TCC | Arquitetura como instrumento empoderador para vítimas de violência | Giovanna Fischer Frare

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ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO EMPODERADOR Um espaço de refúgio e tratamento para mulheres vítimas de violência em Maringá-PR

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Arquitetura e Urbanismo apresentado à Universidade Estadual de Maringá.

Giovanna Fischer Frare Acadêmica Prof. Dra. Marieli Azoia Lukiantchuki Orientadora TFG 2019 Departamento de Arquitetura e Urbanismo Universidade Estadual de Maringá Imagem de capa: Deva Pardue, 2016. Fonte: http://forallwomankind.com/



ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO EMPODERADOR Um espaço de refúgio e tratamento para mulheres vítimas de violência em Maringá-PR

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Arquitetura e Urbanismo apresentado à Universidade Estadual de Maringá.

APROVADO EM: ___/___/_____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Prof. Dra. Marieli Azoia Lukiantchuki Universidade Estadual de Maringá ____________________________________________________ Prof. Dra. Tânia Nunes Galvão Verri Universidade Estadual de Maringá ____________________________________________________ Prof. Ma. Anaiance Fazoli Guidini Convidada Maringá 2020


dedicatória Dedico esse trabalho a todas as mulheres que sofreram qualquer tipo de opressão de gênero em algum momento de suas vidas; a todas que me apoiaram, aconselharam e contribuíram para a minha formação ao longo dessa jornada acadêmica; e a todas que lutaram e ainda lutam por igualdade. Dedico, a todas as mulheres que me motivam a incessante

e

desafiadora

tarefa

diária:

resistir!


agradecimentos Agradeço,

Primeiramente aos meus pais e familiares que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu realizasse esse sonho; A todos os professores do curso, que compartilharam seus conhecimentos e contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico, profissional e, acima de tudo, pessoal; Aos profissionais da arquitetura com quem estagiei, que muito me ensinaram, dividiram suas experiências e acrescentaram em minha formação; A

todas

as

pessoas

que,

direta

ou

indiretamente,

contribuíram para a realização da minha pesquisa; A minha orientadora Marieli, por me acompanhar neste processo com toda a tranquilidade, incentivo e dedicação em suas orientações, tornando possível a conclusão deste trabalho; Aos amigos e colegas, que ao longo de toda a graduação compartilharam comigo desde alegrias e risadas até os choros e noites mal dormidas, mas que, no fim, tornaram esse processo mais leve e divertido; Por fim, agradeço a todos aqueles qυе, dе alguma forma, estiveram presentes em minha vida durante esses 5 anos de graduação, contribuindo para que eu chegasse até aqui. Obrigada!


resumo A violência doméstica é uma forma de agressão

processo de acolhimento e tratamento da vítima por

entendida por qualquer ação ou conduta violenta,

meio de uma arquitetura humanizada. O projeto, além

baseada no gênero da vítima, que cause morte, danos

abrigar e oferecer assistência psicológica às mulheres,

físicos, sexuais ou psicológicos à mulher no âmbito

busca fornecer meios como a cultura, o lazer e a

privado. Em Maringá, foram registradas mais de 2130

espiritualidade como forma de superação de seus

ocorrências no ano de 2018, sendo que, destas, apenas

traumas, além de oferecer subsídios para que estas

5% das vítimas foram encaminhadas para instituição

possam se reintegrar novamente à sociedade e, assim,

específica de acolhimento à mulher em situação de

recomeçarem uma vida livre de violência.

vulnerabilidade. Deste modo, surge a proposta da elaboração do projeto arquitetônico de uma Casa de

Palavras-chave:

Passagem e Nova Sede do Centro de Referência e

gênero,

Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência na cidade

feminino, arquitetura institucional, abrigo de mulheres.

de Maringá, para oferecer o suporte necessário no

projeto

arquitetura

arquitetônico,

humanizada,

violência

de

empoderamento


abstract Domestic violence is a form of aggression understood as

a humanized architecture. The project, besides sheltering

any violent action or conduct based on the victim's

and offering psychological assistance to women, seeks to

gender

or

provide means such as culture, leisure and spirituality as a

psychological harm to women in the private sphere. In

way to overcome their traumas, as well as offer subsidies

Maringá, more than 2130 occurrences were recorded in

so that they can reintegrate to society to live a life free of

the year 2018; of these, only 5% of the victims were

violence.

that

causes

death,

physical,

sexual

referred to a specific shelter for women in situations of vulnerability. Thus, the proposal of the architectural design of a Passage House for Women Victims of Violence in the

Key

words:

architectural

city of Maringá arises, to offer the necessary support in the

humanized

process of accommodation and treatment of the victim

institutional architecture, women’s shelter.

architecture,

design,

gender

female

violence,

empowerment,



sumário 1.INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA .......................................................................... 17 2.OBJETIVOS ............................................................................................................. 21 2.1. .......... GERAL ............................................................................................................21 2.2. .......... ESPECÍFICOS .................................................................................................21 3.REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................ 23 3.1. .......... CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ...........................................................23 3.2. .......... VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ..............................................................27 3.2.1. ...... VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL .......................................................................29 3.2.2. ...... CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ....................30 3.3. .......... REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA .....................31 3.3.1. ...... CASAS-ABRIGO ...........................................................................................32 3.3.2. ...... CASA DE PASSAGEM .................................................................................33 3.3.3. ...... CASA DA MULHER BRASILEIRA.................................................................33 3.3.4. ...... REDE DE ENFRENTAMENTO EM MARINGÁ ............................................34 3.4. .......... A IMPORTÂNCIA DA ARQUITETURA NA CRIAÇÃO DE AMBIENTES HUMANIZADOS ........................................................................................37 4.REFERÊNCIAS PROJETUAIS ................................................................................... 40 4.1. .......... CASA DA MULHER BRASILEIRA EM BRASÍLIA, DF .................................40 4.2. .......... ABRIGO PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, JACOBS YANIV ARCHITECTS ......................................................................................................44 4.3. .......... CENTRO DE TRATAMENTO PARA SAÚDE MENTAL DE MULHERES CASA VERDE – LDA.IMDA ARCHITETTI .....................................................................47 4.4. .......... ESTAÇÃO DE POLÍCIA BELÉN / EDU ........................................................51 5.O PROJETO ............................................................................................................ 57 5.1. .......... ESCOLHA E CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL ........................................57 5.1.1. ...... A CIDADE ......................................................................................................57 5.1.2. ...... O TERRENO ...................................................................................................57 5.2. .......... ANÁLISE DO TERRENO ...............................................................................67 5.3. .......... ANÁLISE DE PARÂMETROS AMBIENTAIS .................................................73 5.4. .......... PROGRAMA DE NECESSIDADES ..............................................................75 5.5. .......... PROCESSO PROJETUAL .............................................................................81 6.CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 91 7.REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 93


lista de figuras Figura 1. Taxas de homicídio por 100 mil mulheres...................................................................................................................................................................... 18 Figura 2. Marcha SOS Mulher, década de 1980. ......................................................................................................................................................................... 24 Figura 3. Conquistas nos direitos das mulheres no Brasil em ordem cronológica. ............................................................................................................. 26 Figura 4. Dados de violência contra a mulher no Brasil ............................................................................................................................................................. 28 Figura 5. Evolução da taxa de homicídios de mulheres no Brasil. .......................................................................................................................................... 28 Figura 6. Localização da Secretaria da Mulher (em vermelho) e do CRAMMM (em verde). ....................................................................................... 35 Figura 7. Casa onde está localizado o CRAMMM atualmente............................................................................................................................................... 35 Figura 8. Localização da Casa da Mulher Brasileira de Brasília, DF. ...................................................................................................................................... 41 Figura 10. Casa da Mulher Brasileira em Brasília, DF. .................................................................................................................................................................. 42 Figura 11. Sala multiuso da CMB em Brasília, DF. ......................................................................................................................................................................... 42 Figura 12. Pátio interno da CMB em Brasília, DF. .......................................................................................................................................................................... 43 Figura 13. Fachada externa do abrigo. .......................................................................................................................................................................................... 44 Figura 14. Setorização do abrigo...................................................................................................................................................................................................... 45 Figuras 15 e 16. Partido e pátio central do abrigo. ..................................................................................................................................................................... 46 Figura 18. Partido arquitetônico do Centro Casa Verde. ......................................................................................................................................................... 47 Figura 19. Fachada do Centro Casa Verde.................................................................................................................................................................................. 48 Figura 20. Estudos da vegetação local para a criação de painéis perfurados personalizados. ................................................................................. 48 Figura 21. Processo de participação e identificação empática............................................................................................................................................ 49 Figuras 22 e 23. Brise perfurado metálico. ..................................................................................................................................................................................... 49 Figura 26. Localização da Estação em Medelín.......................................................................................................................................................................... 51 Figura 27. Setorização do programa nos diferentes níveis do edifício. ................................................................................................................................. 52 Figura 28. Espaço público contemplado pelo projeto. ............................................................................................................................................................. 53 Figuras 29 e 30. Fachada da Estação de Polícia. ....................................................................................................................................................................... 54 Figura 31. Equipamentos da rede de enfrentamento à violência doméstica em Maringá. ......................................................................................... 59 Figura 32. Vistas do terreno a partir da Av. São Paulo e Av. JK, respectivamente.. ......................................................................................................... 60 Figura 33. Vista do cruzamento das avenidas, edificação existente e índices de vandalismo. ................................................................................... 60 Figura 34. Condomínio vertical de alto padrão no cruzamento das Avenidas São Paulo e JK. .................................................................................. 61 Figura 35. Levantamento de uso do solo do entorno estudado. ........................................................................................................................................... 62 Figura 36. Linhas de transporte público que atendem a região. ........................................................................................................................................... 63 Figura 37. Eixo de comércio e serviços na Av. Juscelino Kubitschek. .................................................................................................................................... 64


Figura 38. Teatro Reviver na Av. JK com a Cerro Azul. ............................................................................................................................................................... 64 Figura 39. Levantamento de equipamentos institucionais do entorno estudado............................................................................................................. 65 Figura 40. Relação do sítio com o Parque do Ingá e vegetação existente no interior do terreno. ............................................................................. 66 Figura 41. Tabela de parâmetros de ocupação do solo. ......................................................................................................................................................... 67 Figura 42. Planta de situação do terreno....................................................................................................................................................................................... 68 Figura 43. Levantamento de hierarquia viária do entorno. ...................................................................................................................................................... 69 Figura 44. Perfil topográfico do terreno. ......................................................................................................................................................................................... 70 Figura 45. Estudo de incidência solar. ............................................................................................................................................................................................. 72 Figura 46. Zonas bioclimáticas no Brasil. ......................................................................................................................................................................................... 74 Figura 47. Carta bioclimática de Maringá. ................................................................................................................................................................................... 74 Figura 48. Programa de necessidades............................................................................................................................................................................................ 79 Figura 49. Fluxograma do programa de necessidades. ............................................................................................................................................................ 80 Figura 50. Esquema de setorização vertical.................................................................................................................................................................................. 81 Figura 51. Esquema de concepção do partido arquitetônico. .............................................................................................................................................. 83 Figura 52. Esquema de implantação do partido arquitetônico. ............................................................................................................................................ 84 Figura 53. Plantas e cortes esquemáticos do processo de concepção do projeto. ....................................................................................................... 86 Figura 54. Exemplo de mobiliário flexível: Mesa Octavo / IMAKE Studio. ............................................................................................................................. 88 Figura 55. Exemplo de mobiliário flexível: Sofá Campo / ,OVO. ............................................................................................................................................. 88 Figura 56. Exemplo de mobiliário flexível, Lina Bo Bardi. ............................................................................................................................................................ 88


parte i. REFERENCIAL TEÓRICO


P á g i n a | 17

Entretanto, segundo Machado (2017, p. 84), “a 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

partir de 1970, os movimentos feministas (...) começaram a denunciar a discriminação sofrida pelas mulheres

A violência contra a mulher, a qual se entende por

brasileiras”, chamando a atenção sobre o tema da

“qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que

violência doméstica. Após décadas de debates, surgem

cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou

dois importantes instrumentos para o enfretamento da

psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no

violência contra a mulher no Brasil: a Lei n. 11.340, mais

privado” (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, 1994, p. 2) é,

conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada em 07

até os dias de hoje, uma cultura arraigada na sociedade

de agosto de 2006; e a Lei n. 13.104, de 09 de Março de

brasileira. Esse fato é, infelizmente, resultado do contexto

2015, determinada Lei do Feminicídio.

histórico

de

um

país

constituído sobre uma base

escravocrata, machista e patriarcal, onde a submissão da

Mesmo com

tais

instrumentos, os índices

de

mulher à figura masculina no contexto familiar é

violência de gênero no país são preocupantes, visto que

frequentemente tratada com naturalidade.

em 2013 o Brasil se colocava como a quinta maior taxa de homicídios de mulheres entre 83 países do mundo,

“Os conflitos domésticos, de pequena

atingindo um índice de 4,8 homicídios a cada 100 mil

repercussão social, em que as mulheres se

mulheres, conforme dados da Organização Mundial da

veem ainda como vítimas em grande parte dos casos, eram (e são) tratados como problemas de menor importância, que a princípio deveriam ser resolvidos sem intermediação do Judiciário” (MACHADO, 2017, p. 83).

