A Bela e a Fera - Amy J. Fetzer

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A BELA E A FERA Amy J. Fetzer

Título original: Taming The Beast (2001)

Resumo: ELA SE APAIXONOU POR UM HOMEM CUJO ROSTO NÃO SE PODIA VER... Convocada como aia para servir ao rei, Laura Cambridge foi contratada para trabalhar como babá da filha de Richard Blackthorne. Os rumores sobre aquele homem que vivia em reclusão não assustaram Laura... Sua experiência como vencedora de concursos de beleza ensinara-lhe que o verdadeiro valor de uma pessoa não estava na aparência exterior. Mas o coração de Richard estava tão despedaçado quanto seu rosto... Para Richard, a linda e doce Laura era uma tentação e uma tortura, e ela não tinha medo dele... Ao contrário, insistia para que ele saísse de seu esconderijo e vivesse uma vida normal. E Richard sabia que estava apaixonado... tanto quanto Laura acreditava estar. Mas o que aconteceria... quando ela visse seu rosto?


CAPÍTULO I

L

aura Cambridge ergueu o olhar para o castelo de pedras cin-

zentas e imaginou o que encontraria lá dentro. O príncipe encantado ou o dragão? O dragão provavelmente, imaginou, se fossem verdadeiros os boatos que ouvira do pessoal da cidade, na viagem de balsa até a linda ilha. Será que Richard Blackthorne sabia como era temido?, pensou, observando as pedras enormes e as janelas em arco, enquanto o táxi entrava no caminho que conduzia à entrada. A enorme estrutura tinha até ameias, além da torre principal. Laura via apenas solidão por toda parte. — Senhora... — disse o motorista, ao parar em frente da casa enorme. — Tem certeza de que é este o lugar aonde quer ir? Por que todos na ilha perguntavam a mesma coisa, como se estivesse indo para a forca? Blackthorne era apenas um homem, nada mais. — Sim, tenho certeza, sr. Pinkney — respondeu, sem olhar para o motorista de meia-idade. — O sr. Blackthorne não é um tipo simpático, como deve saber. — Não é de admirar, já que todos agem como se ele fosse capaz de morder, não acha? — Dessa vez ela fitou-o diretamente, erguendo uma sobrancelha. O homem corou e então olhou novamente para a casa. — Os boatos devem ter algum fundamento — resmungou, saindo do carro para pegar a bagagem de Laura. Ela também saiu do carro e acompanhou-o, subindo os degraus da entrada. Como uma serva do rei, havia sido contratada para ajudar a filha de quatro anos de Richard Blackthorne a acostumar-se a viver ali. A morar com um homem recluso, que vivia trancado num castelo, longe de qualquer contato humano. Pelo jeito, teria um bocado de trabalho, já que, de acordo com os boatos, ninguém pusera os pés na casa, além dos entregadores, nos últimos quatro anos. Laura sentiu pena da garotinha, que acabara de perder a mãe e tinha sido afastada do pai. Laura estava ali para conhecer o local, antes de a menina chegar. O sr. Pinkney colocou as malas no chão. Ao virar-se para pagá-lo, Laura percebeu que escrevia algo num pedaço de papel. Assim que lhe entregou o dinheiro, o homem estendeu-lhe o papel. — Aqui está meu telefone. Se precisar de alguma coisa é só chamar. O gesto deixou-a comovida, mas não era necessário. — Ele não é um monstro, sr. Pinkney. — É sim. Grita com qualquer um que pisar nas terras dele, e quase fez picadinho do pobre garoto que entrega as compras da mercearia. Detesto pensar no que pode fazer com a senhora. — E quando Laura olhou-o com firmeza, o motorista olhou novamente para o castelo e suspirou. — Esta casa foi construída muitos anos atrás, por um homem 1


que a ergueu para a noiva. Ela queria viver como uma princesa, e ele procurou atender esse desejo. Trouxe cada pedra do continente, e muitas coisas vieram da Inglaterra ou da Irlanda, pelo que ouvi dizer. Ela morreu antes que a casa estivesse terminada, ou antes, que o rapaz tivesse chance de casar-se com ela. Que história triste, pensou ela, mas logo ergueu o queixo. — Está agindo como se a casa fosse assombrada, ou amaldiçoada. O sr. Pinkney não disse nada, olhando as pesadas portas duplas de madeira, como se fossem a entrada de uma caverna. Que bobagem, pensou Laura, erguendo a aldrava de bronze para bater na porta. Era a cabeça de um dragão. Bem, sr. Blackthorne, se queria manter as pessoas longe daqui, tem feito um bom trabalho. Ela bateu e esperou. Imediatamente ouviu-se uma voz, soando no interfone à direita da porta. — Entre. A voz era profunda, um tanto rouca, e sem querer, Laura estremeceu, invadida por um sentimento de apreensão. — Entende o que eu disse? — perguntou Pinkney. — Bobagem — retrucou ela com firmeza, abrindo a porta e entrando. Um pequeno abajur, colocado sobre uma linda mesa de madeira entalhada, iluminava parcialmente o saguão. Ela colocou a bolsa e a valise de mão no chão e virou-se, vendo que o sr. Pinkney empurrava apressadamente as malas para dentro e se afastava para os degraus. Mas o gesto não o impediu de dar uma boa olhada na casa, pensou Laura. Ela procurou o interruptor e logo o local ficou completamente iluminado. O homem encolheu-se e recuou ainda mais. — Me ligue, se precisar — repetiu, com o sotaque ainda mais acentuado. A atitude dele, assim como a das pessoas que encontrara na cidade, mostrando-se chocadas ao vê-la chegar, e fazendo advertências, era terrivelmente injusta e infundada, já que falavam de um homem que nem conheciam. De repente, Laura sentiu-se fortemente motivada a proteger o sr. Blackthorne. — Não será preciso, obrigada — agradeceu, fechando a porta. Suspirando, Laura virou-se, e o coração dela deu um salto, ao perceber que as luzes se apagaram e uma sombra aparecia no topo da escada de madeira entalhada. — Sr. Blackthorne? — Sim — a voz grave ressoou, chegando até ela. — Olá. Sou... — Laura Cambridge, eu sei — interrompeu ele. — Quase trinta anos, solteira, cursou a universidade, criada em Charleston, ex-miss Carolina do Sul, miss condado de Jasper, miss Festival do Camarão. Ela podia jurar que havia um tom de zombaria na voz dele. — Será que esqueci alguma coisa? Bem, então era ele o misterioso recluso, pensou, olhando para a sombra na escada. — Esqueceu de dizer: ex-funcionária do Departamento de Estado, professora da escola da embaixada, e lingüista, fluente em italiano, farsi

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e galês. — Mas sabe cozinhar? — perguntou ele, num galês impecável. — Não estaria aqui, se não soubesse. — Ela cruzou os braços e observou a figura masculina, alta e forte, delineada pela luz que vinha do abajur, e que permitia ver apenas a calça preta e os sapatos. A mão dele apoiava-se no corrimão, e um anel com sinete, de ouro, brilhava refletindo a luz. Que mãos grandes, pensou Laura, mas logo falou: — Será que tenho um site com todas as minhas informações e não estou sabendo? — O que mais saberia sobre ela? — As telecomunicações são um recurso fascinante. — É verdade. Mas não precisa dizer o número do meu sutiã, nem quando perdi os pompons de chefe da torcida quando estava com Grady Benson. — Foi só isso que perdeu? — O tom grave pareceu percorrer cada centímetro da espinha de Laura, e isso a irritou profundamente. — Procure na Internet — disparou, não gostando nem um pouco de saber como ele estava informado a seu respeito. E como sabia pouco sobre ele. Não tivera chance de descobrir muita coisa. Sabia apenas que vivia recluso, depois de um acidente que o desfigurara, que havia se divorciado, e que, em poucos dias, receberia uma filha que jamais vira antes. Era estranho, muito estranho, pensou, começando a pegar as malas. — Onde vou ficar? — No segundo andar. Ela começou a andar para a escada. — Deixe as malas e me acompanhe. Laura soltou as malas, carregando a valise de mão e a bolsa ao acompanhá-lo. Ele andava vários passos à frente, mantendo-se sempre no escuro. O andar dele era firme, elegante à luz do corredor, que vinha de pequenas lâmpadas junto ao rodapé. Tudo que podia ver era o contorno dos ombros, na camisa imaculadamente branca, muito largos e fortes. Ele parou diante de uma porta e abriu-a depressa. — Aqui — disse, e continuou andando. Ela parou do lado de fora do quarto. — E o quarto da sua filha? Ele hesitou por uma fração de segundo. — Do outro lado do corredor. — Ele já estava quase no segundo lance de escadas. — Vou pedir para trazerem suas malas. — Pensei que morasse sozinho. — E moro. Tenho um caseiro, que mora num chalé, nos fundos do terreno, e uma empregada, que vem às segundas-feiras. — Não acha que precisamos conversar sobre a chegada da sua filha? — gritou Laura, já que ele não parara de andar. — Ela chegará dentro de dois dias. Encontre-a na balsa. — Ele subia cada degrau num passo deliberadamente lento. Laura imaginou se sentiria dores. — Não virá comigo? — Foi para isso que a contratei, srta. Cambridge. — Mas não pode apenas me entregar sua filha sem...

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Uma porta bateu com Força no topo da escada. Ele voltara ao refúgio nas sombras. — Muito bem — disse ela, aproximando-se da escada e olhando para cima. Tudo que podia ver era um corredor e uma grande porta de madeira polida, com uma maçaneta de bronze. Como ele podia ser tão indiferente? Kelly era quase um bebê, com apenas quatro anos. E será que ele estava mesmo tão desfigurado? Ou seria apenas vaidoso, e não queria vir para a luz? Apesar de tudo, era com Kelly que estava preocupada e, endireitando os ombros, subiu a escada e bateu na porta. — Acho que precisamos ter uma conversa, sr. Blackthorne. Agora. Nenhuma resposta. — Posso ser muito persistente quando tenho um objetivo, o senhor já sabe. — Vá embora, srta. Cambridge. Avisarei quando precisar, e se precisar, da senhorita. — É claro, meu senhor, como fui tola em pensar que realmente se importa com sua filha — disse, num tom seco, e virou-se para ir embora. Teimoso, rude, dominador. O pai dela teria acertado um soco nos dentes dele só por tratar uma mulher daquele jeito. Laura entrou no quarto e parou, sem fôlego. Pelo jeito o dragão tinha muito bom gosto. A decoração era luxuosa, o tapete, as cortinas, os quadros, tudo combinava, criando uma atmosfera relaxante e sensual. Uma enorme cama com quatro colunas ficava num dos cantos, coberta por uma colcha e almofadas, nos mesmos tons de vinho, cinza e branco que decoravam o aposento. Havia uma escrivaninha no estilo Rainha Anne com um computador colocada perto da parede, e algumas poltronas bem femininas posicionadas perto da lareira. Perto das três janelas enormes havia um banco forrado, coberto com almofadas bordadas em ponto cruz, o que o tornava ainda mais convidativo. A esquerda ficava o closet, tão grande que jamais conseguiria enchê-lo. Mas bem que gostaria de tentar, pensou Laura, observando o banheiro moderno, com a maior banheira que já vira. Deixando a bolsa e a valise sobre a cama, atravessou o corredor e entrou no quarto de Kelly. Sem palavras, parou na porta. Pelo jeito, dinheiro não era problema para o sr. Blackthorne. O quarto parecia um sonho, em tons de verde e rosa, com uma casa de bonecas antiga, muitos brinquedos e uma cama colocada num dos cantos. O dossel tinha cortinas de cetim, que desciam enfeitando a cabeceira trabalhada. A história da “Princesa e a Ervilha” surgiu-lhe na mente, já que a garotinha teria de usar o banco para subir na cama alta. Ele pensara em tudo, reconheceu Laura, vendo os armários e gavetas cheios de roupas de tamanhos diferentes. Ele não sabia mesmo nada sobre a filha, percebeu ela, voltando para o quarto, abrindo a valise e pegando o arquivo que Katherine Davenport, dona da Wife Incorporated, lhe entregara dois dias atrás. O rosto da garotinha de cabelos escuros aparecia na foto, revelando o sorriso doce e os olhos muito azuis. Atirando a foto de lado com um suspiro, foi até o banco junto à janela, afastando as cortinas ao sentar-se. Dali podia ver o continente e as outras ilhas da costa da Carolina do Sul. O vento de outubro varria a praia, balançando os galhos dos

