das folhas. Porém, Givoni (1998) ressalta a importância da arborização com o efeito direto de filtragem da poluição do ar e partículas em suspensão (ROMERO, 1985), e indireto de incrementar as condições de ventilação. Também é mais eficiente espaçar árvores e parques urbanos do que concentrá-los em alguns pontos. A utilização de espelhos d’água, esguichos, junto ao sombreamento de edificações e densa arborização 1
Ilha de Calor é uma anomalia térmica que resulta no aumento da temperatura do ar urbano em relação às outras áreas vizinhas, configurando um bolsão térmico na cidade. A substituição dos materiais naturais pelos espaços edificados, circulação de veículos automotores e circulação intensa provocam mudanças nas características da atmosfera local. Por isso podemos observar o aumento de temperatura nos grandes centros, fenômeno chamado de ilha de calor. Os efeitos da ilha de calor são bons exemplos das modificações causadas pelo homem na atmosfera urbana. Podemos observar que a ilha de calor costuma atingir maiores temperaturas quando o céu está limpo e claro e o vento calmo. (CPTEC/INPE, 2007). 2 Atividades Terciárias são aquelas que incluem o comércio e os serviços varejistas, incluindo serviços de educação, de lazer, financeiros, de hospedagem etc. (VARGAS & CASTILHO, 2005) 3
(GOUVÊA, 2002), possibilita a criação de micro-climas urbanos que nunca existiram nas condições naturais: verdadeiros oásis urbanos (DUARTE; SERRA, 2003). 9. A área é, talvez, a única região-objeto de uma possível intervenção urbana de caráter utópico na cidade em virtude da sua condição atual e concreta de centro de sedimentada ocupação, assim concatena com a postura de ruptura de paradigmas na intervenção urbana, visto que nega a sua condição real e prenuncia uma nova imagem urbana e transformadora para Cuiabá.
O Centro, por definição, implica a presença de uma cidade de diversidade étnica, portadora de processos históricos conflituosos, com milhares de anos de existência em permanente contradição (CARRION, 1998). Não obstante, o centro também é o lugar da gênese urbana e sua história, local dinâmico de fluxos e circulação, encontros, serviços, simbolismo, onde se tem diversos edifícios de instituições públicas e religiosas, e é responsável pela noção de pertencimento às pessoas que habitam a cidade (VARGAS & CASTILHO, 2006). A preservação do centro perfaz necessariamente todas as classes e segmentos sociais, e não deve estar restrita somente às edificações mais imponentes ou expressivas, sendo que a cidade contemporânea não possui a necessidade de se congelar no pretérito (MARCUSE, 1998).
A morte, que não poupa nenhum ser vivo, atinge as obras dos homens. É necessário saber reconhecer e discriminar nos testemunhos do passado aquelas que ainda estão bem vivas. Nem tudo que é passado tem, por definição, direito à perenidade; convém escolher com a sabedoria o que deve ser respeitado. Se os interesses da cidade são lesados pela persistência de determinadas presenças insignes, majestosas, de uma era já encerrada, será procurada a solução capaz de conciliar dois pontos de vista opostos (...) (IPHAN et al., 1995: 59)
O Parque Linear da Prainha também propõe uma alteração significativa do trânsito, já que a Avenida Tenente Coronel Duarte representa uma via estrutural para a cidade. Contudo, a proposta é justamente alterar a condição atual do centro urbano que funciona como uma área de passagem e conexão para os automóveis. Degradada pelo trânsito intenso, essa área transmutar-se-ia assim em um lugar melhor do pedestre, destinado à contemplação prazerosa do meio ambiente; um espaço para o homem e não para a máquina. O projeto tem como uma de suas premissas a participação da sociedade em cada processo, conforme expressa a nossa Constituição Cidadã desde 1988. A população deve assumir o Parque Linear da Prainha e se identificar com ele, conscientizando de sua cidadania na promoção de uma cidade melhor e mais justa. Esse ideário não revigora as ideologias 4
modernistas de mudança social através da arquitetura ou do urbanismo, mas assume que através de uma utopia podemos constituir uma cidade para seus cidadãos. Para tanto, cada equipamento ou mobiliário deve atender as necessidades e carências da população, adequando-se às diversas classes sociais, às distintas faixas etárias e contraditórias condições de educação e de vida. Segundo Denise F. Pessoa (2006: 16), projetos visionários ou utopias poderiam apontar uma saída para o caos urbano no qual vivemos. Ela ainda afirma que essas visões ideológicas acerca da cidade têm uma função crítica e ao mesmo tempo propositiva, pois deflagram que tudo que está sendo produzido ou pensado para a cidade ou sociedade não corresponde aos anseios de um determinado contexto histórico, político, social ou econômico. Dessa maneira, a arquitetura visionária e a utopia urbana atuariam como uma espécie de radar, no qual se identifica prematuramente um momento de mudança antes de qualquer outro segmento da sociedade, decodificando assim os anseios coletivos da humanidade. A partir desse pressuposto utópico, a idealização do Parque Linear da Prainha perfaz o caminho de concepção de um projeto visionário, pensando novas possibilidades futuras a partir de um outro paradigma de cidade, sem o conceito de re-vitalizar ou re-estruturar. O pensamento utópico torna-se assim uma ferramenta ilimitada para o entendimento da cidade, projetando um desenho de qualidade propositiva de dupla função, pois além de sanar determinadas necessidades, ela também prenuncia novas necessidades ainda não compreendidas. No contexto da utopia urbana, Ricardo Toledo Silva (2005) faz uma referência à necessária intenção do pensamento utópico para a humanidade, desde que obedecidas algumas sistemáticas na idealização de códigos hipotéticos, pois o mesmo se constitui em um exercício de premeditação a um momento tecnológico futuro que, a partir de novas descobertas, tornaria realizável as concepções utópicas de outrora.
Uma forma aceita de pesquisa em projeto de arquitetura e urbanismo é a proposição de sistemas hipotéticos, como exercício de desenvolvimento das potencialidades criativas e tecnológicas em projetos de estruturas urbanas que sabidamente não serão construídas. Esse tipo de exercício constituiu o eixo de atividades dos utopistas de fins do século XIX e estabeleceu bases metodológicas mais tarde incorporadas à arquitetura e urbanismo modernos. Diferentemente do que pode parecer à primeira vista, não se trata de simples especulação de formas em um processo de pensamento livre. É um exercício sistemático de síntese, baseado na mais completa possível revisão de estado da arte aplicável sobre o objeto em estudo, mas que deve propor algo além do realizável naquele momento particular, como forma de antever um estágio suplementar de progresso a orientar os componentes dos outros projetos, estes voltados à materialização imediata. É como uma demarcação de vetor, cujo limite ainda está no plano do irrealizável, mas que os passos intermediários poderão conduzir à realização da utopia. Esta foi a contribuição de artistas do Renascimento ao notável desenvolvimento arquitetônico da época, quando em suas pinturas representavam complexos edificados que se antecipavam a sua materialização construtiva, mais tarde 5
realizada. Esta foi também a essência do trabalho de Tony Garnier, entre os utopistas do século XIX, que projetou uma hipotética cidade industrial até o nível de detalhes executivos que anteciparam sistemas construtivos pré-fabricados voltados à habitação em massa, desenvolvidos sob a égide da arquitetura moderna. (SILVA, 2005)
A organização dos capítulos deste trabalho se subdivide em quatro períodos bem definidos, delimitados a partir da metodologia de pesquisa e projeto empregada. O primeiro discute a evolução mundial do conceito de sustentabilidade, para depois compreender as questões nacionais e regionais acerca do desenvolvimento e formulação do aparato legal para a ordenação das cidades e seu planejamento urbano e regional. O segundo período se constrói sobre um estudo crítico das diversas utopias e projetos visionários no decorrer da história humana, detectando elementos coincidentes e estabelecendo diretrizes para a formulação de uma utopia futura. O terceiro período da pesquisa se fundamenta na investigação histórica e caracterização da área, identificando-se assim as ações humanas sobre o espaço urbano em questão, suas determinantes e condicionantes de projeto. O quarto e último período do trabalho se constitui a partir do desenvolvimento e definição da proposta urbanística de intervenção utópica, formalizado através do Parque Linear da Prainha. Para melhor entendimento e contextualização metodológica, vale pontuar algumas passagens cronológicas que nortearam a pesquisa. Esta fora principiada em março de 2006, contudo, inicialmente, o objeto de estudo limitava-se à área do Rio Cuiabá, em conformidade com o anteprojeto de dissertação aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFMT. Após análises e discussões sob a orientação do Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto, definiu-se a mudança do objeto de estudo e intervenção urbana. Tendo em vista novas condicionantes que apontavam para a necessidade de se intervir na área central da cidade, fundamentada por teorias urbanas adotadas como caminho conceitual que apontaram para a necessária e possível intervenção na região do antigo Córrego da Prainha. Em 9 de abril de 2006 foi feita a primeira visita técnica ao Rio Cuiabá, perfazendo um trajeto entre a Ponte Júlio Muller (Ponte Velha) e a Ponte Nova (interligada à Avenida Miguel Sutil), na qual houve um levantamento prévio das condicionantes urbanísticas e ambientais da área, com devido levantamento fotográfico. Após algumas visitas e conseqüentes pesquisas em órgãos públicos da capital – como a sede do IPHAN, Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (MISC), Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU - Prefeitura Municipal de Cuiabá), Arquivo Público do Estado, Acervo de Imagens do Laboratório de Cartografia e Geoprocessamento da UFMT –; no dia 27 de julho de 2006 foi feita uma incursão na “nova área de estudo”, percorrida desde a nascente do Córrego da Prainha até 6
a confluência com a Avenida Tenente Coronel Duarte. A partir de então, juntamente com o Prof. Dr. Luiz da Rosa, determinou-se diagnósticos preocupantes das condições sócioeconômicas, habitacionais e ambientais da área canalizada do Córrego, numa área exclusivamente residencial, violenta, poluída e marginalizada, como comprovam o arquivo fotográfico resultante desse trajeto e algumas entrevistas pontuais realizadas nessa área com os moradores mais antigos. No dia 29 de agosto de 2006, uma nova visita à área é programada junto com os alunos mestrandos da Disciplina de Produção Social do Espaço Urbano, ministrada pela Profª. Drª. Marinete Covezzi, possibilitando novas discussões e apontamentos sobre os problemas urbanos da área, já que o grupo era composto por profissionais de diversas áreas de estudo e, conseqüentemente, distintos olhares. Análises acerca de imagens aerofotogramétricas e imagens geradas por satélites nos últimos dois decênios, intercaladas por pesquisas bibliográficas, intercâmbios com outros projetos de intervenção urbana (visitas à Goiânia-GO, Brasília-DF e Florianópolis-SC em outubro de 2006; novamente Brasília-DF, Uberlândia-MG, Maringá-PR em dezembro de 2007; São Paulo-SP e Santo André-SP em setembro de 2007), pesquisas de acervos históricos da Capital (jornais entre as décadas de 1960 e 1970, fase de canalização e cobertura do Córrego da Prainha disponibilizados pelo Arquivo Público do Estado, como também acervos do IPHAN e MISC), corroboraram decisivamente no processo. Em 12 agosto de 2007 foi realizada uma etapa decisiva através de questionários específicos aplicados para confirmação das condicionantes verificadas (seja empiricamente ou através das pesquisas citadas anteriormente), assim foram efetuadas entrevistas aos moradores, identificando determinantes críticas como a ausência do Poder Público, inexistência de equipamentos comunitários urbanos essenciais, predomínio de habitações insalubres de baixa renda junto à condomínios e residências de classes mais favorecidas, poluição dos recursos, destruição da paisagem natural, violência e marginalização. No dia 16 de outubro do mesmo ano, data da Banca de Qualificação, foi feita mais uma visita ao IPDU e entrevista aos profissionais Eng. Zuila de Miranda e Tatiana Monteiro Costa e Silva, bem como mais um percurso fotográfico entre o Morro da Luz até a Estação Elevatória, esta que atualmente recebe as águas do Córrego da Prainha junto às margens do Rio Cuiabá, no Bairro do Porto. Assim entendida a cronologia de pesquisa, a metodologia adotada para a pesquisa se fundamentou sobre quatro etapas distintas de trabalho, porém não necessariamente as mesmas ocorreram separadamente enquanto ordem cronológica, mas se inter-relacionando cada fase com as demais. A primeira etapa coube à orientação geral da pesquisa, a segunda de conceito e contextualização, na terceira foi realizada as visitas e entrevistas aos locais selecionados e, 7
por fim, a análise e definição das formas de intervenções urbanísticas mais adequadas a um projeto de recuperação ambiental e implantação do Parque Linear da Prainha. Após a etapa inicial de extensa e aprofundada pesquisa bibliográfica, definição das diretrizes para as análises e das fases do cronograma, partiu-se para a fundamentação teórica do assunto em questão e da abordagem dos conceitos utópicos para as cidades no decorrer da história da civilização humana até a contemporaneidade. Nessa etapa houve um estudo sobre as discussões em torno da cidade e seu processo de ocupação, com influência direta sobre a questão ambiental. Compreender como se dá o desenvolvimento de projetos urbanísticos de parques e espaços públicos (que possuam objetivos comuns ao do Parque Linear), como também a posição conceitual das correntes de pensamento hodiernas sobre as formas de intervenção urbanísticas nas cidades brasileiras são artefatos integrantes do diagnóstico. Paralelamente, a pesquisa sobre as principais propostas existentes para essas áreas, dentro do contexto nacional e regional, é vital e determinante para o partido urbanístico desse projeto e sua proximidade com a realidade local de Cuiabá. A etapa terceira teve como objetivo observar, em campo, as propostas conhecidas na teoria, percebendo assim quais os pontos favoráveis ou não dos projetos urbanísticos escolhidos. Para tanto, foram definidos parâmetros para a análise das propostas urbanas e seus resultados. Ainda nesta fase, houve o período de entrevistas aos profissionais e pesquisadores da área, como também de setores públicos responsáveis por tais projetos e levantamento de um programa de necessidades que atenda às exigências e necessidades de seus usuários futuros. Destacamos ainda a adequação plena do projeto às legislações que regulamentam a utilização de espaços públicos, de recuperação e preservação ambiental, bem como delegar o uso social efetivo das Áreas de Preservação Permanente (APP’s). No decorrer das atividades buscou-se o diálogo com diversos projetos e propostas urbanas idealizadas ou mesmo implantadas no País, bem como a observação de intervenções aplicadas em outras nacionalidades, como função de enriquecimento do vocabulário de projeto. Esta fase possibilitou a interação com eventos importantes tanto da arquitetura e urbanismo quanto do planejamento urbano e regional contemporâneo no Brasil, que resultaram na participação nos seguintes seminários:
1º DOCOMOMO Paraná – PUC – Curitiba, PR (17-19 agosto de 2006) - comunicação: painel;
XVIII Congresso Brasileiro de Arquitetos – Goiânia, GO (11-14 outubro de 2006) comunicação: apresentação;
Seminário Internacional Planejamento Urbano no Brasil e na Europa: um diálogo ainda possível? – UFSC – Florianópolis, SC (23-25 de outubro) comunicação: painel; 8
APPUrbana 2007 – Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano e Restrições Ambientais ao Parcelamento do Solo – FAU/USP – São Paulo, SP (04-07 de setembro de 2007) – comunicação: painel.
A etapa final diz respeito à análise das informações obtidas, definição e conclusão do estudo, determinando assim parâmetros precisos de intervenção urbana proposta pelo desenvolvimento e implantação do Parque Linear da Prainha, finalizando de maneira concreta e representada através de anteprojeto arquitetônico-urbanístico. Muitos dos projetos utópicos classificados nem sempre são julgados como tal, já que algumas propostas foram concretizadas e assim perderam a relação com o objeto visionário e inteligível. Entretanto a seleção dos projetos a serem estudados foi estrita dentro de uma idéia de ruptura do sistema urbano e social vigente em cada período histórico, proposto por projetos transformadores das cidades e do pensamento humano. A indagação da pertinência de uma utopia para os dias atuais é uma discussão intensa no campo da filosofia, porém, no urbanismo atual o utopianismo tem a meta de integrar duas realidades opostas e incoerentes: a natureza e a cidade contemporânea, fundamentado sobre a premissa de se estabelecer a função social de algumas áreas para a cidade. Todavia, para um melhor entendimento da proposição de uma utopia, é negligenciada a argumentação de um urbanismo calcado em dados quantitativos para as soluções de imediatismo político ou econômico, pois a abordagem utópica propõe uma realidade transformadora a longo prazo e de futura permanência. Também há uma tendência de proteção de um status quo da urbanidade, rotulando de utópico tudo que vai além da ordem vigente, seja ela uma utopia absoluta e irrealizável sobre qualquer circunstância, ou uma utopia relativa que somente não se adapta à ordem estabelecida de poder, tempo e espaço. Geralmente os que depreciam a utopia relativa, esta que é inserida numa proposta de transformação social e espacial de cidade, também são os que realizam suas ações e colhem as conseqüências para seus próprios fins imediatos. A utopia também apresenta algumas características reincidentes na história, como a crítica ao sistema ou ordem existente, a busca por um bem estar e justiça social e, por fim, a interação da cidade utópica com natureza em seu estado primário. Contudo, é feita uma análise histórica dessas utopias, compreendendo as condicionantes que encaminharam essas propostas visionárias em cada época, para então propor uma reinvenção urbana para a cidade de Cuiabá em face da realidade atual de sua área central. A dialética de um projeto utópico ideal seria construída com a sociedade participativa, em fases bem definidas e que gerem idéias detalhadas de arquitetura e do urbanismo, possibilitando clareza e entendimento de cada procedimento projetual. Entretanto, em 9
virtude das limitações temporais e da necessária produção de um objeto resultante da pesquisa, o Parque Linear da Prainha deve ser entendido muito mais como uma proposição inicial de anteprojeto do que uma imagem final e acabada de um projeto urbano visionário. Não obstante, a utopia deve ser aceita como um caminho que norteie nossas cidades futuras, já que a partir da realidade sensível contemporânea torna-se impossível construirmos um mundo melhor e sustentável dentro dos paradigmas atuais de humanidade.
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1. O ESPAÇO URBANO SUSTENTABILIDADE
E
A
EVOLUÇÃO
DO
CONCEITO
DE
O agravamento progressivo dos processos de degradação ambiental, a exploração descabida dos recursos e bens naturais resultou na ameaça da economia e da qualidade de vida nas cidades. Ainda na década de 1970, a partir da constatação global dos inúmeros problemas decorrentes do desenvolvimento da economia mundial – industrialização e informatização – do processo de globalização econômica e de segregação social, é que se atentou à necessidade de ruptura de paradigma na relação do urbanismo e seus novos conceitos de desenvolvimento sustentado no equilíbrio com o meio ambiente. Nasce então um novo conceito, citado e defendido com fervor em seminários, congressos e publicações na área científico-acadêmica dos mais diversos campos do pensamento humano, denominado Sustentabilidade3. No Brasil percebemos formas diversas de ocupações urbanas que de acordo com cada momento histórico, político, econômico ou social e conforme a inter-relação desses fatores, sempre influenciaram a ocupação territorial. Nesse âmbito, o padrão de qualidade ambiental dessas aglomerações humanas permanece refém de cada época e de suas relações com esses fatores, percorrendo o equilíbrio com a natureza, através das aldeias indígenas, às urbanizações de extremo impacto ambiental das cidades atuais, estas que desde o período de colonização seguem padrões importados que pouco se relacionam com as condições climáticas, econômicas, culturais e sociais de nosso país. Nos projetos de urbanismo contemporâneo, ou até mesmo nas teorias de cada área do conhecimento relacionadas ao tema, percebemos conceitos diversificados e, muitas vezes superficiais ou pontuais de sustentabilidade, nos quais se considera – como, por exemplo, no campo da arquitetura e urbanismo – objeto de estudo apenas a delimitação do perímetro urbano da cidade, esquecendo da relação entre espaço urbano e rural e as diversas formas de interações ambientais e climáticas entre os mesmos. Por outro lado, existem teóricos conceituados internacionalmente e com rica produção acadêmico-científica, porém pouco relacionada com a efetiva construção e aplicação de seus estudos no espaço urbano. Esse último fator talvez seja resultado da pouca inter-relação das diversas áreas do conhecimento como a arquitetura, geografia, sociologia, filosofia, engenharia, economia, entre outras, ficando cada profissional ou cientista recluso em sua área do saber e possuindo, dessa forma, uma excelente produção, porém especifica. Outro determinante importante é a 3
Sustentabilidade: “o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz às necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas”. Our Common Future, Comissão Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Oxford University Press, 1987 (Informe Brundtland). 11
influência e o poder exercido pelos interesses econômicos, privados ou públicos, em cada região, que emperram ou até mesmo barram a implantação de projetos ambientais que visem o desenvolvimento sustentado em detrimento do lucro imediato. No contexto nacional, existem tentativas – na maioria pública ou de cunho político – de não permanecer tais estudos apenas no plano inteligível, através da realização de concursos públicos e licitações que focam seus objetivos na melhoria do espaço urbano, tanto de áreas centrais como periféricas. No entanto, poucos projetos são executados na íntegra e, menor ainda ou mesmo inexistente é o número de projetos que efetivamente obtiveram respostas positivas junto à sociedade interessada. Dentro das discussões atuais de cidade sustentável ficam as indagações: Como imaginar uma cidade bem planejada e com excelentes índices de qualidade de vida à população, se existe no campo a exploração indiscriminada de monoculturas, desmatamentos, queimadas, poluição por agrotóxicos, assoreamento dos rios etc? Por outro lado, como pensarmos em sustentabilidade local ou regional se não minimizarmos as desigualdades sociais e econômicas entre as diversas regiões do país? O grande desafio aos urbanistas do século XXI é encontrar as respostas para a aplicação da sustentabilidade urbana diante desse quadro de conflitos e desigualdades seculares que existe em nosso país. Re-estruturar cidades sustentáveis negligenciando a necessária prática de políticas públicas direcionadas por planos de gestão e de educação ambiental torna-se uma utopia distante. Não há urbanismo sustentável sem envolvimento social e conscientização ecológica da população, pois esses fatores são determinantes para a viabilização de qualquer projeto urbano e minimiza custos para a implantação e manutenção dos mesmos, além de atuar como um mecanismo facilitador de acesso aos escassos recursos existentes no país através do apoio e exigência da própria população. Enquanto desenho urbano deve-se pensar espaços diversificados, dinâmicos, centralizados, complexos e arborizados, que propiciem o encontro das pessoas em espaços públicos agradáveis e que proporcionem conscientização do cidadão como agente ativo não só do espaço urbano, mas sim de todo meio ambiente. Já como processo de Planejamento Urbano e Regional das cidades brasileiras, temos para o século XXI estabelecer uma nova dinâmica democrática e participativa real, e não só no plano das idéias. Através dessas ações urbanísticas e de planejamento (para todos), re-estruturadoras do espaço e da consciência, talvez consigamos minimizar todo esse processo de degradação ambiental; utilizando fontes renováveis e recicláveis de recursos, energia e produção, resgatando a relação equilibrada entre homem e natureza que possuíamos no passado pré-industrial, como também inserindo o cidadão brasileiro no processo de produção e reinvenção de nossas cidades. 12
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO AMBIENTAL URBANA A natureza nos ensina a trabalhar com elementos diversos que se adaptam de acordo com cada lugar e suas respectivas características geográficas (clima, hidrografia, geomorfologia, ecossistemas, meio ambiente). Dessa maneira percebemos que as modificações da paisagem estão diretamente relacionadas com sua localização, caracterizando-se assim uma impressionante adequação da natureza ao longo de milhões de anos e que, devido às condições de cada região, reagem de maneiras diferentes às ações antrópicas. Um exemplo claro da influência climática local em resposta às ações humanas no espaço foi o estudo realizado por Endlicher (1988), no qual este destaca o problema da erosão do solo na Cordilheira da Oitava Região do Chile. Em seu artigo publicado ele enumera diversas conseqüências derivadas da produção agropecuária inadequada às condições geográficas regionais, destacando a degradação da paisagem, improdutividade e conseqüente impacto social sobre a agricultura de subsistência local. Outro ponto capital diagnosticado é o fato de que a retirada da mata nativa local resultou no processo de auto-degradação do solo, devido às condições topo-climáticas do lugar, sendo assim, mesmo após o abandono da agricultura em algumas áreas da região o solo não consegue se recompor e recuperar as condições naturais anteriores às ações antrópicas. Como alternativa, Endlicher propõe formas de produção e cultivo menos impactantes e que possuem respostas ambientais eficazes para a região, destacando que é necessário o investimento em pesquisas científicas direcionadas para cada lugar. Observamos na natureza exemplos claros de adequação às condições geográficas de cada região, tanto na vegetação tropical densa e alta da mata atlântica (de clima úmido e com chuvas abundantes), como na arborização dispersa, de troncos sinuosos e ásperos que protegem o caule e de raízes profundas do cerrado (devido à necessidade de absorção de água nas camadas mais profundas do solo durante os períodos de seca), (Figura 1). Os animais, por sua vez, também vêm a se adequar e contribuir para o equilíbrio desses ecossistemas. Um exemplo disso são as escavações dos animais pedológicos (como formigas, cupins ou minhocas), que contribuem para a absorção da água das chuvas, aeração e aumento do volume de matéria orgânica do solo, além de constituírem formas construtivas interessantes de funcionamento e adaptação às condições climáticas locais. Como apresenta Olgyay (1963), citado por Gouvêa (2003), Os cupins constroem verdadeiras edificações que, na escala humana, apresentariam centenas de metros de altura, ou mesmo o pássaro típico da região do cerrado denominado “joão-de-barro”, ambos executam suas
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construções de acordo com a orientação do sol e ventilação do ar, com formas e materiais adequados às condições e disponibilidades locais (Figuras 2 e 3).
Figura 1 Jacarandá do cerrado, árvore típica da região com troco sinuoso, copa baixa e raiz profunda.
Figura 2 Ninho de isópteros (Animais Pedológicos). Fonte: www.jetcityjimbo.com. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Nossos antepassados nos deixaram diversas lições de adequações construtivas às condições locais. Como os índios que costumam localizar suas aldeias próximas às matas ciliares dos rios, obtendo assim não só fácil acesso (através do rio como meio de transporte) e utilização dos recursos hídricos como também uma melhor ambiência climática. Ainda temos as construções indígenas que, em si, já apresentam características construtivas e uso de materiais inteligentemente compatibilizados com as funções e determinações climáticas do lugar (Figuras 4 e 5). Durante o processo de colonização portuguesa sabemos que houve uma interessante adaptação e simplificação das tecnologias construtivas advindas da Europa; mesclando-se técnicas como a taipa-de-pilão, tijolo de adobe ou pau-a-pique com as coberturas de sapê e as eficientes estruturas de madeira indígena, além de se utilizar da mão de obra escrava africana que, mesmo antes de desembarcarem no Brasil, já dominavam diversas técnicas do uso da terra como construção. Aliás, o uso da terra crua como material construtivo nos remete há milhares de anos, pois existem registros datados desde 8.000 a.C. de construções na China, Mesopotâmia, Oriente Médio, vários países do continente africano ou mesmo na América Pré-Colombiana; que determinaram o uso eficiente enquanto material de grande durabilidade e na diminuição da transmitância de calor externo para o interior das edificações.
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Figura 4 Construção típica indígena, utilizada para cultos religiosos, Aldeia Umutina em Barra do Bugres-MT. Fonte: Autor; Data: 15/04/2006. /Org.: Autor, 2007.
Figura 3 Ninho de casal de passarinhos João-de-Barro. Fonte: www.oeco.com.br./Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 5 Construção indígena com técnicas e estrutura de influência colonial bandeirista, Aldeia Umutina, Barra do Bugres-MT. Fonte: Autor; Data: 15/04/2006. /Org.: Autor, 2007.
No Brasil, as casas bandeiristas do séc. XVII e XVIII possuíam adequações climáticas e estruturais de acordo com cada região, exemplos claros dessas adaptações são as casas coloniais cuiabanas que utilizavam alvenaria estrutural espessa de adobe, a cobertura mais 15
alta do que o usual, em telhas capa-canal, cuja própria imperfeição de encaixe das telhas permitia a ventilação do ar; com grandes beirais, cômodos e varandas bem ventiladas ao fundo, já que a tipologia urbana da época não permitia o recuo do edifício em relação às vias de acesso. A cidade colonial, por sua vez, também respeitava a topografia e geralmente sua implantação se dava ao longo dos rios, permitindo a utilização das bacias como meio de transporte e melhor qualidade climática urbana. Utilizava-se na pavimentação das ruas materiais que permitiam a infiltração da água da chuva como, por exemplo, pedras, paralelepípedos ou o próprio “chão batido”. Além da configuração sinuosa de seu traçado urbano que remetia às cidades medievais européias, chamadas de “caminho das mulas” por Le Corbusier (1925)4, mas que certamente possuía maior relação com o pedestre e seu caminhar, a cidade colonial tinha uma afinidade íntima com a paisagem local e a vida no campo (Figuras 6 e 7).
Figura 6 Rua de traçado colonial típico do séc. XVIII, com casas adaptadas ao estilo Neoclássico em Cuiabá-MT.
Figura 7 Varanda-quintal adaptada ao clima local de uma residência cuiabana em CuiabáMT, atual sede do IPHAN-MT.
Fonte: autor; Data: 27/03/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Fonte: autor; Data: 27/03/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A ruptura desse contexto de equilíbrio entre o espaço urbano e natureza se deu com o processo de industrialização e as conseqüências decorrentes como êxodo rural, rápida urbanização e altos índices de desenvolvimento tecnológico e econômico. A evolução gradativa e regional sede lugar ao processo de globalização econômica de interesses estrangeiros e do processo de massificação dos ideais de consumo do capitalismo internacional. Essa nova relação de domínio e influência do capital estrangeiro sobre os
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Le Corbusier (1887-1965), urbanista franco-suíço precursor do movimento moderno do séc. XX criticava o desenho sinuoso das cidades medievais européias que, segundo ele, era definido não pelo “caminho do homem” – racional e reto porque sabe aonde quer chegar – mas de acordo com o “caminho das mulas” – irracional e sinuoso – contrastando com a idéia de racionalidade dos traçados modernos que visavam a funcionalidade, a locomoção do automóvel e exaltação geométrica. 16
valores regionais humanos e de meio ambiente tem contribuído para a disseminação de desequilíbrios econômicos, sociais e ambientais. Atualmente é comum a importação de equipamentos e tecnologias desenvolvidas para as regiões de clima temperado da Europa ou Estados Unidos, largamente utilizadas e difundidas no Brasil pelos interesses empresariais e industriais, desrespeitando o clima e a cultura local. Alguns exemplos são evidentes em relação aos edifícios tecnológicos de corporações multinacionais, que exageram na utilização de revestimentos metálicos e fachadas quilométricas de vidros refletivos de “alto desempenho térmico” em cidades quentes como Cuiabá, Brasília ou Goiânia, contribuindo para a formação de ilhas de calor nesses centros urbanos, além de proporcionarem um alto consumo de energia para o funcionamento dos equipamentos e sistemas eletrônicos, condicionamento do ar e iluminação artificial (Figura 8). Outro exemplo de tecnologia ultrapassada e prejudicial à saúde é a utilização do cimento amianto, material comprovadamente perigoso e proibido nos Estados Unidos, porém utilizado largamente no Brasil para cobrir casas, principalmente da população de baixa renda, e como reservatório de água para consumo diário.
Figura 8 Exemplos de arquitetura “importada” idealizada por arquitetos brasileiros nas cidades de Brasília e São Paulo, utilizam fachadas com vidros espelhados de “alto desempenho” termo-acústico. Fonte: Revista Projeto; Data: 2005. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Percebemos a extrema necessidade de discussões sobre as questões ecológicas, especialmente no incentivo às pesquisas científicas brasileiras, conciliando teoria e práxis com a aplicação de formas sustentáveis de desenvolvimento do espaço urbano e rural, em equilíbrio com a natureza e os valores regionais de cultura. Essa postura vai de encontro aos interesses internacionais das grandes potências que postulam a desaceleração da economia mundial como forma de solução dos problemas ambientais do globo (GOUVÊA, 2002: 11). Sabemos que as mesmas são as maiores exploradoras e poluidoras dos recursos naturais, negando e descumprindo acordos internacionais de preservação e, paradoxalmente, cobrando das nações menos desenvolvidas políticas de sustentabilidade questionáveis.
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1.2 DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE URBANA O planeta Terra é um sistema vivo e de dinâmica evolutiva própria, esta que determina processos cíclicos de surgimento ou desaparecimento de montanhas, rios ou oceanos. Os vulcões e processo orogênicos trazem à superfície novas formações rochosas, enquanto que outros materiais sofrem com as intempéries climáticas de ventos, águas ou geleiras. Na Terra os fenômenos climáticos alteram periodicamente as condições de vida das espécies e, graças às condições impostas pelos bilhões de anos de evolução, determinou-se a existência da humanidade. Sobre a Terra vivemos, construímos nossas cidades, retiramos tudo de essencial à manutenção da espécie como a água, alimento, matéria-prima para a produção de energia e fabricação de diversos produtos para o consumo. Não obstante, é sobre ela que depositamos nossos resíduos industriais ou domésticos que acarretam sérios problemas ao meio ambiente devido à falta de tratamento adequado. O domínio do fogo coincide com as primeiras intervenções humanas na natureza. A partir dessa época se dá a alteração do meio natural pelo homem, posterior exploração e extração mineral para fundição e manuseio do metal. Subentende-se que a exploração mineral iniciase há 40.000 anos, na África, através da hematita utilizada na elaboração de tintas para decoro. Entretanto, foi por volta de aproximadamente 8.000 a.C. que se deu a exploração do solo através da agricultura. A partir de então a humanidade deixa de ser nômade e passa a se fixar em regiões com recursos e possibilidades naturais, modificando as características da superfície terrestre de acordo com suas necessidades crescentes de desenvolvimento da civilização, ao passo que a constante exploração dos recursos naturais acarretou fortes impactos em determinadas regiões que culminaram com o prejuízo à qualidade de vida. A própria história nos mostra exemplos de diversas civilizações que se extinguiram por terem explorado, de maneira descontrolada, o ambiente em que moravam. Na antiga Mesopotâmia, há séculos atrás, o intenso uso de sistemas de irrigação acarretou a salinização dos solos e sua impossibilidade de uso pela agricultura. Na América Central précolombiana, a civilização Maia entrou em decadência devido à má utilização do solo, resultando em intensa erosão e escassez de água. Ao analisarmos o histórico de ocupação da Terra pelo homem, percebemos que a população global que era cerca de 5 milhões a 10.000 anos, saltou para 250 milhões no início da era Cristã e atingiu estimados 1 bilhão de pessoas em 1850. Segundos estudos atuais, a população global já ultrapassou 6 bilhões de pessoas, apresentando uma evolução populacional de tendência em curva exponencial. Por outro lado, a área de cultivo agrário 18
cresceu 74% no século XIX em relação ao século anterior devido ao desflorestamento intenso nos continentes da África, Ásia, América do Sul e Central (Figura 9, Tabelas 1 e 2). O desenvolvimento tecnológico-científico da era industrial também foi fator preponderante para o aumento da produtividade no campo. O intenso uso de fertilizantes, agrotóxicos, técnicas de plantio e desenvolvimento genético de sementes em laboratório acompanha o crescimento da demanda de mercado e das complexas formas de transporte e abastecimento.
Figura 9 Evolução populacional do mundo apresentando curva exponencial. Fonte: ONU; Data: 2000. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Tabela 1 Crescimento populacional 2002-2050.
Fonte: http://tsf.sapo.pt; Data: dez. /2002. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Tabela 2 Tabela de porcentagem populacional urbana por continente e taxa de crescimento demográfico.
Fonte: http://tsf.sapo.pt; Data: dez. /2002. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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O consumo de matéria-prima mineral e energética está diretamente relacionado com o índice de desenvolvimento humano, assim quanto mais desenvolvida a nação, maior as necessidades de suprimento, poder de consumo e conforto à população, caracterizando uma relação direta entre desenvolvimento e exploração dos recursos naturais. Historicamente, o modelo de colonização das nações européias em franco desenvolvimento industrial a partir do século XVIII, se caracterizou pelo desmatamento de extensas áreas verdes, visando à extração e comercialização da madeira. A área desmatada comumente se tornava espaço abandonado ou destinado à pecuária extensiva, conforme o acesso aos meios de informação e escoamento da produção. Com a retirada da mata nativa e substituição por vegetação rasteira, a umidade relativa do ar, assim como o índice de fertilidade, nitrogenação e quantidade de matéria orgânica do solo tende a diminuir drasticamente. A ação da chuva passa a ser mais intensa a partir do momento que o solo se torna mais exposto aos agentes de intempéries, proporcionando o escoamento superficial elevado do solo e perda da camada superficial (horizonte A), na qual se concentra a terra mais fértil, e predomínio do solo mais denso (horizonte B). Há um processo de compactação do solo e intensificação da erosão. A perda de solo resulta no processo de assoreamento das bacias hidrográficas e, posteriormente, deposição de material sedimentar nos oceanos. O uso inadequado do solo se intensificou nas últimas décadas com o desenvolvimento agroindustrial. A agricultura intensiva irrigada, associada ao uso excessivo de fertilizantes e agrotóxicos, e do processo de mecanização e modernização da produção que resultaram em impactos ecológico-ambientais e sociais. Devido às praticas agressivas de produção, o solo tende ao processo de salinização, além do risco de contaminação das águas superficiais e subterrâneas, tendo em vista que estas são de renovação e deslocamento lento, tornando o processo de contaminação irreversível durante muitas décadas ou séculos. Esse processo de “moderno” da agricultura aumentou significativamente os índices de produção, mas trouxe reflexos sociais negativos diretos, pois contribuiu para a eliminação de postos de trabalhos tradicionais no campo e intensificou a pressão pela terra das culturas familiares e de subsistência, contribuindo para o deslocamento de trabalhadores do campo para as áreas periféricas das cidades. Dessa forma configura-se o processo de êxodo rural, fenômeno comum a partir da década de 1970 que culmina com o desenvolvimento descontrolado das grandes cidades brasileiras. Nos países em desenvolvimento, de grandes carências econômicas e sociais, existem índices de crescimento populacional muito superiores aos dos países desenvolvidos, de expectativa e qualidade de vida bastante elevadas. Estudos recentes revelam que a 20
população global tende a se estabilizar por volta do ano de 2050, quando a Terra teria cerca de 10 a 11 bilhões de pessoas (Tabela 3; Figuras 10 e 11). Tabela 3 Tabela de taxa de natalidade de 2002 a 2005.
Fonte: http://tsf.sapo.pt; Data: dez. /2002. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 10 Estimativa de crescimento populacional por continente de 2002 a 2050.
Figura 11 Estimativa de crescimento populacional em diversos países entre os séculos XX e XXI.
Fonte: Reuters; Data: dez. /2002. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Fonte: ONU; Data: 2000. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Os índices de consumo de matérias-primas e de energia nos países desenvolvidos são elevadíssimos, resultando na produção de grande quantidade de resíduos decorrentes desse processo. Nessa busca pela qualidade de vida, os países em desenvolvimento tendem a alcançar índices de consumo equivalentes aos dos países industrializados. Entretanto, sabemos que diante desse contexto se atingiriam níveis insustentáveis de 21
consumo de matérias-primas e energia, tendo em vista a capacidade limitada dos recursos naturais do planeta. Assim, esses países devem propor formas alternativas e sustentadas para se chegar ao desenvolvimento e à qualidade de vida, evitando o desperdício e o consumismo exagerado dos países desenvolvidos. (Figura 12) A partir da década de 1950 é que se iniciaram estudos relativos aos processos de desenvolvimento, coincidindo com o período de independência de muitos países colonizados. Na década seguinte, a Organização das Nações Unidas (ONU), determinou o que seria a década das Nações Unidas para o Desenvolvimento, idealizando que a cooperação internacional refletiria no crescimento econômico global através da transferência de tecnologias e ações de fundos monetários internacionais, otimizando as relações sociais dos paises menos desenvolvidos. No entanto, essas ações se tornaram inócuas, pois se efetivou um quadro de dependência tecnológica e econômica ainda maior, acentuando a crise social nesses países com o Hemisfério Norte.
anual
Figura 12 Gráfico representativo da relação entre IDH e consumo anual per capita de energia. Fonte: ONU; Data: 2000. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Durante os idos de 1960 é que a questão ambiental foi tomada como essencial a qualquer projeto de desenvolvimento. Até então, inúmeros países consideravam desnecessário agregar programas de preservação ambiental no processo e políticas de desenvolvimento, logo se tinha a idéia errada de que era inerente ao processo de industrialização a degradação do meio. Nesse intuito, tornou-se conveniente aos países desenvolvidos essa concepção equivocada, pois dessa forma se limitava à instalação de indústrias poluidoras em seus territórios ao passo que se transferiam tecnologias, garantindo matérias-primas, 22
barateando custos de produção com mão-de-obra excedente e abundância de recursos naturais nesses países menos desenvolvidos, estes que por sua vez disponibilizavam incentivos diversos à instalação de multinacionais em seus parques industriais. Ainda no final da mesma década se deram as missões espaciais e, posteriormente, a implantação de um sistema de monitoramento e sensoriamento remoto via satélite, possibilitando controle de ocupações, estudos e observações integradas dos processos atmosféricos, climáticos e de mapeamento global contínuo. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, em Estocolmo, foi determinada a interação conceitual entre industrialização e preservação ambiental, emergindo a idéia de “poluição da pobreza e eco-desenvolvimento” como conseqüência da falta de desenvolvimento de uma nação. Nos anos subseqüentes, a ONU teve uma postura política diferente, discutindo e recomendando estratégias de distribuição que objetivassem uma melhor divisão dos benefícios decorrentes do desenvolvimento global, o que culminou na criação de uma comissão de estudos aprofundados sobre os problemas mundiais de ambiente e desenvolvimento. Em 1987 foi apresentado ao mundo o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), dentro do qual estaria o novo conceito denominado desenvolvimento sustentável, que determinava um sistema harmônico de desenvolvimento social e econômico com o meio ambiente do planeta. A partir de então, se tem o conhecimento da importância de se estabelecer o equilíbrio entre meio ambiente e justiça social, possibilitando melhor qualidade de vida global e atendimento às necessidades básicas humanas, sem comprometer os recursos naturais e a vida das gerações futuras. Como
proposição
resultante,
o
desenvolvimento
sustentável
objetiva
atender
às
necessidades básicas da grande maioria da população mundial localizada nas nações menos desenvolvidas, fomentando o equilíbrio ambiental e qualidade de vida sobre o aspecto mundial. No Brasil, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no ano de 1992, sendo as questões ambientais discutidas mundialmente nesse período. Foi apresentado como resultado da Conferência um documento denominado de Agenda 215, expressando um compromisso político das nações de cooperarem harmoniosamente pelo desenvolvimento sustentável, pois o mesmo documento determina que o crescimento demográfico e a pobreza sejam questões de ordem internacional,
5
Agenda 21 é o documento elaborado em consenso entre governos e instituições da sociedade civil de 179 países e aprovado em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. A Agenda 21 traduz em propostas de ações o conceito de desenvolvimento sustentável. 23
portanto de responsabilidade de todos os países. A Agenda 21 ainda estabelece que a solução desses entraves nacionais dependa de projetos locais e regionais, vinculados aos programas de meio ambiente e desenvolvimento integrados com apoio internacional. Passados quase 15 anos, os problemas levantados durante a Eco 92 não foram combatidos e os compromissos de cooperação internacional ficaram no âmbito das discussões teóricas. A nova ordem econômica e social mundial agressiva, pautada na idéia da “sociedade global”, na qual acontecimentos locais influenciam diretamente o mundo todo, acentuaram ainda mais as discrepâncias e crises sociais ou econômicas, sejam elas nacionais ou internacionais. A globalização representa um retrocesso em relação aos preceitos do Desenvolvimento Sustentável, justamente porque seus paradigmas estão calcados na idéia de concentração de renda, consumo excessivo que geram desperdícios, injustiça social e degradação ambiental. Paradoxalmente, a globalização da economia fortalece as grandes corporações de capital transnacional, pressionado governos dos países menos desenvolvidos a estabelecer leis nacionais que priorizam o ideário neoliberal como medidas de eliminação de tarifas alfandegárias, libertação de fluxo de capitais e privatização de serviços públicos essenciais à população, colocando setores estratégicos desses países em poder do capital privado. Dentro dessa ótica, torna-se impossível implementar políticas públicas e estratégias alternativas de desenvolvimento regional ou nacional, que visem o equilíbrio social e distribuição de renda. A própria ONU, como um princípio de poder político central no mundo, acaba se tornando um fórum de discussões intermináveis que não tem força para pôr em prática os compromissos assumidos junto às nações de maior influência, estas que por sua vez, acabam priorizando seus interesses através da mesma Organização.
1.3 AMBIENTE URBANO SUSTENTÁVEL A cidade apresenta uma infinidade complexa de inter-relações que devem ser entendidas, antes de tudo, numa ótica local e regional. O grande desafio dos urbanistas atuais está em corrigir as legislações ultrapassadas e as ações político-econômicas (sem planejamento correto) que resultaram em verdadeiros desastres urbanos. Os interesses econômicos ou políticos não devem prevalecer sobre o patrimônio públicosocial e a conseqüente qualidade de vida urbana, para tanto se devem implementar discussões nas diversas organizações e grupos da sociedade, propor soluções aos problemas diagnosticados que resultem na elaboração de Planos Diretores e Legislações 24
Urbanas adaptados às necessidades e potencialidades de cada região. Dentre as diretrizes propostas para a reorganização do espaço urbano sustentável, estabelecemos alguns pontos principais:
1. A cidade deve preencher seus vazios urbanos, minimizando custos de infra-estrutura e se tornando mais densa. A prioridade na sobreposição de usos compatíveis deve combater a setorização e zoneamento rígido, o que diminui a segregação social e o impacto ambiental; 2. A construção de espaços públicos agradáveis, principalmente em áreas degradadas ou desapropriadas, que permitam o convívio das pessoas é uma proposta eficaz, principalmente quando associado aos projetos de educação e conscientização ambiental; 3. Adequação do traçado urbano às condições: geofísicas e geoambientais, tais como aspectos: geomorfológicos (endógenos e exógenos), pedológicos, climáticos (insolação, ventilação, temperatura e umidade), hidrológicos (análise dos fluxos superficiais e subterrâneos) e o meio-ambiente (inter-relação entre o homem, natureza e espaço ocupado); 4. A acessibilidade, tanto para o sistema viário quanto para o fluxo de pedestres, é um elemento
definitivo
na
funcionalidade
do
espaço
urbano.
Propor
marcos
arquitetônicos ou referências de localização e sinalização adequada é ponto capital no deslocamento de pessoas e utilização dos equipamentos públicos de cultura, lazer, trabalho ou serviços. Nas zonas de baixa renda deve-se procurar concentrar ofertas de empregos e serviços próximos às residências, localizando pequenos pólos industriais e de comércio; 5. Organizar a cidade em um sistema policêntrico, definindo uma hierarquia de centralidade dispersa (um centro principal seguido de sub-centros nas regiões periféricas) e que concentre equipamentos e serviços nos bairros. Isso evitaria o deslocamento e concentração excessiva de pessoas e veículos na área central da cidade, minimizando problemas e o impacto ambiental urbano; 6. Propor uma diversidade urbana tipológica e morfológica, conjugando habitações unifamiliares e multifamiliares de gabaritos múltiplos, que determinam uma heterogeneidade formal e estética do conjunto urbano, o que diminuiria o impacto causado por micro-climas e pelo processo de verticalização resultante da densidade urbana concentrada; 25
7. Concentração de comércio e serviços nas vias principais, ruas coletoras ou espaços públicos, definindo usos e ocupações que tornam a cidade densa, dinâmica, com diversidade de funções e de baixo custo para implantação e manutenção; 8. Determinar um sistema de espaços livres composto de praças, parques, largos, reservas ambientais, avenidas ou ruas onde a locação dos equipamentos sejam proporcionalmente dimensionados, de acordo com o número de usuários locais, e estrategicamente localizados, conforme um estudo viário e geográfico como também de organização formal e hierarquização viária; 9. Mecanismos legais e de fiscalização eficientes devem orientar o parcelamento ambiental urbano, definindo uso e ocupação do solo, zoneamento e legislação urbana (código de obras). Estes devem obedecer às diretrizes traçadas claramente pelo Plano Diretor Municipal que determinarão mecanismos anti-especulativos; 10. Minimização das tensões sociais através de políticas públicas voltadas para geração e distribuição de renda para a população, programa de saúde de atendimento amplo e eficiente, acesso à infra-estrutura urbana, democratização da educação de qualidade e criação de áreas de lazer, convívio e cultura. A inserção das periferias e da grande população excluída da cidade legal nas políticas sociais proporciona resultados diretos na formação do ideal de cidadania, gerando indivíduos conscientes e participativos no processo de melhoria da qualidade de vida urbana; 11. Equilíbrio ambiental, social e econômico entre a área urbana e rural, assim como um desenvolvimento sustentável entre regiões e direcionadas para o interior, o que garantiria a estabilização demográfica e de fluxos migratórios, melhoria da qualidade de vida e de oportunidades de trabalho equilibradas no contexto nacional.
Após o entendimento conceitual e ideológico de espaço urbano e rural sustentável, deve-se estudar a implantação local e regional de projetos que objetivem a maior eficácia ambiental e social. Espaços arborizados (públicos ou privados), diversificados e dinâmicos, que permitam o encontro de pessoas e se relacionem com a complexidade e dinamismo dos lugares. (GOUVÊA, 2002: 69 e 103) A cidade deve ser organizada para a reciclagem e reaproveitamento da matéria, proporcionando assim a diminuição na produção de resíduos. Para tanto, a iniciativa pública deve orientar e conscientizar a sociedade que, por sua vez, contribuiria na eficácia das ações e fiscalização urbana.
26
A malha urbana deve ser pensada de acordo com a redução nos caminhos e trajetos percorridos pela população, definindo que o cidadão realize a maioria das suas atividades diárias sem a necessidade de utilização de automóvel ou transporte público. A qualidade de vida da população urbana está diretamente relacionada com o caminhar a pé, portanto incentivar que o indivíduo caminhe até o trabalho, escola ou comércio resulta em grandes economias de investimento na Saúde Pública. A arborização também é ponto capital na produção de um espaço qualitativo, pois assim temos lugares sombreados e melhores índices de umidade relativa do ar em períodos de seca. Os rios e córregos, que antes eram poluídos e canalizados, hoje não são entendidos como limitadores do desenvolvimento do espaço urbano (como se pensava nas décadas de 1970 a 1990), e sim como espaço de interesse ambiental e climático da cidade, recebendo em suas margens vegetação ou mesmo parques públicos lineares ao trajeto de sua bacia. É necessária a produção de novos espaços, como também a recuperação e revitalização do patrimônio histórico e das áreas degradadas da cidade, de forma que minimizem gastos de energia e impacto ambiental na implantação de projetos de melhoria e na manutenção dos mesmos. Sabemos que numa mesma cidade existem bairros de história, cultura, população, características geofísicas e climáticas distintas e que devem determinar projetos específicos e direcionados com suas potencialidades. Da mesma maneira o urbanista, juntamente com o poder público, deve compreender a região como um todo complexo e interativo, consciente de que não é possível criar uma única cidade sustentável e local sem pensar no regional, nas condições do espaço rural e na relação com as cidades vizinhas.
1.4 A SUSTENTABILIDADE URBANA ATUAL EM QUESTÃO Assim se vê a necessidade de trabalhar as questões ecológicas de forma científica, criativa e numa perspectiva sustentável, levando-se em conta também as macropolíticas econômicas e culturais, não se deixando levar pelo “ecologismo” que vêm, cada vez mais, impregnado da estratégia de dominação econômico-cultural dos países do chamado “grupo dos sete”, que pregam a desaceleração do desenvolvimento mundial como fórmula para a resolução dos problemas ecológicos planetários, esquecendo-se de dizer que eles próprios já esgotaram a grande maioria dos recursos naturais dos seus territórios nacionais e que a cada dia urbanizam o que resta de área verde e mesmo da área agricultável e por absoluta ironia pregam a preservação, por exemplo, da Amazônia que, diferente de qualquer das áreas de seus respectivos territórios, se encontra preservada pela cultura ecológica regional sustentável do caboclo brasileiro. Fica naturalmente a indagação: qual é a real finalidade dessas políticas e preocupações? Luiz A. C. Gouvêa, 2002: 11
27
No contexto de “Mundo Globalizado”, o desenvolvimento sustentado deve se opor a uma simples importação de conceitos e idéias sem adequação às realidades locais ou regionais latino-americanas. O ideário de sustentabilidade urbana no Brasil, com suas diferentes relações espaciais, sociais e econômicas de nação em desenvolvimento, não deve se espelhar
nas
propostas
sustentáveis
implantadas
ou
idealizadas
pelas
nações
desenvolvidas e suas políticas de mercado neoliberal. Já que parcos recursos existem para a implantação de projetos com demanda social nas nações em desenvolvimento, devem-se realizar estudos precisos de elaboração e execução dos mesmos, objetivando o resgate da qualidade de vida urbana a partir dos interesses e do envolvimento social, que comumente vão de encontro aos propósitos vinculados ao poder político e econômico. Outro ponto capital na implementação de projetos urbanos é seu caráter multidisciplinar, o que determina a interação das várias áreas do conhecimento em harmonia com a sociedade, aspectos legais, economia e as potencialidades regionais, tendo como foco central a sustentabilidade além do perímetro urbano de cada cidade. Não é permitido ao urbanista contemporâneo compreender o desenvolvimento do espaço somente dentro do perímetro local da cidade, negligenciando as relações sociais, econômicas, políticas ou ambientais de uma região à outra. Para uma melhor orientação na elaboração e execução do Plano Diretor Municipal, devemse primeiramente realizar estudos geofísicos e geoambientais (estudos de solo, vegetação, fauna, recursos hídricos, topografia, clima etc.), para mais adequadamente se determinar o planejamento do desenvolvimento urbano. Assim, também o controle e orientação da ocupação urbana ou rural devem estar amparados por ferramentas de mapeamento territorial contínuo, associado aos estudos regionais de desenvolvimento. Dentro dos limites do perímetro urbano, definir uma cidade densa e diversificada, com sobreposição de funções, áreas verdes e espaços públicos de encontro, na qual se exige pouco deslocamento motorizado e se minimiza o impacto ambiental, refletindo diretamente na melhoria da qualidade de vida das cidades dos nossos dias. A existência de espaços verdes, baixo consumo de energia, projetos de baixos custos de aplicação e manutenção, programas de reciclagem e minimização de desperdício associado às políticas de inclusão social certamente proporcionaria cidades mais sustentáveis. Aliás, o fator social é vital nesse processo, pois a participação da população desde a elaboração dos projetos estabelece uma relação de identidade e interesse da comunidade para a implantação e manutenção dessas obras urbanísticas.
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Também se devem observar exemplos de ações públicas centradas na substituição das condições de miséria por atitudes ecológicas, com cita Gouvêa (2002:166) “trocar lixo coletado seletivamente numa favela, por alimentos, como fez a Prefeitura de Curitiba ou organizar, nas periferias urbanas, hortas comunitárias e medicinais”, tais atitudes bem sucedidas devem ser experimentadas como forma de minimização mais direta dos problemas sociais. O nostálgico regresso do urbanismo contemporâneo aos tempos das cidades coloniais não deve ser tomado como um retrocesso conceitual, mas sim como estudo de exemplos de valorização numa referência ecológica empírica do caboclo brasileiro e da cultura milenar indígena, respeitando as matas de galeria, localizando suas casas de acordo com a topografia e utilizando materiais do lugar adequados às condições climáticas regionais. A cidade sustentável do futuro está muito mais relacionada com nosso passado, do que com os ideais de desenvolvimento de nosso presente.