Saúde (OMS) presentes no Mapa da Violência (2015), realizado pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flasco). De acordo com a mesma pesquisa, a partir de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), o Brasil


18 | P á g i n a

registrou o assassinato de 106.093 mulheres entre os anos

estado do Paraná ainda se apresenta elevado, se

de 1980 e 2013, sendo 4.762 somente no último ano.

comparado, por exemplo, ao estado de São Paulo, como

Destas, considerando mulheres com 18 ou mais anos de

aponta a Figura 1:

idade, 43% foram mortas pelo próprio parceiro ou exparceiro, representando acima de 4 casos diários de

6

feminicídio cometido pelo próprio cônjuge no ano de

5

2013.

4

2006

3

Enquanto isso, no Paraná, os índices estaduais se assemelham aos nacionais. Segundo o Panorama de violência contra as mulheres no Brasil, publicado pelo Senado Federal em 2018, as taxas de homicídios de mulheres registradas pelo SIM/MS no estado estiveram

2014

2

2015

1 0 PR

SP

Brasil

Figura 1. Taxas de homicídio por 100 mil mulheres. Fonte: SENADO FEDERAL, 2018, elaborado pela autora.

acima da média nacional nos anos de 2006 (com a promulgação da Lei Maria da Penha) e 2014, com 4,7 e

Em Maringá, o quadro de violência contra a mulher

5,0 homicídios a cada 100 mil mulheres para os

não é diferente. Segundo dados da Delegacia da Mulher,

respectivos anos, comparado aos valores de 4,2 e 4,6

foram realizadas 2130 ocorrências até o final de outubro

para a média brasileira. Entretanto, a partir de 2015 houve

de 2018, o que representa um crescimento de 15% se

uma redução do índice no Paraná, chegando em 4,2, se

comparado às 1852 ocorrências feitas no mesmo período

colocando abaixo da média nacional de 4,4. Embora

do ano anterior. Já os índices da Prefeitura Municipal de

essa redução da taxa de homicídios de mulheres tenha

Maringá mostraram que, no mesmo ano, foram realizados

sido verificada no último levantamento, o índice para o

1493 atendimentos a vítimas de violência doméstica pela prefeitura, das quais 113 mulheres e crianças foram


P á g i n a | 19

encaminhadas e acolhidas por instituição específica de

menores

suporte às vítimas. Enquanto isso, conforme publicado

doméstica e familiar; delegacias, núcleos

pelo O DIARIO, a Patrulha Maria da Penha realizou, desde

de defensoria pública, serviços de saúde e

setembro

de

2017,

quando

foi

implantada,

centros

1236

perícia

violência

médico-legal

familiar.” (BRASIL, 2006, on-line).

Diante de índices tão alarmantes, além de inúmeros casos de violência doméstica e feminicídios noticiados diariamente, as redes de apoio às mulheres em situação de vulnerabilidade se tornam um instrumento necessário para o combate da violência de gênero, oferecendo “a assistência integral à vítima (...), mediante a utilização de o

de

de

em situação de violência doméstica e

mandados de prisão.

para

situação

especializados no atendimento à mulher

ocorrências; sendo 272 atendimentos em flagrante e 11

técnicas

em

fortalecimento

da

autoestima

e

recuperação da sua cidadania” (MACHADO, 2017, p. 127), conforme são previstas na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340):

Nesse contexto, foi criado em Maringá, no ano de 2006, com iniciativa do governo federal, da prefeitura municipal e da Secretaria da Mulher, o Centro de Referência

e

Atendimento

à

Mulher

Maria

Mariá

(CRAMMM), oferecendo atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica de toda a região metropolitana. O

serviço

dispõe

de

orientação

jurídica,

acompanhamento psicológico e social às mulheres, além de ofertar capacitação profissional por meio de cursos em uma parceria realizada com centros de qualificação

“Centros

de

atendimento

integral

e

multidisciplinar para mulheres e respectivos

independentes.

Segundo

dados

fornecidos

pela

SeMulher1, foram atendidas pelo CRAMMM, nos três

dependentes em situação de violência doméstica e familiar; casas-abrigos para mulheres

e

respectivos

dependentes

1

Conforme levantamento de dados realizado in loco pela autora, em visita à SeMulher no dia 26/03/19.


20 | P á g i n a

primeiros meses de 2019, aproximadamente 100 mulheres

que são mantidas sob confinamento, sem direito a

de Maringá e região.

receber visitas ou acessar ao telefone, rompendo seus laços afetivos e vínculos sociais. Segundo Machado

Entretanto, o Centro de Referência ainda não

(2016), essas imposições fazem com que as casas-abrigo

possui estrutura para abrigar as mulheres em situação de

se tornem um dos serviços que possui menor demanda.

violência. Apenas em casos extremos, quando há risco

“(...) é o menos procurado pelas mulheres em situação de

iminente

o

violência, tendo em vista a inevitável segregação destas

encaminhamento da vítima para a Casa Abrigo Edna

de seu círculo de convívio social, comunitário, familiar e

Rodrigues de Souza, que atualmente possui estrutura para

do desempenho de atividades cotidianas” (MACHADO,

abrigar até 30 pessoas, dentre mulheres e crianças. Além

2016, p. 187). Esse modelo de abrigamento acaba

disso, a estrutura física do local não apresenta um espaço

colocando a vítima em uma situação de aprisionamento

humano

que pode gerar sentimentos de culpa e punição na

de

e

morte

da

agradável

mulher,

que

é

realizado

contribua

para

o

restabelecimento da vítima enquanto abrigada. As Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de

mulher, enquanto o agressor, em grande parte das vezes, permanece em liberdade.

Mulheres em Situação de Violência definem como Casa

Tendo em vista o caráter restritivo das casas abrigo,

Abrigo, local em que “tem por atribuição prover, de

modelo existente em Maringá, deve-se repensar um

forma provisória, medidas emergenciais de proteção em

espaço mais flexível, humano e condizente com as

locais seguros para acolher mulheres em situação de

diversas necessidades das mulheres em situação de

violência doméstica e familiar sob risco de morte,

vulnerabilidade para o município. É importante uma

acompanhadas ou não de seus filhos(as)” (SPM/PR, 2011,

solução que ofereça o suporte adequado para que a

p. 13 e 14). Isso significa que esse serviço possui caráter

vítima encerre o ciclo de violência sem que esteja sujeita

essencialmente sigiloso e diversas restrições às vítimas,


P á g i n a | 21

a um período de isolamento, rompendo o sistema de

Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência na cidade

aprisionamento da vítima quando, de fato, deve-se punir

de Maringá – PR.

unicamente o agressor. 2.2.

ESPECÍFICOS

Para tanto, fica evidente a necessidade de um equipamento

para

a

cidade

de

Maringá

como

Compreender

o

histórico

e

a

contextualização

mecanismo de enfrentamento à violência de gênero,

sociocultural da violência contra a mulher no Brasil,

oferecendo às vítimas uma alternativa que viabilize a

bem como as políticas públicas que tratam do

fuga do ciclo violento; que promova o abrigo, tratamento

assunto;

e instrumentos de reinserção da mulher na sociedade.

Pesquisar informações sobre o cenário local de

Além disso, busca-se o desenvolvimento de um edifício

violência contra a mulher a fim de obter o referencial

dentro dos conceitos de uma arquitetura humanizada a

necessário

fim de proporcionar a recuperação e o empoderamento

arquitetônico;

da mulher vitimizada, oferecendo subsídios para que a

para

o

desenvolvimento

do

projeto

Realizar visitas aos equipamentos semelhantes já existentes, a fim de averiguar a estrutura física dos

mesma possa reconstruir sua vida livre de violência.

mesmos, com o intuito de compreender, elaborar e 2. OBJETIVOS 2.1.

melhorar o programa de necessidades; GERAL

acolhimento para definir o perfil das usuárias e traçar

A presente pesquisa tem como principal objetivo desenvolver o projeto arquitetônico de uma Casa de Passagem e Nova Sede do Centro de Referência e

Realizar entrevistas com vítimas em situação de as necessidades desse público-alvo de projeto;

Estudar projetos arquitetônicos relacionados ao tema, criando

um

referencial

projetual

desenvolvimento do projeto proposto;

para

o


22 | P á g i n a

Desenvolver um edifício de forma humanitária para oferecer

edificação, propondo a distribuição dos espaços

tratamento da vítima, de modo a fornecer subsídios

necessários de acordo com a necessidade das vítimas;

que

suporte estas

necessário

mulheres

no

possam

processo

Estabelecer o programa para o dimensionamento da

de

para

o

se

reintegrar

Definir o local de implantação do projeto proposto

novamente à sociedade.

para a realização de estudos climáticos, topográficos,

Entender como o projeto arquitetônico pode modificar

zoneamento e demais legislações urbanas;

o estado de ânimo da mulher violentada e contribuir com a recuperação de sua saúde mental;

Estudar legislações e normas técnicas vigentes a fim de garantir um projeto arquitetônico adequado, funcional, humano e confortável.


P á g i n a | 23 “A violência contra a mulher não é um

3. REFERENCIAL TEÓRICO

fato novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto à humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação

3.1.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Desde os tempos primórdios, observou-se uma construção social baseada em uma concepção de mundo masculinizado, onde o homem ocupa uma posição de maior prestígio e poder na sociedade. Para Ribeiro (2010, p. 42), “as raízes da subordinação das mulheres estão fundadas, embora não exclusivamente, na divisão sexual do trabalho, (...) identificando as atividades produtivas como masculinas e as atividades

dessa

violência

como

condição necessária para a construção de

nossa

humanidade”

(MAPA

DA

VIOLÊNCIA, 2015, pg. 9).

Entretanto, segundo Ribeiro (2010), esse papel de subordinação feminina começa a ser questionado por diversas organizações de mulheres no Brasil a partir do século XX, impulsionadas pelos movimentos feministas na Europa e Estados Unidos, lançando as bases para o combate à violência de gênero em nosso país.

reprodutivas como femininas”. Essa divisão é o cerne de

Anteriormente ao Código Civil Brasileiro de 1916,

uma sociedade essencialmente patriarcal, onde as

era permitido pela própria legislação brasileira que o

mulheres eram, e até os dias de hoje são, vistas como um

marido aplicasse castigos físicos à sua esposa. Com as

objeto subordinado ao homem. É nesse âmbito que a

novas leis, poucas coisas mudaram sobre a questão de

violência doméstica teve suas raízes alicerçadas como

desigualdade de gênero. A mulher ainda era sujeitada ao

uma forma de reforçar um papel inferior da mulher nas

domínio do pai e, posteriormente, ao marido. O primeiro

relações intrafamiliares.

grande passo para a liberação histórica da mulher no


24 | P á g i n a

Brasil foi dado em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, que aboliu a incapacidade feminina através da revogação de diversas normas discriminadoras (Aires, 2017). Durante o tortuoso período ditatorial vivido pelo Brasil entre os anos de 1964 e 1985, o movimento feminista ganha força pelo país, desafiando as regras do regime militar. Esse movimento de mulheres “denunciavam as discriminações, interferindo nas mudanças de valores e comportamentos

em

relação

aos

preconceitos

de

gênero, raça, etnia e opção sexual” (RIBEIRO, 2010, p.

Figura 2. Marcha SOS Mulher, década de 1980. Fonte: Arquivo SOS Corpo2, 2017.

44)(Figura 2). Segundo Ribeiro (2010), o tema da violência doméstica torna-se uma questão primordial da agenda feminista nos anos 80, com o surgimento das primeiras organizações em território nacional que tinham por objetivo oferecer o atendimento à mulher vítima de violência: o SOS Mulher. Apesar de uma posterior crise da organização, sua criação constituiu um marco no atendimento às mulheres vítimas de violência no Brasil.

2

Disponível em: <http://www.esquerdadiario.com.br/Notas-sobre-Eliane-deGrammont-SOS-Mulher-e-a-luta-a-contra-a-violencia-a-mulher-no-Brasil-dos-anos>. Acesso em: 31 mar. 2019.


