TRANSFORMAÇÕES URBANAS E PERIFERIZAÇÃO
ORGANIZADORES
Geovany Jessé Alexandre da Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira 1
Lugares e suas interfaces intraurbanas
transformações urbanas e periferização
ORGANIZADORES
Geovany Jessé Alexandre da Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira
organização
Geovany Jessé Alexandre da Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira projeto gráfico e capa
Efraim Ádonis dos Santos Carlos editoração eletrônica
EFRAS Design Studio revisão ortográfica
Emanoella Alves Pinto revisão
Autores/Organizadores
Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba L951
Lugares e suas interfaces intraurbanas: transformações urbanas e periferização [recurso eletrônico] / Organizadores: Geovany Jessé Alexandre da Silva, Milena Dutra da Silva, José Augusto Ribeiro da Silveira.- João Pessoa: Editora da UFPB; Editora Paraiboa, 2016. Acesso: www.ufpb.br/pos/ppgau Acesso: https://sites.google.com/site/ppgauufpb E-book – PDF. (22.956kb) ISBN: 978-85-92504-01-4 1. Arquitetura e urbanismo. 2. Planejamento urbano e ambiental. 3. Paisagem urbana. 4. Transformações urbanas. 5. Conservação do patrimônio. I. Silva, Geovany Jessé Alexandre da. II. Silva, Milena Dutra da. III. Silveira, José Augusto Ribeiro da. CDU: 72+711
Lugares e suas interfaces intraurbanas transformações urbanas e periferizações
Organizadores: Geovany Jessé Alexandre da Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU/UFPB
conselho editorial do ppgau/ufpb Aluísio Braz de Melo Marcio Cotrim Cunha Nelci Tinem
Coleção diálogos entre arquitetura e cidade
EDITORA UNIVERSITÁRIA UFPB EDITORA PARAIBOA
SUMÁRIO
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO
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PARTE 1
PRECEDENTES E PROBLEMÁTICAS CONTEMPORÂNEAS A CIDADE EM DISPERSÃO Geovany Jessé Alexandre da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira Milena Dutra Silva
O NOVO PARADIGMA ARQUITETÔNICO E URBANÍSTICO DA COMPLEXIDADE SUSTENTÁVEL CRIATIVA: EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS EM PESQUISAS BÁSICAS E APLICADAS Cesare Blasi Bruno Roberto Padovano Gabriella Padovano Bibiana Carreño Zambra
DENSIDADE, DISPERSÃO E FORMA URBANA:
DIMENSÕES E LIMITES DA SUSTENTABILIDADE NAS CIDADES BRASILEIRAS Geovany Jessé Alexandre da Silva Samira Elias Silva Carlos Alejandro Nome
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PARTE 2
ESTUDOS APLICADOS: PERSPECTIVAS E A APROPRIAÇÃO ESPACIAL OPÇÃO DO CIDADÃO:
POR DIFERENTES AMBIENTES CONSTRUÍDOS EM LISBOA, PORTUGAL Tânia Beisl Ramos
ESTRATEGIAS Y CRITERIOS DE INTERVENCIÓN PARA EL MEJORAMIENTO DE LAS CUALIDADES PAISAJÍSTICASAMBIENTALES DEL BORDE OCCIDENTAL DE BUCARAMANGA, COLOMBIA:
WORKSHOP RECUALIFICACIÓN DEL BORDE OCCIDENTAL DE BUCARAMANGA SOLUCIONES PARA EL VALLE DEL RÍO DE ORO Marcello Magoni Sandra Mesa García Catalina Rodríguez Espinel Fabio Lizcano Prada
O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA PRODUTIVA CONTÍNUA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA AVANÇOS EM SUSTENTABILIDADE URBANA Gabriela Giacobbo Moschetta Miguel Aloysio Sattler
140
158 184
SUMÁRIO
PARTE 3
ESTUDOS APLICADOS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PARAÍBA, BRASIL O BONDE A BURRO NO DESENHO URBANO DA CIDADE DA PARAHYBA José Estevam de Medeiros Filho
TERRITÓRIOS, INTERVENÇÕES E PRÁTICAS URBANAS:
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A REQUALIFICAÇÃO DO PORTO DO CAPIM NA CIDADE DE JOÃO PESSOA, ESTADO DA PARAÍBA, BRASIL – PROCESSOS, PESQUISA E AÇÃO Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia
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EXPANSÃO URBANA E PERIFERIZAÇÃO EM UMA CIDADE DE PORTE MÉDIO: CRESCIMENTO, DIREÇÃO E VELOCIDADE Milena Dutra da Silva Juliana Carvalho Clemente Geovany Jessé Alexandre da Silva Nadjacleia Vilar Almeida José Augusto Ribeiro da Silveira
CONJUNTOS HABITACIONAIS POPULARES E PERIFERIZAÇÃO:
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A PRODUÇÃO E A APROPRIAÇÃO DO SETOR SUDESTE DE JOÃO PESSOA/ PARAÍBA Ana Gomes Negrão José Augusto Ribeiro da Silveira
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ANÁLISE DA ACESSIBILIDADE E DA MOBILIDADE NA PERIFERIA SUL DA CIDADE DE JOÃO PESSOA-PB Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro Paulo Vitor Nascimento de Freitas Anneliese Heyden Cabral de Lira Lídia Pereira Silva José Augusto Ribeiro da Silveira
URBANIDADE RECONQUISTADA?
TRANSFORMAÇÕES FISICOESPACIAIS E SOCIAIS EM MANGABEIRA, JOÃO PESSOA, ESTADO DA PARAÍBA, BRASIL Maiara Dutra Vasconcelos dos Santos Marcele Trigueiro de Araújo Morais
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APRESENTAÇÃO
As transformações ocorridas no espaço urbano, indubitavelmente, constituem-se em um complexo e atraente objeto de estudo, que tem despertado o interesse de diversos atores sociais, direta ou indiretamente vinculados à gestão e ao planejamento urbano e ambiental, entre outras áreas. Trata-se de uma temática de interesse universal, que influencia e é influenciada por aspectos culturais, econômicos, sociais, demográficos, geográficos, ambientais etc. Permeiam esses aspectos, fenômenos globais, regionais e locais, tornando o estudo das transformações do espaço urbano ainda mais intrincado e longe de ser inteiramente apreendido. As transformações urbanas, em um esforço didático de sistematização, podem ser classificadas, de acordo com Zeren Gülersoy e Güler1 (2011), em três grandes categorias: a) transformações urbanas baseadas na conservação do patrimônio – correspondentes às áreas de significado histórico e cultural da cidade, que passam por transformações urbanas visando à preservação histórica e a conservação urbanística, tendo como método a restauração urbana, a restituição, a renovação e a reutilização; b) transformações baseadas na regeneração urbana – relativas às áreas de potencial econômico e funcional, e/ou áreas industriais/portuárias 1 Zeren Gülersoy e Güler. Conceptual challenges on urban transformation. ITU A|Z, 8(1), 10-24, 2011.
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degradadas, nas quais as transformações urbanas incidem para a regeneração urbana, utilizando como método a mudança de uso da terra, a reconstrução, a recuperação e a reestruturação; e c) transformações urbanas baseadas no (re)desenvolvimento – referentes às áreas devastadas e/ou deterioradas da cidade, cujas transformações urbanas enfocam a reconstrução, a requalificação urbana e a reestruturação socioeconômica, resultante do processo de “renascimento urbano”, revitalização, reabilitação e a reutilização adaptativa. Salientamos, especialmente, as transformações urbanas de caráter morfológico decorrentes dos próprios processos de expansão da urbe, dadas pela inserção de “novos espaços urbanos” ao tecido preexistente, a partir dos mecanismos de produção e apropriação do espaço urbano e das mudanças de uso da terra, resultantes do processo de periferização. Nesse sentido, as transformações urbanas não só se revelam nos espaços urbanos consolidados, mas efervescem, sobretudo, nas áreas periféricas da cidade, postas como áreas-limites entre o urbano e o rural, e em constante transformação. As referidas “novas áreas periféricas”, de acordo com Silveira2 (2014), (...) passam a ser, mais que antes, um palco complexo onde se materializa certa convergência social e política, e uma diversidade de interesses, condutas e processos, em articulação e conflito, de vários agentes modeladores do espaço, o que realça a relevância do estudo da periferização e das bordas urbanas, como espaços mais avançados da cidade, e a necessidade de se refletir sobre as novas (des)relações centro – periferias urbanas.
Com a tendência de concentração de diferentes classes sociais em áreas da cidade, a segregação constitui o outro pilar fundamental da produção do espaço da urbe capitalista, mostrando que a integração e a exclusão não são processos independentes um do outro, mas são duas dimensões do processo de segregação influentes na periferização, como 2 SILVEIRA, J.A.R. Urban sprawl, periferização e bordas urbanas. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 164.07, Vitruvius, mar. 2014. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ minhacidade/14.164/5106>.
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apontado por Villaça3 (1998). As transformações urbanas, seus modos e intensidades, suscitam, também, um largo debate acerca de sua sustentabilidade, dos custos relacionados à sua ocorrência e manutenção, dos bônus e ônus gerados, vinculados aos meios físico-ambientais, econômicos e sociais, determinantes da qualidade de vida urbana. Considerando os aspectos e problemáticas da transformação urbana, aqui brevemente comentados, o presente livro intitulado “Lugares e Suas Interfaces Intraurbanas: Transformações Urbanas e Periferização”, apresenta artigos de discussão teórico-conceitual e de estudos aplicados, com a participação de autores brasileiros (PB, SP, RS) e estrangeiros (Colômbia, Itália e Portugal). A organização do livro é resultado do trabalho desenvolvido pelo Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE), do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba, trabalho esse diretamente vinculado aos projetos de pesquisa para estudo da expansão urbana e da periferização conduzidos pela equipe de pesquisadores do LAURBE/UFPB e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPB (PPGAU/UFPB), e a partir de financiamento do PNPD CAPES, do Brasil. “Lugares e Suas Interfaces Intraurbanas: Transformações Urbanas e Periferização” apresenta-se em três partes: [parte 1] “Precedentes e Problemáticas Contemporâneas”, na qual são apresentadas pesquisas e trabalhos aplicados de viés teórico e crítico à atual conjuntura urbana, com ênfase às pesquisas do LAURBE e PPGAU, juntamente com a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, bem como de pesquisadores da FAUUSP e Politécnico de Milão, Itália; [parte 2] “Estudos Aplicados: Perspectivas e a Apropriação Espacial”, nesta são demonstradas três experiências aplicadas em casos distintos (Lisboa-Portugal, Bucaramanga-Colômbia, e Feliz-RS), representadas por três artigos de quatro instituições envolvidas: Universidade de Lisboa, Politécnico de Milão e Universidade Santo Tomás de Bucaramanga-Colômbia, e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil; e [parte 3] “Estudos Aplicados na Cidade 3 VILLAÇA, F. Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo, NOBEL, 1998
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de João Pessoa, Paraíba, Brasil”, que contemplam trabalhos do LAURBE e PPGAU, e outros laboratórios e instituições parceiras, sobre estudos aplicados à cidade de João Pessoa-PB, Brasil. Em continuidade aos dois volumes lançados anteriormente (“Lugares e Suas Interfaces Intraurbanas: a cidade vista por meio de suas diferentes escalas”, 2014; e “Dinâmica da Cidade e Bordas Urbanas”, 2015), este livro reforça a conexão entre pesquisadores envolvidos com temáticas urbanas contemporâneas [nas quais o LAURBE e o PPGAU/UFPB têm se debruçado], conectando centros de pesquisa consolidados, na busca de acrescentar novos horizontes científicos às discussões urbanas avançadas no Brasil. Geovany Jessé Alexandre da Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira Janeiro de 2016.
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PARTE PRECEDENTES E PROBLEMÁTICAS CONTEMPORÂNEAS
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A CIDADE EM DISPERSÃO Geovany Jessé Alexandre da Silva
[PPGAU-UFPB/Brasil]
José Augusto Ribeiro da Silveira
[PPGAU-UFPB/Brasil]
Milena Dutra Silva
[PPGAU-UFPB/Brasil]
INTRODUÇÃO (...) Quanto mais estradas (...) construímos, menos tempo parece ter cada indivíduo (...). Quanto mais ênfase se dá à economia de tempo, mais se orienta o conjunto de sistema de transporte para atender às necessidades dos mais ricos da sociedade.1 La Contaminación del Tiempo - John Whitelegg (JOHN WHITELEGG apud DURÁN, 2004: 47)
Neste artigo serão apresentadas algumas teorias sobre a gênese do denominado espalhamento urbano (urban sprawl ou sprawl city), para, posteriormente, demonstrar alguns desmembramentos ou reproduções no Brasil (e no contexto latino-americano) deste fenômeno de construção do espaço urbano, finalizando com os principais questionamentos conceituais e contrapropostas urbanísticas. Deste modo, este trabalho busca situar a problemática e suas origens, recorrendo à literatura específica e consultando dados diversos à procura de elementos que contextualizem e demonstrem as especificidades do fenômeno urbano conforme as condicionantes em cada região, sua gênese e desmembramentos posteriores. Assim sendo, a análise dos processos de produção e reprodução do urbano, aqui efetuada, se apresenta de forma mais 16
1 “Cuantas más carreteras (...) construimos, menos tiempo parece que tiene La gente (...) Cuanto más énfasis se pone en el ahorro de tiempo, más se orienta El conjunto del sistema de transporte a servir las necesidades de los sectores más ricos de la sociedad.” La In: La Contaminación del Tiempo (JOHN WHITELEGG apud DURÁN, 2004: 47) – [Tradução Nossa]
qualitativa do que quantitativa na maioria dos casos estudados, pois as distinções e determinantes são extremamente singulares e específicas, não cabendo, nessa conjuntura, a comparação direta das especificidades entre o urbano europeu2, norte-latinoamericano face às diversas relações econômicas, sociais, históricas, culturais, políticas e ambientais características para cada realidade e seu respectivo locus. Todavia, estudos de casos desse âmbito, mesmo que em regiões mais ricas e ditas desenvolvidas, podem apontar caminhos (ou descaminhos) pelos quais as cidades brasileiras tendem a passar, e a enfrentar problemas similares, tendo em vista que o processo de dispersão urbana, de baixa densidade (decrescente, em relação às áreas urbanas centrais), de ênfase automotiva, verificando a alocação de condomínios unifamiliares nas periferias urbanas, são aspectos recorrentes em diversas cidades da América Latina. No Brasil, como se sabe, este fenômeno de expansão urbana iniciado na segunda metade do século XX, agora se acentua com o aumento do poder aquisitivo da população em geral, ao acesso de programas habitacionais diversos e às linhas de crédito que, além da casa e bens de consumo, permitiram que as cidades recebessem uma quantidade exponencialmente maior, ano a ano, de automóveis. E é especialmente nestes apontamentos críticos que os capítulos a seguir buscaram se debruçar.
O FENÔMENO DO ESPALHAMENTO URBANO (URBAN SPRAWL / SPRAWL CITY):
A DIFUSÃO DO MODELO DE ESPALHAMENTO URBANO E SEUS IMPACTOS
(...) Da mesma forma que o elevador tornou possível a existência do arranha-céu, o automóvel possibilitou que os cidadãos vivessem longe dos centros urbanos. Ele viabilizou a compartimentação das atividades cotidianas, segregando escritórios, lojas e casas. E quanto maiores as cidades, mais antieconômico era expandir o sistema de transporte público, e mais dependentes de seus carros ficavam os cidadãos. (ROGERS, 2005: 35) 2 Há, conforme estudos de morfologia e densidade urbana, recorrência de padrões ocupacionais menos densos em cidades anglo-saxônicas (norte-americanas, inglesas, sul africanas e oceânicas) do que em cidades euro-latinas (europa do sul) e latino-americanas.
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A expansão urbana – dada em modelo de espalhamento ou em dispersão urbana – (Urban Sprawl), é um fenômeno de origem pósindustrial e se relaciona diretamente com os aspectos culturais da era contemporânea. Constituiu-se em um modelo urbano que tem evoluído ao longo da história do urbanismo dos últimos três séculos, decorrente da necessidade de se ordenar o território das cidades em expansão, principalmente, após a Revolução Industrial do século XVIII. Contudo, este fenômeno tem desmembramentos regionais distintos, conforme a interpretação dos conceitos, novas formulações teóricas agregadas ao projeto urbano e às necessidades emergentes. Se nos EUA e Europa tal fenômeno inicia nessa época e se consolida na primeira metade do século XX, com a apropriação do conceito modernista de circulação como prioridade na ordenação das cidades e constituição viária, nas cidades latino-americanas ou em países em desenvolvimento, este fenômeno obedece a condicionantes específicas e partidárias de outro tempo e de outra socioeconomia, reverberando em formas distintas conforme as origens da corrente e nível de industrialização e urbanização de cada região e país, mas em especial, decorrente do embate entre o público e o privado sobre esse processo urbano. Todavia, nas duas vertentes de cidade dispersa, a do mundo desenvolvido e a do mundo em desenvolvimento, constituem espaços fragmentados na cidade, tanto em seu caráter morfológico, quanto nas questões socioeconômicas e ambientais (Figura 1).
Figura 1: Projeção da população urbana mundial (por continente) em três períodos: 1950, 2007 e 2030. Elaboração: Geovany J. A. Silva (2015) / Fonte: Dados da United Nations: World Urbanization Prospects (2006).
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Se nos países desenvolvidos – principalmente nos EUA e Canadá, na América do Norte, e Inglaterra, na Europa Ocidental – assiste-se a uma ocupação dos subúrbios pela classe social de maior poder aquisitivo, em busca da união entre campo e cidade, idealizada por Ebenezer Howard em sua cidade-jardim; nos países em desenvolvimento como o Brasil, México, Colômbia, Argentina, Índia, China, entre outros, há, de modo geral, uma apropriação do subúrbio pelas classes menos favorecidas da sociedade, resultando na constituição de grandes ocupações em áreas irregulares. Algumas vezes, nestes países, o subúrbio é disputado por ricos e pobres em seu processo de ocupação, em outros casos, há uma completa dissociação espacial entre o subúrbio dos ricos e dos pobres. Nos EUA, já no início do século XXI, metade da população morava em subúrbios, constituindo, assim, a grande nação suburbana, cujas características são a de uso da terra por meio da baixa densidade, a forte dependência do automóvel para circulação – e consequente ênfase a um complexo e extenso sistema viário automotivo –, a segregação de usos da terra e perda de oportunidades econômicas por alguns grupos, especialmente no interior das cidades (antigos centros urbanos), de distribuição espacial difusa, generalizada e residencial-familiar (Figuras 2 e 3).
Figura 2: Espalhamento da cidade de Atlanta (fundada em 1840) e demais regiões incluindo Cobb, Douglas, Fulton, Gwinnett, DeKalb, Clayton e Rockdale. À esquerda, em 1973, com 1,4 milhões de habitantes em 201 mil acres e, à direita, em 1992, com 2,3 milhões em 375 mil acres de terra urbana. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Auch, Taylor & Acevedo (2004: 10-11).
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Figura 3: Espalhamento urbano de Boston (fundado em 1630) e demais regiões, incluindo os condados de Essex, Suffolk, Norfolk, Middlesex e Worcester. À esquerda, em 1973, com 4 milhões de habitantes em 330 mil acres e, à direita, em 1992, com 4,06 milhões em 489 mil acres de terra urbana. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Auch, Taylor & Acevedo (2004: 12-13).
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Para Frumkin (2001), em seu trabalho intitulado de “Urban Sprawl and Public Health”, há uma relação direta entre a saúde pública e a expansão urbana. Esta tem como característica o rápido espalhamento geográfico das áreas metropolitanas, estabelecendo padrões morfológicos construtivos de baixa densidade, segregação de usos e ocupação do solo distintos, forte dependência de viagens de automóvel e consequente construção extensiva de autopistas, implementação de bairros e arquiteturas indutoras de homogeneidade socioeconômica, transferência de investimento de capital e oportunidade econômica do centro da cidade para a periferia, além de uma relativa fragilidade de planejamento urbano regional, face ao sistema oneroso, fragmentado e desarticulado. Cabe ainda destacar que os custos econômicos, ambientais e sociais da expansão têm sido amplamente debatidos, mas as implicações à saúde têm recebido menos atenção. Os impactos diretos da dependência de automóvel, para o autor, se situam entre: a poluição do ar, acidentes automobilísticos, lesões e mortes de pedestres. Os efeitos que se relacionam com os padrões de uso da terra e que tipificam a expansão são: a diminuição da atividade física, as ameaças à quantidade e qualidade da água e o aumento e/ou intensificação do fenômeno urbano de ilha de calor. Há, ainda, os efeitos de saúde mental e social que são mediados pelas dimensões sociais da expansão e/ou espalhamento urbano. Em 1814, quando o serviço ferroviário a vapor começou a funcionar em Nova York, entre Manhattan, o centro urbano, e
Brooklyn, a área suburbana, tornou-se possível uma locomoção espacial mais eficiente entre centro e periferia da cidade. Assim, os subúrbios continuaram a se desenvolver lentamente, contudo, de forma constante durante os séculos XIX e início do XX, graças ao avanço dos transportes, como trens e bondes, bem como às inovações dos primeiros promotores imobiliários e à vontade da população em viver na denominada “pastoral tranquility” (Frumkin, 2001: 03), ao invés da miséria e intenso impacto ambiental dos centros urbanos. Este cenário se repetiu nas grandes cidades norteamericanas durante o período citado. Todavia, é com o advento do automóvel de maneira mais acessível à população, que o processo de suburbanização se acentua excessivamente durante a segunda metade do século XX, resultando em um cenário atual em que a cada dois norte-americanos, um vive em subúrbio (Figura 4). Figura 4: Região de Toronto, província de Ontario, Canadá, nas imediações da Avenida Kipling. Os bairros da região apresentam subdivisão (ou parcelamento) muito similares entre si, e foram constituídos por volta da segunda metade do século XX (a imagem é de 1960). A figura exemplifica o padrão de crescimento típico da última metade do século XX, dependente do automóvel e de gasolina barata, para a época. Fonte: Keith Schneider (2005) / Disponível em: <http://evworld.com/ article.cfm?storyid=899>. Acesso em: 03/08/2010.
Nos últimos anos a rápida expansão das áreas metropolitanas tem sido identificada como “urban sprawl” (termo referente à expansão ou ao espalhamento urbano), que se traduz em um complexo padrão de uso e ocupação do solo, conectado por um intrincado sistema de transporte correspondido pelo desenvolvimento socioeconômico vivenciado, especialmente, na 21
segunda metade do século XX. Enquanto as cidades se estendem até as zonas rurais, grandes extensões de terra se reproduzem na área urbana em baixa densidade, configurando um modelo de parcelamento urbano disperso e de alto custo de implementação e manutenção. Usos distintos são agrupados como forma de funcionalizar a dispersão urbana, estabelecendo conjuntos rígidos, monofuncionais, de habitações, lojas, escritórios, hospitais, escolas, indústrias, parques de lazer e espaços públicos (parques, praças e equipamentos urbanos), mantidos separados uns dos outros e regulamentados pelo planejamento urbano e leis de zoneamento. Frumkin (2001: 03) destaca que “Extensive roads need to be constructed, and most trips, even to buy a newspaper or a quart of milk, require driving a car.” (Figura 5).
Figura 5: O Ciclo de Dependência Automotiva nos sistemas urbanos, caracteriza que a dinâmica urbana está focada na circulação, armazenamento e aquisição de automóveis, e estes induzem o planejamento e uso do solo em virtude de suas características de transporte. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Litman (2002) e Colby (2006).
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Nesse modelo de cidade dispersa, o deslocamento pendular3 passa a ser um ponto-chave para a manutenção do sistema urbano. Assim, são construídas extensivas estradas para possibilitar as viagens constantes e diárias a serem realizadas pelos habitantes urbanos, estabelecendo uma grande dependência em relação ao automóvel. Nos conjuntos habitacionais suburbanos há um agrupamento homogêneo em aspectos arquitetônicos, étnicos ou socioeconômicos, estabelecendo-se espaços humanos similares entre si, conforme o nível de renda ou modo de vida e, de certa forma, monótonos. Se comparados com cidades menores ou às cidades tradicionais seculares, ficam explícitas as distinções espaciais e morfológicas das cidades dispersas, que induzem, inclusive, a modelos comportamentais e de vida distintos aos da cidade compacta, esta de maior diversidade, coesão social e humana. Ainda há na dispersão urbana um deslocamento dos investimentos de capital e oportunidades econômicas entre o centro e a periferia, e o planejamento urbano e sua coordenação são relativamente frágeis no controle das disparidades espaciais em face da força especulativa e imobiliária sobre o território. A dispersão urbana induz à formação de uma rede de circulação entre regiões e cidades próximas, fazendo com que seus habitantes busquem alternativas de moradias mais baratas ou de maior qualidade, muitas vezes, em cidades vizinhas, induzindo a uma dependência ainda maior do transporte entre trabalho, casa, lazer, serviços. Nos EUA, a mudança para os subúrbios se traduziu em uma preferência de estilo de vida, contudo, essa transformação demográfica, comportamental e espacial refletiu drasticamente no meio ambiente e na saúde do norte-americano. A forte dependência do automóvel é um dos fatores mais impactantes, traduzidos pelo aumento da poluição do ar, acidentes automobilísticos, lesões e mortes de pedestres. Outros fatores decorrem dos padrões de uso da terra que tipificam a expansão: a diminuição da atividade física, as ameaças à quantidade de água e o aumento significativo da ilha de calor urbano. Por fim, alguns efeitos de saúde pública – 3 Os deslocamentos pendulares são caracterizados como um tipo de mobilidade populacional intraurbana, sendo mais intensos em áreas de maior concentração da população. Tornaram-se um importante aspecto a ser considerado na dinâmica urbana metropolitana nas últimas décadas. Também constituem uma dimensão da organização e da alocação das atividades econômicas, pois são mediados pela confluência dos processos de transformação do espaço urbano, e derivados, em grande parte, da sua forma de expansão e de ocupação pela população, além da relação com a distribuição das funções urbanas. (ÂNTICO, 2005)
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mental e de capital social – são decorrentes das dimensões sociais de expansão urbana. A saúde ambiental individual é bastante conhecida nos modelos de dispersão e dependência de automóvel, porém, a avaliação dos impactos dentro de um aspecto mais amplo do fenômeno de expansão, incluindo o uso da terra, transporte, projeto e planejamento urbano e regional, tem sido a “propriedade intelectual” de engenheiros e urbanistas, mas a saúde pública, dentro desse campo de análise, não apresentou políticas de orientação e ordenação dos efeitos, ou quadros científicointelectual que atestassem seus impactos. Este é o legado dos séculos XIX e XX, quando a saúde pública se sobrepõe ao urbano e ao planejamento, determinando quadros socioeconômicos e humanos característicos, contudo, a dispersão urbana sempre se associa a dois fenômenos: o crescimento populacional e a urbanização generalizada (FRUMKIN, 2001: 04). Os estudos atuais apontam para uma relação da expansão urbana entre o desenvolvimento de um modelo de ocupação de baixa densidade e a dependência automotiva. Por exemplo, na área metropolitana de Atlanta, uma das exemplificações extremas de cidades dispersas no mundo, há uma média de 35,1 milhas per capita de circulação diária, porém, em cidades mais densas há uma diminuição considerável no índice de circulação per capita diária, como nos casos de: Filadélfia, com 16,7 milhas per capita; Chicago, com 19,7 milhas per capita; e São Francisco com 21,1 milhas per capita. Por outro lado, os veículos motorizados são uma das principais fontes de poluição do ar em áreas urbanas, mesmo com as mudanças tecnológicas dos sistemas de emissão e catalisadores em caminhões e automóveis, o grande aumento da quantidade de veículos, de potência e desempenho, e quantidade de milhas percorridas diariamente, per capita, tem resultado no aumento considerável da emissão de gases como o monóxido de carbono, dióxido de carbono, óxido de nitrogênio, partículas em suspensão e hidrocarbonetos na atmosfera. O óxido de nitrogênio e hidrocarboneto, na presença de luz solar, reagem e formam o ozônio, outro importante gás componente do efeito estufa. Segundo Frumkin (2001: 06), nos EUA, as fontes automotivas (caminhões e carros) são responsáveis por cerca de 30% das 24
emissões de óxido de nitrogênio e 30% de hidrocarbonetos, sendo que na década de 1990 aumentou em 18% a emissão total de gases causadores do efeito estufa. Todavia, esses percentuais podem aumentar para áreas urbanas mais dependentes do automóvel, a exemplo de Atlanta, cujo percentual de emissão de óxido de nitrogênio está em torno de 58% e de 47% para hidrocarbonetos, face à grande circulação de caminhões e automóveis, porém, devese considerar que há uma cadeia logística de armazenamento e distribuição de combustível que não é considerada nos estudos realizados, notabilizando um impacto ambiental muito maior em todo o sistema urbano. Os efeitos dos gases emitidos por veículos motorizados são bastante conhecidos, sendo o ozônio um gás de alta irritabilidade das vias respiratórias, assim como as demais partículas em suspensão. O dióxido de carbono, por sua vez, como produto final resultante da queima de combustíveis fósseis como a gasolina e diesel, é o principal gás causador do efeito estufa, respondendo por cerca de 80% do Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential - GWP). Os veículos a motor também emitem grandes quantidades de gases como o metano, óxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis. Nesse sentido, entende-se que há uma relação direta entre a expansão urbana e a saúde respiratória, pois o espalhamento ou dispersão do tecido urbano está associado à altos níveis/necessidades de deslocamento pendular e mobilidade espacial com o aumento das distâncias entre o trabalho, o lazer e a residência. Muito embora ainda esteja em curso a pesquisa sobre a fisiopatologia da exposição à poluição atmosférica e problemas correlatos, há ainda estudos sobre métodos preventivos que possam induzir a uma melhora na qualidade de vida urbana. No campo técnico, as pesquisas avançam na produção de veículos com baixos índices de emissão – a exemplo do automóvel movido à eletricidade ou de sistema híbrido –, uso de biocombustíveis e tecnologias limpas na indústria automotiva e em toda cadeia produtiva que envolve a circulação e transporte. Contudo, no campo do urbanismo (em especial, do desenho urbano) as pesquisas devem apontar melhores modelos de uso e ocupação do solo e de planejamento e projeto urbano dentro da noção de sustentabilidade urbana, densificação e aumento da coesão social por meio da forma construída, minimizando a 25
dependência dos automóveis, estabelecendo menores distâncias de deslocamento pendular e não apenas mudando a matriz energética do sistema. Por outro lado, a pesquisa comportamental deve induzir aos meios de conscientização e promoção de educação ambiental coletiva, para que haja uma postura social coesa no sentido de buscar o consumo consciente, equilibrado e menos dependente do automóvel. Atualmente, cerca de 40 mil mortes são provocadas por acidentes envolvendo o trânsito nos EUA, e este número regrediu lentamente, quando nas últimas quatro décadas se repetia a quantidade de 50 mil vidas em média perdidas, ano a ano. Acidentes de automóvel são a principal causa de mortalidade entre a faixa de 1 a 24 anos de vida, responsáveis também por 3,4 milhões de feridos não-fatais, totalizando ao sistema de saúde cerca de US$ 200 bi anuais. Ações como legislação e fiscalização severas, melhorias no sistema e tecnologias de segurança dos automóveis, bem como de melhores infraestruturas viárias e sinalização contabilizaram as recentes reduções na mortalidade, contudo, ainda muito elevada. Há uma complexa relação entre a expansão urbana e os acidentes com veículos pois, aplicando de forma simplista o fato de que mais condução significa maior exposição aos perigos da estrada, tem-se uma maior probabilidade de acidentes envolvendo veículos motorizados: “The relationship between sprawl and motor vehicle crashes is complex. At the simplest level, more driving means greater exposure to the dangers of the road, translating to a higher probability of a motor vehicle crash.” (FRUMKIN, 2001: 08). As estradas suburbanas estabelecem uma combinação perigosa para os motoristas e pedestres, pois associam alta velocidade, volume de tráfego elevado, frequentes pontos de desaceleração e frenagem e, principalmente em áreas comerciais ou acessos de vias comerciais, há uma mescla de saídas e entradas de veículos pesados e leves, configurando pontos conflitantes de trânsito. Frequentemente, no modelo urbano disperso, há equipamentos urbanos como escolas, hospitais ou ainda bairros inteiros intersecionados por vias principais de alta velocidade, exigindo redutores de velocidade, semáforos, rotatórias e faixas de pedestre bem sinalizadas, o que determina um quadro conflituoso entre o caminhar e o deslocamento pendular motorizado por 26
rodovias e estradas suburbanas. Nos EUA, os dados fornecidos pela National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA, 2000) não analisam separadamente as rodovias urbanas e suburbanas conforme a sua hierarquia, mas totalizam os acidentes fatais em duas categorias: as rodovias urbanas (com cerca de 60% das mortes) e as rurais (com aproximadamente 40%). Porém, os estudos da NHTSA permitem comparar a relação entre o índice de mortalidade automotiva por cidade, e pôde-se avaliar que em cidades mais densas e compactas, geralmente com uso extensivo de transporte público, têm menores taxas de mortalidade por acidente automotivo para motoristas e passageiros (excluem-se neste estudo os pedestres). Assim, conforme a NHTSA (2000), há um índice de mortalidade para as seguintes cidades norte-americanas (para cada 100 mil habitantes): 2,65 em Nova York; 6,98 para Filadélfia; 5,57 para Chicago; 2,54 para São Francisco; e 4,17 para Portland. Se comparadas com as cidades de maiores taxas como: Houston com 9,97; Phoenix com 12,55; Dallas com 11,53; Tampa com 10,65; e Atlanta com 11,21; todas de maior dispersão urbana espacial. Contudo, há exceções como Los Angeles com 4,85 e Detroit com 10,88 (Ver Tabela 01).
CIDADES NORTE AMERICANAS Nova York Chicago Filadélfia Los Angeles Detroit Atlanta Portland Houston São Francisco Dallas Phoenix Tampa
MORTALIDADE DE MORTALIDADE MOTORISTA/ DE PEDESTRE PASSAGEIRO (a cada (a cada 100.000 hab.) 100.000 hab.) 2,65 2,21 5,57 2,25 6,98 2,40 4,85 2,64 10,88* 5,18* 11,21 5,72 4,17 2,98 9,97 2,54* 2,54 3,49 11,53 3,99 12,55 4,21 10,65 5,72
ÁREA (em km²) 1.214,4 606,2 369,4 1.290,6 370, 2 343,0 376,5 1.558,0 600,7 997,1 1.230,5 441,9
POPULAÇÃO DENSIDADE (Nº de habit. URBANA / em 2008) (hab./km²) 8.391.881 2.853.114 1.463.281 3.831.868 916.952 537.958 556.370 2.257.926 808.976 1.298.816 1.512.986 326.519
6.910 4.707 3.961 2.969 2.477 1.568 1.478 1.449 1.347 1.303 1.230 739 Tabela 1: Comparação entre a mortalidade de motoristas/passageiros e de pedestres, conforme as densidades urbanas de algumas cidades norteamericanas.
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* Exceções nos casos estudados. Fonte: Geovany J. A. Silva (2010)/ Dados: Frumkin (2001) e NHTSA (2000).
As políticas urbanas podem se associar às leis de trânsito, com o intuito de salvaguardar vidas humanas, como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança que reduz drasticamente o índice de vítimas fatais em acidentes, contudo, o fator de risco negligenciado é a diminuição do simples fato de dirigir, ou da necessidade de deslocamento como redução da exposição ao problema. A diminuição da necessidade de dirigir e dos quilômetros percorridos por pessoa condiciona, geralmente, à diminuição de mortes em acidentes nas vias urbanas: According to the American College of Emergency Physicians, “Traffic crashes are predictable and preventable, and therefore are not ‘accidents.”4 In fact, the determinants of motor vehicle injuries and fatalities are well recognized. For some of these, public health interventions, from seat belts to traffic signals, have achieved dramatic reductions in injury and fatality rates in the three quarters of a century since automobile use became widespread. However, a relatively overlooked risk factor is the simple fact of driving, and the number of miles driven. Primary prevention would consist of decreasing the “exposure,” but in many metropolitan areas this approach is limited by the necessity of driving. (FRUMKIN, 2001: 09)
Nos Estados Unidos, os automóveis causam cerca de 6 mil mortes e 110 mil feridos entre pedestres, anualmente, sendo que estes representam uma em cada oito mortes fatais no trânsito. Um caso típico é o de Atlanta, que passou por um processo de dispersão urbana nas últimas décadas e, proporcionalmente, houve um aumento de mortes de pedestres de forma contínua e acima do índice de crescimento da população, não acompanhando a ligeira diminuição das taxas nacionais. O modelo de dispersão urbana exigiu de Atlanta a construção de um sistema viário complexo para atender a demanda por deslocamento, configurado por pistas múltiplas de alta velocidade, sem calçadas, com longas distâncias entre os cruzamentos ou travessias e em um tecido urbano repleto de estabelecimentos comerciais e apartamentos. Assim sendo, pode-se observar na Tabela 1 que há uma repetição no padrão de 28
4 PETERSON, T.D.; JOLLY, B.T.; RUNGE, J.W.; HUNT, R.C.. Motor vehicle safety: Current concepts and challenges for emergency physicians. Ann Emerg Med, 1999.
mortes a cada 100 mil habitantes tanto para pedestres, quanto para motoristas e passageiros. Entende-se que muitos são os fatores que determinam a elevação do número de mortes no trânsito, incluindo a combinação entre a direção e o uso de bebidas alcoólicas sem a necessária fiscalização e punição rigorosa, a iluminação e sinalização adequadas, o comportamento de motoristas e pedestres face à educação e postura no trânsito, como também a alta velocidade, a pouca ênfase ao transporte público ou a hostilidade aos pedestres e ciclistas no desenho da cidade dispersa em favorecimento de autopistas para o automóvel. Todavia, além do ganho na saúde da população pelo simples fato de poder optar entre a bicicleta ou caminhada em detrimento do automóvel para se deslocar na cidade, é essencial o estabelecimento de infraestrutura compatível e qualitativa, com calçadas e ciclovias seguras, arborizadas, sinalizadas, enfim, atrativas. Nesse intuito, as políticas públicas exercem o principal papel de agente urbano legal, determinando o zoneamento e uso e ocupação do solo, bem como financiando e incentivando a adoção de modelos e sistemas urbanos alternativos de circulação, diminuindo as distâncias e a dispersão urbana.
IMPACTOS DA DISPERSÃO URBANA NO AMBIENTE O uso e ocupação do solo e os padrões de deslocamento estão associados entre si, pois se distintos usos de terra estiverem separados entre grandes distâncias, e havendo maior acessibilidade e facilidade de deslocamento entre as rodovias do que pelas calçadas e ciclovias, certamente as pessoas deixarão de optar pelo caminhar ou pela bicicleta em favor do automóvel. Esse aumento dos percursos implica, ainda, no encarecimento do transporte público, devido ao aumento das distâncias e diminuição do volume de usuários a serem atendidos em uma linha de ônibus, por exemplo, já que os “destinos” estão dispersos no território e não concentrados em lugares comuns como em uma cidade compacta tradicional. Quanto aos deslocamentos, na Holanda, 30% das viagens são feitas em bicicletas, 18% a pé; já na Inglaterra tem-se 8% e 12%, respectivamente (PUCHER, 1997). Todavia, nos Estados 29
Unidos, 1% das viagens é feita em bicicletas e 9% a pé. Vale ressaltar que aproximadamente 25% de todas as viagens nos EUA percorrem menos de 1,6 Km, mas destas, cerca de 75% são feitas por carros particulares (KOPLAN, 1999). Esses exemplos apontam que é possível optar por um meio de transporte alternativo ao automotivo, desde que essa opção seja amparada em uma política e desenho urbano consciente das necessidades e benefícios para a qualidade da vida urbana. Além desses fatores, o desenho urbano pode condicionar à atividade física e à coesão social a partir da diversidade, sobreposição de usos e funções e compacidade dos espaços, podendo-se estabelecer a relação entre a saúde da população, atividades físicas e modelos de desenho urbano. O espalhamento urbano exerce, também, grande impacto ambiental em vários aspectos, desde a produção e reprodução urbana até a manutenção de todo o sistema ao longo do tempo. Assim, extensas áreas verdes dão espaço às superfícies impermeáveis, gerando impactos nos biomas, fauna e flora regional. Quanto aos recursos ambientais, a poluição advinda da larga emissão de gases – seja na produção industrial, de energia ou circulação automotiva –, produção de resíduos sólidos e líquidos, que crescem ano a ano, constitui um panorama crônico na produção de cidades contemporâneas. Além desses fatores críticos, há, ainda, o impacto da impermeabilização do solo na drenagem urbana, manutenção dos aquíferos subterrâneos ou mesmo no aparecimento de áreas inundáveis em períodos de maior precipitação, determinando problemas de difícil solução quando se relaciona impermeabilização crescente do solo em áreas inadequadas e sistemas de escoamento e drenagem insuficientes. Nas cidades americanas, estudos demonstram que, em média, cerca de 4% da precipitação em pastagens subdesenvolvidas são perdidas por escoamento superficial, enquanto que na área suburbana esse percentual cresce para 15% (STEPHENSON, 1994). Assim, com menos recarga dos aquíferos subterrâneos, as comunidades dependentes desse recurso poderão sofrer escassez no futuro. Nos Estados Unidos, aproximadamente metade das comunidades dependem de águas subterrâneas para seu abastecimento. No Brasil, segundo o IBGE/SIDRA (2000), 15,58% dos domicílios são abastecidos por poços ou nascentes (com sistema público ou privado), totalizando em mais de 7 mil domicílios e atendendo 30
a quase 30 milhões de pessoas. Por volta de 76% da população brasileira é atendida por rede geral de abastecimento. Nas cidades brasileiras, assistiu-se durante a segunda metade do século XX a impermeabilização de extensas áreas, canalização de rios e córregos, sem estudos técnicos ou mesmo respeito aos ciclos hidrológicos anuais, em correspondência à necessidade de se ocupar ao máximo as áreas urbanas. Os impactos são perceptíveis em muitas cidades, mas principalmente nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza e Belo Horizonte, cidades estas que ultrapassam a casa dos 2 milhões de habitantes e que, conjuntamente, somam uma população de quase 28 milhões de pessoas (CNM e IBGE, 2010). Deve-se considerar que o adensamento populacional e construtivo em meio urbano, além de influenciar na elevação por demanda de água, também influencia em sua qualidade, haja vista a elevação, entre outros, do número de fontes poluentes advindas dos usos urbanos. Evidências de pesquisas sugerem que o espalhamento urbano contribui para a ocorrência desses problemas de maneira específica. Dentro da noção de poluição da água, sua qualidade pode ser afetada de diversas formas. Para Frumkin (2001: 14-15) existem as fontes pontuais (point sources) de poluição da água como fábricas, usinas de tratamento de esgotos e instalações similares, mais fáceis de serem controladas; e as fontes não-pontuais (non-point source) de poluição da água, estas que surgem como a principal ameaça à qualidade dos recursos hídricos e são de difícil controle. As fontes não-pontuais agem quando a chuva ou a neve derretida se move sobre a superfície impermeabilizada, carreando contaminantes e depositando-os em reservatórios naturais superficiais (lagos, rios, pântanos, águas costeiras, mar e oceanos), como também nas águas subterrâneas. Uma grande parcela da contaminação de fontes não-pontuais se dá no campo, em terras agrícolas, devido ao uso de fertilizantes, herbicidas e inseticidas. Contudo, uma crescente fonte de poluição “não-pontual” nas cidades provém de óleos, graxas, químicos tóxicos provenientes das vias, estacionamentos ou outras superfícies similares, e sedimentos provenientes de canteiros de obra inadequados, ou em áreas desmatadas que sofrem erosão para córregos e rios. Estudos do movimento dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (VAN METRE, MAHLER & FURLONG, 31
2000), zinco (CALLENDER & RICE, 2000) e resíduos orgânicos (DIERBERG, 1991) sugerem que o desenvolvimento suburbano está associado com a carga elevada desses contaminantes nas águas superficiais em sua proximidade. Outro efeito inerente ao processo de urbanização é a denominada formação de “ilha de calor”5 (The “heat island” effect). Para Romero (2000: 20), existem vários fatores que podem influenciar na formação de ilha de calor urbana, pois as condicionantes climáticas são determinadas por fatores climáticos globais (radiação solar, latitude, altitude, ventos, massas de água e terra) e fatores climáticos locais (topografia, vegetação, superfície do solo). Entendem-se como elementos climáticos: a temperatura, a umidade do ar, as precipitações e o movimento do ar. Segundo Detwyler (1974) apud Romero (2000: 36), existem três alterações principais ocasionadas pela urbanização: 1. Mudança da superfície física da terra, decorrente da densa construção e pavimentação, proporcionando a impermeabilização do solo, aumentando a capacidade térmica e a rugosidade e, conseguintemente, alterando a movimentação do ar; 2. Aumento da capacidade armazenadora de calor com a diminuição do albedo; 3. Emissão de contaminantes que aumentam o ciclo de precipitações e modificam a transparência da atmosfera. Romero (2000: 36) destaca que esses três fatores associados ao fluxo material de energia, produzem um balanço térmico especial nos centros urbanos, que é visível em muitas cidades: o domo urbano. Por sua vez, esse domo possui um fluxo de ar característico que define um bolsão de temperatura mais elevada na área urbana do que em seu entorno, caracterizando assim o denominado efeito de “ilha de calor” (Figura 6). 5 Ilha de Calor é uma anomalia térmica que resulta no aumento da temperatura do ar urbano em relação às outras áreas vizinhas, configurando um bolsão térmico na cidade. A substituição dos materiais naturais pelos espaços edificados, circulação de veículos automotores e circulação intensa provocam mudanças nas características da atmosfera local. Por isso podemos observar o aumento de temperatura nos grandes centros, fenômeno chamado de ilha de calor. Os efeitos da ilha de calor são bons exemplos das modificações causadas pelo homem na atmosfera urbana. Podemos observar que a ilha de calor costuma atingir maiores temperaturas quando o céu está limpo e claro e o vento calmo (CPTEC/INPE, 2007).
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Sob a ação da ilha de calor as áreas centrais urbanas ganham consideravelmente energia térmica pelos mecanismos de absorção e trocas de calor entre as massas construídas. Esse aquecimento urbano produz diferentes campos de pressão, provocando uma ventilação própria que pode alterar o movimento de ar regional. O ar aquecido no centro das massas construídas sobe, dando origem a correntes verticais que, aliadas à nebulosidade e maiores índices de condensação, favorecem a retenção de poluentes (forma-se uma espécie de teto). Os poluentes são carregados pelas correntes verticais e logo dispersos sobre o entorno, em um processo contínuo que conforma dentro de uma calota ou domo um movimento circulatório de gases (ROMERO, 2000: 36).
Figura 6: O perfil do efeito da ilha de calor (estudo/esboço), relacionando as temperaturas em °F (variações entre 85 a 92°F) ao fim da tarde, conforme o uso do solo (rural, residencial suburbano, comercial, centro da cidade, residencial urbano, parque, residencial suburbano e, por fim, terra rural). Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Global Hydrology and Climate Center, University of Alabama at Huntsville and National Aeronautics and Space Administration. Disponível em: <http://wwwghcc.msfc.nasa. gov/urban/urban_heat_island. html>. Acesso em: 10/08/2010.
Torna-se importante destacar que nas análises de Detwyler & Marcus (1972), que comparam a mudança média dos elementos climáticos causados pela urbanização em relação ao entorno rural, nota-se que nas cidades os índices de radiação solar global é menor (de 15 a 20%), as temperaturas maiores (entre 0,5 e 1ºC), a ventilação é menor (20 a 30%), a presença de contaminantes é maior (10 vezes mais), a precipitação é maior (5 a 10%), há uma maior cobertura atmosférica do sol (5 a 10%), e a umidade relativa é menor (2% a menos no verão e 8% a menos no inverno). Nos estudos de Frumkin (2001: 15), constatou-se que em dias quentes as áreas urbanas podem atingir entre 13 a 14ºC a mais 33
que nas áreas circundantes. Para o autor, o efeito da ilha de calor é causado por dois fatores: a presença de superfícies escuras (exemplo das pavimentações asfálticas ou coberturas e revestimentos dos edifícios) com maiores capacidades de absorção de calor (radiação infravermelha), nas quais essas superfícies podem atingir entre 10 a 21oC a mais que em áreas circunvizinhas; e em segundo lugar a ausência de áreas verdes nas áreas urbanas, diminuindo o volume de áreas sombreadas e o arrefecimento térmico provocado pelo processo de evapotranspiração das plantas. Portanto, a expansão urbana também condiciona a um espalhamento proporcional da ilha de calor, tanto em dimensões espaciais como em relação à sua intensidade, dependendo das interferências climáticas e geográficas, associadas à impermeabilização, edificação, construção de autopistas, ausência de verde urbano ou presença de água (esta que, conforme o clima, pode atuar mais ou menos no aquecimento urbano) (OKE, 1973). Frumkin (Id.) ressalta que na cidade dispersa, com a expansão da área metropolitana e aumento das distâncias de viagens por automóvel, há a combustão de mais combustível e, consequentemente, maior emissão de gases e poluentes contribuintes no aquecimento urbano, podendo intensificar a ação da ilha de calor em uma extensão cada vez maior. Assim, não só a morfologia das áreas metropolitanas proporciona a formação de ilha de calor, mas o sistema de circulação e emissão de gases de efeito estufa também contribui para o agravamento climático. Essas constatações são notadas nas cidades a partir do acompanhamento das temperaturas em estações climáticas, que demonstram em todo o mundo a comprovação do aumento da temperatura de forma proporcional em relação ao processo de crescimento da urbanização (GAFFEN & ROSS, 1998; GALLO et al., 1999). São inúmeros os fatores de risco proporcionados pela exposição excessiva ao calor, decorrentes de insolação, ondas de calor, influência dos raios solares nas pessoas (especialmente o ultravioleta), ou mesmo o aquecimento proporcionado pelo aumento da exposição das superfícies ao infravermelho, entre outros. Contudo, o calor também exerce efeitos indiretos na saúde, principalmente em virtude do aumento da poluição do ar, pois à medida que a temperatura aumenta, há uma acentuação drástica 34
no consumo de sistemas de condicionamento de ar e demanda por energia para subsidiar esse acréscimo. Frumkin (2001: 19) ressalta que nos EUA, a maioria das usinas de produção energética utilizam-se da queima de combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo, associando ao aumento de emissões de poluentes como o dióxido de carbono, SOx (dióxido de enxofre ou SO2), NOx (dióxido de nitrogênio ou NO2) e gases tóxicos, e a decorrente formação de ozônio, hidrocarbonetos6, etc., reforçada pelo calor. Assim, quanto à saúde dos seres vivos, há a acentuação de efeitos diretos e indiretos da expansão urbana com relação ao clima. Porém, uma das motivações principais para esse movimento urbano em direção aos subúrbios em países desenvolvidos foi o acesso à natureza, pois a dispersão urbana possibilita espaços excedentes de áreas verdes nas quais a flora e a fauna tende a se fixar, ao contrário das áreas urbanas centrais e mais densas. Pode-se associar a esse aspecto a busca pela qualidade de vida não só ambiental, mas da população que procura sair da agitação da vida urbana e que, neste sentido, certamente o subúrbio pode proporcionar benefícios à saúde mental e física ao estilo de vida suburbano. Contudo, o custo ambiental e de saúde mental cobra seu pedágio nos aspectos decorrentes da necessidade de deslocamento e estresse no transporte dentro de uma cidade dispersa e de forma distinta, de acordo com cada faixa etária (DUANY; PLATER-ZYBERK & SPECK, 2001).
IMPACTOS DA DISPERSÃO URBANA NA SAÚDE DAS PESSOAS E AS INJUSTIÇAS DAS PERIFERIAS A dependência do automóvel na cidade dispersa decorre da necessidade de deslocamento pendular diário entre a moradia e o trabalho proporcionando o denominado “stress pendular” (commuting stress). Pontua-se, ainda, que para as pessoas de uma família e seus diversos trajetos na cidade, o uso de apenas um automóvel ou meio de locomoção pode se tornar inviável devido aos distintos destinos, horários e/ou necessidades em uma malha urbana espalhada e de baixa densidade. Isto tende a tornar 6 Composto químico binário de átomos de carbono e hidrogênio. O hidrocarboneto líquido (óleo mineral e petróleo – “óleo de pedra”) e gasoso (gás natural) são fontes importantes de combustível mineral (carvão, petróleo, gás natural etc), bem como agregados na produção de plásticos, ceras, solventes e óleos. Contudo, para a poluição urbana, esses compostos podem associar-se com o NOx e a luz solar, contribuindo para a formação do ozônio troposférico.
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a dependência do automóvel individual ainda mais impositiva e crônica, sobrecarregando o sistema de tráfego de forma crescente, pois o aumento do número de automóveis no trânsito leva à dificuldade de locomoção do sistema como um todo, fazendo com que a população deixe de optar pelo transporte coletivo devido à sua ineficiência de deslocamento. Implícitos nesse cenário encontram-se fatores que comprometem a saúde e a qualidade de vida. Há algumas décadas os estudiosos da psique humana e da neurologia têm demonstrado interesse sobre o efeito do trânsito urbano no comportamento e qualidade de vida humana. Assim, identificou-se a relação com problemas de saúde (KOSLOWSKY, KLUGER & REICH, 1995) e violência decorrente do estresse causado pelo trânsito nas grandes cidades. Dores musculares e físicas, doenças cardiovasculares, psicopatias diversas, entre outras enfermidades decorrentes dos congestionamentos e estresse diário do trânsito, é o preço pago pelo estilo de vida suburbano de um modelo urbano do “sonho americano” reproduzido pelas grandes cidades pelo mundo. O aumento das horas despendidas no trânsito das cidades alterou o comportamento humano e as relações familiares. As ruas congestionadas proporcionam às pessoas situações extremas de convívio, causando o que alguns pesquisadores denominam de “raiva no trânsito” (road rage), sendo este um comportamento recente e distinto das infrações comuns de trânsito. Diversos fatores podem contribuir para a ocorrência de violências no trânsito, determinadas por questões de deficiência de infraestrutura, sinalização ou congestionamentos, como também relações socioculturais, comportamentais, de rotinas diárias e, até mesmo, climáticas, porém, a raiva no trânsito apresenta particularidades comportamentais vinculadas ao estresse no final do dia. Conforme os estudos realizados por Bryant & Mohai (1992), Bullard (2000), e a Commission for Racial Justice, este último expresso por meio do documento intitulado “Toxic Wastes and Race in the United States”, constatou-se que nas últimas décadas as pessoas pobres e membros de grupos minoritários são desproporcionalmente expostos a riscos ambientais; o que confirma as evidências já noticiadas todos os dias na mídia, o que constitui em um contrassenso à sustentabilidade urbana e regional 36
tão almejada para as cidades contemporâneas. De fato, a expansão urbana segrega e priva a parcela mais pobre de oportunidades econômicas proporcionais, tendo em vista que seu acesso à cidade se dá conforme o poder de consumo e custeio do território. No momento em que postos de trabalho, lojas, escritórios, boas escolas e outros recursos urbanos migram para fora do centro da cidade, a pobreza fica concentrada nos bairros deixados para trás (FRUMKIN, 2001: 22; WILSON, 1987 e 1996; FREY & FIELDING, 1995; SQUIRES, 1994; JARGOWSKY, 1998). Contudo, muitas pesquisas buscam traduzir e relacionar a relação entre o impacto da pobreza urbana sobre a saúde das pessoas, a exemplo de Adler et al., (1999), Adler & Ostrove (1999), Feinstein (1993), Kaplan et al., (1987), Wilkinson (1986), entre outros. Assim, entende-se, conforme a literatura especializada, que na medida em que a expansão urbana agrava os processos de segregação, assim como a pobreza e a exclusão social, proporcionalmente verifica-se (pelo menos para alguns grupos de pessoas) que há uma contribuição para o aumento da incidência de doenças e mortalidade (esta última manifestada em diversas formas e aspectos) (MOHAI & BRYANT, 1992; PERLIN et al., 1992; NATIONAL HEART, LUNG, AND BLOOD INSTITUTE WORKING GROUP, 1995; METZGER et al., 1995; LITONJUA et al., 1999; WING, 1993).
O CUSTO DA DISPERSÃO URBANA No caso brasileiro, optar por cidades compactas, diversas e mais coesas socioeconomicamente, pode trazer à sociedade uma mudança na forma das relações de cidadania e participação social. Pois, em uma cidade densa, as diferenças devem ser avaliadas e traduzidas em prol do coletivo, ao passo que na cidade dispersa as diferenças são ignoradas, muitas vezes, por não fazerem parte da realidade diária do conjunto urbano e, em especial, à realidade dos que controlam e determinam as políticas públicas e aplicação dos recursos na cidade. Sob esse aspecto, e compreendendo o histórico da política e da economia brasileira, cabe a pergunta: seria a cidade compacta desejável aos nossos gestores públicos? A relação entre custos de transporte e habitação para diferentes áreas da cidade pode ser um indicador do impacto econômico do espalhamento na subsistência de uma família. Assim, mensura-se 37
Figura 7: Renda gasta em habitação e transporte. O gráfico apresenta dados de um estudo, publicado pelo Center for Housing Policy e National Housing Conference, nos EUA. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) À esquerda, há uma relação entre o custo de transporte e moradia para famílias com renda entre US$ 20 mil e US$ 35 mil, conforme a localização urbana (centro da cidade, próximo a outros centros de emprego, longe de centros de emprego). E, à direita, custo de transporte para famílias com renda de US$ 35 mil e US$ 50 mil, nas mesmas variáveis.
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o quanto dos recursos é empregado para custear uma moradia e se locomover pela cidade por família, já que tais recursos poderiam estar sendo aplicados em estudo, qualificação profissional, lazer, enfim, na melhoria da qualidade de vida e inserção socioeconômica das pessoas. A Figura 7 apresenta um estudo para os EUA no qual há uma relação bem clara entre a localização da família na cidade (no centro, próximo a outros centros de emprego e longe de centros de emprego) em relação ao transporte e moradia. Para as famílias com renda inferior (entre US$ 20 mil a US$ 35mil), os que moram no centro (22%) e, por conseguinte, os que moram próximo do local de trabalho (31%), gastam menos recursos com transporte, proporcionalmente, em relação aos que moram afastados do centro e longe do trabalho (37%). Quanto ao custo com habitação, quase que se torna imperceptível a diferença percentual para os três grupos. No total dos custos, os que moram no centro gastam 54% da renda com habitação e transporte, enquanto que os que moram perto do emprego gastam 66%, e os que moram longe 70%. Para as famílias de renda maior (entre US$ 35 mil a US$ 50 mil), há discrepância maior no total dos custos, sendo 39% da renda (16% transporte e 23% habitação) para os que moram na área central, para os que moram próximo ao trabalho 49% (23% transporte e 26% habitação) e, para os que moram distante do trabalho 51% (26% transporte e 25% habitação). Ou seja, quanto menor a renda, menos recursos há para investir em lazer e qualificação profissional conforme se habita áreas mais periféricas da cidade, o que é um dado importante para a estruturação de igualdade socioespacial e
Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de <http://www.streetsblog.org/2006/10/17/the-cost-of-sprawl-onlow-income-families/> Acesso: 03/08/2010.
socioeconômica para uma cidade. Se for analisada a tendência de aumento do preço dos combustíveis face à escassez do petróleo no mercado e/ou especulação comercial do produto, acompanhando-se o aumento do valor agregado desse mineral nas últimas décadas, percebe-se que a relação de custo de transporte tem se tornado mais onerosa para a dinâmica urbana. Assim, compreende-se a necessidade de se repensar a forma de circulação com a utilização de fontes de energia alternativas e mais baratas para o funcionamento do sistema de tráfego urbano, mesmo que pelo viés econômico. Outra questão importante é o processo de desvalorização e obsolescência das áreas centrais, que oferta nessas regiões imóveis cada vez mais acessíveis, ao passo que novas regiões imobiliárias e especulativas, distantes dos centros e caras, tendem a manter custos superiores para habitações. Conforme o estudo intitulado de “Windfall For All: How Connected, Convenient Neightborhoods, Can Protect Our Climate and Safeguard California’s Economy”, realizado na Califórnia em 2009 sob a coordenação de Stuart Cohen, diretor executivo da TransForm Works, foi demonstrado que os moradores das quatro áreas metropolitanas (Sul da Califórnia, Área de São Francisco Bay, San Diego e Sacramento) poderiam economizar cerca de US$ 31 bi ao ano, ou US$ 3.850 em média por usuário-família/ ano, caso vivessem em áreas mais densas, em zonas urbanas mais coesas e próximas de corredores de trânsito. Na área da Baía de São Francisco (Bay Area), onde as pessoas gastam em média US$ 8.000 anuais por veículo, a população custeia um total de US$ 34 bi por ano em transporte pessoal automotivo, enquanto que os gastos com transporte público são de US$ 4,6 bi com trânsito e manutenção de estradas (Figuras 8 e 9).
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Figura 8: Benefícios do transporte público para as despesas domésticas e poluição. Quanto maior o acesso ao transporte público, menor o volume de emissão de CO2 e gastos com circulação. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de CNT, 2009/Windfall For All, 2009.
Figura 9: Conforme o estudo, “Não importa o combustível, pois dirigir sempre será caro”, já que a maior parte dos custos automotivos está na propriedade do veículo e manutenção, com 81%. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de CNT, 2009/Windfall For All, 2009.
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Além desse fato, soma-se ao uso do automóvel individual o dobro da emissão de poluentes em comparação com o transporte público coletivo, resultando em uma proporcionalidade per capita muito maior. O relatório da CNT (2009) aponta que os custos de combustível estão condicionados a uma pequena parcela (19%), em relação ao custo total de manutenção (10%) e de propriedade (71%) do veículo, notabilizando que a corrida por automóveis híbridos ou elétricos não amortizaria drasticamente a maior parte dos custos com transporte para as famílias. Assim, entende-se que os preceitos do Novo Urbanismo de aproximar as distâncias entre moradia, lazer e trabalho, bem como a densificação das áreas e diversificação de usos dos espaços são as melhores alternativas de planejamento urbano e regional sustentável. Estuda-se, entre as várias ações: o uso eficiente da terra, o mix e o equilíbrio de usos, o transporte pedestre e alternativo e a criação de uma “taxa de impacto climático” sobre o uso de combustíveis para incentivar o transporte público, com a adoção de alternativas de circulação ou mesmo a aquisição de automóveis elétricos ou híbridos. A conciliação entre planejamento urbano e regional e o desenho urbano é uma necessidade, nem sempre adotada (principalmente, nos países em desenvolvimento), para a estruturação de políticas sólidas que tenham como foco a sustentabilidade urbana. Para essa realização, é necessária a aplicação de estudos técnicos específicos, associados às pesquisas, análises in loco, acompanhamento dos cenários dinâmicos da cidade, adoção de tecnologias da informação, coleta e compilação de dados urbanos e ambientais consistentes, que produzam ferramentas de interpretação da realidade urbana e formulação de políticas coerentes com o lugar. Em geral, as famílias de maior renda gastam em torno de 12% a mais em habitação e transporte no subúrbio do que em áreas centrais. As de menor renda gastam em média 16% a mais em bairros periféricos do que os habitantes do centro urbano. Definitivamente, morar longe do centro urbano é mais caro, pois se opta nas áreas suburbanas por habitações mais espaçosas e confortáveis (com preços equivalentes ou, na maioria das vezes, superiores) que as da área central, porém, se gasta mais com transporte e deslocamento entre trabalho, lazer, escola, serviços, etc. Quanto ao impacto ambiental, pondera-se que em grande parte das áreas suburbanas emite-se o dobro de CO2 per capita, 41
Figura 10: Relação entre os custos com habitação e transporte na área de Boston, com os respectivos percentuais. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:07).
notabilizando um prejuízo ambiental muito maior, mas que, muitas vezes, não é percebido nos bairros dispersos, porém sim no conjunto urbano como um todo. Em resposta aos impactos da dispersão urbana na economia das famílias e meio ambiente, as cidades que se preocupam com a qualidade de vida de sua população sempre associam gestão democrática e participativa ao processo de planejamento urbano e regional. Nesse sentido, existem bons exemplos de políticas urbanas que buscam interpretar a cidade e formular ferramentas legais norteadoras e condizentes com as especificidades regionais. O estudo “The Boston Regional Challenge”7, realizado pelo Urban Land Institute apresenta uma metodologia de interpretação interessante, tendo em vista a aplicação de ferramentas de geoprocessamento e georreferenciamento parametrizadas às informações socioeconômicas e ambientais. O estudo busca analisar também os custos e impactos com habitação e transporte sobre áreas residenciais, bairros e meio ambiente. A participação da comunidade e conscientização é uma tradição da política urbana norte-americana, assim, há uma intensa divulgação dos estudos técnicos, ao nível que foi disponibilizado às pessoas que habitam Boston e região8, nesses anos, com a possibilidade de estimar o custo dos cidadãos, individualmente, a partir de seu endereço, acessando o site do projeto The Boston Regional Challenge 9 (Figura 10).
7 The Boston Regional Challenge: Examining the Costs and Impacts of Housing and Transportation on Area Residents, their Neighborhoods, and the Environment. Urban Land Institute / Center for Housing Policy / CNT. Washington, DC: Urban Land Institute, 2010. Disponível em: <http://bostonregionalchallenge.org/wp-content/ uploads/BostonChallenge04092010.pdf>. Acesso em: 03/09/2010. 8 Este relatório analisa os custos combinados de alojamento e transporte para os bairros, cidades e vilas ao longo de uma área de estudo para Boston e região, esta que se estende ao sul de Providence, Rhode Island, a oeste de Worcester, Massachusetts, e nordeste para Dover e New Hampshire. 9 Disponível em: <http://bostonregionalchallenge.org/calculator/>
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Na referida área de análise entre as 18 sub-regiões de Boston e entorno urbano, totalizando 2,7 milhões de famílias, foi diagnosticado que o agregado familiar típico corresponde a mais de US$ 22 mil anual como despesas de habitação, o que representa em média 35% da renda total das famílias que é de US$ 68.036,00. Combinando-se os gastos com transporte anual por família, que é de US$ 12 mil, tem-se o montante de 54% da renda média familiar comprometida nesses dois quesitos: moradia e circulação. Comparados com outros estudos similares realizados nos EUA, como na Baía de São Francisco e Washington D.C., com 59% e 47% respectivamente, Boston se situa no padrão dessas duas importantes regiões, todavia, os custos com habitação estão muito superiores à média nacional (Figuras 11, 12 e 13).
Figura 11: Quadro com as 18 sub-regiões e mapa de localização de Boston, EUA. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:08-09).
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Figura 12: Custos habitacionais para proprietários e locatários, sendo: 1. Pelo menos 10% abaixo da média; 2. Dentro de 10% da média; e 3. Pelo menos 10% acima da média. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:11)
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Os custos médios para proprietários e inquilinos de domicílios são mais elevados em muitas cidades e vilas dentro da Rota 128, incluindo a cidade de Boston, entre as comunidades da Rota 128 e a Rodovia Interestadual 495 (I-495), em comunidades típicas da MetroWest (Figura 13). Além dessas áreas, denominadas como comunidades de alto custo habitacional e mais próximas do centro urbano principal da cidade de Boston, os custos com transporte são proporcionalmente menores, minimizando ou até invertendo as vantagens das economias possibilitadas pela redução dos preços com habitação nas áreas mais periféricas em detrimento do exagerado aumento com gastos em transporte, entre o ir e vir das famílias para o trabalho, escola, entretenimento, compras, etc. Perdendo-se, assim, tempo precioso no trânsito e impactando consideravelmente o meio ambiente com o aumento das emissões de gases provenientes da queima de combustível fóssil de automóveis. Por outro lado, o relatório aponta que áreas com bom acesso a transportes públicos, empregos e amenidades próximas não somente podem combinar economias entre habitação e transporte, como também minimiza a emissão de gases de efeito estufa, proporcionando um ambiente mais qualitativo e sustentável para o futuro.
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Figura 13: Custos com transporte, vias comunitárias e polos de trabalho principais. ABAIXO DA MÉDIA DEVIDO A: Bons acessos a postos de Trabalho e Trânsito; Características das Famílias. ACIMA DA MÉDIA DEVIDO A: O acesso limitado a postos Trabalho e Trânsito; Características das Famílias; Combinação de Acessos e Características das Famílias. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:12).
Figura 14: Custos Combinados entre Transporte e Habitação. Destaque para a Cidade de Boston, Providence e South Coast. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:15).
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Conforme a combinação de custos entre transporte e habitação (Figura 14 e 15), destaca-se no conjunto a área da cidade de Boston e região da Rota 128, que mesmo com o m2 mais valorizado compensa pela acessibilidade viária e proximidade com postos de emprego, minimizando o impacto no custo com deslocamento viário. As regiões de Previdence e South Coast são beneficiadas pelas características das famílias e ao menor custo habitações da região. Grande parte das regiões a um raio de 10 a 20 milhas do perímetro de Boston apresentam custos elevados face à dependência de deslocamento intensivo associado a um custo de uso e ocupação do solo bastante elevado. O estudo demonstra que a região da cidade de Boston possui um custo final reduzido em relação às demais áreas, pois apresenta um menor custo de moradia e, principalmente, de transporte. Por outro lado, há áreas com maiores taxas de especulação imobiliária, como também, em decorrência da distância de serviços, equipamentos urbanos, comércios e postos de trabalho, a dependência automotiva resulta em altos custos de transporte.
Figura 15: Variações Regionais entre os custos de transporte e moradia, e conforme o percentual participante na renda por região. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:16-17)
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Esse nível de compreensão dos fenômenos territoriais só é possível por meio da parametrização das informações junto à um processo de mapeamento das áreas, destacando-se assim a importância do geoprocessamento nos estudos urbanos e de planejamento territorial. Em contrapartida, as regiões do MetroWest Norte e Sul são as mais caras face ao alto custo do uso e ocupação do solo, refletindo na especulação imobiliária exacerbada e conjeturando em impactos no custo de moradias. Contudo, o cruzamento dos custos quando comparados com o percentual de influência na renda média das regiões (neste caso, acima de 55%) apontam para o maior impacto no orçamento das famílias residentes para South Coast (de menor renda média), Marrimack Valley, Providence, Brockton e Cidade de Boston – todas com a maior relação percentual dos custos sobre a renda (Figuras 16).