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enormes carvalhos que cercavam a costa. As ondas rugiam contra o cais, escurecendo a areia. O céu estava carregado, escuro, quase encoberto pela neblina densa. Um dia perfeito para encolher-se no sofá, ler um livro e sonhar. Com o que sonharia uma garotinha? Especialmente uma que tivesse perdido a mãe e estivesse chegando a uma ilha isolada para encontrar o pai, que nem sequer conhecia. Ela sonharia com um príncipe para mantê-la segura, pensou Laura. Não com um dragão que soltava fogo na direção de qualquer um que tentasse se aproximar de sua caverna. Richard apoiou as costas na porta e fechou os olhos, a imagem de Laura presa em sua mente, recusando-se a deixá-lo em paz. Era a criatura mais linda que já vira. O tipo de mulher que fazia as cabeças virarem, os homens tropeçarem e as mulheres morrerem de inveja. E só de fitar os lindos olhos verde jade, cada cicatriz parecia doer como se fosse recente. Era como colocar um doce apetitoso na frente de um homem que morria de fome. Oferecer-lhe a iguaria, da qual nunca poderia sentir o gosto. Mal podia tolerar a presença dela ali, em seu lar, seu santuário. Só saber que estava ali era o suficiente para deixá-lo louco, e queria estrangular Katherine Davenport por ter lhe mandado uma mulher tão linda. Será que Kat não percebia que não estivera perto de uma mulher desde o acidente? E até aquela manhã não tivera sequer uma referência, além da palavra de Katherine, garantindo que encontrara alguém muito qualificado. Não tivera tempo de pesquisar o passado dela, e embora tivesse encontrado apenas parte dele, não havia fotos, embora tivesse imaginado como era, já que vencera tantos concursos de beleza. Ainda assim, era como se não desejasse mostrar o lindo rosto. Ele tinha uma boa razão para não mostrar o rosto. Mas qual seria a dela? Aos trinta anos, continuava linda. Que droga! Ele fora muito claro ao pedir uma governanta para cuidar de Kelly. Pedira uma mulher mais velha, forte e saudável o suficiente para cuidar de uma garota de quatro anos, e que compreendesse que a responsabilidade de Kelly seria dela. Não podia deixar que Kelly o visse. Nunca. A criança fugiria dele, e Richard sabia que não poderia suportar isso. Não outra vez. As pessoas fugiam dele por causa das cicatrizes que o desfiguravam. Não pretendia assustar uma criança. Kelly. Richard cerrou os punhos. Uma criança cuja existência ele ignorara até algumas semanas atrás, quando a ex-mulher morrera. Parecia que ele era a única pessoa no mundo que podia cuidar da menina. Mais uma vez, amaldiçoou Andréa por não ter lhe dito que carregava um filho ao deixá-lo. Só Deus sabia como precisara disso, quatro anos antes. Algo para fazê-lo suportar as inúmeras cirurgias, a difícil recuperação e a dura realidade de que nada poderia ser feito para recuperar o corpo desfigurado. Afastando-se da porta, Richard pegou o telefone e discou um número, mal contendo a raiva. — Wife Incorporated. Katherine Davenport. — Que droga, Kat, ela é linda! — De tirar o fôlego, acrescentou

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mentalmente, lembrando-se de cada curva do corpo perfeito, coberto pelo conjunto branco. — Então saiu da sua toca por tempo suficiente para observá-la? — Por que fez isso? Richard ouviu-a suspirar. — Laura é uma das pessoas mais bondosas que conheço. E não fiz isso por você, meu bem. Foi por Kelly. Laura adora crianças, e já trabalhou com elas antes. Tem todas as qualificações que você queria. É culta, mas não a ponto de não conseguir se comunicar com uma criança. Além disso, é divertida e criativa. Dê-lhe uma chance. — Não tenho escolha. Kelly chega dentro de dois dias. — Vai dar certo, Richard. — Encontre outra pessoa, imediatamente. Eu não a quero aqui. Houve uma pausa do outro lado, e ao falar, a voz de Katherine soou fria e brusca: — Andréa devia ter lhe contado sobre Kelly, eu concordo, e se não tivesse jurado que não o faria, eu mesma teria dito. Mas quando ela disse que o deixara porque tinha se tornado frio e mesquinho, não pude acreditar. Agora, vejo que estava certa. Richard sentiu como se ela o tivesse esbofeteado. — Andréa me abandonou porque não pôde suportar as conseqüências do acidente. Queria que eu fosse o mesmo de antes e que agisse como antes. Isso nunca vai acontecer. — Ele respirou fundo, antes de prosseguir: — Encontre outra pessoa. — E sem despedir-se, desligou. Só ao largar o fone percebeu como o segurara com força. Deixando-se cair na poltrona de couro, atrás da escrivaninha, virou-a para a janela. O sol lutava para sair de trás das nuvens, refletindo-se no riacho, enquanto Richard lutava para afastar as memórias dolorosas do acidente. A dor cortante, a reação de horror de Andréa quando tiraram as bandagens, a repugnância que não conseguira disfarçar. Sempre imaginara que ela estaria a seu lado, em qualquer situação, e ficara chocado ao vê-la partir. Devia ter imaginado que ela faria isso, quando se recusara a dividir a cama com ele, e até mesmo a tocá-lo depois do acidente. Ele podia ver a repulsa, cada vez que estendia a mão para ela. A noite anterior ao acidente tinha sido a última vez que sentira prazer e ternura com uma mulher. E agora a mulher que fora eleita a mais bonita do estado estava morando em sua casa. Não fazia diferença que isso tivesse ocorrido dez anos antes. Ela ainda era capaz de parar o trânsito com sua beleza. A batida foi tão suave que ele mal ouviu. — Sr. Blackthorne. O som daquela voz doce e delicada tocou-o profundamente. E ele quase a odiou por isso. — Eu já disse que a chamaria se... — Pelo que me lembro, fui contratada para tomar conta da sua filha, não do senhor. Portanto, pode chamar o quanto quiser, meu senhor, e... — Pago o seu salário. — Sua mãe não lhe ensinou que é falta de educação interromper

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uma senhora? — E você não aprendeu diplomacia, ao trabalhar no Departamento de Estado? — Sim. Mas este não é um território estrangeiro, nem você pode pedir imunidade diplomática. Lutando contra a vontade de sorrir, Richard apoiou a cabeça na poltrona de couro. — O que você quer? — Ah, chegamos ao estágio das negociações — zombou Laura. — Agora, a menos que a montanha de alimentos na geladeira e no freezer seja a sua noção de uma dieta balanceada, preciso planejar o cardápio. — Muito bem. Pode pedir o que quiser. Laura suspirou. Que homem difícil. Ela sacudiu a bandeja, fazendo a linda porcelana tilintar. — Ouviu? São pratos. Com comida — completou. — Deixe na porta. Ela piscou. — O quê? — Tenho certeza de que ouviu, srta. Cambridge. A porta não é tão grossa. — Que teimoso — resmungou Laura. — Deixe no chão e vá embora. Laura colocou a bandeja junto à porta, e ao olhar para a madeira decidiu que o faria sair dali, de qualquer modo. — Pelo jeito, vamos ter muitos problemas, sr. Blackthorne. — Só se quebrar as regras. — E quais são? — Receberá ordens através de e-mails em seu computador. — Meu Deus, que impessoal! — É o único modo possível — disse ele, baixinho, ouvindo os passos dela afastando-se na escada. Richard esfregou a testa, a ponta dos dedos tocando as cicatrizes, e praguejou, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro. Cerrando os dentes, imaginou como iria sobreviver com aquela mulher linda andando pela casa.

CAPÍTULO II

D

evia ter telefonado pedindo as compras, pensou Laura, en-

chendo o carrinho e tentando ignorar as pessoas que a observavam, os jovens, muito mais jovens do que os que pensaria em namorar, fitandoa intensamente. Ela sorriu docemente, um típico sorriso de passarela, admitiu, rindo baixinho. Alguns homens eram pescadores, e ainda usavam as botas de borracha da pescaria. Checando a lista, Laura dirigiu-se ao caixa. Vai começar, pensou, vendo que as pessoas aproximavam-se de onde estava, como felinos. 7


Um adolescente que varria o chão chegou mais perto. A vendedora parecia não ter pressa, fitando-a demoradamente, apesar da fila. Os clientes não tiravam os olhos dela. Não era de admirar que Blackthorne não saísse de casa. O que teria acontecido com a hospitalidade do sul? — Você é nova aqui? — perguntou a vendedora, uma loira que usava argolas enormes nas orelhas e mastigava chiclete. — Sim. É uma linda ilha — disse Laura. Era melhor deixá-los orgulhosos da terra onde viviam. — Está no castelo, não é? — Sou a babá que o sr. Blackthorne contratou. — Babá?! — exclamaram várias pessoas ao mesmo tempo. Laura olhou ao redor, fitando um a um, todos que estavam próximos. — O sr. Blackthorne está esperando a filha chegar, e estou aqui para cuidar dela. — Pobre criança — disse uma velha senhora, num tom sombrio. — Por quê? — perguntou Laura, embora soubesse a resposta. — Imagine ter um homem tão horrível como pai. — Conhece o sr. Blackthorne? — perguntou Laura. — Não exatamente. Esperando que sua expressão fosse da mais pura inocência, indagou: — Então, como pode saber como ele é? — Ele nunca sai daquele lugar — disse a vendedora. — Não mostra o rosto há quatro anos. Nem mesmo Dewey, que mora lá, conseguiu vê-lo de perto. Dewey, Laura imaginou, devia ser o caseiro, que ainda não conhecera. — Ele está desfigurado — gaguejou o jovem que embalava suas compras. — Se nunca o viu, como pode saber disso? O garoto deu de ombros, como se fosse de conhecimento geral. Embora ninguém tivesse visto Blackthorne. — Não acho que a aparência seja importante — respondeu ela, tentando controlar-se, e detestando que as pessoas dessem tanta importância às aparências. Ela sabia, por experiência própria, como isso era injusto e preconceituoso, embora por motivos opostos. As mulheres recusavam-se a ser suas amigas, acreditando que se imaginava melhor do que elas. Os homens quase pisoteavam uns nos outros para aproximar-se, todos tentando levá-la para a cama, ou convidá-la para um acontecimento social, onde pudessem exibi-la como um troféu. Ninguém, nem mesmo o ex-noivo, conseguira ver além do rosto lindo que Deus lhe dera. E, aparentemente, ninguém queria ver além das cicatrizes de Blackthorne. Tudo isso fazia Laura sentir um estranho impulso de defender um homem que nem conhecia. Era difícil manter o controle diante de tantos preconceitos. — Coloque na conta dele, e mande entregar por volta das três — pediu, saindo depressa e sentindo que todos os olhares a acompanha-

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vam.