P á g i n a | 25 “Os

primeira

Além desta, outros avanços foram conquistados nos

experiência de contato direto com as

últimos anos, como, por exemplo, a Lei do Feminicídio (lei

mulheres vítimas de violência e trouxe à

n. 13.104), de 09 de março de 2015, caracterizado como

tona

SOS

se

desafios

tornaram

que

a

ainda

não

foram

completamente superados. As discussões e as práticas da entidade contribuíram para estabelecer

um

precioso

campo

de

reflexão sobre a violência de gênero e também referências para as iniciativas de combate.” (RIBEIRO, 2010, p. 46).

crime hediondo. Segundo o Mapa da Violência (2015, p. 07), entende-se por feminicídio “quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição do sexo feminino”, resultando na morte da vítima.

Entretanto, essas organizações de atendimento às

A figura 3 traz uma linha do tempo sobre a

mulheres vítimas de violência passam a ser previstas por

evolução dos direitos das mulheres no Brasil ao longo dos

lei somente após o surgimento do maior marco de

últimos 100 anos.

combate à violência doméstica do Brasil: A Lei Maria da Penha, promulgada em 07 de Agosto de 2006, que prevê a criação de “Centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar” e “casasabrigos

para

mulheres

e

respectivos

dependentes

menores em situação de violência doméstica e familiar” (BRASIL, 2006).


26 | P á g i n a

Figura 3. Conquistas nos direitos das mulheres no Brasil em ordem cronológica. Fonte: elaborado pela autora com base em AIRES (2017).

É possível afirmar que os últimos 15 anos representaram uma tentativa muito mais eficaz por parte do Estado em relação ao combate da violação dos direitos das mulheres. Entretanto, ainda há muito que se fazer na batalha contra a violência de gênero no Brasil, que, mesmo com tantas legislações, ainda atinge índices alarmantes no país.


P á g i n a | 27

3.2.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

violência física contra a mulher, mais frequente do que todos os outros perpetradores reunidos, mesmo em

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

regiões em grave instabilidade política ou social”.

Erradicar a Violência contra a Mulher adotada em 9 de julho de 1994, ou simplesmente Convenção de Belém do

Dados do Instituto Patrícia Galvão (2018-2019)

Pará, define por violência contra a mulher “qualquer ato

mostram o “relógio da violência” no Brasil, indicando

ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano

índices alarmantes de violência contra a mulher, que se

ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto

repetem diariamente (figura 4). Além disso, segundo o

na esfera pública como na esfera privada”, sendo

Mapa da Violência (2015), a taxa de homicídios de

considerada violência doméstica quando perpetrada no

mulheres tem aumentado todos os anos desde 2007,

ambiente familiar, de acordo com a Lei Maria da Penha

conforme mostra a figura 5.

(2006, on-line): “qualquer ação ou omissão que (...) se dê no âmbito da unidade doméstica e familiar, ou em qualquer relação íntima de afeto em que o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima”. Dessa forma, a violência doméstica e familiar contra a mulher tem como característica marcante o fato de ser perpetrada, principalmente, por pessoas que mantêm ou mantiveram com a vítima uma relação de intimidade, seja o marido, companheiro ou namorado, atual ou pregresso. Segundo MIRANDA (2010, p. 301), “o parceiro íntimo é o mais importante perpetrador da


28 | P á g i n a

RELÓGIO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL A CADA 2 SEGUNDOS Uma mulher é vítima de violência física ou verbal

EVOLUÇÃO DA TAXA DE HOMICÍDIOS (POR 100 MIL) DE MULHERES NO BRASIL 5

A CADA 22.5 SEGUNDOS Uma mulher é vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento

4.75 4.5

A CADA 2 MINUTOS Uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha

4.25 4

A CADA UM DIA Três mulheres são vítimas de feminicídio DOIS TERÇOS Dos feminicídios acontecem na casa da vítima Figura 4. Dados de violência contra a mulher no Brasil Fonte: Instituto Patrícia Galvão, 2018-2019. Acesso em: 08 abr. 2019.

3.75 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Figura 5. Evolução da taxa de homicídios de mulheres no Brasil. Fonte: MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015, elaborado pela autora.

Além disso, segundo o Panorama da Violência contra as Mulheres no Brasil publicado pelo Senado Federal (2018), o nível de violência e a forma como as vítimas lidam com a situação a que estão expostas são influenciados diretamente por fatores culturais, resultado de um processo histórico que legitimou a minimização do


P á g i n a | 29

papel social da mulher. Criou-se uma cultura errônea

psicológica, sexual, patrimonial e moral. Além das

onde

foram

tipologias de violência contra a mulher supracitadas, é

interpretados como assuntos privados, resultando na

importante ressaltar o conceito de violência institucional.

impunidade dos agentes agressores graças a uma

Segundo Chai (2018), a violência institucional é cometida

naturalização

da

contra a mulher no âmbito das instituições e órgãos

sociedade, banalizando a ocorrência do problema. Esse

públicos, quando o Estado não fornece ou até mesmo

fato, enraizado na cultura brasileira, faz com que, muitas

omite o atendimento às mulheres vítimas de violência; ou

vezes, não haja nenhum tipo de reação por parte da

por meio de desigualdades motivadas dentro das

vítima, que sequer reconhece a violação dos seus direitos.

próprias instituições destinadas a esse público específico.

o

espaço

da

e

as

relações

violência

marital

familiares

por

parte

Tais Há diversas formas de violência contra a mulher,

manifestas

com

diferentes

níveis

de

desigualdades

organizações,

estatais

materializam-se ou

privadas,

nas por

diversas meio

da

deslegitimação da violência sofrida pela mulher.

severidade, não ocorrendo necessariamente de maneira isolada, mas sim, em grande parte das

“A violência institucional contra a mulher é

vezes, em um processo sequencial de agressões,

aquela praticada, por ação ou omissão,

sendo o feminicídio a manifestação máxima da

nas

violência de gênero.

3.2.1. VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL O artigo 7º da Lei Maria da Penha (n. 11.340/06) identifica as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo elas: violência física,

instituições

públicas

ou

privadas

prestadoras de serviços (...). Essa espécie de violência é consumada por agentes que

deveriam

prestar

uma

atenção

humanizada, preventiva e reparadora de danos.” (CHAI, 2018, p. 641).


30 | P á g i n a

uma imensa

poder. Considerando-se a complexidade

barreira para um atendimento efetivo às vítimas de

do problema, associada à questão da

violência doméstica. Para Chai (2018), o sentimento de

construção social dos papéis masculinos e

A

violência institucional

constitui

femininos e da desigualdade existente nas

frustração causado por instituições que promovem um

relações de gênero” (FONSECA e LEAL,

tratamento inadequado às vítimas acaba por criar um

2012, p. 312)

obstáculo para que a mulher tenha um acesso digno aos órgãos de apoio, visto que, devido ao receio, muitas vezes a vítima sequer opta por buscar ajuda. Dito isto, fica evidente a necessidade de combater essa forma de violência contra as mulheres em situações vulneráveis, através da criação de um equipamento institucional humanizado, fornecendo o atendimento ideal e necessário para garantir o acolhimento e reintegração da vítima na sociedade, libertando-a da violência de gênero.

A

violência

doméstica

contra

a

mulher

é

reconhecida pela OMS como questão de saúde pública, afetando de forma negativa a integridade física e psicológica da vítima, “configurada por círculo vicioso de idas e vindas aos serviços de saúde e o consequente aumento com os gastos neste âmbito” (DA FONSECA, 2006,

p.

11),

resultando

em

consequências

do

desenvolvimento físico, social, cognitivo, emocional e afetivo. Miranda (2010) classifica os impactos da violência

3.2.2. CONSEQUÊNCIAS DA

na saúde da mulher como diretos (impactos físicos) e

VIOLÊNCIA CONTRA A

indiretos

MULHER

levam a mulher ao adoecimento. Esse impacto envolve

“As causas da violência são descritas principalmente pelo ciúme e jogo de

(impactos psicológicos), que gradualmente

ainda indicadores específicos, como a má qualidade de vida em geral e o uso recorrente dos serviços de saúde.


P á g i n a | 31

Além disso, há os impactos imediatos no trabalho, incluindo

a

instabilidade

laboral,

a

queda

de

de

produtividade

das

mulheres

vitimizadas

e

à

movimentação do sistema judicial e policial do país.

produtividade da vítima e eventuais importúnios do agressor

no

ambiente

de

trabalho,

que

geram

3.3.

repercussões em longo prazo como o desemprego e o

REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

empobrecimento da mulher vitimizada. A luta pelos direitos das mulheres, travada pelo Outro

impacto

causado

diz

respeito

às

movimento feminista no Brasil a partir da década de

consequências sobre a família, tais como a exposição dos

oitenta, e as crescentes conferências discutindo o tema

filhos ao contexto violento intrafamiliar, sujeitando-os ao

no

risco de desenvolver problemas como a adaptação

influenciaram nas políticas nacionais de combate à

social, delinquência e transtornos mentais (Miranda, 2010).

violência (RIBEIRO, 2010). É o caso das Conferências de

Já em casos de divórcio, o contexto conturbado acarreta

Viena, realizada pela ONU em 1993, na Áustria; e a

em maiores prejuízos econômicos e psicológicos à mulher

Convenção de Belém do Pará, de 1994, realizada pela

e aos filhos.

OEA (Organização dos Estados Americanos) em território

cenário

internacional

durante

os

anos

90,

nacional, abordando questões sobre a violência contra a Por fim, na esfera socioeconômica, o impacto da

mulher. Essas discussões despertaram a reflexão sobre o

violência contra a mulher acaba por afetar diretamente

combate da violência de gênero no país, culminando na

os cofres públicos. Segundo o Instituto Brasileiro de Direito

concepção de importantes mecanismos legais, como a

de Família (IBDFAM); o Brasil perde, todos os anos, cerca

Lei Maria da Penha de 2006, criando

de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) como resultado da violência de gênero, referentes aos gastos estimados com

“mecanismos para coibir e prevenir a

atendimento às vítimas pelo sistema de saúde, à perda

violência doméstica e familiar contra a


32 | P á g i n a mulher, (...) dispõe sobre a criação dos

3.3.1. CASAS-ABRIGO

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de

As

casas

abrigo

têm

por

atribuição

prover

assistência e proteção às mulheres em

acolhimento temporário, seguro e sigiloso como medida

situação

emergencial de proteção para a vítima de violência

de

violência

doméstica

e

familiar.” (BRASIL, 2006, on-line).

Essa lei serviu de base para o surgimento de outras diversas legislações, como é o caso da Lei n. 13.104/15 (Lei do Feminicídio) e da Lei n. 13.718/18, que tipifica o crime de importunação sexual; bem como normas e diretrizes lançando as bases para a criação de uma rede de enfrentamento à violência. As instituições de acolhimento, previstas na Lei Maria da Penha, são definidas pelas Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência, lançadas em 2011 pela Presidência da República através da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR); que propõe novos modelos de abrigo, com programas diversificados para atender os diferentes perfis das vítimas, tais como: as casas abrigo, casas de passagem e a Casa da Mulher Brasileira.

doméstica, acompanhada ou não de seus filhos. Esse modelo “restringe-se ao atendimento dos casos de violência familiar contra a mulher, tendo por público-alvo somente mulheres sob grave ameaça e risco de morte.” (SPM/PR, 2011, p. 19). Devido à maior necessidade de segurança, a vítima é sujeita ao completo isolamento. Segundo Machado (2016), esse modelo precisa ser repensado, pois, apesar de necessário, atende somente a um público-alvo muito específico. A casa abrigo impõe diversas restrições à mulher abrigada: o confinamento ao local; a interrupção de qualquer contato com familiares e amigos; o rompimento da atividade escolar dos filhos, quando abrigados; dentre outros. Deste modo, a vítima é colocada em uma situação de segregação de seu círculo social e do desempenho de suas atividades cotidianas, ocasionando uma inversão


P á g i n a | 33

de valores dentro de um modelo onde “as mulheres (...)

tráfico de pessoas e outras formas de violência. Além

ficam

disso, as casas de passagem não rompem com as

praticamente

enquanto

o

aprisionadas

agressor,

em

boa

nas parte

Casas-abrigo, do

tempo,

permanece em liberdade” (MACHADO, 2016, p. 188).

atividades cotidianas da vítima, permitindo que tanto a mulher quanto os filhos saiam para trabalhar ou estudar e mantenham contato com familiares; além de oferecer

3.3.2. CASA DE PASSAGEM

atividades educativas, culturais e laborais dentro do próprio espaço.