1.5 A SUSTENTABILIDADE NO CONTEXTO POLÍTICO ATUAL BRASILEIRO FRENTE À GLOBALIZAÇÃO A atual crise urbana é também uma crise de constituição de um novo modo de regulação para as cidades – modo este que se quer compatível com as dinâmicas de um capitalismo flexível. Esta crise tem-se alimentado das novas contradições espaciais verificadas na cidade, seja por via de processos infra-políticos (da chamada “violência urbana”), seja por via de processos políticos – aqueles pelos quais se vem crescentemente denunciando e resistindo à dualização funcional da cidade entre áreas ricas e relativamente mais protegidas e áreas pobres submetidas a todo tipo de risco urbano. A busca de cidades “sustentáveis”, inscritas no “metabolismo de fluxos e ciclos de matéria-energia, simbiótica e holística” remete, por certo, à pretensão de se promover uma conexão gestionária do que é, antes de tudo, fratura política. Henri Acselrad, 2004b: 34
Como estudo do contexto político nacional no caminho da sustentabilidade, Henri Acselrad (2004) faz uma crítica a partir do documento oficial intitulado de “Riqueza Sustentável”, como um balanço dos dezoito meses de governo do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (primeiro mandato, de 2002 a 2006; segundo mandato de 2007 a 2011), e sua ação político-administrativa nacional focada na inserção passiva do Brasil no âmbito da globalização como um “novo modelo de desenvolvimento”. Não obstante, o autor destaca que tal política é uma repetição da estratégia governamental de incentivo ao agronegócio exportador com a intenção primária de surgimento de tecnologias competitivas para esse mercado. Ainda, contudo, contém traços do termo denominado de “modernização ecológica”, ou seja, a referência a um meio ambiente “de negócios” (conceito de desenvolvimento já implementado pelo programa Avança Brasil, da gestão presidencial de Fernando Henrique 29
Cardoso), ações estas que objetivam a “imagem ecológica internacionalmente favorável”. (ACSELRAD, 2004a) Tal modelo citado coloca-se como uma faceta ambiental a partir das somas das divisas obtidas através do “ecotursimo” e da monocultura da celulose – esta última intencional e indevidamente apresentada como prática de reflorestamento. Porém, o neologismo de Riqueza Sustentável fortalece ainda mais uma dicotomia sócioeconômica que perpetua na conjuntura nacional há séculos, pois diante desse modelo temos o descontentamento daqueles que assistem a riqueza, da minoria, sobre a pobreza, da maioria, dos brasileiros. Aos que acreditam que a riqueza e a pobreza são pólos conexos de um mesmo processo de distribuição desigual, a idéia de “riqueza sustentável” preocupa mesmo. Isso porque por meio dela somos levados a supor que, ao lado da sustentação da riqueza, vamos continuar observando, com desalento, a um simultâneo espetáculo de “sustentação” da pobreza. (ACSELRAD, 2004a)
Contudo, o que temos ainda, em pleno século XXI, é o arcaico modelo insustentável de exploração a qualquer custo, justificado pelas conformações macroeconômicas. O arquétipo nacional de inserção na conjuntura global, apesar de associar os interesses nacionais ao inevitável “modelo global”, esbarra no fator preponderante de ausência de base social interna que se beneficie também desse sistema, além do setor empresarial exportador bastante limitado enquanto gerador de empregos e distribuição de renda. Ainda há a desconsideração total da “desestruturação predatória” que as culturas de exportação produzem nas economias locais, com o conseqüente agravamento do “abismo social”. Longe de um modelo sustentável, o que se tem é a desconsideração total de um planejamento urbano e regional calcado em conceitos bem definidos de desenvolvimento sustentável nacional e equilibrado entre as regiões distintas. O jargão de Riqueza Sustentável é um modelo que atende à elite econômica, como sempre atenderam todas as políticas nacionais. Enquanto o agronegócio exportador brasileiro avança suas fronteiras e lucros, financiados em grande parte pelo dinheiro público, a população dessas localidades regionais, suas culturas, agricultura familiar e meio ambiente, são implodidos (ou ignorados) em favor do Biodiesel da cana-de-açucar (produzido através de extensiva queima da cana, antes da colheita), ou de cultivo mecanizado da soja e algodão. Nenhum charme é atribuído às formas não globalizadas de produção. Mais uma vez, prevalecem os velhos cacoetes da retórica desenvolvimentista: dirige-se a mensagem do “desenvolvimento” para o capital, a do “social” para os pobres e a do “ambiental” – basicamente um ambiente “florestal” – para os verdes; notadamente os internacionais (a expansão da soja na Amazônia, afirmou recentemente um responsável da área agrícola do governo, dar-se-á nas áreas degradadas “por causa da opinião pública internacional”). 30
Conseqüentemente, não se vislumbra nenhuma iniciativa destinada a limitar os mecanismos predatórios da vida social e do meio; nenhum esforço de originalidade que mesmo um programa moderado e pragmático poderia supor, tal como, digamos, o de um “agronegócio territorialmente combinado com pequena produção diversificada”, a adoção de “inovação técnica com reconhecimento da contribuição inventiva do saber operário e do pequeno produtor rural” ou até um “empreendedorismo ecologicamente condicionado”... ou seja, um discurso que mostrasse a intenção de desacelerar os mecanismos pelos quais, na últimas décadas, se tem reproduzido tanto a dominação sobre os trabalhadores como sobre seus ambientes. (ACSELRAD, 2004a)
A estratégia produtiva nacional de crescimento centrado no agronegócio exportador se desmembra, atualmente, em duas correntes aliadas: a que promulga o desenvolvimentismo nacionalista (que vislumbra a criação de emprego a qualquer custo) e a de capital agroexportador (que concorre à produção de divisas a qualquer custo), este que tem também forte intervenção multinacional. No que atende às questões ambientais, essa atual aliança de interesses critica as “restrições ambientais ao desenvolvimento”, colocando sobre a plenária das discussões a superada idéia de que não se produz um desenvolvimento em equilíbrio com o “meio natural” (claro que essa alegação está sempre alinhada com um discurso elaborado sobre a promoção do desenvolvimento econômico e geração de empregos para a sociedade, entre outras argüições). Os agentes interessados sempre se apropriam de uma campanha pública de que o licenciamento ambiental é lento e burocrático, exercendo a pressão para obtenção de um licenciamento mínimo sobre a alegação de responsabilidade ambiental das empresas. As Leis e a conquista ambiental regida pela discussão social e governamental há décadas passam a ser, dessa forma, instrumentos a serem burlados ou minimizados em favor do “desenvolvimento”. A sociedade (principalmente a parcela do poder privado e público) muitas vezes incorpora essas idéias e defendem a permissividade legal (daí tem-se as diversas Medidas Provisórias e Emendas Legislativas). (ACSCELRAD, 2004a) O modelo atual apresentado tem seus agentes no mercado mundial, e para Acselrad (2004b) a força desses agentes reside exatamente sobre essa chantagem locacional, quando esses grandes investidores envolvem ou submetem os que necessitam de emprego e a geração de divisas e receita pública a qualquer custo. No contexto de planejamento nacional, os capitais internacionais ameaçam se deslocar para outros países caso não obtenham vantagens crescentes, liberdade para a remessa de lucros para o exterior, isenções fiscais, estabilidade. Pressionando e subjugando os Estados e Municípios nos quais é menor a organização social ou econômica e maior a necessidade de preservação do patrimônio ambiental e sócio-cultural; esses capitais internacionais selecionam seus investimentos a partir de contrapartidas mais rentáveis (ou melhores propostas ofertadas) como fornecimento de terrenos, isenção de imposto por anos, vantagens ambientais com a 31
flexibilização das Leis Urbanísticas de ordenação do território. Dessa forma, o Estado ou Município mais permissivo e rentável passa a ser “premiado” com investimentos, a sociedade têm melhoras econômicas e sociais diretas, porém a longo prazo esse quadro se torna extremamente desfavorável ao passo que é um investimento que gera impactos ambientais expressivos e de extrema volatilidade (pois está susceptível à mudança locacional conforme seus interesses lucrativos). Assim, o capital internacional desorganiza a sociedade local, punindo com pouco ou nenhum investimento as cidades e regiões mais organizadas, e beneficiando, por outro lado, os locais menos organizados. Nesse contexto, cabe perguntar: seria possível inibir a ofensiva liberal, contestando a idéia do agronegócio exportador como “a cara do governo Lula”? A despeito da adversa correlação de forças, temos visto algumas experiências que apontam na direção de uma resposta afirmativa. A ocupação de área plantada com monocultura de eucalipto no sul da Bahia em maio deste ano, realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, mudou a qualidade do debate sobre o modelo de desenvolvimento no país. Ao ocupar pela primeira vez terras tidas correntemente como “produtivas”, os sem-terra puseram na agenda pública uma inovadora discussão sobre o conceito de “produtividade”. Ou seja, por essa demonstração, pôs-se em dúvida a idéia corrente do que seja “terra produtiva”. Ao agitar a metáfora de que “não se come eucalipto”, os ocupantes estavam de fato afirmando: “Não é, de fato, produtiva a terra que produz qualquer coisa a qualquer custo”. Não se deveria, segundo eles, considerar produtiva a terra que pode estar contribuindo para gerar divisas, sim, mas ao custo de secar os rios, destruir a biodiversidade e contaminar os solos, recursos que são indispensáveis para a existência de pequenos agricultores, comunidades quilombolas, pescadores artesanais, assentamentos de reforma agrária e núcleos urbanos. Deu-se assim, nesse episódio, uma demonstração de resistência à “chantagem de localização” a partir de baixo – dos próprios trabalhadores. É legítimo – sugerem eles – dar ao povo a oportunidade de discutir – de forma plural e plenamente informada – as condições pelas quais lhe são prometidos empregos. Não é, por outro lado, legítimo, escapar a esse debate, cultuando noções de produtividade que só servem aos grandes empreendimentos monoculturais ou deslocando simplesmente os investimentos danosos para outra região onde a crise a desorganização da sociedade seja maior. Problematizando o conceito de “produtividade”, essa resistência, pela base, ao desenvolvimento concentrador de recursos, mesmo que efetuada em localidades determinadas, mostra que é possível discutir as condições de entrada e saída de capitais também a nível nacional. Caberia aos dirigentes na escala federal tirar as conseqüências. Pois resistir à “chantagem da deslocalização”, seja nos planos local ou nacional, significa atingir o núcleo duro da reprodução da desigualdade de poder nos tempos de globalização, ou seja, os instrumentos pelos quais os capitais procuram adquirir a capacidade de desorganizar a sociedade. (ACSELRAD, 2004a)
Diante desse cenário, a sustentabilidade urbana reduz-se à uma artifício discursivo para dar às cidades um atributo a mais, “ecologicamente correto”, para a atração de investimento através da dinâmica predatória da competição interurbana (ACSELRAD, 2004b: 35). Dessa forma temos um novo modo de regulação do espaço urbano, apontando que (Id.: 30-31):
1. As condições de reprodução do capital são menos coordenadas pelo Estado central e os poderes locais assumem papel pró-ativo nas estratégias de desenvolvimento 32
econômico. A cidade é aí o elo entre a economia local e os fluxos globais, passando a ser assim objeto das pressões competitivas internacionais. 2. Desenvolve-se uma competição interurbana pela oferta de possibilidades de consumo de lugar, pela atração de turistas e de projetos/eventos culturais; 3. Desenvolve-se competição interurbana pela capacidade de controlar funções de comando financeiro e comunicacional; 4. Os processos econômicos passam a subordinar as políticas sociais e de emprego. As políticas sociais são desmanteladas e substituídas por um “empreendedorismo urbano” de cujo sucesso dependem o emprego e a renda, ficando os problemas da marginalização social na dependência das iniciativas das próprias organizações da sociedade; 5. As novas condições de governo dos processos urbanos passam a envolver também atores não-governamentais, privados e semi-públicos. A coordenação dos diferentes campos de política urbana pressupõe a instauração de novos sistemas de barganha, aparecendo as “parcerias” como mecanismos de apoio aos mercados em substituição a políticas preexistentes de ordenamento dos mercados.
Até que ponto há planejamento urbano e regional, democrático e para a população, a partir das políticas urbanas de ordenação territorial pelo Plano Diretor nas municipalidades? Até que ponto esses agentes internacionais devem atuar na permissividade legal sobre a justificativa de contrapartida social (ou quase sempre econômica e política)? A participação popular como pressuposto da democracia, que seria um caminho para a regulamentação e controle dos interesses políticos e econômicos (locais e não-locais), acontece de fato dentro do Planejamento Urbano? Numa sociedade desigual, com grande parcela em situação de pobreza extrema, desempregada, sem educação (ou quando há, com pouca qualidade), a somar ao quadro de corrupção e descrédito das instituições públicas, parece ser o Brasil um cenário impróprio para a cidadania e participação popular nas ações e decisões sobre a política, economia, sociedade e a conseqüente produção espacial da cidade. Ainda lembremos como descreve Maricato (2001: 72) que não há neste país uma tradição de participação democrática nas decisões políticas, e sim uma relação paternalista entre o dominador (quem decide; quem detém o poder) e dominado (que aceita sem questionar: a população). Está claro que os questionamentos levantados anteriormente são apenas parte dos desafios apresentados à crise urbana decorrente da ausência histórica de planejamento das cidades em sua roupagem efetivamente democrática – pois há planejamento, mas para poucos; quando afirma-se que “(...) planejamento é coisa do Estado” negamos a possibilidade de planejamento democrático e igualitário (MARICATO, 2001: 48) –, debatidos às vezes por 33
algumas ações ou posições isoladas nas Conferências das Cidades6, porém são problemas longe de ser solucionados enquanto estiver restrito apenas à um fórum de discussões não acompanhadas, de fato, de uma vontade política e social unânime para mudança. Apesar da iniciativa governamental positiva de se estabelecer uma discussão “democrática” e “participativa”, a Conferência das Cidades está longe de ser uma esfera real das necessidades e carências de cada município no âmbito regional e nacional, pois o debate sobre a política urbana em cada municipalidade está longe de ser efetivamente implementado na escala local. Enquanto os municípios competem por empresas e indústrias investidoras, cada sociedade permanecerá crescentemente desarticulada e menos participativa. Se de um lado temos um corpo técnico e político quase sempre desqualificado nas prefeituras (especialmente nas cidades pequenas e médias), por outro temos uma população pobre e sem mecanismos de defesa (a cidadania); pois a ausência de educação e conhecimento não permite que essas pessoas obtenham a noção mínima de direitos e deveres na sociedade. Deste modo, temos ainda o fato agravante de que a maioria dos Planos Diretores implementados até 2006 (conforme as imposições legais do Estatuto das Cidades), não resultaram de ações participativas com a sociedade, ou pior ainda, muitas vezes decorreram de um contrato entre a Prefeitura e uma empresa. A elaboração de um Plano Diretor, a partir dessa relação contratual, é um risco alto para um planejamento urbano e regional eficaz; tendo em vista que é feita uma Licitação Pública e, assim, ganha a empresa que otimizar melhor a relação de custo-benefício. Em momento algum é considerado como pré-requisito, nesse processo, o critério de competência técnica e qualidade de serviço comprovadamente atestado, sem citar ainda as relações políticas suspeitas entre as empresas e o poder público em cada município. Contudo, não é aceita a cômoda posição dos que acreditam, enquanto o modelo capitalista e global estiver vigente, na morte do urbanismo democrático (ou dos urbanistas democráticos). Os desafios são muitos, assim como as dificuldades e problemas, mas é preciso anunciar ou recriar uma nova sociedade a cada momento. As idéias e práticas dominantes devem ser desconstruídas, pois em alguns casos os conceitos urbanísticos estão corretos, o instrumento legal existe, porém sua implementação contraria a sua finalidade. O domínio e vivência desses mecanismos é uma atividade intelectual que deve 6
A Conferência Nacional das Cidades, realizada por iniciativa do Governo Federal através do Ministério das Cidades, ocorreram em 2003, 2005 e 2007, com o intuito de viabilizar o preceito constitucional de democracia participativa, como instrumento importante para o exercício da participação social legitimados no espaço público. O ideário seria o planejamento coletivo na construção de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU. Na 3ª Conferência Nacional das Cidades, marcada para os dias 25 a 29 de novembro de 2007, debaterá o tema de “Desenvolvimento urbano com participação popular e justiça social” e o “Avançando na gestão democrática das cidades”. 34
ser valorizada e defendida, tanto pelo poder político, quanto pela sociedade. O Urbanismo, bem como o Planejamento Urbano e Regional, não é uma área do conhecimento humano exato e quantitativo, por tanto se constrói a partira de um longo e debruçado processo empírico que foge à exatidão dos resultados, portanto vale afirmar que “No Brasil, e nos países semiperiféricos em geral, estamos apenas no início da formulação de um urbanismo crítico democrático”. (MARICATO, 2001: 123-124)
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2. A UTOPIA NA CONSTRUÇÃO DAS CIDADES, UM PARTIDO PARA A REINVENÇÃO URBANA DO SÉCULO XXI “As utopias não são muitas vezes mais que verdades prematuras”. Lamartine “...e é isso que dá aos nossos sonhos a ousadia: eles podem ser realizados”. Le Corbusier
Este capítulo trata, exclusivamente, de um apanhado histórico e de estudo das propostas urbanas utópicas pregressas, bem como a acepção conceitual acerca das cidades utópicas e seus distintos desmembramentos correspondentes a cada época e contexto. A compreensão desses processos teóricos ou empíricos, bem como o entendimento da utopia como caminho de reinvenção social e espacial da cidade, norteou a análise para o que seria uma possibilidade contemporânea de intervenção urbana utópica. Tendo em vista que o objeto final desse trabalho refere-se a uma proposta urbana para a cidade de Cuiabá, através do Parque Linear da Prainha, a utopia claramente surge como uma resposta conceitual para tal proposição transformadora e visionária dentro do contexto urbano presente da cidade, seu centro histórico e configuração urbana. Mesmo sabendo que o pensamento utópico tem indícios de seu surgimento desde os primórdios da civilização humana, é na Renascença7 que a utopia ganha uma definição e se torna objeto e objetivo de vários experimentos. O Renascimento é um período de inúmeras descobertas, rupturas com dogmas passados, absurdos avanços científicos, incertezas e inseguranças sobre o futuro, em virtude de um Novo Mundo que se vislumbra a partir das Américas. Nesse período de expansão territorial e de mercados é que a população urbana adquire maior ressonância e se inicia o processo de formação de um mercado global. Ao mesmo
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O termo Renascimento (ou Renascença) é comumente aplicado à civilização européia que se desenvolveu entre os séculos XIV, na Itália, e XVI, norte da Europa. Nesse período se revive a antiga cultura greco-romana, ocorrendo muitos progressos e incontáveis realizações no campo das artes, da literatura, da filosofia e das ciências, que superaram a herança clássica. O humanismo como ideologia corrente de valorização do homem e da natureza, foi sem dúvida o motor desse progresso e tornou-se o próprio espírito do Renascimento. Há um retorno deliberado, que propõe a ressurreição consciente (o re-nascimento) do passado, considerado agora como fonte de inspiração e modelo de civilização em oposição ao divino e ao sobrenatural, conceitos que haviam impregnado a cultura da Idade Média. A racionalidade, a dignidade do ser humano, o rigor científico, o ideal humanista e a revigoramento de padrões artísticos das artes greco-romanas são as principais características desse movimento cultural e histórico. O período marca o fim da Idade Média e início da Idade Moderna a partir das transformações culturais, econômicas, sociais, políticas e religiosas que descreviam a passagem do Feudalismo para o Capitalismo.
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passo que a cidade européia com seus sinuosos traçados medievais, sede espaço às idéias cartesianas de ordenação urbana que, decretam a funcionalidade dos grandes centros em detrimento da relação harmônica entre homem e natureza. A utopia tem esse estigma de sempre estar atrelada a um movimento de mudança futura ou a necessidade dela, determinado por um dado momento histórico que precede às novas perspectivas. Assim, a utopia parece preencher lacunas do olhar humano, sugerindo novos paradigmas ou um futuro alternativo só possível através de uma nova ótica, e não de uma remodelagem ou reorganização de um conceito ou idéia existente. Dentro dos estudos realizados percebemos a necessidade de cada utopia estar sempre vinculando a organização social, à arquitetura e ao urbanismo, unindo a cidade, a sociedade e a natureza em um todo orgânico. O desenho urbano, a relação com a natureza, o paisagismo urbano, a habitação, as ciências e as artes, a ausência da propriedade privada, a educação e conforto do cidadão, são estes alguns pontos capitais na formulação de um utopianismo. A descrição e proposição física de uma cidade aparecem em praticamente todas as utopias, seja na semelhança formal de anéis concêntricos entre a Atlântida de Platão e a Cidade do Sol de Campanella; ou ainda nas salinas de Chaux, onde Ledoux utiliza um desenho semelhante composto por elipses que, como em Atlântida ou na Cidade do Sol, localizam as habitações nos anéis de diâmetro maior e os edifícios institucionais ao centro, sendo estes o palácio, a fonte e o santuário comum a todos. Na Utopia de Thomas More, em Cristianópolis de Andreæ ou nas cidades dos socialistas utópicos Owen, Godin e Fourier, as cidades apresentam uma malha coincidentemente ortogonal e cartesiana, apesar de cada um deles estarem separados por séculos em suas respectivas épocas. O paisagismo está expresso dentro do conceito de integração entre a cidade e a natureza, seja na ilha de Amaurot, de More, na qual suas ruas e edifícios residenciais estão intercalados por jardins, ou ainda nas hortas-jardim de caráter comunitário de Owen. Ainda podemos confirmar a presença da natureza em harmonia com o desenho urbano, quando nos deparamos com as referências cósmicas e do sistema solar, na configuração de traçados dessas cidades. Campanella associa o traçado elíptico que forma o conjunto urbano da Cidade do Sol com os planetas do sistema solar; Boullée sugere a esfera como a forma pura da natureza que nos remete aos astros e ainda apresenta um simulacro do espaço cósmico, dentro do Memorial de Newton, quando faz o céu estrelado durante o dia e a grande luminária central (simbolizando o sol), durante a noite; já em Chaux, a forma elíptica tem como partido urbanístico a trajetória solar. Como vemos, foram através dessas 37
premissas e partidos que as utopias representaram a necessidade de equilíbrio entre as cidades e o cosmo, ideologia que vigorou entre os urbanistas até o início do século XIX, quando surgem as cidades industriais. As habitações como foco central na organização de espaços qualitativos, representados e detalhados com minúcias, bem como o atributo visionário a cada proposta de cidade utópica, sempre premeditando conceitos, técnicas ou tecnologias somente desenvolvidas em tempos futuros. Como no Memorial de Newton de Boullée que, já no século XVIII, rompia com todos os conceitos da arquitetura tradicional da época, propondo um projeto executável somente séculos mais tarde, com a criação do concreto armado, e premeditando a existência de uma forma de iluminação semelhante à luz elétrica. Na Cristianópolis de 1619, Andreæ propõe a inédita setorização da cidade conforme o seu uso, antecipando conceitos de padronização das habitações, higienização, ventilação, iluminação e conforto urbano; temas pesquisados e aplicados somente tempos mais tarde. Muitos dos conceitos e tecnologias que vivenciamos em nossas construções e cidades na atualidade são preconcebidos sobre a égide de uma utopia pregressa. Portanto, um projeto utópico nasce a partir da necessidade humana de solucionar problemas urbanos e de sua respectiva sociedade, contendo comumente uma idealização visionária quase sempre incompreendida em sua época. Dessa forma, a utopia se torna uma necessidade para a reformulação do desenho urbano de nossas cidades atuais, pois somente ela é capaz de recomeçar sem entraves ou pré-conceitos, atribuindo realmente novas idéias sobre possíveis e novos paradigmas da sociedade urbana contemporânea.
2.1 UTOPIA E CIDADE A PARTIR DO PENSAMENTO HUMANO O homem que sonha pode albergar visões de paisagens extraordinárias, de faces de uma beleza perfeita, mas sem um suporte e uma substância não poderá reproduzir essas visões (…) O que distingue o sonho de uma realidade é que o homem que sonha não consegue criar uma arte: as suas mãos dormem. A arte faz-se com as mãos; são elas o instrumento da criação (…) Henri Focillon
Na história da constituição do pensamento utópico, desde a sua origem até final do século XIX, existem aspectos que interessam essencialmente à arquitetura. Em especial, a relativa proeminência dada às formas urbanas, determinando uma inerente relação entre a cidade e a utopia. O traçado urbano, assim como a organização espacial de suas vias e edificações, são partes indissociáveis de um pensamento utópico. Outro ponto importante é a correlação entre homem e a natureza e de que forma a cidade se conjuga com ambos. 38
Etimologicamente, a palavra utopia tem origem grega, Eutoπiα ou Utoπiα, na qual Eu significa melhor, U significa nenhum e Topus, lugar. A determinação de Utopia, tendo como significado o “lugar onde tudo está bem”, começou a ser usada quando Thomas More 8 (1478-1535) (figura 13), publicou em Latim, em Louvain, no ano de 1516, a sua obra intitulada Utopia (figura 14 e 15), constituindo-se na primeira do gênero durante o Renascimento. A obra se funda na concepção de uma ilha denominada Utopia, na qual More define duas ideologias principais: a ausência de propriedade privada e o predomínio dos interesses coletivos sobre os individuais. Na ilha existiam cinqüenta e quatro cidades, bem semelhantes, e seus habitantes viviam em grande harmonia. More descreve a capital da ilha chamada de Amaurot (que significa cidade do sonho, das nuvens ou ainda castelo no ar). Ele explica seu traçado ortogonal com seu perímetro urbano contido por espessas muralhas, delineadas por várias torres e fortes como forma de defesa e proteção contra invasões. Entretanto, More destaca que a população da ilha não é composta por guerreiros, não anseiam ampliar seus territórios nem acumular riquezas. Por se tratar de uma alusão crítica à Inglaterra e sua política de desenvolvimento econômico através do domínio e exploração de novos territórios, composta de uma sociedade dividida entre nobreza e burguesia, na época a obra não pôde ser publicada em território Inglês.
Figura 13 Retrato de Thomas More por Hans Holbein (1497 – 1543), o jovem, em 1527. Fonte: http://www.consciencia.org/More.shtml (jan./ 2007). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 8
Figura 14 Gravura original da primeira obra de Utopia, de Thomas More, criada em 1518 por Ambrósio Holbein. Fonte: Saint Mary's University - http://faculty.smu.edu (set. /2005). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O nome Thomas More aparece também como Thomas Morus. Tanto no dicionário da língua inglesa como na maioria das edições atuais da Utopia, aparece a grafia More. A Enciclopédia Britânica utiliza a grafia Morus. Portanto, as duas escritas são consideradas corretas, sendo a grafia More a mais citada na literatura e publicações recentes. 39
Durante a Renascença, outras obras ainda foram publicadas descrevendo uma sociedade tida como a ideal. Um exemplo é a obra de Cidade do Sol, de Tomaso Campanella (15681639), publicada em Frankfurt (1623), escrita durante o período de prisão do autor, e a Nova Atlântida de Francis Bacon (1624). Campanella descreve uma cidade cujo traçado é contínuo, constituído por sete anéis concêntricos, número determinado pelos sete planetas conhecidos na época (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno e a Lua, esta que era erroneamente considerada um planeta do sistema solar). O acesso ao interior se dá através de quatro portões não alinhados que, por questões de segurança, define uma arquitetura que dificulta possíveis invasões. As construções urbanas estão nesses anéis e, a partir do primeiro círculo, se visualizam grandes palácios congruentes ao muro do segundo círculo, parecendo desenhar uma única construção. O trajeto é transposto por arcos que formam passarelas, nas quais as pessoas podem passear e o acesso aos altos pavimentos se dá por escadas de mármore que interligam as galerias aos passeios, assemelhando-se às do pavimento térreo. Ao centro do conjunto de anéis está um grande templo em forma circular, de cobertura em formato de abóbada, circundado por espessas colunas.
Figura 15 Mapa de utopia, feito por A. Ortelius (sem data). Fonte: Saint Mary's University http://faculty.smu.edu (set./2005). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Nas paredes internas e externas desses anéis existem pinturas com figuras de objetivo pedagógico, ensinando a população sobre as ciências, as artes, a filosofia, a natureza. No primeiro círculo, do lado interno, têm-se figuras com versos explicativos sobre a matemática, as suas definições e proposições. Ao exterior do segundo círculo existem figuras sobre os mares, rios e lagos, os vinhos, óleos e diferentes líquidos, explicando-se suas origens e formas de extração, qualidades e forças. Cada parede possui diversos ensinamentos sobre a vida e a humanidade, despertando o interesse pelo conhecimento. Assim, há uma profunda interação entre arquitetura e as artes, definindo uma rica relação entre cidade, espaço, homem e conhecimento através da expressão artística; tal princípio nos remete às obras de pintores e escultores nas catedrais renascentistas, como também revela conceitos bastante defendidos séculos mais tarde pelo movimento moderno (especialmente entre o fim do séc. XIX e primeira metade do séc. XX), e também pela arte contemporânea. A Cidade do Sol reconhecia como valores máximos em sua sociedade o conhecimento, a inteligência, a sabedoria, a cultura. Dessa maneira, a cidade é governada por Hoh, que seria o cidadão mais culto e mais sábio de todos, tendo seu cargo reconhecidamente vitalício. A exemplo de diversas outras utopias, o projeto da cidade de Tomaso Campanella parte do conceito de formação do cosmo, que aqui está representado pelo sistema solar. Outras utopias também se constituem a partir de tal analogia, determinando a relação de sinergia com um sistema superior, pressupondo-se o equilíbrio com a natureza. Entende-se que a incompreensão desses princípios recorre na não obtenção da qualidade de vida pretendida pelos habitantes dessas cidades utópicas e de seus idealizadores. Muito embora a origem do termo utopia date de 1516, a idéia de se pensar e propor uma sociedade ideal tem indícios bem mais remotos na história humana. Como na República de Platão, escrita durante os anos de 384 e 377 a.C. ainda na Grécia Antiga, que demonstrava várias formas de governo e definia uma cidade ideal. Depois, Platão ainda publica Timeu e Crítias. Em Timeu, o autor descreve a origem do universo e, em Crítias, fala da Ilha de Atlântida que, supostamente, existira há cerca de nove mil anos antes e formara uma sociedade extremamente harmônica. Tais obras serviram de base para os pensadores posteriores e suas utopias. Platão ainda ressalta na República que a maior virtude de um reino é a justiça e que cada cidadão deve ter um papel definido na sociedade. Segundo ele, não há um indivíduo sem uma função social importante, desse modo não cabe a marginalização ou constituição de indivíduos ociosos. Platão compara a comunidade com o ser humano e determina que um ser, como parte integrante dessa sociedade ideal, deve ter algumas virtudes imprescindíveis, tais como: sabedoria, bravura, moderação e justiça. A sabedoria se refere aos legisladores 41
da cidade, a bravura é definida à classe militar, a moderação é uma qualidade aferida à todos e justiça é a condição de todas as causas. Assim, a comunidade estaria composta em três classes: legisladores, guerreiros e trabalhadores. Entretanto, Platão desconfiou da emoção ou sentimentos humanos, excluindo de sua obra os artistas, poetas, pintores e ainda classifica o amor como sendo uma enfermidade ou etilismo. Platão também destaca a necessidade de se atenuar os anseios humanos ou o aumento desnecessário da produção, aconselhando que se contenha a ambição e determinando que tanto a pobreza quanto a riqueza sejam causas para a degeneração, assim como a ganância que pode ser um sentimento de conseqüências desastrosas.
Platão viu claramente que uma comunidade ideal deve ter um padrão de vida comum; e que a riqueza sem limite ou os desejos ilimitados de gratificações não têm nada a ver com um bom padrão. O bem é o que é necessário; e o que era necessário não era, essencialmente, muitos bens. (MUMFORD, 1959: 37).
A República de Platão possuía uma população de cinco mil e quarenta habitantes, entretanto o mesmo não elucida como tal número de pessoas se manteria constante. Há também um contraponto quando verificamos de que forma a rica cultura grega, de grande produção artística e de conhecimento humano, permaneceria em uma comunidade pequena em localidade isolada. Talvez, somente um poder autoritário e restritivo pudesse determinar tais valores. (...) ele teria tornado o diálogo urbano num monólogo estéril de poder totalitário, embora aqueles que começam por falar somente por si próprio, acabam por não ter nada a dizer. Contudo, Platão estava certo em achar que a constituição básica da cidade precisava ser reexaminada e alterada. (MUMFORD, 1961: 181).
Foi Johann Valentin Andreæ (1586-1654), pregador luterano e humanista convicto, que deixou um legado para a humanidade através da sua utopia em Cristianópolis, publicada em 1619. Em sua obra está descrita uma cidade com conceitos que só teriam aparecidos trezentos anos depois, antecipando o quanto o visionário Andreæ estava além de seu tempo. Sua cidade, a exemplo das demais utopias, fica em uma ilha e possuí um formato quadrado com duzentos e dez metros de lado. Apresenta quatro torres em seus muros, seu desenho detém apenas uma rua pública e um mercado, tendo sua população estimada em cerca de quatrocentas pessoas. As edificações possuem tipologias simplificadas e padronizadas, já pensadas com conceitos bem contrários às cidades medievais da época, pois detinham preocupações com o conforto ambiental, ventilação e iluminação. 42
A sociedade de Cristianópolis tinha como base o trabalho, sendo a oficina o partido principal. Os habitantes vivem condições de plena igualdade, renunciando à riqueza. As indústrias possuíam três categorias: a primeira – a agrícola e pecuária; a segunda – moinhos, padarias, açougues e fábricas de produtos provenientes das máquinas; e a terceira – indústria metalúrgica, olarias, fábricas de vidros e todas as demais que necessitam de fornos. A engenharia é uma ciência bastante valorizada, sendo que sua aplicação é reconhecidamente importante para o desenvolvimento da indústria. Andreæ ainda desenvolveu um conceito jamais pensado em tempos pretéritos, pensando a cidade a partir de um zoneamento urbano, setorizando a cidade a partir de suas funções e de acordo com as indústrias leves ou pesadas. Tal conceito só foi aplicado muito depois através das cidades jardins e cidades industriais. A questão habitacional também fora solucionado por Andreæ, pois havia moradia para todos e as habitações pertenciam a cidade e eram cedidas de maneira igualitária. As fachadas das casas possuíam doze metros por sete metros e meio de fundo, permitindo otimização da ventilação e iluminação natural. Ao fundo as casas se integram a um grande jardim. Os pais criam seus filhos até os seis anos, depois passam a ser cuidadas pela comunidade e serem visitadas pelos pais quando for desejado. Dessa forma as crianças vivem em uma instituição e são tidas como um bem público, vivendo de maneira organizada e deleitável. A escola funciona como uma pequena república e nela ministram aulas os cidadãos mais intelectualizados da sociedade, estes que ocupam os cargos mais altos no estado. Segundo Andreæ, a sociedade está baseada na religião, justiça e aprendizado. Munford (1959: 98) explana sobre os conceitos fundamentais da utopia de Andreæ “(...) ter senso de valores, conhecer o mundo em que se vive e saber distribuí-lo – esta é a nossa visão moderna da concepção de religião, aprendizado e justiça de Andreæ”. É indissociável numa utopia a alusão crítica sobre o sistema político, econômico e social atuante, propondo-se em contrapartida uma relação diversa que vise à melhoria da qualidade de vida, configurando uma nova sociedade mais harmônica. A crítica pode não estar explícita em determinada obra, entretanto ela sempre está presente, pois é através dela que se torna capaz a ruptura de paradigmas vigentes em favor de uma idéia nova. A harmonia e estabilidade proposta pelas utopias são determinadas por uma série de novas diretrizes expressas através da organização social, das relações entre a propriedade e distribuição das riquezas, da configuração e espacialização urbana, como também da relação entre esse espaço urbano com a natureza e meio-ambiente. A utopia surge em momentos importantes na história da humanidade e de acordo com quadros extremos, geralmente compostos por crises sócio-econômicas e ou políticas. 43
Questões como a corrupção, o absolutismo e suas decorrentes mazelas, abusos de poder, exploração e desigualdade social acabam por gerar um quadro de insatisfação e indignação para a parcela da sociedade excluída de benefícios. É em períodos de grandes transições e incertezas que surgem idéias e propostas utópicas. Um exemplo é a obra utópica de More que surge na Renascença, tempo que corresponde a um momento de descobertas, rupturas com sistemas e dogmas existentes, impostos pela crença religiosa, pelo interesse de domínio e manutenção de poderes. É num quadro de grandes descobertas da ciência que ocorre o declínio do sistema de estado feudal, se principiando uma nova relação de capital e mercado denominada capitalismo. Grandes avanços são vistos na medicina, engenharia, arquitetura, astronomia, matemática, artes, entre outras. A sociedade ora se surpreende e aceita, ora rejeita e condena novas descobertas comprovadas por hipóteses científicas. Surgem novos horizontes, a descoberta de novas e extensas porções continentais através das cruzadas e, posteriormente, com as grandes navegações. A astronomia revela novas idéias e passa a prever acontecimentos, provando a exatidão dos conceitos científicos. A Terra, antes tida como centro e de caráter único, passa a ser compreendida como um astro de formato esférico, que obedece a determinada órbita e integra um grande sistema centrado a uma estrela maior: o sol. O contato com novas culturas, a expansão territorial e de mercado alteram hábitos e costumes tradicionais, como também determinam a nova estrutura dos estados nacionais que, fortalecidos, rompem com a relação de domínio e dependência da Igreja. Nesse âmbito, podemos compreender a utopia como um ato de premeditação de um futuro alternativo a uma realidade vigente. Portanto, a mesma não pode ser entendida como devaneio, delírio ou surto surrealista, a utopia é inerente à realidade. Segundo Denise Falcão Pessoa (2006), “(...) é a realidade que gera uma utopia e é a utopia que torna o mundo suportável”. A mesma ainda exemplifica, em sua obra intitulada Utopia e Cidades: Proposições, o dado momento histórico em que Platão escreve a República, diante da realidade caótica da sociedade grega prestes a desencadear a Guerra do Peloponeso, como também Thomas More, que cria sua Utopia diante do quadro de insatisfação e indignação com a Inglaterra e sua corrupta corte. A utopia adquire, através dos tempos, estereótipos que atribuem uma interpretação incoerente de seu sentido real. A respeito, Ricoeur (1986) escreve: Quanto ao conceito de utopia, também tem com freqüência uma reputação pejorativa. É tida como a representação de um tipo de sonho social sem ter conta os primeiros passos reais necessários para o movimento na direção de uma nova sociedade. Muitas vezes, uma visão utópica é tratada como uma espécie de atitude esquizofrênica perante a sociedade, uma maneira 44
de escapar à lógica da ação através de uma construção fora da história e uma forma de protesto contra qualquer espécie de verificação por meio da ação concreta. (RICOEUR, 1986: 66, apud PESSOA, 2006: 24)
A utopia também opera ao nível do processo de legitimação; fragmenta uma dada ordem oferecendo vias alternativas para lidar com a autoridade e o poder. (RICOEUR, 1986: 319, apud Ibid., 2006: 24)
Assim, a utopia tem uma legitimidade essencial, determinando novos paradigmas às crises que a humanidade tende a perpassar e tornando tênues as mazelas sociais vigentes a cada época. Para Freud (1987), o sonho é a exteriorização de um desejo inconsciente, sendo o mesmo a passagem da inconsciência para a consciência. O sonho se apresenta como um repertório de símbolos ou signos que, para serem compreendidos, devem ser analisados e interpretados. A analogia se torna evidente se a fizemos a relação com a utopia, esta que pode ser entendida como um sonho expresso pela coletividade e que deve ser, da mesma forma, analisado e interpretado, apontando os caminhos propostos pelo inconsciente coletivo. Os pensadores utópicos em seus discursos para uma sociedade ideal, apresentam constantemente uma determinada cidade na qual se abriga seus habitantes. Podemos entender a cidade utópica como a expressão espacial de uma sociedade ideal, tornando indissociável para estudo a sociedade e a cidade. Esta é a expressão evidenciada de uma determinada sociedade e é nela que se apresentam os conflitos, as mazelas e as disputas decorrentes de cada sociedade, específica em sua cultura, economia, política e territorialidade. Assim, o equilíbrio harmônico de uma sociedade utópica deve estar necessariamente expressa em seu espaço urbano, possibilitando o ideal funcionamento dessa mesma sociedade. A utopia também vai de encontro ao distanciamento do homem e seu meio natural, à medida que uma sociedade se desenvolve cria mecanismos de exploração e intervenção cada vez maiores na natureza. Como se houvesse um contrasenso entre civilização e natureza. Nesse contexto, a utopia determina o caminho inverso: o da aproximação entre homem e sua condição de equilíbrio com a natureza, apontando para o futuro uma certeza de desenvolvimento perpétuo e sem crises. Podemos dizer que Thomas More, em 1516, estivesse falando de algo que a humanidade só despertaria nas últimas décadas do século XX, a utopia da sustentabilidade. Diante das obras utópicas, tanto em Utopia de Thomas More quanto na Cidade do Sol de Tomaso Campanella, os capítulos destinados às descrições das cidades, mesmo não sendo o centro das explanações dessas obras, são bastante claros e extensos, possibilitando executar desenhos desses espaços urbanos utópicos através de suas explicações. A 45
organização do texto também segue uma ordem comum, pois após o entendimento da ordenação urbana é que os autores passam a discorrer sobre o sistema de governo, hierarquia social, valores sociais, aspirações populares, entre outros. Isso ocorre também em Crítias, de Platão, onde a cidade de Atlântida é descrita e, assim, mais uma vez a sociedade urbana é entendida através de uma organização espacial enquanto urbe fisicamente constituída. Alguns conceitos podem ser propostos quase como padrões de uma utopia, como a ausência da propriedade privada, destacando-se os valores sociais de cultura, caráter e conhecimento em detrimento do direito de posse. Podemos também entender que a cidade é um fator fundamental para a realização de uma utopia, evidenciando através desses grandes pensadores, que a qualidade de vida só é crível através da criação de um desenho de cidade ideal.
2.2 UTOPIA E CIDADE NO CONTEXTO DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX ...numa floresta, senti várias vezes que não era eu que olhava a floresta. Senti, em certos dias, que eram as árvores que me olhavam, que me falavam … Eu estava lá, à escuta … Creio que o pintor deve ser trespassado pelo universo, e não querer trespassá-lo… Aguardo ser interiormente submergido, enterrado. Eu pinto, talvez para me emergir. Paul Klee
As cidades utópicas têm sido soluções alternativas aos grandes problemas urbanos, decorrentes das grandes transformações sócio-econômicas de cada época, e é através dela que pensadores vislumbram novas propostas formais na configuração de uma sociedade e seu espaço habitado. Durante o século XVIII temos exemplos de três nomes de destaque como pensadores das cidades utópicas, os arquitetos Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), Etienne-Louis Boulée (1728-1799) e Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806), conforme descreve Pessoa (2006). Como arquiteto e gravurista, Piranesi dominava também técnicas de representação gráfica em perspectiva e teve, no decorrer de sua vida, poucas obras executadas. Em suas gravuras teve obras importantes em água-forte executadas a partir de 1741, trabalhando com freqüência temática a arquitetura romana, bem como a constituição do Estado, seu caráter legislativo e de justiça dessa sociedade. Em sua importante obra denominada “O Cárcere” (figura 16), Piranesi descreve através de desenhos um complexo e extenso conjunto arquitetônico, constituído por um sistema de 46
pontes, rampas, passarelas e escadas contínuas que, conforme a pouca luminosidade zenital e efeitos de luz e sombra, indica um espaço subterrâneo. Muito mais que uma alusão arquitetônica tendendo a espaços subterrâneos infinitos, as gravuras piranesianas setecentistas, em Cárcere, expressam a destruição de valores e da antiga ordem que imperava na sociedade européia. O espaço da existência humana é interpretado a partir de uma nova condição existencial da coletividade humana, fundamentada na racionalidade e na idéia de uma nova sociedade prestes a se constituir. Piranesi não traduz tanto em imagens uma crítica reacionária às premissas sociais do iluminismo, mas sim uma lúcida previsão do que deverá ser uma sociedade libertada dos antigos valores e dos conseqüentes constrangimentos. (TAFURI, 1999).
Figura 16 O Cácere, de Piranesi. Fonte: Consorcio de Museos de la Comunidad Valenciana, apud PESSOA (2006). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Os pensadores utópicos têm o estigma de romper paradigmas através de uma leitura crítica, quase sempre visionária e futurista, da sociedade em que vivem, assim, suas obras comumente permanecem no âmbito inteligível. Um exemplo disso foi Etienne-Louis Boullée, arquiteto treinado por Jaques-François Blondel, este que influenciou de maneira efetiva a arquitetura francesa do século XVIII. Boullée propõe uma nova arquitetura, rompendo com o exagero de ornamentação proposto pelo Rococó9. Algumas de suas obras foram realizadas entre 1762 e 1774 que influenciaram a 9
Rococó é o estilo artístico que surgiu na França como desdobramento do barroco, mais leve e intimista que aquele e usado inicialmente em decoração de interiores. Desenvolveu-se na Europa do século XVIII, e da arquitetura disseminou-se para todas as artes. Vigoroso até o advento da reação neoclássica, por volta de 1770, difundiu-se principalmente na parte católica da Alemanha, na Prússia e em Portugal. O termo deriva do francês rocaille, que significa "embrechado", técnica de incrustação 47
formulação de novas teorias sobre conceitos estéticos e funcionais em arquitetura. Um exemplo é a análise de Boullée sobre a iluminação zenital que, segundo ele, liberta as fachadas de janelas através desse sistema de iluminação e ventilação vertical, enriquecendo a relação de luz e sombra no interior da edificação e possibilitando fachadas segas. Esse sistema zenital já havia sido usado anteriormente por Paládio, no Panteon de Roma, Itália; como também por Monsart, através da Igreja dos Inválidos em Paris, França. As referências de Boullée, assim como sua relação de monumentalidade espacial, certamente estão na arquitetura romana, como percebemos em suas obras e nas demais arquiteturas renascentistas anteriores, estas que retomavam a antiguidade grega. O espírito investigador está expresso através de seu vasto conhecimento das civilizações de épocas anteriores, a exemplo das pré-colombianas, das pirâmides e zigurates dos povos do Oriente e Ásia, que refletem na organização formal de suas obras. Boullée propõe no Memorial de Newton uma esfera perfeita, com efeitos de luz e sombra que, através de diversos orifícios em sua casca consegue representar o céu estrelado durante o dia e, à noite, um grande lustre central define uma boa iluminação (figuras 17, 18 e 19). O arquiteto ainda destaca sua admiração pela forma esférica que, segundo ele, é a perfeição simétrica em todas as vistas do observador. Boullée tem consciência que a tecnologia construtiva da época torna incapaz a execução de sua esfera perfeita, material que o arquiteto previa um dia existir, a exemplo do que acontece, séculos mais tarde, com a criação do concreto armado. O espírito visionário de Boullée apontava, em suas obras, para a existência futura de novos materiais para seus projetos, como também antevia em seus escritos a criação de luz elétrica nas edificações. Entretanto, a temática urbana utópica não fez parte de seu repertório criativo, todavia sugeria através da escala monumental de suas obras, bem como a relação com o entorno e natureza, a proposição de uma arquitetura para as futuras grandes cidades. Aliás, a arquitetura para Boullée deveria estar em constante harmonia com a natureza. Também considerava a arquitetura superior às outras artes irmãs (pintura, escultura, poesia, música), pois a mesma poderia interferir e interagir com o meio natural, ao contrário das demais artes que poderiam somente descrevê-lo. Apesar de Boullée se utilizar do termo “arquitetura edificante”, cabe muito bem a ele a architecture parlante (PESSOA, 2006), pois sua arquitetura está magnificamente expressa enquanto sua perfeição conceitual e formal. Ainda descreve a necessidade de a arquitetura edificar uma sociedade melhor, assim oferece à humanidade uma postura utopista em suas obras, bem como uma ideologia de conchas e fragmentos de vidro utilizados originariamente na decoração de grutas artificiais. Na França, o rococó é também chamado estilo Luís XV e Luís XVI. Características gerais: Uso abundante de formas curvas e pela profusão de elementos decorativos, tais como conchas, laços e flores; possui leveza, caráter intimista, elegância, alegria, bizarro, frivolidade e exuberante. 48
referente à função da arquitetura para a sociedade, conceitos bastante explorados pelos modernistas em pouco mais de um século depois.
Figura 17 Memorial de Newton, planta baixa e Cobertura. Fonte: John Coulthart RSS Entries http://www.johncoulthart.com/feuilleton/?p=35. SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Figura 18 Memorial de Newton, Vista Frontal, Corte diurno e Corte noturno.
Figura 19 Memorial de Newton, detalhe do corte noturno. Fonte: John Coulthart RSS Entries http://www.johncoulthart.com/feuilleton/?p=35. SILVA, Geovany J. A., 2007.
Fonte: John Coulthart RSS Entries http://www.johncoulthart.com/feuilleton/?p=35. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Foi em 1771 que Claude-Nicolas Ledoux foi nomeado inspetor das salinas de Chaux em Franche-Conté (figura 20). Nessa região da província de Borgonha, a nordeste da França, Ledoux foi designado para projetar e construir um novo centro próximo à floresta de Chaux, assim seria construída pela primeira vez na história uma cidade industrial. Foram desenvolvidos dois projetos para a cidade, uma primeira proposta fundamentava-se na idéia de concepção hierarquizada, determinando um conjunto de casas em torno de uma 49
praça central quadrada, com acessos diagonais entre as edificações. A hierarquia existia quando através do desenho havia uma relação de importância maior ou menor entre as edificações, conforme o uso e a função no conjunto urbano. A segunda proposta evolui através da idéia de substituição do quadrado pelo círculo, dessa forma Ledoux elimina os ângulos e define um desenho mais harmônico para o conjunto edificado, além de ser uma forma encontrada na natureza. O círculo evolui para a forma elíptica que, segundo Ledoux, é uma forma “tão pura quanto a trajetória do sol”. Percebe-se que, até o séc. XVIII, havia a crença de que a cidade fazia parte de uma conjuntura cósmica maior, seja através da referência à um sistema solar ou ao universo como um todo. Elementos da natureza serão partidos formais para a criação de um edifício ou uma cidade, acreditando haver a necessária relação entre a criação humana e o cosmo. Porém essa idéia se perde com as cidades industriais do séc. XIX e XX (figuras 21, 22 e 23).
Figura 20 Planta do primeiro projeto para Chaux. Fonte: KOSTOF, Spiro (1992) apud PESSOA (2006). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 21 Planta ampliada do segundo projeto para Chaux, composição formal distinta da primeira proposta. Fonte: Carte générale des environs de la Saline de Chaux (1804). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Figura 22 Planta do segundo projeto para Chaux. Fonte: Carte générale des environs de la Saline de Chaux (1804). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 23 Perspectiva do segundo projeto para Chaux. Fonte: KOSTOF, Spiro (1992) apud PESSOA (2006). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Na segunda proposta para Chaux, a liberdade dos edifícios seria um partido para o projeto, quebrando com a relação de hierarquia e, consequentemente, determinando uma correlação de equivalência e importância entre as edificações. Aqui, Ledoux propõe que o ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade” da Revolução Francesa fosse conceito integrante da 51
arquitetura. A forma do conjunto era composta por uma elipse de maior diâmetro, um prolongamento do trajeto que vai de Basançon ao rio Loue e, a elipse de diâmetro menor se constituía no acesso entre as cidades de Arc e Senans. Ledoux concebeu um espaço que valorizasse cada edifício, isolados uns dos outros, porém deu ênfase nas atividades focadas no operariado. Ao contrário dos outros pensadores utópicos, Ledoux propõe uma cidade real, em um lugar definido, bem como delineia novos conceitos para o urbanismo através de proposta de cidades-jardins e integração entre a arquitetura e o urbanismo com a natureza; conceitos estes desenvolvidos tempos mais tarde por outros arquitetos. Cada semi-circunferência fora dividida em cinco segmentos de 36º, sendo que os jardins dos trabalhadores localizavam-se em cada um desses espaços e a marcação dessas cinco divisões era definida por avenidas arborizadas por dois alinhamentos densos em paisagismo e determinava a formação de bulevares semelhantes aos do século XIX, idealizados pelo barão Georges Eugène Haussmann (1809-1891) no plano de renovação urbana de Paris. Ao centro da cidade estava a casa do diretor, mantendo proximidade com as fábricas de sal.
Na frente da casa do diretor, onde o diâmetro maior intercepta a elipse, está o pórtico, inserido entre a casa dos operários e outros funcionários. A noção de higiene de Ledoux mostra como ele estava a frente de seu tempo. Ele localizou os dormitórios na face sul e o local de preparo de alimentos (padaria) na face norte. Outra preocupação de Ledoux é comunicar a função de cada edifício através da arquitetura, sendo a edificação símbolo da sua função. Assim, a usina de sal tem adornos mostrando o sal jorrando de urnas, em alusão ao precioso líquido que é a riqueza da cidade, a casa para instruções sexuais tem a forma de falo, etc. (PESSOA, 2006: 35).
Os edifícios foram projetados de maneira bem detalhada, incluindo igreja, banho público, cadeia, hospício, mercado, escolas, bolsa de valores, sindicato, ginásio, a corte, a casa de virtude, o cemitério (apesar ele recomendasse a cremação dos corpos por motivo de higiene), edifícios residenciais, etc. Ledoux destaca dois edifícios a partir de seu ideário artístico de tempos revolucionários, a exemplo o panarétéon que seria a uma casa de virtude dedicada à nova ética e o pacifère, que seria a corte e representaria novos direitos. O autor afirma que: “(...) eu ergui um templo à felicidade”. (KAUFMANN, 1952: 519, apud PESSOA, 2006: 35). O projeto de Ledoux foi executado parcialmente e não com a mesma qualidade e riqueza de detalhes prevista em projeto, restando atualmente apenas ruínas; pois durante o ano de 1926 os proprietários dinamitaram boa parte das edificações, com receio que o órgão de
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preservação do patrimônio histórico impedisse a demolição dos edifícios prejudicados por um incêndio. (Figuras 24, 25, 26 e 27)
Figura 24 e 25 Imagens do conjunto arquitetônico de Chaux e edifícios centrais (1774-1779). Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Claude_Nicolas_Ledoux (2006). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 26 e 27 À esquerda, o pórtico neoclássico de entrada, e à direita, imagem superior do conjunto arquitetônico de Chaux (1774-1779). Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Claude_Nicolas_Ledoux (2006). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
2.3 O SOCIALISMO UTÓPICO DURANTE O SÉCULO XIX E A VISÃO DE MARX SOBRE O UTOPIANISMO Na Europa do século XIX, os parques industriais já estavam estabelecidos e, com isso, também
inúmeros
problemas
surgem
decorrentes
desse
processo
de
intensa
industrialização. Foi nessa época que aparecem as primeiras teorias que criticam a situação atual e oferecem propostas para um futuro alternativo dessa sociedade, ressurgindo utopias passadas ou abalizando novos horizontes utópicos como respostas aos graves problemas urbanos e de crise social. Os pólos industriais urbanos se desenvolvem de maneira descontrolada, sem planejamento dos espaços e de uma devida condição de moradia digna para a população que se deslocava do campo para as grandes cidades. As indústrias determinavam a necessidade 53
de deter um número grande de mão-de-obra e, por outro lado, a cidade não era planejada para a acomodação desse grande número de pessoas, o que resultava em graves problemas referentes à qualidade de vida decorrentes da insalubridade das habitações e espaços urbanos. Surgem então as novas utopias nesse período, como resposta a esse cenário desumano da condição de vida urbana. O movimento denominado Socialismo Utópico teve como principais pensadores, na Inglaterra, Robert Owen (1771-1858), e na França, Saint Simon (1760-1825) e Charles Fourier (1772-1837), estes dois países detinham um processo de industrialização mais avançado na época. Na Escócia, Robert Owen como proprietário de indústria tecelagem oferece aos seus operários condições dignas de trabalho e vida, através de boas habitações, melhor remuneração, jornada de trabalho reduzida. Cria em 1816 uma Instituição para a Formação do Caráter destinada às crianças, em New Lenark, que tinha o caráter de um centro assistencial. Owen tinha a idéia de que o ambiente deve ser projetado e construído tendo como princípio a qualidade de vida humana, deixando para segundo plano questões econômicas individuais ou coletivas. Ainda observa que o valor do trabalho humano está subjugado à máquina, e que essa condição determinava salários abaixo do mínimo necessário para a sobrevivência do operário e sua família. Daí a situação de desemprego e extrema desvalorização da mão-de-obra humana, o que Owen deduz não ser apenas a falta de capital, mas sim a má distribuição do mesmo como causa desse quadro crítico. Assim ele determina que fosse necessário encontrar uma atividade para a parcela mais pobre da população, de forma que as máquinas não competissem com o trabalho humano e pudessem se desenvolver de maneira ilimitada. Dá-se então, a partir daí, um grande passo para um pensamento revolucionário para a humanidade, que seria o socialismo moderno. Em contrapartida, em 1820 Owen traz à tona um projeto que visa uma nova organização social, propondo alterações tanto no que se refere às relações de sociais e de trabalho, quanto na ordenação dos espaços. Em seu plano o trabalho humano torna-se unidade de medida de troca, trabalhando com a idéia de formação de um mercado interno no aparelho produtivo. O aumento da remuneração dos trabalhadores produz uma nova relação, pois os mesmos passam a ser consumidores de produtos, bens e serviços, e não somente ferramentas dos meios de produção. Owen propõe unidades cooperativas organizadas para uma população variável entre 300 a 2000 pessoas, determinando a preferência de uma população intermediária como ideal entre 800 a 1200 indivíduos, em um terreno de dimensões entre dois e quatro mil metros quadrados por habitante. Sua área urbana é projetada sobre uma extensa praça retangular, 54
na qual uma das laterais estão situadas a igreja, escola, cozinha e refeitório. Nos demais lados estariam as habitações para adultos, dormitórios para as crianças, armazéns e hospedarias (figura 28).
Figura 28 Projeto de Owen para uma cidade cooperativa. Fonte: BENEVOLO, Leonardo (1994). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Como Andreæ, em sua cidade utópica de Cristianópolis de 1619, que propunha que as crianças ficassem com os pais até os seis anos de idade, Owen determina a idade ideal de três anos para o convívio entre pais e filhos. A partir de então, as crianças passam a viver em alojamentos podendo ser visitados pelos pais quando desejado. Outras características eram apresentadas como os dormitórios que possuíam acessos às hortas-jardins, a cozinha e refeitório que eram de uso coletivo. O plano de Owen configura o que seria a primeira proposta urbanística moderna, enquanto projeto de espacialização do território urbano, fundamentado numa nova idéia social de mudança nas relações políticas, econômicas e financeiras. Entretanto, após 1848 as idéias de Owen possuíam uma virtude de extremo enfoque nas questões econômicas, excetuando implicações políticas e urbanísticas que o mesmo acreditava ser indissociável do processo. Owen inicia o movimento cooperativo na Inglaterra e fez várias tentativas de implantar seu projeto, porém, sem sucesso. No início do século XIX, na França, Saint Simon (1760-1825) elabora suas teorias, dentro das quais a sociedade se atentava para as questões pertinentes à classe proletária. Simon falece em 1825, porém deixa seu legado através de alguns seguidores, a exemplo de Rodrigues, Enfantin e Chavalier, fundadores de um jornal e que passam a divulgar os pensamentos de Saint Simon, a partir de 1826. Enfantin e Chavalier fundam em Paris, 55
durante o ano de 1830, uma comunidade semi-monástica e, posteriormente, em Ménilmontant, esta dispersada pela polícia francesa em 1832. Contudo, Saint Simon e seus seguidores não propõem uma forma de organização urbana, como fazem Owen ou Fourier. As conseqüências do processo de industrialização só são sentidas na França após 1830, e é pouco antes desse período que François Marie Charles Fourier (1772-1837) determina como ideário a harmonia universal sem contrastes sociais, pois considerava absurda a idéia de uma sociedade fundamentada na competição e predomínio dos interesses individuais, em detrimento da coletividade. Fourier busca compreender a natureza humana, não modificá-la ou defrontá-la, mas sim traçar caminhos alternativos e benéficos do espírito humano. (Figuras 29 e 30)
Figura 29 Vista em perspectiva de um Falanstério segundo os princípios de Fourier em 1847. Fonte: http://web.tiscali.it/icaria/urbanistica/fourier/fourier.htm. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 30 Seção esquemática de um Falanstério de Fourier. Legenda: 1- Sótão; 2- Reservatório de água; 3- Apartamento Privado; 4- Acesso interno; 5- Sala de reuniões; 6- Mezanino com alojamentos; 7- Plano térreo. Fonte: BENEVOLO, Leonardo (1994). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Como princípio norteador dessa ideologia de vida equilibrada entre homem e natureza, Fourier cria um meio de abrigar essa sociedade através do grande edifício denominado falanstério. Neste seriam realizadas todas as funções urbanas de sua sociedade reinventada. Inspirado no Palácio de Versallhes, Fourier descreve sua cidade como uma urbe sem ruas externas e miniaturizada, possuindo uma população aproximada de dois mil habitantes, estes de todas as raças, classes, sexos e idades. Foi o industrial Jean-Baptiste Godin (1817-1889), que em 1859 tenta concretizar a idéia de Fourier em Guisa, nordeste da França, transformando seu empreendimento em uma cooperativa administrada pelo operariado, que também detinham a posse do negócio.