Em vez de pegar um táxi para casa, resolveu acalmar-se, caminhando pela pitoresca cidadezinha. Mas as lembranças continuavam a atormentá-la. A mãe, arrastando-a para comerciais de tevê, desde bem pequena, os concursos, tudo que sempre detestara. E quando crescera, escolhia participar apenas dos que lhe interessavam, porque queria ir para a faculdade, e precisava do dinheiro. Olhando em volta, viu as vitrines das pequenas lojas, os bancos de madeira espalhados por vários locais, turistas e moradores passeando e fazendo compras. Dois homens mais velhos sentavam-se junto ao cais, trocando histórias de pescaria. Laura sorriu, lembrando-se do avô, sentado na cadeira de balanço da varanda, esculpindo pequenos animais de madeira para que ela e os irmãos brincassem. Aliás, eram os únicos brinquedos que tinham. Uma vida simples, mas cheia de amor, pensou, com saudade do avô. Ela respirou fundo, saboreando a brisa fria que vinha do mar. Como o sol estava alto ainda fazia calor, mas logo chegaria à estação dos furacões, com chuva, umidade e frio intenso. Cruzando os braços para proteger-se, andou mais depressa para a pequena estrada que levava ao castelo. Em poucos minutos entrava no calor acolhedor da casa. Depois de preparar café, esfregou os braços gelados, e ouviu um ruído vindo de fora. Franzindo a testa, foi até a porta de trás e afastou as cortinas que cobriam a pequena janela. Todos os seus impulsos femininos tornaram-se vivos e intensos, ao ver as costas nuas do homem que cortava lenha. Os músculos poderosos moviam-se numa dança da qual não conseguia afastar os olhos. Blackthorne. Como era bonito, usando apenas jeans e botas! De onde estava, podia ver apenas o perfil do rosto, com certeza o lado sem cicatrizes, já que os traços eram aristocráticos e bem-feitos. Os cabelos escuros flutuavam ao vento, cobrindo totalmente a nuca. Os braços eram fortes, musculosos, e ao erguer o machado para cortar mais uma tora, Laura pôde ver como eram poderosos, já que a madeira partiu-se em um golpe. Ele deu mais alguns golpes e depois parou, apoiado no cabo do machado. Quando começou a falar, Laura percebeu que não estava sozinho e foi até a janela. Outro homem, mais velho, sentava-se num banco e brincava com um canivete. Era Dewey Halette, e aparentemente era bem mais do que um caseiro. Era amigo de Blackthorne. Talvez seu único amigo. Dewey conversava animadamente, o rosto moreno e enrugado meio coberto pelo boné. A camiseta escura ajustava-se ao tórax esguio, e o jeans estava tão gasto nos joelhos que a cor desbotara. Ela observava os dois homens, e como se Blackthorne soubesse que estava ali, continuava de costas. Ainda assim, pôde ver cicatrizes longas e finas descendo pelas costelas, como se tivessem sido feitas por adagas afiadas. Devia ter sido muito doloroso, e mais uma vez, imaginou como teria sido o acidente. De repente, ele inclinou a cabeça para trás e riu. O som, carregado pelo vento, chegou até Laura, que estremeceu, sentindo um estranho calor percorrê-la. Pelo menos ele não tinha perdido a ca-

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pacidade de desfrutar de pequenos prazeres, como conversar e rir com um amigo, pensou, desejando juntar-se a eles. Mas, se quisesse que o visse, já teria aparecido. Ele disse algo que fez Dewey corar. Logo se levantava, sorria para Blackthorne e colocava mais toras aos pés dele. Blackthorne continuou a trabalhar, cortando tora por tora, enquanto Dewey empilhava os pedaços. Então, o caseiro parou, olhando diretamente para ela. Laura sustentou o olhar. Blackthorne largou o machado e pegou o casaco com capuz. Saindo para a varanda, Laura gritou: — Desculpe-me. Não tive a intenção de me intrometer. — Mas fez exatamente isso — disse Blackthorne, vestindo o casaco de costas para ela. — Desculpe-me. Vou para outro lugar. Richard suspirou, desejando virar e fitá-la nos olhos. — Não quero que sinta que precisa afastar-se de onde estou. — Mas é exatamente o que quer. Preferia que eu não estivesse aqui, não é mesmo? — Ela viu que os ombros dele enrijeciam. — O mínimo que podemos fazer é ser honestos um com o outro. Richard apertou os lábios, suspirando mais uma vez. — É verdade. Mas posso garantir que não me importo de não ter mais a casa só para mim. — Não precisa se esconder. — Eu não me escondo. Escolhi este estilo de vida, srta. Cambridge, e nos últimos quatro anos aprendi que é a melhor maneira de viver. — Quer dizer, a mais fácil. — Nada é fácil para mim, senhorita. — E quanto a sua filha? Ela espera encontrar o pai. Precisa de carinho e conforto. Perdeu a mãe. O peito de Richard apertou-se ao pensar na tristeza de Kelly, e como gostaria de confortá-la. — Foi por isso que a contratei, srta. Cambridge. — E não se importa com ela? Como podia dizer a Laura que ao saber da existência da filha, poucas semanas atrás, sentira raiva da mãe de Kelly, por abandoná-lo, carregando no ventre o bebê que era deles, por não lhe dar uma chance de conhecer a criança, antes de lhe tirar tudo que tinha. O amor pela mulher desaparecera quando ela partira, abandonando-o quando ele mais precisava, condenando-o à prisão e ao isolamento. Como podia esquecer o passado? — Eu me importo. Muito. Mas mal tive tempo de me acostumar com a idéia de que sou pai. — Ele começou a andar para a garagem. — É bom se acostumar — disparou Laura, enquanto ele se afastava. — Depois de amanhã ela estará aqui, querendo vê-lo, e como poderei explicar que o pai não quer encontrá-la? — Diga a verdade — respondeu ele, sem parar de andar. — Que o pai não quer ser mais uma fonte de pesadelos para ela. A resposta deixou-a sem ação, e antes que pudesse pensar no que dizer, ele tinha desaparecido. Virando-se, ela fitou Dewey.

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— Acho que as coisas não correram muito bem, não é? Dewey observou-a atentamente, como se estivesse avaliando cada detalhe, e Laura não saberia dizer qual fora a impressão do homem, já que sua expressão continuava impenetrável. — Não, madame. — Sou Laura Cambridge. — O sr. Blackthorne me disse. — E o que mais ele falou a meu respeito? A expressão de Dewey continuou impenetrável, e ele virou-se para arrumar as pilhas de madeira. Por certo precisariam delas para aquecer-se nas noites de tempestade, imaginou Laura, pensando em como o castelo de pedra devia ser frio no inverno. — Todos na cidade têm uma imagem errada dele. Mas já deve saber disso, não é? — Ela admirava o fato de o caseiro respeitar o segredo de Blackthorne, mesmo exposto à curiosidade de todos. Dewey arrumou mais uma pilha. — Poderia ao menos me dizer como é a rotina dele? Assim poderei ficar fora do caminho. Dewey afastou o boné para trás, fitando-a por alguns instantes, antes de falar: — Não. — O quê? — Ela não podia acreditar no que ouvira. — O sr. Blackthorne não segue rotinas, faz o que quer. Se encontrá-lo novamente vai ter que lidar com a situação. — Obrigada pela ajuda. — Laura cruzou os braços, fitando-o diretamente. — Prefere vê-lo se escondendo, ou saindo da toca para conhecer a filha? Ele não respondeu, e ficou bem claro para Laura o quanto era leal ao patrão. Mas quando ele segurou o machado, disposto a recomeçar o trabalho que Blackthorne interrompera, ela o impediu, segurando o braço que se erguia. — Não vou sair daqui até ter certeza de que Kelly tem todo o cuidado e atenção que merece. Entendeu, sr. Halette? Os olhos dele brilharam, embora a expressão do rosto continuasse inalterada. — Sim, senhora. E pode me chamar de Dewey, senhora. — Laura — corrigiu ela, virando-se para a casa e acrescentando: — Estou esperando que entreguem as compras. Assim, acho melhor recolocar aquela expressão séria no rosto. Afinal, é o que todos esperam, não é mesmo? Dewey olhou-a afastar-se, lutando para esconder um sorriso. — Sim, senhora. O doce aroma de algo assando espalhava-se pela casa, mesclando-se ao som de risadas. Aquilo o atraiu, embora descesse pela antiga escada de serviço, para não ser visto. Passagens escondidas atrás das paredes formavam um labirinto, através do qual podia mover-se sem ser visto, apesar de os corredores serem bem estreitos. Fazia muito tempo que não passava por ali, depois de tê-los descoberto. Não gostava da

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sensação de passar por eles, mas havia pessoas na casa, depois de anos em que ele e Dewey haviam sido os únicos moradores. Mas agora ela estava ali, assando algo na cozinha. A vontade de vê-la o atraía tanto quanto o aroma do que assava no forno. Mas, acima de tudo, era a risada límpida e espontânea que o atraíra. Podia distingui-la facilmente no meio das outras vozes. Havia algo em Laura Cambridge que lhe despertava sensações que julgara adormecidas. Ela o desafiava, provocava, mas Richard sabia que, se cedesse à tentação de ver o rosto dela, teria muito a perder. A filha precisava de Laura, uma vez que ele não podia ficar com ela. Parando no fim do corredor escuro, afastou um pouco o painel disfarçado que cobria a parede. Ela estava tirando uma assadeira do forno e colocando biscoitos num prato. Era uma cena tão doméstica, comum, algo que Andréa nunca se incomodara em fazer, que o pegou de surpresa. Havia três pessoas sentadas nos bancos altos. Laura ofereceu os biscoitos aos convidados. Convidados, ali, na casa dele. Pela primeira vez. Queria ficar zangado. Queria que fossem embora, pela simples razão de que não podia unir-se a eles. E ao vê-la conversando, tão animada, seu isolamento parecia ainda mais difícil e amargo. Mas ela era tão linda, os homens pareciam fascinados pelo que dizia. E então, quando Laura inclinou-se para colocar outra assadeira no forno, Richard percebeu que todos olhavam as formas do corpo bemfeito. Será que os homens estavam ali movidos pela curiosidade em relação ã casa, ou apenas por causa dela? — É uma casa muito grande — disse o adolescente, que ele reconheceu como o entregador que trazia as compras. — Sim, é enorme — respondeu ela, colocando colheradas de massa na forma. — Apavorante — disse um dos homens, olhando ao redor. — Adoro a casa — afirmou Laura. — É linda, charmosa. A arquitetura, as pedras, tudo lembra a história de muitas partes do mundo. Era exatamente o que sentira ao ver a casa, pensou Richard, inclinando-se para ouvir melhor. — Você já o viu? — É claro. — É muito horrível? Richard esperou pela resposta, prendendo a respiração. — Não tem nada de mais. Nada de mentiras, nem de informações, e ele imaginou por que Laura estaria agindo assim. — Então por que se esconde? — Ele é um homem reservado, e talvez por não ter sido bem recebido... — Laura parou de arrumar os biscoitos e virou-se, fitando-os por cima do ombro. Richard percebeu a determinação na voz dela. — E se alguém ousar fazer qualquer comentário na frente da filha dele, terei que mostrar como meu avô me ensinou a atirar muito bem. E também como tirar a pele dos animais que caçavamos. Richard disfarçou uma risada, e quando olhou novamente, os convidados riam, sem jeito, não muito certos se ela falava a sério ou

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não. Logo se despediam, agradecendo pelo café. Laura acompanhou-os, fechando a porta assim que saíram. Voltando para o balcão, pegou a forma que acabara de encher e colocou-a no forno, no lugar da que já estava pronta. Não conhecia nenhuma criança que não gostasse de biscoitos de chocolate, e esperava que Kelly não fosse uma exceção. Queria que a menina se sentisse bem-vinda naquela casa escura e silenciosa. De repente, percebeu que não estava sozinha e ergueu o olhar. Então o viu, uma sombra escura entre a parede do canto e a porta entreaberta da despensa. Uma sombra grande, larga, da qual só podia ver o jeans surrado que cobria as pernas fortes. Como chegara até ali sem que o visse? — Gostaria de pensar que a receita de biscoitos da minha avó o atraiu até aqui, mas não tenho ilusões. — Linda e esperta. Laura enrijeceu de imediato. Será que todos tinham que falar de sua beleza, nos primeiros dez minutos de conversa? — Quer um biscoito? — Não, obrigado. — Não diga que é uma dessas pessoas que não gosta de biscoitos de chocolate... — Não. — Já sei. Não quer vir até a luz para pegá-lo, não é? Ele não respondeu. — O que mais nega a si mesmo, ao escolher viver no escuro? — Ao falar, ela atirou um biscoito na direção dele. A mão surgiu na luz, apanhando o biscoito no ar, e ela pôde ver o anel de sinete faiscar. — E o que vai negar a Kelly? — Pesadelos, srta. Cambridge. — Pode me chamar de Laura. E acho que está enganando a si mesmo. — Não sabe nada a meu respeito, bela — zombou ele. Ela largou a espátula sobre o balcão, num gesto brusco. — Tem razão, não sei. Assim como não sabe nada a meu respeito... fera. — Virando-se para o fogão, tirou a assadeira com os biscoitos prontos, colocando outra no lugar. Fechando os olhos, tentou, em vão, afastar as lembranças dolorosas. Bela... Rainha de beleza. De que lhe adiantara isso, se não tinha sequer conseguido manter o noivo, pensou, cerrando os punhos. Richard endireitou-se, imaginando por que estaria tão perturbada. — Laura... O nome foi pronunciado num tom rouco, sensual, oferecendo uma simpatia que ela não desejava. Os homens, as pessoas, em geral, notavam-lhe primeiro o rosto. Era natural. E Richard era um homem. O que mais poderia esperar? — Desculpe-me — disse Laura. — Fui muito cruel. Richard já ouvira coisas piores. — Deixei você furiosa. Diga por que.