Esse modelo surge, nas Diretrizes Nacionais do Abrigamento (SPM/PR, 2011) como uma proposta para o

3.3.3. CASA

acolhimento provisório de curta duração, estimando um

DA

MULHER

BRASILEIRA

período de até 15 dias, para mulheres em situação de violência, acompanhada ou não de seus filhos, que não

A Casa da Mulher Brasileira surge como uma

correm risco iminente de morte. Trata-se de um abrigo

política-pública lançada pela SPM/PR, abrangendo um

mais flexível, não-sigiloso, para os casos em que a vítima

programa mais complexo dentro de um mesmo edifício,

aguarda pela concessão de medidas protetivas de

reunindo:

urgência e não se sente segura para permanecer em seu lar até o deferimento.

“todos os serviços especializados da rede de

Segundo Machado (2016), esse modelo representa uma alternativa indispensável destinada a um públicoalvo mais abrangente. O atendimento não se restringe à vítimas de violência doméstica e familiar quando não há risco de morte, acolhendo também mulheres vítimas do

atendimento,

tais

como:

Apoio

Psicossocial, Delegacia da Mulher, Juizado Especializado em Violência Doméstica e Familiar Contra as Mulheres, Defensoria Pública e Ministério Público, Central de Transportes,

Brinquedoteca,

além

do


34 | P á g i n a Alojamento de Passagem”. (MACHADO,

principalmente da prefeitura, com parte de subsídios do

2016, p. 192).

Estado (MACHADO, 2016).

Esse modelo torna-se uma resposta para casos

O

CRAMMM

oferece

atendimento

social,

quando não há proximidade dos equipamentos da rede

psicológico e orientação jurídica às mulheres vitimizadas;

de

por

orientando e fornecendo o acompanhamento necessário

exemplo, nas grandes capitais brasileiras; reunindo todo

à vítima visando prepará-la para o rompimento com o

tipo de atendimento necessário à vítima em um único

ciclo de violência. Segundo a responsável pela SeMulher3,

lugar.

Cláudia Palomares, o Centro de Referência havia

atendimento

à

mulher

vitimizadas,

como,

realizado o atendimento de aproximadamente 200 3.3.4. REDE DE ENFRENTAMENTO À

mulheres do início de 2019 até o dia da entrevista.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM Durante a visita ao CRAMMM, localizado próximo à

MARINGÁ

Secretaria da Mulher (figura 6), o que se observou foi uma Em

2006,

de

infraestrutura precária, visto que esta foi realocada

Mariá

recentemente, estando atualmente instalado em uma

federal

casa térrea (figura 7), localizada em uma via residencial

juntamente à Prefeitura Municipal de Maringá (PMM),

com pouco fluxo de veículo e pessoas, sem qualquer

visando atender as mulheres vítimas de violência de toda

identificação na fachada. Essa situação pode dificultar o

a

acesso das vítimas ao local, que muitas vezes não têm

Referência (CRAMMM),

região

e

cria-se

em

Maringá

Atendimento uma

à

iniciativa

metropolitana.

O

Mulher do

o

Centro Maria

governo

Centro

é

vinculado

administrativamente ao órgão gestor das políticas para as mulheres de Maringá, representado pela Secretaria da Mulher (SeMulher); e é mantido com o suporte financeiro

conhecimento da existência deste espaço. 3

Conforme levantamento de dados realizado in loco pela autora, em visita à Secretaria da Mulher no dia 26/03/19.


P á g i n a | 35

Segundo a coordenadora do CRAMMM, Renata Muraro4, a equipe conta com duas psicólogas e duas assistentes sociais; no entanto, ainda não há advogados atuando no Centro, sendo que, em casos de orientação jurídica, é realizado o encaminhamento da vítima ao Núcleo Maria da Penha da Universidade Estadual de Maringá (NUMAPE/UEM) ou para a Defensoria Pública. Muraro ressalta a importância da criação de uma defensoria própria do Centro. Figura 6. Localização da Secretaria da Mulher (em vermelho) e do CRAMMM (em verde). Fonte: Google Maps. Acesso em: 22 abr. 2019.

O Centro de Referência oferece também, em parceria com a SeMulher e instituições externas, cursos profissionalizantes às vítimas, para que assim possam conquistar a autonomia financeira no processo de rompimento com o ciclo de violência. Segundo Muraro, em grande maioria dos casos, o principal fator que impede a vítima de violência a procurar ajuda é a dependência

financeira

com

relação

ao

agressor,

ressaltando assim a importância de ofertar estes cursos. Entretanto, devido à falta de estrutura física do Centro, os Figura 7. Casa onde está localizado o CRAMMM atualmente. Fonte: Google Street View, 2019. Acesso em: 22 abr. 2019.

4

Conforme levantamento de dados realizado in loco pela autora, em visita ao CRAMMM no dia 26/03/19.


36 | P á g i n a

cursos não são realizados dentro do próprio espaço, e sim

em situações extremas, ou seja, quando há risco de

em instituições externas, como o SENAC.

morte, e, nesse caso, é mantida sob total sigilo a fim de garantir a segurança das vítimas. Neste espaço, as

Além disso, o CRAMMM realiza palestras e eventos

mulheres abrigadas são submetidas a uma situação de

abertos a toda comunidade. Muraro ressalta ainda a

completo isolamento, sem qualquer contato com o

importância de abrir as portas do Centro para a

mundo exterior.

população como forma de conscientização social, pois, mesmo aqueles que não estão em situação de violência,

Segundo a coordenadora do CRAMMM, devido o

podem conhecer e conviver com mulheres que estão

caráter restritivo do abrigo existente em Maringá, muitas

submetidas

a

vezes não é possível realizar o encaminhamento da

coordenadora salienta a necessidade da criação de

vítima, mesmo quando há a procura por parte da

espaços de convivência adequados.

mesma.

ao

contexto

violento.

Para

isso,

Dessa

importância

da

forma,

Muraro

criação

de

salienta uma

também

instituição

a de

Por fim, o programa do CRAMMM não engloba

acolhimento mais flexível, dentro dos conceitos de “casa

estrutura para o abrigamento de vítimas. O que se faz é o

de passagem”, visto que esse modelo não banaliza a

encaminhamento da mulher vitimizada para instituição

importância da Casa Abrigo, mas oferece à mulher, em

adequada de acolhimento. Em Maringá, atualmente,

casos menos graves, a opção de sair temporariamente

existe um único equipamento com este fim: a Casa

do contexto violento sem, necessariamente, isolar-se da

Abrigo Edna Rodrigues de Souza, que foi reformada em

sociedade.

2015 para adequação da estrutura. Conforme definido pelas

Diretrizes

Nacionais

para

o

Abrigamento

de

Mulheres em Situação de Risco e de Violência, a casa abrigo é destinada somente ao acolhimento de mulheres


P á g i n a | 37

3.4.

A IMPORTÂNCIA DA ARQUITETURA NA

mundo exterior e passa a viver numa

CRIAÇÃO DE AMBIENTES HUMANIZADOS

atmosfera desconhecida. O sentimento de despersonalização

ou

perda

de

“Na chegada a Casa de Apoio há um

identidade pode causar sensações de

impacto muito grande sobre a mulher (...)

medo, desgosto e abandono ao paciente,

uma

gerando agravantes no seu tratamento

total

expectativas,

mistura

de

medo do

sentimentos,

clinico e/ou estadia.” (LIMA, 2013, p. 4).

desconhecido,

receio de que tudo não tenha resultado e que

o

retorno

maridos/companheiros

seus

Segundo Lima (2013), para promover uma reação

inevitável.”

positiva da vítima ao tratamento terapêutico é necessário

aos seja

(CARLOTO, 2006, p. 216).

conceber

um

projeto

favorável

ao

estímulo

de

sentimentos agradáveis, que despertem o interesse do A concepção de projetos arquitetônicos para o

usuário e que remetam a sensações de paz, reflexão,

acolhimento de vítimas de traumas, fragilizadas pela

esperança

situação a qual foram submetidas, deve priorizar a busca

causadores de estresse. Nesse contexto, insere-se a

por uma arquitetura humanizada visando, acima de tudo,

importância da arquitetura humanizada.

e

conforto,

livre

de

fatores

ambientais

o bem estar do usuário, através da criação de espaços acolhedores que favoreçam a minimização do sofrimento

Um dos principais precursores dessa arquitetura

da vítima e o seu reestabelecimento (LIMA, 2013). Dessa

terapêutica especialmente focada no usuário é o

forma, a arquitetura torna-se uma aliada direta no auxílio

arquiteto

do tratamento.

conhecido como Lelé. O arquiteto é mundialmente “O paciente, (...) quando se encontra em um ambiente clínico, se sente desligado do

João

Filgueiras

Lima,

mais

popularmente

reconhecido por seus edifícios hospitalares que minimizam a ideia de ambientes enclausurados e priorizam espaços


38 | P á g i n a

abertos com soluções que relacionam os aspectos

relógio biológico humano (RAMOS e LUKIANTCHUKI, 2015).

naturais, como o uso de extensas vegetações, com

Segundo Sampaio (2005), várias doenças e desajustes

estratégias de conforto, usufruindo abundantemente da

psicológicos são relacionados com a ausência da luz.

luz e ventilação natural. A arquitetura de Lelé, busca

Edifícios projetados adequadamente para a entrada da luz natural nos ambientes internos contribuem com o

“a

humanização/beleza

através

da

inserção de amplos espaços coletivos no programa da arquitetura hospitalar, nos quais

jardins

e

obras

de

arte

são

convocados como forma de dotar o edifício da capacidade de contribuir no processo de cura. Dentro desse contexto,

aumento da produtividade e com a saúde psicológica de

seus

ocupantes.

Além

disso,

diversos

autores

(LAMBERTS, et. al., 1997; HOPKINSON et al., 1975) ressaltam que a iluminação natural é um dos fatores que possibilita a melhoria das condições de conforto e satisfação pessoal, uma vez que esta se apresenta extremamente

a utilização da ventilação e iluminação

relacionada ao bem-estar físico e emocional dos usuários.

naturais nas unidades do hospital evita os

Por fim, de acordo com o IESNA (1995) a percepção do

frequentes

e

caráter de um espaço, a resposta emocional a um certo

proporciona ambientes mais humanos”

ambiente, e mesmo os sentimentos de satisfação e bem-

(LUKIANTCHUKI e SOUZA, 2010, on-line).

estar podem ser alterados por variações na iluminação.

espaços

herméticos

O aproveitamento da luz e ventilação natural

Outra estratégia muito utilizada por Lelé é a

promove ambientes mais salubres através da renovação

integração da arte com a arquitetura, em parceria com

contínua da corrente de ar, funcionando também como

o artista plástico Athos Bulcão, como forma de intervir

agente

da

nesses edifícios para que não remetam ao sofrimento, e

iluminação natural traz noções de acolhimento e de

sim que tragam alegria e bem-estar aos usuários. A

bactericida.

Além

disso,

a

presença

passagem do tempo, vital para o funcionamento do


P á g i n a | 39

aplicação de cores, painéis, pinturas e murais para a

De forma geral, nota-se que diversas são as

concepção de espaços mais alegres, que despertam o

estratégias adotadas para a humanização do projeto

interesse dos pacientes em

tratamento, favorecem

arquitetônico de centros de tratamento, como forma de

estímulos que contribuem para o processo de cura

proporcionar maior bem-estar aos usuários, aliviando suas

(LUKIANTCHUKI e SOUZA, 2010). A arte pode também ser

angústias e, consequentemente, auxiliando na cura

utilizada como forma de personalização do espaço,

psicológica e emocional dos usuários. O modelo de

como é feito no Centro de Reabilitação Infantil da rede

arquitetura humanizada, direcionada para atender as

Sarah. Os trabalhos produzidos pelos próprios pacientes

necessidades

em oficinas artísticas são expostos nas paredes do centro,

importantes soluções para a elaboração de espaços que

favorecendo a identificação entre o usuário e o edifício

abriguem as mulheres vítimas de violência, que, até hoje

e, assim, o acolhimento.

é, muitas vezes, desamparada pelas próprias instituições de apoio.

Além disso, os edifícios hospitalares projetados por Lelé são permeados por grandes jardins integrados à arquitetura, que melhoram o microclima do edifício e promovem uma valorização dos espaços de convivência, favorecendo a troca de experiências entre usuários como espécie de complementação terapêutica (RAMOS e LUKIANTCHUKI, 2015). O próprio contato com a natureza ocasiona estímulos para o processo de cura do paciente, por meio de experiências sensoriais através da mistura de cores, perfumes, luz e sombra dos espaços verdes.

e

anseios

dos

usuários,

é

uma

das


40 | P á g i n a

O

4. REFERÊNCIAS PROJETUAIS

visa

fornecer

nesse

espaço

o

atendimento completo à mulher vítima de agressão,

A fim de elaborar um programa de necessidades adequado para o projeto proposto, realizaram-se alguns estudos de referências projetuais envolvendo edifícios de temática semelhante, a fim de realizar comparações entre si e criar um repertório para a elaboração de um conceito projetual e o desenvolvimento do partido arquitetônico.