Houve várias tentativas de se implantar um falanstério na Bélgica, em vários lugares dos Estados Unidos e no Brasil, na península de Saí em Santa Catarina, implantada pelo médico homeopata francês Benoit Jules Mure entre 1842 e 1845. Todas essas comunidades eram sustentadas por uma indústria. Essas comunidades dissolveram-se em poucos anos. Todas elas enfrentaram problemas e tiveram curta duração. (PESSOA, 2006: 38).
Foi em 1930, também na França, que Etiene Cabet (1788-1856), produz seu pensamento utópico através de seu romance Voyage em Icarie, publicado em 1839. Obra inspirada por Philipi Buonaroti, produzida após o exílio de Cabet, período no qual este também conhece Robert Owen. Em seu romance utópico descreve um país chamado Icária, que possui uma capital planejada, denominada Ícara. Esta de planta geométrica, cujas ruas são determinadas por um traçado ortogonal, interrompido por dois anéis circulares compostos de bulevares e tendo o perímetro urbano entrecortado por um rio retificado. Várias tentativas houve com o objetivo de se concretizar a idéia de Cabet, essencialmente em território norteamericano. As primeiras foram no Texas e Nova Orleans, ambas em 1848. Durante 1849, Cabet e mais quatrocentas pessoas se instalaram nas ruínas abandonadas por mórmons, onde viveram até meados de 1856 até a dissociação do grupo. Uma parcela se deslocou para Nauvoo, estado de Utah, e outro grupo maior foi para Saint Louis, local da morte de Cabet. As cisões e deslocamentos da população de Icária permanecem até 1887, quanto a Icária-Esperança é dissolvida na Califórnia; e em 1895, com o fim da cidade precedente de Nova-Icária. O socialismo utópico sofre uma voraz crítica através do Manifesto Comunista, publicado em 1848 por Karl Marx (1818-1883). Marx critica a maneira com a qual esses pensadores buscam idealizar e implantar um novo sistema, sem talvez uma necessária ruptura, brusca, com o conjunto social vigente que, segundo ele, só seria possível através da revolução armada. 57
Entretanto, apesar da suposta ingenuidade atribuída aos pensadores utópicos, Marx reconhece o valor do ideário utópico em seu conjunto. Pois, mesmo sendo a proposta para uma nova organização social no pensamento marxista muito mais ampla e de bases mais complexas, os utópicos idealizam em seus pequenos experimentos uma nova relação social de equivalência e harmonia entre a cidade e o campo, proprietário e proletariado, constituição da qualidade de vida para as famílias, o sistema de cooperativas e de salários, implementação de uma harmonia social, a determinação do estado como controlador dos modos de produção. Tais propostas apontavam para uma época em fase embrionária, para os problemas que só seriam compreendidos tempos mais tardes. Os primórdios da sociedade industrial capitalista foram interpretados através de críticas ao sistema social e de trabalho ainda em formação, e que já apresentavam cenários assombrosos para a maior parte da população excluída dos processos de produção do capital. As propostas utópicas determinam, através de diversas publicações, sua crítica por meio do desaparecimento do antagonismo de classe e da proposição de uma nova organização social através do espaço urbanizado. Já a teoria Marxista, apesar de ser considerada por muitos uma utopia, não existe em sua obra nenhum apontamento de como uma sociedade deve se constituir, a organização de sua vida ou comportamento, bem como sua espacialização e ordenação urbana ideal, princípios estes que geralmente abarcam as obras utópicas; e mesmo o próprio Marx não via sua obra como uma utopia.
(...) eles rejeitam todas as ações políticas e especialmente todas as ações revolucionárias; eles esperam obter seus fins por meio pacíficos e atingir por pequenos experimentos, necessariamente fadados ao fracasso, trilhar o caminho para a nova organização social. “ Tal fantástica paisagem da futura sociedade, pintada numa época quando o proletariado ainda está num estado embrionário e nada tem senão a concepção fantástica da sua própria posição, corresponde aos primeiros ganhos instintivos dessa classe para a reconstrução da sociedade. (BENEVOLO, 1994: 83, apud PESSOA, 2006: 40).
2.4 AS CIDADES UTÓPICAS E SUAS CONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS ATÉ O SÉCULO XIX O pensamento utópico sempre existiu como uma necessidade humana de transposição da condição temporal de cada época, isso desde os primórdios da civilização. Entretanto, foi no Renascimento que a utopia passa a existir como um conceito intitulado, primeiramente, por Thomas More, ainda no século XVI. Inicia-se então, a partir do Renascença, um período de evolução cultural, econômica, científica, social e religiosa que marca a denominada Idade Moderna e que, séculos mais tarde, culminaria com o advento do Capitalismo em detrimento do fim da Idade Média e do sistema Feudal. Dá-se, também nessa época, a idéia 58
embrionária da globalização da economia, bem como o processo de crescimento da população urbana, ao passo que a humanidade, contraditoriamente à ideologia do movimento humanista renascentista, se distanciava cada vez mais da natureza e de seu sustento equilibrado. Genericamente, as utopias são analisadas apenas como organizações sociais pela literatura, negligenciando a importância atribuída ao desenho urbano e arquitetônico na formulação utópica de uma sociedade pelos pensadores e teóricos de cada época. Percebe-se que as utopias se fundamentam primordialmente sobre alguns aspectos: da sociedade, através da composição de um novo sistema sócio-econômico, político, de educação e cultura; na cidade, propondo novos espaços, traçados e desenhos urbanos; na relação com a natureza e sua necessária interligação com o desenho e composição urbana; na habitação e tecnologia, como proposição de uma melhora da qualidade de vida dos cidadãos. Para Pessoa (2006), o desenho urbano aparece em praticamente todas as propostas utópicas, sendo que a Atlântida de Platão e a Cidade do Sol de Campanella apresentam semelhanças na composição de sua malha, pois ambas são idealizadas a partir de anéis concêntricos. Em Chaux, Ledoux propõe um desenho semelhante de formato elíptico, obedecendo à mesma hierarquização e setorização quanto se define as habitações nos anéis de maior diâmetro e edifícios públicos ao centro. Atlântida localizava o palácio, a fonte e o santuário na porção central, enquanto que na Cidade do Sol era o templo e em Chaux as salinas. Já em Utopia, Cristianópolis e nas cidades dos Socialistas Utópicos Owen, Godin e Fourier prevalece o traçado urbano ortogonal. A natureza se insere na composição das cidades utópicas sobre diversas formas, desde a referência cósmica no traçado elíptico de Chaux, baseado na trajetória solar; nos anéis concêntricos na Cidade do Sol, na qual Campanella referencia aos planetas do sistema solar; ou ainda no Memorial a Newton, onde Boullée miniaturiza o espaço cósmico através da grande luminária ao centro da esfera perfeita edificada, esta repleta de orifícios que representariam as uma composição estelar invertida entre dia e noite. Já em Amaurot, de Thomas More, temos os jardins entre as ruas e os edifícios residenciais, assim como as hortas-jardins nas cidades cooperativas de Owen. Um ponto de importância nas propostas utópicas é a habitação, pois esta é fator preponderante na qualidade de vida da população urbana. Em Cristianópolis de Andreæ havia um profundo detalhamento das dimensões e orientações das habitações, sempre privilegiando o conforto ambiental. More, em Utopia, especificou inclusive os materiais mais adequados para os conjuntos habitacionais, enquanto Owen idealizou a cidade sempre visando a qualidade de vida para o proletariado, da sua casa ao trabalho. 59
O progresso das idéias sobre o espaço construído, urbano ou arquitetônico, está sempre apoiado a uma necessidade de estudo e avanço tecnológico nas cidades utópicas. Andreæ ainda se destaca quando estabelece a preocupação com conceitos que na época eram pouco discutidos no campo da arquitetura quando define estudos de ventilação e iluminação natural, visando o conforto arquitetônico e urbanístico. Já Boullée, através do Memorial a Newton, torna-se referência como visionário de uma arquitetura inexeqüível à sua época, pois define uma forma e composição construtiva somente possível com o advento futuro da tecnologia do concreto armado. Conceitos de setorização urbana, estudos de vias, acessos, instalações prediais (como hidro-sanitárias) e até iluminação artificial, foram sistemas tecnológicos
idealizados
primeiramente
nas
propostas
utópicas
visionárias
que,
posteriormente foram desenvolvidas de fato.
2.5 AS GRANDES INTERVENÇÕES URBANAS E SURGIMENTO DAS CIDADES UTÓPICAS NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX (…) um sentimento sinestésico da cidade, (…) exige que todo o espaço urbano tenha um centro onde ir, de onde vir, um lugar completo do qual se sonha e em relação ao qual o indivíduo se possa dirigir ou retirar, numa palavra, inventar-se. Por múltiplas razões (históricas, econômicas, religiosas, militares), o Ocidente não fez mais do que compreender esta lei (…) Roland Barthes
O século XIX se caracteriza pela Revolução Industrial e, consequentemente, a decorrência do processo de Imperialismo representado pela luta por mercado na escala mundial. A civilização ocidental assiste à um processo de urbanização desenfreado, vivenciado principalmente na Europa (Inglaterra, França, Alemanha, Áustria e Rússia) e América do Norte (Estados Unidos). A partir desse fenômeno temos um quadro de miséria urbana, disseminação de epidemias, insalubridade, condições de trabalho precárias, revoltas populares e trabalhistas ao passo que existia abundância material e acesso ao lazer da classe média. (GUIMARÃES, 2004) Na arquitetura, o Neoclássico predominaria sob os propósitos de monarcas imperialistas ou de governantes autoritários. Segundo Canovan (1992), havia uma ideologia de “expansão pela expansão” que se fundamentava em justificativas racistas e biológicas, somadas à manipulação das massas pelo poder do capital. Hannah Arendt10 (apud GUIMARÃES, 2004) afirma que o totalitarismo do século XX decorre do Imperialismo do século XIX. 10
Hannah Arendt (1906-1975) foi uma teórica política alemã, sendo que seu trabalho filosófico abarca temas como a política, a autoridade, o totalitarismo, a educação, a condição laboral, a violência, e a condição de mulher. 60
A partir desse contexto sócio-espacial, cidade industrial acompanha a evolução dos grandes centros a partir dos conceitos de urbanismo que priorizam dois pontos: o tráfego e a higiene; e pode-se considerar como principais motivos da abundância material da classe média: a Democracia Liberal, Experimentação Científica e Industrialização. (GUIMARÃES, op. cit.) A transição do século XIX para o século XX produziu um cenário ainda mais conflituoso quanto às reformulações conceituais do urbanismo, produtos da tentativa em responder às novas condicionantes impostas ao homem e a era da cidade industrial moderna. A urbanização acelerada, o advento do automóvel, a indústria e sua necessidade de logística e setorização do espaço urbano, os conflitos sociais, econômicos e culturais refletem no espaço construído. Estabelece-se assim um fértil terreno para as idéias utópicas de cidade. Período de ricas publicações utópicas e questionamentos referentes à produção industrial e ao embate entre o homem e a máquina, o século XX se mostrou como uma época de incertezas quanto ao futuro. Teorias variavam entre o pessimismo, denominado de distropia, significado de o mau lugar ou o lugar da distorção (PESSOA, 2006), ou o otimismo, das teorias que apontavam para uma era em que o homem se libertaria dos trabalhos repetitivos e tediosos.
2.6 A PARIS DE HAUSSMANN E A BARCELONA DE CERDÀ Foi em 1853 que o Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) inicia o Plano de Transformação de Paris, sendo este o primeiro projeto urbano de modificação abrangente no século XIX (Figura 31). Até então, a capital francesa era uma justaposição de malhas distintas, de traçados sinuosos e medievais que não atendiam às novas demandas espaciais e humanas da cidade industrial capitalista. Planos anteriores fracassaram na idéia de se compor uma cidade não fragmentada, pois o planejamento urbano se restringia ao âmbito distrital (Figura 32) e de relevância estética. (GUIMARÃES, op. cit.)
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Figura 31 Projeto da Avenida da Ópera e as respectivas edificações a serem desapropriadas e demolidas por Haussmann, 1853. Fonte: Guimarães, 2004: 67. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 32 Os antigos distritos e o novo limite de Paris em 1860. Fonte: fr:Utilisateur:Jgremillot, 2005. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Haussmann estabelece um método bastante original e ousado, tanto quanto sua proposta urbanística, pois suas ações deveriam atender às análises das condições existentes, examinando seu objeto de estudo a partir de duas coordenadas: o tempo e o espaço. Enquanto Prefeito de Sena, cargo assumido em 1853, Haussmann determina que seja feito o desenho detalhado da planta cadastral de toda cidade, sendo esta a primeira iniciativa no gênero. A familiaridade que Haussmann tinha com o passado histórico da cidade pode ser julgada por seu sumário histórico, cuja clareza permitiu determinar as zonas-chave e zonas inertes, assim como as constantes (eixos e pólos) em volta das quais se dava o desenvolvimento. (GUIMARÃES, 2004)
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As propostas urbanas de Haussmann proporcionaram não só uma reordenação e funcionalização do traçado de Paris, como também propõem uma mudança na constituição das habitações e conseqüente remodelação dos modos de vida do cidadão parisiense. (Figura 33) Telhado – o gato; Sótão – o artista, o velho e o pobre;
3º piso – o pequeno burguês; um deles recebendo a visita do proprietário;
2º piso – família da classe média em compartimento um pouco mais confinado;
1º piso – o rico casal de classe média alta em tranqüilo repouso;
Pavimento térreo – o porteiro e sua família;
Figura 33 Corte Ilustrativo de um edifício multifamiliar parisiense, mostrando as diferentes condições sociais de seus moradores em 1895. Fonte: BENEVOLO, 2005. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Todavia, Haussmann tinha uma justificativa militarista para sua intervenção urbana, exigida por Napoleão III. O alargamento das vias (que proporcionaram a demolição de 19.722 habitações), além de determinar uma renovação da infra-estrutura urbana (redes de água, luz, sistema sanitário, sistema viário e de transporte etc.); tinha como principal objetivo impossibilitar as revoltas populares através de formação de barricadas que dificultassem a ação de defesa militar, assim foi proposto um projeto que priorizasse o deslocamento para
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as diversas partes da cidade através da nova organização e dimensionamento viário concêntrico em diversos pontos. (Figuras 34 e 35)
Figura 34 A Ilha da Cidade e o seu tecido urbano medieval antes dos trabalhos haussmannianos - plano Vaugondy de 1771. Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 35 A Ilha da Cidade remodelada pelos trabalhos de Haussmann, novas ruas transversais (em vermelho), espaços públicos (em azul claro) e construções (azul escuro). Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Entretanto, segundo Guimarães (2004: 67) a proposta de Haussmann teve alguns pontos positivos como resultado das ruas projetadas para melhor fluxo de tráfego (Figuras 36 e 37), pois ele criou uma hierarquia de áreas arborizadas dividida em quatro categorias:
O “boulevard” – via larga arborizada, como o Champs-Elysées;
A “place” ou “square”, o modelo de praça que Napoleão III trouxe de Londres;
Os jardins públicos de traçado romântico;
Os parques suburbanos (Bois de Boulogne e Bois de Vincenne). (CHOAY, 1969).
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Figura 36 Mapa de Paris, 1853. Projeto de inclusão de novas ruas, novos distritos e os dois grandes parques periféricos, à esquerda o “Bois de Boulogne” e à direita o “Bois de Vincenne”. Fonte: GUIMARÃES, 2004: 69. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 37 Principais eixos criados ou transformados entre 1850 e 1870 no centro de Paris. Fonte: Université Rennes 2, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 65
A cidade de Barcelona até 1854, possuía ainda as muralhas medievais que em outras épocas defenderam a cidade de invasões, porém sua demolição fora autorizada pelo governo real tendo em vista os entraves urbanísticos e de desenvolvimento causados pela delimitação de seu perímetro. Foi em 1859 que o rei da Espanha ordena a execução de um plano de expansão para Barcelona (figura 38), sendo o engenheiro e urbanista catalão Ildefonso Cerdà (1815-1876) encarregado de tal façanha através de aprovação de sua proposta em concurso realizado neste ano. O plano é autorizado em 1860 e vigora até meados do século XX, estabelecendo uma interessante identidade ao desenho da cidade de Barcelona que perdura até hoje. O projeto abarca dois pontos capitais: a organização da grande expansão e a ordenação da quadrícula e do quarteirão. (GUIMARÃES, 2004: 75)
Figura 38 Plano de Cerdà para a cidade de Barcelona, 1859, indicando áreas edificadas, quadras, áreas verdes, praças, definição do sistema viário e ferroviário. Fonte: Museu d’Història de la Ciutat de Barcelona: 709 / Universitat Pompeu Fabra – Espanha. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Cerdà revoluciona o campo do planejamento urbano quando este compreende pela primeira vez a complexidade urbana através da integração de vários sistemas, funcionando como um organismo; o que permite uma visão macro das relações espaciais da cidade e contrariando a ótica dos urbanistas da época, estes que pensavam a cidade de forma fragmentada. Através de sua “Teoria General de la Urbanizacion”, obra publicada em 1867, Cerdà antecipa o planejamento urbano moderno ao procurar coordenar os aspectos espaciais e físicos com preocupações funcionais, sociológicas, econômicas e administrativas. 66
As manzanas de Cerdà correspondiam à uma malha ortogonal formada por quarteirões modulares de 113 m de largura, com vias de 20 m, sendo que cada conjunto de 9 quadrados (3x3) determinavam um quadro com 400 m na sua dimensão lateral. O plano de Cerdà ainda era cortado por vias diagonais que convergiam a grandes praças, sobrepondo-se ao rígido sistema de quadrícula e definindo quarteirões irregulares que, muitas vezes formariam largos e praças, destacando o potencial de ambiência urbana através da composição das quadras e canalização de ventos. A expansão de Barcelona é um excelente exemplo de aplicação do traçado xadrez modernamente, onde com uma malha xadrez de 113 por 113 metros, o urbanista Cerdà consegue ir à frente de seu tempo e produzir um desenho que, além de possibilitar a fácil integração com os núcleos existentes e o desenvolvimento das funções urbanas, com uma relativa separação de atividades, consegue minimizar problemas de poluição do ar com a orientação do sistema viário principal de forma a facilitar a penetração dos ventos dominantes pelas vias. Cria uma dimensão de quarteirão fortemente baseada em elementos ambientais, gerando formas baseadas em fatores locais originais. Esta organização possibilita também a redução da temperatura, fator não tão importante de se considerar na Catalunha, mas absolutamente relevante em regiões de clima tropical como o Planalto Central brasileiro. (GOUVÊA, 2002: 26-27)
A malha quadriculada de Cerdà apresenta a maior inovação, pois ele rompe com o sistema tradicional de construção contínua na periferia das quadras, sendo o interior destas ordenado pelas vias com acesso tanto para pessoas, como para a ventilação desejada. Seguiam-se, assim, duas propostas para a ocupação da malha urbana: primeiramente a ocupação periférica do quarteirão em apenas dois lados (Figura 39), os blocos estariam dispostos em paralelo, entremeados por espaços livres que formavam verdadeiros “corredores arborizados com equipamentos comunitários”, e posteriormente a proposta de aquisição de maior liberdade de implantação, através da edificação em “L”, ou num conjunto de quatro “L” que determinava uma grande área de convívio (praça) no cruzamento das vias. (GUIMARÃES, 2004:76) Objetivando diminuir os níveis de poluição arquitetônica, o processo de desenho urbano pensaria a cidade como uma estrutura físico-espacial, onde os elementos alterados ou acrescentados nessa estrutura – as arquiteturas – não ameaçariam (dentro de certos limites) a integridade morfológica do todo, contribuindo para a criação de uma clara imagem urbana. Veja-se o exemplo do Plano Cerdá para Extensão de Barcelona. (...) Em 1855, o poder público autorizou a demolição dos muros da Cidade Antiga, então caracterizada por altas densidades habitacionais e insalubres condições de vida. Neste mesmo ano, o engenheiro Ildefons Cerdá definiu o traçado da nova cidade. A ortogonalidade da malha urbana, que segue o sentido mar-montanha, composta por blocos regulares de edifícios conferiu legibilidade e identidade a cidade de Barcelona. Apesar de quase 150 anos terem se passado desde o inicio da implementação do Plano, as novas propostas de intervenção urbana, como a Vila Olímpica, ainda tem se acomodado facilmente no racional layout proposto pelo engenheiro. (...) A Extensão Cerdá mais uma vez ilustra como o desenho urbano pode colaborar para a criação de um espaço urbano inclusivo. A implementação do plano foi feita de tal forma que 67
as diferentes camadas sociais têm coabitado o mesmo bloco de edifícios por décadas. Enquanto os apartamentos térreos com jardins aos fundos têm sido habitados pelas camadas mais favorecidas da sociedade, os apartamentos mais altos têm sido ocupados pela classe mais pobre. (BERNIS; NOBELL, 2001)
Figura 39 Processo de densificação das quadras de Cerdà. Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Assim, a Barcelona de Cerdà constitui um conjunto muito diversificado em sua configuração urbana, pois os quarteirões se formavam a partir da diluição conceitual entre a composição tradicional de lote; este que antes determinava a relação hierárquica entre frente e fundo, espaço público e privado, limite entre rua, edifício e quarteirão, já que o perímetro deste deixava de ser delimitação de um espaço privado. Dessa forma, as quadras compunham centros cívicos próprios que continham escolas e igrejas, estabelecendo o que seria no futuro a chamada unidade de vizinhança. Sua cidade obedecia alguns fundamentos teóricos de desenho urbano:
A cidade funciona em torno de uma dicotomia entre movimento e repouso;
A rua deve fornecer redes de infra-estrutura, permitir melhor circulação de ar, pessoas e transporte, bem como proporcionar iluminação adequada às edificações;
O conceito de inter-vias representava a importância dos quarteirões, como espaços entre as vias, e destas como um sistema estrutural da cidade;
O sistema de transporte como um fundamento essencial para a urbe funcional;
O Plano de Extensão (Ensanche) – deve possibilitar uma extensão ilimitada para o desenvolvimento da cidade;
Respeitar o diálogo histórico entre o novo e o velho, a cidade antiga e a extensão urbana planejada, respeitando o patrimônio urbano pregresso. 68
Apesar da contemporaneidade entre as propostas de Haussmann e Cerdà, ambos possuem conceitos distintos que se evidenciam enquanto partido, pois em Paris houve a necessidade de reordenar e adaptar a cidade existente, enquanto que em Barcelona havia o principio de organizar o desenvolvimento e expansão. Em Paris, o interior do quarteirão era espaço privado ou semi-privado, já na proposta de Cerdà poderia ser um espaço público. (Figuras 40 e 41) Cerdà também rompe com as regras clássicas e barrocas de composição urbana, os elementos como rua, avenida, praça e parque permanecem, porém não mais se organizam obrigatoriamente a partir dos quarteirões. Já as edificações, estas se dispunham livremente no interior da quadra, sendo ainda passível de ampliação e flexibilização conforme a necessidade.
Figura 40 Acima, o centro de Paris comparado, abaixo, com o Plano de Extensão (Ensanche) de Barcelona. Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Figura 41 As manzanas de Cerdà em imagem atual, descaracterização da proposta inicial a partir da especulação imobiliária urbana e do processo de densificação das quadras. Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Certamente Cerdà foi um urbanista visionário e consegue aplicar suas teorias, de certa forma, utópicas, quando fazem alusão a um futuro ideal para a qualidade de vida urbana. Ele antevê as potencialidades que poderiam florescer ao desenho urbano quando este liberta-se da configuração usual de rua, quarteirão, espaços urbanos e planos marginais do edifício. Porém, suas teorias e experimentações urbanas não foram compreendidas na época, tal era a força conceitual de anti-especulação do território e avanço demasiado. Assim, as quadras foram ocupadas por edificações que chegariam a compor um quarteirão tradicional, eliminando as relações das áreas livres de convívio propostas, sem que o poder público vislumbrasse a descaracterização causada à proposta ambiental e humanística de Cerdà. (GUIMARÃES, 2004:77) Tanto a proposta de Haussmann para Paris, quanto a de Cerdà para a cidade de Barcelona foram intervenções urbanas incisivas dentro do contexto de cada época, enquanto conceitos distintos na proposição de uma nova cidade. Em síntese, a utopia urbana estaria presente nesses dois casos como uma necessidade de recriação ou reinvenção do espaço urbano. Se em Paris o Barão de Haussmann executa uma renovação urbana a partir da demolição de várias edificações, impondo uma nova estrutura viária dentro de um conceito de acessibilidade imperativo de Napoleão III, impossibilitando que levantes populares pudessem tomar as vias principais e desestabilizar o Poder Público; já Cerdà idealiza uma integração entre a história da Barcelona pregressa e a sua premeditação futura, humanizando espaços de convívio com as habitações, desenvolvendo um novo conceito de conforto ambiental e desenho de cidade a partir de sua quadra. Essas duas visões influenciarão diversos urbanistas e teóricos para a proposição de novas cidades nas décadas seguintes, fundamentando idéias e conceitos para as urbes dos séculos XX. 70
2.7 O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS PROPOSTAS UTÓPICAS PARA AS CIDADES NO SÉCULO XX … the future city will be everywhere and nowhere, and it will be a city so greatly different from the ancient city or any other city of today that we will probably fail to recognize its coming as 11 the city at all. Frank Lloyd Wright
O contexto urbano no século XX representa um complexo território ainda por explorar, no qual se defrontam situações extremas de conflitos sociais, culturais, econômicos, ambientais, enfim, desafios que condicionam o urbanista a discutir e buscar caminhos alternativos como resposta aos processos de espacialização e territorialização do urbano. O dinamismo, a mutabilidade, os movimentos, a logística, as redes e fluxos, entre outros, são determinantes da composição do espaço urbano que orientam os movimentos espaciais na cidade a partir dos assentamentos humanos, do acesso à moradia, ao trabalho, aos espaços de lazer ou ao centro. Assim, a cidade passa a ser um fórum constante de debates acerca da condição da vida e de sua qualidade ambiental ou mesmo funcional, conforme a idéia vigente a cada período. Para o entendimento das correntes teóricas do urbanismo, analisamos as principais teorias e propostas urbanas como resposta às indagações e desafios dos novos tempos. Assim, temos um estudo da cidade linear de Sorya y Mata, bem como as idéias de Tony Garnier, a cidade jardim de Ebenezer Howard, a Broadacre de Frank Llloyd Wright, a proposta modernista de Le Corbusier, entre outros; grandes nomes do urbanismo que atentam para as necessidades de se pensar um novo projeto de cidade para o século XX. A cidade linear foi um modelo de organização criado pelo engenheiro espanhol de transporte e empresário Arturo Soria y Mata12 em 1882, definindo o conceito de que as cidades deveriam se organizar a partir de uma artéria principal (em linha), possibilitando comunicação e interligação das vias. Segundo Soria y Mata, a cidade se expandiria e ramificaria infinitamente conforme a topografia, como se compusesse uma malha semelhante a uma árvore, de vias interligadas a um coletor tronco. (Figura 42) O desenho teria um caráter de limite transversal (em largura determinada), mas nunca longitudinal (comprimento indefinido), sendo que estava abolida a composição de 11
…a cidade do futuro será em toda a parte e em parte nenhuma, e será uma cidade tão manifestamente diferente da cidade antiga ou de qualquer outra cidade de hoje que provavelmente deixaremos de reconhecê-la como tal. 12
Arturo Soria y Mata (1844 - 1920) foi um político, empresário e urbanista espanhol, teórico idealizador da cidade linear em 1882.
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centralidade, pois os edifícios principais administrativos estariam ao longo do tronco arterial da cidade. O setor habitacional estaria interligado no decorrer dessa via estrutural, mantendo a proximidade com a área rural. Soria y Mata determina assim uma posição utópica quando setoriza o espaço urbano e separa a malha viária do conjunto habitacional e, mesmo não tendo conhecido o automóvel em sua época, propõe uma possibilidade de organização urbana vislumbrando o fluxo e facilidade de tráfego funcional para o próximo século. (PESSOA, 2006)
Figura 42 O perfil transversal da rua principal com 40 m de largura de caixa viária. Abaixo, a planta da Cidade Linear de Soria y Mata, 1882. Fonte: Universitat Pompeu Fabra – Espanha, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A rua principal linear possuía uma caixa viária de 40 metros, sendo que, incluindo os quarteirões, o eixo linear urbano chegaria a aproximadamente 750 metros de largura e comprimento determinado pela necessidade, possibilitando interligação entre pólos urbanos distintos. Ao centro da faixa viária localizaria as ferrovias e, paralela a estas, as rodovias, além de tubulações e instalações de infra-estrutura. A cada trecho, pequenos edifícios estariam localizados para diversos serviços municipais. 72
Para Soria y Mata, através da Cidade Linear estariam resolvidos os complexos problemas das grandes cidades concêntricas, com seus terrenos centrais muito valorizados (acessível somente à uma minoria privilegiada da população), congestionamento na porção central e marginalização da população mais pobre para áreas periféricas. (GUIMARÃES, 2004) Em 1917, Tony Garnier (1869-1948) cria a “Cité Industrialle” dentro do conceito de linearidade, visando abrigar a 35.000 pessoas, porém separando a área industrial por uma zona verde, sendo que os sistemas de transporte residencial e industrial funcionariam de maneira independente. (Figura 43)
Figura 43 Estudo de setorização da Cidade Industrial de Tony Garnier, 1917. Fonte: GUIMARÃES, 2004:78. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Ainda no fim do século XIX, o urbanista inglês Ebenezer Howard (1850-1928), percebendo a situação das cidades de sua época, destaca a condição de insalubridade urbana como um dos problemas centrais da urbe e idealiza a Cidade Jardim, uma proposta para a minimização dessas tensões sociais, econômicas e ambientais. Através de sua obra intitulada de “Garden Cities of Tomorrow” (1898), Howard prioriza a contenção dos altos índices de concentração e crescimento demográfico urbano através da proposição de deslocamento de bairros para a área rural, o que proporcionaria ambientes de maior
73
qualidade ambiental. Alguns critérios, segundo Guimarães (2004), são desenvolvidos na teoria utópica de espaço urbano para Howard (Figura 44), determinando que:
O planejamento das Cidades-Jardim seria a solução para os problemas de crescimento das cidades;
As cidades estariam separadas umas das outras através de cinturões verdes, estes que seriam áreas de preservação permanente destinadas à agricultura, recreação e demais atividades específicas;
As
cidades
seriam
equipadas
para
o
alto
desenvolvimento
comunitário,
possibilitando a sustentabilidade econômica, social e cultural para seus habitantes;
Haveria a união entre a cidade e o campo;
As Cidades-Jardim constituiriam um somatório de um número de “unidades de vizinhanças”, vinculando-se à preexistente metrópole polinuclear, sendo que todas as Cidades-Jardim seriam interligadas por rodovias e ferrovias;
Haveria um sistema radial de vias circulares interligadas, sendo a cidade circundada por ferrovias que atenderiam à indústria localizada na porção mais periférica do conjunto. Havia uma setorização que determinava o tráfego pesado para os anéis externos, enquanto que para o centro se constituía uma escala humana de acessibilidade para o pedestre;
O número de habitantes de uma Cidade-Jardim seria de 32.000, sendo que as áreas residenciais conteriam aproximadamente 20 unidades habitacionais por acre;
A Cidade Central deveria ter um número estimado de 58.000 habitantes;
A Cidade-Jardim deveria ser construída simultaneamente em seu todo, e não por partes.
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Figura 44 À esquerda, planta esquemática da Cidade Jardim de Howard; à direita, estudo do sistema de unidades de vizinhança em composição polinuclear interligada por sistema viário e ferroviário. Fonte: GUIMARÃES, 2004. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Na primeira década do século XX foram implantadas as Cidades-Jardim de Welwyn e Letchworth na Inglaterra (Figura 45), iniciando um processo sistemático de zoneamento e uso do solo e concebendo-se um novo ambiente residencial de baixa densidade, preconizando a preservação de áreas verdes circundantes (os cinturões), de acordo com a concepção Howardiana. Tais exemplares de cidades tiveram êxito em suas propostas e influenciariam a concepção urbana em diversos países, principalmente no período após a Primeira Guerra Mundial. De início surgiram cidadelas e conjuntos residenciais em países anglo-saxões, estimulados pelo advento do automóvel particular. Décadas mais tarde, a ideologia de Cidade-Jardim estaria disseminada pelo mundo, muitas vezes completamente descaracterizada de seu conceito original, atendendo exclusivamente à classe burguesa, esta que fugia dos grandes centros em busca de uma melhor qualidade de vida e segurança.
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Figura 45 Plantas das Cidades-Jardim de Welwyn (1920) e Letchworth (1903). Fonte: GUIMARÃES, 2004. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Howard não se considerava arquiteto ou urbanista e sim inventor. Ele teve grande influência nas cidades novas inglesas contruídas após a Segunda Guerra Mundial e nas cidades americanas, a partir da década de 30, que adotaram o conceito de “Greenbelt Cities”, sobretudo em Maryland, no estado de Columbia. Em 1903 projetou Letchworth, e em 1920 Welwyn, ambas construídas na Grã-Bretanha. (PESSOA, 2006: 53)
O arquiteto e urbanista norte americano Frank Lloyd Wright (1867-1959), extrapola a integração entre o espaço urbano e rural quando, em 1935, apresenta ao mundo sua proposta utópica para uma “não cidade”, ou como defendia: “a cidade foi para o campo”, denominada Broad-Acre City, (Figura 46). (PESSOA, 2006) Segundo sua proposta, não haveria separação entre a cidade e o campo, sendo que Wright elimina a convencional idéia de centralidade ou conformação de uma área central urbana. Dessa forma, Wrigth defendia a idéia de que a cidade de sua época se configurava em uma aberração monstruosa e que o homem só poderia se beneficiar das novas tecnologias e da qualidade de vida a partir de um retorno para a terra que, segundo ele, se constituía como o habitat natural humano. A subdivisão da terra corresponderia a um acre por família (4.047 metros quadrados) sem filhos, caso houvesse um aumento de indivíduos por lar, também seria acrescentado a cota de terra (para cinco ou mais acres, conforme a demanda e 76
capacidade de trabalho da família). A população teria uma atividade constante dedicada à fazenda em pelo menos um período do dia e, se fosse aplicado na época nos Estados Unidos, a população poderia estar contida numa área correspondente ao estado do Texas. (PESSOA, 2006) Dieter Hassenpflug (2007), atualmente professor da Universidade Bauhaus em Weimar, Alemanha, discursa sobre o radicalismo de Wright na composição de uma cidade ausente de ícones convencionais da cidade tradicional européia, porém obediente ao traçado ortogonal: A versão radical da Broad-Acre-City de Frank Lloyd Wright é um exemplo perfeito de uma paisagem republicana americana. Ela apresenta uma paisagem rural-urbana ortogonalmente estruturada – um espaço sem nenhum centro. (...) Ao examinarmos minuciosamente o desenho da Broad-Acre-City, percebemos que faltam elementos da iconografia dos jardins barrocos (franceses) e ingleses, enquanto a grelha é dominante. Apesar de fundamentada na arquitetura palaciana ocidental antiga e usada pelo mítico primeiro urbanista Hipódamo de Mileto e por designers urbanos romanos, a grelha se torna uma figura espacial americana típica e de imagem relevante. (HASSENPFLUG, 2007)
Figura 46 À esquerda o estudo preliminar e, à direita, uma implantação da Broad-Acre City de Frank Lloyd Wright (1935). Fonte: Frank Lloyd Wright Foundation, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Se comparado com a Cidade Jardim de Howard, Wright propõe um descentralismo muito mais evidente, contudo nas duas propostas a mecanização e a tecnologia estão fortemente defendidas, mesmo consideradas por ambos como mal utilizadas pela sociedade. Essa mesma tecnologia, para Wright deveria ser utilizada para afastar o homem dos grandes centros urbanos, aproximando-o da natureza; segundo ele, o automóvel teria um papel crucial, pois possibilitaria que as pessoas morassem longe uma das outras. Ainda previu algumas tecnologias futuras que interfeririam na vida do homem contemporâneo, como a telecomunicação entre as pessoas, bem como a possibilidade do trabalho em casa e possivelmente a internet, fatos que alterariam toda a concepção de funcionalidade e configuração da cidade. 77
O sistema de gestão urbana estaria disposto em nível municipal, enquanto que as questões mais abrangentes como o manejo dos recursos naturais e assuntos administrativos e estratégicos de Estado ficariam a cargo do Governo Nacional. Wright considera a educação como a salvação da sociedade, portanto haveria uma positiva dependência entre a Broad-Acre City e um eficaz sistema educacional para a população. Assim, Wright propunha que as universidades deveriam ser transformadas em Centros Comunitários, estes mais próximos à população e que prestariam serviços diretos à comunidade; já os estudos avançados e de pesquisa seriam atribuídos aos Centros de Pesquisas. Em Broad-Acre também não haveria a dissociação entre trabalho manual e mental, tal como ocorre na sociedade industrial da época. (Figura 47) O descontentamento de Wright com a cidade de sua época, que não mais enaltecia os valores de convívio e sociabilização humanos, tornava-se justificável devido ao conjunto de fatos que anunciavam, se constituindo no foco da luta de ambientalistas e ativistas norteamericanos preocupados com o que chamavam de sprawl (expansão) das metrópoles. (ROSELAND apud ULTRAMARI, 2005). Haveria assim circuitos urbanos no lugar de cidades, pois seriam ocupados os solos naturais fora das áreas centrais da cidade, o que geraria uma dispendiosa infra-estrutura para a circulação e funcionalidade dessa nova forma urbana. (ULTRAMARI, 2005) Clovis Ultramari, em sua obra intitulada “O Fim das Utopias Urbanas” (2005), faz um paralelo entre a proposta de Frank Lloyd Wright e o processo de expansão das cidades até o contexto atual. Contudo, Ultramari destaca que a cidade contemporânea tende a se densificar, minimizando custos, dispêndio de energia, valorizando suas áreas de preservação e espaços livres. Essa teoria alinha com o atual conceito sustentável de Biocidade (GOUVÊA, 2002), este que propõe uma relação de equilíbrio entre a cidade e o meio ambiente através do desenho urbano contemporâneo. (...) Nos países pobres, de urbanização mais recente, o sprawl também se impõe, não por uma opção suburbana das classes de maior poder aquisitivo, mas, sobretudo pela limitação imposta à população sem recursos no tocante ao acesso a áreas centrais mais bem servidas por serviços e infra-estrutura. Causas diferentes, impactos ambientais parecidos. O que se quer exemplificar com esses eventos é a mudança de paradigmas vivenciados no trato da questão urbana que ora se observa, sem contudo se ter certeza daquilo que se deve substituir o ultrapassado. Se por um lado a cidade densificada tem sido utilizada como exemplo da artificialidade das relações entre homem e natureza, por outro lado, a cidade que se esparrama, que acompanha rodovias, que oferta áreas residenciais urbanas em meio a extensas áreas naturais (ainda que antropizadas), é igualmente negada pelos mais recentes preceitos que fundamentam a necessidade de economizar energia e de não avançar sobre áreas de proteção natural. (ULTRAMARI, 2005:35)
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Figura 47 Perspectivas ilustrativas sobre a forma de organização espacial da Broad-Acre City. Fonte: Frank Lloyd Wright Foundation, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Assim como nas teorias de Howard e Wright, a tecnologia passou a ser uma referência na idealização das cidades para outros utópicos do século XX. Quando Tony Garnier, em 1904, apresentou seu Trabalho de Conclusão do Curso de Arquitetura, este que constituía uma proposta denominada de A Cidade Industrial para Lyon, na França (Figura 48); além de seu conteúdo utópico e ousado, pela primeira vez na história alguém faz um projeto detalhado de uma cidade industrial. A setorização foi um dos princípios que nortearam sua proposta urbanística para Lyon, dessa forma as áreas de indústria, habitação, lazer, cultura, administratição (governamental), seriam instâncias bem delimitadas no espaço de sua cidade.
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Figura 48 O projeto para a Cidade Industrial de Tony Garnier, apresentado em 1904. Fonte: PEVSNER, 1981. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
2.8 A UTOPIA URBANA DE LE CORBUSIER E O CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETOS MODERNOS (CIAM) Em 1922, os arquitetos urbanistas Le Corbusier (1887-1965) e o Pierre Jeanneret (18961967) propõem a Ville Contemporaine para a Paris, uma cidade para três milhões de habitantes, depois idealiza o Plan Voisin em 1925 (Figura 49) e a Ville Radieuse em 1935, estes que foram projetos apenas de Corbusier. Todavia em ambas as propostas a cidade é compreendida como uma máquina, de mecanismos complexos e setorizados. No Plan Voisin tinha-se a proposta inicial de se edificar dezoito torres com cento e oitenta metros de altura, entremeadas por uma extensa área verde. As torres funcionariam como um sistema de concentração das atividades funcionais da cidade, liberando espaços extensos para parques e áreas de lazer. Apesar da proposta utópica ter sido arduamente criticada, pois a mesma propunha a demolição de um distrito medieval de Paris (o Marais), gerou-se uma discussão ampla da cidade como um todo, o que demonstra a necessidade do ideário utópico na constituição das cidades. (PESSOA, 2006) Por exemplo, Le Corbusier, em seu célebre Plan Voisin, não vacilou ao propor arrasar boa parte do centro de Paris, para construir ali uma série de edifícios cruciformes, racionalmente concebidos e alinhados, que numa versão posterior modificada, porém inspirada na mesma concepção, foram apresentados como "imóveis cartesianos". Esta proposta pode parecer descabida, mas é comparável a outra, implícita nos projetos da Ville Radieuse do mesmo célebre arquiteto. Ambas, nunca chegaram a ser realizadas em sua totalidade mas, sob vários aspectos, correspondiam ao que de melhor, mais adaptado e generoso o espírito humano, naquele momento, poderia conceber objetivando responder às necessidades de uma humanidade cruelmente privada de sol, de ar puro e de vegetação. Sabe-se que, no transcurso dos anos 50, esse racionalismo Corbusiano pôde, entre outras coisas, encarnar-se 80
em duas capitais modernas, construídas no meio de terras até então quase inabitadas, e situadas em regiões particularmente inóspitas. Chandigard, no nordeste da Índia, cuja concepção foi confiada ao próprio Le Corbusier, e Brasília, a nova capital do Brasil, realizada por Costa e Niemeyer, dois de seus discípulos. (...) Neste momento, é suficiente observar que os projetos dos arquitetos, às vezes, adquirem dimensões que os aproximam daqueles que os socialistas concebem, objetivando a realização das mais ambiciosas utopias. (LAGUEUX, 2003)
A idéia radical de Corbusier visa romper com o traçado medieval e anti-funcional, segundo ele, das cidades tradicionais européias. A princípio, o objetivo primordial é descongestionar os fluxos e circulações no centro da cidade, aumentar a densidade urbana, melhorar o sistema de transporte coletivo e possibilitar a existência de uma ambiência urbana aprazível, pois haveria uma extensa área para parques e áreas verdes. No subsolo do centro da cidade estaria a estação central, enquanto que na cobertura dos altos edifícios localizar-se-iam pontos de táxis aéreos. Todos os edifícios estariam ligados ao metrô. (PESSOA, 2006) Le Corbusier não rejeitou a crítica da industrialização feita no século XIX. O que ele rejeitou foi a idéia de que os problemas trazidos pela industrialização poderiam ser resolvidos, rumandose para um mundo de árvores, flores e artesanato. Ele estava convencido de que a produção em larga escala e suas conseqüências eram inevitáveis no mundo moderno e que a cidade verde deveria estar dentro da cidade de torres, ou ela simplesmente não existiria. Mas a base de todo planejamento urbano para Corbusier era de que sempre deveria ter como premissa a liberdade individual. A tarefa fundamental do planejador é criar harmonia através do desenho. (PESSOA, 2006: 55)
Figura 49 O Plan Voisin para Paris, projeto desenvolvido em 1925 por Le Corbusier. As dezoito torres em formato de cruz, com cento e oitenta metros de altura e grandes parques entre os edifícios. Fonte: PESSOA, 2006: 77. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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A exposição realizada em Paris, em 1922, Le Corbusier pôde apresentar ao mundo, em “La Ville Contemporaine” (Figura 50), sua proposta para uma cidade contemporânea. A cidade assim estava composta por gigantescos arranha-céus, contornados por amplos espaços abertos que configuravam extensos parques, no qual edifícios de escritórios com 65 andares ocupavam apenas 5% do solo. Os transportes ferroviários e aeroviários eram localizados na porção central da cidade, enquanto que ao redor dos altos edifícios estavam situados os distritos de edifícios de apartamentos de oito andares, dispostos em ziguezague e com amplos espaços abertos no entorno. (GUIMARÃES, 2004: 82) Na Ville Contemporaine, Corbusier determina a densidade de 120 pessoas por acre. Na área periférica do conjunto urbano estavam alocadas as Cité Jardins (cidades-jardim), área residencial de unidades unifamiliares. O conjunto urbano era proposto para uma população de três milhões de habitantes.
Figura 50 Perspectivas da Cidade Contemporânea de Le Corbusier, 1925. Fonte: GUIMARÃES, 2004: 82. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Destarte, Le Corbusier impulsiona o desenvolvimento para novas propostas urbanas dentro do contexto de evolução da sociedade industrial, com suas necessidades e novos modos de vida. A ousadia utópica do Plan Voisin (Figura 51) abstém-se de qualquer possibilidade de diálogo com o traçado existente, desconectando seus moradores das referências espaciais, culturais e formais da historicidade urbana pregressa, herdando a proposta de ruptura como o passado. O ideário do urbanismo progressista moderno focado na organização do espaço de acordo com as carências e demandas do tempo presente, constituiu-se na interligação da mecanização e industrialização dos processos de produção com o tempo moderno. A intenção primordial era deixar claro o ideal revolucionário da nova arquitetura, que surgia com a finalidade de contribuir para a construção de uma sociedade desvinculada de um passado retrógrado, cuja “existência” (ou memória) só viria a perturbar o espírito da “nova era”. A idéia “moderna” de cidade, ainda que ditada de forma alegórica e exageradamente panfletária, se consolidaria na racionalidade e funcionalidade expressas em suas intenções urbanísticas que regeriam toda nova estrutura urbana simpatizante com os ideais do Movimento Moderno. Seus modelos deterministas, o respaldo cego nos argumentos cientificistas e a crença obtusa em um poder irreversível de transformação social, culminaria, em 1933, na elaboração do mais paradigmático e planetário manifesto sobre a “cidade moderna”: a Carta de Atenas. Com argumentos apoiados fundamentalmente no pragmatismo funcionalista, no fascínio pela máquina, na industrialização, na tecnologia, no racionalismo, organiza a cidade de modo a potencializar as atividades cotidianas do suposto homem moderno. Trabalho, moradia, transporte, serviços, lazer e produção, são sistematicamente setorizados sob a regência de uma otimização logística (racional) destas atividades perante o homem, a máquina, a cidade e a natureza. (MEDRANO, 2004)
Corbusier condiciona suas idéias de ruptura com paradigmas pregressos, denotando a necessidade de uma nova visão urbanística sobre a cidade moderna, voltada para a vida do homem moderno e o desafio promulgado pelo automóvel. As cidades deveriam acompanhar a evolução das máquinas, dos meios de produção do capital, da economia, dos transportes, enfim, da modernidade.
Figura 51 Detalhe das torres e área do parque do Plan Voisin de Le Corbusier. Fonte: LAGUEUX, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 83
As propostas utópicas de Le Corbusier, tanto as idéias de Cidades Contemporâneas ou a radical transformação de Paris através da Cidade Radiosa (La Ville Radieuse) (Figura 52), na década de 30, concebiam um conceito proeminente que visava a mudança de vida e decorrente composição espacial da cidade moderna, atendendo aos parâmetros das novas necessidades sócio-culturais, econômicas e políticas. As novas tecnologias da era industrial determinam os novos modelos propugnados pelo Congresso Internacional de Arquitetos Modernos (CIAM).
Figura 52 A perspective acima representa o setor residencial “La Ville Radieuse”, e a implantação demonstra o esquema de implantação dos edifícios. Fonte: GUIMARÃES, 2004: 83. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Em 1941, através da liderança de Le Corbusier, o C.I.A.M. publica seu manifesto intitulado “Carta de Atenas”, documento que define o planejamento urbano a partir de quatro funções primordiais: a moradia, o trabalho, o lazer e a circulação. Assim podemos definir segundo Guimarães (2004: 84), o ideário conceitual da Carta de Atenas nos seguintes pontos:
A moradia e seu prolongamento – as habitações apresentam duas configurações distintas: a habitação unifamiliar isolada e os grandes edifícios habitacionais coletivos (multifamiliares), com serviços comuns organizados; Os equipamentos comunitários aparecem organizados também sob dois grupos: o primeiro - abastecimento, serviços domésticos, manutenção e instalações de ginástica (melhoria do corpo); o segundo – creche, escola maternal, escola primária e oficina de juventude;
As Unidades de Trabalho – são divididas em quatro grupos, conforme sua localização e tipologia de edificação: 1. Oficinas, manufaturas e fábricas; 2. Escritórios de administração privada ou pública; 3. Lojas e armazéns; 4. Área de cultivo agrícola, associadas à dispositivos de acúmulo e de distribuição dos produtos, de armazenamento e manutenção de máquinas.
As Unidades de Lazer – estas são dispostas em duas categorias: a primeira – equipamentos esportivos de uso diário, centro de diversões populares, estádio para 100.000 pessoas; a segunda – equipamentos de “lazer intelectual”, tais como bibliotecas, teatros, salas de concerto e conferências, salões de exposições etc.
As Circulações Horizontais – essa função estabelece uma interligação com as demais, pois seu objetivo é eliminar as dissonâncias entre as velocidades naturais (o caminhar humano) e as velocidades mecânicas (deslocamento do automóvel e demais meios de transporte). Para isso, haveria uma classificação adequada para o sistema, subdividido em: 1. Circulação de trânsito para pedestres; 2. Circulação de distribuição para pedestres; 3. Circulação de trânsito para veículos; 4. Circulação de distribuição para veículos, e, por fim; 5. Circulação lenta (passeio) para pedestres e veículos reunidos. 85
O C.I.A.M. posteriormente acrescentaria o número dessas funções através da inclusão de um Centro Público de atividades administrativas e cívicas. As idéias de Le Corbusier passam a influenciar o mundo, dentro do campo da arquitetura, urbanismo e planejamento urbano, tendo no Brasil a construção de um exemplo único de realização utópica do urbanismo moderno: a cidade de Brasília. Para Lamas (1992), Le Corbusier se tornaria o “bode expiatório” a partir dos anos 60, sendo ele alvo de críticas diversas à sua contribuição teórica. Outros críticos destacam que através de edifícios repetitivos, da oferta de espaços urbanos residuais, do tédio, do isolamento social da população, assim com fatores que somados ao alto custo de implantação e manutenção das cidades modernas, produziriam um repertório arquitetônico e urbanístico pouco alinhado com as questões locais e regionais. Assim, as cidades modernas desconsiderariam aspectos culturais e sociais, eliminando a identidade e sentido de pertencimento de seus habitantes. Sobre esse aspecto anti-historicista e anti-regionalista do movimento implementado por Le Corbusier, Otília Arantes escreve, através de sua obra Urbanismo em Fim de Linha (1998), a seguinte indagação a respeito da utopia reformadora modernista:
Toda essa organização só era imaginável na medida em que parecia se abrir, através da modernização, embora sabidamente contraditória do capitalismo, uma perspectiva de salvação para todos. A utopia reformadora na origem da arquitetura moderna é, portanto, inseparável do processo capitalista de modernização e sua aposta no progresso tecnológico. Ou seja, o avanço das forças produtivas havia de levar a uma regionalização crescente da vida, à qual a arquitetura viria se associar e quem sabe até liderar – afinal a famosa afirmação de Le Corbusier “arquitetura ou revolução” não era mera bautade. Mas para isto justamente era preciso romper com qualquer resquício passadista – a tábula rasa não era um simples equívoco contornável, mas a premissa necessária de arrancada para a frente. Essa visão prospectiva, histórica, que obrigava a eliminar o passado, a desvalorizar as tradições. A máxima corbusieriana – “Demolir sem remorso” – era menos uma postura vanguardista um tanto inconseqüente do que uma bem pesada atitude puritana de depuração drasticamente modernista do espaço, expurgando-o de todas as tradições e outras velharias, de modo a viabilizar uma “ordem” social, cujos traços autoritários, aliás, não em vir à tona. (ARANTES, 1998: 104)
2.9 AS CIDADES UTÓPICAS PARA O SÉCULO XXI 86
A utopia hoje pode ser um ponto de partida para o planejamento urbano. A crítica à cidade deve ser feita com um olhar visionário, sem a preocupação com números, dados estatísticos, cifras, gráficos etc. Esta abordagem permite que os problemas fundadores, não superficiais, aflorem, podendo-se ter então uma clara visão de sua origem e seqüência de equívocos. (...) A compreensão do sistema vigente e sua crítica são fundamentais para qualquer planejamento verdadeiramente modificador. As grandes cidades do mundo inteiro precisam dessa crítica se quisermos encontrar um rumo. Esta premência é mais evidente nas grandes metrópoles onde a vida torna-se cada vez mais difícil e custosa, em termos econômicos e humanos. As cidades novas, construídas num terreno livre onde nunca existiu uma cidade, tal como foram propostas inúmeras vezes, já não constituem a utopia de hoje. A utopia atual é a cidade nova sobre a existente, lidando com todas as suas dificuldades. Denise Falcão Pessoa, 2006: 140-141.
A humanidade vive uma atual crise de incongruência, pois o desenvolvimento das civilizações tem demonstrado que seu grau evolutivo está diretamente relacionado com seu aparato tecnológico e científico direcionado para o melhor controle da natureza e da qualidade de vida. Todavia, nota-se que a humanidade hodierna vive majoritariamente em áreas urbanas; e ao passo que as nossas cidades estão cada vez mais densas, paralelamente aumenta-se a poluição do meio ambiente, a violência, a criminalidade, a miséria, o caos, e assim a civilização tecnológica se distancia cada vez mais da natureza e da vida sustentável. O homem detém a tecnologia capaz de climatizar grandes ambientes, prever as ações do tempo e condições climáticas. Mesmo que a temperatura da casa, trabalho ou shopping permaneçam constantes, ainda sim o homem tem a necessidade de prever e controlar a natureza e as possíveis reações do meio à suas intervenções. Também o homem contemporâneo já não entende o vento, não observa o céu e os pássaros para antever a chuva imediata; já não percebe o ciclo lunar e suas intervenções na vida cotidiana; não utiliza materiais adequados à região e a cada clima para construir suas habitações, (PESSOA,
2006:72).
Aliás,
muito
pelo
contrário,
cria
sistemas
complexos
de
condicionamento do ar e fabricação de materiais tecnológicos para atingir o mesmo índice de conforto que se tinham as edificações de séculos atrás. Será que a ilusão do domínio da natureza dá ao homem moderno mais tempo para o trabalho diário e menos inquietações para o futuro? Mas se as leis da natureza são as mesmas há centenas de milhares de anos, por que a necessidade desse controle constante? As cidades avançam cada vez mais sobre seus limites, canalizando córregos, retificando o traçado natural dos rios, impermeabilizando o solo e aumentando a velocidade das águas pluviais sobre as vias, desmatando florestas e matas ciliares, poluindo com lixos e esgotos os recursos naturais; paralelamente se desenvolve tecnologias cada vez mais sofisticadas e caras para conseguirem controlar as enchentes, despoluir córregos e rios, trazer a vida para 87
os ecossistemas destruídos e transformar a poluição em qualidade ambiental, ou seja, trazer de volta as características que o meio ambiente apresentava antes da ação humana. É do questionamento desse cenário atual que a utopia se faz coerente, apresentando em sua essência o sentido de lugar melhor ou lugar onde tudo está bem, conforme o próprio significado da palavra. Pois a criação de um lugar melhor é necessária quando a ameaça do equilíbrio entre a cidade, a sociedade e a natureza determinam a sobrevivência ou não da humanidade. Estimativas apontam para esse futuro incerto no qual o crescimento demográfico em curva exponencial, desde o final século XIX, acentua a exclusão da grande maioria dos homens dos meios de produção e distribuição da riqueza e, conseqüentemente, da qualidade de vida. Se a população mundial, num período de cinqüenta anos futuros, continuar a seguir os parâmetros atuais de alto índice de consumo, produção energética, conforto de bens e serviços (conforme o que se verifica nos países de primeiro mundo), tornará a coexistência entre cerca de dez bilhões de seres humanos e a natureza impossível. Nesse momento de transformação de valores e de uma necessária ruptura com o paradigma sócio-econômico, vigente desde a revolução da sociedade industrial, a utopia parece ser o único caminho capaz de trazer para o mundo sensível a utópica idéia de desenvolvimento sustentável, este que possivelmente perpetuará a existência humana na Terra neste século XXI.