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— Não é nada. — Ela continuava arrumando os biscoitos, embalando-os em sacos plásticos. — Mentirosa. — Vamos começar de novo? — perguntou, baixinho. Abriu a geladeira e pegou um pedaço de carne e alguns legumes, que colocou sobre o balcão. Não se conheciam o bastante para falar sobre o passado dela, nem pretendia começar a lamentar-se. Tinha muito o que fazer, e não desperdiçaria energia com lembranças tristes. Depois de temperar a carne, voltou a colocá-la na geladeira. Cortou os legumes cuidadosamente, tentando ignorar a presença máscula. Mas era impossível. O calor que emanava dele era tão forte, que parecia estar perto de uma fogueira. — Está me observando. — Como sabe? — Posso sentir. Será que sabia que ele também podia senti-la? — E o que sente? Laura parou. As palavras, murmuradas num tom suave, convidavam à intimidade, trazendo um desejo inesperado. O coração dela disparou. — É como uma invasão. — Ela arrumou os legumes numa travessa, cobrindo-os com água. — E não gosto disso — completou, colocando-os na geladeira. — É uma mulher muito linda, Laura. Que homem não a olharia? Você sabe disso. — Sim, sei como as pessoas valorizam a aparência — murmurou, desligando o forno. — Eu também — declarou Richard, num tom amargo. — Então temos algo em comum. — Ela tirou a última assadeira do forno, colocando-a sobre o fogão, antes de virar-se. Ele tinha desaparecido. Como se um vento frio a atingisse, soube que não estava mais ali. — Também não gosto disso, sr. Blackthorne — gritou, para a casa vazia. Não houve resposta, e nem ela esperava isso. Richard desceu pela escada de serviço trazendo os pratos do jantar. Depois de colocá-los na lavadora, pegou um biscoito na assadeira sobre o fogão. Mastigando, atravessou a sala de jantar e chegou à biblioteca, estranhando o ar frio que penetrava na casa. Ao entrar na sala de estar, parou de repente. Cada fibra do corpo dele reagiu ao vê-la. Laura estava na varanda, atrás da sala, e as portas francesas estavam completamente abertas. As mãos dela apoiavam-se na grade, e o roupão leve, verde-claro, flutuava ao sabor da brisa da noite sem lua. A frente dela, o mar batia no cais, iluminado apenas pelas luzes suaves que cercavam a casa. Richard poderia jurar que estava vendo um anjo. O vento erguia os cabelos acobreados, fazendo-os flutuar. — Não é fantástico? — perguntou ela. Ele enrijeceu, sentindo-se encurralado na própria casa.

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— Não é? — insistiu, virando-se levemente na direção dele. Richard sabia que não podia vê-lo claramente, com a luz trás dela. — Gosta deste tempo? Laura voltou a olhar o mar. Ao longe se viam relâmpagos. — É meu favorito. Tempestades, trovões, chuva... Richard percebeu que ela lhe dera as costas de propósito, dandolhe a chance de se aproximar. O gesto o comoveu, mas ao mesmo tempo deixou-o inquieto. Será que ela viraria de repente e começaria a gritar? Ainda assim, reconheceu que não podia resistir ao desejo de se aproximar mais um pouco. Saindo para a varanda, encostou-se nas cortinas que voavam pelas portas abertas e que podiam lhe dar alguma proteção. — Obrigado pelo jantar. Ela deixara a bandeja do lado de fora da porta do quarto dele, numa mesinha que carregara para cima. — Por nada. Não precisa comer lá em cima, sozinho, sr. Blackthorne. — O que pretende? Que jantemos como duas pessoas civilizadas? — Por que não? — Acho que já sabe a resposta. — E o que devo dizer a Kelly? Sinto muito por ter perdido sua mãe, e olhe, na verdade não tem um pai. Apenas um benfeitor. — Diga a ela o que achar melhor. — Sei que se importa, sr. Blackthorne. Vi o quarto dela. — Só porque não quero vê-la, não significa que não quero que fique confortável aqui. Não percebe? Ela é uma criança. Um simples olhar para o que sobrou do meu rosto, e terá pesadelos por uma semana. — Ele sacudiu a cabeça. — Acho que devo poupar a nós dois dessa situação. Laura chegou mais perto, e viu que ele cruzava os braços à frente do peito, numa atitude defensiva. O gesto era claro. Não poderia alcançá-lo. Não agora. — Acha mesmo que uma criança vai se satisfazer com isso? — Terá que ser assim. — Mas sou uma estranha. — Eu também. Laura suspirou, frustrada, cerrando os punhos. — É um homem muito difícil. Houve um instante de silêncio, antes de ele responder: — Só quero protegê-la. — Impedi-la de conhecê-lo não é proteção. — Por acaso é uma autoridade em crianças? — A voz dele revelava descrença. — Tenho alguma experiência. — É mesmo? Pouco importava o tom crítico na voz dele, pensou Laura. — Não gosta que outras pessoas vejam o que lhe aconteceu, e então se esconde. Só vê aquilo que quer. Não tive filhos, mas gostaria de ter. Fui professora na escola da embaixada por vários anos, e cursei psicologia infantil na universidade. Além disso, sou a mais velha de cin-

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co irmãos. Não acha suficiente? Com raiva, afastou-se da grade e já ia entrar, quando Richard segurou-a pelo braço. Os dois foram envolvidos pelas dobras das cortinas que flutuavam ao vento. — Sim. É suficiente. Laura mal conseguia respirar, e seu coração batia acelerado. Ele era um homem grande, forte, e os dedos circundavam-lhe o braço, impedindo-a de mover-se. Estava consciente da proximidade dele, do perfume masculino, do corpo que quase tocava o dela, fazendo-a estremecer. Ele era misterioso, intenso. O que a atraía não era a solidão dele, nem a amargura. Era o homem que sofrera muito, mas sobrevivera. Que não deixara ninguém se aproximar. Laura viu a sombra da cabeça dele aproximar-se e soube que desejava beijá-la. E quase desejou que o fizesse. — Você tem perfume de... liberdade — sussurrou ele, cada célula do corpo gritando que era um homem, e que ela era uma linda mulher. Mesmo sabendo que devia fazer anos que ele não estava com uma mulher, que devia afastar-se depressa, Laura foi incapaz de resistir ao desejo de tocá-lo. Erguendo a mão, colocou-a no peito forte. A respiração dele ficou ofegante, e num gesto brusco afastou-se, subitamente consciente do que acontecia. — Não quero sua piedade, e isto é errado. Ele afastou-a e Laura perdeu o equilíbrio, enquanto Richard entrava depressa, desaparecendo na casa, de volta à sua caverna escura. Queria dizer-lhe que a última coisa que sentira em seus braços era piedade. Mas ele já se fora.

CAPÍTULO III

E

ra um tolo. O abandono da mulher não lhe ensinara nada,

ou não teria tocado Laura. Sentado na escrivaninha, o sol nascendo atrás dele, Richard bateu nas teclas, fazendo uma porção de erros, até desistir, empurrando o teclado. Recostando-se na cadeira de couro, fechou os olhos, e quase pôde sentir a maciez daquele corpo que tanto desejava tocar. E que homem não desejaria fazê-lo, pensou. O corpo de Laura era curvilíneo, e ela tinha um jeito de andar que quase o enlouquecia. Ele sacudiu a cabeça. Seria mais difícil do que tinha pensado, e sabia que a lembrança de tocá-la seria tão torturante quanto a própria ação. Era a babá, lembrou a si mesmo. Fora contratada para ajudá-lo. Levantando-se, foi até a janela. Que Deus me ajude, pensou. Laura era o sonho de qualquer homem. E estaria ali por muito tempo, provocando-o. Atrás dele, o e-mail soava, o fax gemia, e Richard ignorava tudo, os olhos presos à faixa de areia lá embaixo. Havia pegadas no solo úmi16


do, e imediatamente soube que eram de Laura. Será que levaria Kelly para longos passeios, à procura de conchas? Será que Kelly gostaria dali? E do quarto, dos brinquedos? Ou ficaria assustada, com medo? As perguntas surgiam-lhe na mente, e teve que admitir que não sabia nada sobre a filha de quatro anos. Mas Kelly era tudo que tinha no mundo, e faria o possível para que nada lhe faltasse. Exceto você mesmo, disse uma voz interior, e a culpa dominou-o. E se nada daquilo fosse suficiente, e traumatizasse a menina? Era tão pequena, inocente. No momento, não tinha dúvidas de que Laura cuidaria de tudo. Era encantadora, mesmo com aquela língua afiada, e suspeitava que Kelly acabaria se divertindo, depois de ter passado de um amigo para outro, após o acidente. Tanto ele quanto Andréa não tinham família. Soubera da morte da mulher por um policial, e cinco dias depois um advogado, executor do testamento de Andréa, o informara da existência da filha. Com a permissão dele, Katherine Davenport tirara Kelly do abrigo do Serviço Social, e tomara providências para arranjar uma babá, e trazer a menina para a ilha. Era tudo tão frio, formal. Andréa escondera a criança até a tragédia acontecer. Mas ele tivera tempo suficiente para pensar na mulher que havia conhecido num baile de caridade, e com quem se casara, sete anos atrás. Andréa tinha sido linda, como uma boneca de porcelana, embora durante o casamento tivesse ficado cada vez mais egoísta e exigente, gostando muito mais do estilo de vida que tinham do que dele. Agora percebia que ela gostava das empregadas e cozinheiros, e que quanto mais lhe dava, mais queria. Até que ele desejara ter filhos, parar de viajar o tempo todo. Ela havia discutido e reclamado, até Richard ceder. Devia ter engravidado naquela noite selvagem, na praia, na véspera do acidente. Apesar disso, quando o acidente o privara da beleza que a atraíra, Andréa o abandonara. Não a culpava por tê-lo feito. Era frágil, imatura, e ele por certo não fora mais o mesmo homem. Nem por fora, nem por dentro. Tentava imaginar o que Andréa dissera a Kelly sobre ele, mas logo desistiu. Não fazia diferença. Suspirando, voltou a trabalhar no computador, até que uma voz suave soou no interfone: — Muito trabalho sem comer, deixa o sr. Blackthorne de mau humor. Richard sacudiu a cabeça, com um meio sorriso. Apertando o botão do interfone, perguntou: — Preparou alguma coisa? — O estômago dele roncou, diante da perspectiva de uma refeição. — Sim. E Dewey não vai conseguir comer tudo. — Houve uma pausa, mas logo ela continuou: — Nunca fui capaz de cozinhar para menos de seis pessoas. Ainda bem que gosto de sobras, não é? Richard imaginou se alguma vez ela ficava de mau humor, e sentiu-se grato por não mencionar a noite anterior. Não queria a piedade dela. Já aprendera o suficiente a esse respeito com a ex-mulher. Não podia esquecer o modo como ela se encolhia, cada vez que tentava tocála. Sacudindo a cabeça, pensou em como fora tolo na noite anterior. Mas parte dele queria saber se Laura sentira o mesmo calor que o invadira. Nem Andréa conseguira provocar uma reação como aquela, e ele a

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amara. — Estou com fome. Laura tentou não gostar tanto da voz dele, nem lembrar-se de como parecera sedutor na tênue luz da varanda. Mais uma vez se perguntava como podia sentir tanta atração por um homem que nunca vira, embora soubesse que a aparência, o dinheiro ou o charme, pouco tinham a ver com o que o corpo dizia. E o corpo de Richard Blackthorne dizia muita coisa. Laura só esperava que o seu não entendesse... — Vou levar aí em cima — disse, por fim. Ele detestava estar isolado ali. — Obrigado — agradeceu. Um momento de silêncio, e então ela disse: — Recebi seu e-mail com as regras. — E estou certo de que quer fazer algum comentário — retrucou ele, e quase podia ver como ela cerrava os lábios, furiosa. — Alguma delas é negociável? — Por exemplo? — Esta sobre não ir ao terceiro andar. Como a empregada vai fazer a limpeza? — Ela conhece as regras. Avisa antes de subir, e eu simplesmente vou para outra parte da casa. — Entendo. — Richard ouviu-a suspirar. — Essa comunicação pelo interfone é tão impessoal. — É assim que tem que ser, Laura. Lá embaixo, na cozinha, ela encostou a testa na parede. Cabeça dura. — Nada é imutável, sabia? — Não. — Ele parou por alguns instantes. — O que você quer, Laura? A irritação dele atingiu-a, provocando uma reação imediata. O que queria? Apenas uma vida normal. Antes que Kelly chegasse. Mas sabia que Richard continuaria resistindo. — Nada — respondeu, suavemente. — Acabarei dando um jeito de contornar as regras. Especialmente esta, de não andar pela casa a noite. Gosto de tomar chocolate quente, olhando as estrelas. — Então deve estar se sentindo em casa aqui. — É verdade. Richard queria que ela se sentisse à vontade, especialmente com Kelly chegando na manhã seguinte. Estava desesperado para que ficasse, especialmente depois que Katherine Davenport ligara naquela manhã, dizendo que não encontrara uma substituta qualificada. Richard achou que estava zangada com ele, e não estava fazendo muito esforço. Alguns minutos mais tarde, ouviu uma batida na porta. Richard aproximou-se, espiando pelo visor. Ela era mesmo persistente. — Deixe aí mesmo. Ela mostrou a língua para a porta. — Encantadora, srta. Cambridge — disse, secamente. Laura sorriu, sem jeito, e colocou a bandeja de lado. — Sobre a noite passada...