4.1.

programa

oferecendo

suporte

nas

áreas

de

saúde,

justiça,

segurança, assistência social, além de subsídios que proporcionem autonomia financeira à vítima, por meio de aulas e cursos profissionalizantes (SPM/PR, 2011). Há um projeto básico para todas as unidades, que pode ser ajustado visando às diferentes condições de cada local. A seguir, será detalhada a unidade que está implantada na cidade de Brasília, DF.

CASA

DA

MULHER

BRASILEIRA

EM

BRASÍLIA, DF Como discutido anteriormente, a Casa da Mulher Brasileira surge como um desdobramento do Programa Mulher sem Violência, lançado pelo governo federal através da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). O programa tinha como objetivo a criação de edificações com serviços públicos de atendimento às mulheres vítimas de violência em um único local, visando a instalação de um conjunto para cada capital brasileira.

A

Casa

localiza-se

próxima

ao

grande

eixo

rodoviário de Brasília, no Setor de Grandes Áreas Norte 601 (figura 8). A área escolhida está em uma região centralizada, cumprindo com o requisito de localização facilmente acessível, que é um critério importante para esses equipamentos.


P á g i n a | 41

Figura 9. Casa da Mulher Brasileira em Brasília, DF. Fonte: Ministério do Planejamento5.

Figura 8. Localização da Casa da Mulher Brasileira de Brasília, DF. Fonte: Google Maps, 2019. Acesso em: 15 abr. 2019.

Brasília foi a segunda cidade do país a implantar a

caracterizada pela cobertura levemente ondulada, em

pelos

uma mescla de verde e amarelo, remetendo às cores da

arquitetos da SPM Marcelo Pontes e Valéria Laval, possui

bandeira brasileira; e o roxo, que seria associado à ideia

uma área construída de 3668,69m² e um programa que

de proteção e acolhimento das mulheres (figura 9)

reúne suas diversas atividades, tais como, Delegacia de

(ARCOWEB, 2015).

Casa

da

Mulher

Brasileira

(CMB).

Projetada

Atendimento à Mulher, Tribunal de Justiça, Ministério Público, área de acolhimento, brinquedoteca, entre outras – subdivididas em módulos ao redor de um grande pátio interno. A plástica do edifício é

Visando a redução de custos e do tempo de construção da obra, uma das principais diretrizes da CMB, 5

Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2018/07/numerode-assassinatos-de-mulheres-cresce-em-brasilia>. Acesso em: 15 abr. 2019.


42 | P á g i n a

adotou-se a alvenaria estrutural como sistema construtivo.

O edifício conta com uma sala multiuso destinada

A solução formal parte de um conjunto com seis módulos

à

de aproximadamente 65x65m, cada qual abrigando uma

encontros e apresentações culturais, um ponto positivo

função

necessidades,

do programa, uma vez que surge como opção de

distribuídos em torno de um grande pátio central utilizado

entretenimento, lazer e aprendizado para as usuárias

como espaço de convivência (figura 10) (ARCOWEB,

(figura 11).

específica

do

programa

de

realização

de

oficinas,

cursos

de

capacitação,

2015).

Figura 11. Sala multiuso da CMB em Brasília, DF. Fonte: ARCOweb6, 2015. Figura 10. Casa da Mulher Brasileira em Brasília, DF. Fonte: ARCOweb6, 2015.

O pátio central e a disposição dos módulos do edifício por todo seu entorno surge como solução formal

6

Disponível em: <https://www.arcoweb.com.br/noticias/arquitetura/casasacolhimento-mulheres-vitimas-violencia>. Acesso em: 15 abr. 2019

permitindo a criação de um espaço aberto que seja, ao


P á g i n a | 43

mesmo

tempo,

seguro

para

as

vítimas

abrigadas.

Entretanto a conformação do pátio, que deveria ser um espaço de convivência entre as usuárias, sugere um local residual com poucos atrativos (figura 12). A vegetação do jardim, predominantemente rasteira e com arbustos

de

pequeno

porte,

não

poucos

fornece

o

sombreamento necessário para que haja a permanência do usuário em horários de pico solar. Além disso, os equipamentos implantados se resumem a poucos bancos de concreto.

Figura 12. Pátio interno da CMB em Brasília, DF. Fonte: ARCOweb6, 2015.


44 | P á g i n a

4.2.

ABRIGO PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA

garantem segurança e proteção ao local; as internas se

DOMÉSTICA,

abrem para um jardim, o cerne terapêutico do abrigo.

JACOBS

YANIV

ARCHITECTS

(JACOBS-YANIV ARCHITECTS, 2018).

Localizado em Tel-Aviv – Israel, o projeto de 2018 foi liderado pela ativista Ruth Rasnic, do grupo internacional “No To Violence” e pioneira dos direitos humanos, em parceria com os escritórios Amos Goldreich Architecture, sediado em Londres, e os arquitetos locais Jacobs e Yaniv. A instalação de 800m² visa fornecer refúgio para mulheres e crianças em situações de vulnerabilidade de todas as localidades e origens. Em Israel, mais de 45% das mulheres foram ou serão vítimas de violência doméstica ao longo de suas vidas, segundo dados da World Health Organisation

(SBEGHEN,

2018),

o

que

reforça

Figura 13. Fachada externa do abrigo. Fonte: Amit Geron7, 2018.

a

importância do projeto em questão. Segundo o autor do projeto, o partido nasce da analogia de uma pedra escavada, criando duas superfícies contrastantes: uma superfície externa, bruta, rígida; versus um espaço interno liso, delicado. Essa concepção resulta em um edifício de fachadas distintas: enquanto as exteriores (figura 13)

7

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/895789/abrigo-para-vitimasde-violencia-domestica-amos-goldreich-architecture-plus-jacobs-yaniv-architects>. Acesso em: 15 abr. 2019.


P á g i n a | 45

O abrigo conta com um programa diverso (figura 14), abrangendo áreas comuns, cozinha e refeitório, lavanderia coletiva, sala de informática, jardim de infância, apartamentos independentes para cada família; administração e acomodação de funcionários – dentre eles assistentes sociais, psicólogo infantil e advogado em tempo parcial. Além disso, segundo Sbeghen (2018), o espaço recebe profissionais voluntários, que contribuem com o tratamento da vítima e de seus filhos através da realização de oficinas de beleza (visando o reestabelecimento da autoestima), artes marciais, terapias, entre outros.

Figura 14. Setorização do abrigo. Fonte: ARCHDaily8, 2018. Elaborado pela autora, 2019. 8

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/895789/abrigo-para-vitimas-de-violencia-domestica-amos-goldreich-architecture-plus-jacobs-yaniv-architects>. Acesso em: 15 abr. 2019.


46 | P á g i n a

Os apartamentos independentes nos quais as famílias são instaladas fazem parte de uma edificação maior com espaços de uso comum, tais como cozinha e lavanderia, para que as internas possam seguir com suas atividades rotineiras mesmo enquanto abrigadas. Isso inclui o berçário, que é fisicamente separado do bloco de acolhimento, cumprindo sua função como uma creche comum, onde as mães levam os filhos no início do dia e os buscam ao fim da tarde (SBEGHEN, 2018). Assim como ocorre nos edifícios-modelo da Casa da Mulher Brasileira, o abrigo israelense conta com um pátio interno que desempenha um papel fundamental como espaço de convivência entre as usuárias. O coração

verde

do

projeto,

além

de

seu

caráter

terapêutico, é circundado por um corredor que conecta os espaços interno e externo, com o propósito funcional de criar conexões visuais entre as mulheres e seus filhos (figuras 15 e 16). Figuras 15 e 16. Partido e pátio central do abrigo. Fonte: ARCHDaily8, 2018.


P á g i n a | 47

4.3.

CENTRO DE TRATAMENTO PARA SAÚDE

A construção de 1060m², de autoria do escritório

MENTAL DE MULHERES CASA VERDE –

italiano LDA.iMdA, partiu da recuperação de um antigo

LDA.IMDA ARCHITETTI

orfanato

existente

em

um

terreno

montanhoso

e

florestado, cujo preceito foi a criação de um “edifício que O projeto Casa Verde, assim denominado por seu

se conecta com o entorno verde, com o usuário e com a

valor social – “casa” que remete ao abrigo, e “verde”

arte” (LDA.iMdA, 2016). O edifício existente se torna parte

remetendo à paisagem do entorno – está inserido em um

de um projeto maior que o cerca e avança sobre todo o

terreno cercado por uma floresta de carvalhos na cidade

terreno, conforme a figura 18.

de San Miniato, comuna italiana da região da Toscana (figura 17).

Figura 17. Localização do Centro de Tratamento Casa Verde em San Miniato, Toscana. Fonte: Google Maps, 2019. Acesso em: 21 abr. 2019.

Figura 18. Partido arquitetônico do Centro Casa Verde. Fonte: ARCHDaily9, 2018. Traduzido pela autora. 9

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/889126/centro-de-tratamentopara-saude-mental-de-jovens-mulheres-casa-verde-ldmda-architetti-associati>. Acesso em: 21 abr. 2019.


48 | P á g i n a

A conexão do edifício com o entorno não se dá

Já a conexão com o usuário e com a arte se dá a

pela solução de uma fachada totalmente envidraçada,

partir do incentivo à participação e “identificação

e sim pela integração visual da fachada (figura 19) com a

empática” das próprias pacientes do centro, por meio da

floresta adjacente. Isso é alcançado por meio do uso de

realização de oficinas de desenho para que estes fossem

diversos tons de verde determinados através de estudos

impressos

das variações de cores das folhas das árvores ciprestes

21)(LDA.iMdA, 2016).

à

fachada

de

vidro

do

edifício

(figura

características da região nas diferentes estações do ano (fig. 20)(Martino, 2018).

Figura 19. Fachada do Centro Casa Verde. Fonte: Simone Bossi10, 2018. 10

Disponível em: <https://www.ldaimda.com/CASA-VERDE-architetturaospedaliera-sostenibile-spazi-per-la-cura-innovativi.htm>. Acesso em: 21 abr. 2019.

Figura 20. Estudos da vegetação local para a criação de painéis perfurados personalizados. Fonte: ARCHDaily9, 2018. Acesso em: 21 abr. 2019.


P á g i n a | 49

Figura 21. Processo de participação e identificação empática. Fonte: ARCHDaily9, 2018. Acesso em: 21 abr. 2019.

Segundo Martino (2018), o projeto parte da ideia de proteger a construção existente, tanto a forma quanto os materiais da planta original. Simultaneamente, enfatiza-se a expansão do edifício ressaltando sua volumetria e adotando

materiais

condizentes

com

a

cultura

contemporânea, como o brise metálico perfurado em tons

variados

de

verde

que

recobre

a

fachada,

mesclando a construção à paisagem natural (figura 22). A adoção dos painéis perfurados surge da ideia de trazer a luz solar para o interior do edifício, onde a iluminação natural

é

filtrada

por

micro

diafragmas,

criando

internamente um ambiente confortável (figura 23).

Figuras 22 e 23. Brise perfurado metálico. Fonte: Simone Bossi10, 2018. Acesso em: 21 abr. 2019.


50 | P á g i n a

Os interiores foram pensados para facilitar a comunicação visual e o entendimento do espaço, tendo a cor cinza claro como fundo predominante e o uso das cores verde, azul e laranja na aplicação de detalhes, como nas linhas coloridas que distinguem as diferentes zonas onde as usuárias são acomodadas conforme o grau de sua condição (Martino, 2018). As mesmas cores são utilizadas nos mobiliários e sinalização dos espaços, como refeitório, sala de TV, sala de estar, ginásio, centro médico, lavanderia, cozinha, etc (figuras 24 e 25).

Figuras 24 e 25. Setorização do Centro. Fonte: ARCHDaily9, 2018. Elaborado pela autora.

O projeto do escritório italiano muito se assemelha aos conceitos utilizados por Lelé na arquitetura hospitalar brasileira, seja por meio da busca pela luz natural no interior da construção; pela integração com a grande mata verde adjacente; quanto pelo uso da arte como forma de personalização do espaço, visando criar uma identificação entre usuário e edifício.


P á g i n a | 51

4.4.

ESTAÇÃO DE POLÍCIA BELÉN / EDU

O edifício situado na comuna de Belén, em Medelín – Colômbia (figura 26), surge a partir de uma proposta da Polícia Nacional

visando mudar a imagem

desses

equipamentos diante da comunidade, transformando-o em um modelo de polícia comunitária como forma de aproximar o público da instituição (GOMES, 2012). O projeto de 2008, de autoria da Empresa de Desarrollo Urbano de Medellin (EDU), busca reverter o imaginário existente das delegacias de polícia escuras, cinzas, fechadas e restritivas; para a imagem de um edifício alegre, aberto, iluminado e colorido, que cause emoções positivas no usuário.