Figura 16: Carga de Custo Combinado – Comparativo à média da área de estudo: Abaixo da Média (<53% da renda); na Média (53-55% da renda); e Acima da Média (>55% da renda). Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:18)
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A relação entre custo do solo, das habitações e deslocamento diário (transporte), além do custo ambiental de desgaste, poluição e reposição dos sistemas ambientais são critérios ainda pouco trabalhados nos estudos de cidades dispersas. Mensurar esses impactos e seus respectivos custos reais, em diversos âmbitos e escalas da cadeia e rede urbana, podem ser critérios decisivos para a tomada de decisões de planejamento urbano para o futuro. Ademais, a leitura das particularidades no processo de planejamento urbano e regional é vital para a minimização dos entraves socioeconômicos e ambientais de desenvolvimento sustentável, para tanto, não se deve encarar a cidade, seus bairros e lugares como meros dados estatísticos gerais, quantitativos e tecnocráticos, mas sim com características e informações específicas e pormenorizadas, de âmbito qualitativos, especialmente.
Figura 17: À esquerda, disparidades socioeconômicas e socioespaciais no Brasil Cidade de São Paulo-SP na atualidade. À direita, Terraços depredados no Cairo, Egito. Exemplos de baixa qualidade de vida em grandes cidades em desenvolvimento. Fontes: <http://www.fotossaopaulo. com.br/foto6.html> e UN-HABITAT (2008: 122) / Fotografia: Sandra vom Stein/ iStockphoto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreende-se os efeitos nefastos do espalhamento urbano frente à emissão de gases estufa, maiores índices de acidentes no trânsito, o custo habitacional, o custo de transporte e, consequentemente, à qualidade de vida e de comprometimento da renda das famílias. Infelizmente, no caso brasileiro, não há muitos estudos específicos que ponderem tais relações socioeconômicas, de saneamento e saúde, e ambientais ao processo de espalhamento urbano, já que grande parte do urbano periférico nas grandes cidades sequer é considerada como pedaços da cidade face ao estado de “ilegalidade” das periferias. Contudo, as periferias continuam a se espalhar e, nas últimas décadas, não têm sido fenômenos localizados apenas nos grandes centros urbanos brasileiros, mas também nas cidades médias e pequenas. A compreensão desses desmembramentos locais deve ser interpretada pela gestão territorial por meio de ferramentas de acompanhamento da performance urbana e, por conseguinte, a aplicação e teste de ferramentas legais regulamentadoras capazes de traduzir a complexidade dos processos espaciais do urbano, transformando o planejamento urbano e regional em uma ferramenta de ordenação do território, e não apenas de política ou politização urbana. Relacionar os impactos urbanos da dispersão e da baixa densidade à forma urbana e à qualidade ambiental das cidades é o papel do Arquiteto e Urbanista. E é nesse escopo técnico-teórico que estes devem atuar no embate de ideias sobre a política urbana atual frente a políticos, economistas, geógrafos e cientistas sociais. A conjuntura urbana dos EUA foi objeto de estudo elencado nesta etapa de pesquisa devido à sua condição de gênese da dispersão urbana como fenômeno de um modelo de cidade configurado para o espalhamento e circulação automotiva (e sua consequente dependência) na maioria dos casos, sob a égide do discurso imobiliário das cidades-jardins nos moldes da especulação imobiliária norte-americana. A vitalidade econômica advinda do pós-guerra em meados do século passado, as questões culturais e de consumo, os modelos ideológicos de mercado, entre outros fatores, transformaram o caso norte-americano em um cenário extremo de cidade dispersa, neste que o Novo Urbanismo vem 51
tentando romper desde a década de 1980 com novas alternativas de dinamização urbana, diversificação e intensificação de usos e funções no solo urbano, aumento de densidade e coesão social, entre outros aspectos. Desmembramentos desse modelo de dispersão se deram principalmente no Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul (que não por acaso possuem laços culturais e econômicos com os EUA e Bretanha), países nos quais as principais cidades estão sempre presentes nos gráficos de grande dependência automotiva, consumo de combustível e emissão de gases estufa em escala mundial. Cidades estas também classificadas como de urbanismo anglo-saxão. Os modelos europeus, principalmente da porção centro-sul, por sua vez, apesar de diversificados enquanto densidade e nível de mobilidade, em geral, apresentam maior densidade e menor dependência automotiva que os sistemas urbanos norte-americanos e ingleses. Contudo, a semelhança entre esses casos é a vitalidade econômica que resulta em grandes investimentos urbanos para cerca de 20% da população mundial que vive em países desenvolvidos. Os outros 80% da população mundial, que se encontra em países menos desenvolvidos, não dispõem de recursos financeiros, técnicos e humanos e, conseguintemente, não desfrutam da mesma qualidade de vida que as cidades em países desenvolvidos. Por outro lado, nem sempre o modelo urbano adotado decorre de uma morfologia mais compacta ou, menos ainda, de um planejamento urbano adequado à realidade e ao lugar. As cidades dos países em desenvolvimento, especialmente as do Brasil e da América Latina, reproduzem um urbanismo recente de dispersão e de baixa densidade em geral, porém, muito mais pela falta de previsão e planejamento do que por alguma intenção ideológica, seja ela cultural, socioeconômica ou política – exceto em alguns casos particulares, como a construção de Brasília e de bairros modernistas ao longo dos anos de 1960 a 1970. A escassez de recursos para assentamentos de baixa renda torna o problema crônico, ao passo que não há planejamento, fiscalização ou contenção da dispersão urbana, as cidades tendem a se tornar cada vez mais caras, dependentes de mais infraestrutura, intensificandose assim os problemas de mobilidade, coesão social, obsolescência 52
e esvaziamento de áreas centrais, etc. Porém, cabe ressaltar que no âmbito urbano da América Latina, há uma diversidade morfológica considerável, que contemplam as distintas gêneses coloniais (espanholas, francesas, inglesas, holandesas), bem como questões geográficas, socioeconômicas e socioculturais específicas. Assim, qualquer generalização nesse âmbito, deve ser tratada com muita cautela e critério científico. Todavia, no Brasil e em muitos cenários urbanos das cidades sul-americanas, verifica-se a reprodução dessas análises e associações entre espaço urbano disperso e a redução da qualidade de vida, em especial, com relação ao declínio da saúde conforme o grau de exclusão econômica. Por outro lado, as áreas urbanas centrais, providas de infraestruturas e equipamentos, conectadas aos postos de trabalhos e bem atendidas por transportes públicos têm se tornado regiões em processo de desvalorização em grande parte das cidades latino-americanas. A valorização de novas áreas impulsiona um mercado imobiliário relevante para a economia, mas perverso nas relações socioespaciais e de segregação de classes. Segregação esta que potencializa o aumento das crises urbanas, da violência, dos custos urbanos das prefeituras, da carência de equipamentos e infraestruturas próximos à residência, dos impactos à saúde e ao ambiente urbano. A gestão urbana deve, assim, atuar incisivamente no controle e planejamento das ações especulativas para o benefício das cidades, sob pena de se perder o tempo-social e os recursos, ainda disponíveis (mesmo que deficitários), para a promoção da boa qualidade de vida urbana futura, tendo em vista os cenários de estabilização populacional, envelhecimento etário e de redução de recursos nas próximas duas ou três décadas. O grande processo de produção e reprodução do urbano vivenciado na maioria dos países em desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX, juntamente com os processos de industrialização e metropolização, estabeleceu em muitas das grandes cidades a dissociação entre o espalhamento urbano e as políticas e gestão territoriais. Portanto, uma grande parcela da população se viu não assistida pela gestão pública, face aos grandes índices de aumento demográficos e migrações, encarecimento dos sistemas urbanos e, na grande maioria, o acompanhamento e distribuição desproporcional dos recursos públicos urbanos. 53
Os desmembramentos desse processo de desarticulação entre a política urbana e a cidade resultam no surgimento de grandes massas habitacionais irregulares e à margem do legalismo urbanístico institucional de estado, desprovidas de infraestrutura e dissociadas dos sistemas urbanos vigentes, porém, fornecedora de mão de obra e serviços baratos à cidade legal (ou oficial) (Figura 18).
Figura 18: À esquerda, a Favela da Rocinha no Rio de Janeiro e, à direita, a cidade de Bogotá, Colômbia. Em ambos os exemplos ilustrados há a sobreposição da cidade informal à cidade formal e legalizada. Fonte: <http://trueslant.com/ hivemind/2009/10/17/ an-eco-pretense-rio-buildswalls-to-protect-the-erforest>, (2009). Acesso em: 10/08/2014.
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[Master TAS / Politécnico de Milão, Itália]
Bibiana Carreño Zambra
[Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Universidade de São Paulo]
INTRODUÇÃO
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O processo geral de transformação-modernização da sociedade pós-industrial, que atingiu o sistema dos assentamentos e das cidades, tem dado origem para uma série de fenômenos, que tem induzido importantes mutações nos cenários territoriais e sociais. O texto trata das relações entre as prospectivas e realizações em andamento, no contexto de um novo paradigma, e as limitações do sistema econômico, social, ambiental e político oficial, responsável por ter levado o Estado brasileiro à atual situação de crescente inoperância das megacidades insustentáveis e dos centros menores, empobrecidos e marginalizados, no processo do necessário desenvolvimento nacional, por meio da aplicação sistemática do paradigma dominante em todos os níveis da existência, a razão principal do subdesenvolvimento brasileiro, apesar das destacadas potencialidades humanas e naturais do país.
Trata-se de processos não interpretáveis mediante uma simples mudança ou racionalização, em continuidade com as formas existentes de organização, mas que apresentam um alcance e um significado mais radical e amplo, e representam, ao contrário, uma cisão com o passado. Estamos assistindo à passagem, nem sempre procurada mas sim, mais frequentemente impedida, de uma organização de tipo “hierárquico” para uma outra “interativa”, do tipo reticular e informal, que abrange tanto os processos produtivos como aqueles específicos e gerais dos assentamentos. Esta transformação da hierarquia para a malha parece, em perspectiva, como a solução para as anomalias e a passagem obrigatória para o processo de reorganização territorial, mas se apresenta como não sendo de fácil realização na medida em que o ambiente institucional, acadêmico, profissional e das grandes corporações financeiras é caracterizado por pré-existências, resistências e inércias muito significativas. De fato, a substituição das hierarquias especializadas por parte de modalidades interativas implica em resultados ainda não suficientemente experimentais, na medida em que, ao contrário disso, a conceituação hierárquica é sustentada por uma tradição teórica (baseada na teoria da localização), de uma tradição disciplinar (baseada no zoneamento e na legislação vigente), de uma tradição operacional (baseada nos planos urbanísticos adotados em vários níveis), tradições que se apresentam notavelmente consolidadas. Entre o paradigma dominante do conhecimento urbano e a formação de novos princípios interativos se manifesta uma ruptura epistemológica que se exprime, de forma significativa, no pensamento de Zygmunt Bauman que, em seu modelo de interpretação, põe em evidência o conflito entre “modernidade sólida” e “modernidade líquida”. A diferença e contraposição entre modernidade sólida e modernidade líquida mostram as mutações de cenários e a virada na perspectiva, que parecem ser necessárias para enfrentar os desequilíbrios ambientais (mudanças climáticas, poluição, etc.), os energéticos, a crise da produção material, a desconfiança com relação aos fluxos migratórios (lidos como perigo no lugar de recurso), a superação dos limites e das separações entre 61
produção e consumo, a contradição entre codificação e padrões e o compartilhamento de experiências, a passagem entre os espaços de interdição àqueles de interação. A modernidade líquida avança na complexidade, movendo-se em condições de equilíbrio dinâmico, tentando manter o estado de fluidez, na “beira do caos”, segundo uma capacidade reflexiva e responsável, regenerando as ligações sociais, enquanto faz crescer os significados e os compartilhamentos no mundo da vida. Para mudar este estado de coisas uma radical inovação metodológica se faz necessária que permita analisar, interpretar e realizar escolhas de outra maneira, por meio do espírito da liberdade e da interação entre indivíduos. É preciso que complexidade e sustentabilidade consigam superar a total separação entre esferas de ação e façam crescer a pesquisa de significados e identidade diretamente da experimentação, segundo finalidades que não sejam préconstituídas e introduzam, em todos os níveis nos quais as escolhas são realizadas, a inteligência, a criatividade e a flexibilidade com relação às demandas sociais. A nova cultura arquitetônica e urbanística está à procura de uma diferente abordagem conceitual e operacional para enfrentar os dilemas da sociedade contemporânea, que não podem mais ser tratados por meio do superado paradigma da modernidade sólida (racionalista; funcionalista), com sua intrínseca rigidez que vem se manifestando, tanto no plano da educação dos novos projetistas quanto nas práticas profissionais consolidadas, na especialização territorial, nos insuperáveis conflitos entre centro e periferia, nos sistemas de transporte e de circulação viária inoperantes, na agressão aos bens naturais e em tantos outros problemas atuais, particularmente percebidos em países em desenvolvimento como o Brasil. Por meio de uma ruptura com a modernidade sólida é possível avançar a hipótese da modernidade líquida, baseada no emergente paradigma da complexidade sustentável, que rompe com a rigidez daquele ainda utilizado nas universidades e nas práticas públicas e provadas no Brasil, e abrir um novo horizonte para o projeto às prementes necessidades do desenvolvimento sustentável. O inteiro processo de transformação, que se reflete na organização dos assentamentos humanos e na estrutura do 62
território, comporta uma reflexão sobre a noção de conexão mútua, integração dos mercados, complementaridade da infraestrutura e dos processos de distribuição no território, que possam formular novas hipóteses sobre a recomposição territorial.
COMPLEXIDADE, SUSTENTABILIDADE E CRIATIVIDADE NA SOCIEDADE LÍQUIDA A estrutura de assentamento existente é submetida à pressão de uma nova demanda de valor agregado, que empurra os grupos sociais economicamente mais fracos em direção às áreas de declínio urbano e territorial, dentro de um processo geral de descentralização, enquanto no interior da cidade central os grandes assentamentos da edificação econômica e popular (a cidade pública) tornam-se ambientes de atraso, de condições de vida que levam à marginalização e segregação urbana. O inteiro processo de transformação se reflete na organização dos assentamentos urbanos e na estrutura do território, e comporta uma reflexão sobre as noções de conexão, integração dos mercados, complementaridade das infraestruturas e processos de localização, que formule novas hipóteses de organização territorial. A desregularização dos fluxos de capitais, a interação dos lugares, a mobilidade dos agentes e a circulação de mercadorias, pessoas e comunicações estimulam os esquemas territoriais tradicionais, baseados na “antiga lógica” do domínio, que se manifesta na centralização nacional do comando e naquele local de administração do território. Estamos na presença de fenômenos que estão transformando radicalmente todos os aspectos da nossa existência: do econômico ao social, ao tecnológico e ao científico, determinando grandes consequências sobre a ordenação física do território, sobre a morfologia dos assentamentos e o ambiente. Os valores que emergem e que constituem as aspirações de quem vivencia este território, em profunda transformação, são aqueles que fazem referência à liberdade de escolha, à liberdade de expressão, de movimento, ao incentivo à inovação, à afirmação do valor da diversidade, à necessidade de eliminar limites e barreiras. Os cenários de um futuro iminente, cujas ideias e conhecimento 63
são os principais geradores de processos de desenvolvimento econômico e das dinâmicas espaciais, são caracterizados por
Figura 1: Marcos Novak, Cyberspazio (ideia central do artigo). Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015.
Figura 2: Xefirotarch Herman Diaz Alonso: Centro Cultural de Kaohsing, em Taiwan 2010, vista. Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015.
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conceitos de rede, informação, conexão, inovação tecnológica, sustentabilidade, etc. A economia das redes altera as organizações hierárquicas, a própria ideia de centralidade, para impor, na globalização, a renúncia de parte da própria autonomia e soberania, enquanto acentua a interação e criatividade (Figuras 1 e 2). 1.1 As redes comportam canais de comunicação complexos, diferentes perspectivas e tendem a premiar o pensamento “fora dos esquemas”, produzir novas ideias, operar novos cenários, e colocar em movimento novos planos de ação. O conjunto destes fenômenos constitui, na sociedade do conhecimento, uma condição generalizada de incerteza, que não pode ser considerada uma regressão, mas sim uma complexidade entendida como variedade, pluralidade e irredutibilidade. A globalização reduz a importância das formas tradicionais de contiguidade espacial, não tendo limites fixos, mas tende a cancelá-los ou a torná-los variáveis. O processo nasce das transformações sob vários aspectos: em primeiro lugar, por meio da integração seja horizontal, entre sociedades nacionais, seja vertical entre os diversos níveis institucionais e administrativos; em segundo lugar, por meio do deslocamento dos limites internos e externos, e, finalmente, mediante a pluralidade e diferenciação
Figura 3: Fractal
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que investem todos os âmbitos da sociedade. Isto resulta em uma geografia extremamente variável e pluridimensional dos espaços sociais e culturais. Com a globalização uma nova multiplicidade é criada entre ligações e vínculos transversais, um desenvolvimento caracterizado pela disponibilidade ao risco e à criatividade. O pensamento complexo comporta, na sua estrutura profunda, um princípio de incompletude e incerteza: trata-se de efetuar a passagem paradigmática do analítico ao relacional, superando a dicotomia espaço antrópico - espaço natural, além da tradição ambientalista protecionista e procurar um outro território, para uma vida diferente. O desenvolvimento complexo sustentável e criativo do território não é objetivado para conservar uma determinada estabilidade, mas na construção de nova estabilidade. Isto significa apontar para um modelo territorial capaz de mudar e responder às perturbações, criando contínuos processos dinâmicos de aprendizagem e interação. A complexidade urbana e territorial que tem sido produzida nos processos de interpretação redutora da tradição disciplinar mostra, ao contrário, a impossibilidade de reduzir a variedade das experiências ao domínio de uma visão hierárquica, a não correspondência das redes sociais a precisas referências topográficas, a perda de significado da localização no espaço para a organização territorial, mostra a passagem do espaço físico, ligado à mobilidade, ao espaço conceitual conectado pela informação. Trata-se de formas e movimentos de incessante superação dos limites com relação aos quais uma pesquisa sobre problemas deve ser desenvolvida, que a realidade em transformação apresenta aos diversos níveis da organização territorial e espacial. A concepção de uma ciência urbanística que desenvolve a sua pesquisa a partir de problemas, não constituise em uma utopia para a configuração do espaço do habitar, mas uma atual possibilidade metodológica de assimilar o urbanismo nas ciências naturais e sociais existentes.
1.2 Enquanto a lógica do presente modelo hierárquico da modernidade solida está baseada na determinação de fronteiras estáveis e permanentes, tanto institucionais quanto conceituais, a hipótese alternativa da desregularização e cientificidade apresenta a característica que seu espaço real e conceitual está sempre em 66
aberto, para se exprimir em termos paradoxais sua unicidade é o processo, no qual a interação nasce da permanência da mutação sob diversos aspectos: - em primeiro lugar, por meio da “conexão” seja horizontal entre os territórios ou vertical entre os níveis institucionais; - em segundo lugar, por meio da “transformação”, na medida em que as unidades territoriais tornam-se problemas no lugar de definição institucional; - em terceiro lugar, por meio do “deslocamento de limites”, que se deformam continuamente no plano das competências; - finalmente, por meio da “pluralização”, que, fazendo interagir os problemas nos diversos níveis horizontais e verticais, torna a aceitação das diferenças no motor e na razão determinante das hipóteses de solução. Resulta, assim, uma geometria extremamente variável e pluridimensional do espaço territorial, que possa responder à pluralidade e multiplicidade dos problemas, das culturas e identidade dos lugares e grupos sociais. A ausência de significados garantidos, de normas de conduta predeterminadas, de confins preestabelecidos entre certo e errado, aparece como a condição para a produção de espaços complexos para uma sociedade autônoma e, ao mesmo tempo, de pessoas autenticamente livres. O imaginário disciplinar e o imaginário coletivo precisam de uma nova perspectiva: pensar o espaço em uma organização que, a partir da complexidade sustentável, possa projetar novas visões variegadas, múltiplas, inumeráveis, descontínuas e, frequentemente, emblemáticas de modos de vida. Para poder comprender a direção para a qual parece que o mundo da vida (não a sociedade institucional) se dirija, é preciso refletir sobre as dinâmicas generativas, no lugar da ordem que as formas se apresentam: não há ordem sem o caos que a gere, nem ordem gerada sem caos que a regenere; como escreveu Emmanuel Lizcano: “O caos não penetra a partir de um elemento hipotético externo ao sistema: ferve dentro de sua mesma ordem.
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E é assim ao contrário também: o caos é um nó de potencialidades ao interno do qual se libertam, com impressionante obstinação, novas configurações de ordem, como se as ordens fossem fenômenos efêmeros que emergem de uma matriz caótica para retornar, incessadamente.”
Um pensamento livre não deveria conhecer centralidades geométricas nem racionalidades totalizadoras, para se autoconstruir de forma excêntrica, escapando da viscosidade do centro por meio de contornos e o rebatimento da forma do pensamento centralizado, repensar por meio da fluidez no lugar de círculos e retículas, abrir processos no lugar de fechar soluções. 1.3 A diferente maneira de olharmos e definirmos a relação entre realidade e sujeito observador, multiplicando, rebatendo e alterando as dimensões e a compactação objetiva do observável, implica em uma diferente maneira de organizar o espaço e os elementos do próprio espaço. O espaço arquitetônico da indeterminação é, desta forma, o espaço e a forma correspondentes com a multiplicidade de presenças e com a complexidade e sustentabilidade das relações que geram incerteza, mutação e inovações, elementos centrais de uma linguagem arquitetônica inovadora e de espaços adequados para a nova sociedade das transformações. Na complexidade, a atenção deve ser levada para os temas da dispersão e do excêntrico, contrapostos àqueles tradicionais da concentração e da centralidade. A dispersão e o excêntrico convidam a explorar as muitas possibilidades de seguir por caminhos sem interferência com a centralidade, utilizando formas reticulares horizontais, seguindo sentidos e percursos laterais, tangentes, que desviam, contornam e deslocam a centralidade mesma e ao longo dos quais se articulam e relacionam diferentes possibilidades de assentamento com seus papéis e caráter diversificados. Os pontos fundamentais que emergem do projeto são: - uma estética que olha para a mutação turbinada da sociedade;
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- um sentido do espaço cavernoso e recortado não apenas como centro da composição, mas enquanto centro da vida, penetração que deforma o espaço adjacente;
- a relação com os lugares, elaborada de forma provocante e em condições de requalificar o preexistente; - as linhas de força da organização espacial que se tornam diretrizes pretendidas para penetrar o espaço e irradiam, a partir de si, o ambiente adjacente; - os espaços internos fluidos e conectados; - as relações de estreita conexão entre as partes que tendem a estruturar-se de acordo com procedimentos não rígidos; - a consciência que o espaço de interação é a matriz da complexidade territorial e arquitetônica. É preciso repensar todo o território e reinterpretar fenômenos que tomávamos por certos, de sair de um conhecimento puramente enumerativo das demandas e das necessidades, para apontar para uma mutação teórica e operacional da disciplina urbanística. O território da complexidade sustentável e criativa se transforma, vice-versa, no conceito substitutivo daquele de cidade e consiste em processos de transformação ecológica, no sentido mais amplo do termo, dos assentamentos existentes e novos, e oferece respostas ao incremento da complexidade não governável, ao constante empuxo que a ciência impõe à inovação, à difusão de novos modelos culturais e de consumo, fatores que têm originado a crise do paradigma do fordismo. 1.4 Uma experimentação das teorias da complexidade e da sustentabilidade pode ocorrer por meio da recuperação dos recursos ambientais e territoriais, que possa levar sua ação tanto sobre as estruturas ambientais (despoluição de rios, redução da poluição, controle das águas, reflorestamento, intervenções paisagísticas sobre as margens de rios, criação de lagos artificiais, reúso da navegação fluvial, etc.), quanto sobre as estruturas territoriais (estações intermodais, redesenho da organização da circulação veícular e controle da verticalização e da densidade edificada, novos equipamentos de serviço, etc.). Trata-se de se eliminar a poluição e a degradação ambiental, de salvaguardar e devolver a paisagem para sua função, de valorizar áreas abandonadas e marginais, no âmbito de todo um processo de transformação e de abertura para direções ambientais não 69
previstas, disseminadas e diluídas em situações opostas às tradicionais da concentração e da centralidade. Uma hipótese-guia estratégica, que enfrente na grande dimensão territorial todas as realidades sociais, naturais, produtivas e geográficas poderia estar em condições de responder de forma complexa à complexidade da dinâmica do real. Muitos dos conceitos e dos termos enunciados para transmitir ideias teóricas e sugestões operacionais sobre os problemas do território da complexidade sustentável criativa se revelam nem sempre adequados para captar a realidade fugaz e compreender um mundo em movimento, prever soluções ou indicar realizações e projetos existentes para serem assumidos como modelo. No entanto, como escreve Bauman: “É indiscutivelmente verdadeiro que pequenas ou grandes que sejam as melhorias da nossa maneira de conceber o mundo vivenciado, essas não serão suficientes para garantir a realização da esperança de melhorar o mundo e as nossas vidas no interior do mesmo, mas é também verdade que sem tais melhorias a esperança não poderá sobreviver.” (t.d.a.)
4a 4b Figuras 4a e 4b: Vistas gerais do projeto para a área portuária de Nova Iorque.
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Fonte: Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 POLITECNICO DI MILANO. Laurea Magistrale, 2006-2007: Matteo Meraviglia. Título: Complexidade e sustentabilidade no projeto do waterfront de Nova Iorque. Autores: Cesare Blasi e Gabriella Padovano.
AS APLICAÇÕES TERRITORIAIS DO CONCEITO DA COMPLEXIDADE SUSTENTÁVEL CRIATIVA POR MEIO DE PESQUISA E EXPERIMENTAÇÕES ACADÊMICAS NO POLITÉCNICO DE MILÃO Este ensaio tem como finalidade geral propor uma atenção do leitor a algumas exemplificações das pesquisas e experimentações de projeto, elaboradas por diversos grupos de estudantes sob a direção de Cesare Blasi e Gabriella Padovano. As próprias pesquisas foram desenvolvidas junto à Faculdade de Arquitetura e Sociedade do Politécnico de Milão ao longo das atividades do Laboratório de Projeto de Arquitetura 2 do Curso de Graduação, por ocasião do Trabalho Final de Graduação e durante as cinco edições do Mestrado de segundo nível, o “TAS Território e Arquitetura Sustentáveis”, do Politécnico de Milão. (Figuras 4, 5 e 6) O quadro apresentado não pretende, certamente, ser exaustivo com relação à riqueza da atividade de pesquisa que os diversos grupos de estudantes têm elaborado ao longo dos anos da didática, mas é apenas um retalho da situação, realizado por meio
5a 5b Fonte: Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015. Laurea Magistrale, 2006-2007: Matteo Meraviglia. Título: Complexidade e sustentabilidade no projeto do waterfront de Nova Iorque. Autores: Cesare Blasi e Gabriella Padovano.
Figuras 5a e 5b: Vistas gerais do projeto para a área portuária de Nova Iorque.
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de um número restrito de levantamentos. Pareceu oportuno refletir sobre o papel que a pesquisa desenvolve, mesmo na sua marginalidade imposta pela atual cultura institucional dominante, com o objetivo de passar para uma hipótese sobre as responsabilidades que poderia assumir em uma sociedade livre e aberta, apontando para uma mutação teórica e operacional.
6a 6b Figuras 6a e 6b: Vista geral do projeto para uma área esportiva.
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Fonte : Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 Paolo Alborghetti. Título: Da especialização esportiva à complexidade do habitar.
Colher a proeminência da pesquisa sobre a didática, entendida como transmissão do saber, não significa mistificar a existência de um conhecimento que possuímos, ou fugir para a utopia imprecisa de um saber que será feito. É exatamente o oposto; quer dizer retomar com modéstia o caminho da pesquisa, que permita aos operadores da mesma adquirirem uma formação e uma capacidade capaz de contestar aquele conjunto de prescrições, normas e técnicas, que se considera ter fixado uma vez por todas e que, no entanto, pedem para se tornar programas alternativos de pesquisa. De fato, na sociedade contemporânea, em um período caracterizado pela descodificação e pela desconstrução, parece ser ilusório tentar a interpretação da realidade por meio de um conjunto de enunciados e procedimentos, assim como é altamente improvável que se possa formular um código que se atenha ao
projeto, que possa conduzir à definição de leis e normas para a interpretação do espaço e de sua configuração global. 2.1 Perante o aparato teórico da cultura dominante, o primeiro passo não pode ser outro que a tentativa de romper a cerca institucional. Precisamos inventar um novo sistema conceitual que possa suspender e que entre em conflito com os resultados de observações realizadas no interior do sistema institucionalizado. Tudo isto não podemos aprender apenas conhecendo e refinando o aparato teórico e instrumental do modelo existente, mas precisamos de um modelo de crítica exterior, de um conjunto de questões alternativas. “Por que gastar tempo, entediando-se, para aplicar uma folha de ouro aos topos de uma torre cujas fundações estão quebradas? Antes que a delicada operação esteja completada o inteiro edifício terá desabado, destruindo obra e seu autor. Nenhuma quantidade de pesquisa ou discussão sobre a relevância da informação coletada pode mascarar um fato já óbvio: a arquitetura, como hoje é ensinada e praticada, é apenas uma
7a 7b Fonte:z Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 Scuola Architettura e Società Paolo Alborghetti. Título: Da especialização esportiva à complexidade do habitar.
Figuras 7a e 7b : Vista geral interna do projeto para uma área esportiva.
ficção gramatical.” (D. LEBESKIND, RADIX-MATRIX, PRESTEL, MÔNACO,1997). A pesquisa sobre arquitetura precisa se tornar um momento da reflexão corajosa e leal que revele ao absurdo da atual forma de projeto urbano e arquitetônico, que ofereça a possibilidade de operar uma mutação total: “transformar o 73
mercado das mercadorias, ou pior, a confusão da discussão sobre as mesmas, no reino onde anjos tinham o temor de pousar” (op. cit.), ou seja, sermos encorajados a empreender uma aventura no mistério de uma arquitetura renovada. A nova fase da história da modernidade se centra: - no conceito de “liquidez”, a metáfora pertinente que elimina a autonomia do projeto, que pode apenas ser resposta aos problemas da sociedade em transformação; - no conceito de complexidade, que requer pensarmos sem nunca fechar conceitos, romper as esferas fechadas, de restabelecer as conexões entre aquilo que está desconectado, de incluir a multidimensionalidade. A única verdadeira viagem em direção do descobrimento não consiste da busca de novas formas, mas em ter novos olhos: a diferente forma de olhar e definir a realidade e o sujeito observável, multiplicando, rebatendo e alterando as dimensões e a compactacidade objetiva do observável, implica em uma diferente maneira de organizar o espaço e suas interrelações. É preciso dar a largada para reconceitualizações e rearranjos dos saberes que liberem das inibições e dos medos de uma disciplina, que se transformou em conhecimento adquirido e estabeleceu verdadeiros “impedimentos epistemológicos” para a livre aventura da pesquisa.
Figuras 8a e 8b: Vista geral do projeto.
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Fonte: Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 Mestrado “TAS Território e Arquitetura Sustentáveis” 2014-2015. Título: Habitar multiétnico. Autores: Vittoria Bellassai, Esteban Garcia, Matteo Piccin.
2. 2 Este conjunto de valores e princípios constitui o horizonte de investigação do conhecimento e permite entender como o termo “complexidade sustentável” não constitua um corolário
do projeto (em seus códigos e instrumentações disciplinares), mas sim a abertura ao porvir e à transformação. Parece ser indispensável que as pupilas, acostumadas a copiar, inventem mundos para os quais olhar: ocorre, como escreve Magritte, “banir da mente o já visto e pesquisar o não-visto, evitando de se por diante dos possíveis impedimentos e dificuldades lembrando que “quem cuida do vento nunca semeia e quem observa as nuvens não colhe””. A estratégia de uma pesquisa inovadora exige que não seja doutrinária e onipresente mas, muito pelo contrário, capaz de se misturar com os conflitos, livre, serena e curiosa nas múltiplas contradições da realidade e indiferente ao pensamento. As experimentações, aqui apresentadas, tendem a validar ou confutar dois aspectos. - o primeiro diz respeito à teoria de projeto da complexidade e da sustentabilidade em sua capacidade de avaliar criticamente a realidade e de hipotetizar transformações que respondam às aspirações da sociedade líquida; - o segundo é relativo ao método estrutural generativo em sua capacidade de traduzir as questões da própria teoria em processos de projeto. Os casos considerados visam a enfatizar a complexidade da relação entre conhecimento adquirido, teoria e experimentação. Esta relação é multiforme e foge de qualquer tentativa de catalogação ou enquadramento epistemológico rígido. O uso sistemático da observação experimental parece ser um razoável indicador da capacidade da teoria de fazer afirmações realizáveis sobre a realidade. Uma vez estabelecida a relevância da observação experimental e da experimentação, o problema de seu papel na interação entre teoria e experimentação é colocado. A possibilidade de observação entre fenômenos e as oportunidades de se conduzir experimentações constituem, de fato, um elemento estrutural da falsificação das teorias. É, contudo, necessário esclarecer uma questão: uma experimentação é normalmente concebida e realizada com base no interior dos conhecimentos adquiridos, que são constituídos por um cruzamento inseparável entre teoria e experimentação. 75
Figuras 9a, 9b e 9c: Vista geral e seções do projeto.
Fonte: Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 Mestrado “TAS Território e Arquitetura Sustentáveis” 2014-2015. Título: AbitareHabitar interétnico. Autores: Vittoria Bellassai, Esteban Garcia, Matteo Piccin.
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2.3 É esse conhecimento que sugere quais são as questões a serem enfrentadas ao longo do processo de experimentação e decorre que os resultados da mesma são interpretados no âmbito de uma teoria. Em síntese, a experimentação é impregnada de teoria e isso, mesmo que não deslegitimize a experimentação, define seus limites. Os projetos que são oriundos das pesquisas conduzidas na atividade acadêmica, não tem a implantação e
os desenhos surrealistas para apresentar para sua realização. Contudo, constituem descrições e simulações que dão sentido das possibilidades de diversas visões, as quais, em suas formas, levantam questões no lugar de fornecer respostas e, ao mesmo tempo, não deixam dúvidas sobre as intencionalidades das relações espaciais e sociais que descrevem: tratam-se de tentativas de representar um território diferente para uma vida diferente (Figura 10).
Figuras 10 a e 10 b: Vista interna do projeto.
Fonte: Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis, Politécnico de Milão, 2015 Mestrado “TAS Território e Arquitetura Sustentáveis” 2014-2015. Título: AbitareHabitar interétnico. Autores: Vittoria Bellassai, Esteban Garcia, Matteo Piccin.
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A APLICAÇÃO DA COMPLEXIDADE SUSTENTÁVEL CRIATIVA EM TRABALHOS ELABORADOS ENTRE O POLIMI E O NUTAU/USP (2012 A 2014) O NUTAU/USP é um NAP - Núcleo de Apoio à Pesquisa criado em 1992 pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Dirigido pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Padovano desde 2007 até o presente momento, o núcleo vem desenvolvendo trabalhos voltados à pesquisa aplicada, por meio de diversas modalidades de aplicação (planos, projetos e consultorias técnicas). Em 2012, ao ser firmado um acordo de cooperação técnicocientífica com o Laboratório de Arquitetura e Território Sustentáveis do Politécnico de Milão, foi iniciada uma pesquisa conjunta entre os técnicos dos dois centros de pesquisa que teve os concursos públicos de arquitetura e urbanismo como um primeiro eixo de trabalho associado. No período 2012-2014 foram realizados três trabalhos em concursos no Brasil, focalizando temas propostos pelos seus organizadores, focando principalmente a questão de intervenções arquitetônicas e urbanísticas em situações onde as pré-existências físicas-territoriais deveriam ser consideradas como partes integrantes das propostas. Isto abriu a possibilidade de tratarmos de temas atuais e usarmos, em conjunto, os pressupostos teóricos elaborados pelos pesquisadores do laboratório de Milão.
Passagens subterrâneas no Eixão, em Brasília, Brasil Menção Honrosa (2012) A proposta evoluiu de uma análise das condições precárias de pedestres e ciclistas sob o Eixão de Brasília, sistema viário estrutural do Plano Piloto de Lúcio Costa, que secciona a malha urbana composta por superquadras no sentido norte-sul (Figura 11).
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Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urtbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2012. Autores: Sidney Schwindt Linhares (coord.), Bruno Roberto Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio; Consultores: Issao Minami*, Ivan Rumenov Shumkov*, Suzana Mara Sacchi Padovano*, Viviane Milaus Nassif.
Figura 11: Implantação e seção do projeto de passagens subterrâneas no Eixão, Brasília.
A proposta evoluiu no sentido de explorar uma espacialização orgânica, inspirada na pele descartada de uma sucuri, espécie de grande réptil que habita o cerrado além da bacia amazônica, que costurasse os dois lados do Eixão, introduzindo uma sequência de espaços cobertos para proteger o transeunte e o ciclista do sol e da chuva, além de espaços destinados ao comércio de rua, para tornar o percurso por baixo do sistema viário mais seguro e confortável (Figura 12).
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Figura 12: Vista superior do projeto de passagens subterrâneas no Eixão, Brasília.
Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urtbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2012. Autores: Sidney Schwindt Linhares (coord.), Bruno Roberto Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio; Consultores: Issao Minami*, Ivan Rumenov Shumkov*, Suzana Mara Sacchi Padovano*, Viviane Milaus Nassif.
A proposta adota a sobreposição de três camadas, ou layers, de elementos construídos (cobertura em malha metálica, quiosques e piso/vegetação) para definir uma conexão mais fluida entre os dois lados separados pelo Eixão, por meio, inclusive, de uma parceria entre poder público e o setor privado (quiosques) para viabilizar uma manutenção adequada para este espaço de circulação a ser qualificado (Figura 13).
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Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urtbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2012. Autores: Sidney Schwindt Linhares (coord.), Bruno Roberto Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio; Consultores: Issao Minami*, Ivan Rumenov Shumkov*, Suzana Mara Sacchi Padovano*, Viviane Milaus Nassif. NUTAU-USP e Politecnico de Milano.
Figura 13: Vista interna do projeto de passagens subterrânes no Eixão, Brasília.
Campus Cabral, UFPR - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, 2013 A UFPR - Universidade Federal do Paraná - promoveu um concurso para a ampliação de seu Campus Cabral, voltado para as artes, para o qual as equipes de Milão e São Paulo elaboraram uma proposta inovadora, baseada na ideia de exprimir, com as partes novas do campus, algo da natureza local, mais especificamente a árvore Araucária, típica da região, com seus galhos ascendentes que contrariam aqueles da família geral dos pinheiros (Figura 14).
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Figura 14: Projeto de ampliação do Campus da UFPR.
Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urtbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2013. Autores: Roberto Righi (coord.), Attilio Nebuloni, Bibiana Carreño, Bruno Roberto Padovano, Cesare Blasi, Gabriella Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio, Galileo Morandi, Silvia Bertolotti: Consultores: Sidney Schwindt Linhares. NUTAU-USP e Politécnico de Milano.
Os novos blocos de sala de aula apresentam uma implantação que valoriza o espaço coletivo, com corredores que se abrem para pátios internos e que são conectados por passarela e um sistema de escadas que acompanha o seu movimento irregular. Uma malha externa em aço cortén visa proteger os ambientes internos ao filtrar a luz solar e ao mesmo tempo captar sua energia por meio de tecnologia fotovoltaica associada à mesma (Figura 15).
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Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2013. Autores: Roberto Righi (coord.), Attilio Nebuloni, Bibiana Carreño, Bruno Roberto Padovano, Cesare Blasi, Gabriella Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio, Galileo Morandi, Silvia Bertolotti: Consultores: Sidney Schwindt Linhares. NUTAU-USP e Politécnico de Milano.
Figura 15: Projeto de ampliação do Campus da UFPR.
O conjunto arquitetônico proposto se caracteriza por esta arquitetura bioclimática, com sua rica dinâmica de elementos conjugados de forma não serial e fluida, explicitando o uso específico dos espaços, voltados ao ensino, pesquisa e extensão nas artes, com ênfase no Design e Música (Figura 16).
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Figura 16: Vista interna do projeto de ampliação do Campus da UFPR.
Fonte: NUTAU-USP. Núcleo em pesquisas da tecnologia na arquitetura e urtbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2013. Autores: Roberto Righi (coord.), Attilio Nebuloni, Bibiana Carreño, Bruno Roberto Padovano, Cesare Blasi, Gabriella Padovano; Colaboradores: Davide Burgazzi, Federica Motta, Stefano Baggio, Galileo Morandi, Silvia Bertolotti: Consultores: Sidney Schwindt Linhares. NUTAU-USP e Politécnico de Milão.
Sede do Governo Estadual do Maranhão, São Luís, Brasil (2013) Este concurso, realizado em 2013, ofereceu a oportunidade da equipe binacional enfrentar o tema de um edifício administrativo do governo estadual do Estado do Maranhão, rico em flora e fauna e famoso por suas dunas, os “lençóis maranhenses”, que oferecem grande deleite à população local e aos turistas (Figuras 17 e 18).
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Fonte: Autores (2013).
Figura 17: Implantação do projeto para a sede do Governo Estadual do Maranhão.
Fonte: Autores (2013).
Figura 18: Perspectiva externa do projeto para a sede do Governo Estadual do Maranhão.
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A própria fluidez dos “lençóis” foi o ponto de partida do projeto, com as novas áreas previstas na ampliação dos edifícios existentes ocupando o terreno de forma análoga às dos impressionantes bancos de areia do litoral maranhaense. Os edifícios existentes, que marcam uma fase modernista sólida na história da arquitetura e urbanismo local, foram encobertos por um sistema em malha metálica, com componentes bioclimáticos, enquanto as novas áreas receberam um tratamento paisagístico com a flora nativa no sentido de adequá-los ao clima local e ao mesmo tempo inseri-los na paisagem urbana como partes de um ecossistema mais amplo (Figura 19).
Figura 19: Estudos do Fonte: Autores (2013). projeto para a sede do Governo Estadual do Maranhão.
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CONCLUSÕES Este conjunto de experiências acadêmicas e profissionais buscam levar ao leitor as preocupações e evoluções disciplinares expressas no âmago dos trabalhos conduzidos por seus orientadores de pesquisa e pesquisadores, nos últimos anos, que explicitam a adoção da teoria da complexidade sustentável criativa e do método estrutural generativo, utilizados em sua elaboração. Demonstram, na riqueza de soluções avançadas, parte da extensão de um novo território a se conquistar, considerando-se dois pontos principais: - em primeiro lugar, pelos avanços paradigmáticos para atividades acadêmicas intra e transdisciplinares naquilo que pode ser identificado como emergentes “ciências do território”, nas quais o papel da Arquitetura e do Urbanismo é da maior importância; - em segundo, para apresentar novos parâmetros qualitativos e quantitativos na efetiva realização de projetos que possam iniciar um processo de transformação territorial mais aberto à inovação e à própria experimentação, encurtando a distância entre academia e mercado, por meio de construções complexas, sustentáveis e criativas, que possam exprimir todo o potencial da nossa era do conhecimento e qualificar a vida em um planeta ameaçado pela profunda crise ambiental representada pelo aquecimento global. Estas pesquisas apontam, portanto, para novos modelos de gestão territorial capazes de lidar com a complexidade e abrangência do fenômeno da urbanização com relação à preservação dos ecossistemas terrestres em benefício das futuras gerações. Ao mesmo tempo, reconhecem as dificuldades de poderem, efetivamente, contribuir para o desenvolvimento sustentável a curto e médio prazo, dadas as restrições e rigidez institucional que hoje determinam limites quase impossíveis de superação, tanto no campo acadêmico como aqueles dominados pelo estado e o mercado, em países como Itália e Brasil. Assim sendo, concluímos que a experimentação compartilhada 87
entre dois países do Velho e Novo mundos pode apontar para outras, por meio de uma universidade atenta com relação às necessidades e aos desejos da população mundial, em busca de um “moderno futuro” (Gabriella Padovano), que aproxime cada vez mais países desenvolvidos àqueles em desenvolvimento, e, assim, os povos de todas as regiões da Terra, como território uno e indivisível para uma vida digna de toda a Humanidade, no porvir de um novo tempo.
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DENSIDADE, DISPERSÃO E FORMA URBANA: Dimensões e limites da sustentabilidade nas cidades brasileiras
Geovany Jessé Alexandre da Silva
[PPGAU-UFPB, Brasil /Universidade de Lisboa, Portugal]
Samira Elias Silva [Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, Portugal]
Carlos Alejandro Nome [PPGAU-UFPB, Brasil]
INTRODUÇÃO Este trabalho é uma síntese de pesquisas1 realizadas no campo da Arquitetura e Urbanismo e tem como objetivo principal apontar algumas ferramentas de planejamento urbano e regional integrado que vislumbrem a implementação e a reabilitação de cidades mais sustentáveis a partir da densidade2 (habitacional e populacional, ou seja, a relação de habitações e moradores por área ocupada), bem como aplicar a análise da forma edificada e demais aspectos da ocupação territorial que se traduzem em dispersão/compactação urbana, diante do arcabouço teórico e aplicado analisado. O objeto de análise espacial se deu a partir de áreas habitacionais consolidadas, em um primeiro momento, exemplificadas por cidades brasileiras, europeias e norte-americanas. Em um segundo momento, o trabalho versa sobre a crítica da forma de ocupação dos projetos habitacionais recentes brasileiros, de baixa qualidade
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1 Pesquisa em Projetos de Arquitetura e Urbanismo Mais Sustentáveis (2012-2016) – vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba – PPGAU-UFPB, João Pessoa-PB, Brasil, e ao Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Lisboa, em Portugal (2015-2016). Apoio financeiro da CAPES, ainda em andamento. Este artigo é a síntese desta primeira fase concluída. 2 Como parâmetro para o Desenho Urbano e à crítica analítica dos casos escolhidos pela pesquisa, optou-se por esses dois critérios de densidade (populacional e habitacional), como ferramenta mais simplificada e capaz de estabelecer comparações e cenários.
urbana, avaliando a dicotomia entre projetos unifamiliares e multifamiliares. Por fim, estabelecem-se apontamentos frente às decisões da forma habitacional e custos de urbanização, citando-se exemplos consolidados de conjuntos habitacionais de densidades variadas e de maior urbanidade, sugerindo-se, ainda, procedimentos para a adoção de novas formas de ocupação mais compactas e eficientes (avaliadas por indicadores urbanos, simulações e monitoramentos de desempenho). Conforme o “Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’aménagement”, como breve esclarecimento terminológico, Merlin & Choay (2000) definem a densidade como um indicador estatístico (que pode se referir à população, habitações, empregos, etc.) em uma superfície (área). A densidade populacional corresponde ao número de indivíduos de uma ilhota, de um quarteirão, de uma cidade, de um país, etc., assim, refere-se ao número de indivíduos pela unidade de superfície, muito utilizado no processo de regulamentação e controle do solo urbano. Já a densidade habitacional se refere ao número de habitações em uma superfície de terra ocupada. Apesar da suposta definição simples acerca da densidade, em especial, à habitacional, seu uso e aplicação é delicado por uma série de razões, pois, com exceção à escala de conjuntos habitacionais mais homogêneos, no qual se calcula uma média de ocupação, na maioria das vezes, em uma escala mediana e urbana de análise, a superfície não somente é ocupada por habitações, mas por vias, estacionamento, espaços comuns, áreas verdes, terrenos desocupados, ou até mesmo edificações de outros usos. Em geral, para Merlin & Choay (2000) a densidade habitacional se divide entre a líquida (sem equipamentos) e a bruta (com equipamentos)3. Em escalas geográficas, a delimitação imprecisa de uma superfície urbana (ocupada ou construída) e a definição de seus equipamentos podem alterar o cálculo da densidade de forma considerável, o que reforça a necessária aplicação metodológica de análise e delimitações precisas do objeto mensurado. No que se refere à pesquisa, procedeu-se a revisão da bibliografia e de conceitos sobre o tema, situando, assim, a partir do desenho desse estado-da-arte, a importância da densidade e 3 Essa definição difere em partes do método adotado pela pesquisa, que contabiliza a densidade bruta como a área a ser parcelada e ocupada (vias, equipamentos, habitações) – Acioly & Davidson (1998) –, exceto as áreas de preservação, e densidade líquida como área de potencial construtivo para a habitação e usos mistos – área loteável –, exceto vias e calçadas. Essa caracterização será melhor definida no capítulo seguinte deste artigo.
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dos aspectos morfológicos das cidades no processo de dispersão urbana, bem como na constituição e interpretação da cidade. Investigar as relações urbanas em diversas escalas (macro, meso e micro) e de planejamento urbano, analisar a cidade por meio de metodologias interpretativas de seus aspectos físicos (formais/ volumétricos), e, por fim, compreender e comparar algumas parcelas de cidades por meio da análise de suas respectivas densidades e estruturas morfológicas. Estes foram alguns dos objetivos secundários. A pesquisa adota o método hipotético-dedutivo, e se apropria de abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas, realizando-se análises de imagens de satélite para mapeamento de áreas e levantamento bi e tridimensional de formas urbanas diversas, que forneceram dados estatísticos e comparativos. Cronologicamente, a investigação transcorreu em três etapas sequenciais:
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I.
Fundamentação Teórica - Pesquisa sobre literatura específica do urbano contemporâneo no mundo, com foco nas questões referentes à densidade, forma e dispersão urbana;
II.
Análises primárias e secundárias – Estudo comparativo das aplicações teóricas investigadas, mapeamentos e índices urbanísticos entre cidades e regiões distintas;
III.
Síntese e Propostas – Reflexões espaciais para a realização de um planejamento urbano sustentável, em especial, para projetos de habitação coletiva no contexto brasileiro e da América Latina.
Pesquisas nesse campo de compreensão da urbe contemporânea a partir de sua forma urbana construída, associando aspectos multivariados, poderão nortear novas formas de planejamento e gestão urbana aplicada à sustentabilidade. Estudos técnico-científicos de planejamento urbano e regional integrado, que agreguem análises quantitativas aos critérios qualitativos sobre os processos de uso e ocupação do solo, em distintas escalas (multi-escalas), permitem estabelecer padrões
de ocupação coerentes com as condicionantes e determinantes de cada localidade urbana, capazes de responder, por meio da performance espacial, às demandas de uso atuais e futuras. A simulação de cenários, monitoramento, controle e resposta às dinâmicas pós-ocupacionais são processos pouco usuais para a formulação de legislações urbanísticas e planejamento urbano. A cidade contemporânea, em sua dinâmica atual, reflete processos complexos que, se não acompanhados pela gestão territorial, produzem espaços fragmentados, de baixa qualidade, que interferem na vida de toda a cadeia urbana e, paulatinamente, aumentam os conflitos espaciais, socioeconômicos e ambientais. Se por um lado, a legislação permanece estática e, em geral, sofre alterações que favorecem ao setor imobiliário (como tem ocorrido na maioria das cidades brasileiras e dos países em desenvolvimento), o planejamento urbano (teoria e prática), em partes, desconsideram o impacto da forma sobre a vida das pessoas e na dinâmica urbana. E é nessa complexa discussão que este trabalho, ainda incipiente, pretende acrescentar algumas análises.
A DENSIDADE COMO ASPECTO CULTURAL DE PLANEJAMENTO URBANO Contextualização e Conceitualização Em geral, a densidade habitacional (e, portanto, de pessoas por área) diminui gradualmente a partir do centro urbano (ALEXANDER, 2013). Merlin & Choay (2000) afirmam que a densidade é mais elevada em cidades latinas (Europa do sul, América Latina) e orientais que as cidades anglo-saxônicas. Essas afirmações podem ser comprovadas nos estudos de Bartaud (2001; 2011) e Bertaud & Malpezzi, (2003), por meio de estudos de densidade bruta e radial (a partir do CBD) em dezenas de cidades no mundo. A intensidade de uso dos espaços por seres humanos ao longo da história pode ser analisada a partir da densidade. Alexander (1966) classifica, em princípio, dois modelos de cidade, a natural (constituída ao longo dos tempos e conforme as necessidades humanas em cada período) e a artificial (a cidade planejada e projetada). Este critério simplificado de caracterização pode ser
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associado ao período de industrialização e intensificação das ocupações urbanas após o século XVIII, com o surgimento de grandes áreas urbanas expandidas ou mesmo de novas cidades a alimentar o sistema de redes urbanas que se consolidava, bem como para comportar a população urbana que crescia exponencialmente em poucas décadas. Processos estes que se iniciaram com maior intensidade no Brasil e América Latina após meados do século XX, em decorrência da industrialização e urbanização tardia. Entretanto, de fato, a grande crítica de Christopher Alexander se debruça sobre o urbanismo modernista (e arquitetura) e à padronização de estilos de vidas e das formas de habitar as cidades, independentemente das relações do lugar, tradição ou cultura. Até a segunda metade do século XIX a densidade urbana era uma característica resultante do desenvolvimento de cidades e de seus processos complexos (técnicas e tecnologias construtivas, restrições legais, tradições e aspectos culturais, a rentabilidade econômica sobre os espaços, etc.) que determinaram a dinâmica e distinção de densidades nas cidades tradicionais, contudo, não se verificou o uso consciente da densidade no desenho urbano até então. Até esse período, as altas densidades nas cidades industrializadas, em especial a compactação urbana de cidades tradicionais europeias, portanto da forma da cidade decorrente desse indicador, eram consideradas causas de doenças por contaminação do ar e resíduos, facilitador de incêndios e da desordem social. Esses princípios de insalubridade da compactação urbana (em especial, da morfologia urbana de cidades de origens euro-medievais) norteou grandes intervenções urbanas ao longo do séc. XVIII e XIX em cidades como Londres, Lisboa, Paris, Barcelona, e, mais tarde, em cidades latino-americanas, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Caracas, Cidade do México, Buenos Aires, Santiago. Publicações críticas à esse modelo urbano tradicional e mais compacto – ou natural, conforme Alexander (1966) – foram bastante recorrentes na Alemanha e Inglaterra, com replicações urbanísticas em cidades europeias, na América do Norte e em novas cidades de predomínio da cultura anglosaxônica4 (ALEXANDER, 2013). Na segunda metade do século XIX, a partir do boom econômico e demográfico dos países industrializados, o desenvolvimento legislativo e de planejamento 96
4 Além das cidades norte-americanas (EUA e Canadá) e da Bretanha, países como África do Sul, Austrália e Nova Zelândia obedecem aos semelhantes princípios de urbanização dispersa e de baixa densidade das Cidades Jardins.
foram acompanhados por abordagens científicas para as novas expansões urbanas ou em intervenções nas áreas consolidadas. Na Alemanha, a regulação da densidade urbana se dá nesse período, estabelecendo-se padrões de alturas máximas de construção e largura das vias (critério indireto sobre a densidade) em um primeiro momento, e posteriormente, faz-se a ordenação construtiva por meio de densidade máximas explícitas para regulação dos planos urbanísticos (PONT & HAUP, 2010). Se por um lado o “regularismo” da segunda metade do século XIX foi a ferramenta capaz de viabilizar as expansões das cidades em processo de industrialização, mais tarde o Movimento da Cidade Jardim sugeriu um modelo urbano distintamente característico. Urbanistas e críticos do planejamento na Inglaterra, tais como Ebenezer Howard (1898) e Raymond Unwin (1909 e 1912), usaram a densidade urbana para difundir as vantagens de cidades menores, descentralizadas e autossuficientes. No início do século XX, o Movimento Moderno, por meio dos CIAMs 5 (entre 1928 a 1956) e da Carta de Atenas (1933), lança a proposta universalizante de um urbanismo amparado pela imposição do desenho rígido sobre o sítio e, em alguns casos, sobre a cidade tradicional, desenho este que preconizava as quatro funções urbanas – habitar, trabalhar, recrear e circular. A partir da Segunda Guerra Mundial, empreendimentos urbanísticos privados e de parcerias governamentais com as iniciativas corporativas estabelecem as expansões urbanas periféricas (lowrise), de relativa baixa densidade (bruta, principalmente), arranhacéus em novos centros (ou em áreas tradicionais e históricas). As novas tecnologias construtivas, o advento do automóvel e avanço de outros modais, novos materiais, mudanças nos hábitos de trabalho, circulação e lazer, e a necessidade emergencial de novas habitações e de reconstruções de áreas devastadas pela guerra foram alguns dos fatores decisivos que cobravam da Arquitetura e Urbanismo, novas respostas aos “tempos modernos” do século XX. Após 1960, as críticas urbanas a esse modelo modernista se consolidam na Europa e América do Norte em decorrências de estudos, teorias e publicações que apresentam os impactos da expansão urbana de baixa densidade habitacional, seus efeitos negativos sobre a vida urbana, a mobilidade e o meio ambiente6. 5 Congresso Internacional da Arquitetura Moderna. 6 Avanço das tecnologias de mapeamento por imagens de satélite se dá nesse período. Acesso a essas novas tecnologias SIG amparam a crítica dos impactos da urbanização.
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Se no início do século XX, Unwin alegava que não havia vantagens em se adensar as cidades ocidentais, chegando a propor o padrão máximo de 30 casas por hectare (menos de 100 hab./ ha), nos anos de 1960, Jane Jacobs advertiu sobre os impactos da suburbanização norte-americana (e anglo-saxônica), da segregação de grupos mais pobres, seja em áreas centrais desvalorizadas ou em periferias mais afastadas. Em contraposição à dispersão de baixa densidade, Jacobs (1961) sugere uma ocupação mínima de 250 habitações por hectare para a vitalidade e a participação urbana. Na atualidade, altas densidades e a compactação espacial construtiva são aceitas como prerrogativas inerentes à sustentabilidade e ao crescimento econômico das cidades contemporâneas na visão de diversos urbanistas e estudiosos7 do assunto. Todavia, a densidade no campo do urbanismo não deve ser tomada como um elemento meramente estatístico e tecnocrático, mas necessita incorporar aspectos qualitativos na análise do espaço urbano. Dessa forma, o estudo da densidade aplicado a outros critérios de desempenho, o potencial urbano e a performance (capacidade do ambiente construído em oferecer distintas respostas às necessidades de uso e ocupação, tais como acesso à luz do dia, acesso pedonal, uso da rua pelas pessoas, dinâmica dos espaços públicos, mobilidade, privacidade, tipologias edificadas). Para Pont & Haupt (2010), a densidade urbana deve ser um aspecto quantitativo associado ao qualitativo (propriedades), com multivariáveis e multiescalas de análise (tipo-morfológica).
Panorama da densidade urbana no mundo A estrutura espacial de uma cidade é muito complexa, pois é o resultado físico das interações sutis ao longo de décadas ou séculos entre os mercados de terra, a topografia, a infraestrutura, os regulamentos, a tributação, a sociedade e sua apropriação territorial. Assim, a complexidade das estruturas espaciais urbanas e seus aspectos interagentes, por muitas vezes, desencorajam tentativas de análise nos seus processos, inibindo a busca de ferramentas de planejamento que possam relacionar a política
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7 Jacobs (1961 e 2000 – trad.); Alexander, Ishikawa & Silverstein (1977 e 2013 – trad.); Lozano (1990); Duany, A. & Plater-Zyberk, E. (1991 e 2001); Jenks et al (1996); Girardet (1997); Breheny (1997); Acioly & Davidson (1998); Hall (1999); Rueda (1999 e 2002); Newman & Kenworth (1999); Florida (2002); Burton (2002); Carmona & Tiesdell (2003); Bertaud & Malpezzi (2003); Bertaud (2004); Rogers & Gumuchdjian (2005); Carmona et al (2007); Kann & Leduc (2008); Edwards (2008); Pont & Haupt (2010); Gauzin-Muller (2011); Farr (2013); Gehl (2014); Mostafavi (2014), entre outros teóricos do urbanismo defensores da compactação urbana.
urbana à forma da cidade e à atuação do mercado (BERTAUD & MALPEZZI, 2003). A falta de monitoração da evolução urbana moldada pela interação complexa entre as forças de mercado, investimentos públicos e regulamentos, geram aspectos espaciais de desenvolvimento urbano que podem ter impactos importantes na eficiência econômica, na densidade e na qualidade do ambiente urbano. Acioly & Davidson (1998: 16) afirmam que a densidade urbana é um dos mais importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no processo de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Para os autores, a densidade urbana representa o número total da população em uma área específica que, no âmbito urbano, pode ser traduzido em habitantes por uma unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma determinada área urbana expressa em habitações por uma unidade de terra, geralmente medida em hectares (ha)8, quilômetros quadrados (km²) ou acres. Sendo muito utilizada como uma ferramenta de apoio ao processo de planejamento urbano e regional, a densidade pode determinar decisões de projetos para ocupação e parcelamento por parte de planejadores, arquitetos urbanistas e engenheiros quando se define a forma e a extensão a ser ocupada ou loteada em uma determinada área da cidade. A densidade urbana também é muito utilizada como instrumento de avaliação da eficiência, performance e custos proporcionais por habitante das propostas urbanísticas, de infraestrutura ou de parcelamento e uso do solo. Porém, a mesma densidade urbana é um indicador controverso, pois é reflexo de determinantes culturais que se refletem sobre a construção do espaço urbano em uma determinada região ao longo do tempo.
Pergunte a um planejador indiano o que é que ele pensa a respeito de um lote de 100 m² para famílias de baixa renda e ele responderá que esse tamanho de lote é demasiadamente grande e, portanto, inacessível financeiramente. Seu colega da África Oriental ou Cone Sul da África, entretanto, argumentará que esse tamanho é demasiadamente pequeno e inaceitável por parte da população. A resposta poderá ser “nós não lutamos pela 8 Em estudos urbanos sobre a densidade urbana (populacional ou habitacional), a unidade de medida mais utilizada é o Hectare (Ha). (Acioly & Davidson, 1998: 16).
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independência e contra o colonialismo para reduzir nossos standards e padrões”. Mesmo dentro de um mesmo país, grupos sociais diferentes irão perceber a questão da densidade diferentemente. O que as pessoas sentem ou vêem depende muito de suas próprias origens sociais, econômicas e étnicas, e, até certo ponto, da configuração, forma e uso da construção e do espaço urbano. [sic] (ACIOLY & DAVIDSON, 1998: 15)
Conforme os estudos de Acioly & Davidson (1998: 11), foi determinado que as densidades variam muito de um país para outro, ou mesmo entre cidades em um mesmo país, definindo assim que as “(...) densidades são muito influenciadas pelo contexto cultural”, em consonância com as colocações de Alain Bertaud. Assim sendo, comparações são complicadas por mecanismos usuais de medição, a exemplo das distinções terminológicas aplicadas entre a densidade populacional, habitacional, construtiva, bruta ou líquida, gerando divergências de análise nos estudos sobre este tema. O processo de coleta de dados, as metodologias adotadas nas definições do espaço urbano enquanto extensão física, os critérios de seleção de vazios urbanos, os processos de mapeamento e quantificação, as legislações específicas que determinem o uso e ocupação do solo decorrente de aspectos culturais específicos definem algumas das dificuldades comparativas entre as densidades em regiões diferentes do planeta. Existem duas formas mais utilizadas para indicar especificidades ocupacionais de desenvolvimento de um local determinado em relação à densidade, são elas: habitantes por hectare (hab./ha) ou habitações por hectare (habitação/ha). É bastante comum encontrar esses dois indicadores de ocupação expressos na forma de densidade bruta e densidade líquida conforme o contexto de análise. A densidade bruta expressa o número total de residentes em uma determinada área urbana (região, cidade, bairro, quadra) dividida pela área total em hectares, incluindo-se equipamentos urbanos e institucionais (escolas, creches, parques, áreas verdes, espaços públicos), vazios, logradouros, comércios, indústrias, vias e outros serviços urbanos. No cálculo da densidade bruta de uma determinada área, toda a região incluída dentro de um perímetro poligonal deve ser considerada para a determinação da densidade. A densidade líquida expressa o número total de residentes (pessoas 100
moradoras) em uma determinada área urbana, considerandose apenas a área estritamente residencial e excluindo-se vias, equipamentos, espaços públicos, vazios urbanos, etc. Na Inglaterra ou em países de influência inglesa na regulamentação urbana, incluem-se a circulação local (calçadas), metade das vias de acesso aos lotes habitados e pequenos jardins de uso dos moradores. A densidade habitacional líquida é o número total de unidades habitacionais (ou seja, domicílios) dividido pela área destinada exclusivamente para uso habitacional. A densidade é um referencial importante para se quantificar por meio de princípios técnicos e financeiros a distribuição e o consumo de terra urbana, infraestrutura, serviços públicos, entre outras funções dispostas em uma área residencial. De forma geral, diversos autores destacam que quanto maior a densidade, e resguardados certos limites, melhor será a utilização e a maximização da infraestrutura e do solo urbano. Assim, para autores como Acioly & Davidson (1998), Mascaró (1987, 1989, 2005), Zmitrowicz & De Angelis Neto (1995), Pont & Haupt (2010), Silva & Romero (2011), Silva (2011), Farr (2013), entre outros, é possível estabelecer um modelo de densidade capaz de suprir de uma forma mais coerente o acesso ao solo urbano, à habitação, à infraestrutura, aos equipamentos e serviços urbanos essenciais para um número maior de domicílios e pessoas, atendendo às condicionantes de conforto ambiental e sustentabilidade com o meio natural. A otimização entre a necessidade social com a demanda ambiental e econômica faz com que o conhecimento científico sobre os efeitos da densidade urbana no espaço seja de interesse extremo para a gestão espacial nos países em desenvolvimento, nestes cujas previsões apontam como sendo as regiões de maior crescimento urbano, populacional e econômico para as próximas décadas. Bertaud & Malpezzi (2003) afirmam que a densidade é uma interpretação cultural e não está correlacionada diretamente com o nível de renda, ou seja, cidades ricas como Cingapura, Hong Kong e Seul possuem maior densidade, como também maior renda do que muitas cidades bem menos densas como Buenos Aires, Curitiba, Johanesburgo ou Budapeste. Por outro lado, cidades da América do Norte possuem baixa densidade (as menores do mundo) e renda elevada. A densidade urbana também não está relacionada ao 101
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clima e nem ao sistema econômico de cada região ou país, assim, cidades da Europa têm densidades similares independentemente da relação entre as antigas economias socialistas ou capitalistas e suas respectivas regiões de influência no século passado. Para Bertaud & Malpezzi (2003) e Bertaud (2004), densidades são, naturalmente, o produto das forças de mercado, mas essas forças de mercado refletem o nível de consumo, daí então a cultura é estabelecida como componente chave no processo urbano. O autor aponta que não há densidade ótima, pois quando a cultura se desenvolve é provável que as densidades mudem lentamente, refletindo essa mudança cultural ao longo do tempo. A ampla gama de densidades encontradas ao redor do mundo, em cidades economicamente bem sucedidas, mas também em distintas situações socioeconômicas, ambientais e culturais, mostra que por enquanto não há nenhuma evidência de densidades incontroláveis (Figura 1). Do ponto de vista ambiental, uma estrutura espacial ineficiente e mal ordenada pode diminuir a qualidade de vida, aumentando o tempo gasto em transporte e, em consequência, aumenta-se a poluição do ar, contribuindo para a expansão desnecessária da área urbanizada sobre as áreas naturais. Mas também o empobrecimento da qualidade ambiental pode reduzir a produtividade do sistema urbano como um todo. Daí a emergencial discussão sobre a sustentabilidade urbana para os tempos atuais, pois em cidades de menor qualidade ambiental, a ausência de controle e regulação sobre os processos de urbanização tendem a acentuar os quadros de piora na qualidade de vida das pessoas que habitam a cidade. No aspecto urbano, a estrutura espacial está em constante evolução, assim, a falta de consenso político ou de uma visão clara sobre o desenvolvimento espacial somados aos efeitos combinados dos regulamentos de uso da terra e de investimentos em infraestrutura podem se tornar inconsistentes entre si, potencializando implicações negativas e impactos sobre a urbe que, no futuro, se tornarão onerosos aos cofres públicos e à sociedade. Portanto, é importante que os municípios possam acompanhar as tendências espaciais de desenvolvimento urbano e tomar as medidas corretivas regulamentares caso esta tendência seja contrária aos objetivos municipais e interesses coletivos (BERTAUD & MALPEZZI, 2003).
Fonte: Silva (2015) adaptado de Alain Bertaud (2004) (7).
Figura 1: Comparativo de densidade populacional média sobre a área urbana em 52 metrópoles mundiais.
Densities are of course the product of market forces, but market forces reflect consumer choices, hence culture. For these reasons, there is no optimum density; when culture evolves it is likely that densities will also slowly change reflecting the cultural shift. The wide range of densities found in the above list of economically successful cities shows that, as yet, we have no evidence of unmanageable densities. (BERTAUD, 2011: 02)
O urbano face à sua complexidade inerente exige uma visão sistêmica dos processos que constituem a cidade e seu desenvolvimento. Nas economias de mercado os municípios não só podem influenciar a forma de desenvolvimento urbano por meio do design apenas, como também por meio da implementação de
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um sistema coerente e consistente de normas de uso da terra, investimentos em infraestrutura e aplicação de impostos ou incentivos territoriais. Pois as condições econômicas externas estão em constante mudança e são imprevisíveis em médio e em longo prazo – a exemplo das constantes crises internacionais na economia global – afetando diretamente a cidade e o processo de planejamento e investimentos. Em longo prazo, a forma da cidade dependerá da maneira como o mercado imobiliário reagirá aos incentivos e desincentivos criados por regulamentos, investimentos públicos, infraestrutura e impostos sobre a cidade. Assim, as cidades e seus respectivos departamentos de planejamento urbano, de escala regional, devem acompanhar permanentemente a evolução da estrutura espacial da cidade, ajustando-a e equilibrando-a à natureza dos incentivos e desincentivos sobre a ocupação do espaço.