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porta.

Richard gemeu, baixinho, e apertou o botão do interfone, junto à

— Foi errado tocá-la. — Por quê? Ele piscou, surpreso. — É a babá da minha filha. — Muito conveniente, não é? — O quê? Ela recuou um passo, diante do tom da voz dele. — Bem, estou aqui, sou mulher e... — E linda demais. Os lábios dela apertaram-se, revelando toda a amargura que sentia. Quase desejou ter cicatrizes, como Blackthorne. Pelo menos saberia que os homens não a desejavam só pela beleza. — Não é o que quis dizer. — Está imaginando há quanto tempo não tenho uma mulher? A voz rouca fez os joelhos dela fraquejarem. — É claro que não! — Mentirosa. Ela cruzou os braços, olhando para a porta. — Ofender o outro é uma atitude infantil. — Desculpe-me. — Esqueça. — Está bem. Mas Laura duvidava. Especialmente depois que a evitara cuidadosamente, e depois a agarrara como se fosse a tábua de salvação de um náufrago. Ainda assim, não podia ignorar a eletricidade que os envolvera, o calor que percorrera seu corpo. E a vontade que sentira de tocá-lo, de provar a força daquele corpo alto e rijo. Ele a fizera sentir-se pequena, indefesa, e naqueles poucos segundos, protegida. Não era algo que pudesse esquecer facilmente. — Se quiser mais, é só pedir — disse ela, afastando-se e descendo a escada. Richard pegou a bandeja, e admirou a enorme variedade de comidas: ovos, panquecas, salsichas, bacon, café, torradas, geléia e biscoitos. Teria que correr mais alguns quilômetros para queimar tudo aquilo, pensou, saboreando as delícias. E tentando não pensar na mulher que as preparara. Durante o resto do dia o contato entre eles foi mínimo. E Richard esperou, impaciente, que a noite chegasse. As sombras o protegiam e lhe davam liberdade. Sentia-se como um vampiro, condenado à escuridão. A noite era sua amiga, embora amasse o dia, o sol. Agora olhava para a mulher que dormia no sofá, com um livro aberto sobre o peito. Ele inclinou a cabeça para ler o título. “Crianças e Pesar”. Mais uma vez, pensou em como Kelly iria se apoiar nela, enquanto ele desejava confortá-la. Como queria abraçar a filha, acariciála, saber tudo sobre ela, vê-la crescer e aprender. Mais uma vez amaldiçoou Andréa por não ter lhe permitido compartilhar a vida de Kelly. Então percebeu, com enorme pesar, que estava confiando em Laura, para

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amar a filha no lugar dele. Laura viu a balsa chegar e a grade de segurança ser levantada. As pessoas começavam a sair do barco, e ela procurou a garotinha na multidão, com a acompanhante que a traria até ali. O que viu foi à criança mais linda que jamais vira, de cabelos escuros, rosto angelical, agarrada à mão de Katherine Davenport. Olhando para a ex-colega de faculdade, Laura sorriu. — Fico feliz que você a tenha trazido. Katherine olhou para a garotinha e sorriu. — Achei que alguém familiar seria melhor do que um estranho. Laura podia ver as perguntas nos olhos de Katherine, desejando saber como iam as coisas com Richard Blackthorne. Sem querer lhe dar qualquer indicação do que acontecera na noite anterior, ficou grata ao ver que um homem se aproximava e pegava as malas de Kelly. Laura acompanhou-o até o carro que Richard lhe permitia usar, e ele colocou as malas no banco de trás. Depois de pagá-lo, voltou para o par que a aguardava. Laura ajoelhou-se e sorriu para Kelly. A garotinha enterrou o rosto na saia de Katherine. — Olá, sou Laura. — Olá — respondeu a garota, sem mostrar o rosto. Katherine afastou-se um pouco, forçando Kelly a fitá-la. Laura sentou-se no chão, com as pernas dobradas sob o corpo, como se tivessem todo o tempo do mundo. — Foi uma semana bem difícil, não é? — Sim. — Bem, agora vou cuidar muito bem de você, Kelly. — A menina ainda parecia pouco à vontade. — Eu prometo. Sei fazer uma porção de coisas. Podemos brincar na praia, andar de bicicleta, e talvez andar a cavalo. A idéia pareceu agradar, e Laura rezou, baixinho, para que ainda se lembrasse de como cavalgar. — Seu pai tem três cavalos, e não acho que façam muito exercício. Teremos que cuidar deles. — Viu meu pai? A esperança na voz da menina fez o coração de Laura se apertar. — Sim. Ele é muito simpático. — Mamãe disse que ele foi ferido. — Sua mãe tinha razão. Foi sim. Mas agora está bem. — Não pretendia assustar a menina com detalhes assustadores. — Só não gosta que fiquem olhando para ele. As sobrancelhas de Kelly ergueram-se, como se estivesse tentando entender por que não queria que olhassem para ele, se estava bem. Laura pretendia adiar o encontro dos dois, até que Kelly estivesse acomodada e à vontade. — Então, está pronta para ver sua nova casa? Kelly assentiu, mastigando a ponta do suéter que vestia. Laura estendeu a mão, tirando-o delicadamente da boca da menina. — Fale. Não consigo ouvir o que está dentro da sua cabeça.

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A garotinha quase sorriu. — Sim, senhora. — Vai adorar, Kelly. É um castelo, como o da Cinderela. — Verdade? — Verdade. Laura levantou-se e estendeu a mão. Kelly olhou para Katherine, suspirou, e então segurou a mão de Laura, que mal pôde esconder a alegria. — Não gostaria de vir até a casa? — convidou. — Tomar um café, antes de pegar a outra balsa? — Algumas pessoas já passavam por elas, a caminho do barco. Katherine sacudiu a cabeça. — Acho melhor deixar que se conheçam melhor. Telefono mais tarde. — Gostaria que fizesse isso — e, baixando a voz, completou: — Já que não há nada de temporário neste trabalho, e sabe bem disso. — Ele precisa dela, Laura. — Eu sei, mas... — Olhando para baixo, viu que a garotinha as observava, curiosa. Laura trocou um olhar com Katherine, indicando que poderiam conversar melhor ao telefone. Katherine sorriu, e inclinou-se para beijar Kelly. A criança passou os braços em volta do pescoço de Kat, agarrando-se com força por alguns instantes. O coração de Laura apertou-se. Como devia sentir-se insegura e amedrontada, sendo Katherine a única pessoa que conhecia. Kat acariciou as costas da menina, dizendo que a amava muito, e logo viria visitá-la. Kelly soluçou, correndo para Laura, assim que Katherine soltou-a. Com um sorriso, Laura levou a criança até o carro, colocando-a no banco da frente. Depois de acomodar-se atrás do volante ligou o motor. — Pronta? Kelly olhou-a com os olhos muito azuis e assentiu, mordiscando a ponta do suéter. Laura percebeu o brilho das lágrimas e inclinou-se, abraçando-a e sussurrando: — Tudo vai dar certo, querida. Sei que está com medo. Os dedinhos delicados apertaram-na com força. — Quero ir para casa. Os olhos de Laura encheram-se de lágrimas. A menina parecia tão triste e perdida. — Vou levá-la para casa, e será uma grande aventura descobri-la aos poucos. Não acha que vai ser divertido? Kelly deu de ombros, e Laura acariciou os cabelos brilhantes. Tinham um longo caminho a percorrer juntas, e imaginou por quanto tempo ficaria ali. Ou se algum dia desejaria partir. Pois percebia que estava começando a amar aquela garotinha perdida. No instante em que a casa apareceu na frente delas, Laura percebeu que Kelly prendia a respiração, maravilhada, esticando o pescoço para ver melhor. Laura dirigiu pela estrada de terra, cheia de lombadas,

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até chegar à garagem, esperando que a vista da praia, do estábulo enorme e do grande jardim atraíssem Kelly. E aconteceu, especialmente por causa do escorregador e do balanço, que não se encontravam ali no dia anterior. Parando o carro, desligou o motor. — Vá, experimente — encorajou ela, e Kelly abriu a porta. Laura apressou-se a ajudá-la a descer, e logo Kelly corria para os brinquedos. Os brinquedos eram grandes e sólidos, e Laura sorriu, ao ver Kelly escorregar uma, duas, três vezes, sem cansar da brincadeira. A menina correu para o balanço, experimentando-o, até ver a caixa de areia, cheia de brinquedos. Ela sentiu a presença de alguém, e viu que Dewey se aproximara. — Vou levar as malas para cima — disse, estendendo a mão para pegar as chaves. Ela entregou-as, mas não se mexeu. — Ela parece com ele — disse, suavemente. E Laura observou Kelly, imaginando o quanto seria parecida com o pai. De repente, Kelly saiu correndo para eles e parou em frente de Dewey, observando-o atentamente. Laura percebeu que ela imaginava que Dewey fosse o pai. Ela apresentou-os, e viu o sorriso da criança desaparecer. — Como vai, senhorita? — Dewey agachou-se na frente da menina, e os velhos joelhos estalaram. Kelly olhou com surpresa os jeans reforçados nos joelhos. — Dói? — Não. Só faz barulho. — Meu pai foi ferido. Muito ferido. — Sim, meu bem. — Conhece o meu pai? — Claro que sim. — Acha que ele vai gostar de mim? — A voz dela tremia, e Dewey trocou um olhar com Laura. — Sim, princesa. Ele vai gostar muito. — Mas onde ele está? Dewey endireitou-se e olhou para as janelas, no alto do castelo. — Lá em cima. Kelly ficou ao lado dele, olhando para o alto. Richard olhou para a filha, e amou-a de imediato. Ele a vira brincando, os cabelos tão escuros quanto os dele, os olhos da mesma cor. Ela também tinha o mesmo sorriso. Como devia ter sido difícil para Andréa, olhá-la todos os dias, e vê-lo à sua frente, pensou, aproximandose mais da janela. Kelly ergueu o braçinho e acenou, e Richard desejou descer correndo para apertá-la nos braços, dizer o quanto a amava, como iria protegê-la e como estava feliz em tê-la ali. Mas não podia. Mantendo-se um pouco afastado, acenou, o olhar desviando-se para Laura. Ela também olhou, apoiando-se no carro, de braços cruzados. O olhar dela dizia tudo, que deveria vir e brincar com a filha, e acima de tudo, indagava como podia resistir à criança? Será que ela não entendia como gostaria de descer? Como gostaria de estar ali, abraçando-a e fazendo com que esquecesse toda dor? E que ficar longe dela o feria mais do que à própria

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filha?