Figura 26. Localização da Estação em Medelín. Fonte: Google Maps, 2019. Acesso em: 28 abr. 2019.


52 | P á g i n a

Partindo do preceito de abrir as portas da Estação de Polícia para a comunidade, a construção de área total de 4.098m², distribuídos em três níveis (figura 27), conta com um pavimento especialmente destinado ao público (GOMES, 2012). O pavimento térreo se abre para a praça de acesso do edifício e abriga oficinas de atenção à comunidade, auditório com capacidade para 50 pessoas, restaurante e academia para a população. Os demais pavimentos são destinados ao uso privativo da polícia, com um subsolo para estacionamento e áreas técnicas e um pavimento superior que conta com 120 dormitórios para a equipe policial, além de áreas comuns e de descanso.

Figura 27. Setorização do programa nos diferentes níveis do edifício. Fonte: ARCHDAILY 11, 2012. Acesso em: 28 abr. 2019.

11

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-23451/estacao-de-policiabelen-edu>. Acesso em 28 abr. 2019.


P á g i n a | 53

O projeto parte do conceito arquitetônico do

Partiu-se da ideia de criar uma caixa de luz

“edifício como ícone de bairro”. Segundo Gomes (2012),

flutuante sobre a paisagem. Essa impressão se dá pela

a ideia busca trazer uma arquitetura protagonista frente à

conformação de pátios abertos voltados à praça de

paisagem, além de dinamizar os bairros onde são

acesso, aliado à “pele” de brises vermelhos que recobre

construídos os edifícios públicos, a fim de criar nos

o

habitantes um sentimento de pertencimento ao local.

fechamento da área de uso privativo. O material utilizado

Para isso, o projeto engloba, além da Estação em si, a

como solução de fachada da edificação permite que o

construção de mais de 5.600m² de espaço público,

objeto arquitetônico se destaque sobre a paisagem, de

dentre

quadras

diferentes maneiras, tanto ao longo do dia como à noite,

esportivas, visando criar uma nova centralidade para a

criando assim um marco arquitetônico no bairro e

comunidade local (figura 28).

fortalecendo a presença da polícia na imagem dos

praças,

passeios,

áreas

verdes

e

segundo

pavimento

do

bloco,

garantindo

o

cidadãos (GOMES, 2012). Durante o dia (figura 29), a cor vermelha escolhida para o brise contrasta com o entorno natural, ressaltando o edifício em meio ao lugar. À noite (figura 30), a construção se converte em uma caixa de luz graças à sua fachada translúcida, que externiza a iluminação artificial do interior para fora do edifício através das aberturas entre os brises.

Figura 28. Espaço público contemplado pelo projeto. Fonte: ARCHDAILY11, 2012. Acesso em: 28 abr. 2019.


54 | P á g i n a

A busca por reverter o imaginário existente sobre as delegacias de polícia diante da população, visando criar ambiente mais alegres, acolhedores e abertos para a comunidade; e a adoção de estratégias para consolidar um edifício que transmita a ideia de estar sempre aberto ao público, criando um sentimento de acolhimento entre usuário e edifício, são conceitos interessantes a serem considerados

na

etapa

de

projeto

do

objeto

arquitetônico em questão.

Figuras 29 e 30. Fachada da Estação de Polícia. Fonte: ARCHDAILY11, 2012. Acesso em: 28 abr. 2019.



parte ii. PROJETO


P á g i n a | 57

5. O PROJETO 5.1.

significativo de serviços relacionados, dentre Vara e

ESCOLHA E CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL

Delegacia Especializada, Centro de Referência e Hospital de Referência, além de duas Promotorias responsáveis

5.1.1. A CIDADE

pelos

O município de Maringá, com uma população de

assuntos

Entretanto,

referentes

conforme

à

Lei

discutido

Maria

da

Penha.

anteriormente,

o

aproximadamente 417.010 habitantes segundo dados

município ainda carece de uma estrutura adequada

estimados em 2018 pelo IBGE, é o terceiro maior do

para o atendimento das vítimas de violência.

Paraná em termos populacionais e foi planejado para ser o polo da mesorregião Norte Central Paranaense, com

5.1.2. O TERRENO

uma implantação estratégica para a região. Além disso, o município é o polo principal da Região Metropolitana

Em função da especificidade do tema escolhido

de Maringá, que compreende vinte e seis municípios

para o projeto e seu público-alvo, tratando-se de

totalizando

aproximadamente

mulheres fragilizadas pela situação de violência a qual se

809.000 habitantes, segundo o IBGE para o ano de 2018.

encontram, a busca pelo terreno de implantação da

Por esse motivo, Maringá é um polo de referência na

Casa de Passagem e novo edifício sede para o Centro de

prestação de serviços e atendimento à população dos

Referência

demais municípios da região.

prioridade a facilitação do acesso ao local, visto que

uma

população

de

de

Atendimento

à

Mulher

tem

como

quaisquer dificuldades impostas possam afastar a vítima Dada a importância do município no contexto

do processo de rompimento com o ciclo violento.

estadual, Maringá é também referência na rede de

Simultaneamente, o programa de necessidades engloba

combate à violência contra a mulher no Norte do Estado.

atividades abertas para toda a comunidade como forma

Segundo Machado (2016), a cidade conta com número

de conscientização da população sobre as formas de


58 | P á g i n a

combate à violência doméstica, o que reforça a ideia de

tanto diurnos quanto noturnos, é uma das formas de

favorecer a localização como forma de difundir a

proporcionar certa segurança ao equipamento sem,

existência do equipamento. Além disso, é recomendável

necessariamente, isolá-lo do meio urbano.

que o projeto esteja situado próximo dos demais

Deste modo, após a realização de mapeamento

equipamentos existentes de assistência à mulher, visando

dos principais equipamentos da rede de enfrentamento

facilitar a complementação do atendimento às vítimas.

contra a violência doméstica existentes na cidade de

Por fim, a escolha do terreno visa a implantação em um

Maringá (figura 31), delimitou-se a região para estudo de

local centralizado, de grande fluxo de pessoas em

implantação do projeto, buscando por um sítio que

período integral. Essa vitalidade existente na região,

atendesse as necessidades anteriormente descritas.

graças aos dois importantes eixos de comércio e serviços


P á g i n a | 59

Figura 31. Equipamentos da rede de enfrentamento à violência doméstica em Maringá. Fonte: Google Maps, 2019; elaborado pela autora. Acesso em: 25 abr. 2019.


60 | P á g i n a

O terreno escolhido para a implantação do projeto proposto está inserido na Zona 02, localizado cruzamento Juscelino

das

avenidas

Kubitschek

São

(figura

Paulo

32).

O

e

no

Presidente

local,

onde

antigamente existiu uma casa histórica que já foi demolida, atualmente se trata de um terreno vazio cuja única construção restante no espaço é um edifício

Figura 32. Vistas do terreno a partir da Av. São Paulo e Av. JK, respectivamente. Fonte: Levantamento fotográfico realizado pela autora em 29 abr. 2019.

comercial de proporções relativamente pequena se comparado à totalidade do sítio. Essa construção, situada na esquina do cruzamento, se encontra sem qualquer uso e em completa situação de abandono, com fachadas vandalizadas e arquitetura descaracterizada; conforme levantamento fotográfico realizado pela autora (figura 33).

Figura 33. Vista do cruzamento das avenidas, edificação existente e índices de vandalismo. Fonte: Levantamento fotográfico realizado pela autora em 29 abr. 2019.


P á g i n a | 61

Assim atualmente

sendo, está

trata-se

subutilizado,

de

um

terreno

apresentando

que

grande

importância para a cidade e com enorme potencial para o mercado, principalmente para o setor imobiliário, com o crescente número de condomínios verticais construídos recentemente ao longo da Av. São Paulo (figura 34 e 35). A localização privilegiada situada no cruzamento de dois importantes eixos viários e bem atendidos pelo transporte público (figura 36), que facilita o acesso por usuárias que dependem desse meio de transporte, justifica a criação de um equipamento público e de caráter social.

Figura 34. Condomínio vertical de alto padrão no cruzamento das Avenidas São Paulo e JK. Fonte: Levantamento fotográfico realizado pela autora em 29 abr. 2019.


62 | P á g i n a

Figura 35. Levantamento de uso do solo do entorno estudado. Fonte: Google Maps, 2019; elaborado pela autora. Acesso em 28 abr. 2019.


P á g i n a | 63

Figura 36. Linhas de transporte público que atendem a região. Fonte: Google Maps, 2019; elaborado pela autora. Acesso em 06 mai. 2019.


64 | P á g i n a

Além

disso,

a

região

é

caracterizada

por

edificações comerciais ao longo dos principais eixos viários (figura 37); culturais, como o Teatro Reviver (figura 38); e institucionais, com escolas e instituições religiosas próximas (figura 39). Portanto, trata-se de uma área bem servida de equipamentos diversos para que a usuária em situação

de

abrigamento

não

se

restrinja

ao

confinamento, mas que possa ir e vir, usufruindo do espaço urbano.

Figura 37. Eixo de comércio e serviços na Av. Juscelino Kubitschek. Fonte: Google Maps, 2019. Acesso em 06 mai. 2019.

Figura 38. Teatro Reviver na Av. JK com a Cerro Azul. Fonte: Google Maps, 2019. Acesso em 06 mai. 2019.


P á g i n a | 65

Figura 39. Levantamento de equipamentos institucionais do entorno estudado. Fonte: Google Maps, 2019; elaborado pela autora. Acesso em 06 mai. 2019.


66 | P á g i n a

Por fim, outro fator determinante para a decisão do

O terreno pertencente à Zona Residencial 1 possui

terreno foi a localização privilegiada com relação ao

uma área total de 4.334,5m² com 76,67m de testada para

Parque do Ingá. A proximidade com esse importante

a Av. Juscelino Kubitschek, classificada como Eixo de

espaço verde dentro da malha urbana surge como um

Comércio e Serviços B (ECSB), 53,74m para a Av. São

bônus na escolha do local, possibilitando a criação de

Paulo (ECSD) e 14m para a Rua Estácio de Sá. De acordo

uma arquitetura terapêutica que usufrua dos aspectos

com a Lei Complementar n. 888 (2011) de Uso e

naturais de seu entorno como forma de contribuir no

Ocupação do Solo no Município de Maringá, para eixos

processo

de comércio e serviços são permissíveis usos cuja

terapêutico da vítima em

tratamento; e

também de proporcionar a melhoria do microclima do

atividade

desenvolvida

edifício. Além disso, o interior do terreno também possui

Classificação Nacional das Atividades – CNAE, atestando

uma boa arborização que pode ser aproveitada para a

condições

criação de jardins internos, valorizando os espaços de

segurança, à ordem e ao bem estar da vizinhança. Assim

convivência e favorecendo o contato da usuária com a

sendo,

natureza dentro do próprio Centro (figura 40).

regulamenta os usos permissíveis de acordo com a CNAE

favoráveis

conforme

o

esteja

de

relativas decreto

à n.

acordo

com

localização, 834

(2018)

a à

que

e considerando as CNAEs 8720-4/01 e 8730-1/02, é permitido o uso para Atividades de Centros de Assistência Psicossocial e Albergues Assistencialistas voltados para o Eixo de Comércio e Serviços tipo B. Assim sendo, adotando a Av. JK como testada principal, os parâmetros urbanísticos para a ocupação do solo (figura 41) são: Figura 40. Relação do sítio com o Parque do Ingá e vegetação existente no interior do terreno. Fonte: Levantamento fotográfico realizado pela autora em 29 abr. 2019.


P á g i n a | 67

Figura 41. Tabela de parâmetros de ocupação do solo. Fonte: Prefeitura do Município de Maringá (2019), elaborado pela autora.

5.2.

ANÁLISE DO TERRENO conforme indicado na figura 42, com testada de 60m

O terreno original (figura 42), conforme consta em

para a Av. JK, totalizando 3.222m² de terreno. Seguindo a

relatório fornecido pela PMM, possui duas principais

lógica de facilitar o acesso de acordo com o fluxo de

testadas de 76,67m e 53,74m voltadas para as Avenidas

trânsito e das linhas de transporte público que atendem

do cruzamento em que está situado, Avenidas JK e São

ao local, sua entrada principal se dará pela testada

Paulo, respectivamente; além de um pequeno anexo

maior, voltada para a Av. Juscelino Kubitschek. Quanto à

com testada de 14m voltada para a Rua Estácio de Sá,

hierarquia viária das vias do entorno, as avenidas JK e São

onde existe uma casa térrea ocupada que será mantida.