88
3. A UTOPIA URBANA DA CAPITAL BRASILEIRA: O CASO DE BRASÍLIA ADDENDUM URBANÍSTICO 1 – Cidade é a expressão palpável da humana necessidade de contato, comunicação, organização e troca, numa determinada circunstância físico-social e num contexto histórico. 2 – Urbanizar consiste em levar um pouco da cidade para o campo, e trazer um pouco do campo para a cidade. 3 – Nas tarefas do engenheiro, o homem é principalmente considerado como ser coletivo, como “número”, prevalecendo o critério de quantidade; ao passo que nas tarefas do arquiteto o homem é encarado, antes de mais nada, como ser individual, como “pessoa”, predominando então o critério de qualidade. Por outro lado, os interesses do indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser coletivo; cabe então ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental. Lucio Costa, 1980: 50
Entre 1954 e 1960, o Brasil foi palco de uma das experiências, utópica ou não, mais importante dentro do campo do urbanismo do século XX. Através de Brasília, o Brasil pôde expressar não somente seu projeto utópico para uma nova capital, mas também a idéia de um país utópico justo, igualitário e moderno. Brasília é símbolo de um movimento cultural, artístico e político sem precedentes no Brasil, concretizado a partir de um sonho de um País ideal, ausente de crises e com excelente qualidade de vida para seu povo. Uma cidade que representaria o modelo mais bem acabado e vivo do urbanismo moderno do CIAM (1928) e da Carta de Atenas (1933), sendo tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Entretanto, a utopia de um mundo melhor brasileiro, após a sua construção, apresentaria as mesmas características decorrentes da segregação social e falta de distribuição da renda no cenário dos países em desenvolvimento. Foi em 1789 que surge a primeira idéia de construção de uma nova capital para o Brasil a partir da necessidade de se ocupar e desenvolver a região central do País, pois a grande parte da população estava localizada da porção costeira e Portugal almejava reforçar seu domínio sobre as regiões auríferas no interior da sua colônia. No ano de 1823, José Bonifácio propõe a transferência da Capital para Goiás, foi sugerido o nome de Brasília para a mesma. Depois, em 1891, realizaram-se estudos com a finalidade de determinar uma área com cerca de 14.400 km² para a concretização de uma cidade-capital e, posteriormente determinou-se uma área denominada de “retângulo de Cruls” (nome do botânico e líder da expedição). No ano de 1922, o Presidente da República Epitácio Pessoa, resolve construir um monumento em homenagem à capital na cidade de Planaltina, em Goiás. Em 1946, o então presidente Eurico Gaspar Dutra cria uma comissão com a finalidade de estudar uma nova área com um milhão de quilômetros quadrados para receber uma capital de 500.000 habitantes. Somente durante o governo de Getúlio Vargas, em 1953, são concluídos os 89
estudos com a colaboração do escritório norte-americano Donald Belcher e Associados, no qual é sugerido a mesma área do retângulo de Cruls a 25 km de Planaltina, no sentido sudeste da cidade goiana. (PESSOA, 2006: 61) No mês de agosto de 1956, é eleito presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira sobre a promessa de concretização de um sonho brasileiro: a construção da nova capital no coração do País. A partir desse momento estariam iniciadas as especulações acerca das idéias modernistas para a nova capital, pois na época era a corrente teórica mais pujante e que melhor se enquadraria no programa de um novo país, focado no potencial industrial e de futuro moderno. Na época já havia outro experimento moderno executado, a cidade de Chandigarh, na Índia, desenvolvida por Le Corbusier para ser a capital de Punjabi. Porém, no Brasil puderam aflorar utopias a partir de um concurso público inédito no mundo para esse tema. Este concurso foi promotor do desenvolvimento de diversas idéias modernistas para o desenho urbano da época, no qual vários arquitetos ensaiaram suas teorias e propostas urbanas a partir de conceitos como o cinturão verde, super-quadra, unidade de vizinhança e cidade jardim. As maiorias dos projetos apresentam influências da Cidade Industrial de Tony Garnier ou configurações urbanas das cidades jardim de Howard. Muito embora a cidade de Brasília fosse exclusivamente a de uma capital administrativa e não industrial, como Garnier preconizava em suas teorias, os projetos caminharam para a setorização e divisão da cidade conforme seus usos e funções. Assim que Kubitschek assume a presidência, o Congresso Nacional autoriza a criação de uma corporação governamental denominada Novacap, com a função de planejar e construir Brasília e tendo como presidente Israel Pinheiro. Em setembro de 1956, a Novacap anuncia a abertura do concurso para a criação da cidade, podendo participar todos os profissionais devidamente licenciados no Brasil nas áreas de arquitetura, engenharia e urbanismo. A comissão julgadora do concurso foi composta pelo diretor do departamento de arquitetura da Novacap, Oscar Niemeyer, além de Paulo Antunes Ribeiro (do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB), Horta Barbosa (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA), Stamo Papadaki (representante Norte Americano), André Sive (França) e William Holford (Inglaterra). Foi exigida a apresentação de dois conjuntos de documentos na composição da proposta; o primeiro seria um lay-out da cidade com a locação dos principais componentes da estruturação urbana, implantação e conexão dos vários setores entre si e com o centro, e as instalações de serviços; o segundo era de caráter estritamente teórico-conceitual, através de um memorial justificativo que apresentaria o conceito do projeto. Foram determinados os seguintes elementos para a avaliação das propostas: a consideração dos dados 90
topográficos, o tamanho da cidade proposta em relação à densidade populacional, integração dos elementos urbanos com a cidade, a relação da cidade com a região e entorno e a síntese arquitetônica. Em março de 1957 foi determinada a data limite para a entrega das propostas, sendo apresentados 26 projetos, dos quais foram selecionados e premiados sete: 1º lugar - Lucio Costa; 2º lugar - Boruch Milmann, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves; 3º e 4º lugar - Rino Levi, Roberto César, R. L. Carvalho Franco e M.M.M. Roberto (os prêmios entre terceiro e quarto foram divididos igualmente pelas equipes); e 5º lugar – dividido em 3 grupos: Carlos Cascaldi, Vilanova Artigas, Mário Wagner Vieira e Paulo Camargo e Almeida; Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti (Figuras 53); e Construtécnica S.A. (PESSOA, 2006: 63) A proposta de Milmann, Rocha e Gonçalves dava ênfase ao setor residencial da cidade, organizado a partir de três tipos de habitações: conjuntos unifamiliares (com 12% da população), conjuntos multifamiliares com três andares (com 57% da população) e conjuntos multifamiliares com doze andares (31% da população), todos organizados em uma unidade de vizinhança com oito mil habitantes, esta servida por uma escola primária. A proposta da equipe obedecia à distribuição teorizada por Camilo Sitte, sendo que o distrito governamental se localizaria próximo ao lago. (Figuras 54)
Figura 53 Projeto de Mindlin e Palanti. Fonte: PESSOA, 2006: 82. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Figura 24 Detalhe da super-quadra da equipe de Gonçalves, Milman e Rocha. Fonte: PESSOA, 2006: 80. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O conceito corbusieriano de “La Ville Contemporaine” para Paris, criado em 1922, renasce a partir do projeto visionário e utópico de Rino Levi. Sem a preocupação de se propor uma cidade exeqüível para a época, Rino Levi se interessa em transcender os limites da materialidade urbanística e apresentar ao mundo seus conceitos, enfatizando as unidades de habitação. Sua proposta vislumbra a criação de unidades de vizinhança contida em altos edifícios habitacionais com até 48.000 moradores, estrutura esta que nos remete às unidades de habitação das 16 torres de Le Corbusier para Marselha em seu Plan Voisin. Cada edifício teria 300 metros de altura, contendo ruas internas a cada vinte andares. Para permitir acessibilidade ao conjunto em toda sua extensão vertical, Levi propõe um entroncado sistema de elevadores para circulação vertical, constituído por elevadores expressos conectados somente às ruas internas e elevadores locais, estes somente acessados através das ruas internas e conectados aos vinte andares de cada módulo. (Figura 55)
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Figura 55 Proposta de Rino Levi para Brasília. Fonte: PESSOA, 2006: 80. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O desenho urbanístico de M.M.M. Roberto (Figura 56) norteia a organização com o setor cívico, assim, as funções da cidade seriam distribuídas em sete unidades concêntricas autônomas entre si. A idéia é estabelecer unidades de vizinhança equivalentes e igualitárias, não havendo subúrbios ou cidade satélites. A fragmentação da cidade a partir dessas unidades autônomas e semelhantes dividiria a cidade em sete setores bem definidos, o que não foi bem visto pelo jurado face à diluição da monumentalidade e polarização que uma nova capital nacional deveria ter, pois não haveria um único centro ou eixo de poder. (PESSOA, 2006: 64)
Figura 56 À esquerda, proposta de uma unidade urbana e, à direita, a cidade de Brasília em todo seu conjunto de unidades. Autoria de M.M.M. Roberto. Fonte: PESSOA, 2006: 81. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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A proposta vencedora e depois executada foi a de Lucio Costa (Figura 57), expressa graficamente de maneira simplória através de pequenos croquis, porém bem respondida em seu memorial que abordou praticamente todos os requisitos do Júri em seus 23 pontos elucidados. Lucio Costa inicia seu memorial sobre o título: “Brasília, cidade inventada (memória descritiva)”, primeiramente se desculpando por ser tão sumária sua apresentação: Desejo, inicialmente, desculpar-me perante a direção da Companhia Urbanizadora e a Comissão Julgadora do Concurso pela apresentação sumária do partido aqui sugerido para a nova Capital, e também justificar-me. Não pretendia competir e, na verdade, não concorro – apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada mais surgiu, por assim dizer, já pronta. Compareço, não como técnico devidamente aparelhado, pois nem sequer disponho de escritório, mas como simples maquisard do urbanismo, que não pretende prosseguir no desenvolvimento da idéia apresentada senão, eventualmente, na qualidade de mero consultor. E se procedo assim candidamente é porque me amparo num raciocínio igualmente simplório: se a sugestão é válida, estes dados, conquanto sumários na sua aparência, já serão suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se o não é, a exclusão se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ninguém. (LUCIO COSTA, 1980: 50)
Negando a assinar o veredicto positivo do júri à cidade de Lucio Costa, Paulo Antunes Ribeiro (do IAB) justifica, através de um relatório, que a proposta era muito vaga para ser levada em consideração e sugere que as dez equipes selecionadas elaborassem um único projeto urbanístico para a capital. Porém, os outros membros do júri consideraram que a idéia de Lucio Costa estava suficientemente clara, embora vaga e incompleta em alguns pontos, respondia à maioria das exigências. A morfologia urbana de Brasília se ajusta às condicionantes topográficas do terreno, incluindo a disposição da lagoa artificial implantada. Lucio destaca a simbologia através do gesto primário de ocupação territorial através da cruz – símbolo religioso de ocupação colonial portuguesa e bandeirista –; e a partir desta se organiza os eixos viários no sentido norte-sul (arqueado), do setor das habitações e unidades de vizinhança; e leste-oeste (retilíneo), do eixo monumental do poder (Praça dos Três Poderes, implantada sobre um triângulo eqüilátero ao nascer do sol), e demais sistemas urbanos como edifícios de órgãos públicos, setor hoteleiro e de comércio, setor militar, torre de comunicação, recreação, lazer, esporte e cultura através do estádio, da catedral, dos museus, do teatro e, na outra extremidade oeste, a estação ferroviária (atual rodo-ferroviária). O setor habitacional, localizado nas Asas Norte e Sul (denominação resultante da analogia morfológica do avião com a cidade), é composto por casas unifamiliares, casas geminadas e edifícios de apartamentos, distribuídos em super-quadras com um comércio local, áreas de lazer e convívio. Essas super-quadras estariam circundadas por um cinturão verde. (PESSOA, 2006: 65) 94
Podemos enumerar segundo Guimarães (2004: 107), alguns fatores que diferenciam Brasília de qualquer cidade do Brasil e do mundo:
O tráfego de automóveis se processo com um mínimo de cruzamentos e quase independente da circulação de pedestres;
O setor residencial básico é organizado em “super-quadras” de 240x240 m. Quatro super-quadras constituem uma “unidade de vizinhança” de 8 a 12 mil pessoas, alojadas em blocos de 6 andares sobre pilotis. Na confluência das quatro superquadras localizam-se as escolas, o templo, o comércio e serviços locais, campos de jogos e recreação;
As funções básicas da cidade: moradia, trabalho, lazer, circulação, atividades administrativas e públicas, de acordo com a Carta de Atenas, são organizadas em setores mutuamente excludentes dentro da cidade;
Diferente de outras cidades que misturam bairros residenciais de elite às favelas ou cortiços em suas regiões centrais, Brasília separa rigorosamente os primeiros no Plano Piloto de Brasília, e os outros às cidades-satélite da periferia. Também a disparidade econômica e social é muito maior entre o Plano Piloto e a periferia, do que nas demais cidades brasileiras.
Figura 57 Projeto vencedor do concurso para a construção e Brasília, de Lucio Costa. Fonte: PESSOA, 2006: 82. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 95
Brasília produz uma paisagem urbanística para a arquitetura de Oscar Niemeyer, especialmente quando este projeta o ícone do Congresso Nacional, que devido à sua disposição no eixo monumental, configuração arquitetônica e representatividade do Poder Legislativo nacional transforma-se num símbolo oficial da cidade. (GUIMARÃES, 2004: 107) No eixo de encontro estaria localizada a rodoviária, inserida em um complexo sistema viário, com poucos cruzamentos e separação entre fluxo rápido e local para os veículos, e a circulação e convivência de pedestres. As margens seriam aproveitadas para a recreação através de reservas, parques, clubes náuticos, campos de golfe, contudo, após um período de invasão e grilagem da elite, a área passou a ser local exclusivo de mansões e chácaras da classe alta e influente da capital. O discurso de cunho utópico para a implementação de Brasília é interpretado por Lucio Costa, quando este idealiza uma cidade organizada, setorizada e bem definida, constituindo uma cidade única e símbolo de um País jovem e progressista. Assim como todos os demais projetos, havia um ideário utópico ufanista de construção de uma nova realidade social, política e econômica. Todavia, após a construção, a cidade de Brasília passou a ser destino para uma leva de migrantes em busca de uma nova vida, nesse novo símbolo de Brasil. A proposta de uma cidade limitada aos seus 500.000 habitantes (conforme a idéia de Eurico Gaspar Dutra em 1946), apresentava problemas e a previsão de igualdade entre as classes sociais fracassa, quando passa a atuar agentes da especulação imobiliária e valorização do solo no Plano Piloto. Ao passo que Brasília apresenta uma rígida setorização das atividades, possibilitando um melhor escoamento dos veículos, também cria uma trama espacial segregada, monótona e bastante onerosa. Para Gouvêa (2002), os setores administrativos, bancários e comercial, apesar de extremamente bem equipados no Plano Piloto, permanecem sem utilização nos horários noturnos e nos finais de semana, enquanto que as áreas residenciais de grande densidade, a exemplo das cidades-satélites, não disponibilizam de equipamentos mínimos. Esse quadro caracteriza uma configuração urbana onerosa para sociedade como um todo, tanto no que diz respeito ao desempenho social, quanto na questão econômica e de manutenção urbana. Observa-se ainda, entre Plano Piloto e as demais cidades brasileiras uma diferença de custos do espaço. Como exemplo pode-se citar os grandes gramados (cerca de 100 metros quadrados por habitantes) do Plano e os edifícios de seis andares, que ocupam a maioria das super-quadras de Brasília, os quais dispõem de oito elevadores em média, por prédio. Gerando tal configuração uma malha urbana cara, que apesar da qualidade dos espaços não pode ser reproduzida nas cidades satélites, nem em outras regiões do País, exceção feita a Palmas capital do Estado de Tocantins, que enfrenta, sem o aporte governamental, enormes dificuldades. 96
Além desses exemplos de alto custo do desenho urbano, existem em Brasília, nas quadras 700, os conjuntos de duas frentes, que por serem servidos por duas vias de acesso oneram duplamente o poder público na implantação e manutenção da infra-estrutura mais cara (pavimentação), sem que isto signifique melhor qualidade das estruturas ambientais urbanas. Pelo contrário, criam-se de um lado do conjunto, vias de serviço sem arborização, repletas de veículos e do outro, espaços praticamente sem uso. Espaços que, apesar do custo, vêm hoje em dia sendo depreciados economicamente em função de problemas de segurança. (GOUVÊA, 2002: 33)
Na realidade, a utopia de Brasília foi plenamente concretizada conforme os critérios do urbanismo moderno, porém a ideologia de uma sociedade perfeita e equilibrada sócioeconomicamente não reflete a realidade de expropriação e segregação dos menos favorecidos, estes que nunca chegaram a habitar as super-quadras, tendo que viver desde o início nas Cidades Satélites improvisadas para servir como canteiro de obras da nova Capital Federal, (PESSOA, 2006: 66). As teorias hawardianas e corbusierianas foram interpretadas pelo urbanismo de Lucio Costa e na arquitetura de Oscar Niemeyer, a corrente modernista brasileira estaria produzindo uma cidade única, perfeita, exemplo de um urbanismo moderno em um local sem passado, nem raízes históricas ou culturais, mas que nunca conseguiria suplantar a condição social do capitalismo periférico. (Figura 58)
Figura 58 Vista atual do Eixo Monumental de Brasília a partir da Torre Central de TV, com a Explanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes ao fundo. Fonte: Autor, 22/12/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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4. PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES: DA CIDADE À SUSTENTABILIDADE, DA LEI À REALIDADE Como se dá o processo de Planejamento Urbano frente às questões ambientais? Qual a distância e proximidade entre o Planejamento Ambiental e Urbano? Por que, diante de tantos estudos e pesquisas científicas nas mais diversas áreas do conhecimento humano, não se conseguem romper com o processo de desenvolvimento tradicional de nossas cidades? Essas são algumas questões levantadas e debatidas neste Capítulo, visando o entendimento do contexto nacional face aos problemas regionais e locais nas municipalidades do Estado de Mato Grosso. Como generalidade, este capítulo parte de uma análise das formas e relações entre Planejamento Urbano e Planejamento Ambiental, procurando compreender a atual busca por soluções urbanísticas para as cidades brasileiras e de que forma se constitui o conceito de sustentabilidade, diante do cenário sócio-econômico do Brasil atual. Para o entendimento da evolução do pensamento humano frente aos conceitos de desenvolvimento e equilíbrio ambiental, analisa-se de forma resumida como se dá a relação entre o homem e meioambiente, a partir das revoluções tecnológicas e conceituais apresentadas na década de 1950 até os tempos atuais; discutindo ainda as ações empregadas pela ONU diante da problemática da crise social em grande parte dos países subdesenvolvidos e seus reflexos na exploração descontrolada do meio ambiente. No âmbito nacional, discursa sobre as relações entre o poder político e econômico – municipal, estadual e nacional – na formação das municipalidades e utilização do meioambiente, como também busca fazer um prognóstico quanto à distância entre o desenvolvimento ideal sustentável, legalizado, e a realidade do planejamento tradicional de raízes coloniais ainda perpetuadas. Também analisa como se dá a Política e Legislação Ambiental brasileira diante da disparidade das ações e fiscalizações ambientais ineficazes, assim como busca demonstrar quais as principais ferramentas legais implementadas a partir da Carta Magna de 1988 e, conseqüentemente, pelo Estatuto das Cidades e Planos Diretores Municipais; e porque as mesmas tendem à inocuidade, caso não seja discutido e implantado alterações profundas do sistema sócio-econômico brasileiro. Atualmente, as cidades brasileiras passam por um processo de implementação dessas novas diretrizes para ordenação do desenvolvimento urbano, resultado de uma recente política urbana exigida pelo Estatuto das Cidades citado e, posteriormente, a implantação de Planos Diretores Municipais. Porém, esse trabalho também demonstra preocupação quanto à forma com que esses Planos Diretores estão sendo formulados e encaminhados nas 98
municipalidades, quase sempre ausente de participação democrática e sem o necessário rigor técnico-teórico na determinação da ordenação legal do território. A situação se apresenta bastante grave nos pequenos municípios brasileiros, nos quais se oferece um atual aparato legal, focado nas questões ambientais de preservação e desenvolvimento equilibrado de acordo com as Leis federais e estaduais, porém, o cenário urbano real é de exclusão social, exploração e ocupação descontrolada do território. A falta de fiscalização, o número insuficiente e nível de qualificação no corpo de funcionários da área ambiental contribuem para esse quadro, assim como a falta de envolvimento da sociedade em geral, com relação à preservação e educação ambiental. Por outro lado, será que existe um Planejamento Nacional de Desenvolvimento, possibilitando esse anseio por cidades sustentáveis para o século XXI, ou estaríamos idealizando cidades sustentáveis sem o necessário projeto de desenvolvimento e minimização das tensões sociais e ambientais entre as distintas regiões brasileiras? O processo de ocupação do território urbano e rural deve se constituir a partir da utilização controlada dos recursos naturais, pois esta é uma premissa básica para todo projeto de desenvolvimento equilibrado. Para tanto, o cidadão deve assumir seu papel na sociedade partindo-se de uma política de inclusão social e conscientização ambiental incentivada e implantada não só pelo Poder Público, mas por todos os segmentos e classes que compõem a sociedade. Sem tal ação, complexa diante dos paradigmas atuais de país em desenvolvimento, fica inviável pensar e propor soluções para os problemas ambientais e possível melhoria na qualidade de vida. Diante do contexto das discussões hodiernas acerca do aquecimento global, podemos compreender o Estado de Mato Grosso como um estudo de caso importante, pois sabemos das conseqüências da expansão das fronteiras agrícolas e do sistema de ocupação do território. Esta que ocorre através de desflorestamento ou queimadas, numa primeira etapa, conforme a finalidade e condições locais, procedendo-se à implementação de monoculturas agrícolas ou de pecuárias a posteriori. Assim, o quadro de desequilíbrio ambiental desse Estado se torna crítico quando destacamos o cenário de exploração das riquezas naturais de seus recursos (subdividido em três biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal), que influencia diretamente o clima e as grandes bacias hidrográficas em diversos estados e regiões brasileiras, o que reforça a relação entre os processos de metropolização e regionalização do território, seja ele urbano ou rural. O Planejamento Ambiental torna-se de extrema importância para a constituição sustentável social e espacial de uma sociedade; porém a forma de legislação associada a um processo eficaz de execução e fiscalização dos mecanismos legais existentes talvez seja o grande 99
dilema para a viabilização de projetos sustentáveis, sem esquecer de que a conscientização social e ambiental é indissociável desse processo. A gestão ambiental no território deve ocorrer a partir dos municípios, conforme previsto desde a Constituição Federal, envolvendo a participação das instituições públicas, comunidades locais e setores econômicos na implementação de projetos e ações no espaço urbano e regional, visando o desenvolvimento sustentável e o necessário equilíbrio entre a cidade contemporânea brasileira e o meio ambiente.
4.1 PLANEJAMENTO URBANO X PLANEJAMENTO AMBIENTAL Novos conceitos, novos paradigmas, o planejamento urbano tem passado por um constante processo de revisão nas formas de se pensar e propor espaços para a cidade do século XXI. O grande crescimento urbano no cenário brasileiro, ocorrido a partir da década de 1970, atraiu para os centros urbanos uma massa de pessoas em busca de emprego e melhores condições de vida. Por outro lado, o processo de mecanização e desenvolvimento das agroindústrias no campo intensifica o êxodo rural, instaurando no Brasil um cenário de grandes conflitos e contrastes nas diversas regiões de seu território. O
necessário
planejamento,
como
forma
de
premeditação
desse
processo
desenvolvimentista e suas possíveis conseqüências, não ocorreu em tempo hábil por parte do poder público. O que se verifica, a partir daí, é uma realidade bastante drástica de exclusão e segregação espacial e social nas cidades brasileiras. Diante desse quadro é que nascem as novas e possíveis respostas, muitas vezes pouco eficazes, como meio de buscar um processo de desenvolvimento mais equilibrado com o meio ambiente. Surge, assim, o conceito de sustentabilidade como um novo modelo de desenvolvimento, do mesmo modo que diversas definições acompanhadas da reformulação do vocabulário e de idéias dos urbanistas brasileiros, a exemplo do que se discutia nos países desenvolvidos. Emergem modelos, conceitos e estratégias como: o Plano de Gestão Ambiental (PGA), a proteção dos recursos naturais, as ações antrópicas e suas interferências no ambiente natural, a idéia de ecologia e paisagem urbana, o licenciamento ambiental, a adoção de critérios para a utilização de fontes renováveis de energia e dos recursos naturais, associados ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Enfim, o planejamento urbano atual está mais do que nunca, vinculado ao processo de planejamento ambiental e suas ferramentas legais, exigindo do urbanista conhecimento de seu papel, como também das novas formas, métodos e aplicações de conceitos que tendem a acompanhar o dinamismo complexo da vida na sociedade atual. 100
Somados a esses conceitos e exigências legais, ainda temos a interdisciplinaridade, o projeto participativo, a educação e conscientização ambiental da sociedade, que são pontos essenciais para a qualidade de qualquer projeto de urbanismo nos dias atuais. Apesar da escassez de verbas para obras de cunho social ou que visem à melhoria de vida de uma grande parcela da população das cidades, ainda temos muitos exemplos de dinheiro público mal investido em obras de pouco ou nenhum retorno social, resultando em verdadeiros “elefantes brancos”. Tais obras, amparadas por discursos políticos demagogos e quase sempre intermediados por um forte interesse econômico (constantemente vinculados a um sistema de corrupção através de emendas e licitações públicas); definem projetos e obras de alto investimento econômico, porém sem a necessária participação da comunidade local e estudos técnicos sobre as potencialidades locais e regionais. A instituição da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), implantada a partir de 1981 através da Lei Federal 6.938, determina a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1986, através da Resolução nº. 001 do CONAMA, se institui critérios básicos para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e seu conseqüente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), como ferramentas para o licenciamento de projetos de atividades poluidoras (consideradas impactantes ao meio ambiente), de origem pública ou privadas. Desde então, o EIA-RIMA define um conjunto de procedimentos destinados a analisar os efeitos dos impactos ambientais de um determinado projeto, a sua influência e forma de aplicação como parte necessária para obtenção do licenciamento para a implantação e operação das atividades. Além da Resolução CONAMA 001/86, temos como relevância as resoluções nº. 16 e 18. A primeira estabelece regras específicas para o licenciamento ambiental de atividades de grande porte, e a segunda institui o Programa de Controle de Poluição por Veículos Automotores (PROCONVE). A legislação ambiental brasileira, formulada a partir da PNMA, fortalece e consolida com a criação da nova Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, esta que dedica um capítulo exclusivo para as questões de ordem ambiental e define toda a legislação vigente no país. Esses instrumentos legais atualmente estabelecem diretrizes reguladoras de intervenções de projetos, inclusive urbanísticos e arquitetônicos, porém questionados, a seguir, enquanto métodos de avaliação.
101
4.2 DA SUSTENTABILIDADE IDEAL À INSUSTENTABILIDADE REAL A mudança de postura do Poder Público com relação às questões ambientais se deu a partir da pressão internacional com relação à preservação e exploração dos recursos naturais, principalmente no âmbito dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No Brasil, a partir da denominada ECO-92 ocorrida no Rio de Janeiro, que foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no ano de 1992, teve-se como foco principal as questões ambientais discutidas mundialmente nesse período. Como resultado dos debates e discussões, foi apresentado ao mundo um documento denominado Agenda 21, sintetizando a harmonia mundial em torno do desenvolvimento sustentável, de acordo com as ações políticas nacionais e internacionais, determinando responsabilidades a todos os países com relação à pobreza e crescimento demográfico dos países menos desenvolvidos. A partir de então, o desenvolvimento local e regional passa a ter maior apoio e interesse internacional, pois os programas de meio ambiente e desenvolvimento passam a ser integrados às entidades de caráter mundial. Na realidade, essa mudança de paradigma com relação à visão de Planejamento Ambiental resulta de uma série de fatos e ações no decorrer da história. Foi a partir da década de 1950 que se realizam os primeiros estudos sobre o desenvolvimento, paralelamente ao processo de independência de várias nações colonizadas. Na década de 1960, a Organização das Nações Unidas – ONU – determina como a década das “nações unidas para o desenvolvimento”, destacando a cooperação internacional para o desenvolvimento econômico global equilibrado, amenizando os embates sociais dos países menos desenvolvidos através da transferência de tecnologias e ações de fundos monetários internacionais. Foi a partir dessa mesma década que o planejamento ambiental passou a ser ponto essencial a qualquer projeto de desenvolvimento, rompendo com a errônea idéia de que não era possível implementar políticas de desenvolvimento associado aos programas de preservação ambiental, pois se acreditava que era inerente ao processo de industrialização a degradação do meio ambiente. O início e intensificação das missões espaciais, ao fim da década de 1960 e início de 1970, contribuíram para a revolução tecnológica no âmbito do monitoramento e sensoriamento territorial, assim como a negação ou confirmação de diversas teorias acerca do desenvolvimento, meio ambiente e clima. A partir de então, as pesquisas científicas apontariam para a compreensão das causas e efeitos dos processos de desenvolvimento tradicionais, assinalando para um futuro incerto e insustentável. Além disso, passa-se a ter a real noção das relações climáticas e deslocamento de massas térmicas pelo globo através de análises atmosféricas e técnicas de mapeamento contínuo. Portanto, a ciência 102
comprovaria que os impactos ambientais de um determinado local poderiam interferir em regiões distintas de um país, de um continente ou até no mundo. A realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, em Estocolmo, determinaria de vez a interação conceitual entre industrialização e preservação ambiental; debatendo-se a noção de poluição e degradação do meio como resultado da pobreza e falta de desenvolvimento de uma nação, como também delimitaria quais as respostas possíveis para o eco-desenvolvimento13. Nos anos seguintes, a ONU define uma postura voltada para a solução dos problemas mundiais de ambiente e desenvolvimento através da sugestão de distribuição estratégica e equilibrada da riqueza entre as nações no mundo, fundando a comissão de estudos aprofundados sobre os problemas mundiais de ambiente e desenvolvimento. Em 1987 quando se apresenta ao mundo o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), estaria definido então o novo conceito denominado desenvolvimento sustentável; este determinava um sistema harmônico de desenvolvimento social e econômico com o meio ambiente do planeta. A partir de então, se tem o conhecimento da importância de se estabelecer o equilíbrio entre meio ambiente e justiça social, possibilitando melhor qualidade de vida global e atendimento às necessidades básicas humanas, sem comprometer os recursos naturais e a vida das gerações futuras. Em conceito, o desenvolvimento sustentável busca atender às necessidades básicas da população mundial, não somente da parcela integrante dos países desenvolvidos, como também a grande maioria localizada nos países menos desenvolvidos, fomentando o equilíbrio ambiental e a qualidade de vida mundial. Entretanto, apesar do processo de conscientização internacional, acerca das questões ambientais, impondo restrições e determinando mecanismos de controle, fiscalização e monitoramento do meio ambiente em todo mundo, nos países em desenvolvimento como o Brasil se verifica pouca efetividade quanto à preservação e manutenção dos recursos naturais. Sabemos que grande parte das discussões e possíveis soluções colocadas pela ONU não passaram da retórica, se restringindo apenas na esfera de debates dessas Conferências Internacionais; pois os interesses de cada nação acabam por prevalecer sobre a condição de pobreza e exploração dos menos desenvolvidos, a exemplo do que sempre aconteceu na história do desenvolvimento da humanidade. 13
O eco-desenvolvimento se define como um processo criativo de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, minimizando o desperdício dos recursos e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais. Segundo Strong, apud Hurtubia (1980), eco-desenvolvimento é uma forma de desenvolvimento econômico e social, cujo planejamento se deve considerar a variável meio ambiente. Para Munn (1979), é uma forma de desenvolvimento planejado que otimiza o uso dos recursos disponíveis num lugar, dentro das restrições ambientais locais. 103
Enquanto isso, pelo mundo as cidades continuam crescendo desordenadamente, as periferias permanecem reféns do poder econômico e da especulação imobiliária; os perímetros urbanos expandem sem nenhum controle para além das áreas de preservação ambiental; os assentamentos humanos (no campo e na cidade) não solucionam os problemas de acesso à terra que há séculos impera nesses países. Enfim, o planejamento urbano permanece estagnado e inerte diante do caos das cidades mundiais e, como participante desse processo, o Brasil segue, à risca, a cartilha de desenvolvimento imposta pelo sistema internacional de mercado, repleto de desigualdades, e traça assim o destino de seu desenvolvimento urbano e regional.
4.3 A CIDADE E O PODER NO BRASIL Apesar do rigor legal das instâncias municipal, estadual e federal de meio ambiente, o urbanismo enquanto ciência e técnica de estudo, regulação, controle e planejamento do espaço da urbe14, ainda não assumiu uma identidade enquanto regulador do espaço da cidade. Seus métodos e propostas de projeto esbarram, muitas vezes, nos interesses econômicos e políticos que imperam em cada lugar e que determinam caminhos tortuosos, visando o lucro imediato em detrimento do interesse, ou desinteresse, coletivo. Para Arruda (2006), outro ponto capital é a supremacia da legislação ambiental sobre a legislação urbanística, no qual uma Promotoria de Meio Ambiente ocupa maior espaço na justiça e na mídia que a Promotoria do Patrimônio, Cultura, Urbanística e Paisagística. O EIA-RIMA se sobrepõe às leis de uso e ocupação do solo e zoneamento urbano, uma audiência ambiental tem maior reconhecimento que um estudo técnico sério realizado por equipes interdisciplinares de consultoria e projeto. Ainda afirma Arruda (2006), que a retórica ambientalista adquiriu maior importância do que a realidade socioeconômica dos processos de espacialização da cidade, na qual ONG’s, biólogos, ecólogos, engenheiros florestais que, através de órgãos de controle ambiental, passam interferir e analisar, aprovar ou reprovar projetos urbanísticos sem a devida análise técnica do profissional habilitado para tal função.
14
Esse termo origina-se dos estudos do engenheiro catalão Ildefonso Cerdá (1815-1876), idealizador do projeto de ampliação de Barcelona em 1850. Mesmo não tendo usado o termo urbanismo, Cerdà definiu o termo urbe como designação genérica para os diferentes tipos de assentamento humano, e o termo urbanização denominando a ação sobre a urbe. Destes conceitos muito próximos surgirá o nome urbanismo, apresentado na primeira metade do século XX. Cerdà publicou extensos estudos sobre as cidades espanholas de Barcelona e Madri, que versavam sobre os mais diversos aspectos da urbanisticos, desde questões técnicas (como a análise da rua e seus sistemas de infraestrutura), até questões teóricas e territoriais (como ligar as cidades em uma grande rede nacional). Um compêndio expandido e revisado, a Teoria Geral da Urbanização, publicado em 1867, resulta de seus estudos anteriores e é a publicação mais notória de Cerdà. 104
Portanto, faltam métodos e critérios técnicos definidos para não restringir os projetos urbanísticos ao debates e fatos ambientais, pois a sociedade e o poder econômico-político atuam de formas distintas e contrastantes no espaço da urbe, enquanto a legislação e fiscalização caminham para a retórica ineficaz. Talvez um caminho promissor para a minimização desses impasses no campo teórico-legal de projetos, seria transformar a legislação ambiental em uma ferramenta (determinante para o partido) de todo planejamento ou projeto arquitetônico-urbanístico. Por outro lado, os projetos urbanísticos, que muitas vezes atendem às exigências legais e ao interesse econômico-político de determinada localidade, não são assumidos pela sociedade, desperdiçando muito dos parcos investimentos diante da realidade brasileira. Destarte, o projeto participativo15 e a necessária aplicação do orçamento participativo16 deve ser uma prática regulamentada e obrigatória no pensar do espaço urbano, entretanto seus mecanismos devem ser regulamentados e controlados para que, de fato, a participação comunitária aconteça num processo de reconstituição urbana e da cidadania. No âmbito da aprovação de projetos, Arruda (2006) faz uma crítica aos procedimentos para obtenção de licenciamento ambiental que, dentro dos parâmetros atuais, se apresentam de maneira extremamente restritiva e, muitas vezes, incoerentes no processo de urbanização; pois, ao passo que avaliam projetos urbanísticos sem a necessária interdisciplinaridade, determinam pareceres técnicos emitidos por profissionais que não dominam a relação entre teoria e práxis da linguagem e projeto do urbanismo.
Nossos projetos arquitetônicos e urbanísticos são avaliados e julgados por técnicos que não entendem de espaço construído, muito menos de arquitetura e sequer sabem ler uma planta, um corte e até um memorial. (...) O documento da Agenda 21, em apreciação em todo o Brasil e que agora desceu para a escala municipal, diz que "a redução da pobreza só será possível mediante o planejamento e a administração sustentável do solo" e na falta de definições para o urbano, essa regra vem sendo aplicada para as cidades, inclusive. A cada análise de projeto para licenciamento ambiental, nos vemos manietados por pareceres técnicos elaborados por profissionais ditos da área mas que na verdade não possuem habilitação urbanística para compreender os processos urbanos como um todo. (ARRUDA, 2006) A Constituição brasileira de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, incluiu mecanismos de democracia direta e participativa. Entre eles, o estabelecimento de Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos níveis municipal, estadual e federal, com representação paritária do Estado e da sociedade civil, destinados a formular políticas sobre questões relacionadas com a saúde, crianças e adolescentes, assistência social, mulheres, etc. (DAGNINO, 2004) 15
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Os Orçamentos Participativos são espaços públicos para deliberação sobre o orçamento das administrações municipais, onde a população decide sobre onde e como os investimentos devem realizados. Diferentemente dos Conselhos Gestores, cuja existência é uma exigência legal, os Orçamentos Participativos derivam de escolhas políticas dos diferentes governos municipais e estaduais. (DAGNINO, 2004) 105
Podemos destacar a falta de relação entre o processo de aprovação de projetos e a realidade do morador (ou usuário) do espaço a ser construído ou reestruturado na cidade, entretanto não se podem transformar ações pontuais em incidentes genéricos em todos os processos de aprovação nas instâncias municipais, estaduais ou federais. Sabemos que a interdisciplinaridade é um objetivo a ser efetivado nos órgãos ambientais, ao passo que se instituem Concursos Públicos nas diversas áreas; porém a avaliação da real necessidade de determinada população ou setor social fica restrito a critérios muitos mais específicos de cada localidade, estes que nem sempre estão visíveis ou representados em um projeto ou planejamento. A Agenda 21 está difundida pelo Brasil e, agora, atinge a escala das municipalidades quando define que a redução da pobreza só será possível mediante o planejamento e a administração sustentável do solo; contudo os entraves sociais, os processos de segregação e marginalização da pobreza no contexto de espacialização urbana (CORRÊA, 2005) vão muito além das questões legais de zoneamento e uso e ocupação do solo. A cidadania e a real democratização da política brasileira permanecem numa realidade cada vez mais distante, pois a mesma ainda caminha dentro dos parâmetros coloniais de interesses, conchavos, corrupção, de desrespeito às leis e aos interesses da coletividade. Tal sistema político arraigado contribui para a concentração de poder e renda a uma pequena elite, enquanto que grande parcela da população permanece excluída dos meios de produção e distribuição do capital, entregues à marginalização nas favelas, invasões e ocupações da cidade dita ilegal. Somados a esse quadro, temos a violência, o desemprego, a instauração de um poder paralelo do “crime organizado”, a inexistência de infra-estrutura urbana (pavimentação, rede de água tratada e sistema de coleta de resíduos), ausência de educação de qualidade nas periferias e sistema de saúde pública eficiente. A política econômica mundial de mundo globalizado é altamente agressiva aos interesses de nação em desenvolvimento e ao estabelecimento de uma política de sustentabilidade, a exemplo do que sempre ocorreu na história da colonização européia; pois esta sempre é contrária ao fortalecimento do estado e das culturas regionais, imperando, por obrigação, o sistema capitalista de consumo e supremacia das empresas de capitais transnacionais sobre o ambiente local. Esse quadro contribui para a deflagração das desigualdades, visto que o capital externo visa interesses e lucros, desconsiderando o homem, sua cultura, a qualidade de vida da geração atual ou futura. A cidade se defronta com seus conflitos e desafios, o Planejamento Urbano e Ambiental, mediante o quadro atual, não responde às necessidades sociais que vão além dos projetos 106
urbanos e restrições legais. O eco-desenvolvimento permanece sendo uma utopia, enquanto o Brasil não minimizar as tensões sociais e se inserir nesse processo de globalização de uma maneira mais consistente e competitiva, somente possível após a qualificação e valorização de seu povo.
4.4 OS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL EM DISCUSSÃO A legalização dos Estudos de Impacto Ambiental ocorre após a Resolução nº.: 01/1986 do CONAMA, e torna imprescindível o EIA para a aprovação de projetos considerados de médio e grande porte. Tal controle se faz essencial diante da dinâmica de mudanças nos espaços urbanos e rurais, como ferramenta para a ordenação. O EIA define uma mudança profunda na visão de se planejar espaços e projetos, sejam eles industriais, comerciais, turísticos, rodoviários etc. Porém, se o EIA delibera a importância ambiental no processo de idealização e execução de projetos, em contraponto, cria sérias conseqüências decorrente do conceito e legislação orientados como critérios de validação das decisões técnicas. O EIA deve ser entendido como uma ferramenta não somente legal, mas indissociável do procedimento de planejamento e de projeto; pois a análise ambiental é, antes de tudo, a compreensão das possíveis mudanças de características sócio-econômicas, biológicas e geofísicas de um determinado local, a partir dos resultados de um plano proposto. Para tanto, o EIA propõe que quatro pontos básicos sejam primeiramente entendidos, para que depois se faça um estudo e uma avaliação mais específica. São eles: desenvolver uma compreensão daquilo que está sendo proposto, o que será feito e o tipo de material usado; compreender o ambiente afetado como um todo, e qual ambiente (bio-geofísico e/ou sócioeconômico) será modificado pela ação; prever possíveis impactos no ambiente e quantificar as mudanças, projetando a proposta para o futuro; e divulgar os resultados do estudo para que possam ser utilizados no processo de tomada de decisão. Quanto às questões legais, a Política Nacional de Meio Ambiente estabelece que alguns pontos capitais: observar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, levando em conta a hipótese da não execução do mesmo; identificar e avaliar os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação das atividades; definir os limites da área geográfica a ser afetada pelos impactos (área de influência do projeto), considerando principalmente a "bacia hidrográfica" na qual se localiza; e considerar os planos e programas do governo, propostos ou em implantação na área de projeto e se há a possibilidade de serem compatíveis. 107
Há uma dissociação metodológica entre as ordens físicas, químicas e biológicas da configuração social que, por sua vez, é oposta a própria definição teórico-conceitual de Meio Ambiente. Para Mori apud Arruda (2006), separar meio químico, físico, biológico e antrópico, em um estudo isolado e sem inter-relação de seus fatores, estabelece sérios precedentes enquanto determinação de metodologia e critérios técnicos para análise de um projeto. É necessária uma discussão enfocando tais questões e de que forma poderiam se estabelecer definições mais precisas acerca das áreas de influência; medidas mitigadoras e compensatórias diante dos parâmetros de aprovação, seus prazos para análises e determinação das responsabilidades de cada esfera de governo, seja ela: municipal, estadual e federal. Essas ações dinamizariam os processos probatórios dos projetos e minimizariam dúvidas referentes aos encargos e diretrizes a serem avaliados por cada instância, compatibilizando a complexidade dos projetos com as necessidades reais da sociedade beneficiada.
4.5 A POLÍTICA AMBIENTAL NO CONTEXTO NACIONAL No Brasil, a política ambiental se inicia, de fato, a partir da década de 1980, através de ações
restritas
à
instância
federal,
porém
deliberando
uma
composição
legal
descentralizadora para os estados e municípios. Os estados, até então, se mantinham inertes quanto tais políticas, salvo algumas exceções. Porém, foi a partir da Constituição de 1988 e a implementação de Constituições Estaduais, no ano seguinte, que se cria uma instrumentação eficaz, atribuindo responsabilidades aos estados e determinando a gestão ambiental a partir do contexto regional. Na década de 90 se verifica o processo de descentralização, por parte da federação para os estados, das ações e políticas ambientais, proporcionando aos estados maiores investimentos e estruturação da máquina estatal. A partir desse decênio, a maioria dos estados passa a ampliar e atuar de maneira mais eficaz na área ambiental, criando-se secretarias, contratação e treinamento de corpo técnico específico, compra de equipamento e investimento em monitoramento e fiscalização do território. Contudo, a exploração descontrolada da natureza e o estabelecimento de um estado crítico quanto aos problemas ambientais ocorre a partir das cidades, ou seja, dos municípios. É nesse âmbito local que se verifica interferência direta do impacto ambiental na vida das pessoas e nos diversos setores da economia, exigindo articulação precisa entre governos federal, estaduais e municipais. O processo de democratização brasileira, de crescimento econômico e demográfico associado à municipalização nos estados direcionou para um processo de gestão ambiental no sentido dos municípios, associado às políticas moderadas 108
de melhoria de infra-estrutura, saúde e educação. Entretanto, a descentralização da gestão ambiental para os municípios nem sempre está associada a um processo participativo e de conscientização ambiental dos diversos segmentos das sociedades locais, estes que também são os interessados na discussão e solução de problemas que atingem, diretamente, a qualidade de vida. Para o futuro, a descentralização da gestão ambiental envolvendo diretamente a municipalidade e esses segmentos diversos da sociedade deve ser acompanhada da conscientização ambiental dos agentes políticos, privados e sociais, apresentando o aparato legal para orientar as ações, esclarecendo suas ferramentas e possibilidades à sociedade em geral. A reestruturação administrativa e capacitação pessoal nos municípios devem ser pensadas como um caminho eficiente na execução de atividades como licenciamento, monitoramento e fiscalização ambiental, sendo essencial para a implementação de uma política de gestão ambiental
eficaz no contexto regional,
estadual e nacional.
Consequentemente, o equilíbrio ambiental, pelo menos no âmbito legal, agora parte dos municípios, das localidades, para então somar às outras ações nas diversas regiões do estado e nação, caminho distinto do que se tinha até as últimas décadas.
4.6 A GESTÃO AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES A PARTIR DO CONTEXTO MATO GROSSENSE A “marcha para o oeste” no Brasil como processo de ocupação do território, se inicia com a construção do plano urbanístico de Goiânia, em 1935, por Atílio Corrêa Lima. Porém, acentua-se com os projetos de reformulação urbana de Belo Horizonte e culmina, em 21 de abril de 1960, como uma intensificação e concretização desse movimento migratório no território nacional através da construção de Brasília por Juscelino Kubitschek, esta que seria a terceira Capital Federal na história do país. A “Era Vargas”, que correspondeu ao período de Governo Federal de Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), entre 1930 e 1945 demarcando o fim da República Velha e início e fim do Estado Novo, quando se tem o segundo governo de Vargas entre 1951 e 1954, constituiu em uma fase de pujança econômica e do chamado projeto desenvolvimento e integração nacional através das “Obras Oficiaes”. Nesse período, Vargas permitiu incentivos à indústria nacional privada e estatal, bem como a consolidação de infra-estrutura para o desenvolvimento nacional através da construção de redes hidroelétricas, estradas, ferrovias, sistemas de comunicação (Correios e Telégrafos), entre outros. A ocupação do Centro-Oeste brasileiro, desde então, torna-se uma realidade e, no contexto mato-grossense, a partir do Decreto Federal de 1977, se institui a divisão do Estado entre 109
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Determinam-se políticas para o desenvolvimento do Estado, acompanhadas de projetos federais, por parte de empresas colonizadoras de ordem públicas ou privadas, visando à implementação da ocupação territorial e desenvolvimento regional através da agricultura, iniciadas por volta 1950 e consolidadas nas décadas seguintes. Como se verifica na Figura 59, o desenvolvimento populacional em Mato Grosso apresentou progressões distintas entre os períodos de 1872 a 1900 (crescimento de 48,81 %), de 1900 a 1950 (77,39 %), e de 1950 a 1970 (67,31 %). Considerando a divisão do estado em 1977, a população salta de 1.138.691 habitantes, em 1980, para 2.504.353 habitantes respectivamente em 2000, estipulando um crescimento em torno de 54,53% em um período de duas décadas. (IBGE, 2000; CUIABÁ, 2003)
Figura 59 Evolução da população total residente no Estado de Mato Grosso. Fonte: IBGE – Senso Demográfico, 2000. Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Tabela 4 Evolução da população residente em Mato Grosso, por situação de domicílio entre 1872 e 2003*.
* senso com base em estimativa populacional feita em 2000; Fonte: IBGE - Contagem Populacional, 1996. Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
110
Sobre o mesmo período (1970-2003), podemos analisar (segundo a Tabela 4), o índice de crescimento demográfico relacionado com o processo de urbanização e êxodo rural. Se em 1970 a população urbana correspondia a 26 % para 74% rural, em 2003 há uma inversão de valores, passando para 74% para população urbana e 26% rural. (Ibid., 2000; Ibid, 2003) Assim, há um intenso agravamento do processo de exploração e poluição dos diferentes recursos naturais, decorrente desse intenso crescimento dos municípios entre as décadas de 1970 e 1980, impondo ao poder público uma revisão no gerenciamento do meio ambiente após os problemas gerados por esse surto desenvolvimentista. Paralelamente, a administração pública defronta-se com a dinâmica constante de um repertório de novos desafios, que exigem ações corretas e imediatas. Acompanhando essa realidade atual, o poder público se depara com a necessidade de capacitação técnica associada às decisões políticas e participação da sociedade no processo. De tal modo, as políticas e ações para se tornarem eficazes no contexto ambiental não podem ficar restritos à União, pois cabe a todos os níveis da federação (Estados e Municípios) a cooperação para implementação das mesmas e, conseqüentemente, conscientização e envolvimento da sociedade civil. Por outro ponto, a política de descentralização para os municípios enfrenta alguns problemas. Como por exemplo, a falta de estrutura legal e administrativa, ou mesmo a inexperiência com tais ações ambientais, ou ainda inexistência de exemplos positivos na maior parte dos municípios. Até então, infelizmente o processo de centralização da gestão ambiental tem sido um fato na tradição política nacional, determinando aos municípios papel periférico na gestão pública. Tal situação muitas vezes reforçada pelo desinteresse no fortalecimento e nas ações de órgãos ambientais locais, contrários às ideologias do poder político e econômico atuante numa determinada região. Sabemos ainda que a adequação das estruturas administrativas das prefeituras perpassa pela criação e implantação efetiva dos Conselhos Municipais, incluindo o de Meio Ambiente no que tange à proteção e manutenção dos recursos, como também pelo fortalecimento das instâncias coletivas existentes (comitês de bacias hidrográficas, sindicatos, organizações não governamentais, associações de bairro e de classe entre outros). Outro fator vital, e talvez o mais polêmico, seria a necessária ruptura de um sistema de governo tradicional nas municipalidades, fundamentado na definição de “cargos de confiança” por indicação do gestor do município, e não por sua competência técnico-teórica que qualificaria, indiscutivelmente, a atuar como representante da coletividade. Esse fato determina a ineficiência das ações de ordem pública decorrentes das secretarias municipais, pois estas contam com um corpo de funcionários desqualificados. 111
O resultado desse tradicionalismo coronelista17 reflete-se claramente no interior do Estado de Mato Grosso, a exemplo de diversos municípios brasileiros; onde as decisões se concentram em um grupo minoritário da sociedade – geralmente famílias tradicionais – detentoras do poder político e econômico e que, na maioria das vezes, visam ações de interesses privados em detrimento do benefício coletivo. Dentre os diversos exemplos que temos desse cenário agravante de exploração descabida dos recursos, temos o intenso aumento das queimadas apoiadas em Medidas Provisórias que defendem o crescimento do plantio da cana-de-açúcar como alternativa econômica para o Estado (Figuras 60 e 61). Sobram incentivos fiscais, apoios financeiros do Governo Federal e Estadual (incluindo à pesquisa científico-acadêmica) e dos poderes privados e políticos locais para essa economia, porém negligenciam o declínio da qualidade de vida nas cidades próximas à produção das Usinas de Cana e de Biodiesel18 (como a do Município de Barra do BugresMT, a primeira usina de bio-combustível do Brasil); pois as queimadas além de serem agressivas ao meio ambiente e saúde pública (já que é constatado o aumento efetivo no volume de internações nos hospitais e clínicas médicas por insuficiência respiratória), também fogem ao controle e invadem as reservas ambientais. Assim, o perfil institucional do sistema de gestão ambiental na esfera municipal deve atender a
essas
diretrizes
apresentadas,
incluindo
sua
competência
pessoal,
estruturas
administrativas, acessibilidade a uma base jurídica e aos instrumentos para a atuação municipal na proteção do meio ambiente. As ações devem ter como foco os principais problemas locais e regionais diagnosticados, utilizando-se de mecanismos legais na implementação, fiscalização e controle de políticas ambientais específicas.
17
Coronelismo é sinônimo de autoritarismo e impunidade. Forma de exercício do poder centralizadora e radicalmente contra a democracia, remontando ao caudilhismo e caciquismo que provém dos tempos coloniais do Brasil. Na política brasileira, tal sistema de poder ganha força durante o Primeiro Império e se intensificando até meados do século XX. Também se define como um conjunto de ações políticas de latifundiários (chamados de coronéis) no âmbito local, regional ou federal, no qual se evidencia o domínio econômico e social pela manipulação eleitoral em causa própria ou particular. Fenômeno social típico da República Velha, caracterizado pelo prestígio de um chefe político e por seu poder de mando (PANG, 1979). 18
O biodiesel é um tipo de combustível renovável e biodegradável (por isso o termo biocombustível). É obtido principalemente através de reação química de óleos ou gorduras de origem animal ou vegetal, tendo álcool na presença de catalisador (transesterificação). Pode substituir totalmente o diesel em motores movidos à combustão e geradores estacionários. O craquamento e esterificação são processos também possíveis para sua obtenção.
112
Figura 60 Evolução da área de produção da cultura de cana-de-açúcar no Estado de Mato Grosso, de 1978-2002. Fonte: Até 1993 extraído de: ABREU, J.G. Estatística da Produção Agrícola. Cuiabá: EMPAER-MT, 1995. IBGE – Produção Agrícola, 1994-2002; em: Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 61 Foco de queimada em lavoura de cana-de-açúcar no município de Barra do Bugres-MT, nas proximidades do perímetro urbano, apesar de iniciado o período de chuvas na região. Fonte: Autor, 14/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O Estado de Mato Grosso segue se desenvolvendo, ainda dentro dos parâmetros tradicionais de exploração e ocupação desordenada do território, à base de políticas ambientais questionáveis, enquanto os órgãos públicos ambientais não detêm autonomia e força frente aos interesses políticos e econômicos locais e não-locais.
113
4.7 DA CONJUNTURA LEGAL À REAL A Constituição Federal é a Lei maior que fixa toda estrutura política do país, determinando direitos e atribuições às instâncias sociais. A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), editada durante a vigência da Constituição anterior, é recepcionada pela Carta Magna de 1988.
A nova Constituição é reconhecida internacionalmente pelos avanços
inseridos na proteção do meio ambiente brasileiro e, além de fornecer um amplo capítulo reservado para a questão, contém inúmeros artigos que fornecem fundamentação legal para a proteção ambiental. Entre os artigos e dispositivos previstos da Constituição Federal, exemplificamos: Art. 23, I, III, VI, VII e XI – Define como competência comum da União, Estados e Distrito Federal e dos Municípios, a conservação do Patrimônio Público, dos bens paisagísticos, do meio ambiente, e a fiscalização da pesquisa e exploração dos recursos hídricos e minerais; Art. 24, VI a VIII – Coloca como competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal o ato de legislar sobre o meio ambiente, patrimônio paisagístico e responsabilidade por danos ambientais; Art. 30, I, VIII e IX – Confere ao município a competência para legislar sobre temas de importância e interesse local, promover o ordenamento territorial e proteção do patrimônio histórico-cultural local; Art. 170, VI – Estabelece como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente; Art. 186, II – Acrescenta a preservação do meio ambiente entre os requisitos para o atendimento da função social da propriedade; Art. 216, V e § 1° - Atribui ao Poder Público o dever de proteção do patrimônio cultural brasileiro, nele incluídas as áreas de valor paisagístico, arqueológico e ecológico; Art. 225 – Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O mesmo artigo 225, § 1°, refere-se ao Capítulo do meio ambiente, estabelece uma série de atribuições ao Poder Público: como a obrigatoriedade de preservar e restaurar os processos ecológicos e promover o manejo ecológico das espécies; preservar e fiscalizar o patrimônio genético do País; definir espaços territoriais de preservação ambiental; formular legislação que obrigue a realização de estudos e relatórios técnicos de impacto ambiental para atividades passíveis de degradação do meio; promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora, fiscalizar e punir seus agressores; entre outras. Referente ainda ao artigo 225, § 2°, se estabelece a obrigatoriedade, para aquele que explorar os recursos minerais, de se recuperar o meio ambiente degrado, de acordo com as exigências técnicas dos órgãos públicos da federação; estes que devem atuar em cooperação sistêmica através do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) nas instâncias municipais, estaduais e 114
federais. Aliás, os agentes do município podem autuar infratores da legislação ambiental, seja ela federal, estadual ou municipal. A lei também explana alguns dos instrumentos da política ambiental, como: O estabelecimento de padrões da qualidade ambiental; O zoneamento ambiental; A avaliação de impactos ambientais; O licenciamento e a revisão de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras; A criação de espaços territoriais especialmente protegidos; As penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental; A garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente. Quanto à responsabilidade por danos ambientais, a Lei estabelece que o poluidor seja obrigado, independentemente a existência ou não de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá a legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente (Artigo 14, § 1°). A Lei nº 4.771, incrivelmente de setembro de 1965 e conhecida como Código Florestal, apresenta uma série de restrições quanto ao direito de propriedade e permanece em vigor há décadas, com poucas alterações apenas de caráter ainda mais restritivo. Entretanto, sabemos que o Brasil apresenta uma intensa atividade e exploração florestal, possível somente pela não aplicação legal dessa Lei. O Código Florestal institui as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs), que visa proteger a vegetação situada ao longo dos recursos hídricos (córregos, rios, ribeirões, lagos, nascentes etc.). Segundo a Lei, toda vegetação necessária à preservação dos recursos hídricos, do solo, paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade está sob expressa proteção legal e não pode ser derrubada; exceto com autorização dos órgãos ambientais do governo, após análise de parecer técnico e justificativo, caracterizado por utilidade pública ou de acordo com o interesse social. As dimensões das áreas de preservação permanente estão definidas também pelo Código Florestal, de acordo com o citado artigo: Art. 2º - Consideram-se de preservação permanente, pelo efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) Ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima:
De 30 (trinta) metros para os cursos d’água de 10 (dez) metros de largura;
De 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; 115
De 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
De 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
De 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (metros);
b) Ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais; c) Nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura; d) No topo de morros, montes, montanhas e serras; e) Nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f)
Nas Restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.
A derrubada de vegetação localizada em áreas de preservação permanente é crime previsto na Lei nº 9.605/98 e impõe ao infrator a obrigatoriedade de repará-la. Porém, de acordo com a Medida Provisória (MP nº. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001), o desmatamento nas APPs poderão ser autorizados de acordo com a demanda ou contrapartida social, após autorização do órgão ambiental competente. Contudo, o mesmo órgão deverá apresentar medidas compensatórias ou atenuantes, que deverão ser adotadas pelo empreendedor (em conformidade com o Art. 35 do Plano Diretor – Lei Municipal – Da Transferência do Direito de Construir, mediante contrapartida social). Também existe a Reserva Legal, que trata da preservação de um percentual de uma determinada área na propriedade rural na qual não é permitido o corte raso. Isso assegura que permaneçam mostras significativas de ecossistemas, conservando a biodiversidade e a permanência da fauna e flora. O percentual da Reserva Legal varia de acordo com a região e ecossistema no qual se localiza a área e, mais uma vez por intermédio de uma Medida Provisória (MP nº. 2.166-67), foi ampliada e determinando uma luta legal entre a Bancada Ruralista e os Ambientalistas do Congresso Nacional. A referida MP, no Artigo 16 do Código Florestal, determina que passe a vigorar os seguintes percentuais da propriedade, que deverão ser preservados: I – 80 % na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; 116
II – 35 % na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20 % na propriedade e 15 % na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma micro bacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo; III – 20 % na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e IV – 20 % na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.