Dewey já estava entrando com as malas, e Laura dizia algo para a menina. E quando Kelly segurou a mão de Laura, quase esmurrou a janela. Devia ser eu. Kelly, era filha dele. Laura preparou o almoço para Kelly antes de subirem para o quarto, imaginando que depois de ver as coisas maravilhosas que o pai preparara perderia a fome. Depois, disse à menina que o quarto dela era em frente ao seu, do outro lado do corredor, e que poderia ir até lá quando quisesse, de dia ou à noite. Enquanto desfazia as malas, Kelly examinava os brinquedos, o enorme urso de pelúcia, quase do tamanho dela. Ao subir na cama, apertou urso contra o peito. — Está com medo? É muito alta? — Kelly olhou-a diretamente. — Não. — Ela parecia deslumbrada, e bocejou. — É tão lindo. — É mesmo. Eu gostaria de ter tido um quarto assim, quando era da sua idade. — E que tipo de quarto você tinha? — Era pequeno e escuro — respondeu Laura, continuando a arrumar as coisas. — E eu o dividia com minhas irmãs. — Ela não disse que o telhado era de zinco, e que gotejava forte quando chovia, muitas vezes sobre a cama. — Irmãs? — Tenho duas, mas são casadas — explicou. Eram mais novas do que ela, pensou, sentindo uma pontada de inveja. Ela quase se casara com o homem errado. Um homem que a desejara apenas pelo rosto bonito, pelos títulos de beleza, como o ouvira dizer ao padrinho. Queria mostrá-la como um troféu, e continuar com a amante. Laura fechou os olhos, afastando o sentimento de humilhação. Paul fora o ponto culminante de uma vida em que todos viam apenas sua aparência. Sabia que também era responsável por isso, já que participara de muitos concursos, desejando usar os prêmios para conseguir uma vaga na faculdade, e construir uma carreira. Ainda assim, acreditara que ele a amava, e quando o sonho se desmanchara, tinha perdido muito mais do que o noivo. Perdera a auto-estima, já que Paul lhe dera tudo o que podia desejar, como se desejasse comprá-la. Tudo, menos amor. — Talvez possa conhecê-las — disse, por fim. — Minha irmã, Jolene, tem uma filha pouco mais velha do que você. — Quando não teve resposta, Laura virou-se e viu Kelly adormecida, agarrada ao enorme urso. Sorrindo, ajeitou um travesseiro sob a cabeça da menina, tiroulhe os sapatos, e cobriu-a com um acolchoado. Kelly suspirou, mostrando que o dia fora longo demais para uma menina tão pequena. Beijando-a na testa, desligou as luzes e saiu, fechando a porta. Imediatamente sentiu a presença dele e virou-se para a escadaria, no fundo do corredor. Na semi-escuridão podia ver-lhe as pernas, dos joelhos para baixo, e a mão, apoiada no corrimão. — Ela está bem? — Sim, mas está exausta, e adormeceu.

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— Obrigado, Laura. — Por nada. Ela quer vê-lo. — Sabe que não posso fazer isso. — Ela precisa do pai. — Laura... Por favor. A dor, por negar a si mesmo o contato com a filha, expressava-se na voz dele. Naquele instante, Laura percebeu o quanto aquele homem era solitário, e como devia ser difícil ter duas mulheres naquela casa, depois de ter andado por ali, quando e como desejasse, por quatro anos. — Ela está se sentindo sozinha e com medo. Tudo é novo para ela, e embora esteja adorando as novidades, ainda quer vê-lo. — Mas não pode. Não quero amedrontá-la ainda mais. E não sei nada sobre garotinhas, ou como cuidar delas. Mas você sabe. Ela não queria discutir, não com Kelly tão perto. — Não vou ficar aqui para sempre — retrucou, entrando no próprio quarto e fechando a porta. Richard suspirou. Ela continuaria ali por quanto tempo ele desejasse, e só de pensar que poderia partir, ficava nervoso. Ele observou as pequenas luzes junto ao chão, que iluminavam o corredor, e a porta do quarto da filha. Não queria que nenhuma das duas o visse, mas a vontade de ver a filha foi mais forte. Descendo os últimos degraus, atravessou o corredor e abriu a porta do quarto de Kelly, entrando silenciosamente. Bem devagar, aproximou-se da cama, olhando a criança adormecida. Parecia tão inocente, tão indefesa. E era tão pequena. Estendendo a mão, tocou uma mecha de cabelos, e então, incapaz de resistir, acariciou o rosto macio com as costas da mão. A pele era macia, fresca. Ela era linda, e o coração de Richard apertou-se. Queria tomá-la nos braços, beijá-la. — Papai? A palavra quase o fez chorar. — Sim, princesa, estou aqui. Volte a dormir. Kelly mexeu-se na cama e Richard cobriu os ombros delicados, carinhosamente. — Papai ama você — sussurrou. Meio adormecida, Kelly segurou a mão dele. Por um instante, Richard ficou imóvel, temendo que ela percebesse as fundas cicatrizes no pulso, mas já voltara a dormir. Não querendo arriscar-se a encontrar Laura, pensou em usar a passagem secreta, mas a raiva foi mais forte. Afinal, aquela era a casa dele. Saindo do quarto, subiu a escada, e já estava quase chegando em cima, quando Laura abriu a porta e saiu depressa. Apressando o passo, ele penetrou na escuridão, sabendo que os olhos dela levariam alguns segundos para ajustar-se à falta de luz. — Sr. Blackthorne — chamou, suavemente. Imediatamente sentiu-lhe o perfume e estremeceu. — Sr. Blackthorne. Ele parou. — Estou ignorando você. Indo embora. Será que não entendeu? — Psiu. — Ela aproximou-se. — É claro que percebi.

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— Não dê nem mais um passo. — O que vai fazer? Me despedir? — perguntou, sabendo que ele não poderia fazê-lo. — Há outros modos de fazê-la ficar longe — disse, ao vê-la desobedecer, aproximando-se ainda mais. — Por exemplo? — Deixá-la ver meu rosto. — Não tem uma boa impressão a meu respeito, não é? — sussurrou ela, olhando fixamente para a sombra, onde ele se escondia. Havia compaixão na voz dela, talvez piedade. — Pelo contrário. Tenho uma impressão boa demais. Richard deu um único passo, aproximando-se perigosamente, e o calor do corpo alto penetrou instantaneamente as roupas dela. O desejo de apoiar-se nele era muito forte, e o modo como seu corpo respondia ao dele fazia imaginar que já o conhecera em outra vida, outros tempos. Era como uma fome, um desejo incontrolável. Mas não podia. Já fora usada antes por sua beleza, e ali estava um homem que desejava usála, novamente, só que desta vez como uma barreira entre ele e a filha. — E tem raiva por precisar de mim. Desejaria que fosse outra pessoa, não é? — Sim — sibilou ele, como uma serpente pronta para o ataque. — Vejo seu rosto, perfeito, e sinto cada cicatriz, como se tivesse acontecido ontem. — A voz dele tornou-se ainda mais baixa. — E então sinto como sua respiração acelera quando me aproximo, sinto seu corpo pulsar, como agora e... As palavras saíram antes que pudesse controlá-las. — Faz você sentir-se como um homem, não um eremita. Ele gelou, como se cada músculo do corpo estivesse paralisado. O desejo de tocá-lo era tão forte, que mal podia resistir. — Richard... A palavra pareceu despertá-lo. Virando-se depressa, subiu a escada, de volta ao santuário. A porta batendo foi como um tiro no escuro, fazendo-a recuar contra a parede, cobrindo o rosto. Agora ele não viria mais para a luz. Estragara tudo.

CAPÍTULO IV

L

aura sentia-se muito mal. Na verdade, não tão mal assim,

admitiu, parando no saguão do térreo, com as mãos nos quadris. Mas mal o bastante para ficar acordada, vagando por aquela casa enorme à meia-noite. Como gostaria de ter mantido a boca fechada! Esse era o resultado de ter sido criada numa casa cheia de crianças, onde precisava elevar a voz para que prestassem atenção nela. Agora queria uma chance para se desculpar, mas Richard não respondia ao interfone. Muito bem. Era um homem teimoso, embora soubesse que ele 25


dissera a verdade. Sabia que despertava nele sentimentos e emoções esquecidos, já que vivendo recluso no castelo não tinha a chance de sentir coisa alguma, havia muito tempo. Agora ela estava ali, e também a filha, o que tornava o isolamento ainda mais intenso e difícil de suportar. Mas ele também fazia Laura sentir emoções perturbadoras. Ao lado dele sentia-se ainda mais feminina, mais desejada. E de repente percebeu como evitara tudo isso depois que rompera o noivado com Paul. Mas estar perto de Richard provocava sensações que nunca experimentara antes. O coração batia forte, a pele ficava quente, rosada, e um desejo intenso de que a tocasse surgia de forma incontrolável. Só não tinha certeza se gostava disso. Paul quase destruíra sua autoconfiança, e ela aceitara o emprego na Wife Incorporated para afastar-se dele. Será que queria envolver-se com outro homem que dava tanta importância às aparências? Porque era exatamente o que Richard fazia. Suspirando, acendeu a luz da biblioteca e entrou. Era um lugar muito bonito. As paredes eram cobertas de estantes repletas de livros, havia um sofá e uma poltrona diante da lareira e uma escrivaninha num dos cantos. Era um aposento masculino, pensou, sentindo o perfume de tabaco de boa qualidade que vinha do cachimbo, apoiado no cinzeiro de cristal. O olhar dela percorreu a sala, parando na porta. — Sr. Blackthorne? A idéia de vê-lo era ao mesmo tempo amedrontadora e excitante. Não houve resposta, e ela pegou o cachimbo, percebendo que estava morno. Olhando a sala, tentou imaginá-lo ali. Será que se sentia confortável, rodeado por livros? Será que eram os únicos companheiros que tinha, além de Dewey? Um sentimento de piedade a invadiu, mas Laura afastou-o depressa, sabendo que Richard detestaria isso. Deslizando os dedos pelos livros nas prateleiras, leu os títulos, continuando até a escrivaninha e sentando-se na cadeira de couro. Será que ele lia todas as noites? Será que a presença dela lhe roubara toda a liberdade? Será que, algum dia, se aproximaria dela e de Kelly e teria uma vida normal? Ela conhecia bem as crianças e sabia que a menina não aceitaria aquela situação por muito tempo. Por isso, temia o momento em que Kelly perguntaria pelo pai. Só porque escolhera viver escondido, não podia esperar que a garotinha aceitasse a mesma vida. Laura disse a si mesma que só deixaria o castelo quando tivesse certeza de que pai e filha podiam viver juntos. Virando-se, parou ao ver os porta-retratos, arrumados num canto da escrivaninha. Inclinando-se, pegou a foto do casamento. — Meu Deus... — murmurou, afundando na cadeira. Ali estava Richard, antes do acidente. Ele era maravilhoso... A exesposa era linda, perfeita, mas era ele quem se destacava na foto. Os cabelos escuros, os olhos azuis, como os de Kelly, o sorriso lindo. Os traços do rosto pareciam ter sido esculpidos por um artista clássico e eram perfeitos, aristocráticos. Não era apenas bonito. Era fascinante, e

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o coração de Laura deu um salto, ao pensar que aquele homem sentiase atraído por ela. No outro lado do corredor, escondido nas sombras, Richard ouviu as palavras sussurradas e mal pôde suportar a dor. Tinha se esquecido da foto. Desde o colegial, tivera mais mulheres do que podia contar, graças a sua aparência. Até o acidente. O olhar dele pousou nas pernas nuas, quando Laura mexeu-se na cadeira. Ela vestia apenas uma camisa preta e comprida, e o corpo dele enrijeceu, sabendo que apenas alguns metros os separavam. Mas a distância não fazia diferença. Se visse o rosto dele, saberia que o homem da foto tinha morrido, quatro anos atrás. Laura franziu a testa, colocando a foto no lugar. Mais uma vez, olhou ao redor. Havia uma sombra no corredor e ela se levantou depressa, caminhando até a porta. — Apareça, onde estiver, apareça. Ninguém respondeu. Mas tinha certeza de que havia alguém ali. — Pare com isso, sr. Blackthorne — advertiu Laura, andando até o centro do saguão e tentando enxergar na semi-escuridão. — Só é um fantasma porque quer. Se tiver algo a dizer, fale! O silêncio ecoou no vazio, mais uma vez. — Pois bem, eu tenho algo a dizer! Um movimento no fim do largo corredor atraiu-lhe a atenção, e Laura correu, entrando na cozinha a tempo de vê-lo sair, fechando a porta atrás de si. Ela correu para fora. — Richard! Por um instante ele hesitou, e então, protegido pelo agasalho preto com capuz, começou a correr para a praia. Ela observou-o até que os desenhos fluorescentes nos tênis desapareceram na escuridão. Não pode viver nas sombras para sempre, pensou. Crianças eram muito mais resistentes do que os adultos, pensou Laura, na manhã seguinte. Imaginara que a filha de Richard estaria assustada e com medo na manhã seguinte, mas se enganara. Kelly aparecera no quarto dela, bem cedo, com um sorriso no rosto e cheia de curiosidade. Queria ver a nova casa, brincar, e Laura decidiu esquecer o trabalho de casa e dedicar-se a menina. Kelly riu muito quando Laura tentou descer pelo escorregador, que por certo não fora feito para adultos, e acabou caindo de um modo desastrado. Kelly correu para ela, rindo sem parar. — Acho que estou meio enferrujada. — Vá de novo! — pediu Kelly, saltitando. — Não. Acho que a Rainha do Escorregador é você — declarou Laura, levantando e limpando o pó da calça jeans. A menina não hesitou, e Laura sorriu ao vê-la subir depressa, as perninhas escalando os degraus altos. Kelly passou do escorregador para o balanço e dali para a caixa de areia. Depois, as duas correram para a praia, Laura carregando a pá e o baldinho, até chegarem à beira-mar.