Paulo são classificadas como vias arteriais, apresentando

Desconsiderando a edificação residencial existente na

um fluxo intenso de veículos, principalmente nos horários

porção lateral do terreno, será considerado o recorte

de pico (figura 43).


68 | P á g i n a

Figura 42. Planta de situação do terreno. Fonte: Google Maps (2019), elaborado pela autora. Acesso em 06 mai. 2019.


P á g i n a | 69

Figura 43. Levantamento de hierarquia viária do entorno. Fonte: Google Maps (2019), elaborado pela autora. Acesso em 06 mai. 2019.


70 | P á g i n a

O sítio possui um desnível suave, com altitude de 528m no vértice mais próximo da esquina da Av. JK com a Rua Estácio de Sá; decrescendo em direção ao Parque do Ingá, chegando a 525,2m nos vértices da aresta voltada para a Av. São Paulo. Assim sendo, o declive de 2,8 metros distribui-se de forma suave ao longo da extensão do terreno (figura 44).

Figura 44. Perfil topográfico do terreno. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.

Quanto à análise de insolação, pode-se dizer que

de verão, sendo assim uma boa fachada para os

as fachadas voltadas para as Avenidas São Paulo e JK

dormitórios, pois tem-se a incidência do sol na manhã

são as mais favoráveis. A fachada Nordeste, voltada para

principalmente

o Parque do Ingá, recebe incidência solar pela manhã

privilegiada. Já a fachada Sudeste, fachada principal

durante o ano todo, sendo das 6h45 às 14h15 no solstício

voltada para a Av. JK, recebe pouca incidência solar

de inverno e do nascer do sol até o meio dia no solstício

durante o inverno, sendo das 6h45 às 8h15, entretanto

durante

o

inverno,

além

da

vista


P á g i n a | 71

recebe a luz solar desde o nascer do sol até o meio dia

dia até às 18h45; sendo uma boa fachada para

durante o verão. As fachadas Noroeste e Sudoeste são as

posicionar a lavanderia e área de estendal. Por fim, a

mais prejudicadas pela incidência solar, devido ao efeito

fachada Sudoeste também é afetada pelo sol da tarde,

da radiação solar ser mais intenso no período da tarde,

recebendo incidência solar das 14h15 até as 17h15

causando uma elevação nas temperaturas. A fachada

durante o inverno e do meio dia às 18h45 durante o

dos fundos (Noroeste) recebe luz solar por todo o dia no

verão. Sendo assim, faz-se necessário o uso de proteções

solstício de inverno, desde as 8h15 até às 17h15; enquanto

solares nestas fachadas a fim de amenizar a incidência

durante o verão a incidência solar se dá a partir do meio

solar

intensa

durante

esses

períodos

(figura

45).


72 | P á g i n a

Figura 45. Estudo de incidência solar. Fonte: Google Earth, 2019; elaborado pela autora. Acesso em 06 mai. 2019.


P á g i n a | 73

5.3.

ANÁLISE DE PARÂMETROS AMBIENTAIS

A cidade de Maringá está localizada no norte do Paraná, na latitude -23° 25’31”, longitude-51° 56’19” e

A fim de compreender o clima da região e,

altitude 596m. Segundo a classificação de Koepen, a

consequentemente, conhecer quais as estratégias de

cidade possui um clima tipo Cfa, subtropical úmido de

projeto devem ser adequadas para o alcance do

altitude, com verões quentes e geadas pouco frequentes,

conforto térmico interno dos usuários, foi realizada uma

concentração das chuvas nos meses de verão e sem

análise climática do local de implantação. Diversas

estação de seca definida, assim como um alto nível de

ferramentas para a realização dessa análise estão

radiação solar durante o ano todo. Os ventos de Maringá

disponíveis de forma gratuita para os projetistas. Entre elas

apresentam direção predominante entre leste e nordeste

podemos citar: as recomendações da NBR 15220 (ABNT,

com

2003); os softwares climate consultant e epview (ambos

predominância de 2,0m/s (PROJETEEE, 2018).

velocidades

entre

0

e

4m/s,

com

maior

realizam tal análise com base nos arquivos climáticos epw12) e a plataforma digital do Projeteee13.

De acordo com a NBR 15220, Maringá está inserida na zona bioclimática 3 (figura 46), indicando que as

12

EPW (EnergyPlus Weather File) – elaborados pelo Prof. Maurício Roriz. O Projeteee – Projetando Edificações Energeticamente Eficientes é a primeira plataforma nacional que agrupa soluções para um projeto de edifício eficiente, com intuito de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelo PROCEL/Eletrobrás e a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. O Projeteee é uma ferramenta pública com uma interface de fácil uso e possui mensalmente cerca de 20 mil acessos. Além de servir como suporte didático a alunos dos cursos de Arquitetura, a plataforma possibilita que os profissionais da construção civil integrem a seus projetos a variável da eficiência energética especialmente através de elementos bioclimáticos, garantindo, além da redução da demanda energética, o conforto dos usuários no interior das edificações. O Projeteee apresenta dados de caracterização climática de mais de 400 cidades brasileiras, com indicação das estratégias de projeto mais apropriadas a cada região e detalhamentos da aplicação prática destas 13

principais estratégias para o alcance do conforto térmico no inverno são: aquecimento solar da edificação; paredes internas pesadas e permitir a insolação dos ambientes. Já para o verão recomenda-se a ventilação natural cruzada (ABNT, 2003).

estratégias. O acesso a http://projeteee.mma.gov.br/

essa

plataforma

acontece

pelo

endereço:


74 | P á g i n a

Figura 46. Zonas bioclimáticas no Brasil. Fonte: NBR 15220, 2003.

Segundo a plataforma Projeteee (2018), o clima de Maringá proporciona 41% das horas do ano de conforto térmico, sendo que do restante 29% do ano está em desconforto por frio e 30% do ano em desconforto por calor, demonstrando um clima temperado e em equilíbrio entre verão e inverno. Diante disso, as estratégias bioclimáticas recomendadas são: inércia térmica para aquecimento, ventilação natural e sombreamento das aberturas.

O

aquecimento

solar

passivo

apenas 4% de aplicabilidade ao longo do ano.

apresenta

Figura 47. Carta bioclimática de Maringá. Fonte: Software climate consultant, 2019.

Por fim, utilizando os arquivos Epw no software climate consultant, tem-se a carta bioclimática a seguir (figura 47), indicando quais as estratégias bioclimáticas são recomendadas para a cidade de Maringá e sua porcentagem de uso. De acordo com esse método, as principais estratégias para alcance do conforto térmico para a cidade de Maringá são: 31,9% resfriamento pela ventilação natural; 26,7% de uso de protetores solares nas aberturas e 19,6% de ganhos internos de calor.


P á g i n a | 75

Diante dessas análises, conclui-se que para o clima

existentes da rede de enfrentamento à violência em

de Maringá devemos adotar soluções projetuais flexíveis,

Maringá e as entrevistas realizadas com funcionários dos

de forma a atender o conforto térmico no verão e no

mesmos, além das análises dos referenciais projetuais, foi

inverno. Para o verão recomenda-se localizar as aberturas

elaborado um programa que contemple as necessidades

de forma a permitir a ventilação natural dos ambientes

do

internos

o

incorporadas as novas necessidades para atender e

sombreamento das aberturas no verão, em orientações

abrigar as mulheres vitimizadas. Foi também considerada

solares críticas. No entanto, as aberturas devem ser

a Norma Técnica de Uniformização para Centros de

flexíveis de modo a possibilitarem no inverno apenas a

Referência de Atendimento à Mulher em Situação de

renovação do ar dos espaços internos por questões de

Violência (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2006), visando

salubridade. Além disso, o cálculo dos dispositivos de

cumprir os requisitos mínimos exigidos para tais espaços.

e

o

uso

de

protetores

solares

para

Centro

de

Referência

existente,

bem

como

proteção deve ser realizado de forma que no inverno, cuja altura do sol é mais baixa, o sol possa entrar nos

5.4.1. ESTRATÉGIAS

DE

PROJETO

PARA

ambientes internos permitindo o aquecimento passivo

ABRIGOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

desses ambientes. Já no verão, cuja altura do sol é maior,

(WSCADV)

a radiação solar direta deve ser evitada nos ambientes internos, evitando ganhos excessivos de carga térmica.

Além

das

normas

citadas

anteriormente,

foi

considerado para a elaboração do programa o manual 5.4.

PROGRAMA DE NECESSIDADES

“Estratégias

de

Projeto

para

Abrigos

de

Violência

Doméstica” fornecido pela Washington State Coalition Partindo das condicionantes que cercam as vítimas

Against

Domestic

Violence

(WSCADV)14

através

do

de violência, bem como às visitas aos equipamentos 14

Disponível em: <http://buildingdignity.wscadv.org/>. Acesso em: 01 jun. 2019.


76 | P á g i n a

programa Building Dignity, que visa explorar estratégias

forma

de design para abrigos de emergência para vítimas de

comunidade no abrigo, sejam os familiares das

violência doméstica. É importante pontuar algumas das

vítimas,

estratégias consideradas que fundamentam a escolha do

necessariamente comprometer a segurança da

programa e, posteriormente, algumas decisões de partido

usuária.

arquitetônico:

de

introduzir

grupos

a

de

participação apoio,

etc;

da sem

Criar campos visuais em todo o edifício: Isso facilita que uma mãe supervisione seu filho,

Considerar

um

espaço

para

animais

de

mesmo não estando no mesmo espaço físico

estimação: Em uma condição tão vulnerável,

que ele. É importante considerar a criação de

deixar um animal de estimação para trás pode

linhas de visão claras e amplas entre ambientes

agravar o trauma da vítima e de seus filhos. É

internos

importante considerar um local para abrigar os

estabeleça

pets.

enquanto realiza suas tarefas diárias.

Elementos para proteger a confidencialidade:

e

externos, contato

para visual

que com

a a

mulher criança

Promover o uso de espaços exteriores durante

Muitas vezes, a abrigada sente-se mais segura

todas as estações do ano: Pátios e jardins são

quando está afastada dos olhos do público.

melhores utilizados quando fornecem sombra

Elementos de proteção visual, como brises, são

em dias de sol e proteção em dias de chuva,

uma forma de trazer privacidade para os

garantindo a apropriação do espaço em tempo

espaços internos em relação ao exterior;

integral.

Permitir níveis variados de acesso nos espaços

Lavanderia coletiva: Uma residente com filhos

comunitários: Espaços para eventos, workshops

pequenos ou famílias maiores possui demanda

e encontros ao ar livre podem ser usados como

de lavagem de roupas acima da média. É


P á g i n a | 77

importante considerar um espaço que permita a

ou

autonomia

aniversários.

da

usuária

conforme

suas

necessidades de higiene pessoal. Posicionar a

Espaços

coletivos

como

exclusivos

festas para

de

internas

lavanderia próxima aos quartos facilita que a

estimulam a convivência: Devem-se considerar

usuária supervisione as crianças durante a

quais espaços comuns são desejáveis ou não

atividade.

dentro do alojamento. É preferível que os

Biblioteca e laboratório de informática permitem

banheiros sejam individuais por apartamento;

que a usuária tenha um espaço de leitura e

entretanto,

pesquisa com relativa privacidade, além de

compartilhadas favorecem a socialização entre

possibilitar que a mesma prossiga com sua rotina

usuárias sem que sacrifiquem a privacidade de

de trabalho e auxilie seus filhos com atividades

suas unidades individuais.

escolares em áreas tranquilas. 

confraternizações,

salas

de

estar

e

cozinhas

Fornecer atividades como opção de renda e

Mobiliários flexíveis dentro de espaços comuns

reestabelecimento da autoestima: Aulas de

permitem

de

culinária e economia doméstica, ateliês de arte

pequenas mesas e assentos com possibilidade

e costura e salão-escola de beleza permitem a

de agrupamentos permitem que a usuária

fabricação de produtos comercializáveis e o

reconfigure

aprendizado

variedades

o

de

espaço

uso:

Módulos

conforme

suas

de

ofícios

que

possibilitem

a

necessidades, podendo adaptar para situações

autonomia financeira da vítima. Além disso, o

em que requer maior individualidade ou grupos

próprio salão de beleza e outros espaços

de pessoas, seja para fazer refeições em família,

destinados a aulas de dança, prática de

auxiliar os filhos em suas tarefas; grupos de apoio

exercícios físicos, ginástica, yoga, meditação e artes marciais para a autodefesa são recursos


78 | P á g i n a

de

empoderamento

e

recuperação

da

autoestima da mulher.