A discussão acerca da preservação da chamada Amazônia Legal é bastante pertinente, pois se deparam mais uma vez com o interesse da sociedade brasileira que, através de diversas pesquisas de opinião pública, demonstram o empenho em preservar essa grande extensão territorial, de incomensurável riqueza ambiental. De outro lado se coloca a bancada ruralista do Congresso, que busca privilegiar seus interesses econômicos através da exploração desmedida da área em disputa, tentando atenuar as limitações legais através da descentralização e autonomia dos órgãos estaduais de meio ambiente; dessa forma conseguem exercer maior influência com seu poderio econômico e decidem qual o percentual para reserva legal em seu Estado. (Figura 62)
Figura 62 Produção de Lenha em m³/ano no Estado de Mato Grosso. Fonte: Até 1993 extraído de: ABREU, J.G. Estatística da Produção Agrícola. Cuiabá: EMPAER-MT, 1995. IBGE – Produção Agrícola, 1994-2002; em: Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O Código Florestal tem resistido durante décadas, sem alterações substanciais em seu aparato legal, porque nunca foi aplicado efetivamente e, de fato, não incomodou os interesses econômicos em cada localidade do Brasil. Entretanto, é uma discussão que deve ser trazida para a agenda local, inserindo a população nesse debate, principalmente nos municípios da região amazônica. O desenvolvimento deve ser proposto numa ótica equilibrada e sustentável, e não em benefício da especulação ou exploração do poder econômico nas localidades. 117
Nesse choque de interesses a opinião pública, nacional e internacional, passa a exercer pressão ao Poder Público, ao passo que a população começa a participar e inferir nas discussões acerca dos processos de desenvolvimento a partir das municipalidades e elaboração de Planos Diretores nas cidades brasileiras.
4.8 AS FERRAMENTAS LEGAIS DO ESTATUTO DA CIDADE E DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL O entendimento desse processo de desenvolvimento desordenado das cidades brasileiras e a noção de que os graves problemas urbanos nos grandes centros têm suas origens também nos pequenos municípios, de regiões e Estados periféricos, obrigando o Poder Público a agir de forma planejada, mesmo que tardia. Percebemos que há uma absurda intensificação de problemas decorrentes do crescimento horizontal desordenado nessas últimas décadas; a exemplo dos vazios urbanos compostos de lotes supervalorizados, infra-estruturas subutilizadas nas áreas centrais, conjunto de edificações abandonadas ou em desuso, a deterioração de áreas de interesse histórico, social ou ambiental, a proliferação de condomínios habitacionais de baixa qualidade para a população menos favorecida. A expulsão dessa mesma faixa populacional para além dos limites do perímetro urbano define esse processo no qual a cidade perde suas reservas naturais e cinturões verdes, desmatando suas florestas e matas ciliares, como também poluindo e canalizando rios e córregos; isso que determina a degradação ambiental que, em muitos casos, torna-se irreversível. Como meio de ruptura desse processo, o Governo Federal estabelece diretrizes gerais para a política urbana brasileira através do Estatuto das Cidades, visando “ordenar o desenvolvimento das funções sociais das cidades e da propriedade urbana, mediante uma série de diretrizes que apontam para a construção de cidades sustentáveis, com acesso à terra, à infra-estrutura urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, como também aos transportes, serviços e lazer públicos para a presente e futura gerações”. O Estatuto das Cidades oferece ainda algumas ferramentas necessárias para o processo de democratização da gestão municipal, tais como: A criação de órgãos colegiados de política urbana nos níveis municipal, estadual e nacional; Debates, audiências e consultas públicas; Conferência sobre assuntos de interesse urbano em todos os níveis da federação; Iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
118
A respeito da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que determina as Diretrizes Gerais (Cap. 1) para a execução da política urbana relacionadas com os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal: Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como equilíbrio ambiental.
Como parte integrante do processo de planejamento municipal, o Plano Diretor – previsto no artigo 182 da Constituição Federal de 1988 e regulamentado nos artigos 39 a 42 do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001); – é obrigatório pela referida Lei para todo município com mais de 20.000 habitantes, devendo ser previsto em orçamento, aprovado em Lei Municipal e revisado a cada 10 anos. A questão habitacional está entre as principais pautas de discussão legal, pois se entende que a segregação sócio-espacial e seus problemas conseqüentes não estão mais restritos somente aos grandes centros urbanos, pois esse cenário também se repete, de maneira surpreendente, nos pequenos e médios municípios. A especulação imobiliária se utiliza do poder econômico e político para a implantação de loteamentos afastados das áreas centrais no tecido urbano, obtendo lucros astronômicos com projetos de baixa qualidade e custo; ao passo que transfere ao poder público de capital coletivo as responsabilidades de infra-estrutura desses novos bairros, onerando os cofres municipais. O artigo 5, do Estatuto das Cidades, estabelece o parcelamento no qual a área ou edificação tenha uma utilização obrigatória, assim, determina que o proprietário destine um uso ao espaço (edificado ou não), através de ferramentas legais como IPTU Progressivo, agora um forte agente a favor das Prefeituras Municipais. Os instrumentos da nova Política Urbana também estabelecem o Direito de Superfície, que permite ao proprietário conceder a terceiros o uso de solo, subsolo e espaço aéreo do terreno; como também o Direito de Construir, que é outorgado pelo mesmo, pois determina que o Plano Diretor origine áreas nas quais os direitos de edificar estejam acima do coeficiente de aproveitamento e uso do solo, de acordo com a contrapartida social justificada pelo interessado. Assim, a lei permite a ampliação de uma edificação, já limitada pelos coeficientes de ocupação do município, em troca da construção ou revitalização de praças públicas, ou mesmo a edificação de casas populares. Existem outros instrumentos do Estatuto como: o Impacto de Vizinhança, Direito de Preempção ou Operações Especiais; estes que permitem ao poder público implantar ações que visem à melhoria da qualidade de vida da população urbana. Entretanto, a participação e fiscalização da comunidade é elemento essencial para que as inovações 119
legais de Outorga do Direito de Construir funcionem de forma positiva para a população e não se tornem mais um benefício ao poder econômico, impactando o meio natural e comprometendo ainda mais a qualidade de vida. Talvez, a grande inovação do Estatuto esteja na Lei de Usucapião Especial de Imóvel Urbano; na qual determina para o indivíduo que tenha detenção de área correspondente a 250 m² ou que tenha moradia em áreas de favelas ou loteamentos ilegais durante um período mínimo de 5 anos – sem oposição de possível proprietário – terá o direito de posse definitiva legalizada, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Essa atribuição permite ao Estado a regularização de milhares de moradias, principalmente das ocupações ilegais da periferia urbana, possibilitando a inclusão social, regularização urbana e a outorga definitiva da escritura ao real morador e legítimo dono. Ainda que no Estatuto esteja garantida a preservação de áreas ambientais, é essencial a aplicação de mecanismos eficazes para fiscalização do estado associado à participação e inspeção desses processos pela sociedade.
4.9 PLANEJAMENTO AMBIENTAL NA RE-CONSTRUÇÃO DAS CIDADES Como vemos, as questões ambientais são inerentes aos processos sociais de espacialização urbana, este que é um processo intrínseco à sociedade capitalista, essencialmente quando falamos dentro do âmbito latino-americano. Os mecanismos legais estão disponíveis, o monitoramento via satélite equipa com definida riqueza de informações os órgãos e entidades ambientais, a sociedade detém informação do que está ocorrendo através da mídia, há um forte avanço da biotecnologia; porém, nossas cidades continuam a expressar sérios problemas na definição de um território cada vez mais caótico e segregado. No campo, o cenário não difere do processo de desenvolvimento econômico à base de exploração indiscriminada dos recursos e, o que é pior, com o aval do poder público estadual e, muitas vezes, federal. Com isso está ameaçado o crescimento em curva exponencial no qual uma minoria da sociedade tem participado; pois, toda exploração mal planejada – principalmente no que se refere aos recursos naturais – reflete negativamente no futuro, através do esgotamento das fontes e recursos que a sustentam. Como prova disso temos a história de distintas civilizações que se extinguiram devido à exploração descontrolada de seu meio através da agricultura. Diagnosticamos uma infinidade de problemas e questionamentos, apontamos algumas possibilidades, todavia, no contexto brasileiro se necessita, com urgência, de uma mudança 120
radical nos paradigmas e entraves sócio-culturais de país colonizado e subdesenvolvido. (Figuras 63 e 64)
Figura 63 A imagem declara o contraste entre a riqueza (agroindústria ao fundo) e a pobreza das habitações de sem-terra às margens da rodovia mato-grossense BR-070. Fonte: Autor, 03/10/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 64 Habitação improvisada sob a ponte do rio Paraguai em encontro com o rio Bugres, na cidade de Barra do Bugres-MT, cidade com estimativa de 33.200 hab./IBGE-2005. Fonte: autor, 03/05/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
121
Há a necessidade imediata de se implantar um programa nacional de educação ambiental de caráter global e bem estruturado, atingindo não só a população mais carente, mas também o poder público, político e privado, pois estes são também agentes importantes nesse processo e quase sempre estão alheios à conscientização ambiental. A ruptura desse processo tem muito mais a ver com uma política interna de inserção e valorização de seu povo, sua cultura, do acesso à saúde, à moradia e, essencialmente, à educação de qualidade, do que a dependência de investimentos do capital externo para o benefício econômico internacional ou para um modismo capitalista (informação verbal)19. Enquanto não houver uma preocupação política de inserção democrática do cidadão, a sustentabilidade nacional, e mundial, não passará de mera retórica de cunho utópico.
19
Em palestra proferida na Universidade do Estado de Mato Grosso, o Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto colocou sobre discussão a moda como um conceito pré-estabelecido pela mídia e mercado global, determinando hábitos, regras de condutas, normatizações, padronizações de produtos e culturas, etc; influenciando diretamente do dia-a-dia do brasileiro. Barra do Bugres, 20 de agosto de 2007. 122
5. DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ E O PROCESSO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E ARQUITETÔNICA (...) não há perda mais dolorosa que o fenecimento da memória do lugar (não dói como o préinfarto, é uma dor extremamente refinada). Não é à toa que existem acordos internacionais salvaguardando sítios significativos em casos de guerras (embora de duvidosa eficácia) porquanto uma das principais estratégias de dominação (territorial) era o apagamento das referências urbanas das populações subjugadas, destruindo relações e ritos sociais consagrados. O processo de substituição das superfícies habitáveis em nossas cidades maiores é tão devastador quanto um conflito bélico... Hugo Segawa20
A cidade de Cuiabá, enquanto seus processos de espacialização e constituição urbana, apresenta-se como um reflexo de uma evidente dicotomia entre suas referências históricoculturais e o moderno, dualismo que nasce de um conflito entre seu passado – representado por sua rica cultura e patrimônio local – e a necessidade de modernização futura, face aos problemas de crescimento urbano ou mesmo a negação de sua condição cultural pregressa em favor de uma ideologia de modernização e desenvolvimento do Centro-Oeste. Uma cidade que surge definitivamente a partir do início do século XVIII, sobre a riqueza do ouro e sua exploração num Brasil ainda colônia, de ocupação litorânea. Depois enfrenta períodos alternados de crises e abastanças que, em tempos distintos, oscilam entre o declínio da mineração, o posterior sucesso da exploração da poaia, do seringal e cana-deaçúcar (entre o final do século XIX e início do XX), depois passando por décadas de marasmo econômico até a divisão do estado em 1977. A partir de então, há uma nova fase de pujança econômica fundamentada na alta produção agroindustrial no interior do estado, grandes investimentos privados e do Governo Federal, direcionando a economia para Cuiabá. Esta assume definitivamente seu papel de Capital do Estado como pólo distribuidor de serviços e mercadorias nas últimas décadas do século XX, papel até então relegado às cidades de Goiânia, Brasília e Campo Grande. Ao final da década de 50 é anunciado o processo de descaracterização do Centro Histórico da cidade de Cuiabá, a obsessão pelo moderno dá início a uma iniciativa pública declarada de “modernização” da capital, apoiada por parte da sociedade local. A partir de então temos a demolição de edifícios emblemáticos para o patrimônio da arquitetura colonial cuiabana. O
20
Citação utilizada por Euclides Oliveira em 16 de fevereiro de 2006, em Fórum de Debates sobre o Artigo Barra da Tijuca e o custo do urbanismo moderno, de Daniel Delvaux Jaulino, publicado na Revista do Portal Vitrúvius, seção Minha Cidade: Rio de Janeiro, em Janeiro de 2006, (Artigo 154). Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc154/mc154.asp>. Acessado em: setembro de 2007.
123
antigo Palácio Alencastro, a Delegacia Fiscal e casarios vizinhos são demolidos para dar lugar à arquitetura modernista de referências corbusierianas21 da nova sede do Governo do Estado, atualmente reservado à Prefeitura Municipal. (Figuras 65, 66, 67 e 68)
Figura 65 Praça Alencastro na década de 1950 com o Palácio do Governo e casarios vizinhos ao fundo, hoje demolidos. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 76. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Por volta de 1968 é demolida a antiga Catedral, a Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, construída por volta de 1740 e refém de inúmeras reformas no decorrer dos anos. Entretanto, essa demolição constituiu um trauma na sociedade cuiabana, sendo alvo de discussões e polêmicas acirradas até os dias atuais. (CONTE & FREIRE, 2005: 25) Capela de pau-a-pique erguida em 1722, foi reconstruída em taipa de pilão pelo padre João Caetano, no período de 1739-1740. Em 1769, o frei José da Conceição acresceu uma torre ao templo. Sofreu alterações na fachada e na torre em 1868, conduzidas por arquiteto italiano de nome Tortolli. Reformas no final da década de 1920 acrescentaram-lhe outra torre e profundas mudanças na fachada. O interior manteve-se o mesmo, com seus cinco altares em talha dourada e policromada. Totalmente demolida em 1968, foi uma perda irreparável para o patrimônio cultural
21
O atual Palácio Alencastro, construído no final dos anos 50 do séc. XX, segue rigorosamente a tipologia arquitetônica do movimento moderno do International Style de Le Corbusier, expressos através da utilização de “formas puras”, do concreto armado, uso de brise soleil na fachada do edifício, marquises, além dos cinco pontos de sua teoria arquitetônica: fachada livre, planta livre, terraço jardim, janelas horizontais (em fita) e uso de pilotis. 124
matogrossense. Foi substituída por uma nova igreja, inaugurada em 1973, de gosto duvidoso e dimensões avantajadas. (CONTE & FREIRE, 2005: 30)
Figura 66 Postal da Praça Alencastro e gasômetro à direita na década de 1950. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 76. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Através da política do Governo Federal de ocupação da região amazônica e centro-oeste, entre as décadas de 1960 e 1970, Cuiabá vivencia altos índices de crescimento populacional e desenvolvimento urbano. A construção de Brasília (1957-1960), novas estradas e redes de comunicação com a região Sudeste e Sul do País imprimem um alto fluxo migratório para Cuiabá, que passa a conviver com as grandes resultantes e problemáticas dos processos de metropolização e crescimento das cidades brasileiras.
Figura 67 Construção do moderno Palácio Alencastro no final da década de 1950, edifício erguido no quintal das antigas construções da Delegacia Fiscal, palacete do Barão de Diamantino e antigo Palácio Alencastro. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 80. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 68 Atual Palácio modernistas corbusierianas.
Alencastro,
de
linhas
Fonte: Autor, 29/08/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
125
A degradação dos serviços urbanos, invasões e ocupações de reservas para a constituição de habitações irregulares, a pressão e especulação imobiliária no centro da cidade, demolições e depreciação do patrimônio histórico bem como os impactos ambientais resultantes do processo de impermeabilização e verticalização urbana, são as determinantes que a partir desses anos vão implicar a degradação da qualidade de vida e impacto sobre o meio ambiente urbano. Paralelamente a todo esse processo, o traçado da cidade colonial cuiabana se vê sobre um novo desafio: o automóvel. Como então providenciar uma circulação eficiente para as épocas futuras, em uma cidade de traçado sinuoso, ruas revestidas de paralelepípedos de pedra (ou mesmo de chão batido), características que nos remete às antigas cidades medievais européias, feita para a vida simples e circulação das carroças? O homem moderno, seus novos meios de comunicação, deslocamento, vida e trabalho já não estavam coerentes com o velho bonde movido à tração animal que margeava o córrego da Prainha, interligando o Centro ao Porto. Na década de 1970, há uma grande pressão comercial imobiliária na área central da cidade. Como se não bastasse as agressões arquitetônicas sofridas pela arquitetura colonial frente às novas fachadas neoclássicas francesas de platibandas, frontões, balaústres, entre outros elementos, no início do século XX; agora, nos anos do milagre econômico brasileiro22, tínhamos a demolição inescrupulosa e sem remorso da arquitetura de terra crua23 do adobe e taipa de pilão. Exemplos dessas iniciativas, além da demolição do Palácio Alencastro e seu entorno (1958), da Catedral (1968), como também a destruição de casarões das Ruas 13 de Junho, Pedro Celestino, Ricardo Franco, Sete de Setembro ou Galdino Pimentel, e Avenida Tenente Coronel Duarte – chamada Avenida da Prainha, via aberta em 1962 segundo Conte & Freire (2005: 26). A descaracterização dessa área se dá, principalmente,
22
O termo "milagre econômico" é a denominação dada à época de excepcional crescimento econômico brasileiro ocorrido durante a ditadura militar, esta também chamada de anos de chumbo. Corresponde especialmente ao período entre 1969 e 1973, durante o governo Médici. Foi nesse período áureo do desenvolvimento do Brasil que, paradoxalmente, houve aumento da concentração de renda e da pobreza, instaurondo-se também um pensamento ufanista de "Brasil potência" e “país do futuro”. Este fenômeno ficou evidenciado ainda mais com a conquista da terceira Copa do Mundo de Futebol em 1970 no México, e a criação do mote de significado dúbio: "Brasil, ame-o ou deixe-o", pelo Governo Militar. 23 A arquitetura de terra crua é uma denominação dada às construções de origem bandeirista, dentro de um repertório de técnicas construtivas tradicionais que caracterizaram a arquitetura brasileira colonial. Os portugueses e ibéricos herdaram essa técnica dos povos árabes e norteafricanos. Através da técnica construtiva da terra crua não há queima do barro (ou argila) para a composição do tradicional tijolo. Era uma eficiente ferramenta construtiva, pois permitia a rápida construção a um baixo custo, de técnicas rudimentares, em solos diversos (inclusive em regiões com ausência de pedras), sendo conhecidas basicamente três técnicas: a taipa-de-pilão (taipa francesa), o adobe (adobo) e o pau-a-pique (taipa-de-mão ou taipa-de-sopapo). (CONTE&FREIRE, 2005: 44) 126
pelo setor comercial que passa a atuar no local, alterando tanto as fachadas quanto a disposição interna dos cômodos das antigas habitações. (Figuras 69 e 70) Como se sabe, em um país dependente e de capitalismo periférico, o moderno é uma obsessão nacional, entendido via de regra como esforço de atualização, sendo o metro a evolução das sociedades centrais. Modernizar-se – dos hábitos de consumo até os sentimentos estéticos – era condição de formação nacional. Redenção do passado colonial etc. (ARANTES, 1998: 37)
A partir dos anos 1980, começa-se uma discussão a respeito da importância da preservação do
Patrimônio
Histórico
arquitetônico,
reflexo
de
uma
conjuntura
nacional
de
conscientização. Há então uma pressão para a preservação do Centro Histórico de Cuiabá, iniciado com o tombamento provisório em nível municipal da área do Centro e no bairro do Porto, no ano de 1985. Este tombamento é renovado por mais dois anos, sendo que em 1987 é feito em nível federal somente da área central, sendo este homologado em 1992. (CONTE & FREIRE, 2005: 25) O processo de tombamento do Centro Histórico ressoa de forma negativa para muitos proprietários dos imóveis centenários, o desconhecimento dos procedimentos, da importância da preservação, a ausência de conscientização a respeito do patrimônio somada à pressão capitalista de lucro imediato acaba por instaurar uma série de ações ilegais contra esses imóveis. Relatos de moradores antigos demonstram que casarões eram demolidos do dia para noite, sendo alguns incendiados e outros simplesmente destelhados, para que o tempo agisse na destruição das paredes em terra crua de adobe ou taipa.
Figura 69 Vista panorâmica da Cuiabá ainda colonial, em 1914, imagem captada do Morro da Luz. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 198. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 70 A mesma vista panorâmica de Cuiabá, em 1957. A cidade ainda preserva suas características coloniais, mas com a substituição de algumas edificações por construções com mais de quatro pavimentos. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 198. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 127
A Cuiabá contemporânea é uma capital que assume seu papel de metrópole regional na sua composição mais paradoxal e complexa, pois reflete os conflitos, as carências, a segregação sócio-espacial, exploração e destruição dos recursos naturais, ao passo que dialoga com o dinamismo econômico, concentrando riquezas, verticalizando e horizontalizando sua ocupação urbana; nesse processo de metropolização de uma cidade direcionada para a administração do Estado e cidade-pólo como serviço e comércio. O processo de conurbação urbana entre Cuiabá e Várzea Grande, separadas apenas pela imposição geográfica do Rio Cuiabá, resultaram em um aglomerado urbano de aproximadamente 797.597 habitantes – Cuiabá com 542.861 (98,59% da população na área urbana) e Várzea Grande com 254.736 (98,14% na área urbana), segundo a estimativa demográfica de 2006. (CNM, 2007/ IBGE, 2000)
5.1 A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA, ASPECTOS FÍSICOS E AMBIENTAIS O município de Cuiabá localiza-se da mesorregião Norte-Matogrossense, na microrregião Cuiabá, esta que é formada pelos municípios da Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antônio de Leverger e Várzea Grande. A sede municipal está situada à altitude média de 165 metros e, conforme a marcação realizada pela Comissão Rondon, em 1909, encontra-se na capital o Centro Geodésico da América do Sul (Figura 71), sob as coordenadas geográficas 15º35’56” de latitude sul (S) e 56º06’01” de longitude oeste (W) de Greenwich (Gr). (CUIABÁ, 2004: 37) A área atual da capital corresponde a 3.224,68 km², com 251,94 km² na macrozona urbana (Lei n.º 3412/94) e 2.972,74 km² à área rural. Além do distrito-sede de Cuiabá, são integrantes do município os distritos de Coxipó da Ponte, Coxipó do Ouro e Guia. (Figura 72) Quanto à origem do nome, existem diversas definições para seu surgimento, a mais aceita seria a suposta sonorização da palavra Ikuiapá (Ikuiapá ou Ikuia, que significa flecha-arpão; e Pá, significado de lugar – assim temos Lugar da Flecha-Arpão) – palavra de origem bororo, (CONTE & FREIRE, 2005: 29). Também temos a variante guarani de Kyaverá, utilizada pelos índios Paiaguás para definir “rio da lontra brilhante”, que evoluiu da seguinte forma: Cuyaverá – Cuyavá – Cuyabá – Cuiabá. (CUIABÁ, 2004: 25)
128
Figura 71 Localização de Cuiabá em relação ao continente americano e ao Brasil, destaque do Estado de Mato Grosso (em amarelo). Fonte: IPDU, 2004. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 72 A cidade de Cuiabá em relação ao seu território e limites municipais. Em laranja a delimitação do perímetro urbano da capital. 129 Fonte: IPDU, 2004. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Através da Lei N.º 3262/94, Cuiabá passa a determinar as Regiões Administrativas (Administrações Regionais), no ano de 1994. Dessa forma, a área metropolitana da capital mato-grossense partiu-se em quatro regiões administrativas. Posteriormente, em 1997, a Lei N.º 3723/97 delimitaria as áreas dos bairros de Cuiabá dentro das Regiões Administrativas da Lei anterior, conforme a indicativa na Tabela 5. Tabela 5 Área das Regiões Administrativas de Cuiabá, em 2003. REGIÃO*
ÁREA (km²)**
Norte
30,70
Sul
128,63
Leste
46,01
Oeste
46,60
Total
251,94
* Lei Municipal n.º 3262 de 11/01/1994; ** Lei Municipal n.º 3723 de 23/12/1997. Fonte: CUIABÁ. Perfil Sócio Econômico, 2003: 37. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Enquanto sua localização geográfica, a cidade de Cuiabá tem um posicionamento privilegiado e estratégico na região Centro-Oeste (composta pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal), além de fazer conexão com diversas metrópoles regionais e unidades federativas, dessa forma a capital mato-grossense têm se tornado um ponto estratégico dentro das políticas nacionais de desenvolvimento nacional. Na esfera federal, existem três conexões viárias através das rodovias (CUIABÁ, 2003: 38):
A BR 364 – conecta a partir da porção sudeste capital com São Paulo (SP) e a noroeste com Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC);
A BR 163 – interliga pelo sul a capital com Campo Grande (MS) e pelo norte com Santarém (PA);
A BR 070 – conecta a oeste a capital com Cáceres (MT) e a leste com Brasília (DF).
E no âmbito estadual, temos em Cuiabá a conexão pelas três rodovias destacadas:
A MT 010 – Liga Cuiabá ao distrito da Guia e Rosário Oeste;
A MT 040 – Liga Cuiabá ao distrito de Santo Antônio do Leverger;
A MT 251/020 – Liga Cuiabá à Chapada dos Guimarães. 130
Quanto ao aspecto geológico, segundo dados oficiais do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU, 2003), a cidade de Cuiabá localiza-se em uma região composta de rochas metamórficas de baixo grau, datadas do pré-cambriano, onde há o predomínio de filitos e micaxistos. Também é notada a presença de quartzitos, metagrauvacas, calcários, metaglomerados, além de veios de quartzo auríferos. Para esse conjunto de rochas temos a designação de “Grupo Cuiabá”. Para compreensão de sua província geomorfológica, denominamos de Baixada Cuiabana a região na qual se localiza a cidade. Caracterizada como uma área de peneplanície de erosão, na qual se predomina relevos de baixas amplitudes e, na área urbana, temos altitudes que variam entre 146 a 250 metros. Segundo o modelo de relevo, na área urbana e entorno temos a compartimentação de unidades distintas entre canal fluvial, dique marginal, planície de inundação, área alagadiça, área aplainada, colinas, morrotes, estes que apresentam características próprias e comportamentos específicos referentes às distintas formas de uso e ocupação do solo urbano. A partir da pedologia podemos identificar a presença de diversos tipos de solo na área urbana do município e seus arredores, estes com distintas características e que apresentam comportamentos reativos contrastantes conforme os diferentes processos de urbanização. Pela planície de inundação temos solos moles, com baixa capacidade de suporte de cargas e esforços, denominados solos do tipo Glei. Estes se apresentam com alto nível de água e constante estado de saturação, ocorrendo também solos laterizados e aluvionares. (CUIABÁ, 2003: 53) As áreas de várzeas e embaciados dividem a composição das áreas alagadiças. Na primeira temos a presença de solos aluviais e gleizados, com textura silto-arenosa e de baixa capacidade de suporte e carga. Já nos embaciados temos os solos gleizados e áreas hidromórficas com presença freqüente de couraça ferruginosa (a chamada pedra canga), muito utilizada na construção e estrutura das casas coloniais dos séculos XVIII e XIX. Nas áreas aplainadas verificamos a ocorrência de solos do tipo podzólico vermelho-amarelos, areia quartzosas e hidromórficas gleizadas, com alta permeabilidade e presença constante de canga, no contato da areia de goma com o filito alterado subjacente, (CUIABÁ, 2003: 53). As áreas de várzea e embaciados formam o conjunto histórico arquitetônico e urbanístico das primeiras fases de ocupação aurífera até a primeira metade do século XX. Entretanto, a maior porção da urbe contemporânea estende-se sobre a área de colinas que antes limitavam a expansão da cidade. Nestas áreas e nos morrotes os solos são dos tipos Litólito e Cambissolo, muito rasos e ausentes. 131
Quanto aos recursos hídricos, a cidade de Cuiabá está inserida em uma região bastante abundante, contendo uma diversidade de rios, ribeirões e córregos formadores da bacia do rio Cuiabá, este que tem extensão de cerca de 980 km e largura média de 200m. A vazão média do rio Cuiabá está entre 343,83 m³/s (período de seca) e de 1.800 m³/s (época das cheias em períodos chuvosos de verão). Como importante afluente da bacia do rio Paraguai e integrante da bacia Platina, o rio Cuiabá se situa a Oeste da capital, fazendo limite da mesma com o município de Várzea Grande. A bacia hidrográfica do rio subdivide-se em Alto, Médio e Baixo Cuiabá, tendo suas nascentes nas encostas da Serra Azul, na região do município de Rosário Oeste, entre a junção dos rios Cuiabá da Larga e Cuiabá Bonito. A partir do município de Nobres, quando se torna mais caudaloso pela afluência do rio Manso, a bacia passa a se denominar rio Cuiabá. Os principais afluentes são do ribeirão Pari e os rios Manso, São Lourenço e Coxipó, sendo que este nasce no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e encontra o rio Cuiabá na histórica comunidade ribeirinha de São Gonçalo Beira-Rio (FEMA, 2001). O rio Cuiabá, especialmente a porção do Médio Cuiabá que atende grande parte da população do Estado e passa pela região metropolitana da capital, têm passado por um intenso processo de exploração de seus recursos, decorrentes da ocupação das matas de galerias (como também a destruição das reservas de seus tributários e afluentes), poluição através das agricultura intensiva da região, intensificação da captação de suas águas para abastecimento tanto da irrigação do campo quanto das cidades, além do despejo de resíduos urbanos e industriais sem o tratamento adequado. Esse último fator se torna proeminente face à deficiência regional de saneamento básico, que não atende as necessidades de crescimento da cidade e região, comprometendo a qualidade da água por despejos domésticos e industriais. Soma-se a esse quadro a grande captação de areia de seus leitos, feita de forma descontrolada e que intensificam o processo de degradação do ecossistema essencial para o Estado de Mato Grosso, diminuindo ou até impossibilitando a navegabilidade que tanto destacou Cuiabá como centro abastecedor de toda região até meados do século passado. A cidade de Cuiabá é cortada por diversos córregos em seu perímetro urbano, grande parte destes canalizados e muito poluídos por esgotamento residencial. Além do Prainha, temos os córregos Moinho, Raizama, Salgadeira, Três Barras, Sucuri, Barbado, da Pinheira, Mané Pinto, Gambá e Gumitá, todos apresentam intenso processo de degradação acentuado a partir dos anos 70. (Figura 73)
132
Figura 73 Mapa da rede hidrográfica de Cuiabá, em verde o destaque da área do Córrego da Prainha, com canalização aberta nas suas cabeceiras e canalização fechada a partir do encontro com a Avenida Tenente Coronel Duarte. Fonte: IPDU, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Através da Lei Complementar Municipal n.º 004/92, normativa que cria o Código de Defesa do Meio Ambiente, foram criadas as Unidades de Conservação Ambiental, regulamentando as Leis Federais que determinam a proteção das Áreas de Preservação Permanente. Dessa forma fica determinada a proteção ambiental para as matas ciliares dos córregos e ribeirões – especialmente a do rio Cuiabá e Coxipó –, além do Morro da Luz, Horto Florestal, Mata do Mãe Bonifácia, Cerrado e Cerradão do Centro de Zoonoses e cabeceira do córrego da Prainha (localizada no Bairro Alvorada, entre os loteamentos Consil e Quarta-Feira).
133
5.2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA CIDADE DE CUIABÁ Cuiabá é uma cidade do século XVIII, com um desenho barroco de ruas totuosas e estreitas, topografia movimentada, becos, largos e praças. O espaço produzido reflete, nas curvas e meandros da malha urbana, a ondulação do relevo, a sinuosidade do rio Coxipó e do Cuiabá, os labirintos dos corixos e vazantes do Pantanal próximo. A luminosidade intensa e o calor escaldante se infiltram no desenho da cidade, na sua paisagem de entorno, ajudando a compor o equilíbrio telúrico do ambiente cuiabano. De Lamonica Freire, 1997: 17-18
O processo de ocupação territorial brasileiro se deu ainda no período de colonização através das chamadas bandeiras ou monções, estas que constituíam expedições armadas que partiam da Capitania de São Paulo para o Centro-Oeste do país. Essas investidas tinham basicamente dois objetivos: a captura de índios como forma de comercialização de mão-deobra escravista, ou a procura por metais e pedras preciosas (CONTE & FREIRE, 2005: 23); sendo a cidade de Cuiabá também uma configuração urbana resultante desse processo de ocupação. O território de Mato Grosso foi explorado primeiramente pelos espanhóis, pois essa região pertencia à Espanha por estar a oeste da Linha de Tordesilhas. Entretanto, a ocupação efetiva da região se deu pelos bandeiristas paulistas ainda no século XVII, em busca de índios para a preia, contrariando o Tratado de Tordesilhas (Figura 74). Estudos indicam que, entre 1673 e 1682, Manoel de Campos Bicudo fora o primeiro bandeirante paulista a chegar à região de Cuiabá, assentando um arraial da confluência entre os rios Coxipó e Cuiabá. A esse sítio foi designado o nome de São Gonçalo, considerado o santo padroeiro dos navegantes. (CUIABÁ, 2004: 22)
Figura 74 À esquerda, o tratado de Tordesilhas no período pré-colonial (1500-1530); e à direita, o processo de expansão do domínio português e os tratados decorrentes desse processo. 134 Fonte: MIRANDA & AMORIM, 2000: 08. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
No ano de 1717 retorna à região Antônio Pires de Campos, filho de Manoel de Campos Bicudo, tendo participado da expedição na época liderada pelo seu pai. Nessa localidade encontra uma aldeia de índios coxiponés, apresando alguns e batizando o local de São Gonçalo Velho (Figura 75 e 76). Quando Antônio Pires ainda retornava para São Paulo, em 1718, deparou com a bandeira do sorocabano Pascoal Moreira Cabral, assentada em um lugar denominado de Aldeia Velha, e indica a existência do aldeamento indígena de São Gonçalo Velho24.
Figura 75 À esquerda o mapa das monções e o percurso de Pascoal Moreira Cabral (linha verde), trajeto feito em 1718. À direita, o caminho dos bandeiristas à procura de índios por rios (linha vermelha contínua) e por terra (linha vermelha tracejada). Fonte: MIRANDA & AMORIM, 2000: 08. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Moreira Cabral sobe o rio Cuiabá e no local indicado encontra a aldeia destruída e desabitada, deixa alguns companheiros em São Gonçalo Velho e segue a expedição pelo rio Coxipó e, após encontro e enfrentamento com índios, sofre derrota e recua. Quando a expedição se dá por fracassada, ao se instalarem no encontro entre o Ribeirão da Mutuca e rio Coxipó, deparam com grande quantidade de ouro de aluvião e mesmo sem portarem instrumentos ou dominarem técnicas adequadas passam a investir no garimpo. A forte resistência dos índios, as condições adversas das matas, a desvalorização da mão-de-obra escrava face a reconquista dos portos negreiros na África por Portugal decorrem no barateamento e substituição da atividade de apresamento pela mineração. (CUIABÁ, 2004: 22)
24
No lugar do antigo aldeamento de São Gonçalo Velho, atualmente está localizada a comunidade de São Gonçalo Beira-Rio, onde uma cooperativa de pescadores e artesãos tenta sobreviver e manter as referências tradicionais do passado, face ao processo de ocupação territorial da metrópole de Cuiabá sobre essas comunidades ribeirinhas. 135
Figura 76 A chegada da bandeira do sorocabano Pascoal Moreira Cabral a São Gonçalo Velho em 1718. Acrílico sobre tela de Moacyr Freitas, 2000. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 24. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Assim, em 1719, o bandeirista Moreira Cabral fixa-se na região e funda o Arraial da Forquilha, nas proximidades da região do Coxipó (atualmente sede do Distrito de Coxipó do Ouro). Em 8 de abril do mesmo ano é lavrada a Certidão de descobrimento do ouro, data oficial comemorativa do aniversário da cidade de Cuiabá. Três anos depois , em outubro de 1722, dois índios que trabalhavam para Miguel Sutil saíram à procura de mel e, ao cruzarem o leito do Córrego da Prainha se depararam com grande quantidade de ouro; estavam descobertas então as Lavras do Sutil. Nas proximidades desta – em um local conhecido com Campo do Arnesto – nesse mesmo período, foi construída uma igreja dentro das limitações construtivas da época, utilizando o tijolo de barro cru (adobe) como material das alvenarias estruturais e cobertura de palha. Tal edificação simbólica foi feita sob a invocação do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, e aos negros escravos fora destinado uma capela denominada São Benedito, nas proximidades do local onde atualmente se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (Figuras 77 e 78). A ocupação dessa área marginal ao Córrego da Prainha foi o início do vilarejo que originou a cidade de Cuiabá. (CONTE & FREIRE, 2005: 23) (...) Aponta o índio ao senhor o lugar das maravilhosas colméias. E logo desceu ao córrego e vão com as mãos sem cavar, colhendo as pepitas a flux. Nesse dia Miguel Sutil, se recolheu ao rancho com meia arroba de ouro, a maior parte dela cavado em seixos e o camarada João Francisco, o Barbado, com duzentas oitavas, por ser só e não ter quem o ajudasse. A notícia alvoroçou o Arraial da Forquilha. E do dia para a noite, como por encanto começaram a bordar as cabeceiras do ribeirão, que denominaram Prainha, as cabanas dos garimpeiros, atraídos pelas fabulosas jazidas do portentoso recanto. Ruas mal definidas, tortuosamente 136
traçadas, partem dum largo em que se acolmeiou o povoado marginando o córrego histórico. (MENDES, 1977:91)
Segundo Barbosa de Sá, historiador dos primeiros tempos da cidade de Cuiabá do século XVIII, escreve “levantaraó os pretos huma capellinha a San Benedito junto ao lugar chamado depois rua do cebo, que dahy a poucos annos cahio e não se levantou mais”. Ainda hoje não se identificou a localização exata da denominada “rua do cebo” citada. (CONTE & FREIRE, 2005: 32)
Figura 77 À esquerda, foto da Igreja de Nossa Senhora do Rosário recém restaurada, 29/08/2006. À direita, vista do entorno das Igrejas Nossa Sª doRosário e Senhor dos Passos, 28/08/2006. Fonte: Autor, 2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 78 Vista do entorno das Igrejas Nossa Sª do Rosário e Senhor dos Passos, a partir do mirante (terraço-jardim) do Palácio Alencastro, atual Prefeitura Municipal de Cuiabá. Ao fundo, verticalização do Bairro Bosque da Saúde, à direita, o Morro da Luz. 28/08/2006. Fonte: Autor, 2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 137
Devido ao volume de ouro encontrado com facilidade e divulgação de sua descoberta em São Paulo e Portugal, rapidamente houve um grande deslocamento de aventureiros para o Arraial, despontando um intenso crescimento do vilarejo. A conjectura econômica local centrada na exploração do ouro atraiu a atenção da Coroa portuguesa no sentido de controlar e recolher impostos sobre a riqueza gerada pela extração do minério. Assim, foi designado ao Capitão-General Rodrigo César de Menezes, da Capitania de São Paulo – a qual o Arraial estava subordinado – a missão de se deslocar até a localidade e fazer o controle sobre a arrecadação dos impostos, “o quinto”, este que obrigava que a quinta parte de todo o ouro encontrado ficasse com a Coroa portuguesa. A presença do Capitão-General da Coroa intimidou alguns exploradores, estes que foram forçados a fugir da região da Prainha devido à obrigatoriedade do imposto. Assim surgem novos arraiais, a exemplo do atual distrito da Guia, nas proximidades de Cuiabá, e outros mais distantes como o arraial que originou a Vila Bela da Santíssima Trindade, no Vale do Guaporé. No dia 1º de janeiro de 1727, em decorrência da vinda do Capitão-General Rodrigo Cesar de Menezes, o Arraial da Forquilha foi elevado à categoria de Vila de Cuiabá, e têm a conseqüente instalação do Pelourinho e da Câmara. Até 1728, quando Dom Rodrigo Cesar retorna para São Paulo, o Arraial é tido como sede do governo da Capitania. Após três anos, em 1730, a fase de grande exploração aurífera passava por um processo de declínio devido aos severos impostos cobrados, embora a mineração de ouro ainda fosse a principal fonte econômica local. A Figura 79 apresenta uma Planta Geral da cidade nesse período.
Figura 79 Planta da Villa do Cuiabá, cortado pelo Córrego da Prainha até o encontro do Rio Cuiabá, na região do Porto Geral, séc. XVIII. Fonte: Arquivo Público do Estado – Lauro Portela, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Face à disputa territorial com a Espanha, a Coroa Portuguesa cria estrategicamente, em 1748, a Capitania de Mato Grosso, região esta desmembrada da Capitania de São Paulo como forma de fortalecimento da política territorialista e expansionista de Portugal. Com a incumbência de fundar a nova capital às margens do rio Guaporé, próximo à divisa com o 138
território espanhol, o Capitão-General Antônio Rolim de Moura funda, sobre os antigos arraiais de ouro, a Vila Bela da Santíssima Trindade no dia 19 março de 1752. (CONTE & FREIRE, 2005: 24) Houve, até 1761, um processo de transferência de todo o aparato administrativo para Vila Bela, entretanto, Cuiabá ainda mantinha sua importância enquanto pólo de contato com o sul da colônia. Contudo, devido aos problemas com a insalubridade da região no final do século XVIII, os Capitães-Generais passam a não mais morar na capital de Vila Bela. Por outro lado, a denominada Vila de Cuiabá já havia sido elevado à categoria de cidade em 1818. Em 1821, a necessidade de deslocamento espacial do poder da Capitania culmina no processo de retorno das unidades administrativas para Cuiabá. Durante o período regencial, fase de grandes lutas a favor da Independência brasileira, eclodiu em Mato Grosso um movimento social rebelde denominado de “A Rusga”. Na data do dia 30 de maio de 1834, início do governo do coronel João Poupino Caldas, decorreu acirrada disputa pelo poder político regional entre os liberais republicanos (de apoio popular) e os conservadores (apoiados por Portugal). Fato este que culmina, à noite, com a morte de vários portugueses e a tomada do quartel militar, situado no largo da Matriz (atual Praça da República) pelos revoltosos. (CUIABÁ, 2004: 22) Foi em 22 de setembro de 1834 que tomou posse o terceiro presidente da Província de Mato Grosso, Antônio Pedro Alencastro que, através de forte apoio militar prendeu os responsáveis pela Rusga e implementou a mudança definitiva da sede governamental para Cuiabá. Em 1835 é oficializada a transferência para a então nova capital da Província de Mato Grosso, quando as disputas territoriais com a Espanha pela região mato-grossense se abrandam com a Independência do Brasil no mesmo ano. A lei decretada pelo governador expõe o seguinte: 1835 – N.º 19 – Antônio Pedro de Alencastro, Presidente da Província de Mato Grosso. Faço saber a todos os Habitantes, que a Assembléia Legislativa Provincial Decretou, e eu sanciono a lei seguinte: Art. 1º – Fica declarada Capital da Província de Mato Grosso a cidade de Cuiabá. Art. 2º – Ficam revogadas as Cartas Régias e mais Disposições em contrário. Mando portanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução da Lei pertencer, que cumpram e façam cumprir inteiramente como nela se contém. O Secretário desta Província de Mato Grosso na cidade de Cuiabá, aos 28 de agosto de 1835, décimo quarto ano da Independência e do Império. – (L.S.) – Antônio Pedro de Alencastro. (CUIABÁ, 2004: 23)
A partir de então, a cidade de Cuiabá passa por uma série de intervenções visando à melhoria urbana. Segundo Conte & Freire (2005), a primeira canalização e alteração do 139
Córrego da Prainha é feita no ano de 1836, melhoria necessária para amenizar problemas resultantes do garimpo no início da ocupação e exploração do Arraial. No ano de 1839, algumas ruas centrais passam a ter iluminação pública através de luminárias que funcionavam à base queima de óleo de mamona. Até o ano de 1860, praticamente todas as ruas da cidade já estavam pavimentadas com a pedra cristal (material abundante na região), tendo a maioria das vias um caimento central – como era de costume da época – efeito este que determinava o deslocamento da água pluvial através dessas canaletas centrais à via. No ano de 1864 é declarado o início da Guerra do Paraguai e Cuiabá como ponto estratégico de apoio militar passa a ser local ameaçado de invasão pelas tropas inimigas. Foi durante o governo do general Manoel Albino de Carvalho, 16º presidente da Província de Mato Grosso, que se rompe com as hostilidades, após o apresamento do navio brasileiro Marquês de Olinda e detenção de seus passageiros. Entre os quais se encontrava o novo governador de Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos, e vários oficiais que seguiam para Cuiabá. No decorrer da guerra, Mato Grosso é invadido e, no dia 17 de setembro de 1864, o Forte de Coimbra é atacado pelo coronel paraguaio Vicente Barrios, instalação defendida pelo comandante tenente-coronel Hermenegildo Porto Carreiro. No dia 29 de dezembro de 1864 é atacado a Colônia Militar de Dourados, cujo comandante Antônio João Ribeiro negou-se à capitular, à frente de seus quinze homens contra cerca de 250 soldados paraguaios. Em defesa de seu posto por Mato Grosso, o comandante Ribeiro sacrifica sua vida e de seus soldados e, antes do enfrentamento final, o Tenente-Coronel José Antônio Dias da Silva, em Nioaque, escreveu: “Sei que morro, mas o meu sangue e o dos meus companheiros servirão de protesto solene contra a invasão do solo da minha Pátria”. (CUIABÁ, 2004: 23) O comandante militar paraguaio Solano Lopez avança sobre o território da Província de Mato Grosso, próximo de seu País, fortalecido pela baixa densidade populacional da região e menor capacidade de defesa militar. Entretanto, havia uma estratégia de contra-ofensiva pela Região Sul do Brasil, com o objetivo de invadir o território paraguaio. A defesa da Província foi reorganizada pelo governo de Leverger, que como comandante das armas cria, no dia 7 de janeiro de 1865, o corpo de Voluntários Cuiabanos pelo Governo Imperial. Em 13 de junho de 1867 o Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho, partiu de Cuiabá e atacou e retomou a cidade de Corumbá do domínio paraguaio. Após o regresso dos soldados, a cidade de Cuiabá foi assolada por uma epidemia de varíola trazida de Corumbá e, segundo o relato do escritor português Joaquim Ferreira Moutinho, metade da população da capital morrera nesse período. Ao dia 23 de março de 1870, através do vapor nacional Corumbá, chega a Cuiabá a notícia do final da Guerra, tendo então a abertura definitiva dos rios Prata, Paraguai e Cuiabá para a 140
navegação. Esse fato proporcionou um novo período de pujança econômica após esse período de crise, reafirmando Cuiabá como um pólo na porção norte do Estado de importância econômica e estratégica em âmbito nacional, pois centralizava toda a produção mato-grossense proveniente da agroindústria gerada pelo extrativismo vegetal da poaia e seringa, como também um centro distribuidor de produtos industrializados importados da Europa. A cidade de Cuiabá tem um lento desenvolvimento, porém ininterrupto. O núcleo urbano que se desenvolveu numa primeira fase às margens do Córrego da Prainha, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora do Rosário, passa a se expandir em direção a um outro núcleo que se formava na região do Porto, antigo Distrito da cidade que margeia o rio Cuiabá. Esse processo de espacialização urbana de Cuiabá se explica a partir do momento em que a cidade tem a necessidade de conectar o antigo centro (na região da Prainha), ao principal meio de transporte da época, o rio Cuiabá, este que era responsável por toda a movimentação e fluxo tanto de mercadorias como de pessoas para a cidade. Segundo dado do primeiro censo demográfico nacional, realizado em 1872, Cuiabá apresentava uma população urbana de 16.212 habitantes, densidade esta superior à de São Paulo na mesma época; (Figuras 80, 81 e 82). (CONTE & FREIRE, 2005: 24)
Figura 80 Imagem do Córrego da Prainha na década de 1940. À direita e acima o sobrado chamado de “Palácio das Águias” (famoso prostíbulo da época) e, próximo à cumeeira do telhado colonial observa-se a ponta da torre do campanário da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Fonte: CONTE&FREIRE, 2005: 24. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
141
Quadro 1 Cronologia histórico-urbanística da cidade de Cuiabá. 1719
1722
1727
1732
Dia 8 de abril, Certidão do descobrimento de ouro lavrada no São Gonçalo Velho. Fixação da Bandeira do sorocabano Pascoal de Moreira Cabral do Altos do Coxipó (primeira região aurífera). Data oficial usada para a comemoração da fundação de Cuiabá. Outubro. Descoberta das Lavras do Sutil, nas imediações do Córrego da Prainha e próximas à atual Igreja do Rosário e São Benedito, região de origem da cidade de Cuiabá. Dia 1º de janeiro. Elevação do Arraial do Cuiabá à categoria de Vila pelo Capitão-General Rodrigo César de Menezes, da Capitania de São Paulo, a qual a Vila estava subordinada. Fim da grande fase de produção aurífera.
1836
Primeira intervenção no córrego da Prainha, melhorias necessárias devido à mineração do ouro.
1864
Início da Guerra do Paraguai. Cuiabá é ameaçada de invasão.
1870
Final da Guerra do Paraguai e abertura definitiva dos rios à navegação.
1920
Década. Reforma das fachadas da Catedral e Igreja do Rosário e São Benedito. Construção da atual Igreja do Bom Despacho e Nossa Senhora Auxiliadora. Interventoria de Júlio Muller. Abertura da Avenida Getúlio Vargas e construção das “Obras Oficiais”. Demolição do antigo Palácio Alencastro, Delegacia Fiscal e Palacete do Barão de Diamantino para a construção do novo Palácio Alencastro (atual sede da Prefeitura Municipal). Abertura da Avenida Tenente-Coronel Duarte, conhecida como Avenida da Prainha.
1746
Criação da Diocese de Cuiabá.
1748
Criação da Capitania de Mato Grosso.
1958
Chegada à Cuiabá do Primeiro CapitãoGeneral Antônio Rolim de Moura, este que se desloca para Vila Bela da Santíssima Trindade, em 19 de março de 1752. Primeiras vistas conhecidas da cidade de Cuiabá. Passagem por Cuiabá da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Desenhista da expedição que deixa magnífica vista da cidade.
1962
1818
Dia 17 de setembro. Elevação da Vila de Cuiabá à categoria de cidade.
1975/1979
1834
Eclosão da Rusga. Revolta do Período Regencial de cunho anti-português.
1987
1835
Cuiabá passa a ser oficialmente a capital da Província de Mato Grosso.
1992
1751-52
1787 1790
1937-45
1968 1970
Demolição da Catedral, edificação histórica de 1740. Década marcada por várias intervenções urbanas na área do Córrego da Prainha que culminaram na sua canalização, no final dos anos 70. Implantação do Centro Político Administrativo (CPA). Em 1975, Tombamento Federal da Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, na margem esquerda do Córrego da Prainha. Em 1979, cobertura do córrego da Prainha. Tombamento Federal do Centro Histórico de Cuiabá, definição da área de tombamento e setores, incluindo o Setor Prainha, correspondente à Av. Ten. Cel. Duarte. Homologação do tombamento.
Fonte: CONTE&FREIRE (2005:26); com adaptações do autor (2007). /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Nesse período correspondente ao fim do século XIX e início do século XX também se destacou a produção das usinas de açúcar por toda região justafluvial do rio Cuiabá, como 142
também no município de Barão de Melgaço e imediações de Cáceres. Tanto na economia como na política houve uma influência dos usineiros, quando vários governantes do Estado se destacam desse quadro durante essa época. Contudo, a concorrência com outras regiões, a dificuldade com transporte, incompatibilidade técnica e de maquinários somados à política dos revolucionários da década de 1930 contra as oligarquias regionais, acarretam numa crise das usinas açucareiras que resultam na falência agroindustrial de Mato Grosso. O comércio exclusivamente internacional da produção extrativista perde mercado para outros países, fazendo com que o Estado e sua capital enfrentassem um longo período de penúria e marasmo econômico. (CUIABÁ, 2004: 24)
Figura 81 Imagem do Córrego da Prainha na década de 1940. Ao fundo e à direita a Igreja gótica Nossa Senhora do Bom Despacho construída em 1918, no morro do Seminário da Conceição. Fonte: Acervo Fotográfico da Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 82 Imagem do Córrego da Prainha e casario na década de 1940. Fonte: Acervo Fotográfico da Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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A dinâmica da economia apresenta alterações significativas a partir da implantação do Estado Novo. Surgem as primeiras alterações urbanísticas na cidade de Cuiabá em pleno século XX somente nas décadas de 1930 e 1940, através da abertura da Avenida Getúlio Vargas e das denominadas “Obras Oficiaes” (Figuras 83 e 84). São estas: a construção da Casa do Governador, o Hotel Central (atualmente a sede da Secretaria de Cultura do Estado), o Cine Teatro de Cuiabá e demais edifícios administrativos do estado, entre outras. A arquitetura imposta pelo período getulista mesclava-se entre o neocolonial – a exemplo da Casa do Governador e Hotel Central –, o estilismo da arquitetura fascista da época – a exemplo da construção da atual sede da Câmara Municipal – ou ainda o art-déco getulista da Antiga Secretaria Geral, atual Arquivo Público do Estado. Apesar de inovadoras, dentro do conceito de modernização e desenvolvimento almejado na época pelo governo de Getúlio Vargas, essas obras não interferem no conjunto arquitetônico histórico de Cuiabá, já que as mesmas foram construídas em áreas novas de expansão urbana.
Figura 83 Imagens da Avenida Getúlio Vargas na secada de 1950. À esquerda e em destaque o Grande Hotel (atual Secretaria de Estado de Cultura); à direita, o cruzamento com a Rua Joaquim Murtinho e no canto direito da imagem o gasômetro da Praça Alencastro. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 110/119. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 84 À esquerda, o edifício do IAPC (atual INSS) localizado na esquina da A. Getúlio Vargas com a Rua Batista das Neves, construído na década de 1960. À direita, o Palácio da Justiça (atual Arquivo Público do Estado), da década de 1940. Ambas as obras são exemplares das Obras Oficiais, arquitetura de linhas retas e sóbrias, que mesclam elementos modernos e de Art-Déco. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 110/119. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Estava instaurado assim o programa de Marcha para o Oeste, interiorizando as relações capitalistas e expandir o capital acumulado no exterior através de incentivos internacionais. Cuiabá passa a vivenciar um processo de urbanização através da ocupação dos chamados “espaços vazios” e valorização do solo urbano. Cuiabá recebe construções e novas avenidas, edifícios destinados especialmente à administração pública, às agências bancárias, dos Correios, Hotelaria e Lazer, obras estratégicas dentro de um plano de desenvolvimento nacional. Através do Decreto n.º 5.812, de 13 de setembro de 1943, durante o Estado Novo, são desmembrados de Mato Grosso os territórios federais de Ponta Porã e Guaporé (atualmente Estado de Rondônia). Depois, em 18 de setembro de 1946, o Território Federal de Ponta Porã é reintegrado ao Mato Grosso através do Artigo 8.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal da 18 de setembro de 1946. (CUIABÁ, 2004: 24) Durante as décadas seguintes temos um processo de intensificação da urbanização iniciada na década de 1930, quando durante os anos 1960 Cuiabá passa a ter a condição de pólo de apoio a ocupação da Amazônia meridional brasileira, tendo a denominação de “Portal da Amazônia”. Nessa fase de intenso processo de urbanização, Cuiabá se desenvolve e consolida o fenômeno de conurbação com o município de Várzea Grande. No dia 11 de outubro de 1977, pela Lei Complementar n.º 31, é efetivado o processo de desmembramento do Estado de Mato Grosso, sendo criado uma nova unidade federativa brasileira, o Mato Grosso do Sul, este tendo como capital a cidade de Campo Grande. Cuiabá, como capital do Estado de Mato Grosso, enfrenta nas décadas seguintes um processo ainda mais acentuado de crescimento urbano, acompanhando o desenvolvimento e avanço das atividades econômicas agroindustriais, ocupação do território e intenso fluxo migratório.
5.3 AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS E DEFINIÇÃO DOS CICLOS DE DESENVOLVIMENTO DA CAPITAL Cuiabá se constitui numa cidade que nasce a partir do ciclo de mineração do ouro em pleno século XVIII, formação urbana que principia a exploração dos recursos naturais em prol da construção de uma riqueza sobre o signo mítico da cidade Eldorado. Ocupação esta primeiramente iniciada pela bandeira de Pascoal Moreira Cabral na região aurífera das minas do Coxipó (1719) e, encontrado posteriormente em abundância nas chamadas Lavras do Sutil (1722), nas proximidades do córrego da Prainha, este local que constitui o princípio de todo processo de formação urbana da cidade. 145
O trecho abaixo descreve a passagem dessa época a partir dos manuscritos do historiador, advogado e cronista português Joseph Barbosa de Sá, em sua obra intitulada “Relação das Povoaçoes do Cuyaba e Mato Grosso de seos Principios thé os Prezentes Tempos”, publicada em 1975 pela Universidade Federal de Mato Grosso, citado por De Lamonica Freire (1997). No mes de Outubro deste anno (1722-N.R.) fes Miguel Sutil natural de Sorocaba viagem para uma rosa que tinha principiado na borda do Cuyabá Lugar que depois foy citio de Manoel dos Santos Ferreira; chegado plantou o seo rosado e mandou dous carijós ao mel com seos machados e cabasoz chegaraó ao ranxo alta noite sem mel, pelleijando o amo com elles por gastarem o dia sem montaria respondeo o mais Ladino: vos viestes a buscar ouro ou mel, e perguntandolhe o amo adonde estava o ouro meteo a mão no seyo de um jaleco de baeta que tinha vestido e singido com uma sinta tirou um imbrulho de folhas entregou ao amo que abrindo o achou e vinte e tres granetes de ouro que pasaraó cento e vinte oitavas dizendo o carijó: que achara muito daquilo. Naquella noite naó dormio o Sutil e hum camarada europeo que consigo tinha chamado Ioaó Francisco o barbado por alcunha considerandose mimosos na fortuna, Livres das pensoens da pobreza passando a noite em conversas por ocupar os sentidos que o sono havia dezemparado. Apenas rayava a luz do dia quando o Sutil camarada e mais commetiva de escravos com os descobridores por guias estavaó postos a caminho, seguindolhes os pasos como mereciaó melleiros que tais colmeyas descobrirão, guiados por elles, chegaraó ao lugar adonde se acha esta villa do Cuyabá que era coberto de mato serrado com grandiozos arvoredos e no Lugar chamado hoje tanque de Arnesto e tornado com a capela de Nossa Senhora do Rozario que era campestre mostrou o Indio o seu invento adonde Logo faraó vendo ouro Sobre a terra e apanhando as maós recolhendose a tarde aos seus ranxos o Sutil com meya aroba de ouro e o camarada Ioaó Francisco com seis centas e tantas oitavas era tudo ouro cravado em Seixos. (BARBOSA DE SÁ, 1722; apud DE LAMONICA FREIRE, 1997: 31-32)
Sobre o torpor da febre aurífera, De Lamonica Freire (1997) destaca as Lavras do Sutil como um dos mais ricos focos de mineração da época, confirmado pela citação em tom de exagero de Barbosa de Sá: “A fama do Cuyabá thé fins do orbe passando dos Limites do Brazil a Portugal e dahy aos Reynos extrangeiros tanto que chegaraó a exagerçóens fabullosas dizendo se que no Cuyabá serviaó os granetes de chumbo de espingardas para matar veados”. (BARBOSA DE SÁ, 1722; apud DE LAMONICA FREIRE, 1997: 32) O deslocamento da exploração da região do Coxipó para o novo sítio aurífero de Miguel Sutil foi imediato à divulgação da notícia de seu descobrimento. Assim, na região do córrego da Prainha e imediações surgem os primeiros abrigos de palha que passariam a sedimentar edificações em terra crua. (Figura 85) Para De Lamonica Freire (1997: 33), pode-se caracterizar três ciclos bem definidos de produção do espaço arquitetônico e urbanístico da cidade de Cuiabá, o que define diferentes tendências e desenhos do espaço construído e urbanizado: 1. O Ciclo da Mineração, delimitado entre a sua fundação em 1719 até o ano de 1720, quando passa a sediar a capital da Província de Mato Grosso; 146
2. O Ciclo da Sedimentação Administrativa, que vai de 1820 a 1968, data da demolição da Catedral do Bom Jesus, considerada por De Lamonica Freire “o mais importante monumento barroco do Centro-Oeste” , coincidindo com a abertura do portal mato-grossense da Amazônia para o avanço das fronteiras e mediando a expansão capitalista para as imensas áreas do Norte do Estado; 3. O Ciclo da Modernização, fase definida a partir de 1968 quando se inicia efetivamente a diversificação das funções urbanas da cidade, sob o fluxo das frentes pioneiras de expansão.