Densidades, Custos e Formas de Urbanização no Contexto Brasileiro Futuro Acredita-se que a densidade seja um importante elemento (ou condicionante) norteador de projetos urbanos e arquitetônicos mais qualitativos para as cidades brasileiras, todavia, seu controle deve decorrer de estudos específicos, simulações e testes constantes, mensurando-se, assim, a sua potencialidade, as benesses e os possíveis impactos. A relação entre a habitação e o transporte no custo urbano é temática de pesquisas bastante aprofundadas em diversos países onde se questiona a ênfase de mobilidade urbana sobre automóvel, em contraposição ao transporte coletivo. A maioria desses estudos aponta que morar na periferia urbana é mais caro em virtude dos altos custos de deslocamento que, mesmo com a redução do custo da habitação (por redução de aluguel ou de compra de imóveis), o somatório com a mobilidade torna-se mais oneroso do que o custo de moradores em áreas centrais, estes que pagam mais pela moradia, porém, detém custos reduzidos de deslocamento pendular (SILVA, 2011). Por outro lado, o próprio Imposto Territorial Urbano brasileiro tende a ser repartido conforme a área ocupada, independentemente de seu valor de mercado, mesmo quando a implantação e manutenção de algumas áreas custaram 104
(e custam ainda) muito mais aos cofres públicos do que as áreas mais centralizadas, já que conforme se aumenta a densidade, o custo de implantação e manutenção dos sistemas e infraestruturas são reduzidos para cada domicílio. Sob outra ótica, a dos países em desenvolvimento, a escassez de recursos financeiros e o elevado e ainda crescente déficit habitacional demonstram a necessidade de se densificar as cidades sob esse aspecto, especialmente no caso latino-americano, pois além dos benefícios ambientais, de saúde pública e social da cidade compacta frente à cidade dispersa, ela possibilita ainda otimizar a aplicação de recursos quando atende à um número muito maior de pessoas em um mesmo espaço de cidade e de sistemas de infraestrutura redimensionada. Pensar em cidades dispersas de baixa densidade populacional para o Brasil, além de ser incoerente à lógica da sustentabilidade urbana, é um contrassenso à justiça social e acesso a uma cidade mais barata para todos. Além do custo ambiental e humano, a construção urbana oferece uma relação dispendiosa conforme as decisões de projeto e desenho das cidades. Assim, alguns desenhos morfológicos de cidade oferecem custos maiores ou menores, conforme as suas relações de uso e ocupação, adequação topográfica, sistema viário e demais infraestruturas, entre outras condicionantes ou determinantes de projeto. A pavimentação e a drenagem, por sua vez, são as infraestruturas urbanas mais onerosas, pois são responsáveis por 55% a 60% do custo de toda a infraestrutura urbana, os custos do subsistema sanitário detêm aproximadamente 20%, e o energético os 20% restantes (ZMITROWICZ & DE ANGELIS NETO, 1997: 21). Portanto, um projeto urbano acessível deve minimizar superfície de vias, bem como utilizar materiais diferenciados entre as vias de alta velocidade e fluxo intenso (vias estruturais, arteriais, coletoras), das de menor volume e rapidez de deslocamento (as locais, que constituem em mais de 70% do sistema viário, dependendo do projeto urbano), podendo estas serem construídas com materiais mais baratos e permeáveis. O respeito à topografia aperfeiçoa o projeto de infraestrutura e minimiza custos (com reduzidas dimensões e captação de esgoto, pluvial, água potável, aterros, etc.). A densidade urbana define custos de infraestrutura, assim, mais uma vez o modelo de habitação multifamiliar apresenta 105
vantagens sobre o unifamiliar, por ser o primeiro mais denso que o segundo e de custos mais bem distribuídos entre os domicílios (Tabela 1). Com relação à infraestrutura urbana e seus custos com instalação, conforme a densidade urbana, verifica-se que quanto maior a densidade, menor é o custo de implantação de infraestrutura por domicílio. Zmitrowicz & De Angelis Neto (1997) sugerem, assim, que as cidades devem priorizar projetos habitacionais com densidades brutas entre 200 e 300 hab./ha, pois a literatura específica determina que em densidades brutas acima de 350 hab./ha perde-se o sentido de intimidade nos espaços verdes e, acima de 680 hab./ha, passa-se a oferecer problemas quanto à disponibilidade de vagas per capita de estacionamento para veículos (o que pode ser questionável, conforme o projeto e suas características de sustentabilidade e ênfase ao transporte coletivo), além de dificultar o acesso a equipamentos urbanos, serviços e áreas públicas (ZMITROWICZ & DE ANGELIS NETO, 1997: 24).
REDE
Tabela 01: Participação de cada rede nos custos totais de cada sistema de abastecimento.
106
PARTICIPAÇÃO DE CADA REDE DE INFRAESTRUTURA NO CUSTO TOTAL (%) Área de Baixa Densidade
Área de Alta Densidade
Pavimento
41,38
44,35
Drenagem Pluvial
14,38
15,65
Abastecimento de Água
3,93
3,50
Esgoto Sanitário
17,10
19,73
Abastecimento de Gás Encanado
9,09
8,79
Abastecimento de Energia Elétrica
13,16
6,81
Iluminação Pública
0,96
1,17
Fonte: Autores (2014) Adaptado de Mascaró (1987) (27) apud Zmitrowicz & De Angelis Neto (1997: 22).
Contudo, projetos contemporâneos tendem a trabalhar com densidades extremas, em complexos multifuncionais com habitação, trabalho e lazer em um mesmo espaço denominado
de “espaço híbrido”, objetivando a otimização energética, áreas verdes e permeáveis, acessibilidade em vários níveis, uso de tecnologias sustentáveis, etc. A exemplo do conjunto habitacional híbrido integrado (com densidade acima de 1.000 hab./ha, com cerca 2.500 moradores) em Beijing, China, projeto do arquiteto Steven Holl finalizado em 2009, chamado de Linked Hybrid. De fato, o desenho urbano e o projeto de arquitetura são elementos chaves na definição de elevadas densidades e eficiência ambiental, de usos, e construtiva (Figura 2).
Fonte: <http://www.arcspace.com/architects/Steven_Holl/linked-hybrid/linked-hybrid.html>. Acesso em: 14/09/2010.
Para Zmitrowicz & De Angelis Neto (1997: 22), a densidade média de 60 famílias por hectare (cerca de 200 hab./ha) é confortável para os centros urbanos, mas os autores afirmam que a média global da maioria das cidades brasileiras é de 15 famílias
Figura 2: O Linked Hybrid do escritório Steven Holl Architects, projetado para Beijing, na China. Tetos verdes, espelhos d’água, espaços verdes semipúblicos, alta densidade, múltiplas funções, acessibilidade e integração dos edifícios, caracterizam conceitos da arquitetura contemporânea.
107
por hectare (cerca de 50 hab./ha). Já nos estudos de Miranda; Gomes & Guimarães (2005), a densidade bruta média nacional é de 65,11 hab./ha9, a partir do censo demográfico de 2000 (IBGE, 2000). Todavia, Zmitrowicz & De Angelis Neto (Id.) destacam que o custo de infraestrutura urbana por família em áreas loteadas com 60 habitações/ha é praticamente metade do que em densidades próximas a 15 habitações/ha. Portanto, como esta última densidade é a média global das cidades brasileiras, estima-se que cada família com serviços de infraestrutura completa custa aproximadamente US$ 4.500, o que se traduz a US$ 1.320 aproximadamente por “pessoa urbanizada”. Como a população urbana brasileira aumenta na ordem de 2 milhões de pessoas por ano, seriam necessários por volta de 2 bilhões de dólares para que o déficit de infraestrutura fosse controlado ano a ano, segundo os cálculos de Zmitrowicz & De Angelis Neto (1997)10. Porém, sabe-se que o país não domina vultosos investimentos em suas municipalidades, o que resulta no crescente déficit de infraestrutura na maioria das áreas urbanas, em detrimento de melhorias concentradas em áreas mais “nobres” ou dignas de gentrificação por interesses de especulação imobiliária. O modelo urbano norte-americano prevaleceu durante meados do século XX, apresentando ao mundo a ideia de densidade baixa proporcional ao aumento da qualidade de vida. Tal ideia inclusive foi defendida por Kevin Lynch, expressas ainda nas teorias brasileiras de Juan Mascaró (2005) – (Tabela 2) que, em geral, aplicam-se critérios de desenho urbano em loteamentos unifamiliares e, portanto, de densidade ocupacional reduzida. Acreditava-se, durante muitas décadas ao longo da história do urbanismo, que a alta qualidade de vida só era possível em espaços dispersos, abertos ao sol, com ventilação e privacidade em habitações unifamiliares. Porém, esse modelo urbano detém custos elevados (econômicos e humanos) e, ao invés de proporcionar qualidade de vida, exerce impactos profundos no dia-a-dia das famílias e no cotidiano urbano e ambiental.
9 A pesquisa não buscou conferir a metodologia de análise desses trabalhos, apenas cita as publicações divulgadas pelos autores. 10 Essas estimativas de custos foram revistas neste trabalho a partir de novos dados de custos de urbanização calculados em 2012 (Infraestrutura Urbana, Editora PINI).
108
DENSIDADE LÍQUIDA
ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS
100 hab./ha
Aparecem problemas como ruído e perda de intimidade
300 hab./ha
Perde-se o sentido de intimidade nos espaços verdes
600 hab./ha
Aparecem dificuldades para arranjar espaço de estacionamento e recreio
1.500 hab./ha ou mais
O espaço público congestiona-se totalmente
Fonte: Autores (2014) adaptado de Mascaró (1987) (27) e Zmitrowicz & De Angelis Neto (1997: 24).
Tabela 2: Relação entre a densidade e problemas urbanos decorrentes.
Segundo dados calculados pela pesquisa (atualizados a partir de 2012) para o mercado da construção de hoje, o custo do hectare urbanizado pouco depende da capacidade das redes de infraestrutura, assim, para uma ocupação de 75 habitantes/ha este custo é de US$ 250 mil aproximadamente, mas para uma ocupação de 600 pessoas/ha é de US$ 320 mil em média, ou seja, quando o número de habitantes por hectare aumenta em 800%, o custo de urbanização acresce apenas 30%. Deste modo, quando esse custo é revertido em um cálculo per capita a situação muda de figura, pois, se no primeiro caso há um custo de hectare urbanizado de US$ 3.334 dólares por indivíduo, que é a situação média brasileira de densidade ocupacional, na segunda situação o custo reduz para US$ 533 por morador, este que é próximo às densidades de cidades europeias e asiáticas. Ou seja, é uma redução considerável de 84% por pessoa aproximadamente, que poderia ser revertida aos cofres públicos, além do ganho ambiental do modelo mais compacto de urbanização, que acaba otimizando custos de abastecimento e manutenção de infraestruturas ao longo do tempo, o que torna a cidade compacta de manutenção menos onerosa em comparação à dispersa, seja para a gestão urbana, seja para o usuário (morador). Conforme os estudos “World Urbanization Prospects: The 2014 Revision” (United Nations, 2014) do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, a população do Brasil será de 222,7 milhões de pessoas em 2030, e 231,1 milhões em 2050, destes, 197,5 milhões (88,6% do total) e 210,2 milhões (91% do total) de habitantes estariam em áreas urbanas respectivamente, um acréscimo de 12,7 milhões em cidades em 109
20 anos. Atualmente, o Brasil tem 85,7% da população em área urbana, estimados em 177,5 milhões (203,7 milhões no total). Mesmo que os dados sejam um pouco divergentes em relação aos do IBGE, em ambas as projeções o crescimento urbano está previsto e, com ele, a demanda por mais habitação se fará presente até 2050, pelo menos. Buscar novos modelos de ocupação, menos onerosos e mais eficientes, deve ser um critério emergencial nas políticas habitacionais futuras. A qualidade de vida do brasileiro, assim como diversos indicadores sociais, têm acompanhado a dinâmica econômica e das políticas públicas recentes. A renda média do brasileiro em 2007, PIB/Per capita, era de US$ 9.270, destes eram 15,4 % os gastos com ensino primário, com taxa de analfabetismo de 10,2% para homens e 9,8% para mulheres, e 3,6% de gastos públicos com saúde. Em 2013, o PIB/Per capita era de US$11.208. Entre 2001 a 2013, 25 milhões de brasileiros deixaram a miséria extrema e a classe média, que nos em 1980 era menos de 15% da população, atualmente já integra 1/3 dos brasileiros, crescimentos estes acima dos países vizinhos segundo o Banco Mundial e o PNUD, em partes, decorrentes da melhoria da economia nacional e do maior acesso ao mercado internacional. No ano de 2009, por volta de 91% da população tinham acesso à água potável, com 86% do total vivendo em área urbana, dos 193,7 milhões de habitantes. Os gastos de energia per capita eram de US$ 1.184 (UNFPA, 2009: 80-86), e o acesso à infraestrutura acompanha o aumento das políticas habitacionais na última década. Se a tendência, segundo as diversas projeções populacionais é o envelhecimento e diminuição da taxa de natalidade para as próximas décadas, cabe compreender que a dinâmica urbana e socioeconômica se alterará e que, investimentos em educação e habitação, mesmo em déficit considerável, em breve serão menos prioritários do que investimentos em previdência e saúde pública, perante os futuros quadros demográficos. O que leva a compreender que há uma denominada “janela de oportunidades” até as décadas de 2040 e 2050. No que tange ao cenário territorial do país, a ocupação deste tende a se intensificar em áreas antes relegadas aos vazios demográficos, desprovidas de infraestrutura, em territórios de 110
pouca conexão às redes urbanas, com equipamentos e/ou serviços urbanos mínimos, de pouca circulação de pessoas e mercadorias. O avanço do urbano para essas áreas, antes rurais que com poucas cidades, tende a se acentuar quando a economia agroindustrial se apropria de novas tecnologias, permitindo a exploração de novas áreas com condicionantes de solo e clima antes pouco rentáveis. Santos (2009: 36) ressalta que “O Brasil moderno é um país onde a população agrícola cresce mais depressa que a população rural.”, fazendo-se uma distinção entre os que habitam o campo (a população rural) e os que vivem em cidades mas trabalham e dependem economicamente do campo (a população agrícola) (Figura 3).
Fonte: Hervé Thery (2007) in <http://confins.revues.org>
Figura 03: Mapa da evolução da população no Brasil entre 2000 e 2007. Nota-se perdas consideráveis em regiões do Sul (agrárias), Norte e Nordeste (Sul da Bahia), todavia, há um ganho populacional relevante no Centro Oeste, Norte, em várias regiões nodestinas e do Sudeste, que não somente no litoral, como ocorria em décadas anteriores.
111
As perspectivas projetadas pelo IBGE (2008 e 2010) apontam para uma mudança considerável na pirâmide etária do país e, consequentemente, no perfil do brasileiro para as próximas quatro décadas. A melhoria das condicionantes socioeconômicas e de acesso aos serviços urbanos induzirá progressivamente a uma melhora da qualidade de vida acompanhada desde a década de 1980, mas acentuando a partir do início do século XXI. A estabilização econômica, o acesso à saúde pública e programas federais efetivos, melhoria da renda média, diminuição da insalubridade e de habitações precárias, entre outros fatores, estão contribuindo ano a ano para o envelhecimento da população brasileira, aproximando a distribuição da pirâmide etária do país à dos países mais desenvolvidos para 2050. Tais apontamentos futuros demandam uma compreensão dos fenômenos urbanos nacionais e internacionais, capazes de situar cenários para as cidades brasileiras e latinoamericanas, compatibilizando os processos de urbanização às demandas sociais, econômicas e ambientais do país. Ao urbanista, cabe o papel cidadão de participar dessa construção (ou reconstrução) urbana e social, tendo em vista que os gargalos políticos e técnicos são presentes e efetivos, determinando prognósticos preocupantes à urbanidade futura e ao processo de periferização, em especial, à periferização de baixa densidade. E esse contingente urbano, acrescido, principalmente, a partir da segunda metade do século XX, não foi acompanhado por políticas públicas ou investimentos compatíveis no país. Até porque a renda do brasileiro, que era de apenas US$ 1.444 em 1940 (padrão africano), passou a US$ 7.623 em 1980; em 2000, já atingia US$ 8.056 e, em 2010, era de US$ 10.195. Ou seja, entre 1940 a 2010, o país saltou de uma condição de pobreza extrema e ocupação rural, à um país urbano, com uma população em crescimento acentuado em um curto período histórico, mas de sistema econômico capitalista periférico que, como tal, não detém as melhores condições para fomentar o acesso qualitativo à infraestrutura, habitação ou urbanidade para sua população. O fenômeno urbano mais recente, e interessante, é a atuação das cidades médias e pequenas nas redes urbanas e processos de metropolização e desmetropolização (SANTOS, 2009). Entre 2002 112
a 2007, a população em cidades médias brasileiras cresceu à taxa de 2% ao ano, mais que as taxas das cidades grandes (1,66%) e das cidades pequenas (0,61%). No âmbito populacional, as cidades grandes e pequenas encolheram entre 2000 e 2007, enquanto as médias cresceram. Em 2000, as cidades médias concentravam 23,8% da população e, em 2007, passaram a 25,05%. As grandes aglomerações urbanas reduziram de 29,81% para 29,71% da população urbana total, e as pequenas cidades, de 46,39% para 45,24%, no mesmo período (IPEA, 2008). Assim, esses fatores reforçam a necessidade de se investigar os processos urbanos em cidades médias brasileiras como polos atrativos de capital, oportunidades e pessoas, bem como as projeções de cenários para o planejamento, em especial, à política habitacional e ao projeto urbano para essas áreas.
Análises Aplicadas e Recomendações As referências de pesquisas reforçam que, em consequência da alteração da densidade (habitacional ou populacional) em uma determinada área parcelada, o custo de urbanização por família servida pode, na medida em que se aumenta a densidade de habitações por hectare, decrescer drasticamente. Os conjuntos habitacionais populares do Brasil apresentam, geralmente, um desenho unifamiliar de pequenos lotes, separados por afastamentos e recuos em suas faces laterais, que comumente define uma densidade bruta de até 100 hab./ha. Nesse padrão de ocupação, o custo de redes de infraestrutura em uma área urbanizada é de aproximadamente US$ 8.644 dólares por família. Contudo, em densidades brutas de 450 habitantes por hectare o custo de urbanização decresce para US$ 2.400 dólares por família, padrão de densidade próximo ao plano das ‘Manzanas’ da cidade de Bracelona11, Espanha (ver Tabela 3).
11 Esta afirmação de custos decore dos cálculos produzidos nesta pesquisa, mapeados em frações de 5 ha, mas que não consideram os custos específicos de urbanização face à qualidade e tempo/período de execução, ou mesmo período histórico em que a obra fora realizada. Assim, trabalhou-se com custos atuais de urbanização, notadamente, do ano de 2012, no padrão construtivo e de custos brasileiros, o que possibilitou apontar alternativas de densidades mais econômicas neste cenário.
113
EM DÓLARES (US$) / EM 2012 REDE PAVIMENTO
114
CUSTO / HABITAÇÃO
CUSTO / HECTARE
HABITANTES/HA
HABITANTES/HA
15
30
60
100
120
75
100
150
300
600
21.405
10.977
5.899
3.968
2.998
121.865
123.384
126.546
135.511
141.274
DRENAGEM PLUVIAL
7.555
3.892
2.027
1.331
988
44.269
44.774
45.992
47.134
48.373
ABASTECIM. DE ÁGUA
1.693
1.538
723
398
267
9.699
9.922
10.634
12.962
17.619
ESGOTO SANITÁRIO
9.509
4.638
2.414
1.539
1.125
54.217
54.442
54.765
55.972
56.382
ENERGIA ELÉTRICA
3.256
2.261
1.846
1.409
1.125
18.653
21.624
27.914
43.010
56.702
TOTAL
43.418
23.306
12.908
8.644
6.503
248.703
254.146
265.851
294.589
320.350
Tabela 3: Custo de infraestrutura por hectare de habitação (relação de densidade bruta da área loteada) – atualizado para Agosto de 2012.
Fonte: Silva (2014).
Essa alteração de custos em virtude da densidade habitacional é um ponto crucial na distribuição de serviços urbanos qualitativos à maior parcela da população, como já foi dito, em especial para os países em desenvolvimento. No Brasil, verifica-se certa falta de critérios econômicos coerentes no processo de elaboração e tomadas de decisão tanto em desenho e planejamento urbano, como de projetos arquitetônicos habitacionais, que deveriam ser fiscalizados pela gestão municipal e a partir de modelos de cidades mais densas e acessíveis à população. Entretanto, o modelo atual que preconiza o financiamento por governos (federal, estaduais e/ou municipais), considera o valor da habitação apenas, independente da forma do conjunto ou da proporção por unidade, deixando o custo de urbanização embutido no valor total do empreendimento, ou em outras situações, subsidiados pelos cofres públicos. Assim, acaba-se por reproduzir nas cidades brasileiras um modelo de urbanização majoritariamente unifamiliar, de densidade bruta em torno de 100 hab./ha, como se faz desde os anos de 1950 e 1960 em todo país por meio de planos habitacionais precedentes, seja por aspectos ditos “culturais” ou mesmo pela simples replicação de um “padrão” adotado pela tradição da construção civil e conivência dos órgãos de governo. No intuito de estabelecer uma métrica comparável aos padrões habitacionais vistos no mundo urbano ocidental, que influenciam diretamente a ocupação territorial nas cidades brasileiras de hoje, decidiu-se pela eleição de alguns modelos morfológicos
comparativos nesta pesquisa. Como ferramenta aplicada dos conceitos estudados, definiu-se um procedimento analítico experimental a partir das formas características de urbanização, da densidade (bruta e líquida) e das respectivas relações entre custos de urbanização em estudos de casos urbanos em escalas reduzidas de 5 ha (50 mil m²), que possuíssem preponderância habitacional como uso e ocupação do solo (Figura 4).
Fonte: Autores (2015).
Em princípio, essa abordagem quantitativa das cinco parcelas urbanas teria como objetivo a comprovação ou contestação de alguns apontamentos teóricos elencados na primeira etapa desta pesquisa. Optou-se por selecionar algumas realidades urbanas de características sócio-espaciais extremas, conforme os estudos de Bertaud & Malpezzi (2003) e Acioly & Davidson (1998), que representassem os respectivos processos urbanos e contextos aos quais estão inseridos (o brasileiro, o europeu e o norte-americano), sempre buscando a discussão entre a morfologia das cidades, as condicionantes
Figura 4: As quatro cidades selecionadas para a análise das parcelas urbanas de 5 ha: João Pessoa-PB, Cuiabá-MT, Barcelona (Espanha) e Atlanta (EUA).
115
Figura 5: Estudo de caso das parcelas urbanas de 5ha selecionadas entre João Pessoa-PB, CuiabáMT, Barcelona (Espanha) e Atlanta (EUA).
116
Fonte: Autores (2015).
locais e as questões culturais envolvidas no processo de produção e reprodução das cidades e de suas partes. Assim, elencaram-se as parcelas urbanas de João PessoaPB (litorânea) e Cuiabá-MT (continental), que são cidades brasileiras, capitais estaduais de presença metropolitana e escala urbana mediana acima de 500 mil habitantes. Outros dois exemplos são casos extremos de diversidade cultural, ambiental e socioeconômica, sendo Barcelona (Espanha) um exemplo retirado do continente europeu dentre as de maior densidade, e Atlanta, a cidade escolhida dentro dos padrões de dispersão urbana das cidades norte-americanas de baixa densidade ocupacional (padrão este similar ao de conjuntos habitacionais fechados de alta renda no Brasil), (Figura 5). Apresentam-se as imagens de satélite atuais das 5 áreas analisadas e, logo abaixo, as áreas mapeadas com dados quantitativos referentes às áreas totais e respectivas áreas habitadas. Suas densidades habitacionais e custos de urbanização apontam que áreas urbanas mais densas possuem uma relação de redução direta em relação ao custo per capita ou por domicílio, mesmo o custo total da urbanização sendo superior. A partir dos estudos de custos apresentados para infraestrutura, estabeleceuse um parâmetro de valores médios para os projetos urbanos a
serem implementados, com atualização em 2012 e respectivas taxas cambiais nesse período. Contudo, é importante ressaltar que tais valores sofrem variações expressivas conforme as condicionantes locais de implantação do projeto, bem como à conjuntura socioeconômica regional e nacional. Assim, a Tabela 3, utilizada como parâmetro de cálculo, pode sofrer variações quantitativas face a diversos fatores de macro conjunturas, mas em especial às adaptações de projetos urbanos e acesso aos preços e serviços ofertados no mercado da construção civil em cada país, região ou localidade. A partir dos estudos, sintetizados na Tabela 3 e Figuras 6 e 7, estimou-se os custos de urbanização (infraestrutura) para os cinco exemplos elencados, como procedimento metodológico de análise entre as relações morfológicas e os custos aproximados (estimados), de tal modo, estes poderiam nortear proposições de desenho urbano mais coerentes com as condicionantes socioespaciais e ambientais brasileiras e latino-americanas. Sobre este último aspecto, a sugestão de formas urbanas mais coesas (compactas), com usos diversos e espaços verdes públicos no interior da quadra como elemento de comunidade e convívio poderia ser uma proposição bastante cabível para as cidades em desenvolvimento, em especial, às recentes políticas de habitação de interesse social. Nesse âmbito, ainda em caráter de estudos preliminares, apresentam-se algumas opções arquitetônicas e urbanísticas a seguir.
Fonte: Autores (2013).
Figura 6: Custos de urbanização em relação à unidade habitacional e ao custo total correspondente à uma área de 5 ha conforme a densidade bruta.
117
Figura 7: Comparativo de densidades urbanas líquidas e brutas em uma área de 5 ha em 5 casos analisados.
Fonte: Autores (2013).
Figura 8: Comparativo de densidades urbanas líquidas em uma área de 1 ha em distintas formas edificadas em uma área urbanizada. No caso “A”, “B” e “C”, formas distintas com a mesma densidade. No caso “D”, foram acrescidos dois pavimentos ao modelo “B”, para recalcular os custos de urbanização.
118
Fonte: Geovany J. A. Silva (2013).
Desta forma, conforme os cálculos verificados, a densidade urbana e a forma edificada são critérios preponderantes na definição de custos de urbanização. É evidente que o traçado (e a quantidade de vias, que é o sistema mais oneroso de um parcelamento) são elementos indutores diretos de custo, o que pode nos apresentar, conforme a literatura, uma infinidade de variações de desenho urbano e da massa edificada, que se traduzem em projetos mais ou menos onerosos. Contudo, a variação de desenho e forma para projetos urbanos de mesma densidade acabam por proporcionar custos bastante aproximados, ao passo que densidades díspares proporcionam maior discrepância no custo de urbanização. Na Figura 8, serão apresentados quatro exemplos morfológicos distintos de urbanização e suas respectivas variações quanto ao custo de loteamento face à densidade populacional em 1 ha (10 mil m²). Note-se que os modelos A (unifamiliar geminado), B e C (multifamiliares) apresentam variações formais relevantes para uma similar densidade (aproximadamente 76 unidades habitacionais com média de 260 hab./ha), e a variante D (150 unidades habitacionais com 510 hab./ha) apresenta uma alternativa mais adensada (5 a 6 pavimentos), mas que atende a alguns critérios interessantes de possível misto de usos, mais espaços públicos, quadra aberta, ausência de vias no interior da quadra e escala edificada próxima ao nível da rua.
Unifamiliar Versus Multifamiliar: os Custos da Densidade Urbana Sabe-se que há um déficit habitacional predominante no Brasil, sendo que este era de 6,1 milhões em 2007, e de 5,8 milhões em 2012, conforme dados da Fundação João Pinheiro (2014) e Ministério das Cidades. Ou seja, nos últimos cinco anos houve uma redução de aproximadamente 5% do déficit habitacional, todavia, o déficit absoluto ainda se situa na casa de 9,1 % do total de domicílios brasileiros, estes que totalizam 63,8 milhões de habitações em todo o país. Do total, 85% do déficit está em área urbana. Assim, são estimados custos elevados para o governo federal regularizar as condições precárias dessa população, podendo-se 119
aferir um total de investimento aproximado na ordem de US$ 50 bilhões para infraestrutura urbana (aproximadamente US$ 8,5 mil/ habitação) e de US$ 145 bilhões (aproximadamente US$ 25 mil/ habitação) para a construção de novas casas, situando um custo total de US$ 195 bi necessários para suprir todo o déficit nacional computado para a habitação, sobre um território de 193 mil hectares (12 vezes a área da cidade de Barcelona ou 5,8 vezes o tamanho de Belo Horizonte). Diante do atual cenário econômico mundial e latino-americano, tais demandas urbanas e a escassa disponibilidade de recursos para as políticas habitacionais e sociais demandam um planejamento estratégico na alocação de investimentos públicos que demandam, dentre outros aspectos, a aplicação e inovação tecnológica na área habitacional, proporcionando qualidade ambiental, menor impacto nos recursos naturais, otimização energética e de materiais, maior densidade e otimização de infraestrutura, proporcionando espaços que valorizem o convívio coletivo. Mesmo em condomínios mais adensados, multifamiliares, a ausência de um desenho urbano qualitativo, com déficit de equipamentos urbanos, sem a diversidade de usos (que leva a improvisos de comércio nos loteamentos), de localização em áreas periurbanas e, portanto, longe de polos de trabalho e lazer, acabam por proporcionar os mesmos problemas e agravantes dos condomínios de menor densidade. Com exceção da redução do custo de urbanização, o valor do imóvel é praticamente o mesmo, indiferente da densidade urbana, o que demonstra um descompasso entre os custos de urbanização, os subsídios governamentais e os lucros das incorporadoras. A seguir, uma ilustração de exemplos de condomínios brasileiros em vários estados, mas que repetem os mesmos padrões construtivos de baixa qualidade urbana e de vida para seus moradores (Figura 9). Do total de déficit habitacional do Brasil, cerca de 1,8 milhão está na região Nordeste, ou seja, mais de 30%. Por sua vez, o estado da Paraíba tem um déficit estimado de 115 mil unidades habitacionais, a um custo deduzido de US$ 2,9 bilhões para a construção de habitações e de 970 milhões em custos de urbanização, totalizando US$ 3,87 bilhões, conforme os padrões construtivos praticados pelas construtoras locais. Para suprir essa demanda serão necessários 3,8 mil hectares. Esse valor a 120
Fonte: Autores (2015).
ser investido se equivale a quase 30% do PIB anual do estado, e é três vezes maior que a arrecadação anual de ICMS estadual, o que demonstra a necessidade de se otimizar tais investimentos (Fundação João Pinheiro, 2014). Considerando-se apenas o critério de densidade urbana, o valor de investimento habitacional para o Estado da Paraíba, que seria de aproximadamente US$ 4 bilhões a uma densidade média de 100 hab./ha, poderia reduzir para US$ 2,7 bilhões (1/3 a menos) em um padrão mais próximo ao europeu, este de 300 hab./ha nas cidades mais compactas. A densidade habitacional é fator preponderante na otimização da aplicação de recursos em habitação e urbanização, bem como na minimização de impactos ambientais, pois quanto maior a densidade habitacional, menor o gasto com a infraestrutura, habitação e manutenção dos serviços urbanos por habitante, como também pode-se reduzir a área urbana ocupada e a necessidade de deslocamento automotivo. Em contrapartida, um desenho mais coeso de cidade possibilita o deslocamento pendular por meios alternativos (pedonais ou ciclístico), bem como otimiza-se o custobenefício do transporte coletivo de massa. Assim, muitos exemplos de conjuntos habitacionais, em especial os europeus e asiáticos, demonstram uma tendência à maior densidade e compacidade urbana por meio de conjuntos habitacionais multifamiliares.
Figura 9: Exemplos de ocupação habitacional unifamiliares (que se aproximam da média de 30 habitações por hectare), e multifamiliares (que podem chegar até 150 habitações por ha), característicos nas periferias urbanas brasileiras, mas que determinam ocupações de baixa qualidade ambiental e urbana.
121
Como se pôde verificar na literatura urbanística e exemplos de projetos estudados, o modelo de urbanização habitacional unifamiliar apresenta uma série de desvantagens frente ao multifamiliar, não somente as de caráter formal e de custos, mas também com relação ao convívio e ao encontro das pessoas e, assim, à noção de vizinhança e de senso comunitário (SILVA, 2011). A disponibilidade de área verde pública é outro fator proeminente no aumento da densidade urbana, ao passo que o modelo de loteamento/parcelamento unifamiliar isola o lote e a propriedade privada entre muros, o conjunto multifamiliar pode democratizar o acesso às áreas verdes no interior da quadra, transformando o espaço privado em espaço coletivo, este que ainda pode abrigar equipamentos comunitários para várias faixas etárias ou funções, mais próximos dos moradores e com raios de abrangência mais bem distribuídos. Na Figura 10 e Tabela 4 está representado um comparativo entre dois modelos de ocupação recorrentes nas cidades em uma área de 1 ha (10.000 m²), um unifamiliar térreo com 36 unidades habitacionais de 70 m², e outro exemplo com
Figura 10: Exemplos comparativos de densidades urbanas líquidas e brutas em uma área de 1 ha em distintas formas de quadra urbanizada (unifamiliar e multifamiliar) e demais aspectos comparativos.
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Fonte: Autores (2014).
364 unidades habitacionais (também com 70 m² cada), com 7 pisos verticalizados (aproximadamente 21 m de altura total), destacando-se os custos em relação a densidade bruta e líquida nos dois exemplos. Cabe expressar ainda que, no segundo exemplo (multifamiliar), é possível estabelecer o uso misto com maior eficiência (em pavimentos térreos), tendo em vista o aumento considerável de moradores em uma mesma área. COMPARAÇÃO ENTRE TIPOLOGIAS HABITACIONAIS (1HA) Critérios de Análise Área Construída Total Área Loteável Total Área Const. Unidade Taxa de Ocupação Área de Vias Área Verde Pública Área Verde Privada Área de Estacionam. N° de Residências N° de Habitantes Densidade Bruta Densidade Líquida Custo Urb. Estimado Total Custo Urb./Habitante Custo Urb./Residência
Tipologia de Ocupação 1 ha
Percentual
Unifamiliar
Multifamiliar
% *
2.520m² 7.708m² 70m² 2.520m² 2.285m² 0m² 5.188m² 00m² 36 122 122 hab./ha 158 hab./ha
25.480m² 8.100m² 70m² 3.640m² 1.192m² 4.460m² 00m² 704m² 364 1.238 1.238 hab./ha 1.529 hab./ha
+1011 +4,80 0 +44,4 -52 +4.460 -5.188 +704 +1.011 +1.015 +1.015 +1.015
US$ 260 mil
US$ 400 mil
+54
US$ 2.131 US$ 7.222
US$ 323 US$ 1.099
-85 -85
* Vantagens e Desvantagens comparativas. Fonte: Autores (2014).
Tabela 4: Estudo de comparação entre as tipologias unifamiliar e multifamiliar em 1 ha.
Outro ponto importante é quanto ao custo nos dois casos exemplificados, pois, enquanto o unifamiliar tem um custo estimado de US$ 260 mil, o multifamiliar tem US$ 400 mil, ou seja, 54% a mais. Contudo, se o cálculo do custo de urbanização for feito por domicílio ou número de habitantes pela área, o valor do unifamiliar, com US$ 2.131/habitante, é 6,6 vezes maior que os US$ 323/habitante do exemplo multifamiliar, o que demonstra que essa diferença muito relevante para a viabilização de políticas habitacionais mais abrangentes e democráticas. 123
A diversidade de usos em maiores densidades habitacionais é um elemento potencializador da qualidade urbana, ao passo que somado à boa infraestrutura e à disponibilidade de melhores equipamentos públicos, com bons mobiliários urbanos e sinalização, tendem a gerar um uso intenso das áreas públicas de um conjunto de habitação. A adoção de quadras abertas, compactas, com fluxos internos nos conjuntos de blocos, é um critério de desenho que induz ao fluxo de pessoas, de usos e ao dinamismo do comércio local. Portanto, com a adoção desses critérios de desenho arquitetônico e urbanístico mais qualitativos, podem-se constituir maiores índices de vitalidade e urbanidade para os condomínios. Decerto, o desenho urbano de maior densidade define um conjunto construído mais coeso, próximo, e assim, comunitário. Enquanto que o desenho de lotes isolados, em menores densidades, murados e com as famílias individualizadas, acabam por produzir quadras e bairros que segregam e minimizam o convívio coletivo. Sob esse ponto de vista, é ainda mais incoerente os conjuntos habitacionais em condomínios fechados, ainda mais em uma sociedade que carece de senso de coletividade e comunidade, capaz de coexistirem as diferenças em um convívio harmônico e respeitoso. E civilidade se constitui, também, por meio de desenho urbano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A sustentabilidade das cidades perpassa pela discussão sobre a sua densidade como imposição morfológica no espaço urbano, pois é este um dos principais elementos de controle e monitoramento espacial e ocupacional no espaço urbano enquanto fenômeno de dispersão territorial. É a densidade urbana inserida na morfologia que determinará o grau de acessibilidade, a proximidade e o acesso ao emprego e à habitação, com adequada infraestrutura à população economicamente desfavorecida. Por sua vez, a eficiência em infraestrutura e no uso e ocupação do solo urbano em sinergia com as disponibilidades e suportes ambientais do sistema-entorno são pontos vitais no processo de planejamento e gestão de cidades sustentáveis. 124
O déficit habitacional brasileiro se situa próximo de 9% do total de domicílios (63,8 milhões em 2012), correspondendo a 5,79 milhões de unidades, assim, pode-se estabelecer vários cenários quanto à relação entre densidades e custos de urbanização, conforme os dados apresentados pela pesquisa. Na Figura 11, como forma de comparação, optou-se por três cenários de Densidade Bruta (estimativa de habitantes por área loteada total): 100 hab./ ha, 300 hab./ha e 600 hab./ha. Optou-se por não se alterar a área de habitação a ser construída, nem seus respectivos custos (que podem oscilar conforme o nível de projeto, componentes e a própria verticalização), contudo, concentrou-se o cálculo no custo de urbanização nesses 3 cenários, vislumbrando a economia que se pode ter nesse âmbito conforme as decisões projetuais para maior ou menor densidade. Dessa forma, para que seja suprido o déficit habitacional brasileiro com densidade média bruta de 600 hab./ha, tem-se o custo de urbanização de U$10 bilhões, enquanto que para densidades de 300 e 100 hab./ha, tem-se U$19 bilhões e U$49 bilhões. Uma economia muito relevante que poderia, por exemplo, proporcionar a construção de mais 2 milhões de casas, caso se aumentasse a densidade atual dos conjuntos populares em 6 vezes. A pressão demográfica, mesmo que minimizada para as próximas décadas, gerou ao longo dos últimos 50 anos um forte déficit socioespacial e socioeconômico que intensificou a ocupação irregular nas áreas periurbanas das cidades brasileiras, a exemplo do que ocorreu nos demais países em desenvolvimento. O grande desafio à gestão e à política urbana para essas regiões é suprir a demanda por habitat urbano com qualidade e otimização na aplicação dos parcos recursos disponíveis. Assim, a densidade passa a ser um fator-chave desse dilema urbano nacional e latinoamericano, pois ela pode prenunciar uma melhor alocação de recursos per capita caso se opte por um processo de ocupação de maior compactação; ou então, poderá transformar as ações governamentais no campo de habitação de interesse social em um fenômeno urbano agravante das questões sociais (por não atender a todos e custar caro aos cofres públicos) e ambientais (por ocupar grandes áreas naturais periurbanas e poluir o meio ambiente com infraestrutura e serviços urbanos onerosos e deficitários). 125
Figura 11: Déficit habitacional brasileiro e os custos de urbanização em três cenários de densidade urbana (habitantes/ hectare).
Fonte: Autores (2015).
A recorrência de uma forte especulação imobiliária, de um setor estratégico para a economia e política (em especial, no caso brasileiro, no qual o setor da construção civil está diretamente atrelado à manutenção de governos locais, estaduais e nacional), acaba por estabelecer uma manutenção do patrimonialismo histórico no país. Assim, se constituem leis que otimizam os ganhos econômicos, protegem os agentes especuladores do território, e estabelecem prioridades de investimentos públicos para custear todo esse sistema. Recursos estes que não chegam ao cerne do problema: o déficit habitacional dos mais pobres. Ferramentas de controle especulativos como a tributação proporcional à renda (e valorização de imóveis), os incentivos e investimentos públicos às áreas mais desfavorecidas, ou mesmo a aplicação de compensações (mais rigorosas) e uso das ferramentas propostas pelo Estatuto das Cidades (melhor aprimoradas para cada localidade), que poderiam exercer uma forma de contenção especulativa e, ao mesmo tempo, fortalecer os cofres públicos, acabam por não ocorrer face à política patrimonialista e clientelista vigente em grande parte das cidades. É evidente que, pelo cenário descrito, muitos são os problemas conjunturais e de gestão urbana. Mas retomando a ideia de aplicar
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critérios mais objetivos para a tomada de decisões na formulação de leis urbanísticas, índices ou coeficientes construtivos para distintas partes da cidade, na Figura 12 a seguir, está representada uma síntese de um processo de avaliação da densidade urbana e aplicação de índices ou indicadores de qualidade urbana (que podem contemplar campos da qualidade de vida e sustentabilidade).
Fonte: Autores (2015).
O Brasil e a América Latina têm exemplos de projetos habitacionais qualitativos em diversos critérios e aspectos levantados. No início dos anos de 1990, a Cooperativa PróMoradia de Osasco, São Paulo, o COPROMO, surge com a proposta de se construir cooperativas habitacionais junto às comunidades carentes por meio de mutirão, similar ao que ocorria no Uruguai. Tal iniciativa proporcionou uma interessante forma de conjunto habitacional, com densidade bruta aproximada de 630 hab./ha, que abriga cerca de 1.000 famílias em 54.000 m² em 50 edifícios de até 5 pavimentos. O projeto Quinta Monroy chileno, do escritório de arquitetura Elemental12, em Iquique, abriga 100 famílias em 5.000 m² em uma área de ocupação consolidada e terra valorizada. A chave para a viabilização deste projeto foi a minimização de custos face à densidade urbana bruta, com 680 hab./ha, e à forma de execução evolutiva das unidades, que é entregue à família com uma área de 30 m² a um custo de US$7.500 (bem próximo do custo 12 Elemental Arquitetura, arq. Alejandro Aravena, Chile – Disponível em: <www.elementalchile.cl/>
Figura 12: Diagrama esquemático de um roteiro para a definição e aplicação de indicadores de densidade no projeto urbano que pode estabelecer, por retroalimentação e proposição de cenários, novos padrões morfológicos conforme a qualidade ambiental e de vida mensurada e comparada.
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brasileiro de US$300/m²), podendo ser expandida para até 70 m² em área prevista no projeto inicial. Para tanto, seu gabarito tem até 3 pavimentos, com um módulo primário padrão em forma de “L”, que permite o aumento da área vertical. Esse conjunto de decisões projetuais permitiu a permanência das famílias na mesma terra, mantendo os vínculos de vizinhança, trabalho e comunidade de décadas. Similar a esse conceito de manutenção da comunidade no lugar, o projeto amazonense PROSAMIM13 (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), coordenado pelo arquiteto Luiz Fernando de Almeida Freitas14, buscou manter a proximidade das 567 novas habitações de 54 m² cada de até 3 pavimentos, em uma área de 92.376 m², junto às áreas antes destinadas às palafitas nas margens dos igarapés de Manaus-AM, contudo, respeitando as áreas de proteção ambiental e segurança perante às cheias dos córregos, a partir de uma densidade bruta de 207 hab./ha, que possibilitou maiores gabaritos e proximidade das habitações aos equipamentos urbanos. (Figura 13)
Figura 13: Exemplos de recentes projetos no Brasil (Osasco-SP e Manaus-AM) e Chile (Iquique) que propõem conjuntos habitacionais mais compactos e qualitativos, com equipamentos urbanos próximos às residências.
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Fonte: Autores (2015).
Exemplos de conjuntos no Rio de Janeiro e São Paulo têm demonstrado iniciativas arquitetônicas positivas que denotam um histórico de planejamento habitacional que, mesmo com 13 PROSAMIM (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), disponível em: <http://prosamim.am.gov. br/> 14 CoOperaAtiva – Cooperativa de Profissionais do Habitat do Rio de Janeiro, disponível em: </>
seus problemas históricos, da dimensão, escala urbana e infinitas problemáticas de duas das maiores metrópoles continentais, apontam possibilidades entre a gestão territorial e a qualidade de conjuntos habitacionais que consideram o lugar e suas condicionantes comunitárias e de permanência de pessoas. No caso de Heliópolis, São Paulo, a Gleba G dos arquitetos Biselli e Katchborian15 apresentou uma elevada densidade bruta, com 1.150 hab./ha, de uso misto, em 420 unidades habitacionais de US$ 22.580 com 50 m², subsidiadas em 50% pelo governo municipal16, total de 31 mil m² de área construída. No conjunto habitacional do Novo Santo Amaro, do escritório Vigliecca & Associados17, o projeto busca atender às demandas por equipamentos, topografia, conexões pedonais e determinantes do entorno, com densidade bruta de 126 hab./ha, face à forma das edificações e disposições de áreas de convívio comunitário. A um custo médio de US$ 32 mil por habitação (50 a 64 m²) para 200 famílias, o empreendimento foi orçado em US$ 6,45 milhões e 13.500 m² de área construída. (Figura 14)
Fonte: Autores (2015).
A discussão sobre a densidade urbana no contexto nacional e internacional não deve ser generalizada, pois as particularidades geográficas, demográficas, socioeconômicas, culturais, entre outras, são distintas e variadas. Desta forma, conceitos de alta e 15 Biselli e Katchborian Arquitetos Associados – Disponível em: <www.bkweb.com.br/> 16 Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – Disponível em: <http://www.cohab.sp.gov.br/Noticia. aspx?Id=10> 17 Arquitetos Vigliecca & Associados – Disponível em: <www.vigliecca.com.br/>
Figura 14: Exemplos de recentes projetos no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) que propõem conjuntos habitacionais mais compactos e qualitativos, com equipamentos urbanos próximos às residências.
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baixa densidade e o que é aceitável ou não são muito específicos para os diversos continentes, países, cidades ou bairros. Porém, também há uma grande pressão por mudanças que geralmente apontam para a compactação urbana e para a maior densidade habitacional. Apesar de existir em grande parte das cidades brasileiras uma certa resistência considerável à compactação urbana, seja ela cultural (face às referências das famílias à casa do campo e ao quintal), econômica ou política (em decorrência de interesses ou ausência de planejamento urbano e territorial específico), o impacto da dispersão urbana sobre o meio ambiente e a otimização de custos urbanos por habitante contrariam o predomínio da baixa densidade. O que se deve propor são estudos técnico-científicos orientadores para o planejamento urbano e regional sobre os processos de uso e ocupação do solo, da escala regional à local, estabelecendo-se assim padrões de ocupação coerentes com as condicionantes e determinantes de cada localidade urbana a serem testados, simulados e mensurados de forma contínua. Enfim, o que se sugere neste trabalho é um planejamento que se sustente, por meio de informações e caracterizações da forma e densidade urbana, transformando em espaço edificado as decisões conceituais a partir de princípios de sustentabilidade urbana e regional, amparado pela gama de informações e ferramentas tecnológicas para o monitoramento, controle e proposição de cenários urbanos futuros. Capacitar o arquiteto urbanista para o embate técnico entre a gestão urbana, as legislações (muitas das quais desatualizadas ou equivocadas), frente aos interesses especulativos de atores econômicos e à sociedade (e sua diversidade de demanda e necessidades), é parte do caminho para se mudar a forma de se fazer cidades no Brasil e América Latina. Nesse âmbito, a densidade urbana, a forma, os processos de dispersão e verticalização exacerbados, são elementos que, se bem amparados por critérios de análises multiescalares e multivariáveis, podem definir alterações na morfologia das cidades a partir de novos marcos legais, mais voltados para a escala do pedestre e para os critérios de sustentabilidade urbana. Se primeiro moldamos as cidades, para que depois elas moldem as pessoas, como cita Jan Gehl, a Arquitetura e o Urbanismo devem ser atores diretos na reabilitação de comunidades (e de sociedades) fragmentadas e em crescente conflito.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CAPES do Brasil pelo apoio e financiamento de pós-doutorado (2015-2016) e doutorado (20142017) na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Portugal. Pesquisas estas que estão apresentadas parcialmente neste artigo.
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NOTAS (1) Esta afirmação de custos decorre dos cálculos produzidos nesta pesquisa, mapeados em frações urbanas de 5ha, mas que não consideram os custos específicos de urbanização face à qualidade e tempo/período de execução, ou mesmo período histórico em que a obra fora realizada. Assim, trabalhou-se com custos atuais de urbanização, notadamente, do ano de 2012, no padrão construtivo e de custos brasileiro, o que possibilitou apontar alternativas de densidades mais econômicas neste cenário.
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PARTE ESTUDOS APLICADOS: PERSPECTIVAS E A APROPRIAÇÃO ESPACIAL
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OPÇÃO DO CIDADÃO: Por Diferentes Ambientes Construídos em Lisboa, Portugal
Tânia Beisl Ramos
[Faculdade de Arquitetura/Univeridade de Lisboa, Portugal]
ENQUADRAMENTO DO TEMA A reflexão sobre o fato de o cidadão poder participar de modo ativo nas alterações urbanas da sua cidade com o tema Opção do Cidadão: Por Diferentes Ambientes Construídos inserese no conjunto de Unidades Curriculares elaboradas para o 3º Ciclo – Curso de Doutoramento em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, FA-ULisboa. O tema incide sobre a possibilidade de oferecer ao cidadão alternativas de intervir no processo de planeamento e organização da cidade, segundo a regulação legal que permite tal ação, como ocorre em Lisboa. Tomar parte neste processo, implica contribuir para a promoção das alterações na organização do espaço público de uso coletivo de um modo consciente. Implica conhecer e refletir sobre as consequências que tais alternativas trazem, e elegem a que mais lhe agrada. O cidadão opta com base na prioridade de intervenções que possam alcançar o maior número de pessoas. O objetivo do estudo incide sobre os processos de participação dos cidadãos no processo de planeamento urbano, concedendo ao cidadão voz ativa neste sistema de gestão e de definição de prioridades públicas. 140
INTERVIR É POSSÍVEL! Uma vez encerrado o prazo para a votação de propostas e projetos apresentados pela população, da cidade de Lisboa, tais intervenções, inseridas no ‘Orçamento Participativo’ tem caráter deliberativo, i.e., a Câmara Municipal de Lisboa assume o compromisso de viabilizar a execução dos planos vencedores. A lista dos resultados é divulgada e os projetos que mereceram o maior número de votos referem-se a grandes intervenções, no espaço público e no espaço verde, dispersas pelas Freguesias de Lisboa: um Clube de Rugby no novo bairro habitacional da Alta de Lisboa, um Parque Urbano do Rio Seco, na Ajuda, a qualificação envolvente da Igreja de Santa Clara, em Marvila, e da cobertura do espaço desportivo do Bairro do Cabrinha em Alcântara e a intervenção no espaço público e espaço verde da Quinta do Bom Nome, em Carnide. Foram opções dos cidadãos, que elegeram estes projetos como prioritários, provavelmente apostando na qualidade de vida urbana que estes planos poderiam vir a trazer para as suas áreas habitacionais. Mas o contrário, o “não” intervir em determinado lugar é passível de ocorrer. Um exemplo do outro lado do Atlântico: quando Jaime Lerner assumiu o primeiro mandato na Prefeitura de Curitiba, recebeu um abaixo-assinado de uma associação de moradores cujo pedido era ‘não intervir’ naquela área urbana. Estranhando o pedido vindo de um local que necessitava de melhoramentos, pediu para averiguarem o motivo para tal. O receio da população centrava-se na possibilidade de virem a ser destruídas uma fonte natural d’água, ali localizada. O despacho foi imediato: “à Secretaria de Obras, não fazer nada, com urgência”.
DIFERENTES MODOS DE PARTICIPAÇÃO ATIVA Sabendo que o planeamento urbano é um processo marcado pela continuidade de intervenções no território, e sabendo que as transformações têm o seu tempo para serem concretizadas, a possibilidade de intervir neste processo implica uma situação
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singular: a opção dos moradores por um determinado desenho urbano e por um modo de viver o espaço da cidade, que tem vindo, cada vez mais, a ganhar dimensão ativa. Eventuais problemas urbanos instalados podem ser enfrentados. O importante é saber ‘como’. As ‘comunidades’, como são atualmente denominadas as favelas brasileiras, sempre foram consideradas áreas a erradicar. Uma área urbana a esconder, como se isto fosse possível. Ocupam locais privilegiados quanto à vista e localização no território. Por vezes, no décimo andar de um edifício, encaramos o cenário de frente. O programa favela-bairro procurou um entendimento entre profissionais e habitantes, cuja participação proporcionou muitos resultados positivos. Hoje, estas comunidades constituem estudos de casos de grande número de investigadores e alunos de variadas áreas científicas, especialmente a Arquitetura, o Urbanismo e a Sociologia. O atrativo? A organização destas comunidades em associações culturais – arte dos grafites, música e dança -, que procuram reforçar a auto estima e integrar a população residente no cenário urbano mais alargado. Há muito por fazer, mas refirase que muito tem sido feito. Curiosamente, e em termos de vida em sociedade, mais valia integrar hábitos e costumes da cidade formal, da cidade da ‘pista’ como é referida, pavimentada e infraestruturada, na comunidade da ‘gatonet’ (internet por ‘gato’, i.e., por “empréstimo”, mas sem devolução), na comunidade que usa o espaço exterior como espaço de convívio, e que tem uma organização própria que é respeitada internamente. Aqui “a rua virou casa”, tomando a expressão de empréstimo a Carlos Nelson Santos (1985), tão pouco usual na cidade que ergue muros de condomínios fechados. A comercialização dos “imóveis” é feita com base na “palavra dada”. A comunidade também é cidade, e algumas possuem visitas guiadas, transformaram-se em roteiros turísticos. Não deixa, por isso, de ser uma realidade dura e estigmatizante, mas o que se pretende salientar é a participação que teve lugar nos processos de intervenção levados a cabo nos programas sociais desenvolvidos, e na adesão da população no momento em que foi chamada a opinar. Em Portugal, em um bairro planeado no início da década de 1970, estruturou-se uma coletividade denominada Associação dos Residentes de Telheiras – ART, que de modo continuado exerce 142
uma postura ativa na área habitacional desenhada e construída de raiz. Durante a década de 1990, uma estação de serviço começou a ser construída em um terreno cujo plano havia destinado a um espaço público de uso infantil. A estrutura estava acabada quando, por intervenção da ART, a edificação foi demolida, o espaço público foi devolvido à população, e assim permanece. A Associação estrutura atividades diversas dedicadas a diferentes idades, promove conferências e discute programas políticos com os candidatos em época de eleições. As intervenções nas células que compõem o plano são minuciosamente analisadas. Recentemente a intervenção da ART no acolhimento de população de baixa renda na malha planeada do bairro, foi fundamental. Quando começaram a preocupar-se com a transferência, a população realojada já estava a viver em Telheiras há muitos meses. O exemplo de integração é positivo. O outro lado da moeda: a população realojada tem consciência do local onde foi instalada, demonstra cuidados com esta relação. Mas nem todas as “lutas” apresentam bons resultados. O processo de revisão do plano do bairro pela EPUL aumentou a sua densidade, transferiu equipamentos de uma área para outra (do conjunto edificado a Sul para o Alto da Faia, a Norte), implantou “torres” onde só deveria existir uma “torre”. A abertura à participação direta não foi desperdiçada. A população se organizou, se mobilizou em busca de soluções para problemas que atingiam a todos. A ART continua a atuar no cumprimento dos aspectos urbanísticos definidos para o bairro. Quem não reconhece a importância alcançada pelos movimentos sociais lançados pelo SAAL, organizado em associações de moradores que se envolveram em um objetivo comum: o direito de habitar e de merecer o terreno onde habita? Uma avaliação crítica sobre o tema apenas começou a ser desenvolvida por Bandeirinha (2007), Matos & Ramos (2006) e Ramos & Matos (2010). O Movimento Defenda São Paulo procura colocar os moradores no centro da discussão do Plano Diretor da cidade (CAMPOS FILHO, 2003). A população das superquadras de Brasília organizaram-se voluntariamente em ‘prefeituras’, e os conjuntos de prefeituras por “asas’ do avião”, estão organizados em Conselhos – Norte e Sul. Em uma cidade onde o solo é público e os lotes são substituídos por projeções de suporte dos pilotis, a função do Estado é, em 143
grande parte, substituída pela iniciativa privada das prefeituras. Além da manutenção possível do espaço público, estas associações têm promovido o convívio social (comemoração de datas festivas) e alcançado melhorias nas relações de vizinhança. Os exemplos referidos apresentam diferentes perspectivas (Figuras 1 a 8). Em comum, a noção de que a participação do cidadão na definição das prioridades urbanas é uma conquista a ser preservada.
DIFERENTES MODOS DE MANIFESTAÇÃO O modo como a população se manifesta pode ser espontâneo ou decorrer de um modo oficial. A primeira, tem nos meios de comunicação, especial contribuição na sua divulgação. A Internet, por meio dos blogs, permite registar a opinião de quem assim o queira, compondo páginas virtuais de troca de informações, e principalmente de convicções pessoais ou coletivas sobre o tema. A imprensa escrita e falada proporciona “espaços de antena”para o mesmo fim. Exemplos? Projetos urbanísticos e edificações promoveram manifestações coletivas que ganharam eco por meio dos meios de comunicação: a demolição do Cinema Monumental em Lisboa teve notabilidade, as radicais transformações físicas e funcionais do Cinema Eden gerou movimento do meio cultural, a alteração da zona do Parque Mayer fomentou abaixo-assinados na Internet, a polêmica obra do novo Museu dos Coches ainda vai ocupar muitos bytes. Por meios informáticos têm ainda circulado listas de apoio contra a demolição de edificações modernas, de iniciativa institucional (DOCOMOMO), e ‘modernistas’ como foi recentemente o caso do Museu de Arte Popular, edifício que integrou o conjunto edificado da Exposição do Mundo Português (1940). Mas para além destes meios, há os oficiais, que consistem nas consultas públicas dos planos urbanísticos – decorrem após homologação, e a partir desta altura é possível aos cidadãos consultá-los nos serviços municipais. É o caso do Plano de Urbanização da Avenida de Liberdade e Zona Envolvente (PUALZE), sujeito à consulta técnica na Comissão de Coordenação 144
e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR- LVT), seguindo-se em 2006 o período de consulta pública.
RELACIONAR ‘PARTICIPAÇÃO’ E ‘SATISFAÇÃO’ Esta “consulta” aos planos urbanísticos e o fato de o cidadão expor a sua opinião define o patamar em que associa opção com aceitação, ou não, do plano. Esta relação assume fundamental importância na medida em que o cidadão julga a sua pertinência, relacionando-o às prioridades consideradas fundamentais. Neste contexto importa saber: qual seria o grau de satisfação desta população com o ambiente urbano oferecido? Ninguém melhor para responder a estas questões do que aqueles que efetivamente usam e transformam os espaços urbanos segundo a sua percepção. As suas ‘opiniões’ irão permitir analisar o modo como as configurações urbanísticas concebidas ao longo do tempo, podem contribuir para o desenho de diferentes ambientes urbanos de qualidade; ao associar as características morfológicas do plano ao modo como estes ambientes urbanos são apropriados.
CONTEÚDO Este tema de estudo consiste em estruturar uma visão global entre configuração física e dimensão social do processo de planeamento urbano, por meio do grau de assimilação dos diferentes ambientes urbanos identificados nos planos das cidades portuguesas. Interessa analisar o modo como as tipologias habitacionais e as configurações urbanísticas concebidas ao longo do tempo, podem contribuir para o desenho de diferente ambientes urbanos de qualidade; ao associar a organização espacial às opções apontadas pela população.
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78 Figuras 1 a 8: (1) Bairro das Fonsecas-Calçada – SAAL; (2) Telheiras edifício de Realojamento; (3) um modo de apropriação do espaço urbano; (4) o ‘quarteirão’; (5) morfologia dos Olivais Norte; (6) Olivais-Velho; (7) Museu de Arte Popular, Exposição do Mundo Português; (8) vista interna de superquadra de Brasília. Fonte: arquivo da autora.
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ESTRUTURA DO TEMA EM UM PROJETO CIENTÍFICOPEDAGÓGICO A Unidade Curricular procurará dar resposta às questões aqui colocadas. O projeto elaborado é suportado por uma componente dominantemente teórica, tendo por finalidade o exercício de reflexão crítica sobre a morfologia urbana das cidades com espacial incidência na cidade de Lisboa, durante o século XX, na perspectiva da “opinião” dos seus moradores. Os objetivos consistem em fornecer fundamentos metodológicos necessários que lhe permitam compreender os processos de planeamento urbano na ótica do utilizador. Interessa analisar as relações de uso em situações existentes como o projeto de novos espaços destinados ao habitar. Pretende-se aprofundar o conhecimento sobre o tema com suporte às metodologias de avaliação do desempenho. O contexto internacional é referenciado destacando-se exemplos positivos.
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO HABITACIONAL O desenvolvimento de cada módulo será apoiado por uma, ou mais, metodologias de desempenho dos espaços do habitar, fornecendo aos alunos ferramentas para a realização da investigação e aprofundamento dos conhecimentos. São apresentadas ferramentas metodológicas de análise do espaço urbano, incidindo na participação do cidadão neste processo. É dada relevância ao processo de planeamento urbano, analisando a suas fases de desenvolvimento e eventuais aberturas para a intervenção da população. A identificação de grupos de projetistas - arquitetos, sociólogos, economistas, juristas, entre outros, é analisada por meio das redes sociais por eles estabelecidas (RAMOS, 2006). Propõe-se a seguinte estrutura metodológica: 1. a caracterização morfológica; 2. a caracterização sintática; 3. as técnicas de Avaliação Pós-Ocupação – APO e; 4. a Análise de Redes Sociais. 147
A caracterização morfológica Estudo das etapas de crescimento urbano, temporal e morfologicamente distintas, considerando as organizações espontâneas e não programadas que correspondem ao povoamento dos respectivos núcleos antigos; e a estrutura planeada, formalizada em intervenções programadas inseridas em estratégias mais globais de expansão da cidade de Lisboa e suportadas por planos e disposições legislativas. A caracterização morfológica baseia-se no enquadramento dos planos urbanísticos e integra o levantamento sistematizado e padronizado de informações sobre os projetos selecionados para o estudo. Consideram-se: datas dos estudos, projetos e construção, e quando existir, projeto de alterações. Os autores dos projetos/ equipes de projetistas e técnicos são identificados tendo por objetivo a análise de conexões profissionais, apresentada mais adiante. Este módulo incide na tipologia de ocupação do solo, nos padrões de implantação e nas consequências que tem nas questões de segurança urbana, conforto ambiental e comodidade funcional.
A caracterização sintática A caracterização sintática recorre à teoria da Sintaxe Espacial que descreve e analisa os espaços urbanos, relacionando a forma espacial ao efeito social, uma vez que a organização espacial de uma área urbana influencia os padrões de movimento e uso a partir de três princípios (HILLIER e HANSON, 1984): (a) a inteligibilidade do espaço, ou a facilidade que a população tem em distinguir entre a ideia do “todo”, enquanto espaço mais amplo, e as suas “partes locais”; (b) a continuidade de ocupação, verificando a existência de áreas pouco ou não utilizadas; (c) a previsibilidade do sistema através de padrões de encontros construídos a partir da organização dos padrões espaciais (Figuras 9 e 10).
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Fonte: arquivo da autora.
A teoria descreve a estrutura física na qual o espaço se relaciona, sendo reconhecida por meio das suas partes constituintes, permitindo identificar características próprias em uma área definida através da sua individualidade espacial. Utiliza para isso uma representação objetiva do espaço público aberto contínuo e das suas edificações, o que permite estabelecer relações identificáveis e quantificáveis ao sistema espacial. Esta é uma ferramenta de avaliação de desempenho do espaço que será fornecida aos alunos e que permite comparar as opiniões dos habitantes e os resultados obtidos a partir da leitura dos mapas axiais. Os mapas da figura abaixo reproduzida apresentam a expansão da cidade de Lisboa para Norte e a operação posterior, ocorrida a propósito da construção do recinto da Expo 98, que permitiu a apropriação da frente ribeirinha oriental.
Figuras 9 e 10: (9) mapa axial da cidade de Lisboa com adaptação de referência das grandes áreas planeadas (Ramos, 1997); (10) mapa axial do crescimento da Freguesia dos Olivais (Encarnação, Plano de Urbanização da Expo’98).
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As técnicas de Avaliação Pós-Ocupação – APO A APO abrange a dimensão física e social do objeto de estudo de forma articulada (ORNSTEIN, 1992). Corresponde a uma análise retrospectiva do desempenho do espaço construído tendo como objetivo o grau de satisfação da população residente. Permite disponibilizar informação baseada na evidência, i.e., produzida por aqueles que usam diretamente os espaços construídos. Os procedimentos metodológicos seguidos apoiam-se em métodos de análise qualitativos e quantitativos utilizados em domínios das Ciências Sociais e baseiam-se em levantamentos de arquivo e levantamento de campo. Este último é suportado por observações diretas (inspeções visuais sobre o estado físico e o funcionamento dos espaços construídos), entrevistas e inquéritos à população envolvida. Apoiam-se ainda, no estudo da ‘configuração do espaço’ e no seu ‘uso’. A importância que a participação assume na opção do cidadão é definida pelo grau de satisfação dos seus habitantes em relação ao espaço urbano e à sua capacidade de permitir alterações de uso – vegetação, iluminação, manutenção dos espaços públicos, etc. Partindo do conhecimento prévio sobre a realidade a inquirir, a construção do inquérito apoia-se em dois tipos de questões: fechadas – de múltipla escolha definida através de uma escala de quatro valores numéricos aos quais correspondem um adjetivo (péssimo [1], razoável [2], bom [3] e óptimo [4]), e abertas – comentários, sugestões e valores numéricos indicativos. O inquérito definido aborda quatro tipos de informações principais: I - o primeiro tipo de informação procura caracterizar a situação socioeconômica da população residente através do recolhimento de dados sociológicos. Procura-se ainda formar uma ideia geral sobre a origem geográfica da família em termos da cidade ou país anterior; II - o segundo tipo de informação procura aferir a satisfação dos habitantes quanto aos espaços urbanos considerando a localização e identificação desta área urbana na malha da respectiva cidade; III - o terceiro tipo de informação refere as alterações espaciais que gostaria de ver realizada nos espaços urbanos.
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Análise de Redes Sociais Os vínculos profissionais estabelecidos por arquitetos, em Portugal, na produção habitacional resultaram em edificações realizadas por atores que atuaram individualmente ou em equipes e estabeleceram conexões sociais, cujas ligações são suscetíveis de serem analisadas. O entendimento destes relacionamentos permitirá reconhecer, de modo rigoroso, padrões de interação entre arquitetos, bem como com outros intervenientes. O estudo apoia-se na metodologia de Análise de Redes Sociais que visa estudar as relações sociais entre um conjunto de atores de modo a detectar padrões de interação e verificar as suas consequências (HANNEMAN, 2005; WASSERMAN e FAUST, 2006). O objetivo principal consiste em verificar como os arquitetos estão conectados em uma rede de relacionamentos profissional e social (Figura 11 a 13).
Fonte: arquivo da autora.
Identificadas as conexões entre um conjunto de atores, e entre estes e os recortes temporais que produziram obras, é possível proceder à respectiva medição e identificar os atores que assumem a função de “ponte”, de “elo de ligação” na rede, assim como o modo como a rede é estabelecida. A visualização destas relações é graficamente apresentada por meio dos sociogramas. No exemplo apresentado na Figura 13, a medição dos relacionamentos profissionais dos indivíduos agrupados em instituições foi desenvolvida com base no programa informático
Figuras 11 a 13: (11 e 12) Lucio Costa em Portugal. (13):Sociograma de grupos de arquitetos agrupados a planos ou projetos.
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de apoio à metodologia. O exemplo abaixo indica o tipo de configuração estruturada pelas conexões identificadas entre arquitetos e outros intervenientes em um período específico (Figura 14). A rede permite a adição de arquitetos, podendo ser continuamente atualizada.
ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE CURRICULAR As aulas teóricas consistem na abordagem das metodologias acima referidas e nos estudos de caso selecionados. Estas aulas consistem na exposição sistematizada da matéria em estudo com suporte de imagens, e, sempre que possível, visitas de estudo aos locais previamente selecionados pelos alunos, registos fotográficos e desenhos. Os alunos deverão realizar trabalho de campo, aplicar inquéritos, tratar os dados obtidos, e elaborar um artigo. Apresenta-se a seguir um exemplo da aplicação dos quatro módulos metodológicos propostos para a avaliação.
INTEGRANDO AS METODOLOGIAS E TESTANDO A ABORDAGEM ANALÍTICA:
um estudo de caso
Quais são os aspectos prioritários para a população que reside na unidade de vizinhança, capazes de influenciar o modo como moram e interagem socialmente? O levantamento de informações que pudessem dar respostas à pergunta apoiou-se na opinião da população residente, anônima, apenas identificada pela superquadra e pelo bloco. O levantamento destas opiniões foi obtido por meio de inquéritos estandardizados realizados, inicialmente, nas superquadras que compõe a unidade de vizinhança analisada. O estudo considerou as diferentes escalas - da área da unidade de vizinhança 107/108/307/308 Sul de Brasília: da superquadra, do bloco e do apartamento. Sessenta e dois moradores dos blocos das quatro superquadras responderam integralmente aos questionários. Os blocos analisados estão localizados, tanto próximos da entrada da quadra como de modo 152
profundo, no interior da mesma. Paralelamente foram levantadas informações semelhantes em várias outras superquadras do Plano Piloto (RAMOS, 2006). Estas quadras não integram unidades de vizinhanças, e contam apenas com o comércio local presente nas ‘entrequadras’. A análise contou com o acompanhamento da evolução da cidade, por meio de bibliografia recente, imprensa, entrevistas aos moradores e visitas à cidade. Os dados analisados neste artigo relativamente à influência que exercem na vida em comunidade referem: a) o tipo de convívio entre vizinhos – formal ou informal -; b) a segurança; c) os espaços públicos; d) a existência e a localização de equipamentos, comércio e serviços. O estudo destas características apoiou-se na análise estatística dos dados recolhidos e ordenados em base de dados. Curiosamente, é a proximidade entre superquadras vizinhas, por fileiras laterais (2 a 16 em eixos simétricos), que assume especial importância no uso do espaço, independentemente de estar inserida em ‘unidade de vizinhança’. Contam: os mais curtos/rápidos trajetos, a organização funcional, a existência de jardins, parques infantis e equipamentos, em outras quadras perto da de origem. A transferência de locais de encontro para a envolvente acaba por promover algum convívio com os vizinhos de superquadras próximas, contribuindo para isto o comércio local. Note-se que as ‘entrequadras comerciais’ estão presentes ao longo do Plano Piloto. Note-se ainda que a ‘cidade-parque’ é também, conservada localmente, ao ponto da ‘prefeitura’ de cada quadra investir diretamente neste ponto, seja pela manutenção, seja pela execução de novas áreas ajardinadas no interior da superquadra (Figura 15 e 16). A segurança ocupa, nesta ordenação uma preocupação, que, embora não se encontre entre as prioridades principais desses moradores, merece uma breve reflexão. É a escala do bloco, e espaço de transição entre a área pública e o espaço privado do apartamento, o alvo das atenções. Esta escala do habitar destacase pela presença dos pilotis onde o atravessamento é contínuo, promovendo conexões entre superquadras vizinhas. A opção do cidadão pode ser informada e apoiada pela retroação das suas opiniões e pelo desenvolvimento em meio acadêmico, de uma disciplina destinada ao estudo da participação. 153
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Figura 14: Esquema da Unidade de Vizinhanรงa 107/108/307/308 Sul.