Público: Mulheres vítimas de violência doméstica em Maringá, acompanhadas ou não de seus(as) filhos(as). Lotação:

58

pessoas

18

mulheres

e

40

crianças/adolescentes. Considerando as estratégias pontuadas, deu-se início ao programa (figura 48), que foi dividido em sete

Atendimento: 36 novos atendimentos/mês. Tempo de estadia: média de 15 dias.

setores: Setor de Recepção, que visa direcionar a vítima em seu primeiro contato ao Centro; Setor de Assistência,

O dimensionamento da casa se deu pelo seguinte

destinado aos suportes psicológico, social e jurídico; Setor

cálculo:

de Acolhimento, visando o fornecimento de abrigo

36 novos atendimentos por mês* X ½ mês de estadia

temporário e seguro; Setor de Empoderamento, reunindo

média**, igual a 18 vagas totais.

um programa diversificado com o objetivo de recuperar e

*Dado fornecido em entrevista realizada pela autora em

fortalecer a autoestima da mulher vitimizada para reinseri-

visita ao CRAMMM no dia 26/03/19.

la na sociedade; Setor de Convívio, visando promover a

**Conforme Diretrizes Nacionais do Abrigamento (SPM/PR,

convivência e a troca de experiências entre as usuárias;

2011) para Casas de Passagem.

Setores Administrativo e de Apoio, para a acomodação dos funcionários e demais necessidades do edifício; e Áreas Externas. Por fim, foram consideradas a NBR 9050/2015 para cumprir requisitos de acessibilidade e a norma municipal LC 910/2011 para a definição de quantidades mínimas de conjuntos sanitários e vagas de estacionamento.


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Figura 48. Programa de necessidades. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


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A partir do programa de necessidades, dividiram-se os setores conforme o grau de privacidade, classificando os ambientes entre públicos, semipúblicos, privados e semiprivados.

Com

isso,

elaborou-se

um

diagrama

definindo os fluxos de passagem a serem percorridos pelos usuários que adentram o edifício, permitindo identificar

a

segmentação

necessária

para

o

funcionamento do programa e as relações de interação entre as diversas atividades propostas. O fluxograma (figura 49) resulta na disposição do programa ao redor de um pátio central que realiza a conexão dos diversos setores entre si, além de ser um importante espaço de convivência entre as usuárias.

Figura 49. Fluxograma do programa de necessidades. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


P á g i n a | 81

5.5.

PROCESSO PROJETUAL

A partir do programa de necessidades e da setorização dos espaços conforme grau de privacidade,

O projeto nasce da ideia de criar um local seguro, porém

acolhedor,

que

minimize

a

sensação

deu-se início aos estudos de implantação do projeto no

de

terreno, considerando as condicionantes topográficas,

confinamento da vítima abrigada; buscando favorecer a

ambientais, e, principalmente, o fluxograma elaborado

criação de uma identidade entre usuária e edifício

anteriormente, priorizando as questões de segurança das

através de espaços que proporcionem noções de lar e

vítimas. Ao mesmo tempo em que a segurança é

bem estar; além de estimular o empoderamento e a

necessária, buscou-se descaracterizar a sensação de

autonomia da mulher para a recuperação de seu

rigidez e vigilância sobre as usuárias. Como solução

trauma; tendo ainda a participação comunitária como

projetual, foi estabelecido um limite imaginário que divide

forma de reinserção da vítima na sociedade, quebrando

o

o isolamento causado pelo abuso.

buscando criar uma linha imaginária que segmenta as

edifício

verticalmente

entre

público

e

privado,

áreas de caráter mais coletivo dos espaços mais individuais através da diferença de nível (fig. 50).

Figura 50. Esquema de setorização vertical. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


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A volumetria foi trabalhada a partir do conceito de edifício como “pedra esculpida”: um bloco inicialmente maciço cujo interior é escavado para a criação de pátios e fachadas envidraçadas voltadas para os jardins; em contraponto a um exterior mais rígido e fechado por empenas cegas e uma pele de brises metálicos que recobre todo o conjunto, garantindo a privacidade das usuárias e dando a sensação de unidade do bloco quando visto de fora (figura 51).

retangulares

com

48m

de conforto ambiental, visando voltar os dormitórios e salas de aula para a direção Nordeste que possui a orientação solar mais favorável, recebendo o sol da manhã e os ventos predominantes; além de fazer proveito da vista para o Parque do Ingá. Sendo assim, as salas administrativas e de assistência ficaram voltadas para a face de menor interesse à Sudoeste, que faz divisa com o terreno vizinho e possui orientação solar mais crítica. Para amenizar o sol da tarde que incide sobre os

O resultado desse processo é a criação de dois blocos

posicionamento dos volumes no terreno partiu da análise

de

comprimento

e

ambientes, fez-se necessário prever a instalação de brises nessa fachada.

dimensões transversais variáveis: um mais estreito, com 9,6m

de

largura,

para

abrigar

as

atividades

de

O sistema estrutural

administração e assistência; e outro com 27,6m, para o

nervuradas

Alojamento e Setor de Empoderamento (salas de aula e

Utilizaram-se cubetas de 60 centímetros de abas iguais,

oficinas); ambos com modulação de oito metros no eixo

sendo todas as dimensões de vãos valores múltiplos do

longitudinal. Implantou-se cada um em uma extremidade

módulo de cubeta.

do terreno, conformando um pátio de 18m entre blocos; além de um subsolo com estacionamento (figura 52). O

em

concreto,

adotado foi o de lajes permitindo maiores

vãos.


Figura 51. Esquema de concepção do partido arquitetônico. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


84 | P á g i n a

Figura 52. Esquema de implantação do partido arquitetônico. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


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A primeira ideia para o bloco de acolhimento

escavar o miolo desse bloco maciço, criando um pátio

partia da concepção de um volume maciço visando

secundário aberto e com iluminação zenital abundante,

posicionar os quartos ao centro; onde as extremidades do

possibilitando o uso de aberturas opostas nos dormitórios

bloco

circulações-varanda

a fim de proporcionar a ventilação cruzada; além de

destinadas aos espaços de uso comum das usuárias.

criar um espaço de praça secundário para a realização

Entretanto, essa disposição tornava inviável a abertura de

de atividades externas. Desta forma, os dormitórios foram

esquadrias

posicionados linearmente nas extremidades do bloco,

conformariam

descartando

em a

ambas

grandes

as

possibilidade

faces de

dos

dormitórios,

promover

uma

ventilação cruzada, além de requerer aberturas zenitais para a entrada de luz natural. Sendo assim, optou-se por

voltados ou para o pátio central ou para o parque (Figura 53).


86 | P á g i n a

Figura 53. Plantas e cortes esquemáticos do processo de concepção do projeto. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


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Nos dormitórios voltados para a rua, posicionados

conexão entre o setor de assistência e o de acolhimento

de forma a permitir o aproveitamento da vista para o

no segundo pavimento; e verticalmente, por meio da

Parque do Ingá, foram utilizados fechamentos em brises

rampa que se apoia nesta passarela, projetada dentro da

verticais

a

inclinação permitida pela NBR 9050 e de forma a

da

obedecer às distâncias máximas de caminhamento

paisagem verde ao mesmo tempo em que é possível

previstas na NPT 011. Dessa forma, a circulação vertical

controlar o nível de exposição do interior do edifício para

garante a acessibilidade universal do edifício, além de

quem o enxerga do lado de fora. Isso resulta em uma

promover um passeio pelo complexo.

móveis

permeabilidade

como visual

estratégia para

a

de

possibilitar

contemplação

fachada dinâmica, podendo ser regulada pelas usuárias conforme o nível de privacidade desejado. Essa mesma solução foi aplicada na fachada Sudoeste, na busca de criar uma mesma linguagem entre fachadas opostas ao mesmo tempo em que cumpre o papel de proteção solar necessário nessa face do edifício. Além disso, foram utilizados também brises fixos nas

Os espaços de convivência, tais como: cozinha, refeitório, lavanderia, espaço infantil e área de estar foram posicionados de forma que garantissem uma visão total do edifício, como forma de assegurar que mães possam realizar o controle dos filhos enquanto exercem suas atividades através de esquadrias abundantes e fechamentos envidraçados voltados para os pátios.

fachadas adjacentes como solução meramente estética, criando uma pele metálica que dá a sensação de unidade do edifício como um todo.

Nesses

espaços,

buscou-se

trabalhar

com

mobiliários flexíveis (Figuras 54, 55 e 56) que permitem a remodelação do layout, o que permite criar usos variados

A conexão entre os dois blocos é realizada de duas

nos ambientes para atender as diversas necessidades das

formas: horizontalmente, por meio de uma grande

usuárias durante o período em que estão acolhidas. Além

passarela acima do bloco de recepção, fazendo a

disso,

foram

utilizados

painéis

tipo

pegboard

com


88 | P á g i n a

pequenos mobiliários encaixáveis e camas com roldanas nas suítes, o que permite um fácil rearranjo do layout. Possibilitar a personalização do espaço favorece a criação da noção de lar para as vítimas que estão Figura 55. Exemplo de mobiliário flexível: Sofá Campo / ,OVO.

abrigadas temporariamente.

Fonte: ,OVO16, 2020.

Figura 54. Exemplo de mobiliário flexível: Mesa Octavo / IMAKE Studio. Fonte: ArchDaily15, 2016.

Figura 56. Exemplo de mobiliário flexível, Lina Bo Bardi. Fonte: ArchDaily17, 2016. 15

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-133716/mesa-octavoslash-imake-studio>. Acesso em: 09. jan. 2020.

16

Disponível em: <http://ovo.art.br/especificacoes.php?n=58-campo>. Acesso em: 09. jan. 2020.


P á g i n a | 89

Além disso, também foi pensado o conceito de

voltadas para a direção Nordeste, recebendo os ventos

mobiliário flexível no uso de peças versáteis para a

predominantes. Além dos sheds, as janelas e aberturas

realização de pequenas feiras itinerantes, principalmente

dos

aos domingos, fazendo proveito do grande fluxo de

predominantemente

pessoas que passeia pelas vias interditadas para veículos

Sudoeste, com esquadrias maiores nas extremidades e

em torno do Parque do Ingá. Essas feiras dão a opção de

janelas em fita nos corredores para garantir a ventilação

comercializar

cruzada, melhorando o conforto térmico nos espaços.

os

produtos

resultantes

das

oficinas

oferecidas às usuárias, tais como: peças de artesanato, guloseimas, acessórios de vestuário, etc; estimulando a independência financeira das vítimas e arrecadando recursos para as mesmas.

ambientes

também nas

foram

fachadas

posicionadas a

Nordeste

e

Por fim, o uso das cores para destacar elementos arquitetônicos como as circulações verticais, tanto na rampa quanto na escada metálica e elevador, bem como

nas

esquadrias,

bloco

de

sanitários

e

na

A cobertura metálica sobre o pátio principal é

comunicação visual dos ambientes auxilia na legibilidade

inserida como forma de garantir a apropriação dos

do programa e cria uma identidade para o projeto. Além

espaços abertos ao longo de todo o ano, protegendo as

disso, também foram aproveitados espaços de muro para

usuárias contra intempéries. A escolha dos sheds como

a aplicação de painéis artísticos e murais que, aliados ao

estratégia projetual surge da proposta de criar uma

uso de cores vivas, concebem espaços mais alegres que

cobertura visualmente leve que ao mesmo tempo

favorecem estímulos positivos às usuárias do edifício.

permita

a

abundância

de

luz

natural,

além

de

proporcionar a ventilação do pátio com suas aberturas

17

Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/791232/exposicao-o-impassedo-design-mobiliario-de-lina-bo-bardi-1959-1992>. Acesso em: 09. jan. 2020.


Fachada frontal, com acesso pela Av. Juscelino Kubitschek.


Detalhe dos brises móveis, utilizados nas fachadas laterais.


Pátio principal, coberto pelos sheds metálicos.


Pátio secundário.


Refeitório (térreo).


Copa e refeitório (segundo pavimento).


Área de estar do setor de acolhimento (segundo pavimento).


Suíte familiar, com vista para o Parque do Ingá.


Esquema de arranjo do mobiliário flexível para personalização das suítes familiares.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção de projetos arquitetônicos para o acolhimento de vítimas de traumas, fragilizadas pela situação a qual foram submetidas, deve priorizar a busca por soluções que visem, acima de tudo, o bem estar dos/as usuários/as, através da criação de espaços acolhedores que favoreçam a minimização do sofrimento da vítima e o seu reestabelecimento físico, psicológico e social. Dessa forma, a arquitetura torna-se uma aliada direta no auxílio do tratamento, quando pensada para atender as necessidades e anseios de seu público-alvo.


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