Figura 85 Planta de Cuyabá, séc. XVIII. O desenvolvimento do núcleo urbano se dá principalmente na porção oeste do Córrego da Prainha, exceto a Igreja Nossa Senhora do Rosário na porção superior do Mapa. Fonte: Arquivo Público do Estado – Lauro Portela, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A abordagem de De Lamonica Freire parte, em um dado momento, de uma linguagem poetizada de constituição de uma urbanidade cuiabana a partir da histórica ocupação, fazendo paralelos interessantes com a cultura local, sua política, economia e períodos de isolamento do restante do País. Este último fator de distanciamento, e inclusive geográfico, acaba por proporcionar à cuiabania25 características que vão além da composição espacial 25
Termo designado à população tradicional da cidade de Cuiabá, que geralmente mantém um modo de vida, religião, cultura social estritamente ligado às referências da cidade colonial. 147
de sua arquitetura e urbanismo, estes que se mantêm praticamente intactos até os anos 1950 do século XX enquanto patrimônio preservado; mas também constituem uma cultura fundamentada na religiosidade – com seus ritos e rotinas –, uma expressão lingüística típica que guarda traços ainda do português arcaico do período colonial, ou mesmo uma miscigenação caracteristicamente nacional que define uma mistura entre o branco, o índio e o negro, com os ritmos, as músicas e as danças resultantes dessa composição étnica. De Lamonica Freire (1997:34) destaca que a cidade de Cuiabá, desde seu início, teve períodos atribulados que se alternavam entre a estabilidade econômica e épocas de extrema privação e escassez. Nesse contexto, a cidade foi refém de um processo descontínuo de produção do espaço urbano que resulta historicamente na intervenção do poder público sobre a evolução urbana, suas relações históricas da cidade e de seu povo. A arquitetura cuiabana tem com marca estética o despojamento como estratégia de otimização da escassez de recursos técnicos e materiais. Ainda sobre o Ciclo de Mineração, tido com a primeira fase de ocupação urbana de Cuiabá (DE LAMONICA FREIRE, 1997:34), a cidade sofre constantemente interferências em sua configuração urbana, esta que sempre foi alvo das políticas nacionais e dos interesses econômicos vigentes, bem com da própria localização periférica. Durante esse ciclo econômico, ao longo do século XVIII, Cuiabá dependia exclusivamente das monções advindas periodicamente da Capitania de São Paulo para seu abastecimento. Essas expedições eram arriscadas e longas (pois duravam cerca de quatro meses). As lavras cuiabanas eram de fácil exploração e com grande quantidade de ouro, assim, os habitantes da cidade se dedicavam permanentemente às atividades de mineração, poucos se arriscavam à agricultura ou criação de animais como fonte de alimento. Mesmo as lavouras mal atendiam às necessidades com uma produção medíocre, fruto do solo improdutivo e grande proliferação de pragas. Como fundamentação sobre essa conjectura na história de Cuiabá, em 1724, Barbosa de Sá descreve que: (...) correndo este anno com as mezerias dos antesedentes por praguejarem os milhos quazi todos os annos e serem actuais as doenças mallignas e maleitas em todos estes destrictos e os que delle escapavaó com vida ficarão opillados alguns e outros hydropicos e todos em geral com pernas e barrigas inxadas e as cores de defuntos tudo cauzado do pouco e fraco sustento e vicio da terra por naó ter ainda cultivada como acontece em todas as que de novo se povoaó tanto que apeteciaó os homens comer terra como muitos os faziaó.
O historiador Virgílio Correa Filho reforça o período de adversidade quando descreve as investidas dos índios Paiaguás vingativos contra os moradores, as lavouras ou mesmo a chegada de mercadorias e mantimentos pelas monções bandeiristas, o que resulta no 148
processo de migração para outras regiões com melhor qualidade de vida e conforto. (DE LAMONICA FREIRE, 1997:36) No ano de 1726, com a vinda do Capitão General Rodrigo César de Menezes, o vilarejo recebia as primeiras construções cobertas por telhas cerâmicas e paredes estruturais de terra crua em meio às anteriores casas de palha, quando o Arraial passa a ser nomeado como a Villa Real do Bom Jesus de Cuyabá. Assim, o povoado deixaria seu aspecto de acampamento temporário. Entretanto, períodos de dificuldades irrompiam o cotidiano e a vida dos cuiabanos e, em 1755, apesar da riqueza da exploração aurífera abastada, a cidade vive tempos de miséria extrema quando as monções deixam de atender as necessidades de abastecimento locais devido às violentas investidas indígenas. As poucas embarcações que resistiam aos ataques, devido à demora e uma série de dificuldades, tinham seu carregamento de mercadoria e alimentos deteriorados. Ainda a incipiente produção agrícola local era destruída por ratos, insetos e demais pragas na lavoura. Quanto a essa passagem histórica, Babosa de Sá satiriza a criação de gatos como forma de controle do problema e também descreve a infestação de insetos. Os ratos eraó tantos que sinaó podia delles Livrar couza alguma naó só destruihaó os mantimentos como tambem as roupas inquietavaó depovoado em cazal de Gatos vendeo-os o dono por uma Libra de ouro e depois a criação delles vendiaó se a vinte e trinta oitavas, logo ouveraó tantos que perderaó o valor, os mosquitos inquietavaó nesta villa a gente de noite e de dia dentro das cazas senaó dormia sem mosquiteiro e de dia naó se estava sem abanos nas maons. (BARBOSA DE SÁ apud DE LAMONICA FREIRE, 1997: 38)
Face às dificuldades, a vila insistia em se desenvolver às margens do córrego da Prainha, entre os morros da encostas (denominadas collinas na época), entremeando as matas de cerrado, resistindo às adversidades rotineiras e às instabilidades econômicas, políticas e sociais inerentes às zonas de garimpo. Fato característico, porém não inibitório ao desenvolvimento urbano dessas aglomerações. Se em 1727 havia uma grande valorização dos poucos imóveis cobertos por telhas (havia cerca de oito casas com esse material), dois anos depois havia um refluxo migratório face às dificuldades econômicas do ciclo aurífero; este que imprimia um novo ritmo à vida urbana através da disponibilidade para locação de casas e roças nas imediações ou mesmo o abandono dos antigos donos que retornavam para São Paulo. Em 1730, com a chegada de uma grande monção, juntamente com a vinda do Ouvidor Geral e Corregedor da Coroa, propiciou grande agito e abastança à vila de Cuiabá, iniciando-se assim obras da Cadeia, da Casa da Câmara e de novas residências. (BARBOSA DE SÁ apud DE LAMONICA FREIRE, 1997: 40) 149
O desenvolvimento do núcleo e construção dos ranchos se deu aleatoriamente, sem qualquer preocupação urbanística segundo Correa Filho (1969). Dessa forma a colina do Rosário, na qual se localiza até os dias atuais a Igreja do Rosário, localizada à esquerda do córrego da Prainha, torna-se a principal das jazidas de mineração e primeiro núcleo de povoação efetiva. Mais adiante, a frente da colina – atualmente denominado de Morro da Luz – à margem direita do córrego e próximo às outras jazidas, se consolida o maior conjunto arquitetônico da urbe. A escolha dessa área deveu-se não só a proximidade com as jazidas e o córrego, mas também devido à sua pouca declividade topográfica, facilitando a ordenação, mesmo que aleatoriamente, das casas; como também da facilidade de obtenção da água, tendo em vista que um poço26 pode facilmente encontrar abundante lençol freático nesse fundo de vale da Prainha. As ruas e ruelas serpenteavam pelas casas e ao longo do curso d’água, se adaptando ao terreno e às áreas de garimpo, e aos poucos as matas de galeria davam lugar às estreitas ruas e novas casas que surgiam de taipa, adobe ou pau-apique. O homem passa então a intervir no meio natural se apropriando da terra, explorando seus recursos, alterando cursos dos córregos, interferindo na topografia, substituindo a mata nativa por ruas sinuosas pavimentadas em pedra cristal e edificando suas casas a partir dos materiais e técnicas disponíveis. A produção do espaço urbano da Cuiabá do século XVIII e XIX reflete a expressão do barroco27 enquanto repertório formal, seja ele em seu urbanismo ou na configuração de seu conjunto arquitetônico. Ao longo do córrego da Prainha se delineia a cidade, esboçando as primeiras áreas livres que resultariam mais tarde nas praças, ou mesmo na expressão simbólica e centralizadora das igrejas, estas que passam a agregar outras edificações em seu entorno. Nesse período surgem ícones arquitetônicos como a Matriz da igreja Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá (1739-1740), Igrejas Nossa Senhora do Rosário (1754) e
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Até os dias atuais algumas casas coloniais preservam seus poços artesianos ainda com abundante presença de água, a exemplo do atual Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (MISC) restaurado em 2006; antigo Casarão do Alferes, de arquitetura colonial ainda do século XVIII, localizado na esquina da Rua Voluntários da Pátria com a Rua Sete de Setembro. 27
O barroco originou-se na Itália do séc. XVI até o séc. XVIII. Rapidamente influenciou outros países da Europa e, conseqüentemente, chega ao continente americano através dos portugueses e espanhóis. As obras barrocas romperam o equilíbrio entre o sentimento e a razão ou entre a arte e a ciência, que os artistas renascentistas procuram realizar de forma muito consciente; na arte barroca predominam as emoções e não o racionalismo da arte renascentista. O período barroco constitui uma época de conflitos espirituais e religiosos, expressos através da tentativa angustiante de conciliar forças antagônicas: bem e mal; céu e terra; pureza e pecado; alegria e tristeza; paganismo e cristianismo; espírito e matéria. A poética da arte barroca se expressa nas mais variadas formas, dentro da história da sociedade ocidental, a exemplo do desenho urbano barroco, quando este nos remete à religiosidade da igreja e simbolismo, atribuindo uma interferência direta na configuração urbana colonial também expressa pela sinuosidade das ruas.
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Senhor dos Passos (1816), a partir dos quais a vila passa a se estruturar. No chamado Largo do Pelourinho se constrói o Palácio dos Capitães Gerais (1726) e em frente à Matriz e entorno se definem espaços livres que originarão praças. Entre as Igrejas Senhor dos Passos e a Matriz (Figura 86) abrem-se as primeiras ruas (ou becos): a chamada Rua de Baixo – composta pelas ruas Galdino Pimentel e Sete de Setembro; mais acima, a Rua do Meio – Atual Rua Ricardo Franco; e a Rua de Cima – agora denominada Rua Pedro Celestino. Surgem também os primeiros largos e ruas transversais, a exemplo da Rua Bella do Juiz – atual 13 de Junho –, considerada a rua mais elegante e na qual se situam as edificações mais nobres da época. Na porção esquerda da Prainha, nas proximidades na Igreja do Rosário surgem as primeiras casas organizadas a partir da igreja, o que proporcionaria mais tarde o surgimento de novas ruelas e becos, como também a construção de pontes interligando a margem esquerda do córrego ao restante da vila. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 42)
Figura 86 A Catedral de Bom Jesus de Cuiabá em sua terceira fachada, reformada na década de 1920, e a Praça da República, com seu desenho preservado até os dias atuais. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 91. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Nessa fase de desenvolvimento urbano da cidade de Cuiabá, identificamos dois pólos históricos de aglomerados construtivos, um nas proximidades das minas do Rosário já citadas e outro na região do Porto Geral (Figura 87), locado a pouco mais de dois 151
quilômetros e meio, margeado ao Rio Cuiabá. A região do Porto fazia através do rio a conexão fluvial da vila com o restante das Capitanias, em especial com a de São Paulo. O Plano de Cuiabá no final do século XVIII apresenta a interligação entre os dois pólos e a ordenação das vias e edificações se dá ao longo da via paralela ao Córrego da Prainha.
Figura 87 Vista do Porto Geral de Cuiabá em 1865, gravura de Bartolomé Bossi. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 154. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Nas proximidades da afluência da Prainha com o Rio Cuiabá se organizam os primeiros comércios das monções em edificações alinhadas umas às outras e sobre as vias, muradas muitas vezes ao fundo, formando aglomerações à procura de proteção e defesa contra ataques de índios ou forasteiros. As primeiras casas coloniais cuiabanas adotam o padrão da arquitetura bandeirista do século XVIII, aglomerações construtivas que se assemelhavam muito às da Vila Boa de Goiás nesse mesmo período (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 46). Posteriormente, criam-se adequações estruturais e funcionais nas casas coloniais cuiabanas, estas que passam a constituir telhado mais alto, paredes mais espessas, varandas em forma de “L” voltadas para os quintais arborizados e eliminação das alcovas (sem ventilação e iluminação naturais); tais alterações definem uma nova arquitetura local, muito mais adequada ao clima quente e seco da região. As casas também guardavam quintais e pomares como partido de uma organização-padrão, talvez uma referência aos períodos de escassez e penúria da população na obtenção de alimento. O corpo da casa se distribuía entre a varanda e cozinha, pequeno pátio interno 152
onde se localizava o poço para captação de água, forno, jardins com plantas ornamentais, medicinais, árvores frutíferas ou mesmo plantações e hortas nos lotes maiores. Nessa primeira fase, as casas possuíam o pé-direito baixo, fachadas estreitas, ausência de varandas nos quintais, monotonia da composição padronizada das testas alinhadas às vias e telhado de duas águas – frente e fundos – composto de telhas cerâmicas tipo capa-canal. As aberturas possuíam certa verticalidade, como forma de melhor iluminação para o interior dos cômodos e atendimento às necessidades estruturais das alvenarias de adobe, taipa ou pau-a-pique. Os alicerces da estrutura eram de pedra cristal, enquanto que largos e altos baldrames se constituíam de pedra canga, material abundante na região também utilizado para calçamento das ruas e becos. Na composição das paredes em terra crua se misturavam pedriscos e para dar liga à argila se utilizava constantemente o óleo de peixe. A base da mão-de-obra era escravista, composta numa primeira fase por negros advindos de São Paulo (especialmente da cidade de Sorocaba), e posteriormente de índios. Os cargos político-administrativos eram nomeados pela Corte Portuguesa, enquanto havia também militares (responsáveis pela defesa), mestres de ofício (designados para várias atividades, incluindo a construção), comerciantes, mineradores, trabalhadores livres e pobres, entre outros. Entre o final do século XVIII e início do XX temos uma cidade mais bem estruturada e densa, as primeiras casas isoladas ganham unidade de vizinhança, definindo uma malha urbana bem caracterizada. No início do século XIX se constituem à esquerda do Córrego da Prainha as edificações do Hospital Nossa Senhora da Conceição, depois chamado de Santa Casa de Misericórdia e da Casa Pia dos Lázaros – região atualmente denominada de Bairro São João dos Lázaros. Essas edificações atraem para suas proximidades mais casas para essa parte da cidade, intensificando a ocupação ao longo do referido córrego. No Ciclo de Sedimentação Administrativa (1820-1968), De Lamonica Freire (1997: 49) destaca três períodos bem definidos que determinam uma nova dinâmica urbana para a cidade de Cuiabá: 1. O primeiro – período de euforia pela mudança da Capital com Sede do Governo Provincial de Mato Grosso, época também caracterizada pelo declínio da mineração e volume de exportação do ouro no final do século XIX e início das atividades agro-pastoris; 2. O segundo – Diversificação da economia pela classe dominante, caracterizado pelo breve surto açucareiro do final do século XIX, extrativismo da borracha no início do séc. XX e o marasmo econômico que se segue até a década de 1940;
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3. O terceiro – fase da Interventoria no Estado Novo do governo de Getúlio Vargas, estendendo-se até o final da década de 1960. A nova função como sede do Governo Provincial determina renovados contornos urbanísticos e arquitetônicos à cidade, como reflexos da nova ordem econômica, política e social de Cuiabá. Novos edifícios são construídos para abrigar as necessidades administrativas, assim temos edificações públicas no Largo do Palácio, Largo da Matriz e Largo do Porto Geral. As praças ganham maior definição de acessos e investimento paisagísticos, as ruas transversais se delineiam até o Córrego da Prainha, novos casarões são edificados para abrigar um comércio fortalecido pela classe dos funcionários públicos e suas novas residências neoclássicas. Num primeiro momento deste ciclo surgem o Palácio do Governo (construído no final do século XVIII e reformado em 1819), a Intendência, a Matriz do Bom Jesus, o Quartel ao lado da Matriz (atual Palácio da Instrução), o Armazém de Arrecadação do Armamento, Armazém do Depósito dos Apetrechos de Guerra, a Casa da Câmara, a Cadeia Pública (1858-1862), o Quartel da Legião da Primeira Linha (caminho do Porto Geral), o edifício do Thezouro (final do séc. XIX), o Armazém do Depósito de Munições, o Arsenal da Guerra (de 1849, atual SESC - Arsenal) e um pequeno paiol em frente à capela de São Gonçalo. Esse período também se caracteriza pela modernização (ou descaracterização) das fachadas das Igrejas, de várias casas ou de edifícios públicos e privados. Nas casas temos a alteração das características coloniais do telhado aparente e paredes de terra crua, para as platibandas, balaustres e frontões neoclássicos das construções em tijolo cerâmico cozido. O segundo período de breve surto açucareiro impulsiona a construção de usinas e destilarias ao longo do rio Cuiabá. Também várias empresas de importação e exportação, bem como instituições bancárias são fundadas no final do séc. XIX, o que contribui para o adensamento urbano na região do centro e do Porto. Um exemplo dessa representatividade econômica na arquitetura é a construção da importadora e exportadora “Casa Orlando”, atualmente em estágio de abandono. (Figura 88) A implantação de serviços urbanos da iniciativa privada, também se configura como um marco do desenvolvimento da cidade. A implantação das linhas de bonde de tração animal como alternativa de transporte urbano, em 1891, administrado pela Companhia Progresso Cuiabano; ou ainda a instalação de 200 telefones da Empreza Telephonica de Cuyabá, em 1912, com posterior expansão para mais 150 aparelhos que, somados ao serviço de correios e telégrafos, ressaltam os investimentos na modernização da capital. O declínio econômico e estagnação do crescimento urbano implementado pela crise açucareira são estranhamente compensados, de certa forma, pelo cultivo das tradições 154
cuiabanas e efervescência cultural. As festas populares do Divino Espírito Santo, São Benedito, São João, as touradas e cavalhadas no Campo d’Ourique, as danças populares que representavam o religioso e profano como o Siriri, o Cururu, o Congo, os cordões carnavalescos, dança de São Gonçalo, batalhas de confete e teatros ganham reverberação na sociedade cuiabana. A elite social também participava ativamente de festas, eventos sociais, peças teatrais, danças, reuniões intelectuais acirradas pelas publicações e discussões dos jornais locais somadas à valorização da educação. Se por um lado a cidade de Cuiabá não teve um desenvolvimento físico-construtivo significativo nesse período, no âmbito sócio-cultural se consolida a tradição regional e identidade da cultura da cuiabania. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 107)
Figura 88 A Casa Orlando de 1873, antiga empresa importadora e exportadora construída durante o surto açucareiro da capital no final do séc. XIX. O casarão de linhas neoclássicas está em estado de ruínas e seu pavimento térreo atende ao comércio do calçadão da Rua Galdino Pimentel. Fonte: Autor, 28/08/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Na década de 1940, o Estado Novo define o período da Interventoria de Júlio S. Muller que marca o terceiro ciclo de sedimentação administrativa caracterizada pela centralização fiscal e administrativa, que angariava vastos recursos à capital do estado antes divididos com as demais cidades. Figuras políticas de apoio ao regime ditatorial da época getulista também atraem investimentos para a capital, caracterizando um período de intenso crescimento urbano, construção de edifícios administrativos e educacionais de padrão art-déco ou neocolonial, abertura de importantes avenidas como a Avenida Getúlio Vargas (com caixa viária de 17 m). 155
Antigos casarões oitocentistas da Praça Alencastro, a Delegacia Fiscal e o próprio Palácio Alencastro neoclássico são demolidos para dar lugar ao furor da modernização. No final da década de 1950 é construída a nova sede do poder estadual, que dá início ao processo de verticalização do centro através do novo Palácio Alencastro, dentro das referências modernistas de Le Corbuiser. O edifício Maria Joaquina é construído ao lado do Palácio Alencastro sobre o ideário de “arranha-céu”, tornando-se o primeiro edifício habitacional da cidade, seguindo as tendências arquitetônicas da época e de altura só superada na década de 1980. (Figuras 89 a 94)
Figura 89 Vista de Cuiabá na década de 1930, ao fundo o Palácio da Instrução (centro) e a Catedral (direita). Fonte: SIQUEIRA, 2006: 91. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 90 Vista parcial do centro na década de 1960, à direita o Palácio Alencastro recém construído, à direita a Catedral com ampliação ao fundo e ao centro o art-déco do Hotel Centro América, demolido em 1990. Ao centro a Avenida Getúlio Vargas. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 108. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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A destruição do simbólico para a construção do novo simbolismo, ainda que este “novo” seja construído sobre as “ruínas” do antigo, conforme Castoriadis (1982:147), é tão ou mais violento quanto a demolição, por exemplo, de velhos casarões que darão lugar ao novo edifício de concreto e fume. Para que isso ocorra, tem lugar, ao mesmo tempo, uma desqualificação da cultura da sociedade invadida, como inferior, atrasada, antiga e uma sobrevalorização da cultura capitalista que se impõe como sendo superior, progressista e moderna. A “invasão” não é só física, mas, sobretudo, simbólica. Não só Cuiabá “precisa” se transformar para ser a capital do futuro, cosmopolita, como seu povo e, principalmente, os cuiabanos precisam entrar no ritmo da cidade moderna com seus hábitos, disciplinas e concepções de mundo. O futuro para ser afirmado exige a negação do passado. A identidade, construída histórica e relacionalmente, tem suas raízes revolvidas ou arrancadas. A perda de referências não é nada mais que uma conseqüência e, aos poucos (afinal, não tão poucos assim), Cuiabá deixa de ser a cidade setecentista do oeste brasileiro, para ser qualquer outra cidade-pólo prestadora dos serviços que demandam as atividades da soja, do boi e do ouro. (BRANDÃO, 1997: 68-69)
Figura 91 Após ter sofrido várias alterações arquitetônicas, em 14 de agosto de 1968, a Igreja da Matriz é implodida à dinamite. O fenômeno de modernização da capital resulta na desconsideração do passado. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 98. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Na década de sessenta temos o início da construção da rodovia que liga Cuiabá a Porto Velho, tornado-se a capital de Mato Grosso rota para um novo fluxo migratório para o Centro-Oeste e Norte do País. Cuiabá assume a posição de pólo intermediador no projeto de integração nacional com a Amazônia meridional, deixando de ser um ponto distante e isolado no mapa. 157
Figura 92 Pessoas demolição da Matriz
acompanhando a em 1968. Fonte:
SIQUEIRA, 2006: 98. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 93 Construção da atual Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá na década de 70. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 99. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 94 Vista atual de Cuiabá no mesmo enquadramento da Figura 90. Além dos edifícios do centro, temos ao fundo a intensa verticalização dos bairros Goiabeiras, Duque de Caxias e Quilombo. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 109. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 158
O desenvolvimento da cidade de Cuiabá, a partir de seu ciclo de modernização, corresponde ao próprio processo de expansão das frentes pioneiras de colonização e ocupação da Amazônia. Se analisarmos o contexto das urbes que resultaram de um processo de mineração do ciclo do ouro no século XVIII, Cuiabá é uma das poucas cidades que rompeu com a estagnação econômica a posteriori, conseqüência do fenecimento das lavras de exploração aurífera (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 10). Após um longo período de crescimento vegetativo entre o início do século XX até os primeiros anos da década de 1960, a cidade passa por um intenso processo “inchaço urbano” até a década de 1990, decorrente do Ciclo de Modernização, saltando de 56.828 habitantes em 1960 para 433.355 em 1996 (IBGE, 2000). (Figura 95) Este fenômeno demográfico deriva essencialmente da migração. Assim, na década de 1950 temos um fluxo migratório de paulistas e mineiros. Nos anos 1960 há o deslocamento de nordestinos, enquanto que na década seguinte há um índice bastante distribuído entre goianos, mineiros, paulistas, gaúchos, paranaenses e catarinenses. Para as décadas de 1980 e 1990 temos a presença migratória mais expressiva da região sul do país, parcela populacional que se desloca especialmente para o interior do Estado em busca da nova fase do Eldorado mato-grossense fundamentado na produção agrícola, esta que é responsável atualmente por mais de 30% da economia de Mato Grosso. (MIRANDA; AMORIM, 2000: 30)
Figura 95 A imagem acima ilustra a atual Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá da década de 1970 e, ao fundo, a atual sede da Prefeitura Municipal (Palácio Alencastro) de linhas modernas e verticalidade em 2005. O centro da capital cede lugar ao moderno e negligencia de seu passado. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 99. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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5.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO URBANA DE CUIABÁ O engajamento da cidade no caminho do progresso apontava para a incorporação do novo, em oposição ao que já existia e que, portanto, parecia velho e ultrapassado. Tudo o que fosse diferente do velho, muitas vezes independentemente de sua qualidade, infiltrou-se como expressão do novo, do moderno. A destruição do velho para garantir espaço à inserção autoritária do novo passou a ser o preço do progresso, pago pelos cuiabanos. A instalação do processo de modernização dolorosamente agressivo para Cuiabá, a espoliação de seus bens culturais, decorrentes da justa aspiração de desenvolvimento, manipulada pela política de expansão do capitalismo, implicaram num custo demasiado alto. DE LAMONICA FREIRE, 1997: 130
No contexto do espaço urbano produzido, os processos de crescimento econômicos e sociais da cidade refletem especialmente em três fatores diretos: a rápida devastação das zonas antigas da cidade, o esvaziamento do antigo centro e conseqüente desvalorização e surgimento de novas centralidades. Há o aparecimento de um movimento sócio-cultural em prol da conservação do espaço e da arquitetura tradicional, muitas vezes manifestos de movimentos pró-memória urbana e histórica. Este fator que assegura o tombamento, restaurações e intervenções tanto na arquitetura quanto no espaço urbanizado entre o final do século XX e, mais recentemente, início do século XXI. (Figuras 96 a 99) O resultado da mobilidade populacional de Cuiabá nas últimas décadas tem suas raízes nos processos históricos de intenso movimento populacional no estado e na capital entre especialmente entre as décadas de setenta e oitenta. A cidade de Cuiabá se constitui em um ponto de entroncamento dos fluxos e entrecruzamentos dos deslocamentos sociais para as áreas de frentes agrícolas e de mineração em todo estado, daí a produção da imagem da cidade como “Portal da Amazônia”. Esse período se caracteriza pelas rápidas e acentuadas mudanças sociais, políticas, econômicas que delinearam o chamado tempo de progresso, da modernidade e do desenvolvimento. (SOUZA, 2007: 32) O grande crescimento demográfico se associa às transformações na materialidade urbana e, para a compreensão desse processo torna-se necessário a análise de alguns aspectos importantes a partir da segunda metade do século XX e início do XXI, que interferiram diretamente com o centro da cidade de Cuiabá:
A descaracterização do passado – desconsideração ou negação da cultura local e patrimônio histórico ou ambiental como ferramenta de imposição de uma cultura de modernização;
A abertura de novas avenidas e criação do Centro Político Administrativo (CPA) – que resulta no deslocamento das autarquias administrativas estaduais do antigo centro (proporcionando um processo de esvaziamento), bem como a criação dos 160
grandes conjuntos habitacionais do CPA para conter a população que migrava para a cidade entre os anos 70 e 80;
O processo de verticalização de edifícios e horizontalização da malha urbana – surgimento de novas centralidades no tecido urbano, de novos condomínios e conjuntos habitacionais, bem como a presença de novos assentamentos humanos e regularização de bairros resultantes de invasões. Esses elementos geram uma nova relação de crise ambiental e climática, tanto na destruição de reservas ambientais na periferia como na produção de ilha de calor na área central de Cuiabá;
Fenômeno dos Shoppings Centers – especialmente verificado a partir dos anos 90, com a implantação numa primeira etapa dos Shoppings Goiabeiras e Três Américas, e mais recentemente a construção do Shopping Pantanal (2005) que passam a gerar uma nova centralidade urbana, bem como um processo de intensa valorização e especulação imobiliária em regiões distintas da cidade;
A noção de caos e crise urbana pode ser entendida como uma relação direta com os movimentos populacionais, exclusivamente migratórios, na cidade de Cuiabá. Souza (2007: 33) coloca que: “no lugar do migrante que, em sua maioria, se dirigia para um ponto de chegada definido (as colonizadoras, as fazendas, as áreas de mineração), aparecem novos atores sociais, homens, mulheres e crianças pobres, com destinos incertos.” Dessa forma há uma apropriação do espaço urbano por parte dessa população que passam a reconfigurar antigos bairros ou compor a criação de muitos outros, como também há uma redefinição dos usos dos espaços públicos (ruas, praças, viadutos) e as novas relações de centro-periferia. Para Souza (2007) os movimentos populacionais de homens e mulheres pobres não decorrem do fortuito. As novas configurações sociais, territoriais, culturais e políticas resultam dos processos sociais autoritários e violentos de outrora. A re-ocupação do território amazônico, antes habitado por populações nativas indígenas, caboclos, seringueiros e pequenos agricultores, foi um fenômeno que caracterizava o período pósditatorial de 1964. Os projetos de modernização e desenvolvimento nacional assinalavam para a área amazônica através de programas distintos como o Plano de Integração Nacional (PIN) ou o Programa de Desenvolvimento do Centro Oeste (Prodoeste). A estratégia de modernização estava fundamentada da idéia de ocupação das áreas de fronteiras e dos chamados “espaços vazios”, esta justificadas pela necessidade de desenvolvimento político e econômico nacional. O sistema de comunicação e circulação se fortalece com a consolidação de um sistema rodoviário que possibilita a interligação de Cuiabá (como 161
também do Estado de Mato Grosso) com as demais capitais do País. Isso se deve a criação das rodovias federais como a Transamazônica, a Cuiabá-Santarém (BR-163), a CuiabáBrasília (BR-070), a Cuiabá-Porto Velho (BR-364). (SOUZA, 2007: 34)
Figura 91 Região do Parque Linear da Prainha
Figura 96 Apresentação da evolução urbana de Cuiabá do século XVIII ao XXI. Fonte: PMC/IPDU, 2002. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A estrutura viária consolidada, somada a uma política federal de incentivos e baixos preços da terra (subsidiados pelo Estado), direcionou a economia regional para a produção agrícola 162
em larga escala. Dessa forma, a política de re-territorialização da região amazônica se constituiu em uma ocupação e concentração de uma vasta extensão de terras para uma pequena parcela de ricos empresários, estes que obtinham lucros astronômicos sejam na implantação das empresas colonizadoras (que comercializavam terra barata, muitas vezes cedida pelo governo, e implementavam projetos urbanísticos para novas cidades matogrossenses), ou na aquisição e cultivo de extensas áreas de monoculturas financiadas pelos cofres públicos (via crédito bancário estatal).
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Figura 97 Demonstração da área linear da região do Córrego da Painha e Porto, o objeto de intervenção será a cabeceira do córrego (1), passando pela Avenida Tenente Coronel Duarte (2) e, por fim, a região do Porto (3). Fonte: Imagem do Gogle Earth, 2007/ com adaptações do autor. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Paralelo a esse processo de ocupação tem-se o desflorestamento e queimadas de extensas áreas nos três biomas do Pantanal, Cerrado e Amazônia, fato que resulta em impactos ambientais irreparáveis para a fauna e flora mato-grossense, destruindo a vegetação típica de cada região, assoreando rios e ribeirões, desflorestando as matas de galerias e ciliares, 163
interferindo no clima e índices pluviométricos e fluviométricos, etc. Além da poluição ambiental engendrada por esse novo modelo de desenvolvimento territorial da agricultura, temos ainda o impacto sobre as povoações que antes habitavam essas regiões, destruindo a agricultura familiar, expropriando da terra as etnias quilombolas, caboclas e indígenas.
Figura 98 Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiabá, do acervo do Museu Botânico Bocage em Lisboa, em 1790; desenhado por Joaquim José Freire/José Joaquim Codina. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 109. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 99 Vista tradicional de Cuiabá a partir da torre da Embratel, junho de 2002. Observa-se o Parque do Morro da Luz e seu potencial paisagístico em contraste com a cidade e seus edifícios. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 109. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Para De Lamonica Freire (1997:11), observando a tessitura da cidade entre as décadas de 1980 e 1990, pode-se identificar pelo menos cinco tipos de áreas novas, constituídas de: Área Administrativa, Área de Habitação Privilegiada, Área de Habitação de Classe Média, Conjuntos Habitacionais Populares e Favelas. É nesse período de crescimento urbano que se verifica também a ocupação e exploração das áreas antes destinadas às reservas ambientais, bem como o processo de canalização de diversos córregos que cortam o perímetro urbano e a ilegalidade da poluição desses recursos através do despejo do esgotamento sanitário a partir dos anos 1970. (...) Os dados quantitativos sobre a ampliação do número de loteamentos permitem verificar a dimensão desta transformação e recomposição do território da cidade: até 1970 o número de loteamentos era de 61; na década de setenta acrescentaram-se 88 loteamentos; na década de 80 mais 76 e na década de 90, 81, perfazendo um total de 319 loteamentos urbanos (IPDU). Desse total, 77,06% surgiram a partir da década de setenta. (SOUZA, 2007: 41) 164
A fase crítica do crescimento urbano de Cuiabá acompanha a explosão demográfica verificada entre as décadas de 1960 e 1990, quando se tem o maior índice de migração para Mato Grosso, que resulta em taxas que dobrariam o número de habitantes a cada 10 anos. Conseqüentemente é nesse período que temos um intenso processo de espacialização urbana, não acompanhado pelo planejamento urbano necessário, fato que reflete na qualidade de vida da cidade Cuiabá para as próximas décadas. A ausência de uma gestão pública eficiente no atendimento das demandas urbanas decorre em graves conflitos pela posse da terra urbana, face ao quadro crítico de marginalização e segregação social. Esta ‘funcionalização’ da cultura incidiu diretamente sobre programas e políticas urbanas que chegaram às metrópoles brasileiras no início dos anos noventa, sendo orientadas por experiências realizadas em centros norte-americanos e europeus, com primazia para Barcelona. Será neste momento que passaremos a enfrentar a ideologia do trato desta cidade como uma ‘empresa competitiva’, a confrontar as Operações Urbanas e seus negócios imobiliários sustentados por parcerias entre o setor público e o setor privado - com notáveis ganhos para este último, as iniciativas de ‘renovação urbana’ ancoradas na idéia de urbanismo ‘reparador’, a uma onda de programas de investimentos em centros históricos financiados por empréstimos internacionais pautados por procedimentos interligados de recuperação físico-material da arquitetura, substituição de suas atividades por outras mais rentáveis e afastamento dos seus residentes pobres. Em poucos anos vimos uma leva de projetos urbanos que, sob o formato de novas narrativas para o antigo tema da ‘volta à cidade’, favoreceram o reajuste dos modos de renda fundiária às novas exigências e possibilidades de ganhos financeiros. Nessa época, a contrapelo destas ações de enobrecimento e segregação sócio-espacial, a luta por habitação social acentuou-se no centro da metrópole, assumindo diferentes práticas: a ocupação organizada de edifícios e terrenos ociosos, enfrentamentos diretos, formação de novos grupos, movimentos e associações de defesa do direito à cidade dos residentes urbanos com menos recursos, geração de documentos e processos jurídicos, dossiês e literatura específica de denúncia e crítica dos processos antidemocráticos em curso e de reivindicação política. (PALLAMIN, 2006)
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6. O CÓRREGO DA PRAINHA: O OBJETO DE ESTUDO, A QUESTÃO HISTÓRICO-AMBIENTAL E O PROCESSO DE RETIFICAÇÃO A villa está situada da mesma margem direita, e lançada por um corrego acima entre os morros: tem só oito casas de telha, entre as quais é a melhor a que foi do General Rodrigues Cesar: as mais são ainda de capim, mas com serem assim se nao vendiam quando cheguei, por mais pequenas que fossem, por menos de 400 ou 500 oitavas cada uma, e as que tinha mais alguns commodos chegavam a 700. JOÃO CABRAL CAMELLO, 1727; apud DE LAMONICA FREIRE, 1997: 38
O córrego da Prainha alimentou o desenvolvimento do antigo Arraial do Cuiabá desde a descoberta do ouro no século XVIII, até se configurar numa via estrutural de importante conexão entre a porção nordeste e leste da metrópole atual, quando em sua desembocadura sobre o rio Cuiabá se encontra o limite com o município de Várzea Grande, cidade esta que surge dois séculos depois. A Prainha tem essa denominação devido ao fato de abastecer com água as casas coloniais do antigo vilarejo e por ser muito utilizada pela população, tanto para o lazer quanto para a pesca, quando ainda tinha suas águas límpidas, com rica flora e fauna características do cerrado. O córrego também era navegável e, segundo Moura (1980), funcionava como uma importante artéria comercial, ligando o centro do Arraial até a região do Porto, este já nas margens do rio Cuiabá. (Figuras 100 a 103)
Figura 100 Imagem de 1910, no primeiro plano a famosa “Ponte da Confusão” sobre o Córrego da Prainha. Acima e à esquerda a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, seguindo-se da Rua dos Bandeirantes e seus casarios coloniais. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 27. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Durante o Ciclo de Mineração, a expansão urbana ocorre especialmente sobre dois pólos estruturadores da cidade ainda colonial: o núcleo da mina do Rosário e do Porto Geral (Freguesia de São Gonçalo e Pedro II). A partir desse período a cidade passa a se formar da região do Rosário em direção ao Porto, tendo com estrutura duas vias principais de ligação: uma margeando a porção direita do córrego da Prainha, continuando com a Rua Bella do Juiz (atual Rua 13 de Junho), e outra pela margem esquerda a partir da Santa Casa, acessada pelo Largo do Mundéu, que estruturava a chamada Rua dos Pescadores (depois denominada Rua Nova, atual Rua Dom Aquino). (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 72) A maior mina da região plantada na colina do Rosário deu início à formação da cidade. A colina onde se localizou a igreja do Rosário, ergue-se à margem esquerda do rio Prainha. Em torno das jazidas, principalmente à margem direita do córrego, em frente à colina, inicia-se o povoamento. A preferência por essa margem deveu-se à topografia menos acidentada, com declividades mais suaves, facilitando o agrupamento de construções. Próxima também à margem localizava-se uma esplanada, escolhida para construção da Igreja Matriz. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 40)
Figura 101 Imagem da Ponte da Confusão em 1941. À esquerda um casario ainda existente e ao fundo o antigo Palácio das Águias, demolido, local onde há um ponto de ônibus (ao fundo o Morro da Luz). Fonte: SIQUEIRA, 2006: 32. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
No ano de 1836 ocorre a primeira intervenção no córrego da Prainha, devido à necessidade de melhorias decorrentes do processo de mineração (CONTE & FREIRE, 2005: 24). Até meados da década de 1950, já no século XX, o córrego da Prainha se constituía em um delimitador do desenvolvimento da capital para a região Leste, principalmente nas proximidades da Igreja Nossa Senhora do Rosário e Morro da Luz, porém ainda guardava características naturais devido a pouca densidade urbana. 167
Após a década de 1940, período de instauração do Estado Novo e da Interventoria de Júlio S. Müller, temos a construção da primeira ponte de concreto entre Cuiabá e Várzea Grande (chamada Ponte Velha ou Ponte Júlio Müller), facilitando a ligação e comunicação com o oeste mato-grossense e definindo um fluxo potencial futuro para a Avenida da Prainha. Depois, em 1964 temos a construção da Ponte Nova, que estimula a extensão da Rua Barão de Melgaço com o rio Cuiabá e Várzea Grande. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 126)
Figura 102 Ponte sobre o Córrego da Prainha que dá acesso a Rua dos Bandeirantes, pavimentada em pedra cristal. Ao fundo, a Igreja do Rosário com a torre pontiaguda, reforma em 1923-30. Imagem tirada em 1940. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 28. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A partir da década de 1960, a cidade de Cuiabá passa a sofrer uma série de obras decorrentes do processo de modernização da capital, incentivados por financiamentos federais e devido à centralização orçamentária do Estado, agora direcionada para a capital. Também nessa época temos os programas de desenvolvimento e integração nacional, que disponibilizam para a capital um potencial para o papel de pólo de conexão entre a região Norte e Sudeste, fortalecendo um importante apoio ao desenvolvimento e logística das agroindústrias e avanço das fronteiras agrícolas no Centro-Oeste. É nesse período, mais precisamente em 1962, que temos a maior intervenção na região da Prainha com a abertura da Avenida Tenente Coronel Duarte, obra que caracterizaria um marco para o processo de desenvolvimento da capital em detrimento da destruição dos recursos naturais e abandono de suas referências histórico-coloniais. A partir de então, o córrego passa a ter um aspecto retificado através de sua canalização, perfazendo um curso retilíneo para melhor escoar os detritos que já eram intensamente lançados sobre seu leito, 168
diminuindo a ocorrência de peixes e descaracterizado de sua morfologia natural. Assim, o córrego deixaria de ser um pequeno riacho, que serpenteava os fundos dos quintais das casas coloniais.
Figura 103 Década de 1930, Largo do Mundéu, às margens da Prainha. Á direita o chafariz e acima a Igreja do Bom Despacho construída em 1918, de estilo neo-gótico. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 33. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A década de 1960 também marca o processo de descaracterização da arquitetura colonial cuiabana, culminando com a depreciação ou mesmo destruição completa de marcos arquitetônicos referenciais; a exemplo da demolição do antigo Palácio Alencastro e casarões do entorno da Praça Alencastro em 1959, ou a implosão da Catedral em 1968 (esta edificada em 1740). O ciclo de modernização passava a pressionar a dicotomia entre o velho e o novo, a província e a metrópole, o conservantismo e o progressista, o colonial e o moderno, ideologias que negavam a importância do Patrimônio Natural e Histórico para a construção de uma cidade moderna, dentro de um Brasil moderno. Na esteira da política de integração econômica ao capitalismo, vinha a promessa de desenvolvimento justificando a destruição. Os novos conceitos e preconceitos de progresso urbano levaram o cuiabano a questionar a importância das tradições barrocas do espaço de sua cidade, da arquitetura de seus casarões e edifícios públicos. Os modelos para as novas construções e os novos caminhos do crescimento da cidade começaram a ser buscados fora dos limites e não mais no interior de suas tradições. Afinal, a promessa de progresso acenava-se de fora para dentro. (..) A nosso ver exprimiam a força inexorável da invasão capitalista e significaram principalmente uma perda irremediável. A adesão ou omissão da população não implicava necessariamente em desrespeito ao passado, já que os cuiabanos não dispunham, no clima 169
dessa época, de um referencial de bens culturais capaz de lhes permitir instrumentos atualizados de avaliação de seu patrimônio. O desrespeito ao passado está embutido, na realidade, no modo selvagem e devastador como o capitalismo se expande. (..) Nesse contexto avassalador de mudança, a derrubada da velha Catedral barroca não marca apenas a descaracterização da cidade, processo aliás que só atinge o centro. Ela marca também, com a mesma intensidade simbólica, a inauguração dos processos espaciais que dinamitaram o perfil tradicional da cidade, abrindo fendas e feridas no seu corpo para a violenta parturição de sua modernidade. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 129-131)
Pressionado pelo fluxo migratório que acelerava o crescimento urbano e gerava a necessidade por habitações de classe baixa, o Governo do Estado cria em 1966 a Companhia de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso (COHAB). Assim, é construído o Núcleo Cidade Verde (atual Cohab Velha), nas proximidades da margem do rio Cuiabá, segundo conjunto de habitação depois das obras de Casas Populares de Eurico Gaspar Dutra, homenagem do antigo presidente para sua terra natal na década de 1940. A partir da década de 1970, a capital permanece se desenvolvendo e atraindo grande fluxo migratório proveniente de outras regiões do País, o intenso desenvolvimento do norte do Estado transforma Cuiabá em uma base de apoio à nova fronteira de expansão. Na capital, o Poder Público inicia um processo de desenvolvimento urbano através da produção de núcleos habitacionais e construção de novos bairros afastados do centro, em conformidade com as ideologias urbanísticas da época. Segundo Brandão (1997: 105), além da canalização do córrego da Prainha, entre as ações remodeladoras da urbe temos a construção de pontes de concreto, em substituição às antigas pontes de pedra, e pistas laterais, o asfaltamento e arborização da Avenida 15 de Novembro, a instalação de iluminação tipo vapor de mercúrio, as construções do Centro Educacional no morro Dom Bosco, da Escola Barnabé de Mesquita (no final da Avenida Barão de Melgaço), e o marco da Ponte Nova, conectando e integrando os pólos urbanos de Cuiabá à Várzea Grande por um novo eixo. A implantação do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá, com cursos de nível superior, a pavimentação da Avenida Fernando Corrêa e construção do Núcleo Habitacional Grande Terceiro (que fora implantado para atender aos desalojados pela enchente de 1974); determinam novas espacialidades urbanas e deslocamentos territoriais que culminariam, dentro do ciclo de modernização da capital, com a completa canalização e cobertura do córrego da Prainha, em 1979, denominado popularmente como Avenida após essa intervenção. (Figuras 104 e 105) Entre o final da década de 1970 e início de 1980 ocorrem algumas obras de vulto para a capital, a exemplo da implantação do Projeto Cura (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada), nos bairros periféricos da época como Araés, Lixeira e Quilombo (agora inseridos no tecido urbano). Também nesse período temos a implantação da Universidade 170
Federal de Mato Grosso, polarizando a região Leste da cidade, e a implantação do Centro Político Administrativo (CPA) e abertura da Avenida do CPA (atual Avenida Historiador Rubens de Mendonça), em 1974, que dá continuidade à Avenida da Prainha no sentido Nordeste, a partir do cruzamento com a Avenida Mato Grosso (via canalizada sobre outro córrego que é tributário do Prainha). No eixo da Avenida Rubens de Mendonça é implantado grandes conjuntos habitacionais: o CPA (Conjunto 1, 2, 3 e 4) e o Bairro Morada do Ouro, ambos comportariam mais de cem mil habitantes, que na época constituíam metade da população urbana de Cuiabá.
Temos ainda a construção da Estação Rodoviária, nas
proximidades da nascente do córrego da Prainha, e Estádio Verdão, como também os primeiros fenômenos de invasão e grilagem através de favelas que resultam nos conjuntos Jardim Bela Vista, Santa Izabel, Barbado, Praeiro, Pedregal, Canjica, Planalto A e B, Pedra Noventa, Doutor Fábio, entre outros.
Figura 104 Década de 1970, vista do Córrego da Prainha já canalizado e entorno. Ao fundo a Igreja Nossa Sª. do Rosário e à esquerda a Igreja do Senhor dos Passos. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 38. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O processo de expansão urbana, o surgimento de novos eixos viários e polinucleação de bairros não retiram da agora Avenida da Prainha (Avenida Tenente Coronel Duarte), a pressão pela especulação imobiliária e tráfego de veículos. Se no passado o seu aspecto natural, o traçado sinuoso, a fauna e flora bastante explorada pela população como área de lazer, alimento e integração ambiental, agora estava reduzido a uma avenida sobre o 171
córrego canalizado, poluído e retificado. Sobre essa passagem, o Professor Júlio De Lamonica Freire escreve: Na década de 60, o córrego da Prainha, com seu volume de água já bastante reduzido, continuava a mourejar pelo seu leito natural, já então saturado pelas excessivas descargas de esgoto nele despejadas. Além do mau cheiro e do desconforto, tornou-se um viveiro de ratos e insetos, um grande canal de insalubridade, ameaça constante de contaminação. Havia se tornado também obstáculo natural entre o Mundéu, o Rosário, Lavrinha e o restante da cidade, que se expandia da sua outra margem. (DE LAMONICA FREIRE, 1997: 136)
A canalização e posterior cobertura do córrego da Prainha foi reflexo inconsciente de uma postura desenvolvimentista que imperou no Brasil até meados dos anos de 90 do século XX e que, ainda hoje, reverberam sobre os modelos de ocupação e crescimento das cidades no interior do Estado de Mato Grosso.
Figura 105 Vista atual do mesmo enquadramento da Figura 104, com o Córrego já canalizado. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 38. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Atualmente, a região da Prainha em sua porção localizada nas proximidades da Igreja do Rosário, constitui em um exemplar arquitetônico, urbanístico e paisagístico histórico para a cidade. Reconhecido e tombado pela União Federal no dia 4 de novembro de 1992 (em conformidade com o Decreto-Lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937), institui uma unidade de proteção e preservação caracterizada entre a Área de Tombamento e Entorno (Figura 172
106), o que define critérios específicos para uso e ocupação da área, solo e edificações. Segundo a Instrução Normativa, foram delimitados subgrupos morfológicos caracterizados segundo sua tipologia, historicidade e uso no contexto cuiabano. Os setores são: 1. Setor Morro da Luz; 2. Setor Praça Bispo Dom José; 3. Setor Prainha; 4. Setor Rosário; 5. Setor Mandioca; 6. Setor Boa Morte; 7. Setor Barão de Melgaço; 8. Setor Praça da República; 9. Setor 13 de Junho; 10. Setor Praça Ipiranga.
Figura 106 Região de Tombamento do Centro Histórico e área de proteção do entorno. Fonte: IPDU, 2003. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
173
A importância da região da Prainha para a cidade de Cuiabá está representada também com um eixo histórico constituído em seu caráter simbólico e religioso, quando delatamos a presença de inúmeras igrejas desde a Nossa Senhora do Rosário (1754), Senhor dos Passos (1816), Nossa Senhora do Bom Despacho (capela de 1726, depois substituída pela igreja neo-gótica em 1918) e Nossa Senhora Auxiliadora (1920), esta construída junto ao Colégio São Gonçalo. Além de unir o potencial paisagístico e ambiental do Morro da Luz (Parque Antônio Pires de Campos) com a expressividade do Chafariz do Mundéu e Praça Ipiranga, onde se localiza o antigo Quartel da Força Pública (1862), atual edifício do Ganha Tempo restaurado em 2002. (Figuras 107, 108 e 109) A conexão com o Porto Geral e com a cidade de Várzea Grande através dos acessos sobre o rio Cuiabá (principalmente pela Ponte Velha, atual Ponte Júlio Müller), constitui numa presença histórica importante para a Avenida da Prainha, ressaltada pelas novas ligações com importantes vias estruturais e coletoras da cidade. Porém, o processo de expulsão dos moradores tradicionais e pressão do forte comércio atuam como agentes imperativos na descaracterização do patrimônio histórico e gritante poluição visual, sonora e ambiental. A verticalização dos edifícios, a impermeabilização do solo, a depressão topográfica que impossibilita a circulação de vento, a intensa ocupação do traçado colonial e ausência de áreas verdes arborizadas atuam como agentes potencializadores na produção de ilha de calor na área da Prainha. Esse fato reforça a desqualificação ambiental da área, assim como a ausência de qualidade de vida decorrentes da produção de altas temperaturas por veículos, edifícios e pavimentação, impermeabilização do solo, intensa poluição e formação de guetos de criminalidade e prostituição. Os arranha-céus do Brasil provêm de um erro profundo. É injustificável e lamentável numa terra rica em espaço esse sistema de construções que em outras cidade, em Nova York, por exemplo, tem sua explicação e sua razão de ser. No rio de Janeiro a existência de arranhacéus não tem sentido. É uma imitação. As formas de arte não resultam de uma vontade. Não há forma de arte internacional. E, por isso mesmo, os vossos arranha-céus, que não correspondem a uma necessidade, que não surgem espontaneamente da terra, são necessariamente uma expressão falsa de arte. Penso muito que, de um modo geral, a arquitetura no Rio é quase uma ofensa à paisagem. Deve-se procurar sempre uma linha correspondente à natureza. (LUIGI PIRANDELLO, citado por BARRA, 2006: 134)
Essas determinantes se associam ao tráfego intenso de veículos e grande circulação de pessoas. O primeiro é um fator preocupante, pois contribui para a deterioração da estrutura das construções históricas, como também polui e piora consideravelmente a qualidade de vida. O segundo pode se transformar em um potencial para futuros projetos de intervenção na área, já que informa uma condicionante importante: a necessidade de presença da população cuiabana no centro histórico. Isso fica claro quando se transita pela área central
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durante o dia e, assim, percebe-se o grande fluxo de pessoas em seus casarões, calçadões, ruas e avenidas dedicados ao comércio e serviços.
Figura 107 Vista da Prainha ainda aberta na década de 1970, rotatória do cruzamento com a Avenida Isaac Povoas. À esquerda a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e ao fundo a torre da Igreja de São Gonçalo. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 39. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 108 Vista atual da Prainha já canalizada, atual Avenida Tenente Coronel Duarte. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 39. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007. 175
Figura 109 Cruzamento sobre a Prainha na década de 70. Ao fundo a Igreja do Rosário e Capela São Benedito. Fonte: Arquivo Fotográfico da Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Sobre a poluição do córrego da Prainha reconhecemos indícios históricos de negligência por parte do Poder Público municipal e estadual. A própria Prefeitura, através da Companhia de Saneamento da Capital (SANECAP), declara que até meados da década de 1950 não havia sistema coletor de esgoto em Cuiabá. Somente em 1952, foi contratada pelo Governo do Estado a empresa Saturnino de Brito, responsável pelo projeto e execução do Esgotamento Sanitário para Cuiabá. Cobrindo uma área de 627 ha na parte central da cidade, o projeto visava atender uma capacidade de 160,00 l/s e previa como estação de tratamento 08 módulos de 20,0 l/s, constando cada um com gradeamento, desarenação, tanque Imhoff e leito de secagem. O lançamento do efluente final da Estação Depuradora, seria no Rio Cuiabá à 36 metros da margem, por tubulação submersa. Desse projeto foram construídos até 1958, apenas 18,00 Km de rede coletora abrangendo a área formada pelas Ruas Comandante Costa, Prainha, Dom Bosco e Voluntários da Pátria (Centro antigo da cidade – bacia 17), 3.300 metros de coletor tronco ao longo do córrego da Prainha e um módulo de estação de tratamento, nas proximidades do cruzamento da Av. Senador Metello e Prainha (bairro do Porto), composto por tanque Imhoff e leito de secagem, demolidos em 1978, quando foi feita a duplicação e pavimentação do último trecho da Av. Tenente Coronel Duarte- Prainha. (SANECAP, 2007)
E ainda afirma categoricamente, sem nenhuma contrariedade, que a própria prefeitura direciona e escoa o esgoto para o córrego da Prainha, contrariando todas as Leis federais, estaduais e municipais de proteção e preservação do meio ambiente e seus recursos naturais. A negligência do Poder Público com o meio ambiente ainda é reflexo de uma 176
postura política ultrapassada, que justifica a destruição dos recursos naturais conforme as necessidades de expansão e desenvolvimento da cidade. (Figura 110)
Figura 110 Desembocadura do Córrego da Prainha no Rio Cuiabá, suas águas poluídas segundo a SANECAP são direcionadas para uma Estação Elevatória que, posteriormente, canaliza até uma estação com tanques para o tratamento há algumas quadras, nas proximidades da Avenida BeiraRio (sentido Leste). Porém, a imagem declara o córrego de águas escuras e poluídas sendo jogados diretamente no Rio Cuiabá. Fonte: MIRANDA & AMORIM, 2000: 01. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Atualmente essas redes continuam efetuando coletas de esgoto, entretanto, foram seccionadas em vários pontos em virtude de obras de drenagem realizadas nas vias públicas, tendo o seu escoamento para o canal da Prainha. (SANECAP, 2007)
A história de Cuiabá, bem como a história da Prainha, é um retrato de ocupação e espalhamento desordenado da cidade. A cidade compacta apresenta uma série de vantagens sobre a dispersa enquanto custos de infra-estrutura, deslocamento e minimização do impacto sobre as reservas naturais segundo o prof. Flávio J. M. Villaça (informação verbal)28;
porém,
irromper
seus
laços
históricos
desconfigurando seu
patrimônio
arquitetônico e apropriando-se dos recursos e reservas naturais, substituindo-os por obras da modernidade, é construir uma cidade densa e inabitável ao mesmo tempo. 28
O professor da FAU-USP, Dr. Flávio José Magalhães Villaça, em palestra de abertura realizada no dia 04 de setembro de 2007 pelo Seminário APP URBANA (no auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), debateu a questão do custo de uma cidade dispersa e uma cidade compacta. Tema muito discutido desde a década de 70. Villaça destacou que a cidade dispersa além de ser mais cara, sempre ocupou, poluiu e explorou maior área que a cidade compacta. 177
6.1 PERCORRENDO A PRAINHA HOJE Para melhor entendimento e reconhecimento da problemática urbana da área em questão, neste Capítulo se faz um caminho proposto ao pedestre que cruza a Prainha desde a sua cabeceira, passando pelo centro histórico e seu vigoroso comércio, até o encontro com o Rio Cuiabá. As imagens a seguir (Figura 111 a 124) deflagram situações limites de descaso, degradação, baixa qualidade ambiental e intenso fluxo de pessoas e veículos, mas também denotam um potencial inestimável como objeto de intervenção urbana utópica.