Fonte: Arquivo da autora.
Figura 15: Grafo representando as prioridades apontadas pelos residentes.
Fonte: arquivo da autora.
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO A avaliação será contínua e baseia-se no desenvolvimento de um artigo sobre o tema, de acordo com o enunciado elaborado para este fim. Deverá ser apresentado oralmente no Seminário Final, onde será avaliada a capacidade de fundamentação e explicitação das soluções adotadas com base nas informações obtidas nas aulas teóricas. Serão valorizadas formas inovadoras de apresentação onde a clareza dos conceitos e a coerência do texto serão fatores a considerar na avaliação. O relatório desenvolvido sobre a problemática da participação e referenciada aos ambientes urbanos portugueses deverá ter uma estrutura pormenorizada relacionada explicitada no início do processo letivo.
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REFERÊNCIAS BANDEIRINHA, J. A. (2007) O processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra: Imprensa da Universidade, Universidade de Coimbra. CAMPOS FILHO, C. M. (2003) Reinvente o seu bairro. Caminhos para você participar do planejamento da sua cidade, Editora 34, São Paulo. CONSELHO NACIONAL DO SAAL. Livro Branco do SAAL 1974-1976, Porto: CNSAAL, 1976. HANNEMAN, R. (2005). Introduction to social network methods. HILLIER, B. and HANSON, J. (1984) The Social Logic of Space. Cambridge University Press, Cambridge. LERNER, J. (2003) Acupuntura Urbana, Editora Record, Rio de Janeiro. LOBO, M. C. (1989) Noções Fundamentais. Conceitos Técnicos. Habitação e seus Espaços de Vivência, Instituto Nacional de Administração INA, Lisboa. MATOS, M. C. & RAMOS, T. L. B. (2006) ‘Bandeira e Veículo para o Mundo: O SAAL em L’Architecture d’Aujourd’hui de 1976’, in CTHab’2006 CD-Rom, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. RAMOS, T. L. B. (2006) Os Espaços do Habitar Moderno: Evolução e Significados. Os Casos Português e Brasileiro, Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas, Fundação Calouste Gulbenkian/ Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Ministério da Ciência e do Ensino Superior, Lisboa. RAMOS, T. L. B. & MATOS, M. C. (2010) Índios da Meia Praia. Bairros SAAL, destinos divergentes. 1.º Congresso Internacional Habitação no Espaço Lusófono, sobre a temática do “desenho e realização de bairros para populações com baixos rendimentos”, Anais em CDRom ISBN 978-972-8479-72-5. ISCTE – IUL, Set 2010, Lisboa. 156
SANTOS, C. N. (1985). Quando a Rua vira Casa. A apropriação de Espaços de Uso Colectivo em um centro de Bairro. IBAM, FINEP, Projecto, (3ª Ed.), São Paulo.
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ESTRATEGIAS Y CRITERIOS DE INTERVENCIÓN PARA EL MEJORAMIENTO DE LAS CUALIDADES PAISAJÍSTICASAMBIENTALES DEL BORDE OCCIDENTAL DE BUCARAMANGA, COLOMBIA: Workshop Recualificación del borde occidental de Bucaramanga - soluciones para el Valle del Río de Oro
Marcello Magoni [Laboratorio di Cooperazione Internazionale-DAStU / Politecnico di Milano, Italia]
Sandra Mesa García
[Directora Maestría en Ordenamiento Territorial-USTA / Bucaramanga, Colombia]
Catalina Rodríguez Espinel
[Maestría en Ordenamiento Territorial-USTA / Bucaramanga, Colombia]
Fabio Lizcano Prada
[Maestría en Ordenamiento Territorial-USTA / Bucaramanga, Colombia]
FUNCIONES, CONTENIDO Y RESULTADOS DEL WORKSHOP El workshop I, de la Maestría en Ordenamiento Territorial, Universidad Santo Tomás Bucaramanga, impartido por docentes invitados del Politécnico de Milán (Dr. Arq. Marcello Magoni y Dr. Arq. Stefano DiVita), se ha pensado para profundizar el conocimiento de algunos criterios, métodos e instrumentos de planificación territorial y ambiental, a través de la aplicación en un área periurbana de la ciudad de Bucaramanga, teniendo como referencia: el análisis DOFA, la planificación estratégica, la proyectación multifactorial, y la gestión del ciclo del proyecto. Fue elegido como caso de estudio en el workshop, el borde 158
urbano occidental porque está caracterizado por numerosos problemas de carácter territorial, ambiental, social, con relevantes elementos de interés paisajístico-ambiental y con una notable potencialidad de transformación. El ejercicio se estructuró en una ruta de carácter analítico, evaluativo y proyectual, orientado a la elaboración de soluciones integrales multi-dimensionales (conteniendo los aspectos territoriales, ambientales y socio-económicos), buscando armonizar los objetivos y la exigencia a escala local y metropolitana. El workshop ha logrado exitosamente la elaboración de 4 proyectos, cada uno conformado por grupos de 4 personas, que han elaborado estrategias, acciones y soluciones de intervención, orientadas al mejoramiento de la sostenibilidad ambiental, de la calidad y la competitividad urbana. Los proyectos no han podido disponer de datos e información oficial y sobretodo de interlocución institucional, con técnicos o políticos, lo que podría haber ayudado a la comprensión de los diversos problemas en el área, en la utilidad y factibilidad de las soluciones proyectadas. Sin embargo, el interés y relevancia de los proyectos efectuados en este workshop, radica en que son productos de diversas ideas proyectuales, que podrán servir a la administración municipal de Bucaramanga y Girón, en el desarrollo del proceso de planificación del área, a otros estudiantes y técnicos que estén interesados en desarrollar profundizaciones de tipo analítico, evaluativo y proyectual. Claramente, en la eventual profundización analíticoevaluativa, podrá ser necesaria una modificación de las estrategias y las soluciones a proponer. El ejercicio mantiene en el fondo, el tema de la planificación a escala metropolitana, útil para poder considerar completa el área de intervención, la cual se encuentra entre dos municipios, con un elevado valor natural, geomorfológico y atravesado con una infraestructura vial de importancia regional.
CARACTERÍSTICAS DEL ÁREA DEL PROYECTO El área del proyecto se encuentra en el borde occidental de la ciudad de Bucaramanga, está atravesada por el Río de Oro, el cual define el límite del municipio de Bucaramanga (que comprende parte de una amplia área), y de Girón. 159
El área se caracteriza fuertemente desde el punto de vista geomorfológico porque está formada por el profundo valle que excava el Río de Oro, y está delimitada al este por la escarpa que conduce a la meseta de la ciudad de Bucaramanga, al oeste por la escarpa de Lebrija, que lleva al altiplano donde se localiza el aeropuerto internacional de Palonegro. La escarpa oriental es una zona de notable interés ambiental, protegida por una ley nacional, pero presenta fenómenos de erosión geológica y asentamiento. La escarpa occidental, también de gran interés ambiental, presenta laderas escarpadas con pequeñas mesetas empleadas para pastoreo. El Río de Oro, hace parte de la cuenca alta del Río Lebrija y es un afluente secundario, en general contaminado porque las aguas que recibe no son depuradas, parte del abanico aluvial sobre la cual se sitúa la ciudad de Bucaramanga.
POSIBLES DESARROLLOS PROYECTUALES DESDE EL PUNTO DE VISTA PAISAJÍSTICO-AMBIENTAL El objetivo común de los 4 proyectos fue la realización de una amplia área de parque, que teniendo diferentes características, deberá dar continuidad a todos los elementos de interés paisajístico-ambiental. Desde este punto de vista, puede haber esquemáticamente dos diferentes criterios proyectuales: uno que tiende a resaltar las características naturales del territorio, protegiendo el recorrido del río y de la escarpa mas empinada. Y otro que tiende a domesticar, mediante la canalización del río o la construcción de un parque agrícola a lo largo de las pendientes. La definición de los criterios de intervención requiere afrontar aspectos problemáticos. El primer problema lo tiene el Río de Oro con la ciudad y con el valle. Una primera aproximación apunta a resaltar el valor paisajístico-ambiental del río, consolidando y expandiendo las conexiones del río con sus afluentes y con el área verde de la escarpa. Esto significa repensar la relación entre el río y la ciudad, que actualmente se caracteriza por una escasa consideración de las características y de las necesidades del río, y que revise las zonas edificadas y la actividad existente, que prevea en función de un diseño que en lo máximo posible restituya el necesario espacio de movimiento al río. 160
Por otra parte, esta aproximación implica la valoración del uso recreativo del río y la necesidad de mejoramiento de la calidad de su agua. Una propuesta contraria, alejada del caracter sostenible, subordina la exigencia hidraúlica del río a la exigencia de expansión de los asentamientos urbanos. Esto comporta la reducción del espacio del movimiento del río, debido a su canalización, respondiendo a la indicación de expansión de asentamientos contemplada en el plan urbanístico de Bucaramanga y al mismo tiempo conlleva el riesgo de inundación. Las soluciones proyectuales propuestas por los 4 grupos de trabajo, son convincentes porque están dotadas de un alto grado de factibilidad y porque se plantean coherentemente con los objetivos de seguridad territorial y sostenibilidad ambiental. En este sentido un grupo propone la realización de un corredor ecológico a lo largo de los afluentes del Río de Oro, a partir de las fuentes y del mismo río, ampliando la conexión, para valorizar en el sentido ecológico, entre la escarpa y el río. Esto podría incluir la remoción de los obstáculos existentes a través de las orillas del río, incluyendo edificios y construcciones, para aumentar la accesibilidad y favorecer el flujo natural. Al mismo tiempo se propone mantener y potenciar la vegetación arbórea de la escarpa, sobre todo en las zonas caracterizadas por pendientes. Lo anterior porque la vegetación, preferiblemente de tipo autóctono, evita la erosión, aumenta la retención y la regulación hídrica y contribuye localmente al contraste en el cambio climático. Es interesante la idea de realizar uno o mas jardines educativos en proximidades de las zonas edificadas, funcionalmente para favorecer la actividad recreativa, para educar y compartir con la comunidad la importancia de la protección de los espacios verdes. Los grupos consideraron la idea de realizar un parque agrícola sobre la escarpa, una opción que requiere considerarse muy cuidadosamente, ya que respecto a un área natural, este tipo de actividad conduce a un deterioro de la calidad ecológica y un aumento de los fenómenos de erosión. Contrariamente, la realización de huertas urbanas próximas a los asentamientos residenciales, cultivadas y administradas por los habitantes de la zona, constituyen un modo de producir recursos muy útiles para la población menos favorecida y un modo de mantener 161
viva su relación con la tierra. Algunas de esas huertas urbanas podrían estar localizadas, junto a espacios lúdicos y recreativos, en el área de riesgo de fenómenos aluviales, deslizamientos, de modo que podrían reducir la exposición y evitar al mismo tiempo asentamientos ilegales. Una propuesta muy interesante sugerida por uno de los grupos, y que requiere profundización proyectual, es la realización de un parque urbano lineal a lo largo del Río de Oro, cuyas funciones son de contribución y mejoramiento de la calidad ambiental del área, sometida a fuertes impactos, mejorando la infraestructura de tres ejes longitudinales (río, vía y área industrial), resolver la fuerte incompatibilidad de las tres diferentes funciones urbanas, facilitar su integración, y crear una red de vias peatonales y ciclorutas, considerando entornos seguros y atractivos, un sistema de áreas verdes para la recreación, el deporte, el ocio, y servicios necesarios para la población. Con el parque urbano lineal se deberán realizar trabajos de recuperación del río y demás acciones ya mencionadas en cuanto a las conexiones y se deberá evaluar la posibilidad de conectividad peatonal. Este conjunto de acciones deberán conducir a la valoración y, cuando sea posible, a la recuperación de las visuales del paisaje del río, de manera que desde el río se puedan ver las zonas edificadas y viceversa. Una propuesta fundamental para el área, y contemplada por todos los grupos, será la realización de un sistema vial integrado con la red metropolitana y local, a partir de la vía longitudinal existente, incluyendo infraestructura para movilidad lenta. Esto recualificará el paisaje, aumentará la funcionalidad, la seguridad vial y territorial. Este segundo punto de vista deberá ser idóneo para resolver la función de “life-line”, en el sentido de una infraestructura segura como soporte de la movilidad, en caso de emergencia por eventos calamitosos. Las intervenciones seguirán un proyecto unitario, capaz de contemplar los aspectos viales, urbanísticos y de transporte público. Internamente se verificará desde el punto de vista económico y de la movilidad, la posibilidad de una conexión entre la meseta de Bucaramanga y el aeropuerto de Palonegro, con una línea de Metroclable, que considerará alguna estación en el área de intervención. Adicionalmente se deberá proporcionar una red de vías en la ciudad, en dirección norte-sur, tangenciales, en dirección 162
este-oeste, con una extensión de la ciclo ruta que se enlace al anillo de ciclo rutas a escala metropolitana. En las intersecciones viales se podrá pensar en espacios de transición entre industria, comercio y residencia, que tendrán buenos perfiles peatonales. De las 4 propuestas realizadas en el workshop, se presenta a continuación la elaborada por los siguientes integrantes: Diana Estupiñan, Fabio Lizcano, Sandra Muñoz, Luis Ernesto Ortega, Rubén Darío Rodríguez y Catalina Rodríguez. La información corresponderá a las etapas planteadas metodológicamente de la siguiente manera: 1. Realización del análisis DOFA oportunidades, fortalezas y amenazas)
(debilidades,
2. La planificación estratégica (definición de objetivo general, objetivos específicos, estrategias y acciones) 3. La proyectación multifactorial (consideración de los sistemas: natural, socio-cultural, económico, urbano) 4. La gestión del ciclo del proyecto (adoptando el enfoque integrado en las fases: programación, identificación, instrucción. Las siguientes etapas: financiación, ejecución y evaluación, susceptibles de desarrollarse en una segunda etapa del workshop)
Propuesta de planificación sostenible y competitiva de las márgenes del río de oro, en el área metropolitana de Bucaramanga El grupo construye una matriz DOFA propia, subdivida por cuatro componentes principales: el sistema natural, el sistema socio-cultural, el sistema económico y el sistema urbano. Este último agrupó todo lo referente a la edificabilidad, el espacio público, la movilidad y servicios.
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Tabla 1: Matriz DOFA por componentes. Fuente: Producción propia (2014).
En términos generales se concluyó a partir de la matriz DOFA que el sector del Río de Oro presenta características de una zona de transición o área de margen, en la cual las dinámicas de ocupación de los municipios de Bucaramanga, Girón y Lebrija, se han dado de manera no articulada y presenta un tejido urbano discontinuo. 165
Las actividades predominantes son la producción, almacenamiento y comercialización de insumos industriales, la comercialización de productos agrícolas, el uso residencial formal e informal de bajo costo, y zonas puntuales de comercio. El sector cuenta con deficiencias en espacio público, especialmente peatonal, de equipamientos, y de movilidad, depende casi exclusivamente de la infraestructura regional, la vía conocida como anillo vial-Café Madrid. Adicionalmente no se puede olvidar que allí se ha venido asentando una gran cantidad de población de bajos recursos económicos.
Propuesta El Plan de las márgenes del Río de Oro está encaminado a la integración del sector con el Área Metropolitana de Bucaramanga y el municipio de Lebrija. Dicha integración debe estar estructurada a partir de una visión de generación de competitividad y sostenibilidad del lugar. La metodología empleada consistió en la aplicación de la Planeación estratégica como herramienta de planificación. En primer lugar se realiza la determinación del objetivo general, para posteriormente y a partir de él, plantear los objetivos específicos, las estrategias y las acciones.
Gráfico 1: Objetivo general de la propuesta de planificación de las márgenes del Río de Oro. Fuente: Producción propia (2014).
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Se resalta la diversificaciĂłn de los objetivos especĂficos por componentes de la siguiente manera: sistema natural, sistema socio-cultural, sistema econĂłmico y sistema urbano.
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Tabla 2: Objetivos específicos, estrategias y acciones de la propuesta de planificación de las márgenes del Río de Oro.
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Fuente: Producción propia (2014).
Posterior a la etapa de identificación de los problemas, objetivos, estrategias y acciones, se dio paso a la articulación de todos estos elementos en forma de plan o proyecto, conducente al mejoramiento de las condiciones del sector en estudio. El sistema natural se estructura como la base fundamental del plan, en donde el Río de Oro es el eje vertebrador del proyecto. Se propone la recuperación de la ronda natural del río, ya que el cauce y la ronda han sido modificados en algunos sectores, el tratamiento de las aguas servidas que desembocan en él y la implementación de producciones limpias, que permitan la recuperación de río como ecosistema natural. Todo esto para poder generar un corredor verde que sirva de articulador entre todos los sistemas. El corredor verde, espacio natural, estará equipado de senderos peatonales, ciclo rutas (pistas ciclables) y algunos equipamientos urbanos. Para la meseta es fundamental la preservación de la vegetación en la escarpa, pues esta asegura la estabilidad del suelo donde se ha edificado la ciudad. Se propone la consolidación de la escarpa occidental de Bucaramanga, sobre todo en la zona de grandes pendientes, como zona de conservación ambiental. Dicha zona se amarra al río en el sentido oriente-occidente a partir de corredores de zonas libres naturales, que aseguran la conservación de las quebradas, desde la escarpa hasta la desembocadura en el Río de Oro. De la misma forma se actuaría en el costado oriental del Río de Oro, en la zona de escarpa de Girón y Lebrija, entre el aeropuerto Palonegro y el río. De esta manera se proponen dos zonas de conservación ambiental, amarradas al Río de Oro a través de corredores de zonas verdes libres (principalmente rondas de quebradas). Entre la zona de las fuertes pendientes de la escarpa occidental y el río, se propone la creación de un parque agrícola de protección. Esto permite delimitar las zonas de crecimiento urbano, impidiendo la construcción de nuevas edificaciones, todo esto manteniendo el equilibrio ecológico del sector. En dicho parque se podrán realizar actividades productivas agrícolas de bajo impacto que conservan la masa arbórea existente. Con el mismo objetivo de delimitar la zona de crecimiento urbano, se propone en el costado occidental del Río de Oro, la creación del parque agrario de subsistencia. A diferencia del parque agrario de protección que sería de privados, el parque agrario de 169
subsistencia sería comunitario. Se proyecta una zona de huertas urbanas cultivadas y gestionadas por los mismos habitantes del sector, y en lo posible de otras partes del Área Metropolitana, que no cuenten con los suficientes recursos económicos para subsistir. Se espera que además de proveerles seguridad alimentaria, las huertas urbanas permitan generar excedentes económicos para estas familias, manteniendo los saberes tradicionales del trabajo de la tierra. En la actualidad el sector es visto como un espacio natural degradado por la contaminación y la actividad humana. Por su parte, los habitantes del lugar son concebidos como personas de escasos recursos, sin educación y dedicados a las actividades económicas informales, y por tanto propensos a cometer actos delictivos. El plan propone, en cuanto al sistema socio-cultural, alternativas económicas que involucren a los habitantes del sector y que a su vez generen espacios de integración social. Así como la generación de equipamientos que respondan a las necesidades concretas de cada barrio, especialmente los establecimientos destinados a la educación, a la cultura y al bienestar social. Los proyectos de vivienda nuevos o de mejoramiento de vivienda precaria, deben propender por generar soluciones de vivienda que incluyan a otras categorías socio-económicas, con el fin de mejorar la integración social y la disminución de la movilidad, de las personas que trabajan en la zona industrial y en la central de abastos. Estos proyectos deben ir acompañados por programas sociales que promuevan la convivencia pacífica. El plan propone la recuperación y protección del paisaje natural del Río de Oro como elemento preponderante para la transformación del estigma del sector, acompañada de la recuperación de la memoria histórica de Río de Oro y la estación de tren denominada Café Madrid, como pilares fundadores de la ciudad. Como se evidencia hasta el momento, el sistema económico está estrechamente ligado a lo propuesto en los demás sistemas. El principal objetivo es el de revalorizar dicho sistema, creando lazos entre la zona industrial y comercial que se asienta en el lugar, la administración de los tres municipios que conforman la unidad de paisaje, la academia y la comunidad. Hasta el momento todos 170
estos actores hacen presencia en el lugar sin establecer relaciones y/o objetivos comunes. La articulación de los actores debe ir acompañada de una diversificación mayor de las actividades económicas comerciales, aprovechando la cercanía al aeropuerto Palonegro, la zona industrial, el centro de Bucaramanga, y el mejoramiento de las vías y medios de transporte que conducen a los municipios del Área Metropolitana de Bucaramanga. Así como a la localización estratégica de las vías que conducen a la Costa Caribe, al centro y sur del país, a la ruta Panamericana y a Venezuela. En cuanto al sistema urbano, el proyecto propone la consolidación de los vacíos urbanos, aumentando la ocupación del territorio, con construcción de proyectos de vivienda que ofrezcan soluciones a las necesidades de las familias de diferentes categorías sociales y la construcción de zonas con carácter comercial, que supla las necesidades de la población, relacionándose con los demás usos existentes en el sector. Complementariamente se propone la construcción de infraestructura que albergue servicios para la vivienda, la actividad industrial y comercial (oficinas, bancos, hoteles, centros de negocios, etc.), aprovechando la cercanía al aeropuerto y al terminal de transportes. La ocupación urbana se hará exclusivamente en una franja esbelta, delimitada a ambos costados de la vía. La ocupación del territorio está ligada al mejoramiento y aumento del sistema de espacio público. Se propone que sean los andenes, plazoletas, alamedas y demás componentes del espacio público, quienes conecten las zonas habitadas a ambos lados de la vía, y que a su vez estos mismos elementos sirvan de enlace en el sentido oriente-occidente, con los parques agrarios y las zonas de conservación natural que se desarrollan a ambos lados del río. Contenido dentro del sistema urbano, el subsistema vial y de movilidad, estructura la conexión entre el sector del Río de Oro y el resto del Área Metropolitana de Bucaramanga. Se propone la adecuación y prolongación de las vías Nazareth y Polvorín, generando nuevas relaciones con la meseta de Bucaramanga. Otra acción será la recualificación de la vía a Café Madrid, que incluye adecuación de las dimensiones y condiciones de seguridad de la vía y, construcción de espacio público especialmente para peatones. A través de una línea de metrocable, podrán conectarse la 171
meseta de Bucaramanga y el aeropuerto Palonegro, considerando estaciones en el sector. Será relevante la implementación del sistema de transporte masivo de la ciudad, tanto en el sentido norte-sur (por el anillo vial), como en el sentido oriente-occidente (por la Calle 70, la Calle 45 y/o por las nuevas vías de Nazareth y Polvorín). Se propone la prolongación de la ciclo ruta del anillo vial, que conecta Girón con Floridablanca, adicional a la que acompaña el corredor verde del eje del Río de Oro, garantizando un desplazamiento seguro en bicicleta, por el Área Metropolitana. Esta ciclo ruta se articularía con la pista que está proyectada sobre el eje de la quebrada La Iglesia, conectando el sector con la meseta de Bucaramanga. Es indispensable que los sistemas de transporte masivo de Bucaramanga, involucren a las bicicletas, estructurando una alternativa viable de movilidad en Área Metropolitana.
Plano 1: Master plan Márgenes del Río de Oro.
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Fuente: Producción propia (2014).
CONCLUSIONES Criterios y soluciones para mejorar las condiciones de seguridad y de sostenibilidad del área El área de intervención presenta características geomorfológicas y de vegetación muy relevantes. Esta importancia prevalece respecto a otros factores de tipo espacial, por lo cual el elemento característico de la visión para esta área, debe centrarse en la valoración sistémica de los aspectos paisajísticos-ambientales. Esta valoración requiere primero que los objetivos y las soluciones de carácter urbanístico y socio-económico, sean armonizadas con los objetivos enfocados a elevar el nivel de calidad paisajísticoambiental. Adicionalmente, cualquier visión sobre esta área no podrá prescindir de la seguridad en el territorio, objetivo que solo puede obtenerse a través de una fuerte reducción de los niveles de riesgo territoriales que caracterizan al área, en lo referido a deslizamientos de tierra, sismos e industria. Lo anterior significa prever una fuerte limitación, probablemente una sustancial abolición de las edificaciones sobre el área de riesgo hidrológico e industrial, y una rigurosa aplicación de los criterios de intervención que reduzcan la vulnerabilidad y la exposición a los eventos sísmicos. Mientras los peligros de inundaciones y de deslizamientos son ampliamente considerados en el proceso de planificación del área, parece ser que existe escasa consideración del riesgo industrial (depósitos de contaminación) y riesgos sísmicos. Los elementos paisajísticos-ambientales deberán constituir el factor estructurante del proyecto, en el cual el valle con las dos escarpas son los contenedores a valorar, mientras el Río de Oro y sus afluentes constituyen respectivamente la espina dorsal y la red de conexiones del proyecto, esto desde el punto de vista morfológico, y de la gestión.
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Figura 1: Vista panorámica del Valle del Río de Oro y del municipio de Bucaramanga.
Figura 2: Vista panorámica del Valle del Río de Oro y los municipios de Girón y Bucaramanga.
Figura 3: Asentamientos formales en la ribera del Río de Oro.
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Figura 4: Terrenos de vocación agrícola próximos a la zona industrial, ribera del Río de Oro.
El tipo de enfoque en la relación entre el Río de Oro y la ciudad, influye fuertemente en otros aspectos problemáticos como: • La importancia que viene de las previsiones del plan urbanístico de Bucaramanga, la cual prevee una potencialidad del área industrial que contrasta fuertemente con un enfoque del primer tipo. • La seguridad de los asentamientos ilegales, que se puede efectuar a través de la reubicación, previa la decisión de una “legalización”, con intervenciones de mitigación del riesgo a través de la realización de barreras o la modificación de la configuración del río. En el primer caso la intervención se coloca al interior de la primera aproximación, considerando que de este modo no serían descargados directamente al río los residuos o basura proveniente de los asentamientos. • El primer enfoque considera que no se deben verter directamente en el río las aguas residuales y los desechos provenientes de los asentamientos. Por otra parte, se deben exigir intervenciones para tratamiento de las aguas residuales y realización de acciones educativas para el manejo de basuras. • El mejoramiento de las conexiones viales y el potenciamiento del transporte público, efectuados de una manera armónica con el ambiente y el paisaje. 175
• Una hipótesis muy interesante a tener en cuenta y a profundizar en el sentido de su viabilidad económica y sus efectos en los asentamientos en el valle, se propone en torno a la unión entre las dos mesetas que rodean el valle del Río de Oro , a través de la creación de una infraestructura aérea similar al “ Metrocable “ de Medellín. Por último hay dos aspectos que deben resolverse para conseguir los objetivos de mayor sostenibilidad y competitividad del área. El primero enfocado a un fuerte mejoramiento de la calidad de agua del Río de Oro y de sus afluentes, de manera que pueda utilizarse con fines recreativos. Esto significa dotar de plantas de tratamiento de agua idóneas para los asentamientos industriales, comerciales y residenciales del valle, considerando los afluentes del río y las aguas residuales provenientes de la ciudad de Bucaramanga. Esta operación deberá estar integrada con la intervención progresiva para el mejoramiento ambiental del mismo, de la actividad y funciones que están presentes en el valle a partir de la industria. El segundo mira la posibilidad de garantizar la compatibilidad entre la función industrial, comercial y residencial. Entre el eje vial, el alto tráfico y las funciones residencial y recreativa. Considerar la presencia de un acopio de basuras con las pertinentes medidas para reducir la peligrosidad, la vulnerabilidad y la exposición los habitantes de los asentamientos. Este objetivo puede requerir la relocalización de la industria de mayor impacto o mejor aún, la actuación de un programa de inversión para la reducción de los efectos ambientales, integrada a un aumento de la eficiencia y de la competitividad.
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IMÁGENES Y CARACTERIZACIÓN DE LA ZONA DEL PROYECTO
Figura 5: Panoramica del Rio de oro: Central de Abastos.
Figura 6: Quebradadesembocadura del Río de Oro.
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Figura 7: Abajo: vista de la zona industrial del Río de Oro, Arriba: el municipio de Bucaramanga.
Figura 8: Vista de la zona industrial y los asentamientos informales de invasión, ribera del Río de Oro.
Figura 9: Vista de la escarpa occidental del municipio de Bucaramanga desde la Central de Abastos del Área Metropolitana.
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Figura 10: Estado actual de la edificación patrimonial denominada Estación de trenes de Café Madrid.
Figura 11: Vista industria sobre la ribera del Río de Oro (1).
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Figura 12: Vista industria sobre la ribera del Río de Oro (2).
Figura 13: Viviendas de autogestión localizada sobre la vía circunvalar “Anillo Vial”, ribera del Río de Oro.
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Figura 14: Vista de la vía circunvalar “Anillo Vial” y de bloques de viviendas de origen formal.
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REFERENCIAS ALCALDÍA DEL MUNICIPIO DE BUCARAMANGA. (2013). Plan de Ordenamiento Territorial del Municipio de Bucaramanga. Plan de Segunda Generación. Bucaramanga: Alcaldía del Municipio de Bucaramanga. Fuente: <http://www.amb.gov.co/index. php?option=com_content&view=article&id=283&Itemid=1004> ALCALDÍA DEL MUNICIPIO DE SAN JUAN DE GIRÓN. (2010). Plan de Ordenamiento Territorial del Municipio de Bucaramanga. San Juan de Girón: Alcaldía del Municipio de San Juan de Girón. ÁREA METROPOLITANA DE BUCARAMANGA. (2010). Directrices de Ordenamiento Territorial Metropolitano. Bucaramanga: Área Metropolitana de Bucaramanga. Fuente: <http://www.amb.gov.co/index.php?option=com_ content&view=article&id=283&Itemid=1004> ÁREA METROPOLITANA DE BUCARAMANGA. (2011). Plan Maestro de Movilidad, 2011-2030. Consultado el 24 de julio de 2014, fuente: <http://www.amb.gov.co/index.php?option=com_ content&view=article&id=283&Itemid=1004> ORTEGA, L.; PEÑA, D. (2011). Los márgenes urbanos como articuladores de la ciudad y su entorno: lineamientos estratégicos para el crecimiento sostenible del margen occidental de Bucaramanga. Proyecto de grado de pregrado, Universidad Santo Tomás, Bucaramanga, Colombia. RUEDA GOMEZ, N. (2012). La formación del Área Metropolitana de Bucaramanga: el papel de la vivienda del Instituto de Crédito Territorial como elemento clave de su configuración. Tesis doctoral, no publicada. Universidad Politécnica de Valencia, Valencia, España.
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O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA PRODUTIVA CONTÍNUA: Uma contribuição para avanços em sustentabilidade urbana
Gabriela Giacobbo Moschetta
[NORIE/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil]
Miguel Aloysio Sattler
[NORIE/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil]
INTRODUÇÃO O contexto atual requer o emprego de abordagens inovadoras de planejamento territorial, que contribuam para um desenvolvimento mais sustentável das cidades, em particular das brasileiras, e que permitam preencher certas lacunas identificáveis nas formas de se conduzir o planejamento urbano. Nesta direção, tem surgido propostas internacionais, como a que conduziu ao conceito de “CPUL - Continuous Productive Urban Landscape”. Traduzida como “Paisagem Urbana Produtiva Contínua”, ela está associada, de maneira geral, à criação de corredores verdes, que formam uma rede contínua de espaços abertos, com caminhos, tanto para pedestres, como para bicicletas1,2. Tais corredores permeiam as áreas edificadas, conectando espaços destinados tanto ao lazer, como à produção de alimentos, em áreas urbanas e periurbanas3. Ao se analisar a realidade brasileira, verificou-se que as ideias associadas ao conceito de CPUL poderiam contribuir para superar as dificuldades normalmente identificadas para um melhor planejamento territorial no Brasil (Quadro 1). 184
Problemas identificados no Planejamento Territorial Urbano Brasileiro4 Questão ambiental segmentada e conflitante. Concepção antagônica de cidade e natureza.
Ideias associadas ao conceito de CPUL 3 Entendimento da cidade como sistema natural. Restabelecimento dos processos de suporte à vida na paisagem urbana.
Não incorporação da agricultura urbana.
Integração da agricultura urbana e periurbana ao projeto urbano.
Desconsideração dos modos não motorizados de deslocamento.
Integração de caminhos para pedestres e bicicletas ao projeto urbano.
Tímida participação da população.
Processos de projeto colaborativos precedidos pela sensibilização da população.
Quadro 1: Comparativo entre problemas identificados no planejamento urbano no Brasil e ideias associadas ao conceito de CPUL (baseado em Santos Junior; Montandon, 20114; e Viljoen, 20053)
Apesar de o conceito de CPUL contar com reconhecimento internacional5, não foram identificadas ações e pesquisas no Brasil a seu respeito. Do mesmo modo, não foram encontrados estudos sobre temas integrando a produção de alimentos e a mobilidade, que embasam o conceito de CPUL. Ademais, são escassos6 no Brasil os estudos científicos voltados à questão urbana e direcionados à realidade dos pequenos municípios. O Brasil possui um total de 5.565 municípios, dos quais 3.921, aproximadamente 70%, possuem até vinte mil habitantes7. Apesar de representarem a ampla maioria dos municípios, o País nunca teve uma política específica para esses territórios8. Procurando preencher esta lacuna, o grupo de pesquisas onde se inclui esta pesquisa tem direcionado esforços ao contexto e escala das pequenas municipalidades. Assim, o problema principal da pesquisa decorre da inexistência de investigações no contexto do planejamento territorial de municípios brasileiros sobre a abordagem CPUL; assim como da carência de estudos urbanos voltados à realidade dos municípios de pequeno porte, os quais representam a grande maioria dos municípios brasileiros. 185
Em decorrência, o objetivo geral da pesquisa foi o de contribuir para o desenvolvimento de uma abordagem, que possibilitasse a aplicação do conceito de “Paisagem Urbana Produtiva Contínua” ao contexto do planejamento físico-territorial de municípios brasileiros de pequeno porte. Alinhados com este objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos intermediários: a) Identificar métodos de planejamento e projeto urbano empregados em propostas de CPUL; b) Identificar benefícios e barreiras apontados pela literatura para a aplicação do conceito, e, em particular, para sua aplicação em municípios brasileiros de pequeno porte; c) Realizar um estudo de caso, com uma aplicação prática em um município de pequeno porte; d) Elaborar recomendações que possam auxiliar pequenos municípios brasileiros a iniciar um planejamento territorial com base no conceito de CPUL. O objeto do estudo foram os pequenos municípios brasileiros. A fim de facilitar a construção e validação da abordagem foi selecionado o município de Feliz, como objeto empírico para a pesquisa. A municipalidade tem sido alvo de diversas pesquisas, que compõem um conjunto integrado de estudos desenvolvidos pela Linha de Pesquisas em Edificações e Comunidades Sustentáveis, do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (NORIE), que integra o Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Isto resultou no acúmulo de uma considerável quantidade de informações e, ao mesmo tempo, existe a disposição e receptividade, por parte do Município, em contribuir e aplicar os resultados dos estudos que venham a ser desenvolvidos. O município de Feliz está situado no Vale do Rio Caí, na região denominada Encosta Inferior do Nordeste do Rio Grande do Sul, no limiar da Serra Gaúcha. Com uma área total de 95,371 km², Feliz tem 12.359 habitantes7, sendo que os residentes urbanos representam aproximadamente 76% do total da população. Uma vez que os métodos de planejamento de um território estão vinculados às características da área de estudo8, entende186
se que os resultados da pesquisa possam vir a ser válidos para realidades semelhantes às do objeto de estudo empírico. Os municípios de pequeno porte brasileiros apresentam uma diversidade de realidades, que extrapolam o simples critério de população; por isso foi estabelecido um perfil específico de território, o qual delimitou o recorte da pesquisa à: • Municípios brasileiros de pequeno porte: predominantemente rurais, em que o ecossistema é pouco alterado pelas atividades urbanas; com população de até 20.000 habitantes; baixa densidade populacional e com a maior parte da população residindo em área urbana; onde seja significativa a contribuição econômica de atividades ligadas ao meio natural; e que, na hierarquia da rede urbana brasileira, configure um centro local; e, por fim, com facilidade de acesso a centros maiores, que se destaquem por sua influência e população. As limitações para o desenvolvimento da pesquisa estão relacionadas, principalmente, às carências operacionais para a prática do planejamento em pequenos municípios, pela falta de estrutura administrativa, de pessoal qualificado, assim como de instrumental apropriado de trabalho8. As condições de realização deste estudo também foram limitadas, tanto pelo curto prazo disponível para a sua conclusão, como pela limitação de recursos disponíveis para a sua elaboração. Diante de tais limitações, optou-se por selecionar uma etapa inicial de planejamento do território, como o aspecto principal a ser investigado. Deste modo, a pesquisa optou por subsidiar o lançamento de uma proposta de CPUL local, que representasse a formulação de uma opção estratégica. Considerando as metodologias participativas de planejamento, a presente pesquisa se concentra em etapas iniciais, que integram a fase de elaboração de planos locais.
MÉTODO DE PESQUISA Adotou-se, como estratégia geral, a pesquisa construtiva, tendo em vista o objetivo central, de construção de uma abordagem (artefato), assim se apoiando em um estudo de caso para o desenvolvimento e avaliação deste artefato, aproximando-
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se, deste modo, das características que fundamentam uma “constructive research”, tal como descrito por Lukka9. A Figura 1 apresenta o delineamento da pesquisa, que foi constituído de três etapas principais: compreensão, desenvolvimento e consolidação.
Figura 1: Delineamento da pesquisa.
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Etapa de Compreensão A etapa de compreensão teve início com uma revisão inicial da literatura, para a identificação do problema de pesquisa. Identificado o problema de pesquisa, foi aprofundada a compreensão a respeito do conceito de CPUL. Em linhas gerais, verificou-se que o conceito de CPUL, tal como proposto por “Bohn &Viljoen Architects”, em 1998, surgiu a partir de estudos que apontaram a agricultura urbana como um elemento essencial de infraestrutura para a sustentabilidade de cidades já existentes e em desenvolvimento2. Entenderam os autores que esta infraestrutura seria ainda mais eficiente se localizada dentro de corredores interligando espaços abertos, formando uma paisagem global coerente, definida por eles como uma “Continuous Productive Urban Landscape”10. Portanto, tratase de uma sobreposição de duas paisagens: de uma Paisagem Contínua com uma Paisagem Urbana Produtiva3, o que Matos5 percebe como uma nova estratégia em direção ao entendimento da cidade como um sistema natural. O conceito de CPUL é convergente com várias teorias atuais em busca da sustentabilidade urbana. Pode ser considerado como uma infraestrutura-verde (Green infrastructure), ao apoiar funções bióticas, abióticas e culturais em prol da sustentabilidade11. Contudo, o que difere a CPUL do conceito infraestrutura-verde, como em geral tem sido empregado, é a integração da agricultura urbana. Assim, a CPUL pode ser considerada como um tipo de corredor verde (Greenway), que também tem uma função ecológica, mas que inclui usos humanos específicos, ampliando a importância das funções sociais e culturais do corredor. Por contemplar não somente a agricultura urbana, a CPUL também incorpora a estratégia de multifuncionalidade, reunindo benefícios econômicos, ecológicos, psicológicos e sociais. As paisagens aumentam, assim, o seu valor, tanto para a comunidade humana, quanto para a natural12,13. O princípio de multifuncionalidade vem sendo percebido como chave para o desenvolvimento sustentável da paisagem14. Como experiências práticas, foram encontrados na literatura projetos para setores de cidade de Londres, e, na escala de uma cidade inteira, identificou-se o caso de Middlesbrough, na 189
Inglaterra15. A descrição da abordagem de planejamento nestes locais fundamentou o objetivo de pesquisa “a”. A abordagem de planejamento referida fez uso de um processo colaborativo, que envolveu a comunidade ativamente, desde o princípio. Para tanto, foram utilizadas informações facilmente compreensíveis, e estimulada a sensibilização da percepção pública sobre os potenciais das CPULs. A abordagem utilizada vai ao encontro de um entendimento mais atual sobre planejamento, enquanto processo técnico e político. Identificou-se que, como resultado da intervenção em Middlesbrough, havia, até março de 2008, mais de 100 pessoas na lista de espera por pequenos jardins para cultivo. Na última contagem, em 2010, mais de 200 grupos comunitários foram envolvidos no cultivo de alimentos, assim como três pomares comunitários haviam sido implantados15. No que concerne ao objetivo de pesquisa “b”, foram identificados diversos benefícios associados às CPULs, incluindo-se diversos aspectos inter-relacionados, de ordem ambiental, social, econômica e sociocultural2,5. Neste caso, houveram impactos positivos que resultaram em uma melhoria das condições de sustentabilidade dos assentamentos humanos. No entanto, os obstáculos para a realização de uma CPUL também são expressivos. Assim como outros elementos de infraestrutura urbana, a CPUL envolve um nível significativo de complexidade e requer planejamento, projeto e investimento financeiro. Além disso, enfrenta uma disputa por terras urbanas e a falta de experiência que possibilitem uma percepção pública sobre as qualidades advindas de tais paisagens. Um segundo momento do entendimento prático e teórico foi voltado para a compreensão mais detalhada do objeto empírico de estudo. A etapa de compreensão sobre o contexto do município de Feliz foi desenvolvida, com base em dados de fontes secundárias e complementada, posteriormente, através de análises in loco e em atividades que procuraram integrar a percepção dos atores locais, na fase de aplicação da abordagem.
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Etapa de Desenvolvimento Inicialmente, fez-se uma seleção de procedimentos e técnicas de planejamento territorial que se entende como mais adequadas ao contexto de municípios de pequeno porte, com base na abordagem relatada nos casos de CPUL estudados. Para tanto, foram estabelecidos requisitos (Quadro 2) para orientar a construção da abordagem, considerando as dificuldades enfrentadas por esses municípios no planejamento de seu território. Seleção de informações e ferramentas de domínio público e disponíveis para municípios brasileiros de pequeno porte. Seleção de procedimentos e técnicas simplificadas e de fácil compreensão. Seleção de técnicas de planejamento territorial colaborativo com o engajamento de atores locais. Alinhadas aos requisitos estabelecidos, foram selecionadas algumas técnicas de DRP (Diagnóstico Rápido Participativo) apontadas por Souza16, que, somadas a outras metodologias participativas, e distribuídas entre três etapas principais, permitiram compor a “abordagem inicial” de lançamento de uma CPUL local (Quadro 3). FASE ETAPA DE TRABALHO
TÉCNICA DRP selecionada
PREPARATÓRIA Etapa 1: Reunião de informações relevantes
Etapa 2: Primeira oficina de trabalho
Quadro 2: requisitos para a construção da abordagem.
Quadro 3: Proposta de abordagem inicial.
LANÇAMENTO DA CPUL Etapa 3: Segunda oficina de trabalho
• Reflexão coletiva sobre dados técnicos • Coleta e análise de • Diagnóstico • Construção coletiva fontes secundárias participativo: de proposta em • Entrevistas não - Análise de Mapas mapas estruturadas - Levantamento de (diálogo) oportunidades e desafios
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As duas primeiras etapas da abordagem constituíram a fase preparatória, que buscou aprofundar a compreensão da realidade local e do conceito de CPUL. A Etapa 3 compreendeu a segunda oficina de trabalho com atores locais, integrando a fase de lançamento da proposta de CPUL. A Etapa 1 compreendeu atividades desenvolvidas pela pesquisadora, enquanto que as Etapas 2 e 3 envolveram, também, a participação da comunidade em oficinas de trabalho. Na seleção dos participantes, procurouse agregar diferentes visões existentes na comunidade, buscando, principalmente, pessoas atuando em áreas afins com aquelas que contribuíssem para a construção de uma CPUL, integrando agentes de atuação técnica e política. No caso de Feliz, os atores locais foram identificados em diálogos com técnicos bem familiarizados com o município. Na sequência da Etapa 1, foi aprofundada a busca de informações sobre o município, como mapas, somados a dados gerais e locais sobre temas afins. Posteriormente, foram selecionadas e organizadas informações sobre o conceito de CPUL. Para isso, foi estabelecida uma classificação por temas, relacionados a: agricultura urbana, mobilidade não motorizada e espaços de lazer. No caso de Feliz, fez-se também a inserção do tema “turismo”, entendido como complementar aos temas tratados e de relevância para a realidade local. Em continuidade, duas oficinas foram realizadas nas dependências da Prefeitura Municipal de Feliz, no turno da tarde dos dias 12 e 19 de dezembro de 2012. Estas oficinas contaram, respectivamente, com a participação de 10 e 8 pessoas, incluindo a pesquisadora, representantes do governo municipal e da comunidade. A primeira oficina teve início com uma apresentação de slides, com informações sobre o conceito de CPUL e do município de Feliz. Em um segundo momento, dois mapas impressos foram apresentados para apoiar as atividades de diagnóstico. Ao final da oficina foi realizada uma atividade de debate estruturado, para a identificação de oportunidades e desafios presentes no município, associados aos temas relacionados ao conceito de CPUL. Os preparativos para a segunda oficina de trabalho compreenderam uma sistematização dos dados gerados na primeira oficina, e a estruturação de um novo instrumental. A principal 192
dinâmica selecionada para a segunda oficina foi a construção coletiva de uma proposta de elaboração de mapas. Para esse fim, foram apresentados dois mapas: um, com a representação gráfica de todo o território do município (Mapa Total), e outro, caracterizando as áreas urbana e periurbana ampliada (Mapa Ampliado). Adicionalmente, foi apresentada uma imagem de satélite do município, e um conjunto de cordões, de comprimentos variados, que representavam, em escala específica para cada mapa, um raio de alcance aproximado para deslocamentos a pé e de bicicleta. A segunda oficina, integrando a Etapa 3, resultou no lançamento da proposta de CPUL para Feliz. Para o traçado da proposta foi estabelecido um processo de debate, precedendo à tomada de decisão, que foi alcançada por meio de consenso entre os participantes. A atividade foi conduzida ao longo de duas fases: identificação de alvos e identificação de corredores (Quadro 4). Alguns critérios, baseados na revisão de literatura que havia sido desenvolvida até aquele momento, orientaram a dinâmica. Identificação de ALVOS 1. Alvos principais: Locais importantes de lazer, produção • Uso público de alimentos ou de relevância turística • No corredor (lazer, alimentos, turismo). 2. Outros locais relevantes: Escolas, espaços de lazer, entre outros.
• Caráter restrito ou particular • Próximos ao corredor
Identificação de CORREDORES que possibilitassem: • Conectar alvos principais; • Abranger a área urbana (considerando tendências de expansão): acesso a pé: 500 m /por bicicleta: 5 km; • Estender-se até as áreas rurais circundantes; • Evitar declividades acentuadas (superior a 10%); • Aproveitar vias já existentes e de menor uso, ou que possam ser compartilhadas com o uso atual; • Criar novos caminhos: novas conexões, quando possível.
Quadro 4: Critérios da “abordagem inicial”, para o lançamento de uma CPUL local.
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A proposta assim definida foi lançada sobre os mapas impressos. Para a marcação preliminar de alvos, foram utilizados alfinetes categorizados por cores distintas, representando: pontos de interesse para produção de alimentos; pontos de interesse para o lazer; e pontos de interesse turístico. Para a visualização de distâncias médias alcançadas a pé e por bicicleta, foram utilizados os cordões identificadores de distâncias. Com base em observações da pesquisadora sobre a aplicação realizada, foi procedido o primeiro refinamento da abordagem, resultando na assim denominada “abordagem preliminar”.
Etapa de Consolidação A última etapa da pesquisa correspondeu à consolidação, compreendendo: a validação da abordagem e a identificação e análise da contribuição teórica. Para tanto, foram estabelecidos dois ciclos de avaliação: um, com atores locais; o segundo, com especialistas. O Ciclo 1 – Avaliação com atores locais compreendeu a realização de 07 entrevistas individuais, com os participantes da segunda oficina de trabalho. Um questionário semiestruturado foi utilizado para conduzir as entrevistas. Após, a abordagem preliminar foi avaliada por dois profissionais da área de planejamento urbano, também através de entrevistas semiestruturadas, constituindo o Ciclo 2 – Avaliação por especialistas. As avaliações foram realizadas de forma individual, onde foram consultados dois especialistas com o seguinte perfil: • Arquiteto e urbanista, mestre e doutorando em Planejamento Urbano e Regional, professor e sócio-diretor de empresa, com trabalhos desenvolvidos em planos e projetos urbanos, projetos de arquitetura e urbanismo, e consultorias em urbanismo; • Arquiteto e urbanista, com mestrado em Engenharia Civil e especialização em Reabilitação Ambiental Sustentável, atuando como professor; e profissional da Secretaria Municipal de Planejamento de um município de pequeno porte. Em conversas gravadas em áudio e depois transcritas, os 194
especialistas pontuaram observações. O último refinamento foi feito com base nessas considerações, dando origem à proposta final de abordagem, resultado principal da pesquisa, correspondendo ao objetivo geral da mesma. Os resultados dos ciclos de avaliação também contribuíram com informações para atender ao objetivo de pesquisa “b”, sobre as barreiras e oportunidades para o lançamento de CPULs em municípios brasileiros de pequeno porte. Além disso, os resultados desta etapa possibilitaram uma reflexão acerca de recomendações que poderiam auxiliar a estes municípios a iniciar um planejamento territorial, com base no conceito de CPUL, correspondente ao objetivo de pesquisa “d”. Por fim, foi realizada a identificação e análise da contribuição teórica.
RESULTADOS Os resultados obtidos a partir do estudo de caso desenvolvido no município de Feliz são apresentados a seguir.
Aplicação Prática Parte da primeira oficina, a atividade “Oportunidades e Desafios”, gerou um conjunto de observações sobre temas relacionados no contexto local (Quadro 5). Certas observações dos participantes estão alinhadas com os apontamentos de Bohn e Viljoen (2005), relativas à CPULs, tais como questões associadas à disputa da terra urbana, ao entrave cultural para a adoção de novas práticas, e à necessidade de recursos financeiros para sua implementação.
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Quadro 5: Resultado da atividade “desafios e oportunidades”, no estudo de caso.
AGRICULTURA URBANA Desafios • Especulação imobiliária - competição pela terra urbana. • Falta de interesse dos produtores pelo comércio local. • Questão cultural: o produtor trabalha sozinho; uma iniciativa mais colaborativa entre eles é difícil. • Existência de apenas duas agroindústrias no município. • Conscientização do consumidor sobre a importância da produção local. • Mudança da lógica de mercado atual. Muitos alimentos produzidos localmente são exportados, sendo, posteriormente, os mesmos produtos ofertados em mercados locais, mas originários de locais distantes.
Oportunidades
• Legislação, como o Plano Diretor, pode disciplinar a ocupação dos terrenos, “liberando” áreas livres para o cultivo na área urbana. • Formação de cooperativas locais de produção e comércio de alimentos. • Venda direta ao consumidor poderia tornar mais atrativa a produção urbana de alimentos. • Beneficiamento de alimentos, mesmo com processamento mínimo, poderia valorizar os produtos. • Existência de incentivos governamentais para a produção e comércio local de alimentos.
LAZER Desafios
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Oportunidades
• Espaços disponíveis têm • Já existem projetos para o pouca infraestrutura. investimento em espaços • Dificuldade de manutenção abertos de lazer nos bairros por parte da Prefeitura: – resultante de demanda da carência de verbas e de comunidade em audiências. estrutura administrativa. • Campos de futebol e salões • Existem diversos campos de futebol e salões de de comunidades/escolas comunidades. têm acesso restrito ao público.
MOBILIDADE NÃO MOTORIZADA Desafios
Oportunidades
• Inexistência de infraestrutura para bicicletas. • Insegurança para ciclistas frente aos veículos. • Vias públicas oferecem pouca sombra, tornando-as muito desconfortáveis em dias quentes. • Lojas centrais são resistentes ao plantio de árvores por encobrirem suas fachadas. • Escassez de passeios com acessibilidade. • Manutenção da calçada é de responsabilidade do dono do terreno. Muitos não cuidam, ou não deixam espaço para o plantio de árvores. • Comodismo, relutância e adotar estratégias mais sustentáveis diante da facilidade oferecida pelo transporte escolar.
• Já existe um plano de arborização para as ruas centrais. • Os problemas com árvores de grande porte são recorrentes: conflitos com iluminação, passeios; por isso estão sendo substituídas. • Conscientização para o trânsito, em especial ações com as crianças (escolas). • Uma carteirinha de ciclista, associada à disponibilização de bicicletas talvez pudesse incentivar o seu uso. • Controle do movimento de carros nas ruas.
TURISMO Desafios • O município ainda não possuiu um plano para o turismo. • Muitas ruas não possuem identificação. • Não há qualificação dos estabelecimentos de hospedagem. • Reduzido investimento nesta área.
Oportunidades • Investimentos recentes no parque da cidade: pedalinhos no lago, paradouros, entre outros. • O plantio de ipês amarelos, árvore símbolo do município, próximo à RS e no parque municipal – poderia ser uma forma de promover a identidade do município. 197
OBSERVAÇÕES GERAIS • Há necessidade de investir na educação das crianças e trabalhar em direção a uma mudança cultural. • Áreas verdes requerem estruturação e manutenção (espaços de lazer e áreas de preservação) A segunda oficina de trabalho representou, de fato, o lançamento de uma proposta de CPUL para Feliz. Os critérios sugeridos na abordagem orientaram o debate. Para o lançamento da proposta foi utilizado, principalmente, o conhecimento empírico dos participantes sobre o seu território. Ao final do processo de desenho coletivo, a proposta inicial para uma CPUL local havia sido traçada sobre os dois mapas preparados para a atividade (Figura 2).
Figura 2: Mapas com proposta de uma “CPUL” para o município de Feliz.
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A partir da experiência prática, a principal alteração no tocante à abordagem inicial foi a inclusão de uma terceira etapa no processo de construção coletiva sobre os mapas. Esta etapa, nomeada como “análise do conjunto”, na prática acabou sendo desenvolvida na oficina realizada, apesar de não ter sido anteriormente planejada.
Ciclos de Avaliação Ao final do primeiro ciclo de avaliação, os resultados quantitativos e qualitativos, obtidos a partir de entrevistas semiestruturadas com os participantes da segunda oficina de trabalho, foram sistematizados e analisados. As principais considerações são apresentadas a seguir. No que concerne à facilidade de entendimento, os entrevistados apontaram que conseguiram: • Identificar facilmente o território do município nos mapas; • Entender os critérios para o lançamento da proposta, o que ocorreu principalmente ao longo do desenvolvimento da atividade prática; • Opinar sobre a seleção de alvos e corredores, especialmente nos temas que conheciam. Sobre o seu engajamento nas atividades, os entrevistados responderam que: • A forma de trabalho possibilitou a participação ativa de todos os presentes; • A proposta final de CPUL foi resultado de uma reflexão coletiva do grupo de trabalho. Referente à conformidade da proposta para com o contexto local e de outros municípios de pequeno porte, os entrevistados acreditam que: • A proposta desenvolvida para Feliz poderia ser implantada; no entanto, enfrentaria desafios, tais como: mudança cultural, sensibilização da população e governantes, busca de recursos e alteração de prioridades dos investimentos de recursos públicos; • Outros municípios de pequeno porte conseguiriam utilizar a abordagem de lançamento de uma CPUL, como a aplicada no caso de Feliz. Em relação ao potencial de uso dos materiais produzidos, a grande maioria dos entrevistados acredita que o “desenho de lançamento de uma CPUL local” poderia auxiliar em uma discussão pública mais profunda sobre o planejamento da cidade. 199
Na última parte da entrevista, os participantes puderam se manifestar livremente sobre a experiência. Algumas das observações recorrentes se referiram: • Ao caráter inovador da proposta, “uma nova visão sobre a cidade”; • Ao entendimento de que a implantação de uma proposta desse tipo exigiria uma intervenção gradual; houve a percepção de que algumas soluções seriam facilmente alcançáveis, enquanto outras exigiriam um grande empenho; • À necessidade do engajamento da comunidade, para a realização de uma proposta dessa natureza. O segundo ciclo de avaliação consistiu na consulta a especialistas em planejamento urbano. As observações sobre a abordagem proposta apontaram para a existência de coerência com as metodologias participativas praticadas, e de clareza, com relação à sua forma de apresentação. Para ambos os especialistas, a CPUL, como estratégia de projeto urbano, poderia auxiliar em uma discussão pública mais profunda sobre o planejamento urbano; e acreditam que outros pequenos municípios brasileiros conseguiriam utilizar a abordagem. A produção de alimentos, segundo um dos especialistas, é uma atividade mais próxima das pequenas cidades, e esta seria uma vantagem para a sua aplicação neste contexto. No entanto, também percebe barreiras para a agricultura em espaços públicos, principalmente por uma carência de experiências de cunho social e cooperativo, na realidade brasileira. Além disso, ambos os especialistas se manifestaram sobre a dificuldade a ser enfrentada, caso a implantação do projeto dependesse de espaços privados para usos coletivos, que requeressem desapropriações. Contudo, o incentivo à produção de alimentos nos terrenos privados é visto como algo viável. Os especialistas também enfatizaram a importância da participação efetiva da comunidade e destacaram a conscientização, como aspecto central no processo. Ainda, perceberam desafios relacionados ao caráter do conceito de CPUL, como dificuldades na: • Percepção de uma paisagem mais ampla, em uma escala maior; 200
• Organização de processos multidisciplinares; apesar de considerarem mais viável a reunião de diferentes disciplinas e interesses, quando associada a um município de pequeno porte. Também manifestaram o que percebem como possíveis desafios para a implantação de um projeto de CPUL em um município de pequeno porte brasileiro: • Estruturas municipais de planejamento, gestão e manutenção deficientes; • Recursos financeiros limitados; • Dificuldades em manter projetos de caráter participativo e liderados pelos governos locais, que se estendam para além de um mandato, o que provavelmente seria requisito indispensável para a implantação de uma CPUL. Para implantação de uma proposta CPUL, foram feitas as seguintes recomendações: • O projeto, se gravado em Lei, integrando a legislação urbanística do município e considerando a realidade local, terá maiores chances de implementação; • Buscar a captação de recursos financeiros federais, a partir da apresentação de projetos específicos (que poderia ser constituído por uma proposta de CPUL); • Implantação de forma gradual, e iniciando com projetospiloto.
PROPOSTA FINAL DE ABORDAGEM A construção da abordagem, apesar de ter a sua aplicação apoiada em um caso específico, foi pautada no desenvolvimento de uma solução que pudesse vir a ser utilizada em outros municípios, com realidade semelhante. Assim, a proposta final de “abordagem” na Figura 3, compreendeu a reunião sistemática de técnicas e procedimentos de planejamento simplificados para o lançamento de uma CPUL em um pequeno município brasileiro.
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Figura 3: Proposta final de abordagem – trecho parcial com critérios para a atividade de “construção coletiva sobre mapas”.
CONCLUSÕES A aplicação prática no município de Feliz foi essencial para a realização da pesquisa, fornecendo o suporte de um contexto real para a construção e teste da abordagem. Os ciclos de avaliação contribuíram para o refinamento da proposta, assim como de seu ajuste para uma linguagem mais abrangente. As avaliações também serviram para investigar percepções sobre a viabilidade, tanto da abordagem, quanto da implantação de uma CPUL, no contexto de pequenos municípios brasileiros. Abaixo, é apresentado o Quadro 6, com os objetivos intermediários de pesquisa e uma síntese dos resultados.
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Objetivos intermediários a. Identificar métodos de planejamento e projeto urbano empregados em propostas CPUL
Fonte de evidência
Revisão de literatura
Síntese dos resultados Processo colaborativo envolvendo a comunidade ativamente, desde o princípio, utilizando informações facilmente compreensíveis, e estímulos à sensibilização da percepção pública sobre os potenciais de CPULs
BENEFÍCIOS: b. Identificar benefícios e barreiras apontados na literatura para a aplicação do conceito
Aspectos interrelacionados de ordem ambiental, social, econômica e sociocultural
BARREIRAS: Revisão de literatura
Requer planejamento, projeto e investimentos financeiros Enfrenta a disputa por terra urbana Falta de experiências prévias, que possibilitem uma percepção pública sobre as qualidades de suas paisagens
OPORTUNIDADES:
b. Identificar oportunidades e barreiras para a aplicação do conceito em municípios brasileiros de pequeno porte
Quadro 6: Síntese dos principais resultados da pesquisa.
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Reflexão sobre aplicação prática, percepção por atores locais e especialistas
c. Realizar estudo de caso: aplicação Oficinas e ciclos de prática em um avaliação município de pequeno porte
Maior proximidade entre atores locais Maior abertura espacial para a integração de inovações Aglomeração urbana reduzida possibilita a definição de uma rede abrangente e acessível no espaço urbano Produção de alimentos próxima
BARREIRAS:
Requer mudança cultural Disputas pelo uso da terra urbana Estruturas municipais carentes e/ ou deficientes Recursos financeiros limitados Falta de experiências prévias em processos de planejamento Proposta inicial de CPUL local para o município de Feliz
d. Identificar recomendações para pequenos municípios brasileiros que desejem iniciar um planejamento territorial com base no conceito de CPUL
Reflexão sobre aplicação prática, percepção por atores locais e especialistas.
Buscar recursos federais para o financiamento de projetos específicos Investir em um processo de planejamento colaborativo Iniciar com projetos pilotos e intervenções de menor custo Estabelecer garantias de continuidade para planejamento no longo prazo.
Em geral, os resultados demonstraram que é possível iniciar um planejamento participativo de uma proposta de CPUL, considerando os recursos disponíveis localmente nos municípios brasileiros de pequeno porte. Contudo, dificuldades foram observadas para a construção dessas paisagens: em etapas posteriores, do planejamento à sua implementação. A barreira cultural, provavelmente, seja um dos fatores mais difíceis de serem superados. Não é um aspecto relacionado somente ao contexto dos municípios de pequeno porte, já que as pesquisas de Bohn e Viljoen10 evidenciam que, em geral, um grande desafio para a implementação de CPULs reside na falta de reconhecimento das vantagens oferecidas por estas paisagens, em diferentes locais. Todavia, na aplicação prática realizada, foi possível observar que as atividades das oficinas conseguiram promover, entre os atores locais, uma reflexão mais aprofundada sobre a sua cidade, mostrando-se capaz de promover avanços de percepção nos participantes. Ainda, como resultado da aplicação da abordagem, um mapa esquemático associado a uma CPUL local, é apontado como um potencial instrumento para estimular o início de um debate público mais abrangente.
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NOTAS (1) BOHN, K. E VILJOEN, A. Continuous productive urban landscape (CPUL): Essential infrastructure and edible ornament. Open House International, [S.I.], n.34, p. 50-60, 2009. (2) BOHN, K. E VILJOEN, A. The Edible City : Envisioning the Continuous Productive Urban Landscape (CPUL). Journal Field, [S.I.], v. 4, n. 1, p. 149-161, 2010. (3) VILJOEN, A. Continuous Productive Urban Landscapes: Designing urban agriculture for sustainable cities. Oxford: Architectural Press, Elsevier, 2005. (4) SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. (Org.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: Balanço Crítico. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Cidades, IIPUR/UFRJ, 2011. (5) MATOS, R. S. A Reinvenção da Multifuncionalidade da Paisagem em Espaço Urbano - Reflexões. 2010. 372p. Tese (Doutorado em Artes e Técnicas da Paisagem) – Universidade de Évora, Portugal, 2010. (6) FIGUEIREDO, V. D. M. Pequenos Municípios e Pequenas Cidades do Estado do Rio Grande do Sul: Contrastes, Perfil do Desenvolvimento e de Qualidade de Vida, 1980-2000. 2008. 265p. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Campinas, 2008. (7) IBGE. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. (8) BRASIL. Ministério das Cidades. Plano Diretor participativo: guia para elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2004. (9) LUKKA, K. The constructive research approach. In: OJALA, L.; HILMOLA, O. P. (eds.) Case study research in logistics. Turku: Turku School of Economics and Business Administration, Series B1, 2003.
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(10) BOHN, K.; VILJOEN, A. Continuous Productive Urban Landscapes: Urban agriculture as an essential infrastructure. The Urban Agriculture Magazine, [S.I.], p. 34-36, 2005.
(11) AHERN. Green infrastructure for cities: The spatial dimension. In: NOVOTNY, Vladimir; BROWN, Paul. (Ed.). Cities of the Future Towards Integrated Sustainable Water and Landscape Management. London: IWA, p. 267-283, 2007. (12) LOVELL, Sara Taylor; JOHNSTON, Douglas M. Designing landscapes for performance based on emerging principles in landscape ecology. Ecology and Society, 14(1): 44, 2009. (13) HURST, Katie. Designing for Food, Community and Multi-Use Space: Lessons Learned from Grassroots Urban Agriculture. The University of Guelph, Ontario, Canadá, 2012. (14) AHERN, Jack; KATO, Sadahisa. Multifunctional Landscapes as a Basis for Sustainable Landscape Development. Landscape Research Japan, [S.I.], 72 (5), 799-804, 2009. (15) BOHN, K.; VILJOEN, A. et al. Middlesbrough Urban Farming Project. In: GORGOLEWSKI, M.; KOMISAR, J.; NASR, J. Carrot City: creating places for urban agriculture. New York: The Monacelli Press, p. 26-29, 2011. (16) SOUZA, M. M. O. A Utilização de Metodologias de Diagnóstico e Planejamento Participativo em Assentamentos Rurais: O Diagnóstico Rural/ Rápido Participativo (DRP). Uberlândia: Em extensão, v. 8, n. 1, p. 34 - 47, 2009.
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PARTE ESTUDOS APLICADOS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PARAÍBA, BRASIL
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O BONDE A BURRO NO DESENHO URBANO DA CIDADE DA PARAHYBA José Estevam de Medeiros Filho
[Arquitetura e Urbanismo / Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
INTRODUÇÃO Este Artigo é fruto de minha tese doutoral, cujo objeto da pesquisa foi o sistema de bonde a burro implantado na Cidade da Parahyba, capital do Estado da Paraíba, no final do século XIX. Era o ano de 1896, e três linhas foram implantadas: Comércio, Tambiá e Trincheiras. O objetivo deste capítulo é identificar, através destas linhas de bonde, como estava o processo de setorização das funções na cidade, que até o final daquele século, se restringia praticamente ao seu núcleo inicial de formação, bastante reduzido. Este núcleo (Figura 1), que era dividido em dois planos distintos em sua topografia, já apresentava uma ocupação diferenciada do solo urbano, com a predominância do comércio e serviços na Cidade Baixa e do setor residencial na Cidade Alta. Mostra-se ainda, que o bonde a burro influenciou na expansão urbana da capital paraibana, deixando sua marca no desenho urbano da cidade, ao se verificar que as antigas vias por onde passava continuam em uso para os deslocamentos da população em suas atividades diárias e foram as raízes dos principais vetores expansão urbana da capital paraibana desde a primeira metade do século XX: as avenidas Epitácio Pessoa e Cruz das Armas.
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A CIDADE DA PARAHYBA NO FINAL DO SÉCULO XIX
Figura 1: Planta atual de João Pessoa com destaque da área do bonde a burro implantado em 1896 Base cartogtáfica PMJP (2012). Elaboração: Igor Dantas.
A Cidade da Parahyba foi registrada por Jardim (1910, 1911), em uma monografia escrita e publicada inicialmente em 1889 no jornal Gazeta da Parahyba, com o título “Monografia da Cidade da Parahyba do Norte”. O seu trabalho graficamente representado na Figura 2, mostra a cidade dividida em diferentes zonas (TINEM, 2006, pp. 260-274), que permitem ter uma visão geral da concentração das áreas urbanizadas, onde predominavam as construções de sobrados, casas térreas de alvenaria e casas de palhas. Nela, as zonas 01 e 04, denominadas de consolidadas, correspondem às 213
áreas de ocupação mais antiga da cidade, com sistemas de ruas em formação desde o século XVI/XVII e com maior número de edifícios construídos em alvenaria (MOURA FILHA, 2010). A zona 02, não consolidada, é uma área incorporada à cidade somente no século XIX, em particular, a partir do governo de Beaurepaire Rohan, com a implantação de edifícios públicos, como o teatro, Assembleia Provincial e Quartel de Linha (VIDAL, 2004). Pelas acentuadas diferenças de cotas na topografia do sítio, as zonas 03 e 05 da referida figura são as áreas de declive que tiveram ocupação tardia, estando, por isso, menos habitadas no século XIX. No caso da zona 03, ela corresponde às antigas cercas conventuais dos beneditinos e dos franciscanos, o que justifica sua ocupação rarefeita. Na zona 05, a presença da antiga Lagoa dos Irerês, sendo uma área pantanosa e pouco salubre, afastava a população e, por isso, verificava-se, também, uma ocupação tardia e rarefeita. As zonas 06 e 07 correspondem às áreas de expansão da cidade, cujos eixos viários principais (a Rua do Tambiá e a Rua das Trincheiras) já compareciam na cartografia do período holandês, como caminhos que levavam para fora da cidade. A partir do século XIX, vão se consolidar os dois bairros, Tambiá e Trincheiras, direcionados pelas referidas ruas e com predominância de uso residencial. Os bairros de Trincheiras e Tambiá (Figura 2), a princípio, ocupados por uma população de baixa renda, mas, posteriormente, apropriados pela burguesia urbana, que buscava sair da área mais central da cidade Alta e Baixa, já consolidada, e que, juntamente com a aristocracia que vinha da zona rural para se fixar na urbana, procurava sempre residir em áreas rodeadas de verde, ideais para construção de seus sobrados em lotes amplos e arejados. Maia (2000, p. 106), citando Joaquim Inácio, fala que os bairros de Tambiá, Jaguaribe e Trincheiras estavam “deliciosamente escondidos e separados da agitação da cidade central por uma cortina de sítios ameníssimos: coqueiros, mangueiras, laranjeiras, jaqueiras, atenuando o ímpeto dos ventos gerais” (MAIA, 2000, p 106 apud INÁCIO, 1981, p. 23). Conforme Jardim (1910, 1911), a cidade da Parahyba em 1889 era estruturada em seis ruas, sendo três na Cidade Alta e três na Cidade Baixa (Figura 3). As principais ruas estruturantes da Cidade Alta estavam na zona consolidada: 01) a Rua Marquês do Herval com extensão de 373 metros, 24 metros em média de largura, 214
Fonte: Sousa e Vidal (2010, pp. 47-48); Tinem (2006, p. 265) Redesenho: Denise Lemos
Figura 21: Planta da Cidade da Parahyba com zonas de ocupação – 1889.
embora ainda não calçada, tinha 69 prédios construídos, todos em alvenaria, dos quais dois eram sobrados, além de importantes templos religiosos, como a Igreja Matriz Nossa Senhora das Neves e o Mosteiro de São Bento; 02) a Rua Duque de Caxias com extensão de 692 metros e 12 metros de largura, a única calçada da Cidade Alta com paralelepípedos de granito, tinha 120 prédios construídos, todos de alvenaria, dos quais 34 eram sobrados; 03) a terceira via em importância, a Rua Visconde de Pelotas tinha dimensões diferentes: pelo lado direito, a extensão era de 552 metros e, pelo lado esquerdo, 675 metros, com largura média de 9 metros; não era pavimentada, mas já possuía 111 prédios construídos em alvenaria, dos quais 02 eram sobrados (JARDIM, 215
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1911, p. 83-87). A formação dessas vias se destacava também pelo paralelismo com pouca distância entre elas, o que facilitou a implantação do sistema de bondes na área. O seu traçado regular existente desde sua implantação liga-se aos bairros em formação, de Tambiá e Trincheiras, verificando-se que as vias estruturantes de tais bairros deixaram de ser paralelas e assumiram uma forma sinuosa “em virtude do próprio terreno ou por derivação de antigos caminhos. ” (GUEDES, 2006, p. 88). Na Cidade Baixa as vias principais eram: 01) Rua Visconde de Inhaúma com 155 metros de extensão e largura média de 10 metros, possuía 52 prédios construídos, todos de alvenaria, dentre os quais 20 sobrados, com uma sequência de portas no andar térreo, indicando um uso misto, por se tratar da área mais vinculada à atividade portuária, sem contar com o trapiche e o armazém da Alfândega; 02) a Rua Conde D’Eu com seus 814 metros de extensão e largura de 12 metros, tinha 177 prédios, todos em alvenaria, dos quais 14 eram sobrados, além do quartel de Polícia; 03) a Rua Barão da Passagem com 658 metros de comprimento e uma largura média de 10 metros, contava com 114 prédios, todos de alvenaria, 8 dos quais sobrados e mais um destes em reconstrução. Todas as vias estavam pavimentadas com pedras de granito irregulares (JARDIM, 1910, pp. 92 - 97). Essas vias não eram paralelas nem lineares, mas convergentes, com as ruas Barão da Passagem e Conde d’Eu, encontrando-se na Rua Visconde de Inhaúma. Embora curta, a Rua Visconde de Inhaúma teve papel importante no transporte da cidade, pois sua ligação com o Rio Sanhauá facilitava a distribuição das mercadorias que chegavam ao porto, principalmente aquelas destinadas ao comércio local, cujo principal centro comercial se localizava na Rua Conde d’Eu, conhecida também como Rua do Comércio. Diferente da Cidade Alta, a falta de alinhamento e nivelamento das ruas da Cidade Baixa foram se formando a partir de caminhos e estradas e depois se consolidaram como ruas ao serem delimitadas pelas edificações. De fato, teve na topografia local o empecilho para que os quarteirões assumissem uma configuração quadricular ao terem que se submeter às sinuosidades do relevo (GUEDES, 2006, p. 87). Essas ruas estreitas, curvas e enladeiradas geraram certa dificuldade na implantação da linha de bonde naquela área, que passou por duas mudanças de percurso para chegar ao traçado definitivo.