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Para surpresa de Kelly, Laura sentou-se no chão, ajudando-a a construir o castelo de areia. — Estou toda suja de areia — disse a menina, mais tarde, enquanto observavam a maré desmanchar o castelo. — Não faz mal. Vamos tomar um banho — disse Laura, dando de ombros. — Não vai brigar comigo? Ela, parou, abaixando-se ao lado da menina. — É claro que não, meu bem. É impossível brincar na areia sem se sujar. — Minha mãe não gostava de areia. Pobrezinha, pensou Laura, ao ver que a menina estava prestes a chorar. Carinhosamente, pegou-a no colo. O coração de Richard apertou-se ao ver como Laura carregava a menina nos braços, trazendo-a para casa. O olhar dele não conseguia afastar-se das duas, enquanto se aproximavam, e desejou poder estar com elas. A angústia cresceu, ao observá-las. Não fizera outra coisa o dia inteiro, mudando de uma janela para outra, atraído pelas risadas das duas. Laura parou nos degraus da entrada, olhando-o diretamente. Richard afastou-se da janela tarde demais. A expressão dela dizia claramente que era ele quem deveria estar ali. Laura carregou Kelly para cima e ajudou-a a tirar as roupas molhadas. Logo a colocava num banho cheio de espuma perfumada. Meia hora mais tarde, Kelly estava limpinha e cheirosa, pronta para uma soneca, embora insistisse que não estava com sono. Na cozinha, no entanto, acabou adormecendo sobre o sanduíche de geléia que Laura preparara. Ao carregá-la para cima, a menina passou os braços no pescoço de Laura, que a colocou na cama de princesa, cobrindo-a carinhosamente. Depois de acender o pequeno abajur de cabeceira, saiu silenciosamente do quarto e desceu para a cozinha para lavar a louça. Preparou uma bandeja para Richard, um prato para Dewey e ligou o interfone. — O almoço está servido, senhor. — Obrigado. — Não vou levar aí em cima. Terá que se arriscar e descer. — Laura... — Tenho trabalho a fazer, sr. Blackthorne. Trabalho que não fiz porque estava brincando com sua filha. Houve um breve instante de silêncio. — Obrigado, Laura. — De nada. Ela é uma criança adorável. Agora saia do seu esconderijo e venha comer. — Está agindo como uma tirana. Ela ignorou o sorriso que percebia na voz dele. — Essa sou eu: Laura, a Impiedosa. — Desligou o interfone e afastou-se, mas depois de alguns segundos, voltou. — E quero que esteja aqui quando eu pedir desculpas pela noite passada. Ela não respondeu quando o ouviu chamar seu nome. Richard ia

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descer, pensou Laura. Mesmo que fosse a última coisa que fizesse naquela casa, iria tirá-lo do esconderijo, nem que tivesse de arrancá-lo de lá aos berros. Richard ouviu os gritos de Kelly, cada vez mais altos, enquanto descia depressa a escada que levava ao quarto da filha, amarrando o cinto do roupão. Abrindo a porta, viu a criança que se debatia sob as cobertas. O pequeno abajur de cabeceira proporcionava apenas um brilho pálido, e os gemidos explodiram num grito, assim que ele a alcançou. Tomando a menina nos braços, sussurrou que tudo estava bem, e que estava ali para protegê-la. Ela tremia, as mãozinhas agarradas ao tecido do roupão. — Papai está aqui, querida — sussurrou, acariciando-lhe as costas. Logo ela relaxou, começando a chorar baixinho. — Eu... estava com medo. — Eu sei, querida, eu sei. — Oh, papai, mamãe se foi — gemeu Kelly, e o coração de Richard apertou-se. Como uma criança de quatro anos podia lidar com morte e pesar, coisas que nem os adultos aceitavam? — Eu estou aqui, Kelly. Os soluços diminuíram, e quando ela passou os braços à volta do pescoço dele, Richard ficou tenso. Ela não pareceu notar as cicatrizes e ele relaxou um pouco, ninando a filha e desejando nunca mais se afastar dela. Queria tanto protegê-la, ajudá-la a livrar-se dos sonhos maus! Tinha que fazê-la sentir-se segura. Beijando a testa da menina, falou com ela, disse-lhe como estava feliz por tê-la ali e que iria protegê-la, sempre. Ela estremeceu mais uma vez e adormeceu. Mesmo assim, Richard continuou a segurá-la. Era a terceira noite que tinha pesadelos. Laura sempre viera socorrê-la, e ele imaginava onde estaria agora. O ouvido dela parecia ser mais acurado do que o seu. Devia estar exausta, imaginou, ainda mais depois de ter brincado com a menina o dia todo. Colocando Kelly na cama, cobriu-a carinhosamente, lembrando das cenas que vira pela janela. Laura ensinara Kelly a fazer um carrinho de madeira, e depois as duas haviam desaparecido no estábulo. Auxiliadas por Dewey, elas tinham aparecido montando uma égua mansa. Trotaram pela praia, mas ele percebera que Laura gostaria de cavalgar contra o vento. E não pudera deixar de notar como as duas estavam ficando cada vez mais próximas. Richard admitiu que estava com ciúme, embora estivesse grato ao ver como se davam bem. Laura seria uma mãe maravilhosa, e mais uma vez imaginou por que não teria se casado. Ele ouviu a porta ranger ao abrir-se. Depressa, endireitou-se e deslizou rapidamente pela passagem secreta. Laura entrou no quarto, com a testa franzida. Podia jurar que tinha ouvido alguma coisa. Olhou ao redor e de novo para a criança adormecida, inclinando-se para beijá-la. Ao fazê-lo, percebeu um perfume diferente, que não era do xampu de Kelly. Era masculino, picante, e logo ficou alerta.

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— Sr. Blackthorne? — sussurrou. Não obteve resposta, mas de fato não esperava uma. Mesmo com Kelly adormecida, ele estivera ali. E isso era algo importante. Significava que não era tão distante quanto fingia ser. Deixando o quarto, percebeu que tinha perdido o sono e decidiu descer para preparar um chá de camomila. Os corredores estavam escuros, iluminados apenas pelas pequenas lâmpadas junto ao chão, enquanto se dirigia para a cozinha. Estava esquentando a água para o chá quando ouviu o barulho de madeira estalando. Correndo para a sala de estar, viu as chamas ardendo na lareira. Ele a acendera, pensou, aproximando-se do fogo para aquecer os pés nus. Podia sentir que estava atrás dela, em algum lugar. — Venha até aqui — disse a voz masculina. Ela virou-se. Richard estava sentado numa poltrona de espaldar alto, longe o bastante das chamas para que não pudesse vê-lo. Tinha certeza de que ele conhecia cada sombra da casa, e sabia como impedir que o visse. A constatação irritou-a profundamente. Ao fitá-lo, viu apenas o roupão de seda marrom e a calça de pijama combinando. — Por que não está dormindo? — Pouco exercício, suponho. — Ele levou aos lábios o copo de cristal, que cintilou à luz da lareira. Laura pôde ver que a mão direita era lisa, sem cicatrizes, e a outra continuava escondida, ao lado do corpo. — Bem, a culpa é toda sua. Ninguém lhe disse que deve ficar escondido na torre. — Não quero recomeçar essa discussão, Laura. Ou me deixa em paz, ou fica aqui comigo. Tem vinho na mesinha. — Richard fez um gesto com o copo. Ela hesitou, imaginando se seria prudente ficar tão perto dele. — Está com medo? — perguntou Richard, num tom rouco, que fazia Laura experimentar sensações perturbadoras. Ela riu baixinho. — De você? Não... Nunca ouviu o ditado “Cão que ladra não morde”? — Como pode ter certeza? — Porque nunca chega perto o suficiente para morder — retrucou ela. — Tão corajosa — murmurou ele, tomando mais um gole de vinho e desejando que ela sentasse bem longe. As chamas iluminavam o roupão de seda preta, delineando as curvas do corpo perfeito. Ele tentou controlar a frustração, mas não conseguia deixar de fitá-la. Ela era perfeita, e a tensão de seu corpo era algo que não podia negar. Não queria desejá-la, mas era humano, nem um pouco diferente dos outros homens. E Laura tinha um corpo deslumbrante, pernas longas, seios fartos... e estava ali, à frente dele. — Sente-se, Laura — disse, por fim, incapaz de suportar aquela visão tentadora. — Vou pegar o meu chá. Ela foi até a cozinha e voltou, e ao perceber que ele continuava a-

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li, sentiu um estranho prazer. Sentando-se na ponta do sofá, em frente à lareira, tomou um gole do chá e percebeu que ele se mexia na cadeira. Ouço sua respiração se acelerar, sinto seu corpo pulsar quando estou perto, ele dissera na outra noite. Será que tinha noção do que estava fazendo com ela agora? Laura tomou um gole de chá, tentando afastar as sensações perturbadoras, sem resultado. Fechando o roupão junto ao pescoço, lembrou-se da foto. Como devia ser difícil para ele, um homem que fazia as mulheres suspirar com sua beleza, perceber que agora estremeciam de repulsa ao vê-lo. — Peço desculpas pelo que disse na outra noite — disse, olhando na direção dele. — Por quê? Era verdade. As palavras dele fizeram-na estremecer. — Fui muito rude. Richard sentiu o coração dar um salto. — Aceito suas desculpas. — Obrigada, sr. Blackthorne. — Acho que já agredimos um ao outro o suficiente para podermos nos tratar pelos nomes. — Oh, Richard — sussurrou ela, baixinho, virando-se para ele. — Não pretendia magoá-lo. — A verdade feriu mais a você do que a mim. — Pare de ser tão frio! — Ela colocou a caneca de chá sobre a mesa com um gesto brusco. — O que quer que eu faça? Que negue que sinto atração por você? Você é linda, droga! — E daí? Minha aparência é apenas obra da natureza. Não o que realmente sou. — Laura levantou-se, furiosa por perceber que ele podia perturbá-la tanto. Principalmente porque jurara nunca mais se envolver com um homem que desse tanta importância às aparências. — Sabe o que eu acho? — Tenho certeza de que vai me dizer de qualquer modo. Ignorando a observação, ela continuou: — Acho que não confia em si mesmo o suficiente. Esqueceu-se como agir de modo normal, em vez de comportar-se como um urso ranzinza que foi acordado, sem querer, da hibernação. — Sei o que quer, Laura, mas não posso permitir. Com as mãos nos quadris, ela olhou-o diretamente, percebendo que os dedos fortes apertavam o copo de vinho. — Então, minha vontade não conta? — Minhas experiências no passado já foram suficientes — disse ele, paciente, desejando que ela estivesse usando mais roupas. — Apenas não gosto do que me faz sentir. — Detesta? Qualquer mulher ficaria encantada ao ouvir isso, Richard. Mas deixou seus sentimentos muito claros na outra noite. Acho que é bom saber que só ficarei aqui até que se relacione com Kelly como um pai de verdade — disparou, passando por ele. — Então nunca irá embora.