6.1.1 A NASCENTE URBANIZADA
Figura 111 À esquerda, vista atual da região do loteamento Consil, no Bairro Alvorada, local urbanizado sobre a nascente do córrego da Prainha. À direita, manilha que traz a água do córrego proveniente da nascente (água já poluída). Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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6.1.2 SUPERMERCADO MODELO - A INTERVENÇÃO NA DÉCADA DE 1990
Figura 112 À esquerda, intervenção feita pelo supermercado Modelo, como contrapartida social para ocupação de uma reserva permanente nas proximidades, Bairro Alvorada. À direita, manilha que traz a água do córrego proveniente da nascente da reserva ao fundo do Modelo. Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 113 À esquerda, Avenida Miguel Sutil (Perimetral), sobre a Prainha. À direita, manilha que conduz a água do córrego desviado sob a Avenida. Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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6.1.3 A PRAÇA ERNETE RICCI – INTERVENÇÃO DA DÉCADA DE 1970
Figura 114 À esquerda, Praça Ernete Ricci no Bairro Araés. À direita, travessa improvisada (utilizada por pedestres e veículos) sobre o córrego já bastante poluído. Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 115 À esquerda, erosão e descaso do poder público municipal. À direita, ligações ilegais da Sanecap, depositando resíduos e água pluvial no córrego. Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 116 Imagens do córrego adentrando sob a Avenida Ten. Cel. Duarte (já canalizado e coberto). Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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6.1.4 A AVENIDA TENENTE CORONEL DUARTE (AVENIDA DA PRAINHA)
Figura 117 À esquerda, cruzamento da Avenida da Prainha com a Av. Mato Grosso. À direita, vista da Prainha nas proximidades com o Chafariz do Mundéu, ao fundo (à direita da imagem) o Morro da Luz. Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 118 À esquerda, Largo do Mundéu e chafariz. À direita, parada de ônibus e Igreja Bom Despacho (ao fundo). Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 119 À esquerda, Avenida Prainha e comércios. À direita, cruzamento da Prainha com a Av. Isaac Povoas (em frente à Praça Ipiranga). Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
181
Figura 120 À esquerda, o antigo Quartel da Força Pública (1862), na Praça Ipiranga. À direita, Avenida da Prainha nas proximidades com a Igreja Nossa Srª Auxiliadora (1920). Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 121 À esquerda, o ponto de ônibus movimentado em frente à Igreja Nossa Srª Auxiliadora. À direita, Avenida da Prainha nas proximidades com o colégio São Gonçalo e comércios. Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 122 À esquerda, cruzamento da Prainha com a Av. Carmindo de Campos. À direita, o mesmo cruzamento observado para o sul com centro comercial popular à esquerda (Camelódromo). Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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6.1.5 O ENCONTRO COM O RIO CUIABÁ
Figura 123 À esquerda, parque popular entre as Avenidas Carmindo de Campos, Prainha e Beira Rio. À direita, final da Av. da Prainha e início da Av. Beira Rio. Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 124 À esquerda, estação elevatória de tratamento da Sanecap, que recebe as águas poluídas da Prainha. À direita, o despejo das águas poluídas no Rio Cuiabá. Fonte: Autor, 16/10/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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7. O PORQUÊ DA INTERVENÇÃO NO CONTEXTO ATUAL DA AVENIDA TENENTE CORONEL DUARTE Recuperar o centro das metrópoles nos dias atuais significa, entre outros aspectos, melhorar a imagem da cidade que, ao perpetuar a sua história, cria um espírito de comunidade e pertencimento. Significa também promover a reutilização de seus edifícios e a conseqüente valorização do patrimônio construído; otimizar o uso da infra-estrutura estabelecida; dinamizar o comércio com o qual tem uma relação de origem; gerar novos empregos. Em suma, implementar ações em busca da atração de investimentos, de moradores, de usuários e de turistas que dinamizem a economia urbana e contribuam para a melhoria da qualidade de vida, valorizando também a gestão urbana que executa a intervenção. VARGAS & CASTILHO, 2006: 05
A eleição da Prainha (Avenida Tenente Coronel Duarte) como objeto de intervenção urbana do Parque Linear decorre desses fatores apresentados, atendendo às exigências históricas, sócio-econômicas, culturais e religiosas, simbólicas, e, especialmente, climáticas e ambientais para a cidade de Cuiabá. Um outro ponto capital para a escolha da Prainha é o caráter consensual proeminente entre os urbanistas e estudiosos do tema quanto às necessidades justificadas de recuperação das áreas centrais. A literatura internacional em seus diversos estudos de casos relatados sobre o processo de retorno ao centro auxilia na compreensão desse recurso, direcionando períodos bem distintos sobre os objetivos e as estratégias para alcançá-los, no domínio de seus diferentes contextos. (VARGAS & CASTILHO, 2006: 05) Neste Capítulo discorre-se, exclusivamente, sobre os problemas diagnosticados e potencialidades determinantes que a intervenção urbana do Parque Linear da Prainha abarca em sua proposta, concatenando a utopia conceitual de cidade com o ideário de sustentabilidade urbana em suas distintas abordagens, como uma dialética essencial para a configuração de uma nova Cuiabá para o século XXI. Numa primeira parte justificada a partir da necessidade de recuperação da referência e identidade que denota a noção de pertencimento aos seus habitantes, bem como da história urbana e a necessidade de se considerar a infra-estrutura, serviços, equipamentos, rede de fluxos e circulação de mercadorias ou pessoas. Numa segunda parte, justifica-se a intervenção a partir da melhora significativa da ambiência urbana e geração de um microclima urbano qualitativo para Cuiabá, a partir de um grande parque arborizado (com a presença de extensas áreas verdes), sombreado, acessível, equipado e com grande presença de água. A potencialidade ambiental da área como objeto de intervenção e reinvenção urbana, possibilita a inserção também social e cultural, atendendo a demanda de espaços para lazer e qualificação profissional para todos, em especial à população mais pobre que habita a região. A popular cultura cuiabana sempre atrelada às festividades religiosas determina que 184
o Parque Linear da Prainha reserve espaços para sua manifestação. Partindo do pressuposto de que a cuiabania historicamente se dedicou a uma cultura rica e única – das danças de siriri e cururu, ritmos e ritos, viola de cocho, reco-reco, festas de santo, congado, artesanato ou culinária tradicional – sempre voltada para a receptividade e bom trato aos visitantes desde as monções bandeiristas do séc. XVIII, o potencial cultural da região concatena tranquilamente com a idéia de implementação turística atrelada à revalorização urbana da área. Ressalta-se que o turismo é importante para a cidade, tanto para a sua reafirmação cultural e sentido de identidade com o lugar, quanto também relativo a uma nova propulsão econômica e equilíbrio social, tendo em vista que a cultura cuiabana tem suas origens nas manifestações populares; o que possibilita a inserção das classes menos favorecidas aos meios de produção e consumo hoje excludentes e segregadoras. A cidade de Birmingham, na Inglaterra, passou por uma série de intervenções urbanas nas últimas décadas que promoveram uma melhoria considerável na qualidade de vida e ambiental da cidade a partir de uma boa resposta de desenho urbano. Houve, contudo, a integração entre os espaços públicos que permitiu uma maior acessibilidade e permeabilidade de fluxos pela cidade, o que reduziu a demanda por veículos automotores em detrimento do transporte público de qualidade, da bicicleta ou mesmo do caminhar à pé. Este último se tornou uma atividade de extremo prazer, face à qualidade da paisagem urbana, equipamentos, imagem e ambiente da cidade. O turismo é revigorado a partir dessas ações urbanísticas. Podemos situar várias razões para se promover o desenvolvimento do turismo urbano no atual contexto de mundo globalizado; partindo-se do envolvimento e participação dos diversos atores urbanos nos processos de decisão de projeto, já que a sustentabilidade do turismo depende da reconstrução (ou construção) e manutenção dos espaços urbanos com qualidade, a cidade tende a se perpetuar enquanto paisagem e projeto urbano bem elaborado. Para Barros (2004), o turismo urbano tem o papel de disciplinar e orientar as ações dos agentes urbanos (públicos e privados) para o desenvolvimento do mesmo; esse processo participativo, se implementado de fato, pode minimizar os impactos negativos que a indústria do turismo pode proporcionar nos recursos espaciais da urbe e, em contrapartida, otimizar a qualidade ambiental das cidades. O favorecimento de práticas culturais, através da criação de espaços físicos únicos e imaginativos, bem como a alternativa do caminhar ao automóvel, implementa uma consistente mudança de paradigma da vida urbana, bom para a saúde, para a mente e meio ambiente. Em um tecido central urbano descaracterizado e altamente degradado como o da região da Prainha em Cuiabá, a alternativa linear de um Parque Central restabelece uma nova noção de cidade no imaginário da coletividade urbana. A valorização da cultura, a inserção social, a 185
recuperação do patrimônio (arquitetônico, paisagístico e ambiental), a melhora da ambiência e clima urbano, entre outros fatores, promoverão um impulso na economia local terciária e a produção de uma nova cidade, com novos cidadãos. O turismo será, nesse contexto, uma conseqüência das ações urbanas de projeto, investimentos e gestão.
O turismo é uma das atividades que mais cresce atualmente no mundo. De acordo com o superintendente da Embratur, Nilo Sergio Felix, a indústria turística brasileira é o setor que mais cresce no país, gerando 9 milhões de empregos diretos e indiretos. O avanço tecnológico dos meios de transporte, a diminuição das jornadas de trabalho e o aumento das horas de lazer são apenas alguns dos fatores que explicam o extraordinário crescimento das atividades turísticas no globo. Neste contexto, os centros urbanos têm atraído, pelas mais diversas razões, um número crescente de turistas. O turismo urbano pode ser definido como a aglomeração de diversas atividades em uma cidade que resultam em um afluxo de viajantes. O turista urbano inclui vários tipos de viajantes, como por exemplo: participantes em congressos e eventos profissionais, culturais e esportistas, apreciadores de edifícios históricos, viajantes a negócios, assim como pessoas que visitam amigos e parentes. No mundo globalizado, há várias razões para se promover o desenvolvimento do turismo urbano. O turismo tem não apenas impulsionado o crescimento de várias economias urbanas, mas o desenvolvimento das atividades turísticas tem também contribuído para a melhoria da qualidade de vida urbana, beneficiando comunidades locais. (BARROS, 2004)
7.1 A INTERVENÇÃO NO CENTRO DE CUIABÁ ENQUANTO MEDIDA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL No decorrer do século XX, essencialmente no período após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), assistiu-se à dinâmica das proposições e indagações sobre a vida urbana e, decorrentes desse processo, as atividades dos centros urbanos. Para Vargas & Castilho (2006: 05), pode-se dividir os processos de intervenção urbana nas áreas centrais em três períodos principais: O de Renovação Urbana, entre as décadas de 1950 e 1960; Preservação Urbana, estabelecido entre as décadas de 1970 e 1980; e Reinvenção Urbana, movimento urbanístico principiado a partir da década de 1990, perfazendo seu ideário até os dias presentes. Para Vargas & Castilho (2006: 06), existem algumas motivações que conduzem às intervenções em centros urbanos. São elas: 1. Referência e identidade – Os centros têm um papel essencial quanto à identidade e à referência de seus cidadãos e visitantes; 2. História Urbana – O centro é o lugar onde se encontram as sedimentações e as estratificações da história de uma cidade; 186
3. Sociabilidade e diversidade – A variedade de atividades e a tolerância às diversidades reforçam o caráter singular dos centros urbanos em relação aos subcentros mais recentes; 4. Infra-estrutura existente – Nos centros das cidades, geralmente, há um sistema viário consolidado, saneamento básico, energia e serviços de telefonia, transporte coletivo, equipamentos sociais e culturais de diversas naturezas. O descarte dessa infra-estrutura, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental, é injustificável; 5. Mudanças nos padrões sócio-demográficos – Alterações como maior expectativa de vida e conseqüente envelhecimento da população; redução do número de componentes da família; ampliação do trabalho feminino, entre outros aspectos, facilita e conduz ao retorno de habitações nas áreas centrais; 6. Deslocamento pendulares – Estatisticamente, o centro de muitas cidades ainda se concentra um maior número de emprego. O retorno do uso residencial para o centro diminui sensivelmente a necessidade de movimento pendular diário entre moradiatrabalho; 7. Distribuição e abastecimento – Durante muitas décadas, vem ocorrendo a dispersão locacional dos negócios. Em diversas escalas, entretanto, os centros ainda retêm uma parcela da distribuição de bens e serviços. O alto fluxo de veículos, mercadorias e pessoas transformam o centro de Cuiabá em um lugar dinâmico e pulsante da vida urbana local, cortado pela Avenida Tenente Coronel Duarte – a Prainha. É um referencial simbólico da capital, bem como do Estado e Região; assim, marca-se pela presença das atividades terciárias (comércio, serviços, instituições, lazer etc), pois é uma região eleita historicamente para a implantação de diversas instituições públicas e religiosas. Contudo, a Prainha tem a sua centralidade fortalecida por todas essas determinantes, ou condicionantes, somadas e seu significado extrapola os limites da própria capital. Porém, a partir do momento histórico em que temos a expansão urbana, meados da década de 1970, seja de forma planejada ou espontânea, a noção de centralidade da Painha começa a se diluir com o surgimento de sub-centros, estes que passam a concorrer com o centro principal. Esse processo não se restringe à realidade cuiabana, pois foi, certamente, o responsável pela deterioração e degradação dos centros urbanos de diversas cidades que passam a ser, seja na Europa ou nas Américas, objetos de preocupação desde a década de 1950. No Brasil o processo de discussão sobre os centros se intensifica a partir da década de 1980. (VARGAS & CASTILHO, 2006: 02) A Prainha é o ponto por onde convergem os fluxos, trajetos e deslocamentos que propiciam o encontro, o descanso e o abastecimento; principalmente por conectar regiões ou 187
localidades urbanas distintas com o centro e a cidade de Várzea Grande. Assim, historicamente, se constituiu como um lugar de trocas comerciais e centro de mercado desde a exploração aurífera do século XVIII. Daí pode-se aplicar as diversas terminologias para o centro que se discorre pela história, como: centro histórico, centro tradicional, centro de mercado, centro de negócios, centro principal ou sinteticamente centro. Pode-se, atualmente, considerar a Prainha como um efetivo centro de mercado da cidade, no qual se agrega outras atividades como a de lazer, a religiosa, a política, a cultural, a financeira, a de comandos, a de comércio, atendendo até a noção de Centro de Negócios (Central Business District - CBD) citada por Vargas & Castilho (2006). A espacialização hierárquica somada à visão funcional do centro origina conceitos de centros principais, subcentros, centros regionais e locais conforme as atividades ofertadas por cada centralidade, seu raio de influência, volume de fluxos e redes. Dessa maneira, o centro se determina a partir de sua função e seu significado, tornando-se uma referência no tecido urbano estabelecido. Por sua vez, o conceito de Centro Histórico está atrelado à origem da cidade e, consequentemente, à valorização e constituição de seu passado (CARRION, 1998). Por vezes, a partir dessa visão, as demais áreas da cidade passam a se ausentar de um contexto histórico, ou diminuir sua contribuição pregressa na construção da cidade (MARCUSE, 1998). Em Cuiabá esse fato é presente quando analisado as ocupações dos históricos arraiais da Forquilha (Cóxipó do Ouro), São Gonçalo ou Bom-Sucesso (em Várzea Grande), ou os bairros importantes da década de 1940 e 1960 como o Bairro Popular e Cidade Verde, ou mesmo o CPA a partir dos anos de 1970. Todos contribuíram para a caracterização da atual configuração urbana de Cuiabá, porém são reféns de intervenções pouco questionadas. A imagem de deterioração e degradação iniciada na década de 1950 em Cuiabá, no seu processo de modernização e descaracterização da arquitetura e do traçado urbano colonial, consolida-se nas décadas seguintes com o crescimento e expansão da área metropolitana. Temos o congestionamento do centro com sua diversificação de atividades ao passo que surgem novas centralidades para concorrer, estas com novas funções e mais interessantes para se viver, morar ou trabalhar. Em Cuiabá assiste-se a tudo isso quando há a construção da Avenida Getúlio Vargas e as “Obras Oficiaes” (entre as décadas de 1930 e 1940) e, posteriormente, a implantação do Centro Político e Administrativo do Estado (final da década de 1960 e início de 1970); nesse intento há o êxodo de atividades tidas como “nobres”, e a diminuição de fluxos implementados principalmente pelas instituições públicas. O abandono dos casarões, a desvalorização dos imóveis, a ocupação por moradores ou usuários de menor poder aquisitivo, a substituição por atividades menos rentáveis, a informalidade e 188
mesmo atividades ilegais decorrentes transformam o centro histórico de Cuiabá em um local quase abandonado e muito violento. Ao passo que há uma queda na arrecadação de impostos, o poder público reduz a presença dos serviços de limpeza e segurança, corroborando com o cenário de degradação.
7.2 A INTERVENÇÃO NO CENTRO DE CUIABÁ COMO PARTIDO PARA UMA BIOCIDADE SUSTENTÁVEL FUTURA (...) o melancólico indivíduo metropolitano é um doente em parte imaginário, em parte real, sofrendo de nostalgia e da saudade da natureza ao relento. Esta moléstia, que pode agravarse a ponto de entorpecer qualquer vontade de uma mera inalação inconsciente de tantos por tantos metros cúbicos de oxigênio ou ozônio, mas com a visão sobre o verde, na representação da terna e cara mãe natureza. (...) nós, a cada ano, precisamos refugiar-nos junto à natureza, ao menos durante algumas semanas, para continuarmos suportando a cidade por mais um ano inteiro. Camilo Sitte – 1ª ed. de 1889 (1992)
Segundo Howard (1996), sobre a importância da função ecológica e de lazer do verde urbano na cidade, como exemplo de Paris, escreve que “(...) a reestruturação de Paris no século XIX visou proporcionar, dentre outras coisas, espaços abertos e verdes para melhorar a salubridade da cidade e o lazer de sua população”. Para Cavalheiro et al. (1999) definemse espaços livres os “(...) espaços urbanos ao ar livre, destinados a todo tipo de utilização que se relacione com caminhadas, descanso, passeios, práticas de esporte e, em geral, a recreação e entretenimento em horas de ócio. Os locais de passeios a pé devem oferecer segurança e comodidade (...)”. Quanto à questão ambiental, podemos enumerar alguns pontos que justificam a formação de uma ilha de calor na região do centro histórico de Cuiabá; face ao ambiente urbano local composto por excessos de ruídos, alta emissão de poluentes e resíduos no ar e na água, alteração significativa do regime de chuvas e ventos (principalmente devido à verticalização e impermeabilização do solo), formação de ilhas de calor, ilhas secas, ilhas de frio, inversão térmica, aumento do consumo de energia para o condicionamento artificial e transporte, etc. Acerca do condicionamento artificial dos edifícios e automóveis, este contribuiu decisivamente para mudança da vida urbana moderna. A possibilidade de se climatizar um ambiente para a moradia, trabalho e transporte isolados do exterior liberam as construções e veículos das preocupações climáticas. Assim, o condicionamento artificial permitiu o desenvolvimento de mega-estruturas cujo aquecimento, refrigeração, umidade e iluminação dependem exclusivamente de sistemas mecânicos programados. Dessa forma, as cidades deram as costas para o ambiente externo, tornando-o cada vez mais o lugar da 189
contaminação, varridos por ventos de inverno ou sufocados pelo calor do verão. A preocupação exclusiva com o micro-clima interior nega o papel de condicionante climático do espaço exterior, por sua vez os micro-climas urbanos crescentemente insalubres justificam a confiança nos micro-climas internos controlados. (HOUGH, 1998) Segundo Duarte & Serra (2003: 08) e Spirn (1995), cada cidade é composta por um mosaico de micro-climas distintos; os mesmos fenômenos que caracterizam o meso-clima urbano se fazem em miniaturas por toda cidade, formando-se pequenas ilhas de calor, bolsões de poluição atmosférica e diferenças locais no fluxo dos ventos. Porém, esse mosaico também pode ser criado intencionalmente através do projeto dos espaços externos na cidade. Quando as condições naturais não são favoráveis, a criação de um micro-clima mais ameno é essencial para incentivar, ou possibilitar, o uso das áreas externas. A preocupação de se planejar uma proteção total ou parcial para pedestres criando conexões entre os edifícios com passagem sombreadas é comum às cidades de climas extremos, porém, com freqüência regulamentações impositivas inviabilizam essas soluções. Para Katzschner (1997) é necessário estabelecer uma estrutura de integração entre as escalas climáticas com o planejamento e projeto urbano como possibilidade de se integrar o clima urbano qualitativo ao processo de planejamento das cidades. Para Assis (2000) é plenamente possível
alcançar
e
preservar
boas condições climáticas nos recintos
urbanos;
principalmente no que se refere ao conforto térmico, através do planejamento e da implementação de instrumentos reguladores, analisando a variável da geometria da malha urbana e a partir de uma melhor ordenação e implantação dos edifícios em um determinado local, isso proporcionaria maior controle e acesso à iluminação natural para economia de energia e, conseqüente melhora da ambiência urbana. A vegetação urbana é um fundamento ambiental determinante na constituição de um microclima urbano qualitativo. Ela atua sobre elementos climáticos nos microclimas urbanos contribuindo de diversas formas, desde o controle da radiação solar, temperatura do ar, umidade, ação dos ventos e das chuvas, e poluição do ar, sombreamento (MASCARÓ, 2004: 65); como também estabilização de determinadas superfícies, interação entre as atividades humanas e o meio ambiente, fornecimento de alimentos, proteção das nascentes e mananciais, organização e composição de espaços no desenvolvimento das atividades humanas,
valorização
visual
da
paisagem,
segurança
para
as calçadas
(verde
acompanhando as vias rápidas), recreação, quebra da monotonia das cidades, efeitos psicológicos e relaxantes, estabelece uma escala intermediária entre o homem e as construções, etc; (NUCCI & CAVALHEIRO, 1999). Sendo que os elementos que diferenciam as áreas residenciais uma das outras é a percentagem destinada à cobertura vegetal por unidade de habitação. 190
A vegetação pode estar em área pública ou privada, porém, sua presença efetiva e dispersa demarca áreas urbanas de qualidade ambiental (DUARTE & SERRA, 2003: 09). Lucia Mascaró (2004: 65) afirma que “A vegetação atua sobre os elementos climáticos em microclimas urbanos, contribuindo para o controle da radiação solar, temperatura e umidade do ar, ação dos ventos e da chuva e para amenizar a poluição do ar”. Porém, a vegetação do ponto de vista do ruído urbano e poluição sonora, a vegetação é praticamente nula, entretanto as áreas verdes exercem um efeito psicológico, escondendo a fonte de ruído. (DUARTE & SERRA, 2003: 10) Também podemos destacar a relação entre a vegetação e a temperatura do ar, pois “a influência da vegetação na temperatura do ar está relacionada ao controle da radiação solar, do vento e da umidade do ar. Sob grupamentos arbóreos, a temperatura é de 3º C a 4º C menor que nas áreas expostas à radiação solar. A diferença se acentua com a redução do deslocamento entre as áreas ensolaradas e sombreadas e com o aumento do porte da vegetação” (MASCARÓ, 2004: 75). A partir da pesquisa sobre microclimas urbanos (GOUVÊA, 2002: 52-62) realizada em Brasília e em algumas cidades satélites, no ano de 1994; verificou-se diferença considerável entre o piso de grama exposto ao sol e na sombra sob as árvores, chegando a 10º C (a 1,20 m de altura do solo) e de até 23,2º C (diretamente sobre o piso) na época seca, principalmente nos horários de 12h e 15h. Esse estudo é muito importante em especial para à região Centro-Oeste de clima tropical de savana (ou de cerrado, em condições climáticas semelhantes à de Cuiabá), por ser específico à essas condições climáticas de clima seco, quente e ausente de interferências das correntes marítimas. Gouvêa (2002: 92) também estabelece uma série de critérios para a organização do espaço urbano, dentre elas a sugestão de respostas em desenho urbano de parques, equipamentos, vias, densidade e formas. Ressalta que, no que tange à vegetação na organização das ruas e vias, sugere a organização de caminhos de pedestres sombreados, utilizando o tipo de vegetação arbórea de copa perene, de preferência nativa do cerrado, compatível com a hierarquia viária e dimensão dos espaços disponíveis. Quanto à proporção e distribuição da vegetação em áreas urbanas, diversos autores como Assis (1990), Givoni (1991; 1998) e Spirn (1995), recomendam a distribuição pelo espaço construído em cada lote urbano, pois o efeito climático é extremamente localizado. Sobre isso, Mascaró (2004: 76) ressalta que: “O controle da radiação solar, associado ao aumento da umidade do ar, faz com que a variação da temperatura do ar seja menor, reduzindo a amplitude térmica sob a vegetação, sendo maior durante o verão, pois a densidade foliar e a evapotranspiração das plantas são mais intensas. A amplitude térmica sob grupamentos (arbóreos) é sempre menor que sob árvores isoladas”.
191
Assim, um parque único de tamanho limitado faz pouca diferença nas regiões além de seus limites. Contudo, a divisão de áreas verdes em um maior número de pequenos parques espalhados por toda a cidade, estende sua ação climática a uma área muito maior e, consequentemente, beneficia um número muito maior de habitantes. Cada área da cidade deve ter uma parcela de área verde e superfície de água para criar no seu entorno condições confortáveis de ambiência higrotérmica e de qualidade de ar mais adequadas, especialmente em regiões de climas secos e quentes como a de Cuiabá – com um clima tropical continental de savana (MASCARÓ, 2004: 16) – castigada por longos períodos de estiagem e baixa umidade relativa do ar. Para Duarte & Serra (2003: 09) os parques urbanos devem atuar como elementos de ligação entre os bairros, compartilhando equipamentos e serviços, porém a vegetação altera efetivamente o clima urbano e a filtragem do ar quando está distribuída também ao redor dos edifícios e em diversas áreas da cidade, pois assim as construções passam a não dominar a paisagem urbana, mas sim se integram a ela. Segundo Jambor & Szilágyi (1984, apud NUCCI, 2001) os espaços livres devem respeitar as seguintes proporções de área, por habitante, dentro das cidades: “Em cidades com mais de 10.000 habitantes um total de 21 a 30 metros quadrados de espaços livres públicos por habitante deve ser assegurado, e dividido da seguinte forma:
- de 7 a 10 m² (metros quadrados) por habitante devem estar junto às habitações formando jardins residenciais isolados dos distúrbios do tráfego, industriais, etc. - de 7 a 10 m² (metros quadrados) por habitante devem formar parques de vizinhança públicos, situados no máximo a 400 metros das residências. Devem facilitar, diariamente e nos fins de semana, as atividades esportivas e recreação ao ar livre. - de 7 a 10 m² (metros quadrados) por habitante devem formar parques urbanos ou distritais de 20 a 80 ha, com um raio de ação de 2 a 3 km (...)”(op. cit.).
Conforme os estudos de Oke (1973b) no Departamento de Geografia da University of British Columbia, em Vancouver, Canadá, quando se tem uma área com 20% da superfície verde, a energia
radiante
é
absorvida
quase
que
exclusivamente
nos
processos
de
evapotranspiração, e não para aquecer o ar. Assim, define-se que para a melhoria do clima urbano, a vegetação apresenta duas vantagens principais: o sombreamento e o resfriamento indireto do ar por evapotranspiração das folhas (OKE, 1987). Porém, é necessário estabelecer um limite máximo de 30m² por habitante de uma maneira geral (Ibid.). Gouvêa (2002: 103) determina que se deva observar um dimensionamento mínimo de 5 m² por habitante ou 0,6% da área total parcelada para praças e largos, computada dentro dos 15% de área verde destinada por projeto. As praças devem ter uma diferenciação física, sendo recomendado dimensões acima de 4.000 m², com organização espacial tanto para o 192
lazer passivo quanto para o ativo. O mesmo autor trata que as praças devem ser projetadas em vários níveis, utilizando-se da topografia, vegetação gramínea, arbustiva e arbórea para geração de um microclima adequado, reter a poeira em suspensão (ROMERO, 1985), e melhorar o percentual de umidade do ar. A instalação de esguichos e localização de espelhos d’água também são essenciais para equilíbrio do ar seco e quente de Cuiabá. Deve-se estabelecer a seguinte hierarquia de parques, seguindo o dimensionamento computado dentro dos 40% de área livre e dos 15% destinados para áreas verdes (GOUVÊA, 2002: 103):
Parques e Praças de Vizinhança: dimensionamento com uma área mínima de 6.000 m² (podem estar dissociadas em áreas de até 1.000 m²); atendendo a 10.000 habitantes num raio de influência de 600 m;
Parque de Bairro: deve estar localizado em área de fácil acesso ao bairro, seja a pé ou por transporte coletivo e ter área mínima de 20.000 m²;
Parque da Cidade: caracteriza-se por sua localização privilegiada em relação à cidade como um todo, sendo facilmente acessado por transporte coletivo. Seu dimensionamento mínimo deve obedecer às diretrizes do Plano Diretor ou adotar o dimensionamento mínimo do parque de bairro. Sugere-se implantá-lo sempre que possível em área contígua a cursos d’água existentes.
Dentro da classificação apresentada por Gouvêa (Ibid.), o Parque Linear da Prainha se enquadra na modalidade de Parque da Cidade, face às suas características geográficas e de localização no tecido urbano de Cuiabá. A cidade de Cuiabá, segundo Duarte & Serra (2003: 11), apresenta algumas características geográficas que determinam seu quadro climático urbano desfavorável, a começar por sua localização em área tropical continental, sem influência marítima, onde já foi identificada grande interferência do solo urbano na formação de ilhas de calor (MAITELLI, 1994); outro agravante é o fato da zona urbana estar situada em uma depressão geográfica que faz com que a freqüência e velocidade média dos ventos sejam extremamente baixas, diminuindo o efeito das trocas térmicas por convecção e destacando ainda mais a ação do espaço construído sobre a temperatura do ar. A cidade de Cuiabá também apresenta uma característica peculiar de cidade colonial que se transformou em capital, se modernizando e se adaptando às novas funções, diferentemente de outras capitais como Ouro Preto (MG) e Goiás Velho (GO), que foram substituídas por novas capitais planejadas: a de Belo Horizonte (MG) e a de Goiânia (GO). Por outro lado, a região central e histórica da cidade
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detém uma aridez da paisagem urbana incomum, ausente de arborização e de água, tornando crítica a ambiência urbana na região da Prainha. A confirmação empírica da existência de uma discrepância térmica decorrente da formação de ilha de calor no centro de Cuiabá foi feita através da pesquisa realizada por Denise Helena S. Duarte (Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética, FAU-USP) e Geraldo Gomes Serra (Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo, FAU-USP); que resultou no artigo publicado sob o título de Padrões de Ocupação do solo e microclimas urbanos na região de clima tropical continental brasileira: correlações e proposta de um indicador (2003). As medições foram efetuadas entre as estações de seca, em agosto de 1998, e chuvosa, janeiro/fevereiro de 1999, respectivamente, cada período com leituras simultâneas em seis dias que se alternaram de hora em hora (entre 8h e 20h) e em três horários estipulados (8h, 14h e 20h). O objetivo dessa pesquisa era identificar, a partir da diversidade morfológica da cidade, as relações entre diferentes configurações urbanas e a distribuição de parâmetros microclimáticos dos espaços externos, como também determinar a uniformidade dos elementos morfológicos dentro de cada área escolhida. Essas áreas selecionadas apresentam padrões distintos de ocupação urbana, porém com altitudes muito próximas. São elas: as estações meteorológicas da UFMT e INMET; além dos três pontos na área central: Morro da Luz (centro antigo), a Avenida do CPA (de ocupação recente, verticalizada e contígua à Prainha), e o Bairro Araés (nas proximidades da nascente do córrego da Prainha, de ocupação horizontal e de boa arborização nos quintais). Também foram selecionados o bairro periférico Pascoal Ramos, a aproximadamente 15 km do centro, e o Horto Florestal, a 5 km do centro, local como representativo das condições climáticas regionais e pouca intervenção climática urbana. O resultado das análises (Figura 125) expressa que há um caso crítico no Morro da Luz, local que apesar da boa arborização e altitude em relação à Prainha, não obstante ainda é objeto de ação da ilha de calor cuiabana com temperatura média acima dos 30°C. Temos também na região do Morro da Luz, as maiores taxas de ocupação e coeficientes de aproveitamento brutos e taxa nula de água que, apesar da presença de arborização (maior que a percentagem bruta da Avenida do CPA), têm-se as maiores temperaturas médias nos períodos de seca e chuva. (Figura 126)
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Figura 125 Médias das temperaturas registradas às 8h, 14h e 20h, nas duas estações de seca (agosto de 1998) e de chuva (janeiro/fevereiro de 1999), e as diferenças médias de temperatura em relação ao caso mais crítico, o Morro da Luz (em vermelho). Fonte: Autor (nov./2007) – adaptado de DUARTE & SERRA (2003: 13), 2000: 01. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 126 Taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, percentagem de superfícies d’água e de arborização brutos versus média das temperaturas registradas às 8 h, 14 h e 20 h durante as estações seca e chuvosa. Fonte: Autor (nov./2007) – adaptado de DUARTE & SERRA (2003: 13), 2000: 01. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
7.3 A RUPTURA DE PARADIGMAS NA INTERVENÇÃO URBANA A intervenção na região da Prainha pressupõe o respeito à história da cidade e seu patrimônio (ambiental e arquitetônico), sua posição funcional e importância para a estrutura 195
urbana. O processo de deterioração urbana ao qual têm passado tal região, por si só, não justifica sua intervenção. Contudo, sua posição histórica, simbólica, social, econômica e ambiental, fortalecidas pelo intenso fluxo de pessoas, veículos, mercadorias e serviços que decorrem de sua centralidade no tecido, concatenam para esse caminho de reinvenção urbana, mesmo que utópica, através do Parque Linear da Prainha. O objeto de reinvenção urbana, utópico e visionário como já fora citado, é praticamente inimaginável nas condições atuais de centro consolidado, denso, com altíssimas taxas de ocupação do solo urbano e índice de aproveitamento. O córrego da Prainha não está presente no imaginário coletivo, seja nos moradores mais recentes da cidade ou até naquele que já tem seus 30 anos de idade, pois sua exploração, canalização, poluição e desvalorização se fazem muito mais evidentes para a atualidade do que seu passado virtuoso já distante, este que só se apresenta nos moradores mais antigos e saudosos da secular Cuiabá. No contexto contemporâneo a Prainha, da forma que está posta, é a realidade, e da forma proposta neste trabalho, uma utopia. Daí surge o sentido de ruptura de paradigmas a partir da intervenção urbana. Temos a fronteira concreta e do imaginário coletivo de uma consolidação urbana de centro. Temos os limites e fronteiras atuais colocados para as ações dentro do tecido urbano de Cuiabá, seja pelo Poder Público, seja pela sociedade em geral. Temos um urbanismo atual calcado em custos limitadores, estatísticas pontuais, planilhas orçamentárias padrão, licitações públicas de reduzidos investimentos e, acima de tudo, a aceitação interessada de se manter as coisas como estão em vários segmentos de poder econômico e político. Diante desses entraves, propor uma cidade ecológica, ambientalmente e socialmente equilibrada, em conformidade com o conceito de sustentabilidade urbana desejado e em consonância com o Plano Diretor e Estatuto das Cidades, é o limite e o objetivo que este projeto se propõe a atingir através do Parque Linear da Prainha.
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8. O “PARQUE LINEAR DA PRAINHA” EM CUIABÁ: UMA PROPOSTA UTÓPICA? Para reencontrar o espírito de uma obra, um objeto, um parque, uma arquitetura [...] é preciso que ele represente uma alegria, um desafio, que envolva o fortuito. [...] Esta seria a forma de um objeto que voltou a ser cidade, onde seria novamente possível mover e não apenas trafegar, onde andar a pé, brincar a pé e repousar deixariam de ser uma fantasia. Sonhar sempre é possível. Jean Baudrillard
O projeto para o Parque Linear da Prainha se fundamenta sobre dois pontos primordiais e norteadores das condicionantes urbanísticas: a potencialidade ambiental e turística da área. A primeira nos remete a uma necessidade que se faz urgente nas cidades contemporâneas, face aos diversos desmembramentos possíveis a partir de uma recuperação ambiental, paisagística e topográfica do córrego da Prainha. A segunda, como potencial turístico, refere-se à valorização da área central da cidade através da recuperação e revitalização do centro histórico e sua conexão com a antiga região do Porto. A criação de áreas de convívio para a população e conseqüente revigoramento do comércio local e do turismo nos remete aos períodos áureos da Cuiabá dos séculos XVIII e XIX, fazendo-se assim a ponte entre a contemporaneidade urbana e o passado cultural e histórico da cuiabania. (Figura 127) Os recursos hídricos que, dentro do contexto atual de discussão sobre a água como patrimônio ambiental (KAHTOUNI, 2004), limitado e estratégico, no caso da Prainha tem sido refém de intensa poluição por esgotamento doméstico e mal uso de seu entorno. A Prainha, assim como os demais córregos, rios e ribeirões urbanos de Cuiabá, está em deplorável estado de preservação e manutenção de seus recursos. Muitos destes estão inseridos em áreas densas e ocupados desordenadamente que, apesar de muitas vezes possuir rede de coleta e tratamento ativados, tem em seu leito centenas de ligações clandestinas de esgoto lançado diretamente, sem nenhum tipo de tratamento ou separação de resíduos. Quanto ao potencial turístico, este só reforça a necessidade de uma intervenção urbana sistemática e divida em etapas bem definidas, amarrando a recuperação ambiental com a implementação turística da área. A criação de áreas de lazer e convívio, a conexão com museus e institutos públicos, muitos já instalados no centro histórico, a arborização efetiva, intervenção no sistema viário e topografia, a aplicação de projetos de educação ambiental e instalação de diversos equipamentos urbanos; estes são repertórios de projeto que tornariam concreta a integração entre a população cuiabana com a sua história e cultura, através de um novo ambiente urbano de qualidade e implementando a efetiva cidadania prevista na Constituição Federal. 197
A utopia surge como uma proposta conceitual de legitimação de uma idéia de projeto, não mais como uma obra irreal ou visionária, mas sim completamente possível ao seu tempo e espaço. A mesma utopia, quando apoiada em referenciais técnicos de projeto e obedecendo às condicionantes legais, ambientais, histórico-culturais e sociais, torna-se um objeto possível e muito mais concreto para os tempos atuais que a Atlântida de Platão ou na Utopia social de Thomas Morus.
Figura 127 Vista da Prainha já em 1972, a Avenida Tenente Coronel Duarte ainda não havia se prolongado depois da rotatória das Igrejas (local da antiga “Ponte da Confusão”), em sentido à sua cabeceira. Fonte: SIQUEIRA, 2006: 34. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Através da implementação projetual do Parque Linear da Prainha, a utopia torna-se mera ferramenta teórica, pois a proposta se baseia na real aplicação das Leis (Federal, Estadual e Municipal); das diretrizes e necessidades apresentadas pela comunidade local ao Plano Diretor de Cuiabá; na integração entre o passado e o presente de uma cidade hoje caótica, poluída, sem qualidade ambiental e de vida. Cidade na qual o cidadão não se sente participante ou mesmo se identifica e cuida dela. (...) Esse tipo de exercício criativo, quando não apoiado na revisão sistemática de conhecimentos objetivos sobre as dimensões de utilidade social e viabilidade técnica, que também compõem o âmbito de formação e pesquisa em arquitetura, envolve um risco simultâneo de alienação e inutilidade, na medida em que não conduza nem a uma ampliação do conhecimento fundamental e nem à perspectiva de uso. A legitimação da utopia, como exercício de pesquisa em projeto, se dá quando o objeto de sua especulação gradualmente se transfere para os demais quadrantes, ampliando a base de conhecimento ou preenchendo 198
uma perspectiva futura de uso, como no caso da proposta visionária de Tony Garnier. Mas o exercício criativo baseado na livre especulação, que se perpetua no quadrante do conhecimento não-estruturado, tende à alienação e à inutilidade. (SILVA, 2005)
A ruptura de um processo de globalização e universalismo mundial é necessária quando o atual sistema de desenvolvimento global se apresenta insustentável, ameaçando a permanência do homem e das demais espécies no Planeta. A destruição das culturas regionais, do patrimônio histórico e artístico, a segregação e exclusão social é resultado de uma nova ordem mundial. O processo de acúmulo de capital e fortalecimento das corporações empresariais transnacionais em detrimento do enfraquecimento do poderio legal e administrativo dos países periféricos diminui a possibilidade de se implantar programas nacionais de benefício social e coletivo. Dessa forma, os países pobres e em desenvolvimento tornam-se passivos da pressão das grandes corporações, que buscam recursos e incentivos fiscais para atuarem nessas nações, e estes passam a investir cada vez menos em projetos sociais, educacionais ou de distribuição de renda. 29
(...) Estamos decerto diante de um grande desafio não só para os desenhistas urbanos , mas para qualquer cidadão – as nossas cidades são apenas a fachada mais visível da atual mundialização desintegradora do capitalismo. Explicando melhor: a subproletarização é um fenômeno mundial, o desemprego, e sobretudo a legião crescente dos que nunca estarão no mercado de trabalho, e a conseqüente “squaterização” ou até mesmo a ausência de moradia cria subcidades. (ARANTES, 1998: 139)
O processo de canalização e retificação do córrego se dá paulatinamente a partir da década de 1960, com a abertura da Avenida Tente Coronel Duarte (1962) e decorrentes obras de intervenção na área. A insalubridade, mau cheiro provocado pelos odores emitidos pela poluição das águas e a proliferação de insetos e ratos, que obrigam o Poder Público ao imediatismo: a cobertura do córrego (1979). A partir de então, a Prainha passa a ser somente uma via estrutural sem nenhuma relação com seu antigo nome, marcando o processo de modernização de Cuiabá e ressaltando a presença do automóvel em seu sistema viário, ao passo que se intensificava a degradação ambiental dentro da urbe. (Figuras 128, 129 e 130)
29
O termo desenhistas urbanos é utilizado por Otília Arantes (1998), como um conceito pejorativo dos procedimentos de desenho urbano sem a intermediação com o planejamento. Assim, o desenho segundo ela torna-se um exercício inteligível e que pouco se relaciona com a vida urbana, justamente por que esse procedimento de projeto não engloba questões mais complexas dentro do quadro crítico da sociedade contemporânea e sua caótica urbanidade. 199
Figura 128 Na década de 1970 também ocorrem ocupações e intervenções mais agressivas sobre o Córrego. A exemplo da canalização da cabeceira e da urbanização de uma Praça Ernete Ricci junto à Prainha, no Bairro Araés. Fonte: Acervo Fotográfico da Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 129 Imagem atual da Praça no Bairro Araés. A ausência do Poder Público e poluição intensa da água resultaram na marginalidade e violência local, assim os moradores deram as costas ao lugar com seus muros altos. Fonte: Autor, 27/07/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
É necessário ressaltar que as transformações urbanas ocorridas em Cuiabá não diferem dos modelos de intervenções urbanísticas deflagrados pelo Brasil a cada época. Portanto, 200
apesar de atualmente ser constatado os erros pregressos, na época, as obras estavam condizentes com o modelo adotado seja na década de 1960, 1970 ou 1980. A compreensão histórica desse percurso de transformações urbanas ocorridas é essencial para se identificar as condicionantes locais, suas origens, seus problemas, apreendendo a partir daí suas potencialidades utópicas ou não. Esse caráter investigativo fornecerá subsídios para que uma proposta utópica e transformadora possa ser possível e realizável.
Figura 130 Na cabeceira do córrego, próximo à nascente no Bairro Alvorada, a própria Prefeitura Municipal se encarregou de lançar o esgoto no córrego. Fonte: Luiz da Rosa Garcia Netto, 17/09/2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Assim, o Parque Linear da Prainha constitui-se em projeto de intervenção urbana radical, pois propõe uma drástica ruptura de um paradigma de cidade reflexo da histórica falta de planejamento urbano e regional no Brasil, já que as cidades sempre estavam reféns de transformações feitas de forma inadequada. Olhar para o horizonte urbano da capital de Cuiabá desperta no urbanista uma necessidade de mudança face aos problemas de trânsito, 201
violência, poluição e caos urbano, que dissocia o indivíduo de sua história, de sua cultura, da sua natureza, enfim, de sua cidade. Talvez a utopia seja o único caminho possível para construirmos uma nova cidade, ausente de re-vitalizações superficiais e que não são assumidas pela sociedade. Muito pelo contrário, a utopia do Parque Linear da Prainha busca fazer a ponte com seu passado, prefigurando um novo futuro sustentável.
8.1 ABAIRRAMENTO DA REGIÃO DE INTERVENÇÃO, COMPREENSÃO DO ENTORNO E DETERMINANTES DE PROJETO A Avenida da Prainha, ou Avenida Tenente Coronel Duarte, é uma via estrutural que define um eixo de divisão entre a Região Leste e Oeste da cidade de Cuiabá (IPDU, 2007). Por corresponder a uma linha central do tecido urbano, a avenida corta bairros antigos e com densidade alta (entre 57,4 e 86,02 hab./ha.), como os Bairros dos Araés, da Lixeira e Dom Aquino. Bairros de densidade média (entre 28,77 e 57,39 hab. /ha.), como o Alvorada, do Baú, dos Bandeirantes, Centro Norte, Centro Sul e do Porto. E apenas o Bairro do Terceiro com densidade média baixa (entre 11,05 e 28,76 hab./ha.). A proposta do para o Parque Linear da Prainha como projeto utópico abarca o eixo que é definido em três etapas temporais de ocupação da cidade de Cuiabá, subdividida em setores para melhor entendimento, iniciada primeiramente das minas do Rosário e atual centro histórico (SETOR 1), ainda no século XVIII. Depois, seguindo a cronologia histórica, temos a ocupação da região do Porto Geral e formação dos primeiros comércios e núcleos de habitação (SETOR 2). E por fim a união entre esses dois pólos de desenvolvimento urbano de Cuiabá (SETOR 3), (Figura 131). Para melhor compreensão dessa setorização, segue-se as delimitações de cada área abaixo:
SETOR 1 – Se inicia com a nascente do córrego da Prainha, no divisor de águas do Bairro Alvorada (onde até 12 de março de 1974, através da promulgação da Lei Municipal n.º 1.346, era determinado como o limite do Perímetro Urbano da capital), passando pelo encontro com a Avenida Historiador Rubens de Mendonça onde, a partir daí, passa a ser canalizado sob a Avenida Tenente Coronel Duarte (popularmente chamada de Avenida da Prainha). Depois, corta área do centro histórico da cidade e sua área de tombamento (entorno) até a Travessa Cel. Poupino, limite de tombamento após a Praça Ipiranga e antigo Quartel da Força Pública (edifício de 1862). O SETOR 1 engloba os bairros do Alvorada, do Araés, do Baú, da Lixeira, do Centro Norte e dos Bandeirantes;
202
SETOR 2 – Abarca a Região do antigo Porto Geral, entre os Bairros do Porto e do Terceiro, limite com as Avenidas Carmindo de Campos e Senador Metelo;
SETOR 3 – A partir da Praça Ipiranga até as Avenidas Carmindo de Campos e Senador Metelo, passando pelo Centro Sul e Bairro Dom Aquino.
Figura 131 Inserção de imagem na área de intervenção e abairramento do Parque Linear da Prainha em Cuiabá. Abairramento SETOR 1: 07-Bairro Alvorada; 24-Bairro dos Araés (parcial Leste); 52Bairro do Baú; 53-Bairro da Lixeira; 54-Bairro dos Bandeirantes e 19-Centro Norte; SETOR 2: 21Bairro do Porto e 71-Bairro do Terceiro; e SETOR 3: 20-Centro Sul e 70-Bairro Dom Aquino. Fonte: Montagem do Autor, 2007/Mapa do IPDU, 2003/Imagem de Satélite -Google Earth, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O Parque Linear da Prainha atende, diretamente, à população residente em nove bairros da cidade, o que totaliza cerca de 57.940 habitantes, segundo os dados do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU, 2007), secretaria da Prefeitura Municipal de Cuiabá. Os bairros mais populosos dessa área são respectivamente: Dom Aquino (com 203
13.067 hab.), Alvorada (12.267 hab.), do Porto (9.335 hab.), Araés (5.538 hab.), da Lixeira (4.801 hab.) e Centro Sul (4.551 hab.). Os menos populosos são: dos Bandeirantes (1.193 hab.), do Terceiro (2.110 hab.), do Baú (2.271 hab.) e Centro Norte (2.807 hab.). Para melhor dimensionamento dos equipamentos urbanos e infra-estruturas necessárias para cada setor do projeto, foi elaborado um estudo sistemático com base nos dados oficiais divulgados pela Prefeitura Municipal de Cuiabá, no ano de 2007. Através da análise do IPDU sobre o Perfil Sócio Econômico dos Bairros de Cuiabá, estudo este realizado em maio de 2007, fica estabelecido que o SETOR 1, 2 e 3 tenha as seguintes estruturas etárias conforme está colocado nas Tabelas 6, 7 e 8. Abaixo temos a tabela referente ao SETOR 1, maior área de intervenção do projeto, na qual também se tem a maior concentração populacional (28.877 hab.):
Tabela 6 Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 1 do Parque Linear da Prainha. Os dados demonstram a distribuição equivalente entre as faixas, exceto entre 25 e 59 anos, tendo em vista a maior concentração etária (34 anos).
Faixa Etária (anos) 0-4 5-9 10 - 14 15 - 19 20 - 24 25 - 59 60 e.d. TOTAL
Alvorada
Araés
Baú
Lixeira
Bandeirantes
Centro Norte
TOTAL
%
962 1.020 1.252 1.344 1.253 5.717 719 12.267
338 350 479 622 598 2.634 517 5.538
95 132 179 275 272 1.105 213 2.271
337 395 424 486 586 2.109 464 4.801
52 85 93 135 119 562 147 1.193
139 151 208 271 272 1.313 453 2.807
1.923 2.133 2.635 3.133 3.100 13.440 2.513 28.877
6,66 7,39 9,12 10,86 10,73 46,54 8,70 100,00
Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O SETOR 1, composto por seis Bairros, a Oeste o Alvorada, Araés e Centro Norte, enquanto que a Leste temos Baú, Lixeira e Bandeirantes. Com área de 549,77 ha, além de possuir o maior e mais rico repertório arquitetônico da história de Cuiabá também tem a maior área de intervenção. Apesar de índices médios altos de escolaridade (de 11 a 14 anos de tempo médio) e renda (Média Alta, média de 14,32 Salários Mínimos) por domicílio, temos bolsões de pobreza em todos os bairros desse Setor. Boa parte da população pobre, principalmente nos bairros Araés e Centro Norte, são residentes há décadas ou mesmo gerações nessa área, apresentando traços culturais expressivos e vinculados às festividades de datas religiosas da igreja católica. Porém, a falta de condições econômicas e de amparo pelo poder público a essas famílias interfere na manutenção do patrimônio arquitetônico das casas de taipa ou adobe colonial, principalmente na área de tombamento do entorno entre o 204
denominado Setor da Mandioca, Setor do Rosário (Bairros do Baú e da Lixeira), e Setor da Praça Bispo Dom José e Morro da Luz (Bairro dos Bandeirantes). No Centro Histórico, também pertencente ao Bairro Centro Norte, temos a descaracterização do patrimônio arquitetônico ou pelo abandono de muitos casarões (a exemplo da Gráfica Pepe ou Casa Orlando, ambos encontram-se em ruínas), ou mesmo pela intervenção de comércio sem a devida fiscalização. (Figura 132, 133 e 134)
Figura 132 SETOR 1: A imagem apresenta o divisor de águas no Bairro Araés em vermelho, área consolidada que ocupou a nascente do Córrego da Prainha. Em amarelo, área de preservação na qual se localiza uma nascente afluente do Prainha e parcialmente ocupada por uma grande rede de Supermercados da cidade (Supermercados Modelo). Acima e à esquerda a Rodoviária Municipal em azul. A área delimitada em verde se constitui no Córrego canalizado. Fonte: Google Earth, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
205
Figura 133 SETOR 1: A Avenida Tenente Coronel Duarte, logo quando se canaliza a Prainha em azul. Em vermelho a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em amarelo, Igreja Senhor dos Passos, ao lado do Misc e próxima ao Iphan. Fonte: Google Earth, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Figura 134 SETOR 1: Segue-se a Avenida Tenente Coronel Duarte, e Morro da Luz em verde. Ao Longo da Avenida Getúlio Vargas temos em vermelho a Igreja da Matriz e Palácio da Instrução, logo à frente da Praça da República, prédio dos Correios e Museu do Thesouro. Em azul, o Palácio Alencastro e Praça, e atrás do edifício a Residência dos Governadores em estilo neocolonial, à Rua Barão de Melgaço. 206 Fonte: Google Earth, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
No SETOR 2, temos os Bairros do Porto e do Terceiro, a região menos populosa da intervenção urbana com 11.445 habitantes e que apresenta a seguinte configuração etária: Tabela 7 Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 2 do Parque Linear da Prainha, com 11.445 habitantes e área total de 334,42 ha.
Faixa Etária (anos) 0-4 5-9 10 - 14 15 - 19 20 - 24 25 - 59 60 e.d. TOTAL
Porto
Terceiro
TOTAL
%
710 761 826 932 996 4.412 698 9.335
235 214 230 272 248 824 87 2.110
945 975 1.056 1.204 1.244 5.236 785 11.445
8,26 8,52 9,22 10,52 10,87 45,75 6,86 100,00
Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Podemos analisar de maneira distinta os Bairros desse setor, pois temos características bem contrastantes quanto aos aspectos sociais, econômicos e mesmo geográficos, numa área total de 334,42 ha. entre esses dois abairramentos. (Figura 135)
Figura 135 SETOR 2: Vista parcial do Rio Cuiabá e afluência do Córrego da Prainha já muito poluído. Em vermelho, a estação elevatória de esgoto que, apesar de estar ativada segundo informações da Prefeitura, parece não desviar as águas da Prainha para tratamento adequado. Fonte: Google Earth, 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
207
O Bairro do Porto está na porção Oeste da malha urbana e tem área de 248,22 ha. O nível de escolaridade médio dos responsáveis pelos domicílios é de 11 a 14 anos de tempo de estudo, sendo que cerca de 4,13% dos mesmos são analfabetos. A renda do bairro é considerada média, com cerca de 7,38 salários mínimos de rendimento mensal para os responsáveis pelos domicílios. Existe na região do Porto um total de 2.709 domicílios: 6.443 pessoas moram em casas; 2.745 em apartamentos; 78 em cômodos, 51 em domicílios improvisados e 18 em domicílios coletivos. Desse total de domicílios, 2.680 são abastecidos pela rede geral e 26 por poço ou nascente. Quanto ao esgotamento sanitário, 2.704 dos domicílios possuem banheiro ou sanitário, dos quais 1.523 são ligados a rede geral de esgoto, 1.136 utilizam fossas sépticas, 9 fossas rudimentares e o restante (36) utilizam escoamento a vala, rio, córrego ou outro escoadouro. Grande parte dos domicílios (2.664) são atendidos pelo serviço de limpeza pública para a coleta do lixo, porém 45 alegam queimar seus resíduos sólidos. O Bairro do Terceiro localiza-se na região Leste da cidade e tem 86,20 ha. de área, possuindo uma condição sócio-econômica mais crítica. No que se refere à escolaridade dos responsáveis pelos domicílios, predomina o grupo de 4 a 7 anos de estudo (40,92%), sendo que 14,17% não possuem instrução. A renda do bairro é baixa, com 2,71 salários mínimos em média de renda para os responsáveis pelos domicílios. No bairro existem 501 domicílios e do total de 2.110 habitantes, 2.033 habitam casas, 15 moram em cômodos e 62 em domicílios improvisados. Dos 501 domicílios, 488 são abastecidos por rede geral de água, 3 tem abastecimento por poço ou nascente e 10 outras formas. Desse total, 496 domicílios possuíam banheiro, com 327 ligados à rede geral de esgoto, 27 utilizam fossas sépticas, 94 fossas rudimentares, 1 rio ou lago e 10 tem outro escoadouro. Quanto ao destino do lixo, 406 domicílios são coletados e 95 restantes queimam, enterram ou jogam em terreno baldio, rio, córrego, etc. Por fim, o SETOR 3 composto pelos Bairros Centro Sul e Dom Aquino, com cerca de 17.618 habitantes distribuídos em uma área total de 308,77 ha. A seguir, a Tabela 9 refere-se à estrutura etária dos bairros:
208
Tabela 8 Estrutura Etária da População dos Bairros localizados no Setor 3 do Parque Linear da Prainha.
Faixa Etária (anos) 0-4 5-9 10 - 14 15 - 19 20 - 24 25 - 59 60 e.d. TOTAL
Centro Sul
Dom Aquino
TOTAL
%
223 288 320 481 450 2.173 616 4.551
1.035 1.166 1.237 1.379 1.383 5.666 1.201 13.067
1.258 1.454 1.557 1.860 1.833 7.839 1.817 17.618
7,14 8,25 8,85 10,56 10,40 44,49 10,31 100,00
Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O Bairro Centro Sul tem 129,24 ha. de área e está situado na porção Oeste de Cuiabá. O bairro é de renda média alta, tendo uma média salarial de 12,47 mínimos. A escolaridade média do bairro predomina entre o grupo de 11 a 14 anos de estudo (27,02 %), com índice baixo de analfabetismo com 1,95 % do total de responsáveis pelos domicílios. Existem no bairro cerca de 1.384 domicílios e, do total de 4.551 moradores, em torno de 2.920 moram em casas, 1.510 em apartamentos, 38 em cômodos, 37 em domicílios improvisados e 46 em domicílios coletivos. Do total de domicílios, 1.352 possuem abastecimento de água da rede geral, 31 por poço ou nascente e apenas 1 de outra forma. Quanto ao saneamento básico, do total de moradias cerca de 1.098 tem ligação à rede geral de esgoto, 214 utilizam fossas sépticas, 70 fossas rudimentares e 1 vala para escoamento. Do total, 1.281 domicílios utilizavam o serviço público de limpeza e coleta e 2 queimavam ou jogavam o lixo em terrenos baldios ou outro destino. O Bairro Dom Aquino localiza-se na porção Leste da cidade, com área de 179,53 ha. No que se refere à escolaridade dos responsáveis pelos domicílios predomina o grupo de 4 a 7 anos de estudo, com cerca de 7,17% de indivíduos sem instrução. O poder aquisitivo do bairro é médio, sendo que a renda média dos responsáveis pelos domicílios é de 5,73 salários mínimos. Existem no bairro 3.291 domicílios e, do total de 13.067 habitantes, cerca 12.405 moram em casas, 375 em apartamentos, 272 em cômodos, 6 em domicílios improvisados e 9 em cômodos coletivos. Desse total de domicílios, 3.231 são abastecidos pela rede geral de água, 48 por poço ou nascente e 12 de outra forma. Quanto ao esgotamento, 3.281 têm banheiros ou sanitários, dos quais 2.355 são ligados à rede geral de esgoto, 692 a fossas sépticas, 218 fossas rudimentares, 2 escoavam por vala. 2 utilizavam o rio ou córrego e 12 outro tipo de escoadouro. Do total, 3.254 domicílios tinham o lixo coletado pelo sistema público de limpeza e 37 restantes queimavam, enterravam, jogavam em terreno, rio ou córrego, ou ainda outro destino. 209
Tabela 9 Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 1. REGIÃO L-O
ÁREA (ha.)