Fonte: Jardim (1910; 1911). Edição: Igor Dantas.
Figura 3: Vias Principais da Cidade da Parahyba – 1889 .
Como a cidade estava implantada em sítio de relevo acidentado, Jardim (1910, 1911) descreve que a população usava pequenas ruas, travessas e becos, que ligavam a Cidade Alta com a Cidade Baixa para seus deslocamentos diários. A diferença de nível, impunha a esta população trafegar por íngremes ladeiras. Supõe-se que os deslocamentos aconteciam a pé, a cavalo ou em pequenos veículos a tração animal. As principais vias de comunicação entre os dois planos da cidade citadas por Jardim (1910, p. 93-94; 103-105; 109-110) eram: 01) a Rua do Tanque com 444 metros de comprimento e 8 metros de largura, sendo os 96 metros iniciais na parte baixa mais ou menos plana, seguida de aproximadamente 190 metros de rampa, e apresentando os 158 metros restantes da parte alta com pouca subida; 02) a Rua do Consumo de 85 metros de comprimento, 217
seguida da muito íngreme Ladeira das Pedras com 158 metros de comprimento, dava acesso à Rua Marquez do Herval; 03) a Rua do Fogo com 376 metros de comprimento, precedia a íngreme Ladeira do Rosário com 100 metros de comprimento, dava acesso à Igreja do Rosário dos Pretos, localizada na Rua Duque de Caxias; 04) a Rua da Macahyba com 178 metros de comprimento e 6 metros de largura, ia até a Rua da Medalha, em uma subida também íngreme; 05) a Rua do Império com seus 292 metros de comprimento e 9 metros em média de largura, tinha, em seus 82 metros finais, uma íngreme ladeira que dava acesso também à Rua da Medalha; 06) o beco do Lyceu, já na Cidade Alta, ligava a Rua da Medalha com a Rua Duque de Caxias, com seus íngremes 80 metros de comprimento e 6 metros de largura; 07) a Rua da Imperatriz com 420 metros de comprimento e inclinação superior a 5%; 08) Rua do Cajueiro com 548 metros de comprimento e 9 metros de largura, plana nos seus primeiros 100 metros, subia uma íngreme ladeira até a sua metade e continuava quase plana já na Cidade Alta (Figura 4).
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Figura 4: Vias de Deslocamento da População na Cidade da Parahyba – 1889.
Fonte: Jardim (1910; 1911). Edição: Igor Dantas.
Pode-se notar que essas vias eram quase todas perpendiculares à ribanceira localizada entre os dois planos da cidade. Vias como a Rua Barão da Passagem, saindo da Cidade Baixa em direção à Alta e que acompanham as linhas de cota da topografia da encosta entre estes dois planos da cidade, não aparecem citadas na ‘monografia’ como de uso da população para os mencionados deslocamentos. Supõe-se que, por ser mais longa do que as outras, pois, dos seus 658 metros de comprimento, 244 metros eram mais ou menos planos, e os 414 metros finais davam-se em rampa, isso dificultava o acesso à cidade Alta. Além disso, a ligação dessa via com a Cidade Alta dependia ainda das ladeiras: Travessa do Barão, Beco do Góes e Ladeira das Pedras para chegar ao seu destino. Enfim, não tendo como evitar as íngremes ladeiras, a população optava por vias mais curtas para se locomover entre os dois planos da cidade. Partindo do pressuposto de que a população de maior poder aquisitivo, que compunha a elite da cidade, residia em sobrados ou em casas térreas de alvenaria, e, ainda, que a população de baixa renda residia em casas de palha, observa-se no Quadro 1, que na área consolidada da Cidade Alta predominavam exclusivamente moradias da elite, pois não havia casas de palha, só casas térreas de alvenaria com um percentual de 87,6% e sobrados com 12,4%. Na Cidade Alta, residência da população pobre só era encontrada no declive para a Lagoa dos Irerês com 38,7% de casas de palha, e nos bairros em formação, Tambiá com 47,8% e Trincheiras com 43,8%. Na Cidade Baixa a classe menos favorecida tinha maior concentração de ocupação na área não consolidada com 53,6% de casas de palha e 32,4% no declive da cidade Alta para a Baixa.
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Quadro 1: Distribuição Quantitativa das Edificações da Cidade da Parahyba – 1889.
Fonte: Medeiros Filho (2013, p. 54). Observação: [%] – entre colchetes, é o percentual por tipo de construção – lido por coluna. {%} – entre chaves, é o percentual dos diversos tipos de construção da zona – é lido por linha.
Observa-se, ainda, no Quadro 1, que as duas áreas consolidadas dos planos da cidade ocupavam apenas 35,8% do total das edificações. Por serem sobrados e casas térreas em alvenaria, ocupadas pela elite citadina, seriam áreas de origem e destino dos deslocamentos dessa elite em suas atividades diárias, indicando que seriam áreas priorizadas por uma rede de transportes quando de sua implantação na cidade.
As demandas dos deslocamentos No final do século XIX, o uso do solo na Cidade da Parahyba estava estruturado, principalmente, com o institucional e religioso localizados na Cidade Alta. Na realidade, este uso institucional e religioso vem desde sua fundação, porque, segundo Sá (2009, p. 29), este destaque e essa visibilidade demonstravam o poder da elite que dominava a cidade e lá também residia. O uso institucional na Cidade Alta era representado por prédios públicos ali construídos, como o Palácio do Governo, a Tesouraria da Fazenda e o Paço Municipal, entre outros, responsáveis pelo 220
deslocamento dos funcionários públicos para o trabalho, que, em geral, residiam também na Cidade Alta. O uso institucional era também localizado na Cidade Baixa, em prédios como a Alfândega, a Capitania do Porto, a Estação Central, o Quartel de Linha e o Quartel de Polícia, além do Tesouro do Estado. Isto é, um uso institucional mais voltado para o transporte de mercadorias e passageiros interurbanos, além da segurança da cidade. A demanda ali produzida gerava deslocamentos de quem residia na Cidade Alta, como também na Cidade Baixa, principalmente daqueles relacionados às atividades de comércio e serviços, que, influenciados pela crescente demanda exigente da elite local por produtos modernos e importados, necessitavam transportar as mercadorias oriundas de outras cidades ou países que chegavam de navio pelo Porto do Capim ou de trem pela Estação Central. Atividades educacionais e culturais eram realizadas no Liceu, na Rua Duque de Caxias, no Palacete de Instrução Primaria, na Rua Marquês do Herval e mesmo no Teatrinho Santa Cruz, na Rua Visconde de Pelotas. Demandas que geravam deslocamentos de quem residia na Cidade Alta ou Baixa. As atividades religiosas eram realizadas em diversos templos, a maioria na Cidade Alta: a Igreja Matriz e o Convento de São Bento na Rua Marquês do Herval; as igrejas da Conceição (vizinha ao Palácio do Governo que integrava o antigo conjunto religioso construído pelos jesuítas no século XVIII), do Rosário dos Pretos e da Misericórdia, na Rua Duque de Caxias e a de São Francisco e Santo Antônio no seu final; a Igreja e Convento do Carmo e da Ordem 3ª do Carmo na Rua Visconde de Pelotas; a Igreja das Mercês no Largo das Mercês; Mãe dos Homens em Tambiá; Igreja do Bom Jesus dos Martírios na Rua das Trincheiras. A Cidade Baixa era representada pela Igreja São Pedro Gonçalves, atraindo os devotos que residiam nas suas imediações. A demanda dos fiéis católicos gerava pequenos deslocamentos, pois, em sua maioria, tinha sempre uma igreja nas imediações de suas residências. Na área de encosta e no limite entre as áreas consolidada e não consolidada da Cidade Baixa, um espaço público e seus edifícios – os três imponentes prédios em arquitetura neoclássica no Campo do Conselheiro Diogo (Figura 5) – foram elementos que, na segunda metade do século XIX, nortearam a expansão do tecido urbano naquela direção, aproveitando a existência do caminho já 221
existente desde o século XVII, que levava da Cidade Baixa até a Igreja do Rosário dos Pretos, na Rua Duque de Caxias. Sobre eles, Moura Filha (2000, p. 159) destaca: Assim como o teatro, os prédios do Quartel de Linha e do Tesouro Provincial, filiavam-se ao neoclássico, e estando reunidos em um mesmo espaço urbano, chamavam a atenção perante a cidade que, em geral, possuía uma arquitetura ainda muito modesta. Esses três edifícios atuaram como elemento definidor da imagem do Campo de Conselheiro Diogo, pois ao ocuparem as faces do logradouro, delimitaram visualmente seu espaço, servindo como pano de fundo para este cenário transformado em um dos mais representativos da capital paraibana do final do século XIX. Essa praça, abrigando equipamentos cujas funções a que se destinavam eram relevantes para a cidade, destacava-se pela própria concepção do seu espaço, estruturado a partir da reunião desses monumentos que, diante das pequenas proporções do casario do entorno, sobressaíam-se como pontos focais da paisagem (MOURA FILHA, 2000, p. 159-160).
Figura 5: Praça Pedro Américo – 1910 (antigo Campo do Conselheiro Diogo).
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O Campo do Conselheiro Diogo gerava para a Cidade Baixa, deslocamentos da população para a contemplação de sua bela paisagem, ampliando ainda mais a demanda da elite citadina por transporte naquela direção.
Fonte: Moura (2006, p. 62).
Mas a grande demanda de deslocamentos para a Cidade Baixa se dava em função das atividades comerciais, em ruas como a Conde D’Eu e adjacentes. Sobre essas atividades Rodriguez (1994), faz um convite ao leitor e, retrocedendo no tempo e no espaço, escreve: A cidade é pequena, nem precisamos de transporte rápido; poderíamos nos utilizar dos pitorescos bondezinhos da “Ferro-Carril” puxados a burro, porém existe o inconveniente de assim não podermos percorrer todas as ruas, para que [...] você veja através do meu sentir, a comunidade paraibana que viveu no ano de 1899. [...]. Vamos começar a nossa peregrinação [...] pelo Varadouro (RODRIGUEZ, 1994, p. 48).
E assim Rodriguez (1994, p. 47-66) descreve como no final do século XIX, na Cidade Baixa, as atividades comerciais eram realizadas, onde tudo podia ser encontrado e comprado, suas localizações e proprietários. Em ruas como a Conde d’Eu, conhecida como ‘a Rua do Comércio’, Visconde de Inhaúma e Barão do Triunfo, só para citar algumas, comprava-se de tudo: desde carnes nos açougues ali existentes até roupas e calçados nas lojas especializadas, com os últimos lançamentos da moda do Rio de Janeiro ou de Paris. Padarias, armazéns de secos e molhados, de estivas, de ferragens, junto com alfaiatarias, lojas de fazenda a retalho, barbearias, fábricas de cigarros e charutos eram ali encontrados. No Varadouro, encontrava-se casa de louça e vidros com material de escritórios, junto com oficinas de tipografia, litografia e encadernação. Farmácias e lojas de joias que faziam também consertos de relógios, junto com refeitórios, hotéis, entre outros serviços e mercadorias. Outros autores, como Chagas (2004), ao falar sobre modernidade na cidade da Parahyba, descreve o dia a dia da população nas compras: Os anúncios jornalísticos indicavam as ruas do Varadouro como o espaço ideal para quem desejasse encontrar as novidades na arte de apresentar-se publicamente. Nesse bairro, a modernidade estava estampada nas vitrines das lojas, no vai-e-vem dos transeuntes e no desce e sobe de
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pessoas residentes nos bairros das Trincheiras e Tambiá. [...] a Rua Maciel Pinheiro (antiga Rua do Comércio e das Convertidas), junto com a Barão do Triunfo, além das ruas adjacentes, compunham o centro comercial do Varadouro. O vai-e-vem de transeuntes a admirarem as vitrines das lojas e a comprarem os produtos expostos e anunciados começava no final da ladeira do São Francisco e se estendia até a antiga Rua da Imperatriz, atual Rua da República (CHAGAS, 2004, p. 123).
As distâncias a percorrer nos deslocamentos diários eram relativamente curtas pelas dimensões das vias principais da cidade. Usando-se uma escala gráfica na planta da Cidade da Parahyba (Figura 1), percebe-se que era possível passar uma circunferência com raio de aproximadamente 800 metros de comprimento pelos pontos mais distantes do centro da cidade. Mesmo em condições diferenciadas – como clima, topografia, traçado das ruas, por exemplo – o que chama atenção era que a distância média do seu centro físico para os pontos extremos da cidade, era bem inferior ao descrito por Chudacoff2 (1977) nas cidades americanas prémodernas. Daí se questionar se para percorrer as distâncias dos deslocamentos da população, justificava-se a implantação de um serviço de transporte urbano. Nada que uma caminhada a pé, a cavalo ou a charrete, não resolvesse, para ir dos pontos de origem e destino da população, mesmo depois do desaparecimento do meio de transporte com o uso da mão de obra escrava, “rede ou cadeirinha”3, que, após a Lei Áurea, deixou de existir. Na maioria das cidades brasileiras, as distâncias dos deslocamentos intraurbanas, de fato, exigiam a existência de um sistema de transporte coletivo que diminuísse o tempo de deslocamento da população. Stiel (1984) cita alguns exemplos: no Rio de Janeiro, em 1876, a linha da Botanical Garden Rail Road Company já contava com 23.357 m e a Street Railway Company chegava a 37.896 m em 1873; em Porto Alegre, a Companhia Carris de Ferro Porto-Alegrense em 1872 teve extensão inicial de 16.820 m e passou a 32.000 m no final de 1890; em 1893, a Companhia Carris Urbano de Porto Alegre, com bitola de 1,435 m, chegou a 15.000 m de linha. 224
Na pequenina Cidade da Parahyba, a implantação de serviços urbanos modernos, já existentes em outras capitais brasileiras, era o grande anseio da elite citadina na passagem do século XIX para o XX. Para Chagas (2004), os serviços urbanos tornariam a Cidade da Parahyba “o lugar dos encontros e desencontros, ou seja, da sociabilidade e afirmação da modernidade” (CHAGAS, 2004, p. 5). Eram necessários o uso e a permanência das elites no espaço público, de forma que a modernização se mantivesse e elas pudessem mostrar o quanto eram modernas. A rua deixaria de ser o lugar de todos os citadinos, para ser de alguns, o que implicaria no afastamento das classes pobres para os arredores da cidade. Mas desses sonhados serviços, só o bonde a burro foi implantado no final do século XIX, beneficiando a elite local e dando a entender que esta elite, ao perder o serviço de transporte, cuja força motriz era o escravo – libertados em 1888 – não estava a fim de colocar seus pés na poeira em época de verão ou na lama em período de chuvas, trocou o escravo pelo burro, com a implantação do bonde a tração animal.
O bonde a burro implantado na Cidade da Parahyba A primeira ação do poder público para implantação de um transporte urbano coletivo na capital paraibana se deu em meados da década de 1880, com a mensagem do Presidente da Província à Assembleia Provincial (MENSAGEM, Dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira, 1886, p. 54) solicitando autorização para a implantação de um sistema de carris urbanos, por achar que a capital não se desenvolvia por causa da falta de um meio de transporte. Para ele, a população escolhia residir em pequenos espaços, próximos das principais vias de circulação, como a Rua Duque de Caxias, para evitar longas caminhadas, caso fosse residir nos belíssimos arrabaldes das Trincheiras e do Tambiá. A maioria dos comerciantes residia no Varadouro, onde tinha o comércio, para não fazer grandes viagens urbanas a pé, descendo e subindo ladeiras. Uma linha de carris urbanos, com tração animal que, percorresse as principaes ruas da capital, certamente transformaria as condições da vida da cidade. Poderia a
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Figura 6: Proposta de implantação da primeira linha de bonde a burro – 1886.
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linha partir do largo da capitania e subir pela rua Conde d’Eu e do Barão do Triumpho, atravessando o largo fronteiro ao Thesouro, e d’ahi alcançar a cidade alta, ou directamente pela ladeira do Rosario, ou fazendo volta por traz do Palácio da Presidencia para attingir á rua Duque de Caxias e tomar depois a direcção da igreja da Mãe dos homens, no Tambiá. A empreza pode iniciar-se modestamente e augmentar o material á proporção dos lucros realizados. Objectam alguns que a receita não dará para a despeza; essa objecção banal foi levantada tambem por occasião de surgir a opulenta linha de Carris de Botafogo, no Rio de Janeiro. Diversas pessoas me tém assegurado, de resto, que não duvidarão emprehender o serviço, si lhes forem asseguradas boas vantagens. Convem que habiliteis a Presidencia a fazer a concessão com prazo longo e os favores compatíveis (MENSAGEM, 1886, p. 55) (Figura 6).
Fonte: Mensagem (1886, p. 55). Desenho da linha e Edição: Igor Dantas.
Dez anos depois, o governo do Presidente Álvaro Machado vislumbrou a possibilidade de um empreendimento que unisse os recursos públicos com os privados dos produtores de algodão. Afinal de contas, para ele, como chefe político de uma oligarquia que esteve no poder paraibano por mais de 20 anos (CARNEIRO, 2009, p.107-144), implantar um serviço urbano que representasse a modernidade na capital do estado, decerto, resultaria em dividendos eleitorais inestimáveis. Afinal, entre os principais serviços modernos, como o transporte urbano, luz elétrica e água encanada, o bonde anunciava, pelos seus itinerários, que a cidade se expandia e que as necessidades da população em se locomover eram atendidas. Era um serviço urbano “visível”. Representava sinal de mudanças, de modernidade. Viajar, ou passear, por um quarto de hora ou por meia hora ao lado de um desconhecido, sem dirigir-lhe a palavra, ou então trocar conversa formalmente sobre a política ou os costumes, com alguém que não se sabe exatamente quem é, era o sinal de novos tempos que o bonde poderia proporcionar. [...] O bonde era associado à idéia de cidade maravilhosa, organizada e asseada. Ao vê-lo passar, o habitante citadino podia admirar-se com o desenvolvimento tecnológico que sua cidade alcançara, e quando nele andava, era participante e testemunha desse progresso (NASCIMENTO, 1996, p. 11 e 41).
Diferente da maioria das outras capitais brasileiras, na Cidade da Parahyba só existiu uma companhia de ferro-carril para explorar o serviço de bonde a tração animal. Essa companhia foi também diferenciada no seu nascedouro, ao juntar verbas públicas com recursos privados oriundos da produção de algodão. Segundo Rodriguez (1994, p. 179), com investimento das companhias de algodão Aron Cahn & Cia e Cahn Frères & Cia e a participação do poder público, tendo o Estado como principal acionista, em uma reunião na Associação Comercial no dia 19 de abril de 1895, foi criada a Companhia Ferro-Carril Parahybana. Em Mensagem lida para a Assembleia Legislativa, em 15 de fevereiro de 1896, o Presidente do Estado da Parahyba, Major Dr. Álvaro Lopes Machado, escreveu: “[...] contribue o Estado como o maior accionista da Empreza Ferro-Carril da Parahyba 227
[...]” (MENSAGEM, 1896, p. 13)4. Nessa mensagem, o Presidente falou da satisfação do governo na parceria com a iniciativa privada para implantação do bonde na capital paraibana, informando o adiantamento das obras e o material – já comprado – para a instalação e a caminho do Porto do Estado: Na ultima sessão vi com satisfação correspondido o meu apello, no sentido de ser auxiliada a construcção d’uma linha de bonds na nossa capital, entrando o Estado como accionista. Posso vos dizer que tão grandioso melhoramento vae sendo realisado, e achando-se adiantadas as obras e de viagem para o nosso porto o material comprado na Allemanha (MENSAGEM, 1896, p. 18).
No decorrer do ano de 1895, os jornais da época solicitavam aos acionistas da Companhia Ferro-Carril Parahybana o pagamento das cotas, como o divulgado em 20 de dezembro de 1895, no jornal Gazeta do Commercio, que publicou o edital da 4ª chamada de capital da companhia com os seguintes termos: De ordem do Sr. Diretor Presidente, são convidados os Srs, accionistas, a realisar o pagamento de suas prestações de 20% (vinte por cento) ao Sr. Diretor Thesoureiro, Antonio de Brito Lyra, a contar da presente data e no praso de 30 dias. Parahyba, 12 de dezembro de 95. Augusto Gomes e Silva. Diretor-Secretario. (JORNAL GAZETA DO COMMERCIO, 1895, p. 2).
O escritório da Companhia Ferro-Carril Parahybana começou a ser construído em 24 de agosto de 1895, ao lado da antiga estação da Estrada de Ferro Conde d’Eu, no Largo da Gameleira.
As linhas implantadas do bonde a burro Na implantação do sistema de bondes, a Companhia FerroCarril Parahybana começou instalando, inicialmente, os trilhos que ligavam o Largo da Gameleira, na Cidade Baixa, com a Igreja do Rosário dos Pretos, na Cidade Alta, através da Rua Barão da Passagem (Figura 7). A rua escolhida era uma via natural para 228
esta ligação, pois contornava a ribanceira do desnível existente na cidade. Segundo Tinem e Carvalho (2005, p. 6), essa subida do relevo pela Rua Barão da Passagem tinha uma inclinação menor, permitindo, portanto, um melhor trânsito, em comparação com as ladeiras existentes para tal fim, pois era uma subida sinuosa em relação à declividade. Além disso, era uma das mais importantes vias onde residiam as famílias de grande parte dos comerciantes da cidade. Era por ela que passavam os préstitos, as procissões, passeatas e cordões carnavalescos (MEDEIROS, 1994, p. 117). Este percurso foi descrito por Andrade e Garcia (1987), a partir de entrevista do Prof. Mário Glauco Di Láscio, como sendo o primeiro percurso do bonde a tração animal para a Linha Comércio: partia da antiga Igreja do Rosário dos Pretos, descia a Ladeira do Rosário, dobrava à direita, no Grupo Escolar Dr. Thomas Mindello, descia e percorria toda a Rua Barão da Passagem, descia na Rua Visconde de Inhaúma, passando pela Praça de D. Pedro II, até o Largo da Gameleira, onde a Companhia Ferro-Carril Parahybana tinha o seu escritório. A volta pelo caminho inverso tinha o inconveniente da subida da ladeira da Rua Barão da Passagem (Figura 7), que com o bonde repleto de passageiros, os animais tinham dificuldades na subida seguinte, a ladeira do Rosário, motivo da rápida desativação daquele percurso, segundo Andrade e Garcia (1987, p. 17). Sobre as dificuldades da subida do bonde na ladeira da Rua Barão da Passagem, Medeiros (1994) fala da solução apresentada pela companhia responsável: A Ferro-Carril a distinguiu com os seus trilhos e seus bondezinhos arrastados por quatro ou seis burros, embora a subida dos carros se fizesse por um desvio pela rua Santa Rosa, recurvando-se para a rua do Fogo. A impraticabilidade do tráfego cedo se manifestou e os trilhos foram desviados para a Estrada do Carro, de rampa mais suave. E a rua dos abastados foi decaindo e tornando-se triste, e hoje tem aquela feição modorrenta de quem vive a sonhar com a ventura arrebatada pelo progresso (MEDEIROS, 1994, p. 117).
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Figura 7: Primeira implantação da Linha Comércio – 1896.
Fonte: Andrade e Garcia (1987, p. 17); Medeiros (1994, p. 117). Desenhos das linhas: Igor Dantas.
Não há registro fotográfico da linha de bonde na Rua Barão da Passagem. A exceção é a fotografia de 1920 – quando o sistema de bonde já era de tração elétrica, cujas linhas eram as mesmas do sistema a tração animal – que destaca o encontro de trilhos em frente ao Grupo Escolar Dr. Thomas Mindello (Figura 7). É uma comprovação do percurso acima citado. Nessa foto, são visíveis os trilhos descendo pela Rua do Fogo e também curvando à direita em direção à Rua Barão da Passagem. Este pequeno trecho é o que sobrou do percurso pela Rua Barão da Passagem, pois todo o restante foi retirado para pequenas ampliações ou desvios construídos ao longo do sistema. Segundo comentário do Prof. Mario Glauco Di Láscio5, em vários pontos do percurso, existia pequenos desvios, chamados de espera ou descanso, que serviam 230
para esperar a passagem de outros bondes no sentido contrário e também para consertos rápidos de bondes em tráfego. Quando da retirada dos trilhos da Rua Barão da Passagem, esse pequeno trecho passou a ser utilizado como ponto de espera, tanto no sistema a tração animal como no de tração elétrica. O desvio da Linha Comércio pela Rua Santa Rosa (Figura 7), como descrito por Medeiros (1994, p. 117), para passar em frente ao Quartel de Linha e subir pela Rua do Fogo até a Igreja do Rosário dos Pretos, não foi uma solução definitiva. Segundo Rodriguez (1994), em poucos dias, o percurso foi alterado desde o Largo da Gameleira: Partindo da Praça Álvaro Machado, a linha passava pela Praça Pedro II (atual 15 de Novembro), subia a Visconde de Inhaúma, curvando à direita pela Rua do Comércio (posteriormente Maciel Pinheiro); subia a curva, à esquerda, pela Estrada do Carro (depois da guerra civil de Canudos denominada de Rua Barão do Triunfo), passando em curva, à direita, pela frente do antigo Quartel do 27º Batalhão de Linha, no Largo Cel. Bento da Gama, (na atualidade, Praça Pedro Américo), e daí curvando, à esquerda, subia a Rua do Fogo (Avenida Guedes Pereira dos nossos dias), para tornar a fortemente íngreme Ladeira do Rosário (RODRIGUEZ – 1994, p. 181).
O percurso descrito para a Linha Comércio, como provisório por Rodriguez (1994, p. 181), com cerca de 1.200 metros de comprimento, tornou-se a melhor opção para o percurso e passou a ser definitivo. A Companhia Ferro-Carril Parahybana implantou mais duas linhas: 01) a Linha Tambiá, que, semelhante à Linha Comércio, fazia o mesmo percurso até a Igreja do Rosário e ali, dobrando à esquerda, seguindo pela Rua Duque de Caxias por mais 550 metros, após passar pela Rua São Francisco, ia até o Campo do Conselheiro Henriques, onde terminavam os trilhos em frente ao Convento e à Igreja do Carmo; 02) a Linha Trincheiras seguia o mesmo traçado da Linha Comércio e Tambiá até a frente da Igreja do Rosário, onde curvava a direita e percorria mais 600 metros, seguindo pela Rua Duque de Caxias, passando na lateral do Campo do Comendador Felizardo, como também na frente do Liceu, da Igreja do Colégio e do Palácio do Governo, antes de seguir pela Rua 231
Trincheiras até a Igreja do Bom Jesus dos Martírios onde terminava a linha (Figura 8).
Figura 8: Linhas Comércio, Tambiá e Trincheiras – 1896.
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Fonte: Rodriguez (1994, p. 181). Desenhos das linhas: Igor Dantas.
A ligação da capital paraibana com outras cidades tinha como principais portas de entrada e saída, o trem, cuja Estação Ferroviária Great-Wertern estava localizada no Largo da Gameleira, e o navio pelo Porto do Capim, localizado nas proximidades da Praça de D. Pedro II. A escolha do ponto inicial do bonde no Largo da Gameleira, cuja linha atravessava toda a Praça de D. Pedro II, é explicada pela integração que ele gerava com esses modos de transporte. Facilitava os deslocamentos da população citadina de maior poder aquisitivo, que utilizava o trem ou navio, para as suas viagens interurbanas. Os caixeiros viajantes que chegavam à cidade por esses modos de transporte, e cuja demanda serviu para a implantação dos serviços de hospedagem nessa área e adjacências, se beneficiavam do bonde. Com o terminal próximo do seu desembarque e hospedagem, tinha ainda o bonde trafegando pela Rua Conde d’Eu, na época, o grande centro comercial da cidade e principal área de suas atividades. Quanto à saída do bonde da Rua Barão da Passagem, de uso residencial, para a Rua Conde d’Eu, de uso comercial, além das questões físicas da via, já explicadas anteriormente, a própria atividade comercial pode ser vista como responsável pela mudança, pois o comércio necessita da acessibilidade para a sua sobrevivência e desenvolvimento, assim como as vias de maior acessibilidade tendem a atrair as atividades de comércio e serviços. Da Rua Conde d’Eu, o bonde dobrava à esquerda, entrando e percorrendo toda a Rua Barão do Triunfo, cujo uso do solo era também comercial e dava acesso ao Campo do Conselheiro Diogo, uma área de lazer. É importante observar que este traçado atravessava a parte central da área consolidada da Cidade Baixa, cujas ruas adjacentes às do Conde d’Eu e Barão do Triunfo funcionavam como áreas de expansão do setor comercial e de serviço, fruto da acessibilidade criada pela presença do bonde. O percurso do bonde após sair da Rua Barão do Triunfo e seguir pelo Campo do Conselheiro Diogo, tinha na Enfermaria Militar e no Quartel de Linha, demandas de viagens pelas atividades ali realizadas, e quando seguia pela Rua do Fogo, atendia o Tesouro do Estado, e, após subir a Ladeira do Rosário, chegava à Igreja do Rosário dos Pretos, onde havia o ponto terminal do bonde da Linha Comércio. As duas outras, seguiam, uma a esquerda, a Linha 233
Tambiá e a direita, a Linha Trincheiras, com destino aos bairros residenciais de mesmo nome das linhas. A passagem do bonde pela Rua Duque de Caxias em direção a Tambiá beneficiava diretamente os moradores dos vários sobrados e casas de alvenaria, a maioria já registrada por Vicente Gomes Jardim, na sua monografia de 1889. Tinem (2005, p. 93) comenta a importância dessa rua, que, além de conter a presença eclesiástica através das principais igrejas da cidade e órgão públicos, abrigava nos seus sobrados e casas de alvenaria, as habitações destinadas à classe de alta renda. A Linha Tambiá veio facilitar o deslocamento dessa população que residia na parte norte da Rua Duque de Caxias, como também os habitantes do próprio bairro Tambiá, em formação na época. Do ponto inicial, na Praça Álvaro Machado, tinha um percurso total de 1.750 metros. Já a Linha Trincheiras que ao chegar à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos na Rua Duque de Caxias, seguia pelo lado direito da via, passando em frente ao Palácio do Governo, seguindo pela Rua das Trincheiras até as imediações da Igreja do Bom Jesus dos Martírios, onde ficavam as pontas dos trilhos. O seu percurso total era em torno de 1.800 metros. Quem necessitasse cruzar a cidade do sul a leste de bonde, isto é, do final da Linha Trincheiras até o final da Linha Tambiá, percorria um trecho em torno de 1.150 metros. As vias urbanas usadas pelo bonde a burro continuaram sendo as mesmas após a mudança para a tração elétrica. Estudo iconográfico, com fotografias dos dois sistemas, confirma o traçado original das primeiras linhas de bonde instaladas na Cidade da Parahyba (Figura 9).
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Fonte: Informada em cada fotografia. Desenho das linhas e Edição: Igor Dantas.
Figura 9: Estudo iconográfico das linhas Comércio, Tambiá e Trincheiras.
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As mudanças para melhorar a fluidez do sistema de bonde
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Das modificações executadas, a primeira delas foi a saída da Linha Comércio, da Rua Barão da Passagem para a Rua Conde d’Eu e a Barão do Triunfo, como já foi abordado anteriormente. A segunda, ainda no início da implantação do sistema, foi o desvio implantado que contornava o quarteirão formado pelas vias: Rua Duque de Caxias, Beco do Barão, Pátio das Mercês e Beco do Rosário. A frente da Igreja do Rosário terminou sendo o principal entroncamento das linhas e ficou conhecida como Ponto de Cem Réis, pois, neste ponto, era cobrada mais uma passagem para os bondes com destino aos bairros de Tambiá ou Trincheiras, cujo preço era de cem réis. Para facilitar o retorno do bonde da Linha Comércio ao ponto inicial do Largo da Gameleira, foi executado o desvio que começava logo após a subida da Ladeira do Rosário, quando bifurcava à direita e seguia pela Rua Duque de Caxias, bifurcava em seguida à esquerda na primeira esquina, onde os trilhos entravam no Beco do Barão, saíam curvando à esquerda, percorrendo o Pátio das Mercês, e, na primeira esquina, novamente à esquerda, entrava no Beco do Rosário, oitão da Igreja do Rosário, chegando novamente à Rua Duque de Caxias, contornando, assim, todo o quarteirão e pronto para descer a Ladeira do Rosário em direção à Cidade Baixa (Figura 10). Andrade e Garcia (1987, p.19) descrevem este desvio como sendo uma pequena variação da Linha Trincheiras. Pode-se concluir que esse desvio serviu para facilitar as manobras dos bondes das três linhas que tinham um ponto de conflito nas imediações da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Mas é fácil deduzir que a linha mais beneficiada e que contornava, de fato, o quarteirão, usando o desvio para retornar à Igreja do Rosário, era a Linha Comércio. “Não há lógica a Linha Trincheiras usar este desvio para contornar um quarteirão, já estando ela em direção ao seu destino” (MEDEIROS FILHO, 2013, p. 101). Subir a Ladeira do Rosário, seguir pelo Beco do Rosário e contornar o citado quarteirão no sentido horário, vai de encontro ao que está mostrado na fotografia do Pátio das Mercês (Figura 10), que registra um bonde a burro saindo do Beco do Barão, movimentando-se pelo Pátio das Mercês, para contornar o referido quarteirão no sentido anti-horário e voltar à Cidade Baixa sem grandes conflitos com as demais linhas.
Figura 10: Detalhe da Linha Comércio no Pátio das Mercês.
Fonte: Medeiros Filho (2013, p. 102). Desenho e Edição: Igor Dantas.
O percurso definitivo dessas três linhas implantadas não foi mudado ao longo dos 18 anos de funcionamento do sistema a tração animal, apenas recebeu algumas ampliações neste período, como abordaremos neste capítulo. A Ladeira do Rosário era muito íngreme e foi sempre uma preocupação dos dirigentes da Companhia Ferro-Carril Parahybana de como deveria melhorar o sistema de bondes naquele ponto. O bonde com carga total já saía do seu ponto inicial, no Largo da 237
Gameleira, com duas parelhas de animais. Quando se aproximava da Igreja do Rosário era atrelado ao bonde mais burros, “para ajudarem os que vinham puxando o bonde do Comércio, na subida da Ladeira do Rosário” (RODRIGUEZ, 1994, p. 185). “Após a subida, os burros de ajuda eram desatrelados e voltavam sozinhos à ponta da ladeira, aguardando novo veículo” (STIEL, 1984, p. 153). Esses animais ficavam descansando em uma cocheira na antiga Travessa da Macaíba ali próximo. Em Mensagem do Presidente do Estado, Doutor Álvaro Lopes Machado, de 20 de outubro de 1905 à Assembleia Legislativa, entre as várias obras de melhoramentos já executadas e as que ainda estavam sendo concluídas, citou o rebaixamento da ladeira do Rosário, como solução para melhorar as condições da viação urbana (MENSAGEM, Álvaro Lopes Machado, 1905, p. 14-15). O rebaixamento permitiu aos bondes voltarem a subir a ladeira completamente cheios e puxados por quatro burros para dezesseis passageiros (RODRIGUEZ, 1994, p. 185).
As ampliações das linhas devido à sua dinâmica urbana Ao longo do período do bonde a tração animal como transporte coletivo urbano na Cidade da Parahyba, as poucas modificações ou ampliações executadas no sistema foram para dar uma melhor dinâmica às linhas ou prolongá-las, visando a um melhor atendimento aos usuários da classe alta, os demandantes do sistema. A primeira grande ampliação do sistema de bonde a burro ocorreu no início do século XX, com o prolongamento da Linha Trincheiras. Rodriguez (1994) relata a ampliação, descrevendo como se deu a inauguração em uma tarde de agosto de 1902: Do ponto de parada na Rua Maciel Pinheiro, às 3 horas da tarde, do dia 24 de agosto de 1902, partiram dois carros conduzindo a banda de música da Escola de Aprendizes Marinheiro e os convidados pela gerência da citada Ferro-Carril, para a inauguração do novo trecho de prolongamento da linha de Trincheiras. Satisfeito com o acontecimento, de vez que o final da linha chegava em frente a sua residência, o Sr. Neófito Bonavides
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ofereceu aos presentes uma refeição apropriada à hora e regada a cerveja. O gerente Augusto Camará, depois de percorrer o aludido prolongamento declarou inaugurado. No ponto referido, permaneceu a banda de música da Escola de Aprendizes Marinheiro, executando várias peças do seu repertório que se prolongou até a noite (RODRIGUEZ, 1994, p. 184).
Na literatura consultada, o assunto é tratado por Stiel (1984, p.153) ao comentar a ampliação da Linha Trincheiras, citando como fonte o livro “Roteiro sentimental de uma cidade” de Walfredo Rodriguez. Outra fonte, Andrade e Garcia (1987, p. 27), ao tratar do assunto, cita os manuscritos de Walfredo Rodriguez, informando que o prolongamento da linha foi de cerca de 370 metros de distância, até a residência do Senhor Neófito Bonavides. Sobre esse assunto, o Professor Mario Glauco Di Láscio, em entrevista, ao autor, esclareceu que não procedem as informações de Rodriguez (1994, p. 184), pois frequentou a residência do Senhor Neófito Bonavides como aluno de sua filha – a professora do curso primário na década de 1930, Maria Tércia Bonavides Lins6. A escola funcionou na própria residência da Rua das Trincheiras, em uma casa que já não existe mais e era localizada em frente à atual Empresa de Telecomunicações Embratel, no trecho do quarteirão entre a Av. João Machado e a Rua Irineu Jofilly dos dias de hoje. A casa ficava a cerca de 80 metros de distância da antiga Igreja do Bom Jesus dos Martírios, portanto, mesmo antes da execução da ampliação da Linha Trincheiras, o seu terminal já era muito próximo da referida casa. Chega-se à conclusão que a refeição oferecida pelo Sr. Neófito Bonavides aos convidados, para comemorar a inauguração do prolongamento da linha, não teria sido pela satisfação das pontas dos trilhos em frente à sua residência, como descreve Rodriguez (1994, p. 184), muito menos que seria um percurso com comprimento de cerca de 370 metros, como descreve Andrade e Garcia (1987, p. 27). Para Láscio (2013), o prolongamento da Linha Trincheiras deu-se em função da feira livre do bairro de Jaguaribe, cuja distância para a Igreja do Bom Jesus dos Martírios era da ordem de 700 metros de comprimento.
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E, ainda, o terminal da linha do bonde na ĂĄrea da feira era o Ăşnico do sistema de transporte a burro da cidade em que havia uma rotatĂłria para retorno do bonde7. Tal prolongamento faz sentido a
Figura 11: Prolongamento da Linha Trincheiras - 1902.
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Fonte: Medeiros Filho (2013, p. 108). Desenho da linha: Igor Dantas.
partir do momento em que a elite local, consumidora dos produtos da feira, necessitava de transporte que facilitasse essa atividade de compras (Figura 11). A citada feira localizava-se no cruzamento da antiga Avenida São Paulo, que dava acesso à estrada para a cidade de Recife, com a Rua do Hipódromo, hoje a Avenida 1° de Maio e a Avenida 12 de Outubro, onde foi construída a Praça General João Neiva, em uma área popularmente chamada de “pátio da feira”, em Jaguaribe8, bairro ainda em formação na época, anexo ao das Trincheiras. A área era assim conhecida, pois, toda quarta-feira, realizava-se uma feira livre, abastecida com produtos dos sítios próximos e muito frequentada pela elite da cidade. A ‘Feira de Jaguaribe’, como ficou conhecida, existe ainda hoje em outro local do bairro, em um mercado público construído no final da década de 1960, localizado à Rua Generino Maciel, próximo à Mata do Buraquinho. A participação da população mais abastada nas decisões das melhorias da cidade em atendimento a sua necessidade, como o prolongamento da Linha Trincheiras do bonde até a feira de Jaguaribe, pode ser vista em outros exemplos, como as ações de modernização da Cidade da Parahyba na gestão do Prefeito Otacílio Albuquerque (1908/1911). Chagas (2004, p. 237) informa que o referido prefeito, ao não incluir o bairro de Jaguaribe e seus moradores nas ações de modernização da cidade, “[...] levou alguns segmentos da elite a utilizarem a imprensa para reivindicar alguma melhoria de acordo com o nível de qualidade de vida dos que lá residiam”. Chagas (2004) lembra que um abaixo-assinado foi publicado no jornal católico A Imprensa, no qual “[...] os consumidores da feira existente no bairro de Jaguaribe recorrem a esse jornal para reivindicar melhorias na condição do espaço público onde semanalmente ocorria a feira livre” (CHAGAS, 2004, p. 237). E o Jornal A Imprensa publicou matéria em sua página 4 da edição de 30 de maio de 1913, lembrando que a feira, há muito tempo realizada, às quartas-feiras, na Praça General João Neiva, entre Jaguaribe e Trincheiras, interessa a diversos setores urbanos e é importante para o comércio de mercado ou de feira. Lembram os signatários que, se o prefeito atendesse o pedido de melhorias – como construir abrigos para a venda de produtos que não possam estar expostos ao sol e à chuva, como também calçar toda a mencionada praça, que, durante a estação invernosa, transforma241
se em um grande lamaçal – estaria prestando um valioso serviço à capital do Estado. O interesse do jornalista de A Imprensa em publicar notícia acerca dessa questão não era a melhoria de condições de vida para as classes pobres residentes no bairro de Jaguaribe, mas chamar a atenção do prefeito para as condições insalubres nas quais a feira ocorria, sobretudo porque era o local onde as elites residentes no Centro e no bairro das Trincheiras adquiriam os gêneros alimentícios de que necessitavam. Essa situação tornava o referido local incompatível com a manutenção da cidade moderna (CHAGAS, 2004, p. 238).
Portanto, se a elite citadina tinha poderes para interferir na citada feira, como mostrado acima, decerto, tinha forças para exigir do poder público que o único transporte urbano da cidade chegasse até a feira para facilitar as suas necessidades de compras. No início do século XX, a Cidade da Parahyba, para o lado de Tambiá, já havia ultrapassado os limites do Convento do Carmo, com seus sítios e chácaras sendo incorporados ao núcleo urbano. Uma demanda para instalação dos trilhos do bonde foi gerada acompanhando esse crescimento da capital. “E foi, então, por essa época, prolongada a linha de Tambiá até o sítio Cruz do Peixe, local onde foi instalada a sede da estação. Era uma nova conquista, abrindo espaço para que a cidade crescesse e se desenvolvesse. ” (ANDRADE; GARCIA, 1987, p. 27 - 28). O período acima mencionado corresponde a meados da primeira década do século XX. A partir do Convento do Carmo, até este sítio, o prolongamento foi de cerca de 1.450 metros de comprimento, dos quais, até a Igreja Mãe dos Homens, eram 500 metros. Esse prolongamento aconteceu antes da encampação da Companhia Ferro-Carril Parahybana pelo Governo do Estado (Figura 12). Sobre a encampação da Companhia Ferro-Carril Parahybana pelo Governo do Estado, na sessão de 17 de setembro de 1906 da Assembleia Legislativa do Estado da Parahyba do Norte, o projeto aprovado gerou a minuta de decreto com os seguintes termos:
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A Assembléa Legislativa do Estado da Parahyba do Norte. Decreta: Art. 1°. Fica o Presidente do Estado autorizado a encampar a “Companhia Urbana Ferro Carril desta
Fonte: Medeiros Filho (2013, p. 114). Desenho da linha: Igor Dantas.
Figura 12: Prolongamento da Linha Tambiá – 1906 .
Capital para o que promoverá as operações que julgar mais proveitosas aos interesses do Estado. Art. 2º. Para a execução da presente lei abrirá o Poder Executivo os créditos necessários. Sala das Sessões, 15 de setembro de 1906. Assinaturas do Presidente, 1° Secretário e 2° Secretário (FUNESC-PB, Arquivo Histórico Waldemar Duarte).
Em setembro de 1906, o governo do Presidente Monsenhor Walfredo Soares dos Santos Leal9 encampou a Companhia FerroCarril Parahybana. Em Mensagem à Assembleia Legislativa em 1º de setembro de 190710, o Presidente falou que, dando cumprimento ao Decreto Lei nº 248 de 18 de setembro de 1906, encampou a Companhia Ferro-Carril Parahybana pagando pela compra a
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importância de 42:492$640. A administração da Companhia esclareceu que a empresa estava em péssimas condições de conservação, só possuindo 59 burros magros e fracos, 07 carros de passageiros e 02 de carga e, após a venda, já prosperou, tendo aumentado para 70 o número de animais, construído mais um carro de passageiro e melhorado o material rolante, entre outros elementos. O serviço de transporte urbano gerenciado pelo Estado não significou lucros nem melhoramentos no sistema. Para a elite, o que interessava era apenas a garantia de que o transporte de bonde a tração animal continuaria a existir e atender às necessidades de deslocamento dessa elite pela cidade. Se o bonde funcionava com os funcionários pagos pelo governo estadual ou não, se havia quem cuidasse da alimentação dos animais do sistema, ou não, não interessava. Também não estava em questão se a companhia dava lucro ou déficit. O importante era o serviço continuar existindo.
Considerações Finais
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Embora já fosse um sistema obsoleto em cidades como o Rio de Janeiro e Salvador – pois já contavam com o bonde elétrico – o bonde a burro implantado na Cidade da Parahyba era visto como moderno. A visão dos trilhos implantados, mesmo nas estreitas ruas coloniais da capital paraibana, representava essa modernidade. Afinal, como disse Nascimento (1996, p. 44), o bonde estava associado à ideia de cidade maravilhosa, organizada e asseada. Ao vê-lo passar, o habitante da cidade podia admirar-se com o desenvolvimento tecnológico que sua cidade alcançara e, quando nele andava, era participante e testemunha desse progresso. Se em um primeiro momento o sistema de bonde foi desnecessário, ao ser implantado, atendeu a população citadina ao trafegar por ruas da Cidade Baixa onde se localizavam os terminais modais de transporte da época, o Porto do Capim e a Estação Ferroviária Conde D’Eu. Atendia às áreas de comércio e serviços, além de passar por praças e áreas de lazer, como o Largo da Gameleira, Praça de D. Pedro II, Campo do Conselheiro Diogo, interligando com as áreas residenciais consolidadas da Cidade Alta ou em formação, como os bairros de Tambiá ou de Trincheiras. Para quem não residia nesses novos bairros, o bonde, que durante a semana era o meio de transporte usado principalmente para
atividades de compras e trabalho, aos domingos, a população “[...] transparecia o desenvolvimento do prazer pelos passeios aos pitorescos finais dos arrabaldes de Trincheiras e Tambiá” (RODRIGUEZ, 1994, p.18). O traçado original das linhas do bonde a tração animal implantado no final do século XIX e que funcionou até 1914, continuou e foi ampliado com o bonde elétrico por mais meio século – de 1914, ano de sua implantação, até 196311, quando de sua desativação – deixou sua marca na estrutura urbana da cidade. Nesse período a capital paraibana passou por várias “cirurgias urbanas”, com demolições de prédios para alargamento e prolongamento de vias ou para criação de novas vias ou praças e a implantação de novos traçados urbanos, com características modernas, em áreas desocupadas localizadas fora do perímetro urbano (VIDAL, 2004). Das primeiras vias usadas pelo bonde a burro, a Rua do Fogo do passado, hoje a Avenida Guedes Pereira, continua sendo um dos principais corredores de tráfego do centro tradicional da cidade, usado pela população que se desloca da Cidade Baixa a diversos pontos da Cidade Alta da Capital Paraibana (MEDEIROS FILHO, 2012). Nela, a paisagem não é mais com o velho bonde. Tem hoje a presença de automóveis e ônibus em faixas exclusivas. Em uma ou outra época, independente do nome, a via representou, e ainda representa, uma das principais ligações da Cidade Baixa com a Cidade Alta, um eixo estruturante do transporte coletivo de João Pessoa. Pode-se afirmar que as linhas do sistema ferro-carril deixaram sua marca no desenho urbano da capital paraibana. Além das três linhas iniciais do bonde a burro, que delineou o traçado urbano do núcleo inicial da cidade, as suas ampliações – Linha Trincheiras, em 1902, na direção sul até a Feira de Jaguaribe e a da Linha Tambiá, em 1906, na direção leste da cidade, até o Sítio Cruz do Peixe – indicaram as direções de crescimento da malha urbana da capital paraibana, a partir daqueles pontos. Na direção sul, a princípio atendida por uma via que ligava a cidade ao Estado de Pernambuco, teve suas áreas adjacentes urbanizadas e ligadas ao núcleo central da cidade pelo bonde elétrico, consolidando bairros como Cruz das Armas e Oitizeiro, ocupados por classe de menor poder aquisitivo. Na direção leste, o Sítio Cruz do Peixe que antes era ligado ao litoral por caminhos carroçáveis, foi ligado, em 1906,
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por uma ferrovia até Tambaú, praia de veraneio da elite paraibana, abrindo caminho para, a partir da década de 1930, ter início a construção do que é hoje, a Av. Epitácio Pessoa, principal vetor de desenvolvimento urbano naquela direção, e responsável pela criação de diversos bairros para atender as classes mais favorecidas economicamente (Figura 13).
Figura 13: Área inicial do bonde a burro e as avenidas Cruz das Armas e Epitácio Pessoa Base cartográfica PMJP (2012) Elaboração: Igor Dantas.
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NOTAS (1) Sempre que a planta da Cidade da Parahyba for mostrada neste capítulo, é um redesenho de Denise Lemos, com base em Sousa e Vidal (2010, pp. 49-50) e quando dividida em zonas, a fonte são as definições de Tinem (2006, p. 265), que organizou e publicou no livro “Fronteiras, Marcos e Sinais: Leituras das ruas de João Pessoa”, cujo capítulo que interpreta a monografia de Jardim, “Para além da dicotomia Cidade Alta/ Cidade Baixa” (TINEM, 2006, pp. 253-276), foi escrito por ela, Juliano Loureiro de Carvalho e Carla Gisele Martins. (2) Chudacoff (1977, pp.91-95), ao abordar a cidade pré-moderna, chamada pelos historiadores americanos de ‘cidade do andarilho’, destaca os deslocamentos como sendo:
Os principais usuários das ruas não eram rodas ou cascos, mas pés humanos. Na cidade americana pré-moderna, a vasta maioria das pessoas ia a pé para seus destinos e era essa forma de locomoção que determinava o tamanho e a forma da cidade. [...] Até a década de 1850, as áreas habitadas, até mesmo das maiores cidades, como Nova York, Boston e Filadélfia, só em raros casos se estendiam até três quilômetros do centro da cidade, a distância média que uma pessoa pode caminhar por meia hora. Por isso mesmo, os historiadores batizaram essa antiga configuração de cidade de andarilhos em virtude de seu tamanho e principal forma de transporte (CHUDACOFF, 1977, p. 92). (3) A elite brasileira, dona de escravos, era transportada no meio urbano, usando a força de dois escravos, que levava nos ombros o seu senhor muito bem acomodado em uma rede ou cadeira. Disponível em: <http://www.museudantu.org.br/brasil1.htm>. Acesso em: 30 mai. 2013. (4) Na Mensagem de 15/02/1896 à Assembleia Legislativa do Presidente do Estado da Parahyba, Major Dr. Álvaro Lopes Machado, publicada na Imprensa Official da Parahyba, o Mapa ‘C’ – “Demonstração da dívida do Thesouro do Estado da Parahyba até 31 de Dezembro de 1895, com
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discriminação do movimento á partir do 1° de Julho de 1894”, já consta o valor de 15.000$000 para a Companhia Ferro-Carril. Fonte: Center for ResearchLibraries, Global Resources Network. Disponível em: <http://www. crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba>. Acesso em: 24 nov. 2010. (5) Mario Glauco Di Láscio é um dos professores fundadores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba e coorientador do trabalho de conclusão de curso do período 1987.2, intitulado “A evolução urbana de João Pessoa em função do sistema de transporte urbano: o bonde”, de autoria das alunas Ana Helena Ferreira de Andrade e Patrícia Maria Granville Garcia. (6) Maria Tércia Bonavides Lins ministrava aulas, ainda jovem, na Escola Santa Terezinha, fundada e administrada por ela na casa do pai, na Rua Trincheiras, por mais de vinte anos (SILVA; MENDES; MACHADO, 2011, p. 3). (7) Nos demais terminais, como os bondes tinham “duas frentes”, isto é, uma traseira que virava frente e vice-versa, os encostos dos bancos podiam ser deslocados em giro de 180° e os animais eram deslocados para a traseira anterior, que virava frente do bonde, sem ter que fazer a curva do bonde com os animais naquela mesma frente. (8) Desde os meados do século XIX, Jaguaribe era um povoado conhecido na Cidade da Parahyba devido ao sítio e ao rio que davam nome ao lugar (CHAGAS, 2004, 213). (9) Presidente do Estado da Parahyba de 28/10/1905 a 28/10/1908. (10) Imprensa Official, Parahyba do Norte, 1907 (p. 44 e 45). (11) Pode-se afirmar que a saída de circulação do sistema de bonde da cidade de João Pessoa, aconteceu no segundo semestre de 1963. Em pesquisas realizadas pelo autor em jornais de época, foram detectadas reportagens de bondes trafegando nas ruas da cidade até junho daquele ano. Em abril de 1964 outras reportagens voltam a citar o bonde: uma com comentário nostálgico, de saudades da época que circulava os bondes, publicada no jornal Correio da Paraíba; outra, no jornal O Norte, de maio de 1964, sobre o debate na Câmara de Vereadores da Capital devido ao aumento do preço da passagem de ônibus, onde o vereador Milton de Almeida discursou “apelando ao Governo do Estado no sentido de que voltem a funcionar os bondes da Capital, pois, com o aumento das passagens, os pobres não poderão mais pagar transportes”.
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TERRITÓRIOS, INTERVENÇÕES E PRÁTICAS URBANAS: A requalificação do Porto do Capim na cidade de João Pessoa, Estado da Paraíba, Brasil – processos, pesquisa e ação
Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia [PPGAU-UFPB, João Pessoa, Brasil]
INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta e discute questões teóricometodológicas e parte dos resultados de pesquisa que realizamos junto ao CNPq (como bolsista PQ desde 2011), no âmbito do LECCUR – Laboratório de Estudos sobre Cidade Cultura Contemporânea e Urbanidade (coordenando as ações e pesquisas) e do PPGAU – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (como docente e orientadora de dissertações e teses) e ainda em ações mais recentes como parte da equipe do Proext – Requalificação Urbana, Ambiental e Patrimonial do Porto do Capim em João Pessoa – PB. Essas ações e reflexões são marcadas pelo pensamento crítico sobre a cidade, seus agentes e a prática do urbanismo. Daremos ênfase às dinâmicas e aos conflitos relativos à implementação de projetos de “revitalização” no centro da cidade de João Pessoa e concomitante reação e resistência da sociedade civil organizada a forma como essas intervenções estão sendo propostas. Focaremos, de um lado, nas dinâmicas relativas aos planos específicos de intervenção no Porto do Capim, locus e campo de forças no qual as disputas pelo espaço ganham forma. Estes projetos começaram a ser anunciados no primeiro semestre de 2013, pela Prefeitura Municipal, no âmbito de um Plano de Ação João Pessoa Cidade Sustentável, inserido na Iniciativa Cidades Emergentes (ICES), cujo discurso sugere a “implementação de 254
políticas de desenvolvimento sustentável” para a capital paraibana. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) juntamente com a Caixa Econômica Federal, o Governo Federal via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC- Cidades Históricas), a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional (Fadurpe), a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) estariam à frente dos “planos de revitalização do centro histórico da cidade” (centrados no antigo Cais do Porto – Arena de Eventos e Cultura, na requalificação das vias de acesso à Arena de Eventos e Cultura e na implantação do Parque Ecológico do Rio Sanhauá), bem como de outros projetos de intervenção nos espaços urbanos igualmente importantes e históricos. De outro lado, lançaremos luzes sobre as ações articuladas por indivíduos e grupos, analisando as tentativas de ampliação de processos participativos no planejamento e gestão da cidade de João Pessoa. Dentre outros aspectos polêmicos deste projeto de intervenção no Porto do Capim, está a previsão de retirada de uma comunidade ali residente desde a década de 1940. São aproximadamente quinhentas famílias, cerca de duas mil e quinhentas pessoas que estão sob ameaça de serem retiradas das margens do rio. Estaria prevista a remoção dessas famílias para apartamentos financiados pelo programa de habitação social do governo federal – Minha Casa Minha Vida. Um movimento de resistência organizada pôde ser evidenciado no evento #OcupePortoDoCapim1, de primeiro de junho de 2013, mobilizando a comunidade e os cidadãos pessoenses a resistirem à remoção, embora já atuassem na área, desde finais da década de 1990, grupos da sociedade civil organizada voltados à educação e à cultura dando visibilidade àt causa da comunidade, conforme atestam nossas pesquisas (SCOCUGLIA, 2004, 2010).
1 O #OcupePortodoCapim se inspirou no “Occupy Wall Street” - um movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas - sobretudo do setor financeiro - no governo dos Estados Unidos. Iniciado em 17 de setembro de 2011 em Nova York, depois em Los Angeles, Oakland, Chicago, se expandiu para várias outras cidades ao redor do mundo. Desse movimento original surgiram o Ocupe Estelita e outros “ocupes” em vários lugares do Brasil e do mundo. O #OcupePortoDoCapim consistiu em um dia de atividades culturais na comunidade, organizado pela Comissão Porto do Capim em Ação, em parceria com o movimento Varadouro Cultural, a Fundação Casa de Cultura Cia. da Terra, o Projeto de Extensão da UFPB Subindo a Ladeira, dentre outros agentes culturais. Houve divulgação nas redes sociais incentivando as pessoas a atravessarem a linha férrea existente nas proximidades e que divide a comunidade do resto da cidade e a despertarem para a existência da mesmo e sua condição de invisibilidade perante a sociedade pessoense, bem como a importância de sua causa.
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Em 2011, formou-se a Comissão Porto do Capim em Ação tendo como principal pilar os moradores da Comunidade Porto do Capim. Esses moradores (no caso, moradoras), posteriormente, formaram a Associação de Mulheres (no final de 2013). Integram à Comissão a Fundação Casa de Cultura Companhia da Terra, o Programa de Extensão e o Projeto “Subindo a Ladeira” da Universidade Federal da Paraíba, o movimento Varadouro Cultural, o movimento João Pessoa Que Queremos, o movimento Amigos da Natureza, o movimento SOS Patrimônio Histórico, o Museu do Patrimônio Vivo, o Centro de Referências em Direitos Humanos da UFPB (CRDH/UFPB) e a ONG Porta do Sol, localizada na própria comunidade e remanescente dos movimentos da década de 1990. Essas entidades foram paulatinamente entrando na luta nos anos seguintes e, em 2015, essa rede passou a contar com o Proext/ UFPB – Requalificação Urbana, Ambiental e Patrimonial do Porto do Capim com financiamento e aval do Ministério da Educação. Neste artigo relacionamos as experiências em curso no âmbito local, nacional e internacional procurando compreender as dinâmicas e peculiaridades locais para refletir sobre espaço e sociedade, corpo e cidade, território e urbanidade e prospectar uma renovação epistêmica que se fundamenta nas práticas urbanas contemporâneas, mobilizando os instrumentos de análise do urbano e da vida pública que incorporem novos agentes e mecanismos de organização em redes2, dentre outros. Registramos, assim, parte dos nossos esforços no sentido de incorporar na pesquisa, na reflexão e na prática do urbanismo às vivências que acontecem cotidianamente na cidade e as interfaces da relação entre Estado, mercado e práticas sociais com foco nas políticas de requalificação de áreas urbanas e suas diversas implicações, afetando grupos, indivíduos, percepções e comportamentos. As diretrizes de reflexão e pesquisa contemplam o seguimento e aperfeiçoamento de extensa e diversificada gama de estudos sobre território, espaço público, política urbana, práticas socioculturais, corpos e urbanidades em suas variadas 2 Sobre o conceito de rede, Scherer-Warren (apud SOUTO, 2015) afirma: a “ideia de rede de movimento social é um conceito de referência que busca apreender o porvir ou o rumo das ações de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos”. Neste caminho, Castells (2013) propõe abarcar em seus estudos os diferentes níveis de experiências das pessoas e das organizações coletivas. E sobre a estrutura desses movimentos sociais contemporâneos, afirma serem “conectados em rede de múltiplas formas”, ou seja, serem multimodais (internet, telefones celulares, redes sociais on-line e off-line, assim como redes preexistentes e outras formadas durante as ações do movimento). Castells atesta ainda que “formam-se redes dentro do movimento, com outros movimentos do mundo todo, com a blogosfera da internet, com a mídia e com a sociedade em geral” (CASTELLS, 2013, p.160).
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manifestações nos espaços urbanos. Nesse caminho, buscamos, ainda, ampliar a reflexão sobre os processos heterogêneos de uso e ocupação da cidade contemporânea, seus gestos mais cotidianos, seus usos e práticas mais prosaicos com destaque para a dimensão sociocultural e epistêmica, acionando novas abordagens e métodos de investigação e análise que ampliem a compreensão dos espaços urbanos, em especial, dos espaços públicos marcados pela presença de vozes dissonantes, alteridades, diferenças e singularidades. O pressuposto destas pesquisas é que a vitalidade resistente nos espaços públicos está, em grande medida, garantida exatamente pela presença dissensual de uma alteridade radical na cidade e por um tipo de apropriação que subverte, desvia e/ ou contraria as imposições das lógicas hegemônicas de mercado e de Estado presentes na maioria dos projetos urbanísticos de caráter autoritário, homogêneo, pacificador e espetacular. Convém tensionar a noção de participação dos habitantes nos processos urbanos diante da banalização contemporânea desta noção repetida em diversos projetos de diferenciadas tendências econômicas, políticas ou urbanísticas. Esse tensionamento é possível, sobretudo por meio de novas e diversas ferramentas de abordagem da cidade, evidenciando as articulações do campo da arquitetura e do urbanismo com áreas correlatas como antropologia, sociologia, geografia, história e artes, para refletir sobre a importância da ampliação da ação, da experiência e da participação como fundamentos imprescindíveis aos projetos urbanísticos em áreas públicas na cidade contemporânea. Ao esquadrinhar novos caminhos, novas abordagens teóricas e metodológicas, ampliamos os focos empíricos analisando espaços e dinâmicas socioculturais nos centros urbanos das cidades de Recife e João Pessoa identificando trechos urbanos nos quais se explicitam novos conflitos, resistências e políticas urbanas/projetos “revitalizadores”, para avançar nos estudos sobre territorialidades e urbanidades, estabelecendo termos de comparação entre dinâmicas, temporalidades e urbanísticas diferenciadas, identificando também os pressupostos de participação e democratização das formas de gestão contemporâneas tão amplamente propaladas e, ao que pudemos identificar até o presente momento, pouco exercitadas ou de forma equivocada e restrita.
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As questões teóricas e conceituais discutidas neste artigo resultam dos subsídios alcançados durante a primeira etapa de nossas pesquisas, financiada pelo CNPq intitulada Territórios e Urbanidades: práticas urbanas e políticas culturais no espaço público contemporâneo - realizada entre 2011 e 2014, bem como na sua renovação para o período 2014-2017, quando trazemos à tona a atualidade do estado da arte do urbanismo, identificamos dinâmicas de uso/apropriação dos espaços públicos nas cidades pesquisadas, analisamos as características mórficas, sintáticas e semânticas, identificamos as políticas culturais e as intervenções urbanísticas, articulamos as dimensões física, política e sociocultural com os usos/apropriações dos praticantes, procurando sempre questionar/refletir sobre a própria possibilidade de “uso/apropriação/profanação/fazer experiência” na fase extrema do capitalismo que chamamos de espetáculo na qual as coisas são exibidas e separadas de si mesmas, sendo espetáculo e consumo as duas faces de uma única impossibilidade de usar. Como afirma Giorgio Aganbem: “o que não pode ser usado é, como tal, designado ao consumo e a exibição espetacular” (2009, p.107). Graças a isso, tornou-se possível destacar desse estadoda-arte e das pesquisas empíricas realizadas na fase anterior, certas propriedades que marcam as configurações das cidades contemporâneas, especialmente no que se pode aceitar como relevante para estudá-las e planejá-las, nos seus agrupamentos e, sobretudo na dimensão humana, considerando-se aspectos socioculturais, artísticos, comportamentais, individuais e coletivos, mas também escalas, necessidades humanas, percepções. Um dos precursores desta abordagem da cidade é Henri Lefebvre (1992) que propôs justamente reinterpretá-la por meio da heurística da rua e dos ritmos da vida cotidiana. Ressalta-se uma cidade praticada que se insinua no texto/conceito da cidade planejada e visível. Práticas do espaço que remetem a formas específicas de “operações”, as “maneiras de fazer” (CERTEAU, 1994), aos “usos” dos espaços de ruas, praças, mercados públicos, feiras que evocam a coexistência física e social dos pedestres nos lugares públicos. A experiência sensível do cidadão se liga aos lugares e às experiências, às histórias vividas e às imagens coletivas presentes nos discursos partilhados, à cidade praticada. Ela é o coração da 258
urbanidade contemporânea, ao mesmo tempo lugar habitado, ancorado em sua história e no seu território, confrontado aos fluxos de mundialização, de circulação de bens, homens, ideias, informações e imagens. É isto que faz a singularidade da cidade, o vínculo pragmático e simbólico entre os homens e a materialidade da cidade representando sua paisagem urbana e cultural. A urbanização contemporânea caracterizada cada vez mais por uma expansão e densificação marcadas pela mercantilização da cidade e da vida urbana, em um processo de “modernização da sociedade”, aprofundou e generalizou a lógica capitalista na produção da cidade enquanto valor de troca (LEFEBVRE, 1986) que modifica a sua estrutura espacial e social no sentido, recorrente, que alguns autores afirmam ser de “espetacularização”3 (DEBORD, 1997), de “homogeneização” (SASSEN, 1998) ou de “urbanalização” (MUÑOZ, 2008)4 das paisagens urbanas. Esta é alimentada em grande parte pelas economias de serviços, desde os serviços profissionais ao turismo global e a uma redescoberta do setor cultural. Geralmente observada nas metrópoles, esta tendência é igualmente constatada nas cidades médias, nas quais os efeitos “negativos” da mercantilização da cultura e de uma espécie de culturalização generalizada e indiferenciada da cidade, dos seus espaços e de seus processos se fazem sentir de maneira intensa nas propostas hegemônicas de intervenção nos espaços públicos (FERNANDES, 2006), em especial, nas ruas e praças dos seus centros urbanos. 3 A introdução do ”espetáculo” como palavra-chave da teoria social contemporânea começou com Guy Debord e sua obra “A sociedade do espetáculo”, 1967. A obra contém 221 teses sobre a sociedade capitalista do pós-guerra. Debord postulou que o aumento do nível de vida engendrado pelo monopólio capitalista implicaria a erosão da riqueza e da diversidade do cotidiano. O desenvolvimento da sociedade de consumo representando a ampliação da alienação capitalista desde a esfera econômica (a alienação do trabalho) até atingir todas as esferas da vida. Espetáculo refere-se, portanto, a maneira como as imagens são mobilizadas para assegurar a influência da forma produtiva sobre o tempo do lazer, a fim de legitimar as relações sociais existentes e de colocar o indivíduo em uma situação passiva e contemplativa em relação a sua própria dominação. A passividade da vida diante do espetáculo é a principal consequência. Segundo Debord, o resultado é um contraste gritante entre a abundância econômica e a pobreza cotidiana.
