Um Dia de Visitas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE JORNALISMO Redação VI – Exercício de Reportagem Crônica Acadêmico: Guilherme Longo Um dia de visita Ao chegar, os estudantes já se encontravam em sua sala para mais um dia de “trabalho”. Entre aspas mesmo. Porque, segundo eles, não conseguiam considerar o que faziam como uma obrigação. Viam em sua função, um modo de melhorar o mundo à sua maneira, ao conversar com as pessoas, trazendo conforto para aquele momento de tristeza e desespero. Esses alunos fazem parte do projeto “Terapeutas da Alegria”, que fazem visitas aos pacientes internados do Hospital Universitário da UFSC. Na sala, os estudantes realizam as primeiras etapas de seu ritual de transformação. A estudante de Psicologia, quieta e vestida como se estivesse acabado de chegar da academia, ao vestir seu jaleco vira outra pessoa. A Futrica, seu alter ego palhaço assume e daí começam as brincadeiras. A cada nariz vermelho, maquiagem, rabo de dinossauro e antenas de formiga colocados, mais terapeutas vão aparecendo e, entre as brincadeiras, matam a saudade entre si, já que “não se viam” há uma semana. Ao final, Futrica, Panqueca, Dino, Xurumela, Formiga e Violeta estavam prontos para as visitas. Ao chegar à ala de internação onde fariam as visitas do dia, foram recebidos por uma faxineira. “Hoje é dia? Que bom! ‘Tava’ com saudades”. Retribuíram a alegria com brincadeiras de estátua no corredor e tão logo partiram para conversar com a primeira paciente do dia. Uma senhora chamada Nixon, que internada no HU há alguns meses. Sofria de um problema cardíaco e estava praticamente abandonada pela família. Mas no hospital ganhou uma segunda família. Ao ver a chegada dos Terapeutas, um grande sorriso se estampou na sua cara, seguido de abraços demorados em cada palhaço. Entre conversas e piadas, os Terapeutas foram informados de quantos quartos estavam ocupados para as visitas. Quando Nixon entrou para jantar, começaram a ronda. Logo que entraram no primeiro quarto, a cena chamou bastante a atenção: uma senhora, deitada em seu quarto, que estava quente, respirando com auxílio de tubos e um senhor a abanando com uma toalha. Após uma breve apresentação, descobriram que o nome da paciente era Florinda, e estava internada por causa de


uma pneumonia. Florinda nasceu e morou quase toda a sua vida no sul do estado, trabalhando na plantação, em uma fazenda deixada por sua família. Casou-se e continuou por lá até a aposentadoria sua e de seu marido. Então decidiram mudar-se para Florianópolis, para poder aproveitar mais. Mas logo no primeiro mês após a mudança, a doença apareceu e a obrigou a ficar no hospital. Estava lá há quase duas semanas, mas a previsão era de que recebesse alta em poucos dias. Só que não aguentava mais aquele ambiente. Especialmente o calor, já que não podia ligar o ar condicionado devido à sua condição. Enquanto isso, notavam o trabalho que seu marido tinha para deixa-la confortável: ajudava a sentar, acertava o travesseiro, massageava os pés. Mas a conversa com os palhaços melhorou seu humor. E prometeu que na próxima semana eles não a veriam lá. Ao final, agradeceu por terem se importado com ela. No penúltimo quarto, se depararam com uma cena incomum. Naquele dia de calor acima do normal, o paciente, de aproximadamente 19 anos, estava coberto, com bastante frio. Ao ver os Terapeutas, o pai do jovem sai para conversar com os palhaços. Explicou a situação: seu filho, calouro do curso de Química, havia sido diagnosticado com câncer no fígado e estava realizando sua primeira sessão de quimioterapia. Os palhaços se dividiram: alguns ficaram conversando com o pai do lado de fora enquanto os demais faziam suas brincadeiras normais com o filho dentro do quarto. De primeira, estava bem tímido, mas com o passar dos minutos se tornou bem receptivo. Resolveram fazer uma dinâmica diferente com o pai no início. Ao ver sua preocupação, conversaram com ele. O pai explicou que estava muito triste com a condição de Thiago, não só pelo fato de ter câncer em sua idade, mas também porque tinha perdido a mãe pela mesma doença há menos de três anos. E o filho tinha medo, por tudo que tinha visto. Com algumas palavras de conforto e brincadeiras, o pai de Thiago passou a participar das brincadeiras. Pelo menos por alguns minutos, estava mais tranquilo. Ao entrar no último quarto da visita, tiveram uma surpresa: várias bandeiras do Avaí espalhadas ao redor da cama e na parede. Formiga se animou: era a hora de mostrar seu espírito manezinho. Comandou a conversa com Seu Joaquim, marceneiro morador do sul da ilha, internado por uma fratura no pé. Futebol foi o principal assunto, comentando sobre como o time do sul da ilha era melhor que o Figueira. Mas também resolveu brincar com seu novo livro: um dicionário mané, com expressões usadas pelos moradores da cidade. Aos poucos, a esposa de Joaquim, que estava no canto,


calada, começou a conversar e rir com os terapeutas. Ao sair, o clima era bem diferente de quando tinha entrado. Após a saída do último quarto, Xurumela chama os palhaços para a última etapa da visita. No trajeto até a saída do hospital, continuam interagindo com as pessoas que estavam no corredor. Encontram com uma enfermeira, que faz festa ao vê-los e reclama que está com saudades, que deveriam visitar mais sua ala, a de pediatria. Depois de abraços e uma foto, saem no setor de emergência, onde ainda conversam com quem esperava por atendimento. Ao ver um senhor sentado com duas muletas ao seu lado, Panqueca vai ao seu encontro para conversar. Com pouco mais de dois minutos, o ânimo do senhor melhora, rindo dos “causos” contados pela Terapeuta, mostrando como uma simples conversa já faz diferença para alguém. Continuam o trajeto até chegarem à parte de trás do hospital, onde fica o estacionamento. Juntam-se em uma roda e Dino passa a comandar uma dinâmica, que depois explicam que sua função é marcar a transformação de volta para os estudantes. Pede para que cada um mencione palavras alegres que venham à suas mentes: - Algodão doce - Sorrisos - Sorvete - Brincadeira - Livros - Alegria Ao mencionar essa palavra, era hora de dizer adeus para os palhaços. Eles descansariam por uma semana. Mas ali ainda não havia encerrado. Cada um passou a compartilhar os momentos de maior dificuldade da visita. Para Panqueca, agora Francisca, foi a visita à Thiago: “Poxa, foi muito difícil não chorar naquela hora”. Dino, agora Marcos, lembrou da visita à Dona Florinda. Ficou emocionado ao ver a dedicação do marido, para deixar o mais confortável possível. “É uma verdadeira prova de amor”. Já era tarde, estava na hora de ir embora. Com o fim da sessão, voltaram à sala para poder voltar às suas roupas normais e tirar maquiagem e adereços. Mas tudo isso com pressa. Estava quase na hora do Restaurante Universitário fechar. Haviam, afinal, voltado a serem estudantes.


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