ESCOLAR. Tempo Médio-em anos ( %)
ANALF. (%)
RENDA Nível (SM)
Nº DE DOMICÍL.
SANEAM. Abastec. de Água
SANEAM. Rede de esgoto
ALVORADA
Oeste
230,12
5,61
3.398
2.208
Oeste
88,17
1.637
1.583
1.432
CENTRO NORTE BAÚ
Oeste
81,43
929
891
834
Leste
43,49
723
709
605
LIXEIRA
Leste
66,41
1.279
1.269
1.070
BANDEIRANTES TOTAL/ MÉDIA
Leste
40,15
354
247
321
-
549,77
M.A.* (13,61) M.A. (12,79) M.A. (21,23) M.A. (12,01) M.B.** (5,37) M.A. (20,90) 14,32
3.529
ARAÉS
15 ou mais (29,5%) 11-14 (34,82%) 11-14 (27,88%) 11-14 (40,39%) 11-14 (28,54%) 15 ou mais (39,83%) 11-14
8.451
8.097
6.470
SETOR 1 Especif. por Bairro
2,57 0,75 2,21 7,04 3,39 -
*M.A.-Renda Média-Alta; **M.B.- Renda Média-Baixa. Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Tabela 10 Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 2. REGIÃO L-O
ÁREA (ha.)
ESCOLAR. Tempo Médio-em anos ( %)
ANALF. (%)
RENDA Nível (SM)
Nº DE DOMICÍL.
SANEAM. Abastec. de Água
SANEAM. Rede de esgoto
PORTO
Oeste
248,22
4,13
2.680
1.523
Leste
86,20
501
488
327
TOTAL/ MÉDIA
-
334,42
Média (7,38) Baixa (2,71) 5,05
2.709
TERCEIRO
11-14 (36,88%) 4-7 (40,92%) 9
3.210
3.168
1.850
SETOR 2 Especif. por Bairro
14,17 -
Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Tabela 11 Dados sócio-econômicos, de habitação e de infra-estrutura do SETOR 3.
SETOR 3 Especif. por Bairro DOM AQUINO CENTRO SUL TOTAL/ MÉDIA
REGIÃO L-O
ÁREA (ha.)
ESCOLAR. Tempo Médio-em anos ( %)
ANALF. (%)
RENDA Nível (SM)
Nº DE DOMICÍL.
SANEAM. Abastec. de Água
SANEAM. Rede de esgoto
Leste
179,53
7,17
3.231
2.355
129,24
1.384
1.352
1.098
-
308,77
Média (5,73) M.A.* (12,47) 9,10
3.291
Oeste
4-7 (28,38%) 11-14 (38,87%) 9
4.675
4.583
3.453
1,95 -
*M.A.-Renda Média-Alta. Fonte: IPDU, maio de 2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A partir das Tabelas 9, 10 e 11 acima, pode-se ressaltar uma análise da ocupação da Prainha face à sua história entre o SETOR 2 e 3, se observarmos seu eixo divisor entre duas porções: a Leste e a Oeste do traçado urbano da capital. Notamos que a Oeste temos bairros com renda média e nível de escolaridade maior. Já na face Leste da cidade, principalmente na área do SETOR 2 e 3 dos Bairros Dom Aquino e Terceiro, temos condições sócio-econômicas críticas que refletem incisivamente na qualidade de vida, de moradia, na baixa escolaridade e no maior índice de violência dessa região. Assim, temos 210
que, após quase três séculos de ocupação, a porção Oeste da cidade, na antiga margem direita da Prainha, prevalece uma parcela da população de maiores benefícios econômicos. Isso reflete numa ocupação espacial menos segregada que a margem esquerda do córrego, na qual se tinha a ocupação de pescadores ou trabalhadores pobres no século XVIII, traços sociais que reverberam até a atualidade.
8.2 UTOPIA, POR QUÊ? Através das diversas tendências esboça-se uma estratégia global (isto é, um sistema unitário e um urbanismo já total). Uns farão entrar para a prática e concretizarão em ato a sociedade de consumo dirigida. Constituirão não apenas centros comerciais como também centros de consumo privilegiados: a cidade renovada. Imporão, tornando-a “legível”, uma ideologia de felicidade através do consumo, a alegria através do urbanismo adaptado à sua nova missão. Este urbanismo programa uma quotidianeidade geradora de satisfações (notadamente para as mulheres o aceitam e dele participam). O consumo programado e cibernetizado (previsto pelos computadores) torna-se-á regra e norma para a sociedade inteira. Outros edificarão centros decisionais, que concentram os meios de poder: informação, formação, organização, operação. Ou ainda: repressão (coações, inclusive a violência) e persuasão (ideologia, publicidade). Em redor desses centros se repartirão, em ordem dispersa, segundo normas e coações previstas, as periferias, a urbanização desurbanizada. Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita, para uma exploração apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, como consumidores de produtos, como consumidores de espaço. Henry Lefèbvre, 1968
A humanidade, enquanto sua constituição histórica das civilizações, mostra-nos um ideal de unificação do mundo sempre perseguido. Entretanto, somente no atual contexto econômico o homem pôde se deparar com a realidade cada vez mais presente de uma unicidade global praticamente inevitável, na qual será possível compartilhar uma mesma língua, um mesmo sistema de governo, uma cultura geral, uma lei universal, uma só moral e ética regularizadora da conduta de todos os homens. O prognóstico dessa condição profetizada há séculos por pensadores, filósofos ou sociólogos, parece cada vez mais real: a utopia de um mundo unificado e, talvez, mais igualitário. Este último propósito, o da igualdade, decorrerá conforme o grau de conscientização das nações face às questões globais de miséria, subdesenvolvimento e exclusão da maioria da população mundial dos meios de produção e distribuição da riqueza. O modelo de desenvolvimento capitalista, iniciado desde a queda do feudalismo, agora se depara com seu possível colapso, não só decorrente do social (pois sempre foi um modelo excludente e perverso com a maioria, ou seja, os menos favorecidos), mas especialmente do ambiental. Este último é muito mais violento, pois pode determinar a sobrevivência ou a extinção das espécies conforme as conseqüências globais das ações humanas. Dessa forma, o novo milênio que se inicia passa a ser determinante na
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formação de novas ideologias de mundo, novas utopias, novas inquietações, novos paradigmas, nunca antes tão necessários. A sobrevivência das culturas, dos meios naturais, das tradições regionais, passa a depender das ações e interesses internacionais. A fragmentação do poder nacional frente o fortalecimento das grandes corporações transnacionais oferece um abismo muito maior para a grande parcela de países subdesenvolvidos, estes que passam a ter cada vez menos poder de decisão sobre suas prioridades e políticas de desenvolvimento sócio-econômico. Dessa forma torna-se crítico o quadro de sustentabilidade econômica, social e política não só de cada nação subdesenvolvida, mas de toda a conjuntura internacional. Durante grande parte do século XX, vivenciamos a disputa entre dois grandes blocos de países e seus distintos sistemas de governos: o capitalismo, liderado pelos Estados Unidos, e o socialismo, encabeçado pela extinta URSS (tendo a Rússia como País principal). As teorias marxistas determinavam que o comunismo deveria se expandir e conquistar novos países e suas economias, caso contrário estaria inviabilizando a continuidade do sistema em seu âmbito mundial e assim exposto ao fracasso. A partir do período pós Segunda Guerra Mundial, já no final da década de 1940, o mundo se defrontou com a consolidação e fortalecimento do sistema capitalista até culminar com a sua supremacia no final do milênio. Ao contrário dos demais sistemas mundiais que não se sustentavam por mais de meio milênio, a exemplo dos diversos impérios que tinham seu poder de expansão geograficamente limitado, o capitalismo não parece ter limites espaciais. Ao final do séc. XIX, a economia mundial se expandiu por todos os continentes e assim, pela primeira vez na história, existiria praticamente um sistema histórico. Ao final do séc. XIX, o sistema capitalista passa a não possuir nacionalidade definida, pois a maioria dos países aderiu integralmente ao sistema. Assim, enquanto surgem as lideranças de Países economicamente mais fortes e desenvolvidos, por outro lado a adesão à globalização passa a ser alternativa única para os Países liderados. Dentre as várias e complexas resultantes desse processo, a que chama mais atenção é o mecanismo de incorporação da “periferia” do mundo ao sistema global (MONTERO, 1993: 163). Dessa forma não há como resistir à expansão da economia capitalista devido duas razões opostas e complementares: a lógica capitalista penaliza as economias que não maximizam seus lucros; e não há forma de se introduzir nas decisões, de modo sistemático e permanente, valores anti-mercado. Assim, certamente todos os Países e suas distintas regiões do mundo estarão integrados ao sistema de divisão mundial do trabalho, seja numa posição central ou periférica.
212
A humanidade tende a uma unificação que, por um lado aponta para um “estado utópico” e, por outro, apresenta essa universalização como um sistema excludente que não incorpora toda a economia mundial. Esse macro cenário se reflete no lugar da cidade, na qual se coabita uma periferia que não participa do sistema central, quadro este que resulta na exclusão e segregação de grande parcela da população. Dessa forma, a noção de cidadania entra em colapso quando não se consegue solucionar os contrastes e diferenças, dissociando um sujeito universal de direitos e deveres (MONTERO, 1993: 167). A utopia sempre se referiu a um lugar, e este sempre fora sinônimo de cidade até o século XX. A cidade com todos seus problemas que decorrem de seu funcionamento, pode ser entendida como um modelo de um sistema governamental como coloca Foucault apud Pessoa (2006: 93), quando este determina que exista uma série de utopias ou projetos para governar um território que se desenvolve na premissa de que o estado é como uma grande cidade; a capital é como sua praça principal, as rodovias são como as ruas. O estado será bem organizado quando num sistema de procedimentos tão eficientes quanto os das cidades estendem-se sobre o território. Assim, o modelo de cidade se torna a matriz para as regulamentações que se aplicam para todo o estado. A cidade pode servir de parâmetro para um sistema de governo, porém a cidade utópica nunca se dissocia de uma condição de estado ideal. Devemos imaginar que o lugar não é simplesmente um espaço físico, ele se apresenta além desses elementos da cidade (ruas, edifícios, praças, vazios). O sistema de governo necessita de uma organização espacial estática (edifícios) e dinâmica (circulação e infra-estrutura), por isso as utopias apresentamse através da descrição de uma sociedade equilibrada economicamente, regida sobre princípios éticos, paralelamente a uma produção da imagem física dessa cidade ideal para abrigar a essa sociedade. Ocorre que nesse início do século XXI a espacialidade urbana vem sendo alterada pela existência do “não-lugar”, pela atopia, alterando a articulação dos lugares. Em grandes centros urbanos acontece uma desurbanização, um êxodo das grandes cidades, sobretudo em áreas centrais, contrapondo-se ao movimento contrário ocorrido no início da industrialização. (PESSOA, 2006: 93) A antiga aglomeração desaparece então na imensa aceleração das telecomunicações para gerar um novo tipo de concentração: a concentração de uma “domiciliação” sem domicílio em que os limites da propriedade, as cercas e as divisórias são menos obstáculos físicos permanentes do que interrupções da emissão ou de uma zona de sombra eletrônica que renova aquela da insolação, à sombra derivada dos imóveis... Uma estranha topologia se dissimula na evidência das imagens televisionadas. Aos projetos do arquiteto sucedem-se os planos-seqüência de uma montagem invisível. Onde a organização do espaço geográfico se estruturava a partir da geometria de uma demarcação (rural ou urbana), a organização do tempo se dá a partir de uma fragmentação imperceptível da duração técnica, onde os recortes e as interrupções momentâneas subsistem a ocultação durável, a “grade de programas” substituindo a “grade das cercas”... (VIRILIO, 1995: 12, apud PESSOA, 2006:94)
213
A cidade do século XXI se constitui de uma não urbanidade, a utopia atual prescreve a existência conceitual de uma periferia à margem do sistema que não é mais física, os limites entre o urbano e o rural se extinguem a partir da união de pessoas no mundo inteiro através da internet sobre ideologias afins, agnação de culturas, línguas e geografia diferentes. Concomitantemente, o arquiteto deixa de ser o principal articulador do espaço e perde seu lugar frente ao novo cenário mundial. Se no modernismo do início do século XX o arquiteto detinha a onipotência de mudar o espaço físico, social e ético do homem ao passo de poder pronunciar dogmas representados por Le Corbusier através de seu radicalismo ortodoxo “arquitetura ou revolução”, na pós-modernidade o arquiteto reduz sua ação através da definição de seu papel como articulador de espaços, pois o controle destes foge ao âmbito arquitetônico. Atualmente a cidade pode se desenvolver praticamente sem limites, pois se une as outras urbes, configurando um quadro de conurbação metropolitana de uma cidade contínua, ao passo que se desenvolve as tecnologias de transporte, logística e infra-estrutura urbana. Se primeiro as cidades se desenvolviam a partir dos rios, depois vieram as ferrovias, posteriormente as rodovias e por fim a revolução dos aeroportos, deslocando pessoas e mercadorias sobre longas distâncias em um curto espaço de tempo, a comunicação na contemporaneidade se dá em tempo integral e em frações irrisórias. Até pouco tempo a humanidade acreditava que a tecnologia existia somente para trazer qualidade de vida e benefícios para o homem, porém, atualmente sabemos que a mesma tecnologia é capaz de produzir energia atômica capaz de destruir todo o planeta, bem como contaminar pessoas, solo, água e ar. O homem produz bombas atômicas cada vez mais potentes, aumenta sua produção industrial, também desenvolve automóveis e aviões cada vez mais velozes, cria meios de comunicação que conectam cada vez mais rápido, ao passo que cresce a demanda por energia, por mais espaços construídos, mais matéria prima para gerar produtos acessíveis a um número cada vez maior de pessoas. Essa demanda por maior produção do capitalismo gera alto grau de poluição dos recursos naturais, a água, o solo e o ar, estes que passam a ser receptores de uma massa de metais pesados e gases que atuam na destruição da camada de ozônio, aquecem a temperatura global e interferem nas ações atmosféricas. Dessa forma, parece que a tecnologia atual não é capaz de gerar uma utopia de mundo melhor para todos. Ainda no início da Revolução Industrial supunha-se que a máquina substituiria a força de trabalho humana, libertando-o para o ócio, convívio familiar e social, ou mesmo para a elevação do intelecto. Entretanto, o que resultou desse processo de mecanização e robotização foi uma massa cada vez maior de desempregado e desvalorização da mão-deobra humana. A tecnologia possibilita que o homem trabalhe muito mais sem se dar conta, 214
pois está constantemente conectado ao celular, à internet, ao palm ou lap top, ao seu pager, entre outros aparatos tecnológico que sempre são acionados quando necessário e disponibilizam trabalho constante sem a necessidade de se pagar horas extras. Eis a questão: a máquina libertou o homem do trabalho escravo? As cidades tendem a se espalhar, o proletário passa a se deslocar cada vez mais entre o trabalho e sua casa, cresce o abismo social entre os poucos ricos e a maioria pobre, a tecnologia exige funcionários cada vez mais qualificados, capazes de efetuar atividades complexas e que necessitam de constante atualização tecnológica. Uma massa marginalizada tende a se distanciar cada vez mais dos objetos das vitrines constantemente televisionados pelas propagandas da mídia, e muitos jovens se rendem ao tráfico de drogas como um caminho mais fácil entre sua realidade e um possível ideal de vida burguês e consumista. É irônico recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como a mais completa humanização da vida do planeta. Finalmente, quando esse progresso técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza, mas não a serviço da humanidade. A globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada. (SANTOS, 2002: 41)
Antonio Sant’Elia (1888-1916), arquiteto do movimento futurista, já prenunciava no início do século XX, que “cada geração deverá fabricar para si a sua cidade”, portanto, qual cidade nós produziremos? E quais caminhos devem-se tomar? Novos elementos surgem para nossas cidades, a exemplo do fenômeno do desemprego que atinge ricos e pobres, qualificados e desqualificados, seja em Países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Os governos se deparam com essa nova condicionante sócio-econômica e não conseguiram ainda equacionar o problema. Na Idade Média os cidadãos eram autônomos e geravam seus próprios meios de sobrevivência e, mesmo prestando serviço para um senhor feudal, dedicavam boa parte da vida às suas atividades autônomas e possuíam assim sua dignidade afirmada. Agora, na sociedade pós-industrial, a população sem acesso ao mercado de trabalho vem aumentando exponencialmente, assim a marginalização assume decisivo papel na produção do espaço urbano e de sua sociedade, pois deixa de ser um grupo minoritário e assume a condição de numerosos e dispersos. A marginalidade se tornou universal, composta por uma massa silenciosa não simbolizada e que muitas vezes não se demonstra nas estatísticas de amostragem coletadas nos domicílios regulares e formais da cidade.
215
O direito à igualdade e à liberdade deve ser a grande conquista para as próximas gerações, aliar o fenômeno de mundialização à não discriminação e ao não preconceito é o dilema que, se solucionado, refletirá na qualidade de nossas cidades. Aldeia global quanto espaço-tempo contraído permitiriam imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia, esse mercado regulador? Será ele global?... (SANTOS, 2002: 41)
A utopia pregressa desde Platão diagnosticava que em uma sociedade ideal cada indivíduo cumpria uma função determinada, assim, essa ideologia utópica apresenta-se atualmente sobre uma nova roupagem capitalista, pois não temos nenhuma sociedade igualitária ausente de indivíduos ociosos e excluídos de um sistema. Todas as utopias apresentaram a vida livre do trabalho extenuante e alienado, sendo o mesmo controlado e prazeroso. Também haveria um ritmo de vida diverso do atual, pois as pessoas teriam tempo e disposição para se dedicarem ao lazer, às relações humanas, ao aprimoramento intelectual, à interação com a natureza e ao convívio familiar – criação e educação de seus filhos. Assim, a família seria reconstituída novamente, ao contrário da fragmentação e dissolução atual. A resistência à homogeneização e à supressão das diversidades culturais é mais um entrave da globalização, além da marginalização e desemprego. Um projeto utópico para a contemporaneidade deve assumir as chagas de uma cidade resultante dessa aldeia global, afirmando categoricamente que “não será uma proposta de cidade que firmará uma nova sociedade”; mas que um projeto utópico pode sim apresentar uma cidade diferente da real, mais inclusiva, mais qualitativa e que respeite a relação entre o homem com a sua cultura regional, a sua história e seu meio ambiente.
8.3 O PROJETO DE INTERVENÇÃO “PARQUE LINEAR DA PRAINHA”: SUAS CODICIONANTES E POTENCIALIDADES Desde o colapso da idéia de planificação global da cidade, como se sabe considerada pelos modernos a mais acabada expressão da organização racional do espaço habitado coletivo – a um só tempo trunfo da modernização capitalista e prefiguração da socialização que ela parecia antecipar –, as intervenções urbanas vêm se dando de forma pontual, restrita, por vezes intencionalmente modesta, buscando uma requalificação que respeite o contexto, sua morfologia ou tipologia arquitetônica, e preserve os valores locais. (ARANTES, 1998: 131)
A implementação do Parque Linear da Prainha através dos Setores é um caráter norteador da proposta. Primeiro, a intervenção urbana no SETOR 1, quase em conjunto com a do 216
SETOR 2 (num período de dois e cinco anos) e, por fim, a implementação do projeto no SETOR 3 (prazo de cinco a dez anos seguinte). Essa projeção em etapas temporais bem definidas torna o projeto mais bem estruturado, adequando-se às dinâmicas urbanas de trânsito e circulação. Assim, possibilita-se a participação da população de uma forma mais efetiva através de discussões com a sociedade (paralelamente a um programa de educação ambiental), apresentação das idéias de projeto e das etapas a serem executadas. A sociedade, dessa forma, torna-se agente ativo da intervenção urbana, ditando as prioridades de cada etapa, assumindo o projeto proposto através da identificação coletiva e de cidadania, tornando a utopia muito mais participativa e real. A proposta, como já foi dito, se fundamenta sobre o potencial ambiental e turístico da área da Prainha, para tanto tem os objetivos principais de:
Devolver a natureza local pregressa à cidade de Cuiabá, reforçando a necessidade de relação entre o homem e seu ambiente natural como elemento apaziguador das tensões e estresses do dia-a-dia;
Recuperar a condição ambiental do córrego da Prainha, devolvendo o percurso natural de seu leito constituído por meandros de desenho sinuoso e com densa mata de galeria, como também refazer a flora e fauna local com a despoluição total das águas e substituição do concreto retificador pela terra em contato direto com o córrego;
Integrar a população cuiabana em uma área de centralidade ambiental, amparada por um sistema de equipamentos e mobiliários urbanos, integrando lazer com esporte, cultura, história e cidadania – restabelecendo assim o uso social, de lazer e convívio das APP’s;
Conscientizar e envolver a população de Cuiabá na participação efetiva das decisões de projeto, amparadas por um programa de educação ambiental focado nas discussões de inclusão do cidadão na sua cidade e no despertar da consciência ecológica da humanidade e seu futuro.
A partir da formulação desses objetivos, o projeto deverá ocorrer nas seguintes fases:
8.3.1 PRIMEIRA FASE CONSOLIDAÇÃO DO SETOR 1:
Recompor o traçado original do córrego, corrigindo a errônea intervenção de retificação e canalização de seu leito, ação que destruiu seu ecossistema e 217
impermeabilizou o recurso hídrico do contato com o solo e alimentação do lençol freático. O traçado sinuoso reduzirá significativamente a velocidade da água e a recomposição da vegetação de galeria reordenará o ecossistema; (Figura 136)
Recuperação e proteção das nascentes do córrego da Prainha e criação de um coletor tronco de coleta da rede de esgoto, interrompendo o lançamento de resíduos líquidos e sólidos no leito do córrego. O processo de despoluição do córrego deve ser acompanhado de uma rígida fiscalização e aplicação das Leis ambientais;
Figura 136 Imagem do SETOR 1, da nascente do Córrego da Prainha até o Morro da Luz. Fonte: Laboratório Cartografia e Geoprocessamento da UFMT, 1990. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
218
Restabelecimento da fauna e flora natural do local através da recuperação ambiental, concretizando um lugar melhor para o homem e a natureza do cerrado mato-grossense;
Eliminação da Avenida Tenente Coronel Duarte como via estrutural e transformação em uma via coletora (ou mesmo local) de trânsito limitado de veículos e preferencialmente de transporte coletivo. O deslocamento do fluxo de veículos deve ser estudado pela engenharia de transportes para que sejam criadas alternativas eficientes para a Avenida Miguel Sutil (chamada via “Perimetral” da cidade), com possível de deslocamento de trânsito para a Avenida Mato Grosso, Rua Marechal Deodoro e Comandante Costa. O fluxo das Avenidas Isaac Povoas, Cel. Escolástico e Getúlio Vargas devem ser estudadas, pois exercem grande pressão no centro da cidade. A eliminação do tráfego intenso e pesado no centro possibilitará a criação de áreas de lazer que integre o contato humano com a natureza e o córrego;
Auxiliar na recuperação do Patrimônio Arquitetônico Histórico do Centro, revigorando o comércio e criando novas funções para a área que produzirá nova centralidade na cidade. O Parque deve possuir equipamentos culturais como teatro, cinemas, galerias de arte regional, espaços para os festejos populares (principalmente na região da Igreja Nossa Senhora do Rosário); o folclore e as danças regionais como o Siriri e o Cururu terão também seu lugar. A conexão com o Museu da Imagem e do Som (MISC), IPHAN, CEFET, Secretarias da Prefeitura, Escolas e Faculdades que se localizam na área, além da presença das Igrejas e a mobilização de festejos populares (as chamadas “festas de santo”) tão tradicionais na cultura cuiabana, funcionarão como potencializadores sócio-econômicos (através do turismo), culturais e históricos;
Propor um projeto de substituição da pavimentação da área central por pisos ecológicos mais permeáveis, a exemplo do concreto intertravado, que permite maior infiltração da água pluvial e reduz a velocidade de carreamento da água; (GOUVÊA, 2002: 91)
Diminuir o número de vias pavimentadas e assim reduzir o custo total de parcelamento, pois o pavimento e drenagem são responsáveis por cerca de 55% a 60% do custo de infra-estrutura; (MASCARÓ, 1991)
Utilizar materiais que gerem sombreamento e cobertura vegetal intensa que evitem o contato direto do solo com as intempéries. Verifica-se que em épocas 219
de verão intenso a temperatura das superfícies gramadas reduz de 5 a 10°C em relação a superfície pavimentada. (GOUVÊA, 2002: 126)
A água deve ser abundante, promovendo espaços para a pesca e banho, bem como umedecendo o ar seco nos períodos de estiagem e criando uma paisagem mais agradável para ser vista e sentida. Para tanto, devem ser criados diques de contensão da água, principalmente no encontro da Prainha com a Avenida Historiador Rubens de Mendonça (área de grande concentração de residências), como também na proximidade com a Igreja do Rosário e Largo do Mundéu;
Criar áreas para a prática de esportes como quadras e campos de futebol, pista de corrida e caminhada, ciclovias e áreas destinada a esportes radicais.
CONSOLIDAÇÃO DO SETOR 2:
Conectar o córrego da Prainha ao Rio Cuiabá, pois suas águas estariam recuperadas e despoluídas; (Figura 137)
Propor um projeto de intervenção urbana entre o Parque Linear da Prainha e as áreas do Porto e Terceiro, interligando as margens do Rio Cuiabá ao Parque e conectando o Museu do Peixe e antigo Mercado Municipal ao projeto.
Recuperação das áreas degradadas por cortiços, habitações abandonadas ou com problemas estruturais, bem como a valorização da área através da melhora dos serviços e equipamentos públicos;
Implementação de conjuntos habitacionais para a população carente da região;
Instalação de rede de ensino público, posto policial e de saúde para a população, tendo em vista a condição de carência social e econômica local;
Revigoramento da economia local por meio da instalação de uma Oficina Cultural que promova cursos e atualização profissional à população de baixa renda, como também implemente renda através na comercialização de produtos artesanais locais;
Implantar programas gratuitos de alfabetização, cursos supletivos, cursinhos de preparação para vestibulares e demais cursos profissionalizantes para a inserção social e econômica do cidadão, em parceria com Universidades Públicas do Estado e do Governo Federal (Unemat e UFMT), Centros Federais como CEFET, ONG’s, etc; 220
Recuperação e revitalização do Bairro do Porto e seu conjunto arquitetônico colonial.
Figura 137 Imagem do SETOR 2 e 3. Acima temos o desvio sinuoso da Avenida Tenente Coronel Duarte (em frente ao Colégio Salesiano São Gonçalo e Supermercado Modelo), depois segue até o encontro com a Avenida Beira Rio (à esquerda o Super-Mercado Atacadão e à direita o Parque de Exposições Agropecuárias). Fonte: Laboratório Cartografia e Geoprocessamento da UFMT, 1990. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
8.3.2 SEGUNDA FASE CONSOLIDAÇÃO DO SETOR 3:
Conexão com o Setor 1 e 2. A partir da percepção de uma cidade de maior qualidade ambiental e humana, assim a própria população cobraria a expansão 221
do projeto e conexão entre as duas áreas já consolidadas do Parque Linear da Prainha (Figuras 138 e 139);
Integralização do Projeto e completa descanalização do córrego, retornando a condição ambiental no centro da cidade;
Valorização e recuperação das áreas que margeiam o Parque, bem como a conexão com novos edifícios e equipamentos urbanos próximos à área de intervenção;
Consolidação de uma cidade pensada para o pedestre, com largas calçadas arborizadas, áreas de lazer e convívio, além da inserção social da coletividade numa APP antes desfigurada.
Um projeto utópico hoje abarca conceitos diversos das utopias de outrora. No início das utopias de Thomas More, Campanella ou Andreæ, a sociedade vivia exclusivamente no campo, tendo como atividade principal a agricultura. As cidades eram pontos isolados em meio à terra cultivada, sem infra-estrutura e com pouca qualidade de vida. Essas utopias representavam o ideário de uma vida urbana interligada ao campo. Depois no século XVIII, as idéias de Ledoux e dos socialistas utópicos expressavam a preocupação com o crescimento das cidades e do processo de degradação do meio urbano através da insalubridade dos guetos, das habitações improvisadas e amontoadas, da poluição dos rios, da falta de água potável e ausência de tratamento de esgoto. Com a vida urbana deteriorada e insalubre, as propostas utópicas dessa época denotam a reaproximação entre a cidade e o campo, a exemplo das Salinas de Chaux de Ledoux. O processo de industrialização é cada vez mais proeminente no século XIX; a aglomeração humana sobre as cidades em detrimento do esvaziamento do campo inverte a relação entre a cidade agora densa e o campo e, no século XX surgem as propostas utópicas para as Cidades Jardim de Howard e, posteriormente, o Plan Voisin de Le Corbusier e Broad Acre City de Frank Lloyd Wright. A cidade passa a se expandir rapidamente para o campo e à medida que cresce a malha conurbada da metrópole, aumenta-se o custo de vida e manutenção urbana. Temos um quadro de altos custos também sociais e humanos, que determinam espaços públicos cada vez mais hostis, pois esses espaços deixam de ser áreas de lazer e convívio para serem ocupados pela população marginalizada composta por habitantes das ruas, crianças abandonadas, traficantes, usuários de drogas. As praças e parques públicos abandonam sua função social de recreio e interação ambiental para se tornarem território do medo e da criminalidade. Os parques passam a ser gradeados e policiados, na tentativa quase inerte de separar a população economicamente ativa dos marginalizados. A nostalgia 222
de um dia ter vivenciado uma cidade tranqüila passa a ser história dos antigos moradores, ao passo que se proliferam os espaços semi-públicos como os shoppings centers, grandes supermercados ou lojas. Porém, existe uma barreira autoritária e perversa que seleciona os que podem utilizar esses espaços semi-públicos, pois é uma imposição não declarada e sutil, que constrange e escolhe os que podem freqüentar esses lugares e os que não estão aptos economicamente.
Figura 138 Vista panorâmica da região do Porto e do Terceiro, no encontro do Prainha com o rio Cuiabá. Fonte: Arquivo Fotográfico da Assembléia Legislativa do Estado do Estado de Mato Grosso, 2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A cidade contemporânea aliena o indivíduo e fragmenta a noção de pertencimento do lugar urbano, pois as pessoas passam a não se sentir possuidores da cidade. A cidade passa a ser aceita dessa forma, sob uma roupagem desconfigurada; território da violência e ausente de segurança; suja, pois seu habitante não se identifica e nem tem cuidado por ela; esburacada, já que o Poder Público não está plenamente presente; cara, tanto para sua manutenção quanto para habitar nela; poluída, seja no solo, água ou ar; congestionada, devido à alta densidade e ausência de planejamento urbano adequado, além de ser refém de constantes racionamentos de água e luz. Diante do discurso enunciado, parece-me que não só existe espaço para uma utopia no século XXI, como ela ainda não foi enunciada. Quanto à questão da não exclusão de grupos sociais, condição sine qua non de uma utopia, verificamos que está longe de ser alcançada. O que se vislumbra na realidade é exatamente o oposto: grupos desfavorecidos aumentando e condições privilegiadas para uma camada da população cada vez menor. 223
(..) A humanidade vem evoluindo sob o ponto de vista técnico, sanitário, de saúde pública, de expectativa de vida. A utopia hoje é fazer chegar a cada um dos indivíduos estas conquistas, sem contabilizar perdas ambientais. Afinal, as conquistas, o desenvolvimento, a evolução são para que, para quem? (PESSOA, 2006: 101)
Figura 139 Vista panorâmica da região do Porto e do Terceiro, com as pontes que conectam Cuiabá à Várzea Grande. Fonte: Arquivo Fotográfico da Assembléia Legislativa do Estado do Estado de Mato Grosso, 2006. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
A utopia sobre esse contexto é uma visão crítica e inconformada de cidade, não só como um lugar melhor, mas como uma ruptura de paradigma urbano. As grandes cidades do mundo demonstram a contínua perda de qualidade de vida, seja em Cuiabá, São Paulo, Nova York, Barcelona ou Xangai, as ações tomadas para reverter esse quadro se mostram ineficientes face às diferenças sociais que se anunciam. As grandes conquistas materiais de outrora pensadas como possíveis soluções para o problema sócio-econômico, demonstram sua fragilidade excludente e de consumo do patrimônio ambiental. A concretização da cidade oscila entre o mundo real e o utópico. Quanto mais seu desenho se aproximar do utópico, melhor será a cidade. (...) Os alicerces da cidade foram e têm sido calcados visando-se o lucro de investimentos imobiliários. As obras públicas são decididas em escritório de empresas privadas. O solo urbano é manipulado em função de interesses de grupos econômicos fortes. Os governos municipais vêm se mostrando coniventes e até promotores dessas manipulações. A utopia pode ser usada como metodologia de projeto. Como diretriz para orientar o desenvolvimento e as transformações da cidade. Deve-se elaborar um projeto visionário, tendo como condicionantes as pessoas que habitam ali, a cultura local, a ordem ecológica do sítio da cidade. Fatores como interesse de algum grupo em particular, custos de implantação do projeto, não devem ser levados em conta nesse momento. No início de um projeto utópico 224
deve-se trabalhar num nível ideal, para que se possa beneficiar de um pensamento livre. A utopia tem o papel de identificar o que deve ser preservado ou modificado, tendo como princípio o bem da coletividade. (PESSOA, 2006: 154)
Assim, a proposta do Parque Linear da Prainha para Cuiabá nasce a partir da necessidade de se pensar uma nova cidade, dentro da ruptura de paradigmas da urbe contemporânea, utilizando-se da utopia como caminho. A intenção do projeto, incipiente até então, aborda uma proposta de estudo preliminar como resposta à minha necessidade, como arquiteto e urbanista, de expressar idéias de maneira concreta, porém, fica destacada a discussão teórico-conceitual sobre a idéia projetual utópica.
225
9. A PROPOSTA UTÓPICA A PARTIR DO DESENHO URBANO: DIRETRIZES GERAIS DO PARQUE LINEAR DA PRAINHA Neste Capítulo estão sistematizados alguns pontos contemplados no projeto de intervenção urbana a partir do Parque Linear da Prainha. Abordagens de projeto acerca do traçado e planta geral proposta (ver Apêndices); ruas, vias e pavimentações principais; a composição dos Praças, Parques e espaços livres em geral; a dimensão da área de intervenção; equipamentos comunitários propostos e alguns índices urbanísticos; o mobiliário urbano e materiais empregados; a nova infra-estrutura urbana.
9.1 PRAÇAS, LARGOS, ÁGUA E VEGETAÇÃO URBANA No Parque Linear da Prainha, caracterizado como um modelo de parque da cidade (GOUVÊA, 2002: 104), sugere-se a utilização de vegetação diversificada, intercalando volumes vegetais de bosques densos e úmidos, campos de vegetação herbácea e/ou ramagem, delineando-se áreas abertas, utilizando a vegetação também como sinalização, restabelecendo preservando a vegetação nativa sempre que observada a adequação ao equilíbrio ecológico local (Figura 140). As árvores devem ter copas robustas e densas, de folhagem perene, adequadas aos usos de acesso, recreio, lazer, contemplação etc. (Ibid., 2002: 92)
Figura 140 Sugestões de projeto para o uso correto da vegetação urbana. Fonte: GOUVÊA, 2002: 108. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
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Deve-se implantar um esquema de caminhos que atendam ao máximo a topografia, a acessibilidade e sinalização, utilizando-se de desníveis mais concentrados apenas quando há necessidade de se instalar mobiliários ou equipamentos como arquibancadas, arenas, play-grounds, campos de futebol, pistas e áreas para a prática de esportes radicais, quadras poli - esportivas, ou mesmo massas d’água, estas que dependendo do vento predominante chegam a estender a umidade relativa do ar em até 800 m de distância. As nascentes urbanas do córrego da Prainha devem ser preservadas e rigorosamente protegidas, integrando-se também ao parque urbano e suas praças. A recuperação de suas águas se faz emergencial, para tanto, a rede de esgoto já existente na região deve ser reestruturada e redimensionada para, de fato, funcionar como tal. Os coletores troncos e secundários devem ser vedados de qualquer conexão com os córregos, obras ilegais que foram implementadas pela Prefeitura Municipal de Cuiabá (através da Sanecap) a partir dos anos 1970. As ligações clandestinas também devem ser combatidas pelo poder público, para tanto, a aplicação de rigorosa fiscalização e aplicação de multas por crimes ambientais deve ser um procedimento adotado. Grandes largos e diques de contenção da água devem ser planejados ao longo do traçado sinuoso da Prainha, esta sobre um novo desenho, porém referenciado ao seu corpo linear natural do passado, repleto de meandros e curvas. Esse procedimento projetual além de possibilitar um controle da água da chuva, também otimiza a utilização social desses espaços e estabelece um microclima muito mais aprazível, tanto no que se refere à melhora da umidade relativa do ar, quanto à configuração de uma nova paisagem urbana de escala diferenciada entre o homem e as construções. Nos espaços destinados à área verde, devem ser plantadas gramíneas arbustivas e principalmente arbóreas, de folhagem oleosa e perene para auxiliar na retenção e filtragem de partículas suspensas (poeira, gases, fuligens), dentro das mais de 5 mil espécies existentes no cerrado (GOUVÊA, 2002: 105). As espécies nativas do cerrado cuiabano devem
ser
preferencialmente
escolhidas
como
forma
de
melhor
adaptação
às
condicionantes locais, porém alguns espécimes exóticos que bem se adaptam ao clima local e fornecem sombreamento eficiente serão devidamente aproveitados. As espécies nativas, além de protegerem áreas onde a grama batatais ou a cuiabana não vinga, também possui a função de economia de água (fato que as árvores do cerrado, adequadas ao clima árido e de raízes profundas, se adaptam melhor à região), bem como funciona como instrumento de preservação do patrimônio ecológico do cerrado mato-grossense. (Figura 141) Elegeram-se algumas espécies para o plantio sistematizado, todas disponíveis no Horto Florestal do Município: 227
Gramíneas: grama cuiabana, grama batatais;
Arbustivas: Jazida, Agriãozinho, Flor do Cerrado, Amarelão, Sempre-Viva, Besouro, Cipreste, Jasmim-Manga, Caliandra, Canela-de-Ema;
Arbóreas de sombra: Oiti, Pateiro, Munguba, Chuva-de-Ouro, Jacarandá, a Flamboyant, Ipês, Seringueira, Quaresmeira, Fícus Pertusa, Sucupira, Pau-Santo, Pau-Terra, Embiruçu, Jatobá, Pau-rosa;
Palmeiras: Buriti, Imperial, Guariroba, Gabiroba, Guapuruvu, ;
Arbóreas frutíferas: Pitomba, Jabuticaba, Jaca, Goiaba, Limão, Laranja, Caju e Mangueira, Pequi, Ingá, Amendoim-da-Mata, Araticum.
As árvores frutíferas são elementos emblemáticos ao paisagismo cuiabano, pois os quintais das casas coloniais eram repletos de exemplares em seus pomares, como também no cultivo das hortas, como forma de assegurar alimento às famílias cuiabanas nas fases de penúrias e crises econômicas vividas nos séculos XVIII, XIX e início de XX, face ao isolamento geográfico da capital com outras regiões do país. Dessa forma, o Parque Linear da Prainha deve reservar espaços concentrados ou dispersos de árvores frutíferas – pomares urbanos, salvo os locais de circulação de pedestres ou estacionamento de veículos.
Figura 141 Exemplos de abrigos artificiais e naturais adaptados ao clima do cerrado. Fonte: GOUVÊA, 2002: 109. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
228
9.2 TRAÇADO E IMPLANTAÇÃO GERAL DO PARQUE LINEAR DA PRAINHA O projeto se delineia a partir da proposta de se configurar morfologias que permitam a interação entre os espaços livres, equipamentos e edifícios do Parque Linear, proporcionando acessos abrigados do sol e chuva. A composição das vias de pedestre deve respeitar, quando necessário, os calçadões de comércio que permaneceram na proposta, como também se apropriar das áreas sombreadas pelas edificações existentes e a permanecer, abusando no uso de arborização e espelhos d’água. O traçado orgânico da vias e espaços livres é um desenho importante, pois se adapta perfeitamente às condições topográficas das curvas de nível, tendo em vista que as chuvas são concentradas no verão de Cuiabá, de outubro a março; quanto menos interferir nas condições naturais do terreno, melhor será a adequação e estabilização do solo frente às ações das intempéries (MASCARÓ, 2005b: 18). Além de facilitar a preservação da mata nativa, a topografia quando considerada também auxilia na diminuição da velocidade de água pluvial carreada. (GOUVÊA, 2002: 88)
9.3 ÁGUAS PLUVIAIS Toda pavimentação deve obedecer restritamente à necessidade de calçamento permeável, antiderrapante e de rugosidade necessária para minimizar a velocidade da água pluvial, e de cor clara para diminuir a absorção de calor solar (através das ondas de infravermelho invisível). Calçadas, passeios, pistas de caminhada, praças, vias; devem utilizar calçamento em concreto intertravado (em blocos pré-moldados articulados). Nos estacionamento, utilizar-se-á piso de concreto vazado (chamado piso ecológico), com grama cuiabana plantada em cada unidade vazada. A permeabilidade do solo é uma diretriz de projeto, pois além de atenuar as ações da chuva, contribui para a melhoria do clima urbano (temperatura e umidade), como também abastece o lençol freático através da umidificação do solo. (Figura 142)
229
Figura 142 Exemplo de pavimentação ecológica para a cidade. Fonte: GOUVÊA, 2002: 91. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
9.4 ACESSIBILIDADE E SINALIZAÇÃO Todos os equipamentos, sinalizações e mobiliário devem ser adaptados para a utilização dos portadores de necessidades especiais (permanentes ou temporários), bem como otimizar o acesso e uso de idosos, crianças, gestantes, pessoas obesas ou com dificuldade de locomoção. Pisos alertas e guias serão contemplados nos projetos e escolhas de materiais conforme as normas vigentes e Leis Municipais para projetos de espaços públicos. (ABNT/NBR 9050)
9.5 O PROJETO E A RELAÇÃO COM A FORMA DOS ESPAÇOS LIVRES Os espaços livres terão preferencialmente vegetação abundante, utilização excessiva de água através do córrego da Prainha, espelhos d’água, esguichos no nível do piso (projetores de água), desníveis, com vegetação viçosa e regada constantemente. Essas ações possibilitam que nos períodos de baixa umidade relativa do ar e, consequentemente, época de intensa fumaça (decorrente dos quintais e terrenos baldios da cidade, parques e reservas ambientais próximas, cultivo de cana-de-açúcar e outras fontes de queimada), ocorra o ressecamento excessivo do ar, pois em alguns períodos chega a quase 10% de umidade relativa do ar em Cuiabá. A melhoria da performance do clima urbano é vital para a eliminação da ilha de calor constatada no centro de capital. 230
9.6 EQUIPAMENTOS COMUNITÁRIOS E ALGUMAS INFORMAÇÕES GERAIS DO PROJETO DE INTERVENÇÃO O Parque Linear da Prainha apresenta no SETOR 1, 2 e 3, áreas respectivas de 620.545,66 m², 176.285,69 m² e 353.290,73 m². Isso totaliza um montante de 1.150.122,08 m² de área de intervenção urbana total, desde as cabeceiras do córrego até as áreas próximas do Parque de Exposições e antigo Mercado Municipal (Museu do Peixe), estas últimas já nas proximidades do rio Cuiabá. As informações a seguir podem ser analisadas de maneira mais completa através do projeto disponível nos Apêndices. A área linear do projeto urbano é de 2,77 km no SETOR 1; cerca de 1,97 km no SETOR 2; e 1,38 Km no SETOR 3. Assim, temos um total de 6,12 km de área linear de intervenção. As altitudes também são bastante variadas, desde 207 m na cabeceira do córrego (Bairro Alvorada), passando pelo Centro Histórico entre 182 e 173 m e, por fim, a região do Porto Geral, com média de altitude em torno de 146 m acima do nível do mar. A proposta contempla a substituição da função atual da Avenida Tenente Coronel Duarte como via estrutural, conforme já citado anteriormente. Em contrapartida, o fluxo grande de veículos advindo da Avenida Historiador Rubens de Mendonça (chamada Avenida do CPA), passando pela Avenida da Prainha até região do Porto (onde se conecta ao sistema viário de Várzea Grande), deverá ser desviado e concentrado na Avenida Miguel Sutil, à nordeste do Parque Linear, e à sudoeste (entre o Porto e Terceiro), sobre a Avenida Beira Rio. Entretanto, essa alternativa deve ser compreendida como uma sugestão viária, sendo que para o re-planejamento do sistema deverão ser feitos estudos de engenharia de trânsito e transporte, calcado no cálculo efetivo e preciso da demanda e necessidade de deslocamento desses fluxos urbanos. (Figura 143) Também é contemplada pela proposta a implantação de uma linha de metrô para a cidade, interligando os pontos extremos do projeto e em suas várias estações de transbordo de pessoas. O metrô, já atualmente, é uma alternativa viável para Cuiabá, porém pouco discutida pelo Poder Público em virtude seu alto custo de implantação e manutenção. Porém, será uma alternativa eficaz se interligar o projeto do Parque Linear da Prainha com toda a porção norte e nordeste da cidade, que são os bairros mais populosos de Cuiabá (a exemplo do bairro CPA e Morada da Serra, contemplam quase um terço da população total da cidade). Face ao caos no transporte público cuiabano, falta de qualidade e eficiência, calor excessivo dos veículos (pois poucos são climatizados), além do impacto ambiental no centro e região, essa alternativa de transporte é bastante plausível. Para os milhões de passageiros anuais será um deslocamento rápido, confortável e digno, já que sob o solo têm-se a inércia térmica que contribui com a minimização de calor, além de estar 231
comprovadamente afirmado a excelência ambiental e funcional do metrô sobre o veículo motorizado coletivo. Contudo, o transporte coletivo motorizado será uma alternativa de acesso para o Parque Linear, sendo a única modalidade de veículo motorizado permitido a circular pelo centro. (Figura 144)
Figura 143 Croqui do Parque Linear da Prainha a partir da vista da Igreja do Rosário (ao Centro) e Morro da Luz (à esquerda). Fonte: Autor, 06/11/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O caminhar à pé, corrida e deslocamento de bicicletas serão atividades incentivadas pelo projeto. Para tanto serão dimensionadas ciclovias extensas (e áreas de bicicletário), juntamente com pistas de caminhada, corrida e calçadões de acesso ao comércio, serviços e equipamentos. Esse deslocamento pedestre deve ser acompanhado de intensa arborização, água e áreas de sombreamento, descanso ou lazer. O conforto estará garantido, pois terá diversos postos de informação com bebedouros e sanitários ao longo do trajeto e nas proximidades de cada ponto de ônibus ou estação de metrô. Através da locação de quadras poli esportivas, campos de futebol, quadras de areia, o esporte terá garantido, definitivamente, seu lugar no centro da cidade, como há muito é indicado a necessidade de sua presença através dos inúmeros campos de futebol improvisados pela comunidade local nos terrenos baldios. A segurança pública é um ponto também marcante na proposta. Terá, ao longo do Parque, dez postos de policiamento (oito no SETOR 1, e dois em cada SETOR, o 2 e o 3). Os policiais estarão constantemente circulando pelo parque, assim, os focos de violência hoje existentes tanto no Bairro Araés e Centro como na região do Porto, serão eliminados.
232
A violência é um dos problemas decorrentes da segregação e exclusão social, tendo em vista a condição sócio-econômica e educacional de uma boa parcela da população que mora ou utilizará a região do Parque Linear, serão instalados seis Centros Educacionais de qualificação profissional, pré-vestibulares comunitários, alfabetização e inserção social. Aliados a essa idéia de educação social e ambiental, serão propostos quatro espaços para projetos de extensão e pesquisa universitária direcionados para a questão social, educacional e ambiental, em parceria com instituições universitárias públicas e privadas da cidade e região.
Figura 144 Croqui do Parque Linear da Prainha a partir da vista sobre o Largo do Mundéu e Chafariz (Praça Bispo Dom Aquino) e Igreja Bom Despacho (à esquerda). Fonte: Autor, 06/11/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
Nos bairros Centro Norte, Centro Sul e Dom Aquino, constatam-se atualmente a presença de setores terciários direcionados às atividades que não funcionaram mais na região da Parinha,
a
exemplo:
lojas
de
equipamentos
industriais,
auto-peças,
garagens,
estacionamentos. A esses espaços serão destinados novos usos de comércio voltados ao atendimento da população e implementação de turismo cultural e ambiental. Nas garagens, estacionamentos e vazios urbanos teremos a aquisição preferencial do Poder Público municipal, destinando à esses espaços novos usos como áreas de lazer, recreação, atividades sócio-culturais, museus, oficinas, etc. (Figura 145 e 146)
233
Os quintais cuiabanos e paisagismo das ruas serão incentivados através de medidas compensatórias e atenuações fiscais sobre os imóveis dos proprietários conscientes, o que minimiza o processo de impermeabilização crescente ao qual têm prejudicado tanto o clima urbano da cidade nas últimas décadas. Os cidadãos de baixa renda que não tiverem condições dignas de moradia, principalmente os que habitam casarões centenários da arquitetura colonial, serão relocados para habitações de qualidade, construídas no mesmo Bairro, com a opção de retornarem para suas antigas casas após a restauração necessária conforme o caso.
Figura 145 Croqui do Parque Linear da Prainha e os novos espaços e construções propostas para as áreas a serem desapropriadas. Edifícios construídos com técnicas e materiais locais (regionalismo arquitetônico), adequadas ao clima como a madeira, a cobertura de palha de buriti, sistemas de ventilação, etc. Fonte: Autor, 06/11/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
O patrimônio arquitetônico será inserido completamente na rota turística, cultural, religiosa e ambiental dos pedestres, para tanto todos os edifícios históricos, principalmente os abandonados pelo poder local, serão restaurados e determinado usos específicos, desde que não agridam suas instalações. O patrimônio ambiental e paisagístico estará garantido, bem como a cultura cuiabana e as demais culturas que têm migrado intensamente para a cidade e região nas últimas décadas. O Parque Linear da Prainha é uma esperança nova de 234
cidade, uma alternativa utópica e transformadora do clima urbano caótico, bem como dos usos e funções do centro de Cuiabá a partir da reinvenção urbana do córrego da Prainha, este que desde a década de 1970 tem sido esquecido, marginalizado, poluído, escondido e ignorado, principalmente, pelo Poder Público municipal.
Figura 146 Croqui de um centro educacional e qualificação profissional. Além da arquitetura de referências regionalistas, têm-se a utilização do piso subterrâneo para adequação climática mais eficiente decorrente da inércia térmica do solo. O paisagismo e o uso da água (cascatas) permitem melhor ambiência urbana. Fonte: Autor, 06/11/2007. /Org.: SILVA, Geovany J. A., 2007.
235
CONSIDERAÇÕES FINAIS No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de natureza os elementos indispensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos. A cada constelação de recursos correspondia um modelo particular. Pouco a pouco esse esquema se foi desfazendo: as necessidades e a organização da sociedade e do espaço tinha de se fazer segundo parâmetros estranhos às necessidades íntimas ao grupo. Essa evolução culmina, na fase atual, onde a economia se tornou mundializada, e todas as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos. É nessas condições que a mundialização do planeta unifica a natureza. Sem o homem, isto é, antes da história, a natureza era uma. Continua sê-lo, em si mesma, apesar das partições que o uso do planeta pelos homens lhe infligiu. Agora, porém, há uma enorme mudança. Uma, mas socialmente fragmentada, durante tantos séculos, a natureza é agora unificada pela história, em benefício de firmas, Estados e classes hegemônicas. Mas não é mais a Natureza Amiga e o Homem também não é mais seu amigo. Milton Santos, 2002
A compreensão da histórica ocupação urbana da cidade de Cuiabá e suas diversas intervenções ao longo dos séculos, na região do córrego da Prainha, é um princípio para o entendimento das condicionantes urbanísticas que permearão o Projeto. O Parque Linear da Prainha se constitui de um projeto utópico devido ao seu ideário proposto e inimaginável para a cidade atual, pois a área se encontra intensamente ocupada e consolidada, ao passo que já não se apresenta as mínimas referências naturais do lugar. A implantação desse projeto implicaria na remoção de algumas funções estruturantes na Cuiabá contemporânea, pois a atual Avenida Tenente Coronel Duarte representa uma artéria viária estrutural, marco divisor entre a região Leste e Oeste, interligando a porção Norte da cidade com a Sul e ao município de Várzea Grande. Existe um outro agravante para a implementação de um projeto de cunho utópico, a visão imediatista das administrações municipais não vislumbra uma cidade a longo prazo, pois seus projetos de governo quase sempre tendem às obras eleitoreiras e de retorno imediato à comunidade. A proposta do Parque Linear da Prainha se faz utópica, pois rejeita todas as intervenções equivocadas já realizadas na área, contrariando a imagem da Prainha existente e que já se apresenta impregnada na opinião pública dos usuários da área. A população pede sua canalização porque o córrego da Prainha, nas últimas décadas, é sinônimo de sujeira, mau cheiro, poluição, e de doenças transmitidas por insetos e ratos. A retificação e posterior canalização fechada do córrego; a implantação de uma via de trânsito rápido cortando o Centro Histórico da cidade; a locação de um sistema deficitário de coleta de esgoto e águas pluviais e conseqüente lançamento para o córrego, fato que culmina com a instalação de 236
uma estação elevatória à jusante da Prainha que desviaria a água para o tratamento e despoluição (fato que não ocorre no contexto atual, pois as águas poluídas são lançadas diretamente no rio Cuiabá); são ações paliativas ao problema, que não equacionam a situação crítica da região. A ausência de verde, a verticalização do centro, a impermeabilização do solo e intenso tráfego de veículos desqualificam a área para a ocupação humana, contrariando o intenso comércio atuante na região. Intervir nos centros urbanos pressupõe avaliar sua herança histórica e patrimonial, seu caráter funcional e sua posição relativa na estrutura urbana, mas, principalmente, precisar o porquê de se fazer necessária a intervenção. Esta idéia de intervenção sustenta-se na identificação de um claro processo de deterioração que pode ser entendido por analogia aos termos provenientes das ciências biológicas. Intervenção e cirurgia são palavras sinônimas, e o organismo submete-se a uma intervenção basicamente em três situações: para a recuperação da saúde ou manutenção da vida; para a reparação de danos causados por acidentes e, mais recentemente, para atender às exigências dos padrões estéticos. Os conceitos de deterioração e degradação urbana estão frequentemente associados à perda de sua função, ao dano ou à ruína das estruturas físicas, ou ao rebaixamento do nível do valor das transações econômicas de um determinado lugar. Deteriorar é equivalente a estragar, piorar ou inferiorizar. Já a palavra degradação significa aviltamento, rebaixamento e desmoronamento. Degradar vem de gradus, “grau”, que compõe a palavra degrau, na qual a preposição “de” refere-se a qualquer coisa que se movimenta de cima para baixo (Castilho, 2004). Em geral, a referência aos espaços degradados acontece quando, além das estruturas físicas, verifica-se a reverberação da mesma situação nos grupos sociais. Atribui-se a condição de empobrecimento e de marginalização e destruição das bases da solidariedade entre os indivíduos e o descrédito na noção de bem comum (Gutierrez, 1989). (VARGAS & CASTILHO, 2006: 3-4)
O projeto do Parque Linear da Prainha tem um caráter subjetivo e simbólico, pois busca devolver a cidade de Cuiabá aos cuiabanos, reconsiderando sua história negada pelo processo de modernização e subjugação da cultura
regional ao programa de
desenvolvimento de interesses nacionais e internacionais. A cidade não mais dará as costas para seus rios e córregos, ao contrário, reconheceria sua presença e se identificaria com suas potencialidades ambientais; o grande parque da Prainha se constituirá no quintal das casas cuiabanas, com seus pomares, suas árvores e muita água, em referência a antiga casa colonial de ricas hortas e árvores frutíferas para os períodos de estiagem e crises financeiras. Um futuro de cidade mais igualitária seria possível, com espaços verdes de lazer e convívio, centros de educação e qualificação profissional, água e arborização, equipamentos urbanos, mobiliários de desenho qualitativo, policiamento eficaz e com constante fluxo de pessoas e atividades culturais, esta é uma imagem possível para a região da Prainha. O potencial ambiental e turístico da área deve ser visto como uma alternativa sensível ao sistema viário presente.
237
O que atraí, no passado e no futuro, é justamente o não estar “presente”. É até mesmo possível reunir as duas categorias aparentemente contraditórias em uma só e considerar tudo como utopia: entendida não tanto como prefiguração de um tempo melhor, mas como desgosto e impossibilidade de viver no atual. (ARGAN, 2001: 09)
O resgate do meio ambiente, a recuperação dos recursos naturais e de suas matas de galeria, a valorização do patrimônio histórico arquitetônico, a construção de uma área de conexão entre o passado e o futuro é a prefiguração de um presente melhor de cidade, uma utopia que une definitivamente o homem à sua cidade, ao seu lugar melhor. O Parque Linear da Prainha é uma intervenção na vida urbana de Cuiabá para o século XXI, pois propõe o caminhar ao automóvel, o encontro das pessoas com a função social de um espaço de lazer numa área de preservação permanente ambiental e histórica. A minimização do trânsito de veículos em detrimento do caminhar do pedestre é uma opção saudável para a vida urbana em todos os aspectos, a separação entre o parque (feito para as pessoas) e as vias estruturais (feitas para os veículos) é clara e eficaz na construção de uma cidadania urbana da Cuiabá do século XXI, atingindo a sustentabilidade temporal, social e ambiental.
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