4 Saskia Sassen defende a tese de que a urbanização contemporânea se caracteriza cada vez mais por uma homogeneização da paisagem urbana, alimentada em parte pelo fato das cidades estarem passando a ser economias de serviços avançados, desde o crescimento dos serviços profissionais ao turismo global e o redescobrimento do espaço econômico do setor cultural (1998). Francesc Muñoz, por sua vez, observa um tipo banal de urbanização do território que se pode repetir em lugares diferentes, a “urbanalizacão”: a produção de uma paisagem comum em escala global que conduz a um uso, uma manipulação e uma reavaliação de alguns elementos da esfera local em suas múltiplas dimensões: social, cultural ou em relação ao entorno construído. Para Saskia Sassen, a sua tese de que a paisagem urbana homogeneizada funciona hoje como uma infraestrutura para as economias urbanas avançadas e a tese de Muñoz sobre a análise da gestão das diferenças são formas opostas, mas complementares de reflexão sobre a ordem visual no esforço para desconstruir esta ordem visual e não tomá-la como algo dado, como um mero correlato das tendências da globalização. Nas palavras da autora: “Muñoz toma esta articulación entre homogeneización y especificidade en la dirección contraria: la gestión de las diferencias. Es esa gestión de las diferencias la que contribuye al resultado, la homogeneización. Las diferencias no desaparecen, pero su adecuada gestión asegura que no destaquen demasiado. (SASSEN apud MUÑOZ, 2008, p.09).
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De fato, a crítica ao processo atual de mercantilização e de espetacularização urbana se tornou recorrente no meio acadêmico diante da forma cada vez mais explícita pela qual se expressa no cotidiano da vida contemporânea. Discute-se, em especial, a existência de uma ruptura espaço-temporal na relação da sociedade com seu passado e com seu futuro (FERNANDES, 2006, p.53-59) e uma “hipertrofia da dimensão material e visual na compreensão do conceito de cidade” desconsiderando indivíduos ou grupos e a diversidade de suas histórias, memórias e experiências (BRITO e JACQUES, 2009). Torna-se explícito o problema contemporâneo que Richard Sennet, em Carne e Pedra (2008, p.15), bem descreve como “a privação sensorial (…) a passividade, a monotonia e o cerceamento táctil que aflige o ambiente urbano” cujas raízes o autor procura compreender por meio da investigação da história da relação entre corpo e cidade na civilização ocidental. Remonta à Roma Antiga, ao Medievo, ao Renascimento, ao século XIX até chegar aos tempos modernos e atuais em que se privilegiam as sensações do corpo e a liberdade de movimento e, entretanto, essa carência dos sentidos tornou-se notável, demonstrando a influência que exerceram sobre os espaços urbanos os novos conhecimentos científicos e sinalizando para o problema dos projetos em que “urbanistas e arquitetos modernos tinham de alguma maneira perdido a conexão com o corpo humano” (Ibid., p.15). Sennet afirma que “a plenitude dos sentidos e a atividade do corpo foram de tal forma erodidas que a sociedade atual aparece como um fenômeno histórico sem precedentes” (Ibidem, p.19). Os primeiros indícios, segundo estes críticos, são perceptíveis a partir das mudanças de caráter da população das cidades. A massa de corpos que antes se reunia nos centros urbanos em experiências de diferenciação, complexidade e estranheza (aspectos que sustentam a resistência à dominação), hoje se dispersa em polos comerciais, se preocupa mais em consumir do que em outro propósito mais complexo, político ou comunitário. Com base neste contexto, as práticas urbanas dos transeuntes, dos passantes, o movimento dos corpos e os usos dos espaços de ruas e praças nos centros urbanos, as resistências e conflitos nos processos de planejamento e gestão urbana aparecem como um objeto de estudo privilegiado, bem como a reflexão epistêmica e 260
metodológica com vistas à aplicação destes resultados na atividade de ensino-aprendizagem e proposição urbanística. Daremos destaque neste artigo aos resultados de pesquisas recentes sobre as intervenções, os territórios e os praticantes dos espaços urbanos da cidade de João Pessoa marcados pela centralidade de suas posições na cidade e alvo de projetos “revitalizadores”, com foco no Bairro do Varadouro, mais especificamente no antigo atracadouro conhecido como Porto do Capim, e um projeto de “revitalização” capitaneado pela Prefeitura Municipal, que prevê a remoção das comunidades ribeirinhas instaladas na área há mais de cinquenta anos para implantação de uma grande praça de eventos, atividades turísticas e de lazer às margens do Rio Sanhauá (local de origem da ocupação do território que corresponde hoje à cidade de João Pessoa). Identificamos, igualmente, um movimento de reação a este Projeto, em curso e que prevê a remoção da população moradora pré-existente, por parte de associações não governamentais e representantes da sociedade civil, reunidos em protestos e ações de resistência a tais remoções e “projetos de revitalização” em seu caráter espetacular, homogeneizador, excludente e não-participativo apesar do discurso de inclusão social e participação dos poderes públicos envolvidos. Para compreender esse processo retomamos os ensinamentos de Michel De Certeau (1994) quando afirma a existência de “astúcias e combinações de poderes sem identidade legível, sem tomadas apreensíveis, sem transparência racional, impossíveis de gerir” (CERTEAU, 1994, p.174). Alguns dos procedimentos – “multiformes, resistentes, astuciosos e teimosos” (Ibid., p.174) - que escapam à disciplina sem ficarem fora do campo onde se exercem e que podem levar a uma “teoria das práticas cotidianas, do espaço vivido e de uma inquietante familiaridade da cidade” (1994, p.175). Neste mesmo caminho, ressaltamos com Isaac Joseph (1999) os pressupostos de uma noção de espaço público enquanto mediador entre o sistema político, os setores privados e os sistemas de ação funcionalmente específicos, que ele chama de “uma realidade porosa”, na qual se sobrepõem distintos sistemas de ação (Ibid., p.25). Móvel da democracia e operador de um acordo entre cidadãos, este conceito de espaço público 261
seria resultante de uma relação sensível com a paisagem urbana e de interesses democráticos, com dois enunciados maiores de orientação para o trabalho empírico: a definição de Hannah Arendt (1987) de espaço público como o lugar da ação e dos modos de subjetivação não-identitários – em oposição aos processos comunitários de identificação e aos territórios da familiaridade – e o enunciado de Jurgen Habermas (1997) que faz do espaço público o domínio historicamente constituído da controvérsia democrática e a dinâmica de uma ética procedimental do agir comunicacional elaborado a partir de um acordo que pressupõe um “uso livre e público da razão” (Ibidem, p.18-19).
As transformações urbanas recentes e os conceitos de cidade, espaço público e cultura As cidades e as culturas urbanas constituem-se como espaços em que as transformações das últimas décadas, impulsionadas pelas inovações tecnológicas e pelo desenvolvimento de novas formas de comunicação e governança, mais se fizeram sentir gerando novas urbanidades e alterando as existentes. As mudanças na esfera da produção afetam e modificam profundamente os sistemas e as formas de produzir bens de consumo e de organizar o trabalho. Nas últimas três décadas do século XX, as transformações se estenderam ao tipo de território ou a um processo de desterritorialização associado às mudanças econômicas. A própria expansão física do espaço construído tornou cada vez mais fácil encontrar características próprias da cidade em lugares tradicionalmente à margem dos processos de urbanização. Entretanto, estes fenômenos de desconcentração que fizeram da periferia um território mais flexível pela difusão e melhoria das redes de comunicação e telecomunicação, que ampliou a importância das cidades de tamanho médio como centros urbanos importantes no marco da economia global, parecem não representar uma ruptura absoluta com o modelo de concentração historicamente característico do sistema fordista (RONCAYOLO e PAQUOT, 1992). O geógrafo norte-americano Edward Soja considera que o centro ainda é importante e que, apesar das tendências centrífugas, a nodalidade centrípeta não desaparece 262
(2000, p. 263). Um binômio: centralidade-difusão passa a marcar as cidades do mundo ocidental definido fundamentalmente em termos de redes (CASTELLS, 1999; CORREA, 2006; FIJALKOW, 2007). Fala-se de uma centralidade dependente dos níveis de competência, competitividade e cooperação dentro de um conjunto de redes urbanas. As novas formas de mobilidade e de construção cultural da velocidade ampliam os territórios de fluxos configurando um cenário de mobilidade intensiva e uso extensivo do território próximo ao que David Harvey (1992) definiu como compressão espaço-temporal, ou seja, compressão do espaço e aceleração do tempo. Teríamos, além da metáfora da mancha de azeite evocada para simbolizar as fases de concentração urbana das cidades, da ideia de redes e de fluxos para explicar os modelos de organização do território urbano regional, sendo o conceito de rizoma5 de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1980) um dos exemplos destas aproximações formalistas aos diferentes tipos de crescimento que a cidade vem desenhando sobre o território ao longo dos últimos séculos. A cidade-rizoma seria a metáfora de um sistema urbano constituído por territórios com características diferenciadas e relações que se situariam além dos critérios dicotômicos binários. Seriam relações mais complexas do que as definidas pelas típicas dicotomias centro-periferia ou campo-cidade. Entretanto, podemos dizer que no quadro geral dos estudos urbanos desenvolvidos nas últimas décadas identifica-se um esforço de reflexão e renovação teórica a partir da constatação das transformações econômicas e sociais que afetaram as cidades e que expressam, sobretudo, a reestruturação econômica pósfordista6 ou pós-industrial com ênfase nas consequências da concentração tecnológica no território urbano e nas características dos modelos de cidades emergentes: a cidade global (SASSEN, 1998), a metrópole dos indivíduos (BOURDIN, 2005), a cidade 5 O rizoma é também uma crítica ao pensamento moderno ocidental, articulado sobre estruturas hierárquicas e arvorecentes, caracterizadas por terem um começo e um fim, um passado e um futuro com sentido evolucionista, uma hierarquia de circulação das informações entre pontos e posições e por crescerem e se desenvolverem sobre a base dos raciocínios dicotômicos e da lógica binária. Ao contrário desta lógica binária, o rizoma se caracterizaria pela multiplicidade de entradas e de relações entre elementos não necessariamente dispostos de forma hierárquica, pela heterogeneidade dos seus componentes e pelas conexões organizadas entre linhas – segmentos ou estratos – chamadas de direções em movimento. Seria ainda uma estrutura sem um centro, caracterizada pela circulação de elementos heterogêneos, organizada em forma de plateaux, plataformas diferenciadas com importâncias iguais no sistema.
6 Pós-fordista seria a fase posterior a longa etapa de expansão do capitalismo, posterior ao modelo de regulação econômica fordista - iniciada no período entre guerras, com origem nos anos 1930 e apogeu na década de 1960 até a primeira metade da década de 1970, no qual a produção de massa significava consumo em massa e um novo sistema de reprodução da força de trabalho, bem como uma nova política de controle e gerência deste (HARVEY, 1992).
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conquistada (BORJA, 2005), a cidade super exposta (VIRILIO, 1984), a cidade informacional, a tecnopólis ou o espaço de fluxos (CASTELLS, 1999), a telepólis ou cidade à distância (ECHEVERIA, 2000), a cidade virtual de bits (MITCHELL, 2000), a metápolis (ASCHER, 1995) ou a pós-metrópole (SOJA, 2000). Estes conceitos de cidade expressam alguns dos resultados concretos, a exemplo da fragmentação da estrutura social urbana e da própria cidade como espaço físico habitável, uma excessiva valorização da imagem, a espetacularização e a mercantilização da cidade enquanto objeto cultural (DEBORD, 1997; JEUDY e JACQUES, 2006; SCOCUGLIA, 2010, 2012). E, neste sentido, a hegemonia de um conceito de cidade reificado que se expressa na celebração do privado, na patrimonialização e na criação de cenários (FERNANDES, 2006; SCOCUGLIA, 2010) que paradoxalmente vão se legitimar por meio de um discurso generalizado de valorização e de intervenção sobre o espaço público. A vida urbana estaria cada vez mais marcada pela reapropriação capitalista da cidade, segundo uma dinâmica cujos elementos fundamentais e recorrentes são a conversão do espaço urbano em um parque temático, a “gentrificação”7 de centros urbanos (ZUKIN, 1995, 2000; BIDOU-ZACHARIASEN, 2006, SCOCUGLIA, 2010), a terceirização que implica a reconversão de bairros industriais inteiros, a dispersão de uma miséria crescente que não se consegue ocultar e o controle sobre o espaço público, nesse sentido, cada vez menos público. Estes processos de alcance planetário requerem a renúncia dos agentes públicos da suposta missão de garantir direitos democráticos fundamentais – o usufruto das ruas e praças em liberdade, de uma habitação digna e para todos etc. - e a desarticulação do que resta do que um dia foi o Estado do bemestar-social8. Esta renúncia ou abandono das responsabilidades do Estado em matéria de bem comum tem sido compatível com o autoritarismo em outros âmbitos. As autoridades se submetem 7 Gentrificação é o aportuguesamento do termo de língua inglesa gentrification que designa, de um lado, um processo de
deslocamento e de mudança de população dentro dos setores urbanos centrais por categorias sociais mais abastadas e, de outro, a reabilitação física dos mesmos setores (Ruth Glass, 1964). Estudos mais recentes indicam um fenômeno mais complexo e diferenciado e a existência de diferentes fases (a primeira, esporádica, realizada por moradores pioneiros, a segunda da consolidação, na qual os protagonistas seriam principalmente os promotores e investidores privado e a terceira que remete ao papel ativo e pró - gentrification dos poderes públicos). A definição do conceito se transformou para incluir outras formas de “elitizações” ou enobrecimentos, outros atores sociais e espaços. Ver a respeito: Jovanka Baracuhy C. Scocuglia. “Imagens da cidade: cenários, patrimonialização e práticas sociais”. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2010 e, também, a Revista: “Espaces et societés. La gentrification urbaine.” nº132-133, 2008.
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Segundo Claus Offe em “Las nuevas democracias: transicion politica y renovacion instituc ional en los paises
postcomunistas”, Barcelona: Hacer, 2005, o Welfare State ou Estado do bem-estar Keynesiano, teve sua origem nos EUA, década de 1930, fundamentado em três princípios básicos: seguridade social, proteção ao emprego e política redistributiva.
ao liberalismo urbanístico que converte a cidade em produto de marketing e ao mesmo tempo ampliam o controle e a vigilância sobre o espaço público assegurando as operações imobiliárias e desfazendo qualquer imagem que se poderia pretender oferecer de um espaço público, expurgando a conflitividade. Outra expressão dessas ações de “pacificação” dos espaços urbanos e, sobretudo, dos espaços públicos são a “limpeza” dos exteriores urbanos das presenças e condutas inconvenientes, a repressão e controle da pobreza e dos seus locais de concentração (JOSEPH, 2002; JEUDY e JACQUES, 2006; DELGADO, 2010). Dessa forma, o protagonismo do conceito de espaço público nas últimas décadas nas iniciativas e retóricas relacionadas com os contextos urbanizados é bem menos inocente e natural do que poderia parecer à primeira vista. No Brasil, especificamente, a aceleração e voracidade do desenvolvimento urbano e a concentração de população, iniciadas em décadas anteriores, nem sempre foram orientadas por políticas de planejamento capazes de limitar os problemas urbanísticos que afetam hoje em dia grande parte das cidades. Entretanto, vivemos em um tempo em que as transformações parecem ser orientadas pela filosofia da qualidade de vida, alvo de projetos de ordenamento urbano, de animação cultural, de instalação de novos equipamentos e de requalificação do espaço público. Tais transformações ganharam novos contornos e estimulam a reflexão crítica sobre as tendências mais recentes. O geógrafo Milton Santos fala de uma urgência de reflexão sobre a cidade enquanto “sistema de objetos e de ações” (SANTOS, 2008), tendentes a uma artificialidade, a fins estranhos, ao lugar e a seus habitantes. Para Santos o planejamento das cidades necessita entender e explicar as “novas ecologias urbanas”, as relações entre o mercado, as instituições e o meio ambiente construído, de modo a explicitar as relações entre “a temporalidade do fazer e a das coisas” (Ibid.). E neste sentido, afirma que: os capitais fixos, fixados, instalam-se duravelmente nas cidades, mas, desde que envelheçam, podem ser operados sem maior submissão aos atores econômicos e sociais hegemônicos, e muitas atividades urbanas podem, assim, escapar à regulação direta desses atores econômicos e sociais hegemônicos (2008, p. 90).
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E tem mais, comparadas ao campo, nas cidades “os capitais hegemônicos e as práticas hegemônicas, fundados na racionalidade, têm mais dificuldade de se difundir, já que as frações mais antigas do meio ambiente construído não são funcionais para a operação dos capitais novos” (Ibidem, p.91). Nas cidades, essas áreas “irracionais” do ponto de vista da modernidade, seriam semelhantes ao que os planejadores dos anos 1970 identificaram como sendo “brechas” e que podem ser ampliadas nesta pesquisa para falar não apenas de brechas tecnológicas, mas também socioespaciais e culturais recentes, numerosas e que precisam ser estudadas em seus próprios contextos, mas lembrando com Milton Santos de “não pensar o lugar sem o mundo”, se propondo a entender o espaço como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações”, no qual uns (sistemas de ações) não se dão sem os outros (sistemas de objetos). Além disto, pensar os objetos e as ações contemporâneas se impõe diante do que Milton Santos identifica como uma “práxis invertida” que tem o discurso como base da ação e dos objetos e, assim, impele os homens a cada dia aprenderem tudo de novo estimulados pelas “novíssimas inovações”, pelo estabelecimento de novas dinâmicas e diferenciações. Seriam estas tarefas urgentes e necessárias de um planejamento urbano-regional atual que “já não comporta fórmulas pré-fabricadas, nem pode admitir a utilização de teorias historicamente superadas. É na própria história contemporânea, história conjunta do mundo e dos lugares, que nós devemos inspirar, tanto para entender os problemas como para tentar resolvê-los” (Ibidem, p.91).
Com base nestas reflexões, nossas pesquisas se inserem como parte dos esforços mais amplos de investigação e reflexão teórica e conceitual para compreensão da cultura e da política urbana contemporânea, sobretudo em suas dimensões associadas à arquitetura, ao urbanismo e às implicações socioespaciais. Somos parte, assim, de uma linha de investigação científica que gira em torno das questões mais recentes sobre territorialidade e urbanidade, das dinâmicas ligadas às culturas urbanas 266
contemporâneas, aos processos de produção e aos usos da cidade. Convém lembrar que estas temáticas são relevantes tanto na sociedade brasileira quanto em grande parte da latino-americana e europeia, nas quais as questões relativas à emergência de uma renovada cultura urbana, às formas de resistência e afirmação das expressões culturais localizadas, ou, ainda, à pertinência cultural dos diferentes modos de (des)localização, (des)territorialização e (re)significação, diante do contexto geral acima apresentado, têm conduzido ao reconhecimento da necessidade de uma avaliação rigorosa dos vários parâmetros socioculturais que condicionam hoje os modos de organização da vida social. Como afirma Carlos Fortuna (2002, 2007, 2009), amplia-se a necessidade de uma reforma epistêmica dos instrumentos analíticos e conceituais sobre a cidade e a “reinvenção do urbano” assinalada, em parte, pelo movimento de afastamento gradual e pela não-coincidência entre o território urbanizado da cidade e o modo como se estruturam as práticas, mentalidades e relações sociais que ali se desenvolvem e que podemos chamar de cultura urbana. Em seus trabalhos, o arquiteto e urbanista italiano Giulio Argan (1998) reforça este debate ao apontar para a necessidade de uma reforma epistêmica dos instrumentos analíticos e conceituais sobre a cidade e o urbano, bem como de se apontar os limites da técnica. Nas palavras do autor: “como disciplina que visa interpretar, estabelecer, reorganizar e finalmente programar para o futuro a conformação da cidade, o urbanismo está se separando cada vez mais de seu objeto, dir-se-ia até que aspira a destruí-lo” (Ibid., p. 15). Maria Stella Bresciani (2008) reforça esta mesma crítica ao urbanismo e à cidade moderna, sobretudo quanto aos seus ideais de progresso e a crença nas possibilidades infinitas da técnica. Ela refere-se aos primeiros críticos dessa forma de estabelecer a relação entre o homem e o mundo, entre homem e cidade, citando como exemplos: Camille Sitte, Georg Simmel, Walter Benjamim, entre outros, que “denunciavam a fatuidade de idealizar-se uma razão única, despojada da tradição e da história, uma razão obediente à sua própria lógica, construtora de formas belas e logicamente irrepreensíveis – constituições, governos, raciocínios, edifícios, cidades” (Ibid., p.17). Outrossim, considerando-se o crescimento urbano contemporâneo, as cidades e seus problemas, as (des) 267
urbanidades, a violência urbana, há uma solicitação cada vez maior de estudos aprofundados sobre estes temas em função até mesmo da dimensão dos problemas urbanos e da falência dos modelos de planejamento e de desenvolvimento que priorizam ou atuam do ponto de vista estritamente técnico, mitigando a importância dos outros campos que se articulam direta e indiretamente à arquitetura e ao urbanismo em suas dimensões culturais, sociais e políticas. Mas há, sobretudo, a necessidade de estudos que valorizem os praticantes da cidade, os usos e contra-usos (LEITE, 2004) dos espaços planejados, as territorialidades e as formas de apropriação diversificadas, relacionando espaço físico, corpos e práticas sociais.
Planejamento, democracia, participação e práticas urbanas: na busca por novos instrumentos analíticos, conceituais e de gestão das cidades
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A perspectiva de estudo e compreensão da cidade contemporânea que fundamentam nossas pesquisas e que se considera ser uma contribuição necessária e urgente às reflexões atuais sobre as urbanidades, a democratização dos espaços públicos e o planejamento urbano, parte do entendimento da problemática urbana contemporânea do ponto de vista da interdisciplinaridade, valorizando a articulação de conhecimentos produzidos entre os urbanistas, os arquitetos, os antropólogos, os sociólogos assim como também os artistas e os praticantes da cidade. Um esforço de realizar pesquisa empírica, prática e reflexão teórica, no sentido de refletir sobre uma indispensável reforma epistêmica dos nossos instrumentos analíticos, conceituais e de gestão das cidades. Neste sentido a articulação entre arquitetura, urbanismo, sociologia e antropologia sugere a formação de um campo de conhecimento identificado por Ulf Hannerz (1991) e Manuel Delgado (2008, 2010) como “antropologia do urbano” e “antropologia dos espaços públicos” cujas principais raízes e ramificações podem ser encontradas em autores como Gabriel Tarde, George Simmel, George Mead, os teóricos da Escola de Chicago em geral, Henri Lefebvre, Michel De Certeau, Isaac Joseph e disciplinas em bloco como a etnometodologia ou a microsociologia marcadamente
nos estudos de Erving Goffman. Podemos acrescentar ainda Jane Jacobs (2000) e Richard Sennet (1988) que denunciaram há mais de três décadas a decadência de um espaço público no século XX em comparação ao espaço criativamente caótico e dissonante do século XIX. Parte-se da constatação de que o pouco que restara da diversidade e do fervor do século XIX teriam sido as políticas urbanísticas centradas na vigilância intensiva em nome da manutenção da ordem pública, o zoneamento, a periferização e preponderância do automóvel, da circulação. E que, entretanto, vivemos hoje um momento em que a rua volta a ser reivindicada como espaço para a criatividade e a emancipação, ao mesmo tempo em que a dimensão política do espaço público é colocada no centro das discussões em favor da democracia. Tudo isto, conta com a entrada em cena de novas modalidades de espaço público como o ciberespaço, exigindo uma revisão do lugar que ocupam no mundo atual as sociedades entre desconhecidos, baseadas em interações efêmeras. Neste sentido, é importante que as interpretações e suas respectivas formas de análises sejam contempladas em conjunto revelando algumas das vertentes teórico-metodológicas centrais do pensamento social no século XX. Na abordagem interacional, destacam-se as abordagens fenomenológicas, centradas nas relações de sentido subjacentes a comportamentos corporais e a relacionamentos sociais. Já a acepção funcional/arquitetônica e urbanística de “uso” está mais atenta às relações desses mesmos comportamentos e formas de sociabilidades com funções urbanas definidas a priori. Ressalta-se, ainda, uma preocupação em interpretar os usos das ruas, praças, mercados públicos referenciando-se por processos socio-históricos e/ou políticos amplos. Abordagens estas marcadas pela noção de dialética. Nesse percurso metodológico, tudo parece indicar que o substrato comum da possibilidade desse debate sobre os usos dos espaços públicos (ruas e praças) é o corpo, indivíduo, pois é ele que se move, interage, atua na rua, cumprindo ou não funções, produzindo e sendo produzido em contextos específicos. E, assim, ganha força a noção de usos, de práticas urbanas, recuperada do método dialético marxiano para uma crítica sociológica da vida cotidiana francesa do Pós-Guerra (LEFEBVRE, 269
1969) diante das contradições da práxis (ato, relação dialética entre a natureza e o homem, as coisas e a consciência) simultaneamente produtora e produto de processos sociais e históricos por meio dos quais analisa o que veio a se constituir como a modernidade do século XX. Resulta deste raciocínio a ideia de que o espaço é mediação crucial da práxis, prática social (LEFEBVRE, 2000), fundamentando noções de “prática espacial”, “usos do corpo” e de “espaço percebido”. Adviria também desta reflexão a diferença entre “usuários” e “praticantes dos espaços” em uma crítica que amplia a complexidade dos atos cotidianos, contemplando os usuários sob a ótica das contradições históricas. Diferenciam-se, portanto, daqueles do senso comum do mundo moderno: usuários que usam os serviços públicos e privados, que gerem a vida urbana. Importa associar/articular usos particulares a processos sociais e políticos amplos procurando “compreender […] o que sustenta e mantém a hierarquia das grandes e pequenas, das estratégias e táticas, das redes e lugares” (LEFEBVRE, 2000, p. 105). A dimensão semântica do poder ganha relevo em uma nova acepção, para a qual Michel De Certeau (1994, p.99) contribui significativamente partindo de práticas culturais de consumo e recepção para pensar sobre “as maneiras de fazer”, as “artes de fazer”, entre outras, como práticas cotidianas, inventivas e regradas por envolverem usos (ações dotadas de criatividade e formalidade) em contextos específicos explicitando “relações de força” subjacentes a estas práticas. Seria necessário distinguir, nos usos e práticas urbanas, as “estratégias” (cálculo das relações de forças definido pela postulação de um lugar capaz de ser circunscrito como próprio) e as “táticas” (cálculo definido pela impossibilidade de postulação desse lugar próprio). Igualmente, se as cidades sempre foram relacionais, lugares de convivência com o outro, com o “estrangeiro”, de coexistência das diferenças, também são ao mesmo tempo lugares da exacerbação do individualismo e do cosmopolitismo. Formas e conteúdos das sociabilidades que o sociólogo George Simmel (2005) identificou não menos significativos pautam parte da experiência dos habitantes das cidades: a relação entre proximidade corporal e distância espiritual, personificada no comportamento blasé. Para Simmel a cidade enquanto o espaço por excelência da realização do moderno e dos princípios ordenadores da racionalidade capitalista 270
reverbera na subjetividade de seus habitantes. Em “As grandes cidades e a vida do espírito” (1903) revela dimensões da vida urbana, associadas a essa racionalidade e ordenação capitalista, afirmando que os indivíduos expostos a incessantes estímulos e a exatidão calculista da vida prática situam-se entre o anonimato e a multiplicidade de papéis em diferentes círculos, momentos e situações, e dentro dessa polaridade, como uma espécie de defesa psíquica, o caráter blasé – reservado, insensível, indiferente. Contudo, o enfoque específico sobre a arquitetura da cidade como consequência, causa, reflexo ou imagem mais forte do enfraquecimento da esfera pública e da sociabilidade nos espaços públicos, da violência, da insegurança e do individualismo é recente, posterior à década de 1990 (CALDEIRA, 2000; BAUMAN, 2009; SOUZA, 2008; FIJALKOW, 2007), embora a questão venha se delineando desde a década de 1980 se analisarmos, por exemplo, do prisma das grandes transformações socioeconômicas e políticoinstitucionais nas cidades brasileiras, ou seja, a segregação socioespacial, a crise de moradia e a favelização. Vários foram os processos que se combinaram para provocar as mudanças recentes no padrão funcional e formal da arquitetura, bem como de segregação espacial nas cidades brasileiras e latino-americanas. Muitos estudos associam a decomposição ou desconstrução da vida urbana e o aumento do fator de risco, depois dos anos 1980, à volatilidade da ordem econômica neste período, com as reformas neoliberais, a recessão vivida por muitos países do continente, o aumento do desemprego e a perda da continuidade e da proteção dos empregos, bem como o enfraquecimento das instituições de segurança social e dos organismos de reivindicações coletivos (sindicatos e partidos políticos). Esta insegurança socioeconômica de múltiplas faces conduziu a uma instabilidade generalizada e intensificou a busca por recursos como a informalidade. Uma das explicações convencionais da progressão da informalidade é fornecida por certo pensamento conservador que assimila informalidade e ilegalidade. Os estudos sobre criminalidade e antropologia também indicam um aumento da criminalidade, da insegurança e do medo na América Latina, a partir dos anos 1980, coincidindo com a privatização e a transnacionalização das economias, bem como com a perda dos empregos e do poder de compra dos salários (CANCLINI, 1995). 271
No Brasil estes problemas estão associados ainda a formação do espaço urbano marcada pelo patrimonialismo e fisiologismo de grupos dominantes, e a um longo caminho ainda a ser percorrido com relação aos direitos sociais e à cidadania (CARVALHO, 2003; LEITÃO, 2009), o que resultou na constituição de cidades excludentes nas quais os trabalhadores de baixa renda não têm acesso garantido a moradia, nem aos serviços e equipamentos públicos de qualidade. Segundo Ermínia Maricato (1996, 2001), esta situação se agravou após a crise econômica das décadas de 1980 e 1990 do século XX, aprofundando o óbice da “não-cidade”, definida por se encontrar fora da esfera dos direitos, do acesso aos referidos serviços e equipamentos públicos. Conforme ressalta Teresa Caldeira (2000, p.212), certos valores estão ameaçados em diversas cidades de âmbito nacional e internacional. O espaço público não promove mais o ideal moderno de universalidade, ao contrário, promove a separação e a ideia de que os grupos sociais precisam viver em enclaves homogêneos, “enclaves fortificados”, isolados daqueles considerados diferentes. Delineia-se, assim, um novo padrão de segregação espacial que serve de base a uma nova esfera pública acentuando as diferenças de classes e as estratégias de separação. Gilles Deleuze e Félix Guattari (1980) reforçam esta ideia ao afirmarem que as cidades modernas sempre foram marcadas pelo signo do confinamento, “aparelhos de captura” as cidades nasceram com muros, fortalezas renascentistas ou herdadas do mundo medieval. Posteriormente, a maquinaria territorial é construída para controlar os diversos fluxos que as atravessam incluindo o controle do olhar. Nesse sentido, o esvaziamento da praça e da rua como espaços de fluxos, de circulação, corresponderia ao silenciar de vozes (ANDRADE, 2008), concomitante a emergência de um padrão de privacidade associado à “maquinaria do conforto” (Ibid.), substituindo um modo de satisfação corporal cujos efeitos seriam incontroláveis, por um bem-estar cujos meios de produção e os efeitos possam ser controlados e utilizados. Assim, “tanto o banheiro moderno, com seu interior asséptico, quanto os shoppings-centers, com seus malls e ‘praças de alimentação’, são máquinas de conforto que regulam as vidas íntimas e públicas” (Ibidem, p.100). Não sendo à toa, segundo Carlos Roberto M. de Andrade, “a 272
coincidência no surgimento e difusão de três tipos de códigos na cidade moderna de fins do século XIX: o de posturas, o sanitário e o de edificações e urbanismo” (2008, p.120). Em suma, propomo-nos a investigar as práticas urbanas, as novas formas de uso e apropriação dos espaços que possam apoiar reflexões sobre um urbanismo contemporâneo que não negue à cidade aquilo que lhe é essencial – a vida pública. Queremos discutir epistemologia no campo da arquitetura, do urbanismo e do planejamento urbano, informados pela produção crítica da própria área de conhecimento, das ciências sociais e das artes, na busca de alternativas para a “crise” que caracteriza a cidade moderna, contemporânea, relacionando os espaços construídos e as práticas urbanas (sociais, culturais e estéticas) e vendo a cidade como uma criação da inquietude cuja materialidade dos espaços públicos é inevitavelmente híbrida.
Os praticantes da cidade, as artes de fazer, projetar e usar Parece-nos que as ideias sobre as práticas urbanísticas contemporâneas inquietam não apenas os estudiosos e os agentes gestores das cidades, mas também seus habitantes. Criadores e executores de planos, projetos e demais decisões que dirigem os rumos dos processos urbanos e raramente explicitam o pensamento que os fizeram optar por certas alternativas, e descartar outras. Quais foram seus conceitos de cidade, de sua estrutura e de suas funções, de problemas urbanos, de eficácia, de desenvolvimento, de qualidade de vida e, principalmente, do que seja o desejo e a forma de usar os espaços dos cidadãos que fazem das cidades, fenômenos vitais, e não entidades abstratas? Junto com o discurso sobre a crise da cidade, do urbano, sobre a violência, incivilidade, etc., tudo indica, aparentemente, que os usuários pouco reivindicam essas explicações, induzidos pelas explicações dos urbanistas e pelo hábito de acreditar em seus discursos, mas, sobretudo, parece se adaptarem aos lugares que lhes preparam os técnicos, planejadores e gestores. Os indivíduos parecem assimilar deformações, espaços pacificados, domesticados, ordenados, controlados por câmeras, seguranças etc. Segundo Jane Jacobs “talvez nos tenhamos tornado um povo tão displicente, que não 273
mais nos importemos com o funcionamento geral das coisas, mas apenas com a impressão exterior imediata e fácil que elas transmitem” (2000). Supomos, no sentido oposto, existir um saber local dos praticantes das cidades utilizado pelos habitantes para se desviarem das arquiteturas e espaços urbanos super programados. Queremos investigar as “táticas”, “astúcias” (CERTEAU, 1994), “ruses” urbanas, artifícios para se apropriarem e reinventarem seus espaços (BIASE, 2006). E assim, apesar de tudo indicar que a cidade do nosso tempo, do século XXI, tornou-se um espaço em “crise”, que a cidadeconceito se degradou, é preciso desconfiar das nossas análises e das aparências. Como afirma Michel De Certeau (1994, p. 174): talvez as cidades se estejam deteriorando ao mesmo tempo em que os procedimentos que as organizaram. Mas é necessário desconfiar de nossas análises. Os ministros do saber sempre supuseram o universo ameaçado pelas mudanças que abalam as suas ideologias e os seus lugares. Mudam a infelicidade ou a ruína de suas teorias em teorias da ruína. Quando transformam em ‘catástrofes’ os seus erros e extravios, quando querem aprisionar o povo no ‘pânico’ de seus discursos…
Opondo-se a esta lógica, o autor (Ibid., p.175) propõe outro caminho: analisar as práticas microbianas, singulares e plurais que um sistema urbanístico deveria administrar ou suprimir e que sobrevivem a seu perecimento… procedimentos que, muito longe de serem controlados ou eliminados pela administração panóptica, se reforçam… táticas… regulações cotidianas e criatividades sub-reptícias que se ocultam somente graças aos dispositivos e aos discursos, hoje atravancados, da organização observadora.
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Neste sentido, refletir sobre as “urbanidades” entendidas como relações de civilidade, práticas urbanas, inseridas em uma dupla dimensão socioespacial torna-se urgente e fundamental para repensarmos as formas de atuação, gestão e planejamento de nossas cidades. Trata-se de “disposições adquiridas pelo cidadão e, ao mesmo tempo, dos dispositivos de socialização presentes no meio urbano” (JOSEPH, 2002a, p.35). Em outros termos, “de um dispositivo de socialização particular, que seria próprio ao meio urbano e que teria efeitos ou consequências diretas no tipo de práticas e de relações sociais, nos comportamentos ou nas condutas de civilidade e de incivilidade” (ibid.). A dupla dimensão espacial e social aqui referida aparece, nos estudos desenvolvidos por Frederico de Holanda (2003), entendido como “situação relacional [em itálico no texto] entre padrões físico-espaciais e expectativas sociais de muitos tipos” (ibid., p.20). Hillier e Hanson (1976, 1984), por sua vez, referem-se às dimensões “sintáticas” e “semânticas” da arquitetura: às barreiras e às permeabilidades físicas sobre o chão (sintaxe) se superpõem regras de utilização (semântica) que acrescentam significado simbólico à sintaxe do lugar e contribuem para constituir – produzir e reproduzir – padrões de interação social. Porém, entendemos que orientar a experiência das pessoas em categorias analíticas de estruturas sociais pode ser útil, mas, em última instância, são os indivíduos que fazem com que os movimentos culturais/sociais surjam e transformem a realidade social. As práticas sociais que geram mudanças culturais surgem, antes de tudo, no corpo e na mente dos indivíduos. A pergunta “quando, como e por que uma pessoa ou uma centena de pessoas decidem, individualmente, fazer uma coisa que foram repetidamente aconselhadas a não fazer por que seriam punidas?” Castells, responde com a teoria da inteligência afetiva, que, no plano individual, os movimentos sociais são emocionais. Segundo ele, “a insurgência não começa com um programa ou uma estratégia política (...) o big bang de um movimento social começa quando a emoção se transforma em ação” (CASTELLS, 2013, p.18). Diante disto, entender a luta pela moradia, pela permanência da comunidade no Porto do Capim, a participação da Associação de Mulheres, dos docentes e discentes da UFPB, de artistas locais, dentre outros indivíduos no processo de requalificação 275
urbana resulta em afirmar um processo de empoderamento9 desses indivíduos nos espaços públicos. Como essas pessoas se tornam referência da política e para a comunidade, o que as leva a perder horas do seu dia, muitas vezes abdicando de atividades domésticas, de trabalho, estudos, por exemplo, para estarem em reuniões, diante da iminente possibilidade de remoção da comunidade que se configura em uma expressão de desrespeito dos poderes instituídos e que leva à luta por reconhecimento, por direito à cidade. Da mesma forma, tais estudos podem contribuir de modo significativo com o planejamento urbano, na busca de uma melhor qualidade de vida e bem-estar da população. Os espaços públicos dos centros urbanos, espaços e infraestrutura considerados subutilizados e alvo de políticas recentes de requalificação urbana aparecem, neste sentido, como um objeto de estudo privilegiado e os sujeitos insurgentes como possibilidades concretas de ampliação dos mecanismos de participação e constituição de uma democracia no seu sentido radical. Parte-se da premissa que, em condições físico-espaciais difíceis ou alheias aos usuários e suas práticas cotidianas, às suas culturas, hábitos e necessidades, as sociabilidades urbanas e, mais precisamente, a elaboração de urbanidades, tenderiam a ficar comprometidas. Entretanto, os praticantes desenvolvem táticas, individuais e coletivas, como meios de se insurgirem, de se reapropriarem e, assim, resistirem às formas hegemônicas de intervenção e fabricação dos espaços públicos urbanos. Relataremos, na sequência, o contexto de proposição das intervenções urbanas e as resistências à gentrificação do Porto do Capim e adjacências.
O projeto “Novo Porto do Capim” e a resistência da comunidade: tensões e conflitos nos diferentes usos e formas de apropriação dos espaços urbanos patrimonializados 9 O conceito de empoderamento (empowerment) surge na década de 1960, nos Estados Unidos, e vincula-se às reivindicações dos American blacks por direitos civis, pelo fim do preconceito e das discriminações. Se estende posteriormente aos movimentos de gênero e às lutas por direito à cidade por parte de comunidades, coletivos diversos.
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No âmbito de nossas pesquisas enquanto bolsista PQ/CNPq (desde 2011) e como parte da equipe que coordena o Projeto de Requalificação junto ao Proext/UFPB (2015) daremos destaque às ações e conflitos recentes no processo de gestão e participação da sociedade civil como parte da problemática mais ampla da (re) produção do espaço urbano na cidade de João Pessoa. Tratam-se de ações deslanchadas desde 2011 e acirradas em 2015 após a tentativa de implantação autoritária do Projeto de “Revitalização” do Porto do Capim, como parte de um programa de intervenção no centro histórico da cidade de João Pessoa (PB)10, nomeado em documentos oficiais como “Projeto Novo Porto do Capim” e capitaneado pela Prefeitura Municipal com recursos aprovados pelo PAC Cidades Históricas11. Focaremos na contextualização da problemática específica ao centro histórico de João Pessoa e à Comunidade Porto do Capim12, voltando-nos para as relações, contradições, tensões e conflitos presentes na dinâmica em curso que evidencia disputas por diferentes usos do local e formas de apropriação dos espaços patrimonializados, nas negociações entre os agentes que participam do processo de gestão e organização do centro histórico e seu entorno, mais precisamente no protagonismo que vem assumindo a comunidade ribeirinha, às margens do Rio Sanhauá, alvo de ameaças de remoção para instalação de projeto turístico e parque ambiental. O contexto histórico de formação e urbanização da área se insere na própria história da cidade de João Pessoa, fundada por europeus em 1585, às margens do referido Rio Sanhauá, quando dois núcleos principais se formaram: o Varadouro (cidade baixa), caracterizado por atividades de comércio e serviços e a Cidade Alta com predominância de uso residencial e presença de conjuntos religiosos. Em 1920 o então presidente da República Epitácio Pessoa aprovou o projeto de construção do Porto Internacional do Varadouro, que seria construído exatamente na área foco dos conflitos recentes. O porto ficou conhecido como Porto do Capim. Devido à engenharia e à própria natureza do Rio Sanhauá, o porto 10 O centro histórico de João Pessoa foi tombado em nível federal em 2007. 11 O PAC Cidades Históricas é uma ação intergovernamental articulada com a sociedade para preservar o patrimônio brasileiro, valorizar nossa cultura e promover o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade e qualidade de vida para os cidadãos. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/montarPaginaSecao. do?id=14926&retorno=paginaIphan>. Acesso em 04 out. 2013. 12 A Comunidade do Porto do Capim é formada pelas comunidades: Porto do Capim, Vila Nassau, Trapiche, Frei Vidal e pela mais recente ocupação denominada Curtume.
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não tinha capacidade de receber navios de grande porte, o que resultou na inviabilidade do exercício das funções de escoamento de produção e, por consequência, do desenvolvimento do projeto. Na década de 1940, o Porto do Capim foi desativado e o escoamento da produção local passou a ser feito pelo Porto de Cabedelo, cidade vizinha a João Pessoa (na época um distrito da mesma), e pela ferrovia construída para o mesmo fim (SCOCUGLIA, 2004; GONÇALVES, 2014). Resultante da dinâmica de urbanização e desenvolvimento econômico da cidade houve um gradativo esvaziamento do centro como lugar de moradia pelas camadas de classe média e elites da sociedade local. A existência do Porto e sua posterior desativação provocou, entre 1940 e 1970, a ocupação do espaço por uma população oriunda das camadas mais pobres da sociedade, principalmente famílias trabalhadores do antigo porto, que ali desenvolveram um núcleo residencial. Podemos afirmar que a partir de um processo relativamente “espontâneo” de substituição de população, essa área do centro acentuou sua vocação para abrigar trabalhadores diversos como comerciários, ambulantes, lavradores, pescadores, mecânicos de automóveis, prostitutas, flanelinhas, entre outros. O Porto do Capim, especificamente, abrigou essa diversidade, mas, em especial, pescadores e uma comunidade estuarina se consolidou com costumes e modos de organização socioespacial peculiar, se configurando, hoje, como região predominantemente residencial, contando com um pequeno comércio local, escola pública, igrejas e associação de moradores. Gonçalves (2014) nos lembra que muitos dos antigos moradores continuam a exercer sua atividade econômica ligada à pesca como complemento do sustento familiar, e, desse modo, um pescador pode ser ao mesmo tempo vendedor ambulante. No caso de ribeirinhos urbanos contemporâneos, essas ocupações profissionais e bicos temporários se sobrepõem. Há também moradores que exercem outras profissões, nas quais a localização de suas casas é fundamental para a movimentação, deslocamento e continuidade de suas atividades, como também de suas relações cotidianas.
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Figura 1 e 2: Localização da Comunidade do Porto do Capim em relação à cidade de João Pessoa sobre mapa base google e identificação das comunidades que compõem a área de estudo alvo das propostas de remoção de moradias previstas no Projeto Novo Porto do Capim da PMJP. Fonte: Acervo do Proext Abrace o Porto do Capim, 2015.
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A região do Porto do Capim por estar na área central da cidade, próxima da estação ferroviária e rodoviária, tem nessas estruturas apoios fundamentais para a mobilidade dos moradores. O espaço do Porto do Capim precisa, desse modo, ser entendido em sua diversidade, como espaço heterogêneo. Como afirma Gonçalves: O local não pode ser entendido como uma “comunidade de pescadores”, apesar de existirem pessoas que relacionam parte de suas atividades econômicas ao rio. Também não pode ser caracterizado, como é de costume, pelas “péssimas condições de habitação” ou simplesmente como “área de risco”, pois ao mesmo tempo em que existem casas em perfeito estado de habitação, existem aquelas, construídas às margens do rio, onde os moradores convivem com constantes inundações provocadas pelas cheias das marés. O fato é que ali, onde se localizava o antigo porto da cidade, ocorreu um processo de ocupação urbana para fins de moradia, de uma população economicamente carente... (2014, p.17-18).
Quanto às políticas patrimoniais de intervenção na cidade de João Pessoa destacam-se duas fases de atuação distintas que configuram diferentes formas de organização dos atores sociais envolvidos (SCOCUGLIA, 2004). A primeira fase das políticas de intervenção inicia-se em 1987 a partir do estabelecimento de um Convênio de Cooperação Internacional13 estabelecido entre Brasil e Espanha, privilegiando a proteção de monumentos em situação de risco, assim como criação de normas restringindo o uso e descaracterização dos imóveis, o que gerou, desde então, conflitos entre gestores e comerciantes das áreas centrais da cidade. Nesse primeiro momento foi instituída ou inventada a figura do “Centro Histórico” e elaborado o Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, dividido em etapas e planos de ação. Para a possível implantação do projeto foram realizadas pesquisas 13 Fizeram parte desse Convênio o Ministério da Cultura, através do Iphan; o governo da Espanha, através da AECI; Governo do Estado da Paraíba, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP), Secretaria de Educação e Cultura, Secretaria de Turismo e Secretaria de Planejamento/PRODETUR; Prefeitura Municipal de João Pessoa, através da Secretaria Municipal de Educação (SEDEC), Secretaria Municipal de Planejamento (SEPLAN) e Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE) (CPDCHJP, 2007). Com o término do Convênio Brasil/Espanha no fim dos anos 2000, as ações da Comissão ficaram prejudicadas, principalmente, devido à falta de financiamento para aplicação das ações de revitalização previstas.
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e inventários sobre a estrutura urbana das edificações inseridas no núcleo tombado a nível estadual. Ressalte-se que esse inventário, produzido em 1987, continua sendo fonte de pesquisa atual. A segunda fase, a partir de 1998, é marcada pela reinvenção da figura do “Centro Histórico”14 e participação da sociedade civil organizada em associações ligadas a educação, cultura e arte. Nesse contexto, foi elaborada a primeira revisão do Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, em parceria com a ACEHRVO, uma organização da sociedade civil. Tal projeto efetuou, inicialmente, obras de revitalização da Praça Anthenor Navarro e do Largo de São Frei Pedro Gonçalves, sem descer a ladeira e chegar ao Porto do Capim. Outro resultado do referido Convênio Brasil-Espanha foi a criação da Oficina Escola de João Pessoa, em 1991, criando um espaço de formação de mão-deobra qualificada para suprir a demanda de pessoal no trabalho de obras de restauração de edificações de valor patrimonial. Nesse contexto, além do convênio de cooperação internacional, os planos de revitalização contaram com o financiamento do BID, através do PRODETUR. Assim, desde a década de 1990, existem intervenções previstas para a área de entorno da delimitação do centro histórico de João Pessoa, onde se destaca o Porto do Capim e seu núcleo de moradia de populações de baixa renda. Tais ações configuram atualmente um cenário de conflitos e resistência organizada da comunidade ribeirinha ao processo de gentrificação anunciado e em curso. A comunidade está representada, em especial, pela Associação de Mulheres do Porto do Capim15, com apoio e mobilização de outras organizações da sociedade civil vinculadas à cultura, arte e educação que realizam trabalhos sociais na área, contribuindo no empoderamento da comunidade e reconhecimento do direito à cidade e à moradia. A comunidade acadêmica bem como artistas e 14 Ver a respeito: Jovanka B. C. Scocuglia. Revitalização urbana e (re) invenção do centro histórico na cidade de João Pessoa – 1987-2002. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2004 e Cidadania e patrimônio cultural: Oficina-Escola, Projeto Folia cidadã e ACEHRVO no centro histórico de João Pessoa. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2004.
15 O movimento das mulheres articulado via Associação de Mulheres é tema de uma dissertação de mestrado no âmbito do PPGS/UFPB, intitulada: “Aqui tem gente”!: as mulheres em ação do Porto do Capim, elaborada por Emilayne da Silva Souto, 2015, articulando questões de gênero, movimentos sociais e lutas por reconhecimento e direito à cidade. A autora afirma que durante o trabalho de campo, percebeu que a luta da Associação de Mulheres Porto do Capim em Ação se configura, em última instância, como uma luta por reconhecimento: reconhecimento do seu lugar próprio, da sua cultura, dos seus hábitos e modos de vida. Acrescenta, ainda, que das falas das mulheres da Associação emergem as noções de respeito, dignidade e autoestima. Entretanto, quando no Plano de Ação João Pessoa Cidade Sustentável, a Prefeitura propõe que revitalizar o Porto do Capim representa devolver o rio à cidade, enquanto sujeitos de luta, estas mulheres experienciam a denegação do reconhecimento do seu direito à cidade.
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intelectuais participam dessa rede de resistência e luta por direito à cidade, com destaque, para as ações desenvolvidas desde 2011 quando da formação da Comissão Porto do Capim em Ação, do Programa de Extensão e o Projeto “Subindo a Ladeira” da UFPB, do movimento Varadouro Cultural, do movimento João Pessoa Que Queremos, do movimento Amigos da Natureza, do movimento SOS Patrimônio Histórico, do Museu do Patrimônio Vivo, do Centro de Referências em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (CRDH/UFPB) e da ONG Porta do Sol e a partir de 2015 por meio do Proext/UFPB Requalificação Urbana Ambiental e Patrimonial do Porto do Capim, da oficialização da Associação de Mulheres do Porto do Capim e do reforço obtido pela entrada em cena da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão que, provocada pelas ações dessas entidades e diante da legitimidade da causa, vem promovendo audiências públicas e convocando a PMJP para abrir, de fato, um processo participativo, de diálogo, gestão pública e elaboração de projetos de interesse amplo dos cidadãos. Os resultados ainda são tímidos no sentido da abertura da PMJP ao diálogo e à ação de planejamento participativo. O ponto nefrálgico do projeto de revitalização da PMJP localiza-se na previsão de retirada dos moradores da região do Porto do Capim e sua posterior realocação. Não significa que outras estratégias e projeções para a área não sejam igualmente polêmicos, como por exemplo, a construção de um píer de concreto para atividades turísticas, de consumo e lazer sobre a vegetação de mangue e demais recursos naturais preservados, entre outros pontos. Argumenta-se, por exemplo, que a remoção das casas, estabelecimentos comerciais, escola e igrejas é necessária para construção de uma grande arena de eventos. O projeto prevê também restauração dos antigos casarões e desenvolvimento de turismo náutico. Todas as ações são pautadas no discurso de “interesse público, dignidade habitacional, preservação ambiental e resgate do “vínculo entre rio e cidade”” como se os ribeirinhos não estivessem entre os que também têm esses mesmos direitos e estivessem ali destruindo o meio ambiente e a imagem da cidade. Os argumentos que buscam legitimar as ações de remoção estão ainda baseados na questão da impossibilidade de implantação de esgotamento sanitário na área e na situação ilegal das ocupações que foram construídas em terras da União. Argumentos frágeis 282
porque desprovidos de estudos aprofundados nesses temas e pouco dialogados com os interessados e demais profissionais, cidadãos e entidades representativas da sociedade. A Comunidade Porto do Capim vem reagindo à remoção e lutando pelo direito de permanência na área bem como pela participação no processo de gestão ambiental, cultural e patrimonial durante e depois da elaboração de planos, projetos e implantação dos mesmos. A partir de um movimento em rede, a comunidade se torna protagonista do processo de requalificação em curso participando de debates, audiências, seminários, programas de rádio, fóruns os mais diversos e passa também a desencadear uma luta por reconhecimento, nos termos da concepção de Honneth, como sendo o processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento (HONNETH, 2003:257 apud SOUTO, 2015)
Reconhecimento enquanto comunidade ribeirinha com sua cultura, diversidade e espaço de representação posto que, como nos lembra David Harvey (2014), ao reivindicar o direito à cidade, os sujeitos, em última instância, estão reivindicando “algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas” (HARVEY, 2014, p.30). Ao questionar o Projeto “Novo Porto do Capim”, a Comunidade Porto do Capim e demais membros da rede de resistência que se insurge contra esse Projeto, passa a reivindicar o acesso a direitos, a condições dignas de vida e de moradia, bem como o direito à cidade, questionando a condição de invisibilidade social de grupos e indivíduos estigmatizados, a produção do espaço urbano e o próprio modelo de cidade que parece transformar a gentrificação em uma “estratégia urbana global”, nos termos indicados por Neil Smith (2006), amplamente incorporada ao cenário brasileiro contemporâneo. Este artigo não pretende, obviamente, esgotar essa discussão, mas apontar as contradições, conflitos e insurgências no âmbito 283
de processos de intervenção em centros urbanos, bem como a necessidade de discussão conceitual, metodológica e dos instrumentos de intervenção e planejamento de nossas cidades. Urge ampliarmos os mecanismos de participação na produção dos espaços urbanos, em termos das políticas e dos instrumentos urbanísticos de construção democrática das nossas cidades. Isso passa também por rever os processos de atribuição de valor patrimonial, considerando-se que a cidade é um espaço socialmente construído, passível de sofrer modificações. Assim como no caso do Porto do Capim, outras tantas comunidades inseridas em áreas de patrimônio ou em seu entorno atravessam essas mesmas dificuldades, ao terem seu direito à cidade negado e suas referências culturais desrespeitadas. É possível identificar formas de viabilizar, técnica, legal e politicamente a permanência dessas populações em seus lugares de moradia promovendo um processo amplo de reconhecimento e valorização das culturas urbanas, concomitante à conservação ambiental e patrimonial. De fato, a gentrificação, a produção de cenários espetaculares para turistas e a mercantilização de nossas cidades vem encontrando insurgências e resistências em diversas áreas. Esses processos, em geral, não se dão da forma passiva como as imagens projetadas parecem indicar e a indignação se amplia gradativa e constantemente. Concluímos, reafirmando a urgência de ampliação dos estudos empíricos, da mudança de atitude do pesquisador no sentido de buscar sair de sua zona de conforto para conhecer os espaços cotidianos, os usos e apropriações e esses movimentos de indignação e resistência, pois como ressalta Gilberto Velho, na apresentação à edição brasileira do livro “Sociedade de Esquina”, o sentido do trabalho de campo está em “não ficar preso ao senso comum, estereótipos e preconceitos, estudando situações, matizes, ambiguidades, contradições, que são características inescapáveis”. (VELHO, Gilberto apud FOOTE-WHYTE, William, 2005).
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EXPANSÃO URBANA E PERIFERIZAÇÃO EM UMA CIDADE DE PORTE MÉDIO: Crescimento, direção e velocidade
Milena Dutra da Silva
[PPGAU-Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
Juliana Carvalho Clemente
[IFPB-Instituto Federal da Paraíba, Brasil]
Geovany Jessé Alexandre da Silva
[PPGAU-Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
Nadjacleia Vilar Almeida
[DPMA-Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
José Augusto Ribeiro da Silveira
[PPGAU-Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
INTRODUÇÃO
292
O processo de expansão urbana encerra em si um dinamismo que implica no processo sucessional e contínuo para a composição do espaço dito habitável, guiado por elementos socioeconômicos e culturais, reconhecidamente geradores e reguladores das dinâmicas espaciais na urbe. Observa-se, em escala mundial, que as áreas urbanas quadruplicaram entre as décadas de 1970 a 2000, e que esse aumento esteve vinculado ao grande incremento de população urbana (crescimento vegetativo e, ou, êxodo rural), ocorrido durante esse período (SETO et al., 2011). No Brasil, de forma relativamente análoga, o crescimento populacional, sobretudo nas últimas décadas, também produziu uma larga expansão de áreas com altos índices de urbanização exibindo quantitativos de população variáveis, e com características distintas no território (Estatísticas Históricas do Brasil; IBGE 2000 e 2010).
Os processos de transformações espaciais ocorridos no território nacional após a década de 1970 foram mais acentuados, sobretudo, em cidades de médio e pequeno porte, nas quais os índices de crescimento populacional urbano e de áreas urbanizadas apresentaram-se superiores àqueles das grandes cidades do país, especialmente após a década de 1980 (SANTOS, 2009; PEREIRA, 2004; IBGE, 1970; 1980; 1991; 2000; e 2010). Nesse sentido, as cidades de médio porte constituem-se em instigantes objetos de análise empírica, com fins às investigações da expansão urbana, sobretudo em cidades na região nordeste do país, onde a população urbana cresceu 224%, entre as décadas de 1970 e 2010 (IBGE, 1970; 2010). Ressalta-se que, investigar as dinâmicas da expansão urbana presentes nas cidades de médio porte, além de fornecer subsídios ao entendimento de processos e fenômenos locais e regionais, propicia a compreensão comparativa dos processos mundiais, haja vista o significativo papel exercido por estas cidades à urbanização global atual, a ser continuado, ainda, por décadas no futuro (QI et al., 2013). As dinâmicas da mancha urbana, decorrentes da urbanização, não devem ser vistas simplesmente como um processo de mudança espacial, dada pela coalescência dicotômica, aglutinação de espaços urbanizados, em um dado intervalo temporal. Trata-se de um processo complexo e espiralado, implicando em mudanças nos padrões de crescimento, a saltar em toda a paisagem (LI, LI, & Wu, 2013). Embora as análises das causas e/ou efeitos das dinâmicas espaciais da urbe, sobretudo em suas áreas periféricas, sejam necessárias e elucidativas ao entendimento do processo de expansão urbana, ressalta-se que estas não devem anteceder a umas das etapas iniciais e fundamentais para a compreensão da urbanização, que consiste em caracterizar a expansão urbana de forma adequada (análises qualitativas e quantitativas) através da inserção da dimensão espacial, com peso e significância devidos (JAT, et al., 2008; JI et al.,2006; OJIMA, 2007). A caracterização da mancha urbana se dá pela detecção das dinâmicas ocorridas através de análises quantitativas, que podem ser obtidas com o emprego de técnicas e métodos em geoprocessamento (XU e MIN, 2013; FITZ, 2008; SILVA, 2007). Entre as vias metodológicas, comuns aos estudos quali-quantitativos 293
sobre expansão urbana e transformações da paisagem, destacamse as análises temporais de imagens de sensores remotos, tais como aerofotos e/ou imagens de satélite (LIU, 2008; CAMPBELL, 2007; NOVO, 1998). Essas análises viabilizam, entre outras, a quantificação do crescimento da mancha urbana, que dada em um ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica) apresenta elevada precisão, reproduzindo as dimensões espaciais em realidade virtual (BLASCHKE & LANG, 2007). A caracterização e o monitoramento do crescimento da mancha urbana são ferramentas valiosas, que fornecem subsídios às tomadas de decisão relativas ao gerenciamento e planejamento da cidade. Essas ferramentas, além de possibilitar o conhecimento quali-quantitativo da evolução histórico-territorial da urbe, permitem, também, a estimativa de cenários futuros. Para tanto, é necessário efetuar análises para além da quantificação da área acrescida em um diferencial temporal, e conhecer, também, a velocidade de crescimento da mancha urbana. João Pessoa, capital paraibana, cidade de médio porte, localizada no Nordeste do Brasil, constitui-se em um instigante objeto de estudo, com fins às análises das dinâmicas espaciais da mancha urbana. No início da década de 2010, a cidade apresenta mancha urbana em elevada proximidade aos limites políticos-administrativos do município, exibindo um percentual de urbanização de 99% (Censo IBGE, 2010). A presente configuração suscita questionamentos quanto às transformações espaciais, sobretudo quanto à velocidade da evolução do crescimento dessa mancha urbana, a saber: Quais as regiões-alvo para a expansão urbana? Quais intervalos temporais se destacam (maior e menor velocidade de crescimento da mancha)? E esta, por sua vez, ocorreu de forma crescente e contínua ou em movimentos nítidos de “aceleração” e “desaceleração”? Diante do exposto, desenvolveu-se o presente estudo objetivando caracterizar o crescimento da mancha urbana de João Pessoa, com ênfase na análise do crescimento médio anual da mancha urbana, da década de 1960 à década de 2010, por meio de métodos e técnicas em geoprocessamento.
294
MÉTODO, ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS Área de Estudo O município de João Pessoa está localizado no extremo oriental do estado da Paraíba e ocupa uma área de 210,45 Km2 (0,3% da PB). Capital paraibana limita-se, ao norte, com Cabedelo (rio Jaguaribe); ao sul, com Conde (rio Gramame); ao leste, com o Oceano Atlântico; e, ao oeste, com Santa Rita (rios Mumbaba e Paraíba) e Bayeux (rio Sanhauá). Localiza-se entre as latitudes 7º15’0”S e 7º3’0”S e longitudes 34º52’W e 34º48’0’’W (Figura 1).
A cidade teve a sua fundação em 1585, com mancha urbana inicialmente correspondente a uma reduzida área, que abrigava o núcleo administrativo, religioso e prédios para moradia de uma população inferior a 1.000 habitantes. Atualmente, João Pessoa, é considerada uma cidade de porte médio, com 723.515 habitantes (IBGE, 2010).
Figura 1: Localização do Município de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Elaboração: Os autores (2015).
295
Identificando as dinâmicas físicas da mancha urbana Com fins de identificar a dinâmica espacial da mancha urbana de João Pessoa, ainda pouco conhecida, tanto como objeto teórico quanto objeto empírico de pesquisa, foi selecionado intervalo temporal corresponde ao aumento do grau de urbanização (crescimento vegetativo da população urbana e, ou, em função do êxodo rural) e intensificação da ocupação do solo para usos urbanos no município, a saber, o intervalo compreendido entre as décadas de 1960 e 2010. Foram utilizados recursos de acordo com o elemento de representação do espaço urbano disponível para cada período espaço-temporal analisado, como mapas, aerofotos e imagens de satélite (Quadro 1).
Quadro 1: Base cartográfica consultada para análise do crescimento espacial da mancha urbana de João Pessoa (1963 – 2011).
ANO
BASE CARTOGRÁFICA
FONTE
1963
Mapa de João Pessoa
Lavieri e Lavieri (1992)
1970
Mapa de João Pessoa
SUDENE (1970)
1979
Mapa de João Pessoa
Lavieri e Lavieri (1992)
1985
Mapa de João Pessoa
Plano Diretor de Transportes Urbanos da Cidade de João Pessoa (PDTU – PMJP/Governo Estadual da Paraíba, 1985)
1992
Mapa de João Pessoa
Plano Diretor da Cidade de João Pessoa (PD-PMJP, 1994).
1998
Ortofotocarta, datadas de maio e junho de 1998
Material cedido pela Secretaria de Planejamento Municipal de João Pessoa, Divisão de Geoprocessamento (PMJP)
2004
Imagem de satélite Worldview
Secretaria de Planejamento Municipal de João Pessoa, Divisão de Geoprocessamento (PMJP)
2009
Imagem de satélite Geoeye
Programa de livre visualização de imagens de satélite, Google Earth.
2011
Imagem de satélite Geoeye
Programa de livre visualização de imagens de satélite, Google Earth.
Elaboração: Os autores (2015).
296
Para analisar as transformações da mancha urbana de João Pessoa com maior acurácia, as informações foram trabalhadas em ambiente SIG, em um programa livre para análise espacial e de informação geográfica, o Quantum GIS. Os dados espaciais foram georreferenciados e vetorizados e, a partir destes, foram elaborados mapas temáticos da expansão urbana de João Pessoa (de 1963 a 2011).
Crescimento da mancha urbana Para análise do crescimento da mancha urbana de João Pessoa, foram identificados e mapeados os sítios com ocupação urbana, de 1963 a 2011, e suas linhas de crescimento, tomando-se como referência o Porto do Varadouro (Porto do Capim), aqui considerado como ponto inicial de ocupação urbana no território (primeiras edificações), em 1585. Neste trabalho, foram consideradas como sítios com ocupação urbana as áreas que apresentaram ao menos um dos componentes do tecido urbano, conforme Panerai (2006), a saber, presença de: a) redes viárias; b) parcelamento fundiário; e/ou c) edificações. Para conhecimento da expansão urbana foi delimitada a área de ocupação urbana, em km2, para cada ano analisado. Posteriormente, para determinação da área de expansão acrescida, procedeu-se à diferença entre a área de expansão urbana final e a área de expansão inicial dos intervalos temporais analisados.
Velocidade de Crescimento da mancha urbana Objetivando conhecer a velocidade de crescimento da mancha urbana de João Pessoa, entre décadas de 1960 e 2010, aplicou-se um algoritmo para determinação da Taxa de Crescimento Médio Anual (TCMA) da mancha urbana, fundamentada em atributos espaciais e temporais (INPE, 2015) (Equação 1).
Onde: P(t) corresponde à mancha urbana depois de decorrido t anos; P0, mancha urbana inicial; i, Taxa de crescimento médio anual da
297
mancha urbana (TCMA); t, recorte temporal analisado; Unidade de medida = valor adimensional. O aumento e a diminuição da TCMA, dados em valores de comparação entre os intervalos temporais analisados, foram interpretados neste trabalho, respectivamente, como movimentos de aceleração e desaceleração do crescimento da mancha urbana.
Taxa de Crescimento da população Objetivando conhecer o percentual de incremento médio anual da população total e urbana residente no município de João Pessoa, foi utilizado o método geométrico adotado pelo IBGE por meio da seguinte fórmula: Onde: (r) é a taxa de crescimento; (Pt) é a população final; (P0), a população no começo do período considerado; e “n” o número de anos no período.
RESULTADOS
Crescimento e direção da mancha urbana A cidade de João Pessoa teve a sua mancha urbana modificada continuamente, ao longo das últimas décadas, para acomodar o acréscimo de áreas com ocupação urbana ao tecido urbano preexistente. Nota-se que, em um intervalo de aproximadamente 50 anos, a mancha urbana se expandiu a uma área quase seis vezes maior que aquela correspondente ao ano de 1963 (Tabela 1).
298
Mancha Urbana Ano
Área Expandida (Km2)
Área Total (Km2)
1963
*
19,9506
1970
11,1834
31,134
1979
20,3296
51,4636
1985
29,0666
80,5302
1992
10,6024
91,1326
1998
10,423
101,5556
2004
4,097
105,6526
2009
8,341
113,9936
2011
2,51
116,5036
Tabela 1: Crescimento da mancha urbana de João Pessoa de 1963 a 2011.
*Dado ausente, pois o ano de 1963 representa o início do recorte temporal. Fonte: Os autores (2015).
O crescimento do tecido urbano de João Pessoa ocorreu de maneira crescente e contínua, com expansão mais expressiva entre 1963 e 1985, período no qual a mancha urbana cresceu o equivalente a aproximadamente 70% da área total atual da urbe (Tabela 2). Ressalta-se que, ao longo de todo o intervalo temporal analisado, a expansão da mancha urbana não ocorreu de forma radial e regular. Houve a adoção de um modelo de expansão espraiado e fragmentado, com acréscimo de áreas à mancha urbana em regiões distintas da cidade, dadas pela seleção de sítiosalvo preferenciais em linhas de crescimento mutáveis ao longo do tempo (Figura 2).
299
Figura 2: Linhas de crescimento da mancha urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (19632011). Foi tomado como referência o ponto inicial de ocupação da cidade, o Porto do Capim.
Elaboração: Os autores (2015).
A mancha urbana, até 1963, apresenta força de distensão orientada predominantemente a leste, com linhas periféricas em um raio de distância máxima de 7 km do ponto inicial da ocupação urbana em João Pessoa (em 1585) (Figura 3). Apresenta, ainda, em suas porções marginais orientadas a leste e sudeste, áreas com ocupação urbana em descontinuidade ao tecido urbano (Figura 3). Nesse período, os sítios-alvos da ocupação urbana têm como elementos estruturantes as vias Av. Epitácio Pessoa e Av. Senador Ruy Carneiro. Há, ainda, uma discreta expansão orientada ao sul, estruturada pela Av. Cruz das Armas. De 1963 até 1970, a mancha urbana cresceu o equivalente a 56% da área do tecido urbano expandido ao longo de quase quatro séculos (1585-1963). Observa-se que orientação de expansão do tecido urbano se dá, ainda, com crescimento predominantemente a leste (Figura 2). Entretanto, observa-se ocupação urbana em sítios-alvo também ao nordeste, estruturada pela BR-230; a estesudeste; a sul-sudeste, estruturada pela Av. Dom Pedro II; e ao
300
sul, estruturada pela Av. Cruz das Armas. Cabe ressaltar que o incremento de áreas com ocupação urbana, ocorrido de 1963 até 1970, aumentou o distanciamento dos limites periféricos, sendo estes estabelecidos a um raio de distância máxima superior a 9 km do ponto inicial de ocupação da urbe (Figura 3).
Figura 3: Dinâmica espacial da mancha urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (1963-2011).
Elaboração: Os autores (2015).
301
A partir de 1970, a expansão da mancha urbana apresenta força de distensão orientada predominantemente ao sudeste, e/ou em eixos sub-colaterais em vizinhança próxima. Essa data põe-se como marco quanto à dinâmica espacial da mancha urbana, dada a quantidade de áreas acrescidas à mancha preexistente e linhas de crescimento adotadas, sobretudo durante os períodos de 1970 a 1979 e de 1979 a 1985, correspondendo, respectivamente, a 20,33 km2 e 29,07 Km2 de área acrescida à mancha urbana (Tabela 1). A grande quantidade de áreas acrescidas ao tecido urbano, entre 1970 e 1979, estabelece-se predominante ao sul (Figura 3), estruturada pela BR-101, com sítio alvos da ocupação urbana estabelecidos também ao nordeste, estruturados pela BR-230; ao leste, pela Av. Epitácio Pessoa e Av. Ruy Carneiro; ao este-sudeste, pela Av. Dom Pedro II; ao sul-sudeste, pelas vias BR-230 e Av. Dois de Fevereiro; e ao este-sudoeste, estruturada pelo Acesso Oeste, BR-101 e BR-230. Cabe ressaltar que há variação quanto à quantidade de áreas acrescidas nestes eixos e, portanto, variação em intensidade da orientação do crescimento da mancha urbana (Figura 2). Observa-se, ainda, que durante o período de 1970 a 1979, a força de distensão exercida pelas áreas acrescidas à mancha urbana preexistente empurraram as linhas periféricas da urbe a uma distância máxima de 11 km do ponto inicial de ocupação da cidade (Figura 3). O período de 1979 a 1985 destaca-se, entre os períodos analisados, por apresentar maior quantidade de áreas, com usos urbanos, acrescidas à mancha urbana (Tabela 1). Durante esse período a distensão do tecido urbano se dá de forma semelhante ao exibido durante o período anterior (1970 a 1979), diferenciandose deste por apresentar uma maior intensidade de crescimento orientado ao sul-sudeste (estruturado pela Av. Dois de Fevereiro, Av. Dom Pedro II/coletora Josefa Taveira e BR-230) e por não exibir distensão orientada a leste (Figura 2). Ressalta-se que a inexistência de distensão da mancha urbana orientada a leste põe-se como uma das características da expansão da urbe, a partir de 1979, e é justificado pelo total consumo do solo urbanizável no setor leste da cidade em momentos anteriores. Observa-se, ainda, que o tecido urbano, de 1979 a 1985, estabelece suas linhas periféricas a uma distância máxima de 17 km a partir do ponto inicial de ocupação urbana em João Pessoa (Figura 3). Destaca-se, também, que o 302
distanciamento atingido é o máximo permitido pelas características geográficas e pelo limite político administrativo do município. Embora a evolução da mancha urbana seja crescente e contínua, a partir de 1985, observa-se que o crescimento torna-se cada vez menos expressivo, com quantidade de áreas incrementadas variável, sugerindo períodos de expansão horizontal mais contida, marcados pela possível alternância entre ações combinadas da especulação imobiliária, influentes neste modelo de crescimento da mancha urbana. Isto é visualizado, sobretudo, na análise do crescimento do tecido urbano ao longo do período de 1998 a 2011, no qual as áreas acrescidas oscilam, sendo correspondentes a apenas 4,10 km2 (de 1998 a 2004), posteriormente acrescida em área duas vezes maior que isto, correspondente a 8,34 km2 (de 2004 a 2009) e, retornando a um crescimento discreto, com acréscimo de 2,51 km2 (de 2009 a 2011) à mancha urbana preexistente (Tabela 1). Os espaços com usos urbanos acrescidos à urbe, de 1985 a 1992, foram estabelecidos em sítios orientados a nordeste, leste, sul-sudoeste, e, em maior quantidade, a este-sudeste, sul-sudeste e sul (Figura 2). A expansão da mancha a nordeste teve como via estruturante a BR-230; a leste, justifica-se pela ocupação irregular às margens do Rio Jaguaribe; a este-sudeste, estruturada pela Av. Dom Pedro II/coletora Hilton Souto Maior; ao sul-sudeste, pela Av. Dom Pedro II/coletora Josefa Taveira; ao sul, a BR-101; e ao sulsudoeste, onde não há macroestrutura linear associada à expansão nesta direção. As áreas acrescidas à mancha urbana, de 1985 a 1992, têm suas linhas periféricas em um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação equivalente a 15 km (Figura 3). Entre 1992 a 1998, as áreas com ocupação urbana, acrescidas à mancha, apresentam força de distensão orientada ao sul, ao este-sudeste e ao sul-sudeste, com maior quantidade de áreas estabelecidas nessas duas últimas linhas de crescimento citadas (Figura 2). A este-sudeste, a expansão urbana foi estruturada pela Av. Dom Pedro II/coletora Hilton Souto Maior; ao sul-sudeste, pela Av. Dom Pedro II/coletora Josefa Taveira e PB-008. Já para o crescimento da mancha urbana em orientação ao sul, não há macroestrutura linear associada, embora haja certa proximidade do sítio à parte do tecido urbano que mantém contato direto com a BR-101. Observa-se, ainda, que as margens limites das 303
áreas acrescidas entre 1992 e 1998 se estabelecem em um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação da cidade correspondente a 15 km (Figura 3). O período de 1998 a 2004 se destaca, entre os períodos analisados, por corresponder a segunda menor quantidade de área com ocupação urbana acrescida à urbe (Tabela 2). O discreto incremento ocorrido dá-se pela ocupação de pequenos sítios, que se estabeleceram ao nordeste, ao este-sudeste, ao sudeste e ao sul-sudoeste (Figura 2). As ocupações ao nordeste correspondem a pequenas áreas com ocupação urbana dada por comunidades ribeirinhas nos bairros do Roger e Padre Zé. Já a expansão urbana a este-sudeste foi estruturada pela Av. Dom Pedro II/coletora Hilton Souto Maior, enquanto que para as expansões urbanas ocorridas às demais orientações não houve macroestrutura linear associada. As áreas incrementadas, de 1998 a 2004, têm suas linhas periféricas a um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação urbana equivalente a 13 km (Figura 3). De 2004 a 2009, o crescimento da mancha urbana dá-se de forma semelhante ao ocorrido durante o período de 1992 a 1998, com força de distensão orientada ao sul e, em predominância, ao este-sudeste e ao sul-sudeste (Figura 2). No entanto, observa-se que no período de 2004 a 2009, a expansão ao sul tem como via estruturante a BR-101, e corresponde a uma ocupação urbana discreta, às margens da BR-101, no bairro do Distrito Industrial. As áreas com ocupação urbana incrementadas de 2004 a 2009 foram estabelecidas predominantemente às margens das áreas ocupadas durante o período de 1992 e 1998, e estiveram a um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação urbana equivalente a 14 km (Figura 3). Durante o período de 2009 a 2011, o crescimento da mancha urbana foi discreto, correspondendo a menor quantidade de área acrescida à urbe entre os períodos analisados (Tabela 2). Observase, ainda, que crescimento do tecido urbano, de 2009 a 2011, dáse em continuidade ao padrão de distensão exibido no período de 2004 a 2009, com maior quantidade de área com ocupação urbana estabelecida em bairros periféricos situados ao sul-sudeste e estesudeste (Figura 3). Essas áreas apresentam linhas periféricas a um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação urbana de aproximadamente 15 km (Figura 3). 304
Velocidade de Crescimento da mancha urbana A determinação da velocidade de crescimento da mancha urbana de João Pessoa, de 1963 a 2011, possibilitou identificar que, de forma geral, a expansão da urbe deu-se em alternância de movimentos de aceleração e desaceleração, identificados, respectivamente, pelo aumento e a diminuição do valor da Taxa de Crescimento Médio Anual da Mancha Urbana (TCMA) (Figura 4).
Elaboração: Os autores (2015).
A variação quanto à velocidade de expansão do tecido urbano sugere que políticas públicas, e/ou interesse do mercado capitalista, atuam na (re)produção do espaço de forma variável ao longo do tempo, como resultado de ações conjuntas e situação econômica vigente, entre outros fatores. Essa variação da velocidade de expansão da mancha urbana também apresenta variação espacial, em atendimento a demandas e características locais, a exemplo do preço do solo, necessidade de valorização do preço do solo em determinados setores em detrimento de outros, criação de “novos lugares” etc., originando espaços urbanos adjacentes com velocidade de produção distintas. Ao mapear a velocidade de distensão do tecido intraurbano, observa-se que a mancha urbana tem sítios com produção e apropriação do ambiente urbano dadas em diferentes velocidades quanto ao consumo do solo urbanizável (Figura 4 e 5). Nesses espaços, a conversão do ambiente natural para um ambiente
Figura 4: Velocidade de crescimento da mancha urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (1963-2011), expressa pela Taxa de Crescimento Médio Anual da Mancha Urbana (TCMA) (valor adimensional).
305
urbano e edificado, redefine a paisagem e imprime nesta, de acordo com a velocidade de transformação, impactos ambientais negativos diretamente proporcionais à velocidade de distensão da mancha urbana nos referidos sítios. É sabido que, quanto maior a velocidade de transformação de uma paisagem natural para uma paisagem antropizada, maior a intensidade do distúrbio causado sobre o ambiente natural, bem como o tempo necessário para que o equilíbrio ambiental seja reestabelecido. Figura 5: Mapeamento da velocidade de distensão da mancha urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (1963-2011), expressa pela Taxa de Crescimento Médio Anual da Mancha Urbana (TCMA) (valor adimensional).
306
Ainda em uma análise geral do período de 1963 a 2011, observou-se, quanto à velocidade de distensão do tecido intraurbano, que houve tendência à desaceleração da expansão urbana ao longo do seu processo histórico-evolutivo (Figura 4). Cabe ressaltar que a correlação encontrada entre as variáveis TCMA e intervalo temporal analisado é moderada (R2=0,6686), evidenciando a influência de outros fatores sobre a desaceleração do crescimento da mancha urbana, além do tempo, como políticas públicas para a habitação, economia, mercado imobiliário etc. (não medidos neste estudo). Os períodos subsequentes de 1963-1970, 1970-1979 e de 1979-1985 destacam-se como os períodos de maior velocidade de crescimento do tecido urbano (Figura 4). A velocidade de expansão alcançada nesses períodos não chega a ser atingida sequer em 50% nos períodos posteriores. Embora os períodos de 1963 a 1985 representem as máximas de velocidade de crescimento da mancha urbana, observamse entre eles, também, movimentos alternados de aceleração e desaceleração da expansão do tecido urbano. Ao compararmos o período de 1963-1970 ao período de 1970-1979, observa-se que houve uma pequena desaceleração da expansão urbana, quando o período de 1970-1979 exibe TCMA 14% menor que no período anterior, de 1963 a 1970. Posteriormente, no período de 1979 a 1985, observou-se uma força de aceleração à expansão da urbe, que propiciou o aumento em 35% na TCMA, quando comparado ao período anterior (Figura 4). De 1985 a 1992, observa-se uma grande desaceleração da expansão da urbe, que corresponde à diminuição da taxa de crescimento médio anual da mancha urbana em mais de 80%. Destaca-se que a presente força de desaceleração da expansão da urbe foi a maior ocorrida entre 1963 e 2011. Durante o período de 1992 a 1998, observa-se um aumento na velocidade de crescimento da mancha urbana, que chega a ser o dobro da TCMA exibida no período que o antecede, de 1985 a 1992. Observa-se, ainda, que a velocidade de crescimento, de 1992 a 1998, embora menos pronunciada, quando comparada às velocidades de expansão nos anos de 1963 a 1985, é a maior velocidade de expansão alcançada pela urbe a partir de 1992 (Figura 4). 307
No período de 1998 a 2004, houve uma desaceleração do crescimento do tecido urbano, posto que a velocidade de expansão da mancha urbana apresentou-se 74% menor que o período que o antecede (1992-1998). Ressalta-se que essa desaceleração do crescimento da mancha urbana é a maior ocorrida após 1992, e a segunda maior entre todos os intervalos analisados. De 2004 a 2009, a mancha urbana aumentou a velocidade de expansão, exibindo TCMA superior ao dobro do identificado no período de 1998 a 2004. Essa aceleração da expansão da urbe, de 2004 a 2009, exibe padrão semelhante ao observado no período de 1998 a 1992. Entre 2009 e 2011, a mancha urbana apresentou uma discreta desaceleração em seu crescimento, dada pela redução do valor de TCMA em 27%, quando comparada à velocidade de distensão do tecido urbano no período de 2004 a 2009 (Figura 4). Nesse sentido, há uma aproximação entre a velocidade de crescimento da mancha urbana para os dois últimos períodos citados (20042009 e 2009-2011).
Contextualizando as dinâmicas físicas da mancha urbana de João Pessoa (1963-2011) Em concomitância às dinâmicas espaciais da mancha urbana de João Pessoa, assistidas no período de 1963 a 2011, pontuam-se alguns acontecimentos, de relação direta e/ou indireta, que podem justificar, ao menos em parte, as dinâmicas espaço-temporais e as fenomenologias da distensão do tecido intraurbano. Entre esses acontecimentos estão aqueles relacionados às políticas públicas para a habitação, políticas para o provimento de infraestrutura e transportes, além da influência das crises econômicas, atuação e interesse do mercado privado, dados em âmbito nacional, regional e local. De maneira específica João Pessoa, em correspondência aos períodos analisados, a partir de breve seleção de fontes como Castro (2014), Lima (2014), Bonates (2007) e Prefeitura Municipal de João Pessoa (SEPLAM, SEMAB), são aqui apresentados alguns dos acontecimentos postos como “possíveis causas” para o dinamismo da mancha urbana, vinculados ao crescimento e a (des) aceleração da velocidade de distensão (Quadro 2). 308
Acontecimentos Período Dinâmica Física da Mancha Urbana
1963 1970
1970 1979
“Possíveis Causas”
1962: Governo Federal anuncia a liberação de verbas para a construção de duas ligações da rodovia BR-230 (uma a partir da Avenida Epitácio Pessoa, em João Pessoa, até a conexão com a BR-101 e a Avenida Cruz das Armas; a outra faria ligação do bairro Varadouro, Distensão do tecido em João Pessoa, com Bayeux, recém-elevado ao nível urbano com grande de município). quantidade de área 1964: Criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), acrescida à mancha com o intuito de articular a política nacional de urbana preexistente habitação e estimular a construção de habitações de e em alta velocidade interesse social e o financiamento da aquisição da casa de distensão do própria. tecido. 1969: construção do conjunto habitacional Castelo Branco, sendo o maior conjunto habitacional construído na época (630 unidades), e o primeiro empreendimento a localizar-se além do limite urbano ao sul, marcado pelo contorno rodoviário da BR-230 (Cavalcanti, 1999).
Distensão do tecido urbano com grande quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente e em alta velocidade.
1971: Construção do conjunto Habitacional Costa e Silva, marco importante no processo de apropriação das bordas da cidade, localizado na porção leste da rodovia BR-101. 1972 a 1974: Contorno rodoviário da BR-230 recebe projeto de passagem de nível, que cortaria as Avenidas José Américo de Almeida (Beira Rio) e Epitácio Pessoa, conectando-se com o trecho Cabedelo - João Pessoa. A partir de 1975: Financiamentos isolados começam a diminuir, com o fim do chamado “milagre econômico brasileiro”. BNH reativou o mercado popular de habitação, por meio da substituição dos financiamentos individuais pela construção de conjuntos habitacionais se caracterizando como uma tendência nacional também verificada em João Pessoa. Entre 1975-1979: Construção dos conjuntos habitacionais: Ernani Sátiro, Ernesto Geisel e José Américo; todos situados na periferia.
309
1979 1985
1985 1994
310
Distensão do tecido em grande quantidade de área acrescida e em alta velocidade.
Aceleração do processo de favelização da cidade, possuindo 16 assentamentos subnormais neste período, cujo número aumentou ao longo dos anos. 1979: Criação do Programa de Erradicação de SubHabitação (PROMORAR), cujo objetivo era urbanizar favelas e promover a construção de novas habitações. Na década de 1980: Construção dos Conjuntos Grotões, Valentina Figueiredo, Funcionários II e os conjuntos Mangabeira I e II. Com estas construções, os limites da borda sul de João Pessoa foram estendidos na direção sudeste. 1985: A região que hoje compreende o bairro Barra de Gramame foi loteada, porém não ocupada. Na época, a região ainda fazia parte da zona rural do município.
Distensão do tecido urbano, porém com redução na quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente e significativa redução na velocidade de distensão do tecido intraurbano.
A partir de 1985: inviabilização de acesso da baixa renda a créditos habitacionais de recursos públicos, ou sob gestão nacional. 1986: Com o fim do BNH, as ações de construção de conjuntos habitacionais perdem força, tendo apenas ações pontuais. Os primeiros anos da década de 90 marcaram a história da CEHAP com a produção prioritária de blocos de apartamentos, como o conjunto Mangabeira VII. Segundo Bonates (2007), os agentes privados participaram da produção de habitação social financiados pela CAIXA. Entre 1993 e 1994, houve uma grande diminuição na produção de moradias na cidade de João Pessoa, apenas 40 unidades em Mangabeira. Devido à reestruturação na CAIXA, nenhum financiamento foi realizado nesse período.
1992 1998
1998 2004
Distensão do tecido urbano, porém com redução na quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente e pequeno aumento da velocidade de distensão do tecido intraurbano, em relação ao período anterior.
Distensão do tecido urbano, porém com redução significativa da quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente e redução significativa da velocidade de distensão do tecido intraurbano.
Iniciativas privadas para produção e apropriação do espaço intraurbano. Maior dinâmica imobiliária e rentabilidade. Verticalização de edifícios nas áreas litorâneas, introdução de edifícios de luxo do Jardim Oceania, Aeroclube e Bessa até Cabedelo. Expansão de condomínios fechados e ocupação e adensamento de áreas intersticiais, como o Conjunto Cidade Verde (em Mangabeira) e Paratibe (em Valentina). Expansão e o adensamento das favelas existentes, a exemplo das favelas Ipês I e II, Tancredo Neves, Mangue, Asa Branca, Riacho, Vila Japonesa e Timbó. Surgimento de novas favelas a exemplo da comunidade Travessa Washington Luís, no bairro do Bessa; da São Domingos ou Rabo de Galo, no bairro do Cabo Branco; e da Pirão D’Água, no bairro Jardim Cidade Universitária. Influência de acontecimentos semelhantes aos descritos para o período anterior. De 1998 a 2002, houve uma redução de quase 80% da produção habitacional em João Pessoa. Esse período caracterizou-se pela produção privada, através do PAR (Programa de Arrendamento Residencial), tendo como característica edifícios de melhor qualidade construtiva, ocupando terrenos menores e estabelecidos em bairros não-periféricos (BONATES, 2007).
311
2004 2009
2009 2011
Distensão do tecido urbano, com pequeno aumento da quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente, em relação ao período anterior, bem como pequeno aumento da velocidade de distensão do tecido intraurbano.
Distensão do tecido urbano, porém redução na quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente e pequeno aumento da velocidade de distensão do tecido intraurbano, em relação ao período anterior.
Quadro 2: Quadro síntese de “possíveis causas” para as dinâmicas físicas da mancha urbana de João Pessoa (19632011).
312
2004: Criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que propiciou o crescimento da mancha urbana nas áreas periféricas, sobretudo na região sul da cidade, onde o preço da terra é mais acessível, correspondendo, especificamente, aos bairros de Gramame e Muçumagro, em direção ao município do Conde. Também em 2004, foi escolhida uma área do bairro Valentina para a construção da FAMENE (Faculdade de Medicina Nova Esperança), inaugurada em 2005 configurando um importante equipamento de atração para a área. Construções em uma área próxima ao Planalto da Boa Esperança e arruamentos do conjunto Gervásio Maia em processo de implantação. 2007: Entrega do Conjunto Gervásio Maia (PMCMV) com 1.336 unidades habitacionais.
Produção e apropriação do espaço urbano no bairro de Gramame estimuladas, sobretudo, pelo mercado imobiliário local.
Organização: Silva et al. (2015). Fonte: Castro (2014); Lima (2014); Prefeitura Municipal de João Pessoa (SEPLAM, SEMAB).
Embora a maioria dos autores acima citados analise, de maneira didática os principais agentes sociais produtores do espaço urbano, a (re)produção do espaço urbano é efetuada pela ação conjunta desses atores. O Estado, os proprietários fundiários e de meios de produção e os promotores imobiliários, exercem a maior participação na geração e regulação das dinâmicas de expansão urbana. Nesse dinamismo, há, também, um percentual de participação de grupos sociais excluídos, com a apropriação informal/ilegal de solo, frequentemente, em áreas de risco e/ ou em áreas não urbanizáveis (áreas de preservação ambiental), originando favelas ou assentamentos informais. Observando os acontecimentos ou possíveis causas para as transformações espaciais de João Pessoa, verifica-se uma produção de espaço ocasionada fundamentalmente pela atuação do Estado, sobretudo de políticas ou intervenções com recursos federais, como os programas habitacionais, a implantação de rodovias e a implantação de campi universitários. Nesse contexto, a produção do urbano ocorre com a execução de obras públicas até a produção privada, financiada pelas linhas de crédito do governo federal, atualmente representadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento e o Minha Casa Minha Vida. Polidoro (2012, p.88) apresenta como fator de elevada influência na (re)produção do espaço urbano obras como rodovias, viadutos, aeroportos, portos, que contribuem para o desenvolvimento urbano disperso, sendo as rodovias as que mais exercem influência nesse fenômeno. Em estudo sobre a BR-230, Castro (2014) observou que a rodovia foi um dos alicerces para a expansão de João Pessoa em direção ao sul, entre os anos de 1963 e 1970. Os espaços adjacentes a BR-230 foram ocupados rapidamente com conjuntos habitacionais como resultado da ação do BNH, em uma taxa de expansão maior que a do restante da cidade. Com relação aos conjuntos habitacionais e aos programas habitacionais, nota-se a influência que exercem sobre o dinamismo espacial da urbe. Para a cidade de João Pessoa, Bonates (2007) aponta que, no período entre 1990 a 2006, o incremento do parque habitacional se deu em uma produção fragmentada das ações do setor público e da iniciativa privada, financiadas, em sua maioria por recursos do governo federal. No final da década de 1990 há 313
uma gradativa redução da dimensão dos conjuntos habitacionais que, a autora atribui à diminuição do estoque fundiário com terrenos amplos e baratos, o que justificaria a distensão do tecido intraurbano com pequeno acréscimo de área expandida para aquela década. Em paralelo à distensão do tecido urbano e à velocidade de expansão da urbe, observa-se dinâmica semelhante quanto ao número de habitantes no município de João Pessoa. No período analisado, de 1960 a 2010, a população total teve uma taxa de crescimento populacional exponencial de 3,13% ao ano, passando de 137.788 habitantes, em 1960, para 720.785, em 2010, correspondendo a um crescimento absoluto de 466%. Vale ressaltar que o maior percentual de habitantes circunscrito na população total de João Pessoa corresponde à população urbana. Dessa forma, e em movimento semelhante ao crescimento da população total, a população urbana teve um crescimento exponencial de 3,36% ao ano. O período de 1960 a 1970 registrou a maior taxa de crescimento anual da população urbana (4,48%), acompanhada por um significativo declínio da população rural (-7,49%); De 1970 a 1980, registra-se uma pequena redução na taxa de crescimento da população urbana, passando para 4,34% ao ano, e um aumento no declínio da população rural, equivalente a -8,32% ao ano; Entre 1980 e 1991, foi registrado um crescimento de 3,90% ao ano da população urbana; entre 1991 e 2000, a taxa de crescimento dessa população caiu para 2,06% ao ano; Já entre 2000 e 2010, a população urbana teve uma taxa de crescimento anual de 1,89% (Figura 6).
314
Figura 6: Taxa exponencial de crescimento anual da população urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (1960-2010).
Elaboração: Os autores (2015). Fonte: Valor calculado a partir dos resultados dos censos demográficos (IBGE, 1960; 1970; 1980; 1991; 2000; e 2010).
Uma vez que a taxa de crescimento populacional urbana se assemelha a dinâmica de expansão do tecido urbano de João Pessoa infere-se que não houve larga alteração quanto ao padrão de densidade urbana, dos anos de 1960 a 2010. Sabe-se que o aumento populacional não se põe como ditador da forma de expansão da urbe, haja vista que é possível uma gama de variação de distribuição de densidade populacional no espaço (OJIMA, 2007). Sendo assim, reforça-se o apontamento das dinâmicas de distensão do tecido urbano de João Pessoa como resultado mais fortemente vinculado às políticas públicas de habitação e outros agentes de transformação do espaço, conforme exposto anteriormente. Outro fator que pode estar vinculado à desaceleração da distensão do tecido urbano, em seu crescimento horizontal, foi a volumosa propagação da verticalização na cidade, sobretudo a partir da década de 2000 até o presente. Reconfigurando a paisagem urbana, as construções verticalizadas apresentam de 15 a 43 andares, presentes em 34 dos 65 bairros de João Pessoa, concentrados, predominantemente, em bairros como Bessa, Manaíra e Bancários (Bolsa de Imóveis, 2015). Entretanto, não existem estudos que indiquem se verticalização em João Pessoa, de 2000 a 2010, vincula-se a baixa quantidade de solo horizontal urbanizável, para suprir a “demanda” por habitações prediais térreas, ou a um máximo aproveitamento do potencial construtivo e econômico do solo urbano, ou a venda de “novo” modelo de moradia com ofertas de serviços e maior comodidade, etc., e/ou, ainda, em função do conjunto desses fatores. Ainda sobre a verticalização, observou-se que, até mesmo em novos espaços com ocupação urbana acrescidos à mancha urbana preexistente, as edificações são comumente prédios verticalizados.
315
CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises efetuadas permitiram identificar e mensurar o processo de distensão da mancha intraurbana de João Pessoa, ocorrido de 1963 a 2011. Caracteriza-se, assim, o seu crescimento, direção de distensão, e velocidade de expansão urbana. Quanto à direção de distensão do tecido intraurbano, desde o final da década de 1970 as áreas periféricas do Município de João Pessoa, sobretudo aquelas situadas no quadrante sul ao sudeste, foram e têm sido o principal sítio de acomodação da expansão urbana. Essa expansão se dá em uma dinâmica de alternância de movimentos de aceleração e desaceleração da expansão urbana, sugerindo períodos de expansão horizontal mais contida, marcados pela possível alternância entre ações combinadas da especulação imobiliária, influentes neste modelo de crescimento da mancha urbana. Aos períodos com grande quantidade de áreas com ocupação urbana acrescida à mancha urbana preexistente e grande velocidade de crescimento vinculam-se a atuação de políticas públicas para habitação, com destaque para o BNH (durante o período de 1963 a 1970) e, para as últimas décadas, programas do governo, entre os quais destaca-se o “Minha Casa, Minha Vida”. Considera-se, assim, que o poder público atua como principal gerador do crescimento e, sobretudo, promotor da velocidade de distensão do tecido intraurbano em João Pessoa. O dinamismo apresentado, quantidade de área urbana acrescida à mancha urbana preexistente associada à velocidade de distensão da urbe, refletem os resultados da influência histórica-temporal, da economia, políticas de habitação, mercado imobiliário, atuação de agentes informais etc. Essa pluralidade de fatores influentes torna o entendimento das dinâmicas espaciais da urbe ainda mais complexas e pouco prováveis de serem devidamente contempladas em um único trabalho. Nesse sentido, este estudo configura a parte inicial, ainda, de uma investigação longe de ser concluída sobre o dinamismo da mancha urbana de João Pessoa e de outras cidades de porte médio.
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AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à agência de fomento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES), no âmbito do Programa Nacional de Pós-Doutorado e Pós-Doutorado no Exterior, pela concessão de bolsas de pesquisa e financiamento de projeto ao qual se vincula este trabalho.
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CONJUNTOS HABITACIONAIS POPULARES E PERIFERIZAÇÃO: A produção e a apropriação do setor sudeste de João Pessoa/Paraíba
Ana Gomes Negrão
[PPGAU/ Universidade Federal do Rio Grande do Norte]
José Augusto Ribeiro da Silveira
[Departamento de Arquitetura / Universidade Federal da Paraíba]
INTRODUÇÃO As formas apresentadas pelas cidades refletem as organizações sociais, as estruturas políticas e econômicas e o modo de vida dos seus habitantes, sendo a sua morfologia construída, com maior frequência, a partir de necessidades, vontades e decisões políticoeconômicas (MAIA, 2005). Para Del Rio (1990), a morfologia urbana caracteriza-se pelas modificações de um tecido urbano ao longo do tempo e pelas dinâmicas que nele ocorrem. Dentro desse contexto, em relação à produção da cidade, Panerai (2006) observa que são vários os agentes responsáveis pela sua construção: o Estado, os operários, os empresários imobiliários, os construtores, os comerciantes, os técnicos, os movimentos sociais que lutam por moradia, et coetera. Maia (2005) ao analisar o histórico das práticas que se refletem na metamorfose do tecido urbano, afirma que no século XX, as intervenções urbanas passaram a ocorrer de maneira mais intensa e, por conseguinte, a produzir transformações no uso dos seus territórios, e, portanto, na vida cotidiana dos seus habitantes. Esta informação pode ser complementada quando Panerai 322
(2006, p.11) coloca que a urbanização da segunda metade desse século modificou “radicalmente” a paisagem urbana, através das alterações no volume das edificações, dos modos de implantação, das técnicas utilizadas e das disposições e dimensões dos espaços livres, que começaram a indicar uma ruptura temporal e espacial mais veloz. Este trabalho resulta da pesquisa que investigou o histórico de produção e apropriação do espaço intraurbano localizado no setor sudeste de João Pessoa, capital da Paraíba, região nordeste do Brasil, cidade em processo de metropolização, que possui uma malha urbana de 211.474 quilômetros quadrados, onde se distribui uma população de 723.525 habitantes (IBGE, 2010). O setor analisado, composto pelos bairros Castelo Branco, Anatólia, Jardim São Paulo, Jardim Cidade Universitária e Mangabeira, abriga aproximadamente 142 mil habitantes de João Pessoa, caracterizados, em sua maioria, pelas classes de média e de baixa renda, que estão distribuídos em uma área com 2.136 hectares (IBGE, 2010). Sua origem se deu a partir de intervenções do Governo Federal, com ênfase para a implantação de conjuntos habitacionais populares. Embora o processo de produção e apropriação desse setor tenha iniciado na década de 1960, para a construção deste artigo focou-se no recorte temporal referente à década de 1980, período em que ele sofreu uma maior expansão territorial, devido à inserção de conjuntos habitacionais populares Bancários, Anatólia e, principalmente Mangabeira – o mais populoso e periférico –, seguindo até o ano de 2012 – ano final da pesquisa, que teve duração de dois anos. Quanto à metodologia, a pesquisa foi estruturada em três fases, (1) coleta de dados referentes à fundamentação teórica e ao levantamento históricoespacial: pesquisa bibliográfica e documental e em órgãos oficiais; (2) sistematização e análise dos dados, com respaldo nos estudos de Panerai (2006), que resultaram na produção de mapas de recortes de tempo-espaço do histórico de produção e apropriação do objeto empírico de análise; (3) e o diagnóstico final. A abordagem metodológica de Panerai (2006) investiga a lógica evolutiva de um tecido urbano, e propõe uma análise históricoespacial, que considera o início do processo de formação 323
de uma malha urbana até a sua situação atual – momento contemporâneo –, cujos eventos são catalogados em recortes de tempo-espaço, de acordo com três estágios: estágio de superação de limites, estágio de crescimento e estágio de combinação e conflitos. Este estudo enfatiza os estágios de superação de limites e de crescimento do seu objeto empírico de análise.
A SUPERAÇÃO DO VALE DO RIO JAGUARIBE E O INÍCIO DO PROCESSO DE PRODUÇÃO E APROPRIAÇÃO DO SETOR SUDESTE O processo de urbanização acelerado de João Pessoa, que se iniciou em princípios do século XX, promoveu a implantação do Parque Sólon de Lucena no bairro do Centro – território onde a cidade esteve concentrada por aproximadamente 300 anos (SILVEIRA, 2004). Além disso, possibilitou a inserção de territórios contíguos à área central, a exemplo do bairro da Torre, que teve origem em finais da década de 1930, direcionando o tecido urbano de João Pessoa até um limite físico, o Vale do Rio Jaguaribe (COUTINHO, 2004; VIDAL, 2004). Segundo Silveira (2004, p.190), o bairro da Torre representou um dos principais produtos do processo de urbanização de João Pessoa, caracterizando-se como um dos “objetos sociais mais arrojados da época, por ser um espaço projetado [conforme a proposta formulada por Nestor de Figueiredo]”. Apesar da importância do bairro da Torre no processo de expansão urbana de João Pessoa em direção a sudeste, verificouse que o início do processo de ocupação e apropriação da área objeto de estudo, ocorreu, efetivamente, no início da década de 1960, com o avanço territorial sobre o Vale do Rio Jaguaribe, através da ampliação do sistema rodoviário, com a implantação de um anel rodoviário, composto pelas BR 101 e BR 230, que passou a interligar o município de Cabedelo – ao norte – à saída sul da cidade. De acordo com Panerai (2006), a superação de um limite físico delimita o recorte de tempo-espaço que marca o início do processo de expansão do tecido urbano analisado. Esse fato ligou-se a uma série de obras federais que deu 324
continuidade, como mencionou Coutinho (2004), a “mudanças consideráveis [relacionadas ao seu processo de urbanização] no panorama de João Pessoa”. Junto à execução do anel rodoviário, outro acontecimento ganhou importância, a inserção do Campus Universitário em suas proximidades, que se caracterizou como um marco institucional na expansão urbana da cidade, uma vez que, induziu através da transferência das atividades universitárias que ocorriam no bairro do Centro, o crescimento nessa direção (SCOCUGLIA, 1999). Ao analisar a inserção do Campus Universitário no tecido urbano de João Pessoa, Pereira (2008) coloca que a sua localização foi fundamental no processo de crescimento da cidade e teve como fator principal, pertencer a Fazenda São Rafael, terras de propriedade do Governo Estadual – fator que reduziu os custos de implantação desse equipamento, que passou a exercer a função, naquele momento, de polo indutor de crescimento (PANERAI, 2006). Em finais da década de 1960, o Estado identificou um problema relacionado à aquisição de moradias pela população de menor poder aquisitivo, que não atingiu apenas João Pessoa, mas todo o país (SCOCUGLIA, 1999). Pode-se colocar que a superação da barreira do Vale do Rio Jaguaribe foi conveniente para o Estado, do ponto de vista políticoeconômico, ao considerar o setor sudeste uma alternativa para a produção de assentamentos residenciais destinados a essa parcela da população, concretizados sob a forma de conjuntos habitacionais populares (BONATES, 2009; SCOCUGLIA, 1999). O interesse por essa área foi motivado por vários fatores, dentre eles, deve ser destacado que as terras situadas no setor sudeste pertenciam ao Governo Estadual e, naquele momento, localizavam-se na periferia da cidade, que mesmo não tão longínqua ao centro, situavam-se distantes da praia, fato que as tornavam desvalorizadas (BONATES, 2009). Outro critério considerado foi apontado por Pereira (2006, p.231), “o modelo de moradia predominante nesses conjuntos – residência unifamiliar isolada ou agrupada duas a duas – demandava a ocupação de grandes glebas, de modo a estimular ainda mais o interesse por esse território”, pois era extenso. O início dessa atuação se deu com o Conjunto Castelo Branco, 325
que foi implantado em uma parcela da fazenda São Rafael – em três etapas – sendo localizado próximo ao anel rodoviário – BR 230 – e ao Campus Universitário (FRANÇA et al., 2008). Foi o primeiro empreendimento habitacional a ultrapassar o Vale do Rio Jaguaribe, sendo caracterizado por autores, a exemplo de Lavieri e Lavieri (1999), como um dos principais componentes do vetor de direcionamento do crescimento da cidade a sudeste, pois iniciou a ocupação habitacional nessa área, representando 39% das unidades residenciais pertencentes aos conjuntos habitacionais produzidos entre o período de 1968-1974, totalizando 1.791 unidades. Embora a implantação do conjunto Castelo Branco seja de grande relevância para o processo de produção e apropriação do setor sudeste de João Pessoa, esse conjunto ainda se concentrava próximo à área central da cidade, foi durante a década de 1980, que se observou um maior crescimento territorial da área investigada, com ênfase no conjunto Mangabeira. A Figura 1 ilustra o tecido urbano de João Pessoa em finais da década de 1970, com o setor sudeste destacado.
A ATUAÇÃO DO BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO – BNH – E A EXPANSÃO URBANA DO SETOR SUDESTE O presente item dá continuidade ao processo que constituiu a produção do setor sudeste de João Pessoa. Os protagonistas foram o Estado e as políticas federais de habitação popular, que inseriram nesse setor da cidade, no recorte temporal de uma década – 1980 –, um considerável contingente de unidades habitacionais, que atualmente ocupa uma área equivalente a 10% do seu território. Dentro do contexto de expansão da malha urbana de João Pessoa, neste recorte temporal, as terras situadas a sudeste foram as mais visadas, percebendo-se um crescimento mais acelerado, com a estruturação desse território, a partir dos conjuntos habitacionais populares Bancários, Anatólia e, principalmente, Mangabeira. De acordo com os conceitos discutidos por Panerai (2006), esses conjuntos habitacionais populares podem ser 326
Fonte: Coutinho (2004); Oliveira (2006); Vidal (2007) Autor: Ana Negrão, 2012.
Figura 1: Mapa esquemático da malha urbana do setor sudeste de João Pessoa no final da década de 1970.
considerados uma “linha de crescimento”, uma vez que produziram um traçado sobre o qual se alinharam os demais espaços livres e os elementos edificados, ordenando o tecido urbano em suas laterais, ou seja, os crescimentos secundários. Essa ocupação se deu a partir da construção dos conjuntos habitacionais populares pelo BNH, em parceria com órgãos327
gestores, como o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais – INOCOOP – e a Companhia Estadual de Habitação Popular – CEHAP – (ARAÚJO, 2006). Sendo os conjuntos Bancários e Anatólia, voltados para uma população de melhor renda e inseridos em espaços mais bem localizados – próximos da área central –, e o conjunto Mangabeira, destinado para a classe de menor renda, localizado em espaços periféricos (BONATES, 2009; SCOCUGLIA, 1999). Aferiu-se que durante a década de 1980, a consolidação da linha de implantação desses conjuntos no setor sudeste definiu um novo patamar na ocupação do espaço intraurbano de João Pessoa, a formação de novas áreas periféricas. Considerando uma linha retilínea em relação ao bairro do Centro, enquanto o conjunto Castelo Branco foi situado a uma distância aproximada de 3,5 quilômetros, os implantados posteriormente foram inseridos em um raio de até 10 quilômetros – o conjunto Mangabeira (LAVIERI E LAVIERI, 1999). Sendo assim, em relação à área referente ao objeto empírico de análise desta pesquisa, pode-se caracterizar essa década como um período de consolidação dos territórios periféricos, que concentrou a maior parte dessa produção nas etapas referentes ao conjunto Mangabeira. Consolida-se, portanto, uma linha de expansão além do Campus Universitário, resultado principalmente da existência de grandes glebas urbanas a baixo custo e do estoque de terras cuja posse pertencia ao Estado. A maioria dos empreendimentos produzidos era de grande porte e atendeu a uma clientela com um poder aquisitivo mais restrito, e alguns casos resultaram da remoção de favelas inseridas no interior da malha urbana da cidade (LAVIERI; LAVIERI, 1999). Durante o período de 1964 a 1986, construiu-se no setor sudeste, 56% das unidades de habitação produzidas pelo BNH em toda a malha urbana de João Pessoa. Verificou-se ainda, que durante a década de 1980, esse setor concentrou 76% das unidades executadas por esse órgão, perfazendo um total de 11.220 unidades, em três conjuntos – Bancários, Anatólia e Mangabeira. Deve-se destacar que o recorte temporal utilizado para o cálculo desses dados seguiu até 1986 – ano da extinção do referido órgão.
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OS CONJUNTOS HABITACIONAIS BANCÁRIOS, ANATÓLIA E MANGABEIRA Como já mencionado, foi a partir da inserção dos conjuntos Bancários, Anatólia e Mangabeira, que se observou uma demasiada expansão territorial do setor sudeste de João Pessoa. Embora tenham sido implantados no mesmo recorte temporal, distinguiam-se por diversas características: enquanto os dois primeiros voltavam-se para a classe média, situavam-se próximo ao anel rodoviário e ao Campus Universitário e foram financiados pelo INOCOOP, o terceiro voltava-se para a parcela de menor renda ou oriundas da zona rural, situava-se distante do anel rodoviário e foi financiado pela CEHAP. O conjunto Bancários foi o primeiro assentamento a ser inserido logo após o Campus Universitário, cuja finalidade foi de contemplar trabalhadores vinculados às instituições bancárias e aos servidores da UFPB. O projeto desse conjunto foi realizado no ano de 1978, com a denominação de Loteamento Itubiara, tendo seu nome alterado para conjunto Bancários, em 1980, ano da conclusão da sua construção (ORRICO, 2009). Nesse período, a construção coletiva era um artifício utilizado para o barateamento das moradias, como colocado por Silva (2000), Os preços dos terrenos aumentam a medida em que as cidades vão crescendo, obrigando cada vez mais a construção coletiva. João Pessoa se oferece para uma grande expansão, dispondo de áreas que têm sido aproveitadas com outros tipos de construções, conjuntos financiados pelo BNH, IPEP e Caixa Econômica Federal. (SILVA, 2000, p. 06 apud ORRICO, 2009)
Esse conjunto foi construído em um espaço adjacente ao Vale do Rio Jaguaribe e a Mata do Buraquinho, ao conjunto Castelo Branco e ao Campus Universitário, sendo localizado nas proximidades do anel rodoviário e, estando naquele momento, a constituir a região mais periférica, quando considerado o eixo no sentido Centro/região sudeste da cidade – contou com 1.500 unidades habitacionais. No ano seguinte, contíguo a ele, houve a entrega de 222 unidades referentes ao Conjunto Anatólia,
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que se caracterizou por ser o menor território de João Pessoa – aproximadamente 1% da área da cidade. Ao passo que a classe média tentou solucionar o problema da escassez de recursos através da construção coletiva, segundo Orrico (2009, p.28), “o homem ao sair da zona rural por falta de empregos, passou a compor a malha urbana da capital”, com isso, os resultados desse processo refletiram-se na cidade, criando contrastes cada vez maiores entre os bairros e habitações voltadas para a classe mais abastada e as moradias e favelas em condições subumanas, ou ainda, os conjuntos habitacionais populares localizados em regiões distantes da área central, desprovidos de infraestrutura básica, como foi o caso do conjunto Mangabeira. O Conjunto Residencial Tarcísio de Miranda Burity, popularmente conhecido como Mangabeira, teve seu projeto finalizado em 1979, ano que foi iniciada a sua construção, e visava a: “resolver os déficits habitacionais de populações de baixa renda e oriundas das favelas” (SILVA, 2006, p.16). De acordo com Araújo (2006), a primeira etapa foi finalizada no ano de 1983, tendo sido construída na área territorial que compreendeu a Fazenda Cuiá, pertencente ao Estado. As outras etapas foram executadas em áreas adjacentes, resultantes das terras desmembradas da Fazenda Mangabeira (OLIVEIRA, 2006). Dentre os bairros e conjuntos habitacionais que compreendem o objeto empírico de análise desta pesquisa, o Conjunto Mangabeira localizado na região mais periférica da cidade, destacou-se pela longa distância que se encontrava da área central e pelo porte do empreendimento, que na mesma década teve continuidade com a inserção de outras etapas – II, III, IV, V e o PROSIND –, totalizando 10.543 unidades de habitação (ORRICO, 2004). As características desse conjunto habitacional popular também foram ressaltadas por Lavieri e Lavieri (1999), “localizado em terras do Estado, veio destoar bastante dos demais, seja pelo seu porte bem mais acima dos restantes, seja por sua localização (LAVIERI; LAVIERI, 1999, p.51)”. De acordo com a abordagem metodológica de Panerai (2006), esse conjunto habitacional configurou-se como um grande polo indutor do crescimento do setor sudeste. De acordo com Scocuglia (1999), estas características contribuíram para agravar as condições de segregação socioespacial, que refletiram uma lógica que se distinguia entre 330
a cidade dos conjuntos habitacionais populares e a “cidade modernizada”, intencionalmente diferenciada, porque não foi resultado de um “crescimento espontâneo”, e sim, planejado pelo poder público e por outros agentes, fato que relaciona-se com a teoria de Hoyt (1939). A Figura 2 ilustra a malha urbana de João Pessoa em finais da década de 1980, com o setor sudeste destacado
Fonte: Coutinho (2004); Oliveira (2006); Vidal (2007). Autor: Ana Negrão, 2012.
Figura 2: Mapa esquemático da malha urbana do setor sudeste de João Pessoa no final da década de 1980.
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O processo de periferização da área analisada segue o pensamento de Harvey (1973, p. 212), que relaciona a localização intraurbana com a renda de seus habitantes e, impõe a ela, o comando sobre os recursos sociais. O autor ainda afirma que, “o domínio do espaço sempre foi um aspecto vital da luta de classes”, que em relação ao setor analisado, foi imposto a sua população residente. A inserção dos conjuntos habitacionais populares no setor sudeste durante a década de 1980 delineou o seu traçado urbano e a sua dimensão territorial, em que se direcionou para esse setor da cidade, um considerável contingente de unidades residenciais, formando, como resultado dessa prática de ocupação, um setor periférico – planejado pelo Estado.
O PERÍODO PÓS-BNH Com o encerramento das atividades do BNH em 1986, João Pessoa passou novamente a enfrentar o problema da provisão de moradias de cunho popular. A partir de 1990, na tentativa de mitigar esse problema, vários agentes participaram do processo de incremento do parque habitacional da cidade (SCOCUGLIA, 1999). Bonates (2009) os classifica em duas categorias: agentes públicos e agentes privados, e os distingue colocando que os agentes públicos são representados pelas instituições do governo estadual ou municipal, que receberam a concessão de financiamentos da CAIXA – a nível federal – ou financiaram diretamente a produção de moradias para a população de renda mais baixa. Essas instituições são no nível municipal: a Prefeitura Municipal de João Pessoa – PMJP – e no nível estadual: a CEHAP, a FAC e o IPEP. Já os agentes privados são aqueles que receberam a concessão de financiamentos da CAIXA, podendo ser cooperativas de habitação, como a Cooperativa Habitacional do Estado da Paraíba – COHEP – e as empresas do ramo da construção civil. Quanto à atuação dos agentes públicos, estes preservaram a área de influência mais adotada na década anterior, produzindo conjuntos habitacionais populares localizados na região sudeste da cidade, focando em Mangabeira (CEHAP, 2011; FERNANDES, 2006). De acordo com dados fornecidos pela CEHAP (2011), com 332
relação a esse conjunto habitacional, deve-se mencionar que durante a década de 1990, além das 1.962 unidades habitacionais produzidas no conjunto Mangabeira VII durante o ano de 1991, foram construídos grupos de moradias relacionados a sindicatos, financiados pela CEHAP, IPEP e FAC, que totalizaram um montante de 7.853 unidades. Embora este estudo tenha como foco a produção dos conjuntos habitacionais populares, deve-se mencionar a atuação dos agentes privados, que voltaram-se para a construção de edificações residenciais nos territórios referentes aos vazios urbanos resultantes da produção dos conjuntos Bancários, Anatólia e Mangabeira, onde foram criados os loteamentos Jardim São Paulo e Jardim Cidade Universitária. Os dados coletados indicam que essa ocupação se deu no momento de valorização dessas terras, devido a sua proximidade com o Campus Universitário, que atraiu para suas adjacências, usuários dos seus serviços – principalmente estudantes (IBGE, 2010; FURTADO, 2006). A prática de ocupação identificada no setor sudeste, faz com que esse território, atualmente, represente 10% da área total do município de João Pessoa, concentrando aproximadamente 20% da população e dos domicílios da cidade, em que, cerca de 10% localizam-se em Mangabeira. Esse evento enquadra-se nas colocações de Panerai (2006) quando menciona que ao longo do século XX, constata-se nas cidades, uma inversão entre o centro antigo e sua periferia, esta última passa a representar, em superfície e proporção, a maior parcela da população. Sendo assim, a cidade vai sendo redefinida, no contexto da dinâmica do modo capitalista de produção, em uma perspectiva entendida como espaço de produção, consumo e força de trabalho, onde a disputa por localizações influencia a estruturação urbana (VILLAÇA, 1998). A Figura 3 ilustra o objeto empírico de análise em finais da década de 2000.
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Figura 3: Mapa Fonte: Coutinho (2004); Oliveira (2006); Vidal (2007). esquemático da malha Autor: Ana Negrão, 2012. urbana do setor sudeste de João Pessoa no final da década de 2000.
A partir da apreensão da dinâmica intraurbana do setor sudeste de João Pessoa, tornou-se evidente a estratificação do solo ocorrida na malha urbana da cidade. Pereira (2006) coloca este fato da seguinte forma, “enquanto a área ocupada pela pequena burguesia avançou para o mar, a classe proletária [foi] localizada,
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de modo preferencial, nas terras dos setores sul e sudeste – regiões periféricas” (PEREIRA, 2008). De acordo com Castells (1939, apud CORRÊA, 1989), a distribuição das residências no espaço produz uma diferenciação social que promove uma estratificação do uso e ocupação do solo e, quando a distância social produz uma forte expressão espacial, ocorre a segregação urbana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do exposto, pode-se considerar a atuação do Estado e as políticas federais como o principal agente produtor do setor sudeste de João Pessoa. Em um primeiro momento, com a execução do anel rodoviário e a implantação do Campus Universitário e, em seguida, com a atuação do Banco Nacional de Habitação – BNH. Identificou-se, a princípio, a formação de um território contíguo ao Centro, o bairro da Torre, que expandiu a malha urbana da cidade até um limite físico, o Vale do Rio Jaguaribe. Durante duas décadas e meia, finais de 1930 até 1963, esse elemento geográfico atuou como barreira para o crescimento do tecido urbano de João Pessoa em direção a sudeste, sendo superado efetivamente com a execução do anel rodoviário – BR 101 e BR 230. A superação do Vale do Rio Jaguaribe teve continuidade com a construção do Campus Universitário, aferindo-se que a instalação desse equipamento, funcionou como um polo de indução para início da ocupação habitacional nessa área, a partir da inserção dos conjuntos habitacionais populares, iniciada com o conjunto Castelo Branco, sob o financiamento do BNH, em finais da década de 1960. A partir da década de 1980 verificou-se que a construção dos conjuntos habitacionais populares Bancários, Anatólia e Mangabeira, financiados pelo BNH, acentuou a expansão do setor sudeste de João Pessoa, onde se locou um contingente de unidades habitacionais, o maior da cidade nessa época, originando espaços distantes no núcleo central. Durante a análise do período pós-BNH percebeu-se os reflexos da prática de ocupação ocorrida nesse setor: um considerável adensamento habitacional e por consequência populacional,
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quando comparados às demais áreas da cidade, e a atuação dos agentes privados, juntamente com a especulação imobiliária. Todo esse cenário também acentuou a dinâmica de segregação sócioespacial, consolidando esses espaços, como um setor, que concentra as classes de média e de baixa renda. A lógica de que quanto menor a renda da população residente, mais distante encontra-se localizada do Centro foi identificada na área analisada. Essa configuração pode ser mais bem notada com os bairros constituídos após o anel rodoviário, onde, Bancários, Jardim São Paulo, Anatólia e Jardim Cidade Universitária direcionam-se para a classe média e Mangabeira para a classe de menor renda. Infere-se que o fato do Estado ter sido detentor de terras nesse setor da cidade durante recorte temporal analisado, foi determinante para a forma como ocorreu a sua prática de produção e apropriação, uma periferização planejada. Esse fator enquadra-se na colocação de Castells (1978), de que o espaço não está organizado ao acaso, os processos sociais exprimem a sua estruturação. Essa prática evidencia uma questão, enquanto João Pessoa ficou concentrada durante aproximadamente trezentos anos em seu núcleo original, esse setor da cidade que, atualmente corresponde a cerca de 20% em população e domicílios e 10% em área, foi estruturado em apenas três décadas, o que ressalta Panerai (2006, p.11) quando coloca que a urbanização da segunda metade do século XX modificou “radicalmente” a paisagem das cidades.
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ANÁLISE DA ACESSIBILIDADE E DA MOBILIDADE NA PERIFERIA SUL DA CIDADE DE JOÃO PESSOA-PB
Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro
[Departamento de Arquitetura / Universidade Federal da Paraíba]
Paulo Vitor Nascimento de Freitas
[PPGECAM / Universidade Federal da Paraíba]
Anneliese Heyden Cabral de Lira
[Curso de Arquitetura e Urbanismo / Faculdades Integradas de Patos]
Lídia Pereira Silva
[PPGECAM / Universidade Federal da Paraíba]
José Augusto Ribeiro da Silveira
[Departamento de Arquitetura / Universidade Federal da Paraíba]
INTRODUÇÃO O ritmo acelerado do processo de industrialização no Brasil provocou, a partir de meados da década de 1960, um crescimento desorganizado dos centros urbanos. Nesse período, a intensificação dos processos migratórios acarretou grandes transformações nestes espaços, as quais ocorreram sem considerar medidas de planejamento e deixaram um legado de graves problemas urbanos e ambientais. Sobre essas transformações, Silveira (2014) aponta que nos anos de 1960, sob o comando da especulação imobiliária, houve uma tendência à dispersão e à descentralização do tecido intraurbano, na qual se observou a preferência pelas localizações em periferias. O autor acrescenta que essas localizações consolidaram-se na década de 1970 e evidenciaram, conjuntamente com as áreas de transição rural-urbana, nos anos de 1980 e 1990, combinações e conflitos entre os diversos interesses dos agentes produtores do espaço. 340
Para o entendimento de quem são esses agentes produtores do espaço intraurbano e quais são suas estratégias e práticas espaciais, Corrêa (2003, p.44) adota a proposição de que estes são “os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos”. Corrêa também afirma que, embora com práticas pertinentes às atividades que os caracterizam, os diferentes agentes citados podem adotar estratégias e práticas espaciais semelhantes entre si, de acordo com seus interesses, como, por exemplo, o desmembramento e remembramento de terras, e loteamentos descontínuos nas periferias urbanas. Passos et al., (2012) destaca que a especulação imobiliária conduzida por esses agentes sociais determina a configuração do tecido intraurbano e que o processo contínuo de reorganização espacial praticado por estes ocorre por meio da incorporação de novas áreas, da intensificação do uso do solo, da deterioração de algumas áreas, dentre outras ações. Sobre este viés, Silveira (2014) atenta que ao longo da história pode-se observar ocupações controversas em áreas de expansão em decorrência dessa dinâmica imobiliária, da limitação de localizações e da capacidade das áreas urbanas em abarcar determinadas populações, reflexo dos atuais padrões espaciais urbanos. Entende-se que o processo de estruturação interna do espaço intraurbano é dominado pelo interesse das camadas de alta renda. Seguindo a lógica da conveniência e agregando valor a determinadas parcelas da cidade, a instalação das atividades mais dinâmicas e de pessoas com maiores recursos em áreas mais privilegiadas criam sítios sociais muito particulares. Neste sentido, de acordo com suas necessidades, as camadas de alta renda produzem no seu espaço equipamentos e melhorias nos subsistemas urbanos, otimizando seus gastos de tempo despendidos nos deslocamentos e sua acessibilidade às diversas localizações urbanas. Na medida em que essas vantagens se consolidam, a região ocupada torna-se mais vantajosa e de difícil abandono pela camada dominante. Os percursos territoriais das camadas de mais alta renda e a distribuição de infraestrutura urbana nas localizações dessas camadas aumentam ainda mais a desigualdade socioespacial. Assim, as camadas de menor renda são segregadas às áreas 341
periféricas, onde a urbanização, muitas vezes, é incipiente, e a acessibilidade reduzida. Nesse aspecto, Villaça (2001, p. 23) explica que “a acessibilidade é mais vital na produção de localizações do que a disponibilidade de infraestrutura. Na pior das hipóteses, mesmo não havendo infraestrutura, uma terra jamais poderá ser considerada urbana se não for acessível”. Assim, de certa forma, consoante Silveira e Ribeiro (2006. p.173), “a produção do espaço intraurbano não será satisfatoriamente compreendida se não for explicada a acessibilidade, considerando-se as formas e as localizações”. Com base no que foi explicado, o presente trabalho tem como objetivo principal estudar as condições de acessibilidade e mobilidade urbana na periferia sul da cidade de João Pessoa, Paraíba.
SOBRE ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE Acessibilidade e mobilidade são dois conceitos muito próximos e de uso recorrente em âmbito acadêmico e, cada vez mais, no senso comum. Por isso mesmo, às vezes, podem ser alvo de confusões. Destarte, fazem-se necessárias definições claras destes dois conceitos, para que o leitor possa ter noções precisas sobre os significados que eles assumem no trabalho. Em termos gerais, acessibilidade significa qualidade do que é acessível; este último vocábulo, por sua vez, indica aquilo a que se pode chegar1. Existe uma variedade de casos onde o termo pode ser empregado, seja para se referir a alguma mercadoria ou serviço que tem um custo baixo ou razoável, a algo de fácil apreensão, cognoscível, ou até para designar alguém que é sociável e comunicativo. Mas, em se tratando do conceito tal como é apropriado nos estudos urbanos, o vocábulo “acessibilidade” tem significados particulares. Em uma das definições mais comuns, acessibilidade significa “garantir a possibilidade do acesso, da aproximação, da utilização e do manuseio de qualquer objeto”. Embora a princípio esta definição genérica possa caber a qualquer pessoa, no Brasil esse conceito se associa mais diretamente às pessoas portadoras de 342
1
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP). [http://www.priberam.pt/dlpo/]
necessidades especiais. Acessibilidade seria, então, a condição do indivíduo se movimentar, locomover e ter acesso a um destino desejado, dentro de suas capacidades individuais, ou seja, “realizar qualquer movimentação ou deslocamento por seus próprios meios, com total autonomia e em condições seguras, mesmo que para isso precise se utilizar de objetos e aparelhos específicos” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 42). Essa noção, associada às pessoas, está claramente estabelecida no Programa Brasil Acessível do governo federal, que objetiva estimular e apoiar os governos locais e estaduais no desenvolvimento de ações que visem a garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência e restrição de mobilidade a sistemas de transportes, equipamentos urbanos e circulação em áreas públicas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). Contudo, este conceito de acessibilidade, apesar de consagrado no senso comum e de ser norteador de políticas setoriais de inclusão social, não responde suficientemente ao debate que tem sido feito nos últimos anos em torno do conceito de mobilidade urbana. É necessária uma visão mais abrangente, que fuja das noções parciais e que entenda a acessibilidade para além das limitações individuais das pessoas com mobilidade reduzida. Vasconcellos (2000) vê a acessibilidade como a facilidade de atingir os destinos desejados, sendo a medida mais direta (positiva) dos efeitos de um sistema de transportes. Para Silveira (2004), ela é um atributo do espaço urbano, bem como uma questão de “atrito” resultante da relação entre a atratividade de um determinado “ponto” da cidade e as dificuldades de acessá-lo. Assim, acessibilidade representa, na visão do autor, “oportunidades urbanas” para os citadinos, ou seja, possibilidades de ter acesso a diversas localizações na cidade e, assim, usufruir dos bens e serviços que ela oferece. Nesse sentido, pode-se falar de acessibilidade como uma medida de inclusão social. Santos (2011) insere a noção de lugar como condição de pobreza ao falar de acessibilidade. Apesar de considerar que esta, por si só, não é suficiente para esgotar a questão da pobreza urbana, o autor considera notório que o homem-cidadão, isto é, o indivíduo como titular de deveres e direitos, não tem o mesmo usufruto da cidade (incluindo os transportes urbanos) em função do lugar em que se encontra no espaço intraurbano. 343
Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas, com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhes são teoricamente devidos mas que, de fato, lhes faltam” (SANTOS, 2011, p. 161).
344
Vasconcellos (2000) fez importante contribuição ao tema com os conceitos de macroacessibilidade e microacessibilidade: enquanto a primeira diz respeito à facilidade de ter acesso aos equipamentos e construções, a segunda se refere à facilidade de ter acesso ao destino final ou ao veículo desejado. Silveira e Castro (2014) fazem uma atualização destes conceitos, incluindo mais uma escala. Segundo eles, categoricamente, pode-se classificar a acessibilidade em três escalas territoriais interligadas: a macroacessibilidade, enquanto possibilidade de atravessamento da cidade como um todo; a mesoacessibilidade, que seria uma escala funcional intermediária de ligação entre setores urbanos, ou mesmo intrassetorial (entre áreas do mesmo setor – bairros e vias principais e/ou coletoras); e a microacessibilidade, definida como ligação direta a pontos locais da cidade. A acessibilidade pode ser medida em termos de distância, tempo e custo (GOMIDE, 2006), pelo número e natureza dos destinos (desejados) que podem ser alcançados por uma pessoa e por meio da densidade das linhas de transporte público – para usuários cativos – e da densidade das vias – para usuários de automóveis (VASCONCELLOS, 2000). Visto dessa maneira, o conceito de acessibilidade dialoga melhor com o de mobilidade urbana, como forma de garantir a provisão da infraestrutura adequada para que as pessoas tenham
acesso aos destinos desejados e supram suas necessidades de deslocamento. É necessário que as pessoas se sintam parte da cidade e que esta seja universalmente acessível para todos, independentemente de condição física, sexo, etnia ou classe social, além de ser um conceito/medida imprescindível para o entendimento da função, forma e distribuição espacial, assim como para a ponderação da qualidade de vida de uma dada região, como ratifica Hanson (1995, p.5) “a acessibilidade deveria ser um tópico central de uma medida de qualidade de vida”. Mobilidade urbana é um conceito que, inicialmente, era utilizado como sinônimo de transporte. Mas, embora existam diversos conceitos e definições relacionados ao termo “mobilidade” (principalmente no Brasil), essa visão é cada vez mais substituída por outra mais abrangente, ligada à capacidade de deslocamento de pessoas e bens nas cidades através da articulação e união de várias políticas: transporte, circulação, acessibilidade, trânsito, desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo, etc. (KNEIB, 2012). Nesse sentido, no Brasil, um marco na questão da mobilidade urbana se deu em 2012, ano da instituição da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587, de 3 de janeiro de 2012), que tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade. Essa lei define mobilidade urbana como “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”. O Ministério das Cidades (2013) define mobilidade urbana como um atributo associado a pessoas e bens e que corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamentos, considerando a complexidade das atividades desenvolvidas no espaço urbano e suas dimensões. Nesse sentido e face à mobilidade, os indivíduos, para se deslocarem na cidade, podem utilizar de seu esforço direto (deslocamentos a pé) ou recorrer à meios de transportes não motorizados, como bicicletas, e motorizados, sendo esses coletivos e individuais; portanto, eles podem ser pedestres, ciclistas, usuários de transportes coletivos ou motoristas. A mobilidade urbana também pode ser entendida como em Bergman e Rabi (2005), enquanto resultado da interação dos fluxos de deslocamento (motorizados e não motorizados) de pessoas e bens no espaço urbano. Trata-se de um conceito mais 345
abrangente do que, por exemplo, o de transporte urbano, que se refere exclusivamente aos serviços e modais de transporte que são utilizados nos deslocamentos dentro do espaço urbano. Mobilidade urbana, sendo um atributo da cidade, é determinada principalmente pelo desenvolvimento socioeconômico, pela apropriação do espaço e pela evolução tecnológica. A mobilidade urbana também é considerada um atributo por Vaccari e Fanini (2011) associado às pessoas e atores econômicos no meio urbano que buscam, de variadas formas, suprir suas necessidades de deslocamento para que atividades cotidianas como trabalho, educação, saúde, lazer e cultura possam ser realizadas.
A mobilidade urbana vai além do deslocamento de veículos ou de intervenções para esse tipo de deslocamento e/ ou do tratamento de questões relativas ao trânsito e ao transporte. Pensar a mobilidade urbana significa entender e incorporar fatores econômicos como a renda do indivíduo; sociais como a idade e o sexo; intelectual como a capacidade para compreender e codificar mensagens e até de limitação física (temporária ou permanente) para utilizar veículos e equipamentos de transporte (VACCARI e FANINI, 2011, p. 10).
Bergman e Rabi (2005, p. 10), em entendimento que aproxima mobilidade e acessibilidade, alertam sobre a necessidade de adotar um conceito de mobilidade urbana que oriente as ações necessárias à implementação de uma política que ofereça aos cidadãos o direito de acessarem os espaços urbanos de forma segura e eficiente e que devolva às cidades o atributo de sustentabilidade que muitas perderam.
A promoção da mobilidade urbana compreende a construção de um sistema que garanta e facilite aos cidadãos - hoje e no futuro - o acesso físico às oportunidades
346
e às funções econômicas e sociais das cidades. Trata-se de um sistema estruturado e organizado que compreende os vários modos e infraestruturas de transporte e circulação e que mantém fortes relações com outros sistemas e políticas urbanas (BERGMAN e RABI, 2005, p. 11).
Desta forma, percebe-se que acessibilidade e mobilidade, apesar de serem conceitos muito próximos, são diferentes. Enquanto a acessibilidade (o fixo) engloba o sistema viário e suas diversas classificações hierárquicas, e é conhecido em termos de facilidade, potencialidade, possibilidade, a mobilidade (o fluxo) engloba os deslocamentos (circulação) que ocorrem no espaço intraurbano e sofre interferência de aspectos socioeconômicos como classe, renda, idade, ocupação, etc. Pode-se supor, então, que a acessibilidade consolida-se com a mobilidade (SILVEIRA e CASTRO, 2014).
METODOLOGIA Esta pesquisa utilizou a análise geoespacial de dados e informações sobre acessibilidade e mobilidade urbana, por intermédio de um conjunto de ferramentas e métricas, cujos dados quantitativos e qualitativos foram cruzados para obter-se uma análise mais sistêmica: SINTAXE ESPACIAL: o uso de mapas de segmento (TURNER, 2001) permite entender como a configuração espacial afeta as possibilidades de acessibilidade e traça padrões morfológicos mais integrados ou segregados. A vantagem do uso de mapas de segmento sobre os mapas axiais tradicionais está na possibilidade de analisar a configuração espacial através de variáveis topológicas (quando o menor percurso é aquele em que há a menor quantidade de mudanças de direção), angular (quando o menor percurso é aquele em que há o menor desvio angular nas mudanças de direção) e métrico. Foi utilizada a base vetorial da cidade de João Pessoa desenvolvida por Castro (2014) e processada no software livre 347
DepthmapX 0.50 (VAROUDIS, 2015), onde foram obtidas as medidas de integração global (quando mede-se o potencial de acessibilidade na escala da cidade como um todo) e integração de raio de 500 metros. Este raio, de acordo com Farret (1988) é a distância ideal para percursos e deslocamentos a pé.
ANÁLISE DE DADOS SOBRE TRANSPORTE PÚBLICO: foram coletados dados referentes às linhas de ônibus e pontos de ônibus, os quais foram processados e analisados por intermédio do software SIG (Sistema de Informações Geográficas) livre QGIS 2.8.2 “Wien”. Por meio dele, foram gerados mapas de calor (heatmaps) para averiguar a concentração de infraestrutura e espacializados os dados do headway. Os dados foram obtidos através do sítio eletrônico da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (SEMOB-JP) e na base geográfica voluntária Open Street Map.
HEADWAY: entendido neste trabalho como o intervalo de tempo entre atendimentos das linhas de transporte público por ônibus. Foi dado pela razão do período de tempo em que uma determinada linha de ônibus está operacional (diferença entre o horário da última partida e o horário da primeira partida em dias úteis) e do número de partidas programadas para esse mesmo período. Com o intuito de eliminar distorções causadas pelo fato de que algumas linhas operam durante a madrugada com baixa frequência, calculou-se um intervalo de operação corrigido, obtido por meio da média dos horários de início da operação e dos horários de término; as viagens cujas partidas se dão fora desse intervalo foram desconsideradas para fins de cálculo do indicador. Trabalhou-se com intervalos fechados à esquerda e à direita (a ≤ x ≤ b; sendo a o menor horário no intervalo, b o maior horário nesse mesmo intervalo e x qualquer horário que possa existir no intervalo). Portanto, no intervalo 12:00-14:00, considera-se como integrantes deste também as viagens que se iniciam às 12:00 e às 14:00, caso existam. Os parâmetros de avaliação adotados foram: “bom”, abaixo de 15 minutos; “regular”, entre 15 e 30 minutos; e “ruim”, acima de 30 minutos. Tais parâmetros estão presentes em Ferraz e Torres (2004). 348
ACHADOS A cidade de João Pessoa possui, ao todo, 88 linhas de ônibus, das quais 21 circulam nos bairros estudados, o que representa cerca de 24% do total da cidade. O valor é considerado razoável, ao considerar a população total da área de cobertura das linhas. Os bairros com maior quantidade de linhas são Valentina e Planalto Esperança, com 13 linhas cada um. Este valor representa 61,9% de todas as linhas da área de estudo, sendo estes bairros as principais rotas de ônibus no setor sul da cidade, principalmente o bairro do Valentina, por apresentar um terminal de integração, para onde confluem as linhas de transporte público dos bairros da zona sul (Tabela 1). Tabela 1: Linhas de Ônibus por Bairro Estudado Bairro
Número de Linhas
% em relação ao recorte de estudo
Muçumagro
5
23,81
Valentina
13
61,90
Barra de Gramame
1
4,76
Gramame
9
42,86
Paratibe
8
38,09
Planalto Boa Esperança
13
61,90
No que diz respeito à cobertura de pontos de ônibus, a cidade possui 1.793 pontos, dos quais 266 se encontram nos seis bairros estudados, o que representa 14,83%. A maioria dos bairros possui entre 23 e 46 pontos de ônibus, com distribuição espacial regular. O bairro de Gramame é o que possui mais pontos de ônibus, porém, pelas dimensões do bairro, a cobertura por quilômetro quadrado é uma das menores da área de estudo. O bairro com os piores valores, tanto absolutos como relativos, é Barra de Gramame,
349
cujo processo de ocupação territorial de baixa densidade e área construída influenciam na baixa oferta de infraestruturas de mobilidade urbana. O bairro do Valentina possui a melhor cobertura relativa, o que evidencia seu caráter de centralidade nos fluxos e deslocamentos do sistema de transporte público na periferia sul de João Pessoa (Tabela 2). Tabela 2: Pontos de Ônibus por Bairro Estudado Bairro
Número de Pontos
% em relação ao recorte de estudo
Pontos de ônibus por km²
Muçumagro
27
10,15
8,35
Valentina
45
16,92
14,37
Barra de Gramame
13
4,89
1,52
Gramame
111
41,73
5,45
Paratibe
46
17,29
10,59
Planalto Boa Esperança
23
8,65
11,33
Através do uso de mapas de calor (heatmap), fica evidente que, ao considerar o raio de 500 metros, os bairros de Valentina, a porção sudeste de Gramame e Paratibe apresentam a melhor distribuição espacial das paradas de ônibus no raio de alcance dos pedestres – para Ferraz e Torres (2004), distâncias de 300 a 500 metros são avaliadas como regulares. Dessa forma, estes locais apresentam melhores condições de acessibilidade aos pontos de embarque e desembarque de passageiros, reforçando a caracterização do sistema de transporte público urbano do setor sul da cidade, com baixa densidade de linhas e infraestruturas com a presença de “ilhas” de acessibilidade em alguns pontos dos bairros (Figura 1).
350
Fonte: Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado, Universidade Federal da Paraíba, 2015. Autor: Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro.
Figura 1: Mapa de calor (heatmap) dos pontos de ônibus – raio de 500m.
351
No que diz respeito à frequência de atendimento do sistema de transporte público, a maior parte das linhas de ônibus estudadas apresentam valores altos de intervalos entre atendimentos (headway), representando dois terços das linhas de ônibus que operam no setor sul da cidade. Apesar de alguns locais apresentarem distribuição espacial dos pontos de ônibus densa, os ônibus percorrem essas linhas com intervalo superior a 15 minutos para chegar nos pontos, o que, aliado com a baixa densidade de linhas, deixa a desejar em termos de qualidade do sistema (Figura 2 e Tabela 3).
Figura 2: Headway para o setor sul da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil.
352
Fonte: Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado, Universidade Federal da Paraíba, 2015. Autor: Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro.
Tabela 3: Linhas de Ônibus por Headway
Headway
Número de Linhas
% em relação ao recorte de estudo
Menor que 15 minutos
3
14,28
Entre 15 e 30 minutos
7
33,33
Maior que 15 minutos
7
33,33
A configuração espacial da cidade de João Pessoa, caracterizada pela fragmentação e dispersão do tecido urbano no setor sul da cidade, ocasiona uma condição de segregação dos bairros estudados em relação à cidade. O bairro Gramame possui eixos de acessibilidade com alto valor de integração que se conectam com a rodovia federal BR-101. No entanto, os outros bairros apresentam baixa integração, principalmente Valentina e Paratibe, por apresentarem tessitura urbana mais fragmentada que o bairro de Gramame, possuem baixo potencial de integração, e Barra de Gramame, cuja ligação com o resto da cidade se dá apenas por uma via. O valor médio de integração para o bairro é de 0,41, ante a média da cidade, que é 0,64. Na escala do pedestre, ao considerar um raio de 500 metros, os bairros estudados apresentam poucos espaços integrados, porém que coincidem com a localização dos pontos de ônibus. Em alguns bairros foram encontrados espaços com bons valores de integração local, que desempenham a função de integrar os bairros com a rede de transporte público. Estas “ilhas” de acessibilidade se localizam nos bairros de Valentina, na porção norte dos bairros de Gramame e Paratibe e Muçumagro. O Bairro Barra de Gramame apresentou também os piores valores de integração no raio de 500 metros, em função de sua morfologia fragmentada e pouco conectada com o tecido urbano (Figuras 3 e 4).
353
Figura 3: Integração Fonte: Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado, Universidade Federal da Paraíba, 2015. Global da cidade de João Autor: Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro. Pessoa, Paraíba, Brasil.
354
Fonte: Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado, Universidade Federal da Paraíba, 2015. Autor: Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro.
Figura 4: Integração de Raio 500 metros da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil.
355
DISCUSSÃO Isoladamente, as variáveis estudadas apresentam caracterizações diferentes sobre a acessibilidade e mobilidade urbana do setor sul da cidade de João Pessoa, variando em condições favoráveis e desfavoráveis aos fluxos e deslocamentos urbanos diários. No entanto, no que diz respeito às escalas de análise, as condições não apresentam resultados contraditórios: a qualidade do espaço construído e dos serviços e infraestruturas de transporte apresentam a mesma configuração precária, tanto na escala da cidade quanto na escala dos bairros estudados. No entanto, chama-se a atenção para o fato de que a cobertura espacial dos pontos de ônibus aparenta ser adequada, porém não é suficiente para facilitar a acessibilidade e mobilidade, uma vez que o headway das linhas de ônibus é superior a 15 minutos na maior parte das linhas analisadas (Quadro 1). Quadro 1: Variáveis Analisadas e Achados Obtidos Variável
Achados
Linhas de Ônibus
Poucas linhas de ônibus; apenas o bairro de Valentina de Figueiredo apresenta cobertura e número de linhas satisfatórios
Pontos de Ônibus
Cobertura espacial, em geral, satisfatória, à exceção de Barra de Gramame, onde a situação é precária
Forma Urbana
Vias segregadas na escala global e local; presença de “ilhas” de acessibilidade morfológica
Frequência das Linhas
Parte significativa das linhas de ônibus com níveis precários de frequência de atendimento
Dessa forma, entende-se que, ao analisar o conjunto de fatores, não há sinergia entre a acessibilidade e mobilidade urbanas, e a falta de integração entre estas variáveis culmina na baixa facilidade de alcançar os destinos desejados. 356
CONCLUSÕES O setor sul da cidade de João Pessoa apresenta condições morfológicas, de infraestrutura e de operação dos serviços de transporte público desfavoráveis à concretização da acessibilidade e mobilidade urbana com qualidade. Os dados, individualmente, apresentaram achados que indicam baixa integração da estrutura física com as linhas de ônibus, apesar de a cobertura espacial dos pontos de ônibus estar alta na maior parte dos bairros. No entanto, ao relacionar as variáveis estudadas, observou-se a ruptura do potencial de acessibilidade com a mobilidade, tanto ao analisar os bairros estudados em relação à cidade, como as regiões internas da área de estudo. Contudo, por ser o transporte público algo dinâmico e passível de sofrer alterações ligadas, por exemplo, à localização e número dos pontos de ônibus e aos itinerários das linhas, não se pode ter certeza absoluta de que os dados coletados na base do Open Street Map estão em completo acordo com a realidade atual do sistema, o que pode ser considerado uma limitação do trabalho. Mesmo assim, esta base de dados tem sido apontada como confiável por pesquisadores de todo o mundo, de modo que se pode dizer que os dados coletados para esta pesquisa são válidos.
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URBANIDADE RECONQUISTADA? Transformações fisicoespaciais e sociais em Mangabeira, João Pessoa, Estado da Paraíba, Brasil
Maiara Dutra Vasconcelos dos Santos
[PPGAU/ Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
Marcele Trigueiro de Araújo Morais
[PPGAU/ Universidade Federal da Paraíba, Brasil]
INTRODUÇÃO Os questionamentos sobre a cidade, enquanto objeto de estudo, permeiam atualmente o vasto campo das ciências sociais. As especificidades das problemáticas, a multiplicidade das abordagens e procedimentos metodológicos que cada especialidade aplica a este centro comum de interesse reforçam a complementaridade das diversas linhas de trabalho, ao mesmo tempo em que denotam o caráter meramente parcial de cada estudo. Trata-se de “visões refratadas de realidades urbanas”, atesta Naciri1, ao considerar as limitações inerentes aos estudos urbanos, bem como a necessidade do cruzamento entre múltiplas visões. Sem pretensão de exaurir o tema, este capítulo procura antes apreender a discussão sobre cidade e as dinâmicas urbanas de sua periferia, a partir da(s) relação(ões) entre arquitetura e sociedade2. Por um lado, a arquitetura interessa-se pelo espaço físico no qual se manifesta uma rede de relações sociais, políticas, econômicas etc., em diversas escalas. Por outro, o processo de produção e de apropriação do espaço urbano e, portanto, da cidade, está intrinsecamente ligado ao seu conteúdo social. Embora marcada 360
por conflitos, tensões e violência, a cidade detém semelhante ambivalência, configurando-se como “lugar da promoção, da iniciativa e da criação”3; nos termos de Weber4, “o ar da cidade liberta”, precisamente quando permite aos públicos sua plena atuação enquanto agentes empreendedores, autônomos e criativos. O conceito de urbanidade insere-se neste contexto, uma vez que considera situações urbanas específicas, dotadas de diversidade e espontaneidade, vistas notadamente a partir da relação entre espaços públicos e “públicos urbanos”5. No entanto, se a urbanidade e os elementos que a tornam possível são indissociáveis de um projeto mais amplo, de sociedade6, diferentemente do que poderiam antever as projeções dos que concebem e fabricam o espaço da cidade, nova(s) urbanidade(s) emergem mais fortemente onde lacunas de ordens variadas (sociais, econômicas, urbanísticas, etc.) existem ou tendem a persistir. A periferia representa, nesta problemática um objeto privilegiado de observação e Mangabeira, bairro mais populoso da cidade, fornece uma estrutura fisicoespacial, de sociabilidade(s) urbana(s) e modo(s) de apropriação dos espaços públicos, suficientemente complexa, sendo pertinente para a reflexão. Convém então investigar a urbanidade atrelada a diferentes realidades e interrogar a possibilidade de “diferentes lugares de urbanidade ou diferentes urbanidades”7 exercerem papéis de destaque nas dinâmicas da cidade dita “periférica”. Nesta trama, o conceito de urbanidade constitui um importante filtro teórico e faculta uma série de questionamentos: como pode ser percebida a relação entre arquitetura e sociedade? Há paralelo(s) entre os aspectos configuracionais de um espaço e a atividade social urbana nele desenvolvida? Quais elementos físicos atuam positiva e/ou negativamente sobre o uso de determinados espaços? Como as pessoas resistem a restrições espaciais? E como respondem às possibilidades oferecidas pela forma urbana? É possível associar certos padrões de uso dos espaços públicos a certos padrões espaciais? Especula-se aqui sobre a universalidade ou, em oposição, a peculiaridade do fenômeno da urbanidade, bem como sobre as condições socioespaciais que permitem sua plena manifestação. Certamente estas questões só podem ser respondidas ou pelo menos testadas através do estudo empírico de espaços 361
urbanos consolidados, investigando os traços da vida cotidiana em campo. Para Aguiar e Netto8, refletir sobre algo tão complexo requer naturalmente a associação entre diferentes abordagens, provenientes de diferentes disciplinas: seja através de uma ótica mais objetiva, à qual responde mais precisamente um corpus formado por dados fisicoespaciais, ou mais sociológica, interessada em processos desencadeados pela presença humana no espaço. No sentido de explorar a “dupla dimensão” socioespacial da urbanidade9, foram mobilizados no presente estudo procedimentos metodológicos capazes de esclarecer ambas as questões sociais e configuracionais colocadas. Para explorar os aspectos fisicoespaciais, foi realizada a análise morfológica10 do setor estudado: através do levantamento de elementos e aspectos morfológicos (tais como malha viária, configuração de quadras, perfil fundiário, cheios e vazios e gabarito das edificações), bem como do mapeamento do uso do solo, foram coletadas e analisadas variáveis aptas a identificar os elementos referentes à configuração espacial envolvidos na urbanidade. Ainda dentro deste aspecto, a análise visual11 de um trajeto dentro do setor estudado foi aplicada, de maneira a contemplar toda a diversidade de experiências visuais que compõem a paisagem urbana desta área consolidada de Mangabeira. Os aspectos sociais investigados foram apreendidos por meio de observações dos usos dos espaços públicos, associadas ao devido mapeamento e registro fotográfico. Os levantamentos de práticas urbanas tiveram por objetivo verificar as disposições dos públicos urbanos nos espaços estudados12, assim como listar os dispositivos técnicos envolvidos em cada atividade detectada. Este capítulo sintetiza os principais resultados de uma pesquisa realizada entre 2012 e 2013: parte inicialmente do aparelho conceitual que o norteia para, na sequência, abordar o estudo de caso de Mangabeira, destacando as principais características fisicoespaciais e padrões de utilização observados nos espaços públicos de sua área mais consolidada, situada em torno do Mercado Central; propõe, enfim, discussão sobre os dispositivos técnicos e as disposições sociais envolvidos, abrindo espaço para algumas reflexões esboçadas à guisa de conclusão.
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CIDADE CONTEMPORÂNEA E URBANIDADE Co-presença, encontro, apropriação: escalas de urbanidade? A miríade de processos que envolvem esta complexa estrutura que é a cidade – de ordem política, econômica, cultural, social, entre outros – reflete-se no espaço urbano de maneira mais ou menos evidente. Todavia, o primeiro grau de leitura da cidade13, i.e. sua configuração fisicoespacial, emerge como fundo ativo em sua dinâmica: é produto e condicionante das relações sociais14. O espaço público urbano surge neste cenário como locus da cultura urbana, constituída de valores coletivos e diversidades, que envolvem troca e convívio15. No entanto, questões sobre as condições de determinados espaços públicos ativarem mais ou menos facilmente os mecanismos de elaboração da urbanidade persistem. Há diferentes acepções do termo e, por que não avançar, diferentes níveis para sua realização, descrição e apreensão. De acordo com o Aurélio, a palavra urbanidade significa “caráter do urbano”, podendo ser interpretada como um “conjunto de qualidades, boas ou más, que distinguem a cidade”16. A Teoria Social do Espaço, surgida entre as décadas de 1970 e 1980 através dos estudos de Bill Hillier e Julienne Hanson, aborda justamente “o espaço investigando essencialmente propriedades abstratas de natureza topológica, através de atributos como proximidade, continuidade e descontinuidade, contiguidade, separação, integração, segregação, etc.”17. Para Hillier, a malha urbana é o principal determinante da vida urbana, uma vez que estrutura o chamado movimento natural, que, por sua vez, atrai processos catalizadores (como usos comerciais concentrados em certas vias) e distribui padrões de co-presença no espaço, de maneira a criar “comunidades virtuais”, ou seja, espaços com maior ou menor probabilidade de encontro e diversidade de atividades e pessoas. Neste entendimento do termo, a urbanidade aconteceria “de fora para dentro”, a partir de propriedades globais agindo sobre lugares. Em sua defesa de que a cidade tem que ser pensada sempre como um todo, o autor chega a afirmar que “lugares não são coisas locais. [...] Lugares não fazem cidades. São as cidades que fazem os 363
lugares”18. A emblemática afirmação traduz o pensamento de que o uso dos espaços depende mais da malha urbana como um todo do que de propriedades locais, ignorando aspectos mais subjetivos da vida urbana como afetividade, simbolismo, etc. O termo urbanidade refere-se igualmente a “civilidade, cortesia”, qualidades que podem ser aplicadas à arquitetura e ao espaço urbano, ampliando sua capacidade de promover copresença e o encontro de pessoas19. Na visão de Lefèbvre20 ou de Sennett21, a cidade consiste justamente em lugar de encontro entre desconhecidos e forasteiros; nela, a urbanidade deixar-se-ia entrever na objetivação do uso “convivencial” de seus instrumentos e bens urbanos, facilitando o processo de individuação e de autonomia de seus públicos22. Peponis23 aponta igualmente o encontro – e não necessariamente a interação – como sendo a experiência genuinamente urbana. Autores, por sua vez, atribuem por assim dizer grau máximo de urbanidade a espaços que, por sua qualidade espacial, são massivamente eleitos pela população. Gehl24 aponta enfaticamente para características configuracionais que favorecem a mobilidade urbana e a micro acessibilidade do pedestre: são, para ele, condicionantes essenciais à adequação dos espaços às atividades dos públicos. Bo Gronlünd25 refere-se à urbanidade como “um campo rico de informações entre pessoas e entre pessoas e artefatos, em espaço acessível [de livre acesso], onde o novo e o inesperado podem acontecer em diferentes combinações e crescente complexidade”26; desta maneira, parte para noções bem mais subjetivas para entender a urbanidade, como “possibilidade de intervenção e personalização do espaço”, ou ainda para a ideia de “espaços inacabados”, no sentido de apontar a questão da mobilização e da apropriação do espaço pelo público, como sendo um fator importante no acontecimento da urbanidade. O uso do termo “apropriação” requer cautela, uma vez que comporta dupla conotação: diferentemente das possibilidades de apropriação levantadas por Gehl ou Bo Gronlünd, estudos definem a nãoconformidade do espaço público às atividades e expectativas dos diferentes públicos, como principal motivação para sua indevida mobilização – nesta lógica, a insuficiência de dispositivos técnicos e espaciais do urbano (DTSU1) concebidos em parceria com os 1 DTSU = Dispositifs techniques et spatiaux de l’urbain (Dispositivos técnicos e espaciais do urbano) – cf. TOUSSAINT, 2003.
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usuários, adequados às suas necessidades, levaria à apropriação privada de lugares públicos inicialmente programados para outros usos. As situações urbanas geradas nestas condições podem ser erroneamente interpretadas como “atos de incivilidade”, pois provocam desvios de usos ou “catacreses”27, passíveis de gerar verdadeiros conflitos e interferir definitivamente na elaboração da “boa” urbanidade.
Que condições para a urbanidade? O processo de produção das cidades contemporâneas parece obedecer a outros interesses e fatores que não a funcionalidade defendida notadamente por Hillier. Trata-se da cidade que, ao fazer emergir “padrões de movimento e encontro mais fragmentados, mais previsíveis, mais programados”28, dependentes de relações atreladas aos níveis sociais e interesses comuns, perderiam o que Hillier diz ser o lado mais positivo da experiência urbana. Esta cidade passaria a funcionar em uma lógica desurbana2, orientada para a ruptura e o formalismo. Ao comentar o urbanismo moderno, Holanda destaca estratégias como baixas taxas de ocupação, grandes descontinuidades no tecido urbano, proliferação de espaços cegos (sem conexão público/privado) e segmentação (como unidades de vizinhança e condomínios fechados) como atributos que se afastariam de contextos de urbanidade. Apesar de não utilizar o termo “urbanidade” e focar em questões de vitalidade e segurança urbana, Jacobs29 foi uma das primeiras a levantar a questão da espacialidade própria do meio urbano ao notar que esta dinâmica faltava em cidades modernas. Explorando e descrevendo etnograficamente as qualidades da cidade tradicional, a autora fez alertas importantes sobre a vida urbana e sobre o espaço como fundo ativo desta dinâmica. A jornalista, que continua sendo referência na discussão de como as cidades são pensadas e vividas, já alertava para a correspondência entre padrões desejáveis de qualidade urbana e aspectos fisicoespaciais, como tamanho de quadra (quadras curtas promovem mais conexões), edifícios de idades diferentes (gerando diversidade econômica), alta densidade de pessoas e 2 Para Hillier, o termo “exercício de desurbanidade” evoca as estratégias de ruptura de interface entre edifícios e espaço público, entre escalas de movimento ou ainda na relação entre habitantes e forasteiros. Figueiredo (2012) amplia esta ideia, apontando que a desurbanidade acontece quando encontros e co-presença entre diferentes no ambiente urbano – i.e. a experiência genuinamente urbana (PEPONIS, 1989) – são constrangidos ou impedidos.
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diversidade de funções. Em outros termos, a autora sinalizou para a importância de pensar “quem, quando e onde” no intuito de apreender a dinâmica da vida urbana. Da Sintaxe Espacial, Holanda30 traz a noção de espaço como um sistema de barreiras e permeabilidades, que, assim, permitem ou restringem possibilidades de uso. Em sua visão sobre a urbanidade, propõe que três aspectos sejam considerados: os padrões espaciais, correspondentes às propriedades do objeto arquitetônico em si; a vida espacial, referente ao uso nos espaços; e a vida social, em que o autor aborda a própria sociedade envolvida no processo, em seus aspectos culturais. O autor aponta uma lista de atributos físicos, que em seu entendimento seriam particularmente susceptíveis de deflagrar as condições ideais de urbanidade: mais espaços ocupados que abertos, menores unidades de espaços abertos, mais portas abrindo para o espaço público, minimização de espaços segregados.
MODOS DE APREENSÃO DO FENÔMENO O debate sobre a(s) urbanidade(s) e condições para sua realização ganhou força no Brasil através da discussão entre pesquisadores. Sendo este fenômeno “tão difícil de apreender quanto a própria cidade”31 e ao mesmo tempo tão definidor e fundamental da condição urbana, não se chegou a uma definição comum do termo. Para Netto32, a tensão entre a universalidade do termo e a diversificação de contextos nos quais ela pode se manifestar leva alguns autores a buscarem este “espírito urbano” para além de contextos e outros autores a desconstruírem essa aparente universalidade em busca de entender manifestações diversas de urbanidade. Predominantemente, a urbanidade é associada a situações em que a vida social se desenvolve com o suporte adequado da estrutura fisicoespacial, ou seja, em que o espaço oferece as possibilidades ideais para que a urbanidade se desenvolva. No entanto, há também situações em que a primeira acontece apesar da segunda, onde restrições espaciais são superadas em um processo de resgate ou reinvenção da urbanidade33. A análise de dois importantes espaços públicos da cidade de Fortaleza34, no intuito de investigar limites e possibilidades da urbanidade, 366
identifica que “as cidades atuais tendem a conformar uma vida urbana fragmentada [...] e parecem ser cada vez menos capazes de conformar espaços de urbanidade”35, sob os termos de Frederico Holanda. A autora atenta para o fato de que a especialização de setores da cidade e, consequentemente, a fragmentação temporal3, faz surgir “resquícios de urbanidade”, que ficam longe da urbanidade “ideal” (bons espaços urbanos com diversidade de pessoas e interesses ao longo de todo o dia), ainda que apresentem, em determinadas situações, características de uma urbanidade experimentada em escala global. Joseph36 refere-se à urbanidade como “situações de equilíbrio entre as dimensões social e fisicoespacial”. O autor coloca que dispositivos técnicos próprios do meio urbano têm “efeitos ou consequências diretas no tipo de práticas e de relações sociais, nos comportamentos ou nas condutas de civilidade e de incivilidade”. Neste sentido, os espaços públicos urbanos funcionam como “instrumentos de urbanidade”37. Em um sentido mais amplo, o mesmo autor associa urbanidade à cidadania, na medida em que seria, no espaço urbano, que bens simbólicos ligados ao exercício da cidadania e da democracia teriam possibilidade de serem materializados ou realizados38 através da experiência do citadino no cotidiano. Daí a importância da acessibilidade para a urbanidade pública em um sentido de “hospitalidade universal”, ligada à livre circulação e “naturalização da experiência do intruso”, ou seja, convivência e encontro de diferentes, em escala local. A abordagem mais subjetiva da sociologia, centrada nas relações corpo e cidade, pode também contribuir para o olhar interdisciplinar e mais abrangente do conceito de urbanidade, afinal, trata da experiência dos indivíduos no espaço. Especialmente a abordagem de ambiências urbanas traz marcante a preocupação de olhar a experiência a partir da simultaneidade entre ambiente construído e práticas sociais. O sociólogo francês Thibaud39 ao tratar da dinamicidade deste processo, ressalta como o citadino está sempre a reagir a diversos estímulos enquanto caminha pela cidade, caracterizando um processo constante de interação, no qual a pessoa reage ao espaço e, simultaneamente, acaba por também agir sobre seu entorno, transformando-o. Nesta relação, 3 Por exemplo, vias comerciais que funcionam durante o horário comercial, mas à noite são desertas ou ainda áreas boemias que não têm vitalidade durante o dia, para então “borbulharem” de pessoas e acontecimentos durante a noite, entre outras situações.
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diferentes espaços criam diferentes expectativas e, por sua vez, diferentes experiências, a englobar aspectos mais subjetivos do espaço físico, como odores, sons, texturas, estímulos estéticos e sensoriais, etc. Em última instância, por assim dizer, na escala humana, a urbanidade trata da experiência dos indivíduos nos espaços públicos urbanos. A compreensão da urbanidade é complexa e abrange nuances da vida urbana dificilmente apreendidas apenas por um ou outro ponto de vista ou teoria. Aqui, pretende-se absorver tais discussões e, de acordo com os procedimentos e reflexões propostas, explorar uma leitura interdisciplinar na intenção de captar as “escalas” de urbanidade em campo. Neste sentido, parece promissora a tentativa de observar suas manifestações em situações de co-presença, encontro ou apropriação, a partir de um “zoom” no espaço urbano e das três escalas supracitadas (global, local e humana). Sugere-se um paralelo que pode ser descrito como segue: • “escala global” (referente ao entendimento da “copresença”, para o qual não há interação necessária): observa-se, sobretudo, a situação dos espaços dentro da malha urbana; •
“escala local” (concernente à descrição do “encontro” na cidade): atuam nesta relação a configuração do espaço físico, mas também a condição de seu entorno, dos bens urbanos e dispositivos técnicos disponíveis ao acesso coletivo;
•
“escala humana” (escala de aproximação máxima, na qual interferem fenômenos mais íntimos de “apropriação” e relação social): neste caso, há que se observar as ambiências, posturas corporais, indícios de sociabilidades, etc.
CASO DE ESTUDO: O BAIRRO DE MANGABEIRA
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A construção do bairro de Mangabeira, na década de 1980, aconteceu como estratégia para suprir o déficit habitacional da cidade, sendo umas das últimas intervenções do Banco Nacional de Habitação em João Pessoa [cf. Figura 1]. A implantação do conjunto
habitacional, “afastado e isolado” do tecido já consolidado da cidade40, obedeceu à lógica de expansão da malha urbana na direção sudeste, até então pouco adensada. Ao longo de três décadas, este setor periférico da cidade foi ocupado e o próprio bairro sofreu uma série de expansões; estes fatores impulsionaram o desenvolvimento do uso comercial e de serviços, devido à grande demanda existente, e consolidaram Mangabeira como subcentro de atividades da zona sul/sudeste – parte da cidade que concentra população de renda média a baixa. Nesta pesquisa, elegeu-se como estudo de caso o Mercado Público [cf. Figura 2] de Mangabeira por ser um espaço público central e emblemático, de grande vitalidade; a partir dele, foi traçado seu raio de influência para o entorno, como pareceu
Figura 1: Localização do bairro de Mangabeira, em João Pessoa (PB).
Elaboração do mapa: Maiara Dutra, 2015. Fonte: DUTRA, 2013.
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Figura 2: Área de estudo, dentro do bairro de Mangabeira.
Elaboração do mapa: Maiara Dutra, 2015. Fonte: DUTRA, 2013.
pertinente4, resultando em uma área que abarca parte da Avenida Josefa Taveira, bem como a Praça Cristo Rei. O recorte espacial obtido parece capaz de compreender diferentes dinâmicas sociais, fruto, por sua vez, de diversas formas de ocupação da malha urbana. A área está localizada na parte central do setor original do bairro, correspondente a Mangabeiras I a V, projetado dentro do conceito de Unidades de Vizinhança (UV). No entanto, o processo de ocupação irregular dos espaços públicos previstos, acabou por não permitir a consolidação da proposta original.
Aspectos fisicoespaciais: escala global, escala local A configuração do bairro, dentro da lógica de Unidades de Vizinhança, estrutura-se a partir de vias coletoras e vias locais. As primeiras, conhecidas como principais, são mais largas, com tratamento asfáltico e estruturam o tráfego de passagem dos veículos, sendo a principal via coletora a Avenida Josefa Taveira. As vias locais são mais estreitas, com pavimentação em paralelepípedo 370
4 O raio de influência, de 350 m, foi definido considerando parâmetros do projeto original do bairro, que determinava raios de influência dos equipamentos propostos como núcleos de vizinhança.
e comportam basicamente o tráfego de acesso a lotes lindeiros. As quadras são em sua maioria retangulares, com lotes regulares em termos de dimensões, exceto pelos lotes maiores nas esquinas. As quadras originalmente projetadas como espaços livres públicos possuem formas e dimensões diferentes das demais, e o processo de ocupação irregular resultou em maior adensamento destas áreas, com lotes menores, irregulares e sem recuos. A articulação entre as quadras gera diferentes relações entre as frentes de lote e, portanto, os pontos de acesso das pessoas. As articulações paralela e perpendicular entre quadras (mais recorrentes no setor) são potencializadoras da permanencia de pessoas no espaço público, enquanto que a articulação entre “cabeças de quadra” (em menor ocorrência) enfraquecem a relação público/privado, gerando situações de cisão fisicoespacial dentro do tecido urbano. O setor é composto predominantemente por edificações térreas e residenciais, distribuídas pelas vias locais. A Avenida Josefa Taveira concentra 90% dos edifícios de uso comercial levantados, fenômeno resultante de sua posição como principal corredor de tráfego de veículos dentro do bairro, ao mesmo tempo em que atua como atrator5 de interesses, retroalimentando esta dinâmica que reafirma a via como principal do bairro [cf. Figura 3]. O uso misto, combinação dos usos residencial e comercial, ocorre de maneira dispersa na malha, no entanto, há peculiaridades. Na Avenida Josefa Taveira, encontram-se os estabelecimentos com mais estrutura; enquanto que nas vias locais, a predominância é dos “fiteiros”, pequenos estabelecimentos comerciais construídos no limite frontal dos lotes residenciais, que funcionam como pontos de referência dentro da malha, além de lugares de encontro da comunidade. A predominância no setor é de espaços construídos sobre espaços livres, estes limitados praticamente a ruas e calçadas, que possuem obstáculos à circulação, como árvores e rampas para carros, enquanto que nas vias principais os problemas são postes, mercadorias expostas na circulação, pilaretes das marquises, carros estacionados, entre outros. A Praça Cristo Rei, lugar simbolicamente forte na cultura no bairro devido à sua função social em outra época, atualmente apresenta problemas de infraestrutura, como piso quebrado, falta de mobiliário e 5 O termo é utilizado dentro da Teoria de Lógica Social do Espaço para designar equipamentos e usos que atraem pessoas e interesses, e, portanto, potencializam o movimento no espaço público urbano.
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relação hostil com seu entorno imediato. O Mercado Público está localizado no cruzamento de duas vias coletoras, possui pequenos espaços de convivência sombreados com bancos em sua área de transição entre a calçada externa e o interior do mercado. Os espaços de convivência bem como os canteiros são cercados por grades e o acesso é feito por portões, o que constrange o uso de algumas áreas. A observação da paisagem urbana revela diferentes experiências visuais e sensoriais dentro do setor. As ocupações irregulares transformaram-se em “comunidades” e possuem paisagem característica: as construções são mais precárias que as dos lotes formais e a ausência de recuos faz as edificações se comunicarem diretamente com a rua; as calçadas são estreitas e privatizadas, sombreadas por coberturas que avançam sobre o
Figura 3: Malha urbana da área de estudo com usos destacados.
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Elaboração do mapa: Maiara Dutra, 2015. Fonte: DUTRA, 2013.
edifício, ocupadas com varais e cadeiras, funcionando como uma extensão do espaço privado e constrangendo a livre circulação de não-moradores [cf. Figura 4]. A Avenida Josefa Taveira possui muitos estímulos visuais devido aos grandes painéis comerciais sem padronização, além das placas de publicidade dispostas aleatoriamente pela calçada. As lojas extrapolam para as calçadas: fachadas são estreitas e abertas para a rua, marquises sombreiam as calçadas e em alguns casos servem de suporte para mercadorias penduradas sobre os transeuntes; no piso também são dispostos mercadorias e manequins, levando a loja para o espaço público e muitas vezes comprometendo a noção de “dentro e fora”. Outros obstáculos à circulação são encontrados: placas de sinalização e mobiliário urbano (postes, telefone público); gelos-baianos, demarcando estacionamentos que acabam sendo utilizados como bancos pelas pessoas que esperam ônibus; ambulantes com seus carrinhos ocupando a circulação; pilaretes de sustentação das marquises, que são locados nas esquinas dificultando o livre acesso à rua; carros estacionados indevidamente dificultando a circulação. Neste cenário, vendedores à frente das lojas convidam transeuntes a entrarem, ouve-se música alta e o trânsito de pedestres e veículos é intenso; o ambiente é excitante, entre o animado e o caótico, com diversas informações visuais e estímulos sonoros [cf. Figura 5]. Nas ruas locais, há mudança radical de cenário: trata-se de paisagem pouco complexa, na qual se destacam verticalmente postes e árvores. Por serem extensas, é comum não alcançarmos visualmente o fim da rua, caracterizando uma perspectiva de continuidade. Quando encontramos quadras de articulação perpendicular (frente de quadra x cabeça de quadra), a paisagem torna-se mais hostil, com trechos de fachada cega e quase sempre com piso quebrado ou vegetação rasteira pela circulação, dando uma impressão de descuido. O ambiente é, em geral, tranquilo e até monótono [cf. Figura 6].
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Figura 4: Via local com ocupaçþes irregulares.
Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Figura 5: Avenida Josefa Taveira. Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
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Figura 6: Via local com lotes residenciais regulares.
Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Práticas sociais e urbanidade: escala humana As premissas teóricas deste texto sinalizam para aspectos de apropriação verificados in loco e relatados desde a leitura da escala anterior (local). Em nível de escala humana, há flagrantes igualmente fortes: no período da manhã, geralmente pessoas trabalham no espaço público e o mobilizam como extensões dos estabelecimentos (por exemplo, carpintaria e oficina). Nos arredores do Mercado Público, ocorre uma apropriação até mais agressiva do espaço público, por parte de guardadores e lavadores de carro, que ocupam calçadas e distribuem seus materiais de trabalho pela rua. Ainda neste turno, é comum encontrar pessoas realizando tarefas domésticas em frente às residências das vias locais ou em frente aos pequenos estabelecimentos comerciais, tornando-se recorrente encontrar situações em que elas cumprimentam-se ou mesmo em que param à sombra de uma árvore ou sob a cobertura de um fiteiro para prolongar o diálogo. É possível também encontrar crianças brincando em calçadas, sozinhas ou em pequenos grupos, dentro do campo visual de adultos provavelmente conhecidos. Na Avenida Josefa Taveira, o movimento de pedestres pelas calçadas é intenso e constante: os vários pontos de acesso aos edifícios comerciais causam um movimento de entra-e-sai que deixa o cenário ainda mais animado. Há também concentrações de pessoas nos pontos de ônibus, que muitas vezes recorrem a batentes e paredes próximas para sentarem ou se encostarem enquanto esperam. Os vendedores ambulantes, com carrinhos, distribuem-se nas calçadas, atraindo mais aglomerações de pessoas [cf. Figura 7]. No período do fim da tarde, com clima mais ameno e encerramento de atividades como aulas e comércio, há ainda mais ocorrências de pessoas utilizando o espaço público. Mulheres, predominantemente, colocam-se à frente das residências sentadas em cadeiras ou batentes, conversando ou apenas contemplando o movimento. Adolescentes preferem sentar-se no chão, em grupos, e atividades de recreação acontecem por todo o setor, com crianças brincando de futebol, bicicleta, jovens jogando vôlei no meio da rua ou grupos de senhores em calçadas reunidos em volta de tabuleiros improvisados com bancos de plástico. Alguns fiteiros 375
atraem grupos de pessoas que se encontram para beber, jogar e conversar em mesas colocadas nas calçadas [cf. Figuras 8 e 9].
Figura 7: Táticas na av. Josefa Taveira. Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Figura 8: “Fiteiros” em via local.
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Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Na Avenida Josefa Taveira, a atividade mais recorrente é de pessoas paradas em pé conversando. Os vendedores, por exemplo, fazem parte deste grupo e alguns chegam a colocar cadeiras à frente das lojas onde trabalham. Há também maior tráfego de pessoas pelas ruas, sendo notória a presença das crianças e jovens fardados, acompanhados ou não de adultos. No fim de semana, é comum encontrar grupos de pessoas à frente das residências, com mesas de aperitivos e portões abertos, em algumas situações, com música alta vinda do interior da residência. Há também muitas crianças brincando pelas ruas e calçadas, sob o olhar de seus acompanhantes, que conversam sentados ou em pé. Pessoas realizam tarefas domésticas na calçada (varrendo, lavando a calçada, podando plantas, limpando objetos), quase sempre interagindo com outras que se encontram próximas ou caminhando na calçada. Nesta avenida, as áreas com alguma animação são mais pontuais, concentrando-se próximo à Praça Cristo Rei, nas imediações do Mercado e, mais a sul, em função de algumas lanchonetes que ficam abertas. No entorno do Mercado, por sua vez, encontram-se verdadeiros estandes de CDs e DVDs dispostos ao longo das portas fechadas dos estabelecimentos comerciais; há sempre alguém parando para conferir os produtos. No fim de semana, a noite é ainda mais animada. As calçadas da quadra à frente do Mercado são tomadas por vendedores de CDs, com carrinhos de som e suportes encostados nas portas fechadas das lojas. Mesas e cadeiras dispostas em um estacionamento de um edifício próximo transformam a esquina em uma espécie de lanchonete ao ar livre, com dois ou três pontos de venda de alimentos improvisados na calçada. No período da noite, é possível encontrar grupos maiores de pessoas à frente das residências, sentadas em cadeiras, poltronas ou batentes, observando as crianças que brincam no meio da rua, já que o tráfego de veículos é praticamente inexistente [cf. Figura 10]. Em ruas mais animadas, pode-se inclusive encontrar cadeiras desocupadas à frente da residência de portões abertos. Nas ruas mais longas, com articulação de quadras frente x lateral, as pessoas concentram-se mais nas esquinas, com perspectiva para as ruas perpendiculares. No sábado à noite, as igrejas funcionam, com cultos e missas, e geralmente acontecem pequenas aglomerações 377
à frente das edificações. Além destes, residências em pontos diversos do setor realizam cultos religiosos e transformam-se em templos improvisados, com cadeiras dispostas na parte da frente do logradouro; os portões ficam abertos e muitas vezes as cadeiras são colocadas também no espaço público.
Figura 9: Táticas observadas, via local.
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Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Figura 10: Apropriações em via local. Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
A Praça Cristo Rei, apesar de estar localizada em um ponto de muito movimento e passagem de pessoas, é uma zona “morta” durante a manhã, sem movimento ou com poucos registros de passagem. A falta de sombreamento faz os taxistas da praça e comerciantes vizinhos optarem pelas calçadas da comunidade adjacente como ponto de encontro e interação [cf. Figura 11]. O estado deteriorado do piso também faz os passantes preferirem transitar pela rua para evitar atravessar a praça. No período da tarde, é possível encontrar ocasionalmente guardadores de carro aproveitando o clima mais ameno para sentarem nos bancos que restam, assim como crianças da comunidade vizinha brincando de bicicleta pela praça. No período da noite, enquanto crianças brincam, mulheres sentadas nos batentes da praça observam-nas e conversam entre si e senhoras sentam-se em cadeiras em frente às casas da comunidade. O Mercado Público propriamente dito, que possui pequenos espaços de convivência, é um equipamento de grande vitalidade no qual é possível registrar diferentes tipos de apropriação, o que atesta a diversidade de interesses e atratividade de pessoas que ele é capaz de gerar. O espaço localizado à frente do acesso à agência bancária funciona como principal porta de entrada para pessoas, que muitas vezes param rapidamente para usufruir dos bancos e clima ameno proporcionado pela sombra das árvores. Muitas vezes a demanda excede os bancos disponíveis e alguns usuários não hesitam em mobilizar jardineiras, batentes e desníveis no espaço para permanecerem ali. Na parte mais sombreada, encontramos a presença constante de idosos sentados durante manhãs e fins de tarde diariamente, conversando, lendo jornal ou simplesmente contemplando o movimento intenso de pessoas [cf. Figura 12]. Em outro espaço de convivência, mais afastado, é recorrente a presença de homens sozinhos e até aproveitando o menor movimento para um descanso após o almoço. Curiosamente, há um espaço ao lado da parada de ônibus pouco utilizado, apesar da sobrecarga de pessoas na calçada: de fato, a área é cercada de grades e tem acesso limitado por uma grade, o que dificulta seu uso por quem está presente no local. As grades e cercas que rodeiam os canteiros do Mercado reforçam a imagem de espaço segmentado que os canteiros e circulações labirínticas constroem, tanto para quem está dentro 379
Figura 11 Apropriações na comunidade Cristo Rei.
Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
Figura 12. Práticas sociais no Mercado Público. Fonte: Adaptado de DUTRA, 2013.
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quanto para quem observa o Mercado de fora. Estes dispositivos técnicos, projetados para isolar os canteiros da circulação de pedestres, acabam sendo mobilizados pelos usuários do espaço como suporte para suas práticas/necessidades: pessoas se encostam às grades para conversas rápidas, outras se apoiam nas cercas enquanto falam ao celular; ambulantes aproveitam a estrutura como estande de mercadorias; e usuários do Mercado utilizam-nas como bicicletário – o que não existe no local. As crianças, especialmente, aproveitam: se penduram, escalam, montam, sentam, pulam de uma grade para outra, enfim, exploram diversas possibilidades de uso deste dispositivo no intuito de brincar. O Mercado apresenta diferentes relações com seu entorno, mais ou menos integrado aos espaços públicos que o cercam. A interface com a via local lateral é mais harmoniosa, possibilitando, inclusive, que residentes próximos e comerciantes levem cadeiras paras as calçadas do Mercado ou se sentem nos batentes para aproveitar o ambiente tranquilo no fim da tarde. Já as interfaces de fundo e lateral com a via coletora são bem mais hostis ao uso: apresentam problemas fisicoespaciais que impedem a ligação público/privada como também dificultam a livre circulação dos pedestres, que optam em muitos trechos por andar pela faixa de rolamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações sobre as práticas sociais desenvolvidas nas áreas estudadas confirmam a importância dos espaços públicos e do Mercado no cotidiano do bairro de Mangabeira. No entanto, a confrontação entre estas práticas e os aspectos fisicoespaciais do bairro revela um desequilíbrio entre as duas dimensões da vida urbana observada. A evolução urbana do bairro é particularmente instigante, fundamental na evolução da própria cidade, na consolidação da malha urbana atual e de sua lógica social: em aproximadamente três décadas, Mangabeira deixou de ser um conjunto habitacional isolado na periferia da cidade, afastado do centro consolidado, para ser um subcentro de atividades e serviços de toda a zona sudeste; área esta que foi, neste intervalo de tempo, intensamente 381
adensada, sobretudo por uma população de média a baixa renda, apesar da carência de infraestrutura à época. Este desequilíbrio entre a demanda da população e a infraestrutura insuficiente contribuiu em grande parte para uma dinâmica de produção do espaço, notadamente marcada pelo preenchimento desordenado das lacunas espaciais por intermédio de apropriações sociais. Este fenômeno insere-se em um processo comum nas cidades brasileiras de consolidação das periferias, que em geral parte de uma demanda latente por melhoria (relativa) da infraestrutura e serviços e faz emergir novas centralidades: resultam situações em que a população pode realizar grande parte de sua atividade social cotidiana dentro do próprio bairro, sem necessitar se deslocar para outros centros ou subcentros – tal é o caso de Mangabeira. Em termos globais, pode-se dizer que a forma de ocupação desordenada do bairro, nos anos 1980, é em parte responsável por esta situação: de fato, quadras inicialmente previstas para abrigarem praças e, assim, garantirem espaços públicos adequados e até mesmo a permeabilidade visual e física do bairro, foram invadidas por construções irregulares que acabaram por comprometer a qualidade espacial do bairro e as condições favoráveis de co-presença. Na escala local, as calçadas apresentam diversos problemas que constrangem a livre circulação (buracos, obstáculos, privatização, etc.) e seu bom funcionamento enquanto lugar de encontros da população; esta então mobiliza dispositivos técnicos e instrumentos urbanos que, dispostos no espaço, permitem-nas superar as principais restrições espaciais e desviar os usos para seus interesses e finalidades. No que concerne à escala humana, os indícios de convívio social são fortes, mesmo quando não há tantas possibilidades oferecidas pelo espaço físico. As comunidades geradas a partir das ocupações irregulares de espaços pensados para outra função dentro do bairro são exemplos interessantes da ação das escalas global, local e humana na vida social do bairro. Estão localizadas em lugares estratégicos da malha, onde há muita circulação de pessoas. Ademais, seu tipo de ocupação, estreita e sem recuo, fortalece a relação público e privado a ponto de criar zonas de forte permeabilidade e certa ambiguidade no que concerne aos seus usos: são situações em que o espaço público é privatizado e o espaço privado extrapola para o público, mas que diferem das apropriações observadas nos 382
lotes formais. Estas disparidades geram tensões socioespaciais e a vida social acontece atrelada à noção de “comunidade” dentro do bairro: aparecem indícios de uma identidade que se elabora de certa forma apartada, com regras e expectativas sociais específicas, ditadas e vivenciadas entre moradores e não-moradores, também peculiares a estas situações. Apesar de ser um grande atrator e gerador de vitalidade e animação social, o Mercado Público por sua vez parece, senão impedir a urbanidade, pelo menos promover obstáculos ao seu desenvolvimento: seu espaço é fragmentado e, embora apresente infraestrutura mínima para reuniões sociais, possui grandes canteiros e grades que comprometem a permeabilidade visual do local. Ademais, sua circulação labiríntica tem dimensões insuficientes, que se transformam em gargalos em alguns pontos. Ainda assim, o Mercado funciona como o centro de Mangabeira, sendo comumente reconhecido pela população como “coração do bairro”; acaba sendo cenário de práticas sociais consolidadas (idosos diariamente usam determinado espaço) e pequenas apropriações cotidianas que se valem de criatividade para explorar e mobilizar as estruturas fisicoespaciais disponíveis. Diante da complexidade das situações descritas, há que se pensar em urbanidade(s) que se manifestam em contextos fisicoespaciais, a priori, condicionantes de desurbanidade. Em situações urbanas mais difíceis, as pessoas desenvolvem “táticas” para reaver o espaço público como lugar de práticas sociais41. Entender estas táticas é entender o funcionamento do espaço, seus principais potenciais e lacunas, e as necessidades dos públicos que o mobilizam. Questiona-se assim a abordagem da urbanidade tida como “válida”, i.e. aquela legitimada pelos “fabricantes da cidade”, que são os grupos hegemônicos, detentores de poder, influência e capital, à frente de grande parte dos processos ligados à práxis urbana – da concepção à produção de espaços urbanos42. Nesta perspectiva, os espaços públicos enquanto dispositivos técnicos e espaciais do urbano emergem como possibilidade concreta de ação e de reconquista da urbanidade: são capazes de contribuir com o entendimento de uma discussão que, no fim das contas, remete ao desajuste entre “espaço concebido” e “espaço vivido”, ou seja, um desajuste entre fabricantes do espaço público e os públicos urbanos. 383
NOTAS (1) NACIRI, Mohamed. “Présentation”, in Succès de la ville, crise de l’urbanité. Revue Espaces et Sociétés, Paris: Editions l’Harmattan, n°65, 1991, pp.7-18, p.7. (2) JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000; LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes. 1980; CULLEN, Gordon. Paisagem urbana. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000; NETTO, Vinicius. Cidade e Sociedade – as tramas da prática e seus espaços. Porto Alegre: Sublina, 2014. (3) NACIRI, op. cit. (4) WEBER, Max. Histoire économique. Esquisse d’une histoire universelle de l’économie de la société, Paris : Editions Gallimard, e1993, 431p. (5) TOUSSAINT, Jean-Yves. Projets et usages urbains. Fabriquer et utiliser les dispositifs techniques et spatiaux de l’urbain. Lyon, Université Lumière Lyon 2 / INSA de Lyon, 2003. (6) SUEUR Jean-Pierre. Changer la ville. Pour une nouvelle urbanité. Paris: Éditions Odile Jacob, 1999, 215p. (7) AGUIAR, Douglas; NETTO, Vinicius (Org.). Urbanidades. Rio de Janeiro: Folio Digital, 2012, p.16. (8) Ibidem. (9) JOSEPH, Isaac. Espace public, urbanité, citoyenneté, in JOLE, Michèle (Org.). Espaces publics et cultures urbaines, Lyon, CERTU, col. Débats, 2002, p.33-42. (10) LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da cidade. 3ª Edição Porto: Fundação Calouste Gulbenkian Para Ciência e Tecnologia, 2004; PANERAI, Philippe. Análise urbana, Brasília: UNB, 2006. (11) CULLEN, op. cit. 384
(12) SCOCUGLIA, Jovanka; TRIGUEIRO, Marcele, CAMBOIM; Iale, Espaços públicos, corpos e práticas: novos elementos conceituais para a interpretação da urbanidade. O caso das Malvinas em Campina Grande, in SCOCULIA (org.), Cidade, Cultura e Urbanidade. João Pessoa: Editora Universitária UFPB. 2012. (13) LAMAS, op.cit. (14) CORREA, Roberto Lobato. O espaço urbano, São Paulo: Ática, 1995. (15) AGUIAR, Douglas. Urbanidade e a qualidade do urbano, in AGUIAR, NETTO, op. cit. (16) Idem. (17) LINARD, Fernanda. O Coração e o Dragão: perspectivas da vida urbana em uma cidade fragmentada, Dissertação. Programa de Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo, UFRN, 2010, 200p, p.83. (18) HILLIER, Bill. Cities as movement economies. Intelligent Environments: Spatial Aspects of the Information Revolution, North Holland, Amsterdam, The Netherlands, 1997. (19) FIGUEIREDO, Lucas. Desurbanismo: Um manual rápido de destruição de cidades, in AGUIAR, NETTO, op. cit. pp.209-234. (20) LEFEBVRE, Henri. Le droit à la ville, Paris: Edition Anthropos, col. Points, e1986, 284p. (21) SENNETT, Richard. Les tyrannies de l’intimité, Paris: Editions du Seuil, col. La couleur des idées, e1979, 282p. (22) TRIGUEIRO, Marcele. Pacificação da cidade: a urbanidade legitimada, in AGUIAR, NETTO, op. cit. pp.81-113. (23) PEPONIS, John. Espaço, Cultura e Desenho Urbano no Modernismo Tardio e Além dele. Ekistics, v. 56, n. 334/5, pp.93108, 1989. (24) GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2013. (25) BO GRONLÜND apud LINARD, op. cit. 385
(26) Id., p 59. (27) TOUSSAINT, op. cit., p.61. (28) LINARD, op. cit., p.58. (29) Op. cit. (30) HOLANDA, Frederico (Org.). Arquitetura e Urbanidade, Brasília: FRBH Edições, 2011. (31) NETTO, op. cit. (32) Id. (33) HOLANDA, op. cit.; ANDRADE, Luciana. Onde está a urbanidade: em um bairro central de Berlim ou em uma favela carioca?, in AGUIAR, NETTO, op. cit., pp.189-207. (34) LINARD, op. cit. (35) Id, p.7. (36) JOSEPH apud TRIGUEIRO, op. cit. (37) Id. (38) JOSEPH apud SIERRA, Vania Morales. Crise das representações e déficit de urbanidade. Disponível em: <http://www.achegas.net/ numero/vinteequatro/vania_sierra_24.htm> (39) THIBAUD, Jean-Paul. Por uma gramática geradora de ambiências, in SCOCULIA (org.), Cidade, Cultura e Urbanidade. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2012. (40) ANDRADE, Paulo Augusto Falconi de; LEITE RIBEIRO, Edson; SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Centralidade urbana na cidade de João Pessoa - PB. Uma análise dos usos comerciais e de serviços entre o centro tradicional e o centro seletivo – 1970/2006. Arquitextos, São Paulo, 09.106, Vitruvius. (41) DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Volume 1: Artes de Fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, e1998. 386
(42) TRIGUEIRO, Marcele. Éléments pour une prise en compte du rôle des espaces publics dans les grands ensembles. Les cas lyonnais de la Ville Nouvelle et des Minguettes, Tese de doutorado em Urbanismo, INSA: Lyon, 2008, 443p.
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[SOBRE OS AUTORES] Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro | DAUUFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental pela mesma instituição. Atualmente é professor do Departamento de Arquitetura da UFPB, professor das Faculdades Integradas de Patos (FIP) e membro do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE-UFPB). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Infraestruturas Urbanas e Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Transportes e Uso do Solo, Morfologia Urbana, Sintaxe Espacial e Expansão Urbana. E-mail: alexbccastro@hotmail.com
Ana Gomes Negrão [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte PPGAU/UFRN. Mestra em Engenharia Urbana e Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba - PPGEUA/UFPB (2012). Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2008). Docente dos cursos de Arquitetura e Urbanismo do UNIPE e da FPB/Laureate. Sócia do Escritório Archi. Como pesquisadora, desenvolve estudos nas áreas de urbanismo, e projeto e tecnologia dos materiais. E-mail: agnegrao@hotmail.com 388
Anneliese Heyden Cabral de Lira | AU-FIP [Patos, Paraíba, Brasil] Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana e Ambiental da UFPB e mestrado em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição. Desenvolve pesquisas na área de urbanismo, com ênfase em planejamento urbano e qualidade de vida. Também se interessa pelas áreas de teoria e história da arquitetura e urbanismo e engenharia urbana. Atualmente é professora da Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) e das Faculdades Integradas de Patos (FIP), onde também é coordenadora do programa de pesquisa e extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo. E-mail: anne_heyden@hotmail.com
Bibiana Carreño Zambra | NUTAU-FAU-USP [São Paulo, Brasil / Montevidéu, Uruguai] Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/USP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015; Cursos de pós-graduação em Hábitat Popular na América Latina e Espanha, Programa de Cooperação Interuniversitária e Pesquisa Científica, UdelaR, Montevidéu, 2010; Diploma de Arquiteta, Facultad de Arquitectura de la Universidad de la República, Montevidéu, 2007. Experiência Profissional: Diretora, Arquiteta Bibiana Carreño, Montevideo, Uruguay, 2011 em diante; Diretora do Escritório CGZArquitectura, Montevidéu, 2007-2011; Desenvolvimento de projetos executivos de construções com o sistema Steel Framing para a empresa Scayola Construções, Montevidéu, 2007-2011. Cargo na e-DAU: Diretora Associada, 2012 em diante. Outros cargos atuais: Pesquisadora, NUTAU/USP – Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011 em diante. E-mail: bibianacarreno@gmail.com e bcarreno@e-dau.com
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Bruno Roberto Padovano | NUTAU-FAU-USP [São Paulo e Santana de Parnaíba, Brasil / Milão, Itália] Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1973), primeiro ano em Arquitetura na University of the Witwatersrand, Johannesburgo (1969), Mestrado em Arquitetura Harvard University (M.Arch.,1975), Mestrado em Desenho Urbano - Harvard University (M. Arch. in U.D., 1977), Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas (1987) e Livre Docência (2007) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professor Associado da Universidade de São Paulo, onde exerce o cargo de Coordenador Científico do NUTAU/USP - Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2007 em diante). Venceu onze concursos públicos de Arquitetura e Urbanismo, dez dos quais promovidos por diversos departamentos do IAB- Instituto de Arquitetos do Brasil. Recebeu duas vezes o Prêmio Carlos Barjas Millan pelo IAB/SP e o Prêmio Destaque na 3ª BIA - Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (1993) pela obra do SESC Nova Iguaçu. A mesma obra foi finalista do Prêmio Mies van der Rohe na seção latino-americana (1995). Foi o criador, Membro Fundador, Presidente Executivo e Nacional do Instituto para o Desenho Avançado IDEA (1992-2002), Diretor do IAB-SP (1985-86) e da AsBEA - Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura e foi membro do Conselho Superior do IAB pelo Departamento de São Paulo (2008-09) tendo sido Curador da 8ª BIA - Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2009. Tem experiência profissional na área de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nas seguintes áreas: projeto arquitetônico e urbanístico em vários escritórios dos quias foi Sócio-Diretor (Sacchi Padovano Associados, Padovano & Vigliecca Arquitetos, Padovano e Associados Arquitetura, Padovano Arquitetura em Rede , entre 1980 e 2008). É atualmente Consultor CERT/USP. Professor Titular do Departamento de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, concurso realizado em 04/06/2014. E-mail: brpadovano@gmail.com
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Carlos Alejandro Nome | PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e PhD em Arquitetura pela Texas A&M University System (2008). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento e Projeto da Edificação. Sua atuação concentrase principalmente nos seguintes temas: Projeto Arquitetônico, Planejamento do Espaço Físico, Administração e Operação de Facilidades, Modelagem e prototipagem voltada à Arquitetura e Urbanismo. E-mail: carlos.nome@gmail.com
Catalina Rodríguez Espinel | MOT-UST-COL [Bucaramanga, Santander, Colômbia] Arquitecta graduada de la Universidad de Los Andes (Bogotá – Colombia), en el año 2004. Cuenta con estudios de maestría en Ciencias Sociales del École des Hautes Études en Sciences Sociales de París (Francia), posgrado que curso siendo becaria del programa Beca-Crédito de la Fundación Colfuturo. Actualmente cursa la Maestría en Ordenamiento Territorial (MOT) de la Universidad Santo Tomás (UST), sede Bucaramanga. Se desempeña como docente y editora de Revista M en la Facultad de Arquitectura de la misma universidad. E-mail: catarroe@gmail.com e catarroe.ustabuca@gmail.com
Cesare Blasi | POLIMI-ITA [Milão, Itália] Formação Acadêmica: Professor Titular, Composição Arquitetônica e Urbana, Facoltà di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, Itália, 1980; Professor, Facoltà di Architettura di Pescara, Pescara, Itália, 1979; Professor Livre Docente em Elementos de Arquitetura, Facoltà di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, 1964; Diploma em Arquitetura, Università degli Studi di Napoli, Nápoles, Itália, 1958. Experiência Profissional: Diretor, BP Architetti Associati, 391
Milão, 1959 em diante. Cargo na e-DAU: Diretor Associado, 2012 em diante. Outros cargos atuais: Diretor, Laboratorio di Progettazione Architettonica 2 Laurea Magistrale, Facoltá di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, 2010 em diante; ViceDiretor e Professor, Faculty del Master 2° livello “Territorio e Architettura Sostenibili”, Politecnico di Milano, Milão, 2010 em diante. E-mail: blasi@polimi.it
Fabio Lizcano Prada | MOT-UST-COL [Bucaramanga, Santander, Colômbia] Arquitecto Cum lauden de la Universidad Santo Tomas (UST), Sede Bucaramanga, graduado en 2002. Especialista en gerencia e interventoría de obras civiles de la Universidad Pontificia Bolivariana en el 2009, actualmente cursa la maestría en ordenamiento territorial de la Universidad Santo Tomas. Docente Universitario de pregrado, posgrado y director de proyectos de grado en la Universidad Santo Tomas. E-mail: faliz8021@gmail.com
Gabriela Giacobbo Moschetta | NORIE-UFRGS [Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil] Arquiteta e Urbanista pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009) e mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2014). Atualmente trabalha como professora na Universidade Feevale, e arquiteta autônoma em escritório próprio. Atua na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Sustentabilidade aplicada ao Projeto de Edificações e Planejamento Urbano. E-mail: gabrielagiacobbo@gmail.com”
Gabriella Padovano | POLIMI-ITA [Milão, Itália] Formação Acadêmica: Professora de Urbanismo, Facoltà di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, Itália, 2007 em diante; Professora Titular de Urbanismo, Facoltà di Architettura, 392
Politecnico di Milano, Milão, Itália, 1990-2006; Professora Estável de Urbanismo, Facoltà di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, Itália, 1979-1989; Professora Indicado de Urbanismo, Facoltà di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, Itália, 1972-1978 Diploma em A rquitetura, Università degli Studi di Napoli, Nápoles, Itália, 1958. Experiência Profissional: Diretora, BP Architetti Associati, Milão, 1959 em diante. Cargo na e-DAU: Diretora Associada, 2012 em diante. Outros cargos atuais: Diretora, Laboratorio di Progettazione Architettonica 2 Laurea Magistrale, Facoltá di Architettura, Politecnico di Milano, Milão, 2010 em diante. E-mail: padovano@polimi.it
Geovany Jessé Alexandre da Silva | PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil/Lisboa, Portugal] Pós-Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Lisboa, Portugal (2015-2016). Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2008-2011), Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia (2003), mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso (20062007). Atualmente é Professor em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba-UFPB, atuando na graduação e pós-graduação (PPGAU - Arquitetura e Urbanismo - e PPGECAM - Engenharia Civil e Ambiental), com participação e colaboração em projetos de pesquisa junto ao “”Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado”” (LAURBE-DAU-UFPB e no “”Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrados”” (GEEPI/UFMT-CNPq). E-mail: galexarq.ufpb@gmail.com
José Augusto Ribeiro da Silveira | PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (CT,1982), aperfeiçoamento em planejamento urbano pela Escola Nacional de Habitação e Poupança (ENHAP, 1984), especialização em Gerenciamento da Construção Civil pela USP/ UFPB (USP,CT,1993), mestrado em Desenvolvimento Urbano pela 393
Universidade Federal de Pernambuco-CAC-UFPE (MDU,1997) e doutorado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco-CAC-UFPE (MDU,2004). Atualmente é Professor Associado no Departamento de Arquitetura do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba-UFPB, onde coordena o Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado - LAURBE, com atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Leciona na graduação (curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo) e na pós-graduação (Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo-PPGAU e Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil e Ambiental - PPGECAM). É professor-pesquisador líder do grupo de pesquisa Planejamento Urbano e Transportes-CNPQ. Tem experiência nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase na área de Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: acessibilidade, uso do solo, áreas centrais, expansão intraurbana, sistemas de transporte e morfologia da cidade. E-mail: ct.laurbe@gmail.com
José Estevam de Medeiros Filho | DAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduado em Engenharia Civil (UFPB, Campus I, 1976), Mestre em Engenharia Civil, Área de Transportes, (UFPB, Campus II – atual UFCG, 1983), Doutor em Arquitetura e Urbanismo (UFBA-PPGAU, 2013), Professor Associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPB, pesquisa sobre bonde junto ao Laboratório de Pesquisa, Projeto e Memória - LPPM/DAU/UFPB. E-mail: estevamedeiros@gmail.com
Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia | PPGAU-UFPB
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[João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1988), docente e pesquisadora do Departamento de Arquitetura/CT/UFPB desde 1989. Mestre em Ciências Sociais CCHLA/UFPB (1992), Doutora em Sociologia (2003) pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e Pós-doutora em Sociologie Urbaine e Antropologie pela Université Lumière Lyon 2 como membro do Groupe de Recherche sur la Socialisation GRS - CNRS, atualmente Institute Max Weber. É bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq desde 2010. Integra, desde 2009, o Programa ARCUS Rhône-Alpes/Brésil de cooperação científica, e, em parceria com outras instituições (INSA de Lyon, Université Lyon 2, UFPB, UFPE, UFRN, UNIPE). É pesquisadora secundária ligada institucionalmente a equipe 06 MEPS (Modes, espaces et processus de socialisation) do Centre Max Weber (UMR5283) vinculado à Université Lumière Lyon 2. Doctorat de sociologie et danthropologie e ao CNRS, França. Publicou cinco livros: Cidade, habitus e cotidiano familiar , Revitalização urbana e (re) invenção do centro histórico de João Pessoa 19872002 (2004), Cidadania e patrimônio cultural (2004), Imagens da cidade: cenários, patrimonialização e práticas sociais (2010) e organizou o livro Cidade, Cultura e Urbanidade (2012). Coordena o Laboratório de Estudos sobre Cidades, Culturas Contemporâneas e Urbanidades LECCUR vinculado ao Departamento de Arquitetura e ao PPGAU/UFPB e é líder do Grupo de Pesquisa Cidade, cultura contemporânea e urbanidade registrado no Diretório de grupo do CNPq (desde 2010). Foi delegada da Conferência Nacional de Cultura (2010) representando a sociedade civil. Foi Conselheira titular, efetiva do Conselho Estadual de Habitação de Interesse Social - CEHIS representando a UFPB de 2011 a 2013. É membro do Conselho Editorial da Editora Sulina, Série Espaços Urbanos. E-mail: jovankabcs@gmail.com
Juliana Carvalho Clemente | IFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2009) e Mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal da Paraíba (2012). Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. E-mail: jucarvalhojp@gmail.com
Lídia Pereira Silva | PPGECAM-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduada em Design de Interiores pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba 395
(UFPB) e especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho pelo IESP. Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental da UFPB, tutora à distância do IFPB e coordenadora e professora das Faculdades Integradas de Cacoal. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional.
Maiara Dutra Vasconcelos dos Santos | PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2013) e, atualmente, é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFPB. Membro do LECCUR desde 2012. E-mail: dutra.maiara@gmail.com
Marcele Trigueiro de Araújo Morais |PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2001), mestrado (2002) e doutorado (2008) em Urbanismo pelo Instituto Nacional de Ciências Aplicadas de Lyon (INSA de Lyon, França). Adquiriu e consolidou os seus conhecimentos, com ênfase em Projeto do Espaço Urbano, Teoria do Urbanismo e Sociologia urbana. Atualmente, exerce as funções de professora Adjunta do Departamento de Arquitetura da UFPB e de coordenadora do Programa BRAFITEC de cooperação francobrasileira UFPB/INSA. É ainda Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFPB, do Laboratório de Estudos sobre Cidades, Culturas Contemporâneas e Urbanidades (LECCUR) e pesquisadora associada da Equipe ITUS (INSA de Lyon, França), ligada ao Laboratório CNRS UMR 5600 Environnement Ville et Société. E-mail: marcele.trigueiro@gmail.com
Marcello Magoni | POLIMI-ITA [Milán, Italia] Graduación de honor, Doctorado de Arquitectura (1983), énfasis en urbanística, Politécnico de Milán. Asistente Politécnico de Milán 396
del 1991 y profesor asociado en la disciplina de urbanística del 2010. Desarrolla actividad docente e investigadora en torno a las temáticas de planificación, evaluación ambiental y territorial en el ámbito de pre-grado y posgrado. Cientifico Responsable del Observatorio de la Practica de Resiliencia – DAStU – Politécnico de Milán. E-mail: marcello.magoni@polimi.it
Miguel Aloysio Sattler | NORIE-UFRGS [Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil] Engenheiro Civil (1974) e Engenheiro Agrônomo (1978) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Tecnologia da Arquitetura (1987), pela University of Sheffield, Inglaterra e pós-doutorado em Acústica Urbana, pela University of Liverpool, Inglaterra. Atua como Professor Titular do Departamento de Engenharia Civil da UFRGS, sendo coordenador da Linha de Pesquisas em Edificações e Comunidades Sustentáveis, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil. É Pesquisador Nível I, do CNPq. Foi pesquisador e assumiu vários cargos gerenciais na Fundação de Ciência e Tecnologia, de 1980 a 1996, tendo presidido a Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (ANTAC), de 1991 a 1993 e de 1998 a 2000 e atuado como Coordenador do Grupo de Trabalho em Desenvolvimento Sustentável da ANTAC, de 1995 a 2011. E-mail: masattler@gmail.com
Milena Dutra da Silva | PPGAU-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Bióloga licenciada (UFRPE - 2006), Mestre em Botânica (UFRPE - 2008) e Doutora em Geografia (UFPE - 2012). Atua em Ensino, Pesquisa e Extensão. Atualmente pesquisadora pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (UFPB, Início em: 2012). Tem experiência em estudos integrados do meio ambiente atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão Ambiental, Vegetação e Sensoriamento Remoto; e Sensoriamento Remoto aplicado ao Planejamento Urbano e Ambiental; Paisagem; Grupos Funcionais Vegetais; Anatomia Funcional e Ecológica de Espécies Tropicais, 397
sobretudo da caatinga e restinga; Estudos Farmacobotânicos (Anatomia vegetal, Histoquímica e Fitoquímica); Experiência em ensino: GRADUAÇÃO: UFRPE (botânica e afins), Faculdade Santa Helena (Gestão Ambiental); PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU: Faculdade Integrada de Patos (FIP) (especialização - Meio Ambiente, Cidadania e Educação Ambiental); PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU: Profa Visitante do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. E-mail: dutra_ms@hotmail.com
Nadjacleia Vilar Almeida | DPMA-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (2012), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba (2006) e graduada em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal da Paraíba (2002/2003). Atualmente é professora adjunta do curso de Ecologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus IV), coordenadora do Laboratório de Cartografia e Geoprocessamento e membro da Comissão de Gestão Ambiental da UFPB. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase na Análise Geoambeintal, atuando principalmente nos seguintes temas: cartografia, geoprocessamento, degradação ambiental, expansão urbana e ordenamento e planejamento geoambiental. Professora adjunta do curso de Ecologia da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: nadjageo@gmail.com
Paulo Vitor Nascimento de Freitas | PPGECAM-UFPB [João Pessoa, Paraíba, Brasil] Graduado em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). É mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental da UFPB e membro do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (Laurbe-UFPB). Tem experiência na área de tecnologias sociais, energia e desenvolvimento sustentável, economia urbana e mobilidade urbana. Atualmente dedica-se a estudos sobre qualidade em serviços de transporte público. E-mail: paulogeo5@gmail.com 398
Samira Elias Silva | FA-ULISBOA [Lisboa, Portugal] Doutoranda em Urbanismo pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (2014-2016), Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2004 - 2009). Mestre em Geografia / Linha de Pesquisa: Ambiente e Desenvolvimento Regional/Produção do Espaço Urbano/Desenvolvimento Urbano Programa de Pós Graduação PósGeo UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso e Bolsista pela Capes (2010 - 2012). Atuou como Professora lotada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo na Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT no ano de 2012, e no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). Atuou como colaboradora do Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrado GEEPI/UFMT/CNPq (2010-2012). Também participou como colaboradora do Grupo de Pesquisa em Arquitetura, Urbanismo e Sustentabilidade (GAUS/UNEMAT-CNPq). Pesquisadora e colaboradora do Projeto de Pesquisa da Infraestrutura de Apoio e Produção do Espaço Turístico a partir da conjuntura sócioeconômica, cultural e ambiental no Município de Barra do Bugres- MT, (UNEMAT/FAPeMAT/UFMT) (2012- 01.2013). Possui experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Urbanismo, Desenvolvimento Urbano e Reabilitação do Patrimônio Urbano Edificado, atuando nos seguintes temas: Projeto Arquitetônico, Urbanístico, Paisagístico e Ambiental, Geoprocessamento, Planejamento Urbano e Consultoria/Elaboração de Planos Diretores. E-mail: samiraelias.urb@gmail.com
Sandra Mesa García | MOT-UST-COL [Bucaramanga, Santander, Colômbia] Se gradúa de arquitectura en 1998, con moción de felicitación por su desempeño académico en la Universidad Nacional de Colombia, sede Medellín. Posteriormente se titula con el Diploma de Estudios Avanzados (DEA) en el año 2004, en el programa de Doctorado “Historia, Arquitectura y Diseño” con Calificación sobresaliente, acreditación como investigadora. En la actualidad es directora de la Maestría en Ordenamiento Territorial (MOT) de la Universidad Santo 399
Tomás (UST), sede Bucaramanga, Colombia. E-mail: ateliermk.arquitectura@gmail.com
Tânia Liani Beisl Ramos | FA-ULISBOA [Lisboa, Portugal] Arquiteta e Urbanista pela Universidade de Brasília (1988), é Mestre em Planejamento Regional e Urbano/UTL (1997), e Doutora em Engenharia do Território (2003) pelo Instituto Superior Técnico – UTL/Universidade de Brasília. É Pós-Doutora em Sustentabilidade Urbana (2007) em um programa conjunto FAUTL/Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. A sua estreita ligação com as universidades brasileiras tem-lhe permitido promover a troca de conhecimentos científicos e parcerias com a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Portugal. Tem exercido funções de orientação e de co-orientação de Doutoramentos, Pós-Doutoramentos e Mestrado-Integrado, e de membro de júris acadêmicos. É ViceCoordenadora do 3º Ciclo de Estudos – Doutoramentos e do Curso de Doutoramento em Arquitetura – CDA da FA ULisboa, e investigadora do Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design - CIAUD da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, onde dá continuidade aos trabalhos de investigação explorando as reciprocidades, nos campos urbanístico e arquitetônico entre Portugal e o Brasil, desenvolvidas de modo sistemático a partir da década de 1990. Desenvolveu atividade profissional em Brasília (Atelier Pedro Costa & Oscar Niemeyer) e em Lisboa (Almendra Maria Ltda). E-mail: taniaramos@fa.ulisboa.pt
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DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E CIDADE
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