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Laura parou bem atrás da poltrona dele, fitando-o com um misto de raiva e simpatia. As chamas refletiam-se nos cabelos escuros, nos ombros largos, e parte dela desejava sentar-se no colo dele, aninhar-se em seu peito. A outra parte queria fazê-lo ter um mínimo de bom senso. — Não posso ficar aqui para sempre, Richard. Ele levantou-se de repente, virando-se para ela. — Temos um contrato. Ao ouvir o pânico na voz dele, Laura percebeu que não devia tê-lo ameaçado. Mas era tão teimoso... — Temos, sim — assegurou, baixinho, e ao erguer a mão para tocá-lo, Richard agarrou-lhe o pulso. — Nunca tente me tocar. É parte do trato. Os dois ficaram em pé, muito próximos, e Laura sentiu a pele arrepiar-se, antecipando o que podia acontecer. Um só gesto e poderia puxá-lo para a luz, mas não queria destruir a confiança dele. Richard não mudaria de idéia da noite para o dia. — Vou fazer um acordo com você — disse, baixinho, percebendo que os dedos dele relaxavam em seu pulso. — Você pára de falar nos meus títulos de beleza, e eu prometo que não tentarei mais vê-lo. Ele riu, e o som másculo e vibrante fez Laura estremecer. — Concordo. Ele soltou-a. Laura assentiu, dando um passo para trás e apoiando-se na poltrona. Richard sentiu que ela estava fugindo e apertou com tanta força o copo que quase partiu o cristal delicado. Laura já ia saindo, quando parou junto à porta. — Só mais uma coisa. Ele virou-se. Ela estava de costas. — Sim? — Sou uma pessoa sincera. Costumo dizer o que sinto. Se me deixar furiosa, vou dizer porque... — ela virou-se, olhando para o homem escondido nas sombras —, não vou pagar pela traição dela... nem pela fraqueza. Estava falando de Andréa, e Richard entendeu muito bem. As duas mulheres não se pareciam em nada, mas mesmo assim não queria vê-la olhar para ele como Andréa fizera no passado. — Não preciso vê-lo, Richard, para saber que tipo de homem realmente é. — Ela saiu para o corredor, e os pés nus mal haviam tocado o primeiro degrau da escada quando ele a alcançou. Laura gelou, mas não se mexeu. O calor do toque dele penetrava o tecido do roupão, e fechando os olhos, ela esperou. Seus joelhos fraquejaram ao senti-lo tão perto, e apoiou-se no corrimão. — Acha que sou tão correto... — sussurrou, junto ao ouvido dela, a respiração cálida tocando-lhe o pescoço. — Sei que é. — Bem, talvez deva se lembrar que não tenho uma mulher há muito tempo. — Que elogio — sussurrou ela, com a garganta seca. — É mesmo — retrucou Richard. — Porque é a única coisa que

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me fez desejar sair das sombras. Ela estremeceu, sentindo a boca seca. — Que droga, Laura — disse ele, num tom que expressava o mesmo desejo que ela sentia. — Quando olho para você, tudo que quero é sentir seu gosto e... Um calor intenso a envolveu, e Laura colocou a mão sobre o coração, que batia disparado. — Sentir sua pele nua sob a minha boca... Ela sufocou um gemido. — E estar... — a voz dele baixou ainda mais —, dentro de você...

CAPÍTULO V

D

entro de você. As palavras de Richard evocavam imagens de

corpos ondulantes, beijos ardentes, e ela apoiou-se nele. Ele segurou-a pelos ombros, enterrando o rosto na curva do pescoço macio. Ela se mexeu, e Richard gemeu baixinho. — Laura... — O perfume feminino o invadiu como chuva fresca num deserto árido. Molhando os lábios com a ponta da língua, ela ergueu a mão para tocá-lo, mas parou. Richard segurou-a pela cintura e virou-a, agarrando as duas mãos de Laura e prendendo-as atrás das costas, com uma só mão. O movimento fez os corpos se tocarem e ela pôde sentir a rigidez de Richard, agora que estavam de frente um para o outro. — Sente o que faz comigo? Ela ergueu o olhar para fitar o rosto escondido na escuridão. — Não é mais do que você faz comigo — sussurrou, o corpo ardendo de desejo. O rosto dele aproximou-se ainda mais. — Seria capaz de fazer isso sem me ver? — disse ele, os lábios tocando de leve os dela. Uma emoção intensa os envolvia. — Sim. No mesmo instante a boca máscula cobriu os lábios de Laura, num beijo ardente e apaixonado. O beijo tornava-se cada vez mais exigente, e ela aceitou, entregando-se à gloriosa sensação que a envolvia, como uma onda ardente e avassaladora. O coração batia disparado, e quando ele apoiou-se contra a parede, acomodando-a entre as coxas fortes, Laura não protestou. Era tudo tão erótico... A escuridão, o fato de não poder tocá-lo, quando desejava enterrar os dedos nos cabelos macios, mostrando-lhe tudo o que provocava nela. A língua exigente invadiu-lhe a boca e Laura abriu os lábios, fazendo Richard gemer de desejo. Uma das mãos dele segurava-lhe os dois pulsos, mas a outra lhe acariciou as costas, puxando-a para mais perto. Ela se mexeu, gemendo de frustração por não poder tocá-lo. 33


Richard quase perdeu o controle quando a língua de Laura acariciou-lhe os lábios, cheia de paixão. Era exatamente o que os dois pareciam querer extinguir com os beijos. Mas ela só aumentava. Cada vez mais. A mão dele subiu até o ombro de Laura, a ponta dos dedos tocando a pele nua, sob o roupão. O simples toque provocou uma reação intensa, como se fogo líquido lhe percorresse as veias, e ela arqueou o corpo. A mão deslizou, tocando o seio macio, e Laura beijou-o de modo selvagem, apertando o corpo contra o dele. Se não podia tocá-lo, tinha que expressar a paixão de outras maneiras. Os dedos fortes acariciaram o mamilo ereto, enquanto os beijos se tornavam mais ardentes. Richard sentia-se vivo e louco de desejo. Queria mais. Queria sentir as mãos dela em seu corpo, o corpo dela nu colado ao seu. Queria sentir o toque de uma mulher. Daquela mulher. Só ela. Mas não podia. Aquilo era tudo que poderiam ter, e sabia que tinha cruzado uma barreira que jamais deveria ter ignorado. Bruscamente, afastou os lábios dos de Laura. — Não — gemeu ela, sabendo que iria deixá-la. Estava louca de desejo. — Não posso. — Ele mal podia respirar. Afastando-a dele, endireitou-se. Com um suspiro, soltou-a, e Laura cambaleou, sentindo as pernas fracas. Ele amparou-a e Laura apoiou as mãos nos ombros dele. Richard enrijeceu. — Laura, não... Ela não obedeceu e deslizou as mãos pelo peito musculoso, coberto pelo roupão de seda, sentindo o coração dele disparar, os músculos enrijecendo quando ela tocou o cinto do roupão. Ele ficou imóvel, cada fibra do corpo tensa sob o toque delicado. — Não fiz isso por piedade, Richard — disse, num tom suave. Seus dedos deslizaram mais para baixo. — Eu quis. — A mão delicada tocou-o, antes de virar-se para subir a escada. — Ou será que não percebeu? Richard continuou ali, imóvel, incapaz de responder ou de fazer qualquer movimento. Observou-a subir a escada, o roupão meio aberto, expondo boa parte dos seios. Ela não fez nenhum gesto para tentar cobrir-se, e parou no meio da escadaria, voltando-se para ele. — Ainda detesta o que faço você sentir? Ele apoiou-se na parede. — Sim... e não. — Que parte de você vencerá, Richard? O homem cujos beijos me levaram ao céu, ou a fera que está trancada dentro dele? — Com essas palavras subiu correndo os degraus, como se tivesse medo de ceder e voltar correndo para os braços dele. Quando ela desapareceu de vista, Richard esmurrou a parede. Tinha sido um tolo em tocá-la. Tinha que ficar longe dela. Mas apenas o pensamento de não vê-la já era doloroso demais... Richard a evitara por alguns dias. Dois, para ser exato, e isso o deixava louco para ter companhia. O ruído de passos e as risadas de

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Kelly não estavam ajudando nem um pouco. O som competia com a chuva do lado de fora. O ruído, a música e as risadas chegavam até ele, provocando uma enorme vontade de ver o que acontecia. Mas continuava dizendo a si mesmo que tinha muito trabalho a fazer. Ele olhou para os três computadores, através dos quais gerenciava as empresas e comunicava-se com os empregados, e então pegou o controle remoto, ligando a tevê. Colocando o volume bem alto, tentou abafar o som das vozes femininas que brincavam na casa. Mesmo olhando para o programa de entrevistas, não podia deixar de se admirar ao ver como Laura se envolvera com a menina, em poucos dias. Não eram apenas as brincadeiras, as risadas, mas os pequenos cuidados que percebia, como as fitas nos cabelos de Kelly, combinando com as roupas, o modo como arrumava a mesa. E também como deixava de lado qualquer coisa quando a menina precisava. Só que ele desejava estar lá para abraçá-la, para amarrar os sapatos, enxugar as lágrimas. Ele ligou o interfone, no volume máximo, para poder ouvir o som da casa toda. Era estranho, depois de tanto tempo vivendo no silêncio. — Srta. Laura, veja! Ele ouviu passos e um gemido... de Laura. Da última vez que ouvira aquele som, ela estava em seus braços, entregue aos beijos ardentes. Esfregando os lábios, tentou afastar as lembranças. — Oh, Kelly, coitadinho! — Se ficar no estábulo pode ser pisoteado, não é? — Sim. — Posso pegá-lo? — Oh, temos que pegá-lo. Vista a capa. Vai ter que se agachar e ser paciente. Se ele vier até você, podemos trazê-lo para dentro. Se não vier é porque não está pronto para ficar conosco, e pode arranhar você. — Está bem — disse Kelly. — Mas ele virá. Franzindo a testa, Richard levantou-se e foi até a janela que dava para o pátio de trás. A filha correu na direção do estábulo, vestindo uma capa amarela. Ali, bem na porta, estava um gatinho minúsculo, preto como carvão. Kelly ajoelhou-se e estendeu a mão, esperando, como Laura ensinara. Richard apertou o botão do interfone. — Um gato, Laura? — É um gatinho, e eu imaginei que estivesse trabalhando. Ele ignorou o comentário. — Não acho uma boa idéia. Ela tem apenas quatro anos. — E precisa de algo para cuidar. Vai aliviar a dor da perda, Richard. Precisa sentir que é capaz de lidar com as situações, e o gatinho é inofensivo. — Gatinhos miam fora de hora, e isso não vai diminuir a dor. — É, não vai. Ela precisa que o pai deixe a caverna e venha ficar com ela. Mas não pretende fazer isso, não é? A culpa dominou-o e, sem querer, olhou para a mão coberta de cicatrizes. — Droga, Laura, sabe que não posso fazer isso. — Não, Richard, eu não sei. — A exasperação era evidente na voz

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dela. — Só sei que está descontando a reação de algumas pessoas em mim e em Kelly. E está negando a si próprio muito amor. Richard passou a mão pela nuca dolorida. — Veja! Veio até ela! A excitação na voz de Laura atingiu-o como um golpe. — Laura... A voz dela soou mais baixa: — Ande devagar, querida. O chão está escorregadio. Segure-o com cuidado, ele é um filhotinho. — Ela estava na porta dos fundos, e sua voz misturava-se ao ruído da chuva. Então Laura aproximou-se do interfone, a voz rouca de emoção: — Se pudesse ver o rosto dela, não questionaria nada. E prometo, vou ensiná-la a cuidar do gatinho. Será minha responsabilidade. Está bem assim, meu senhor? Como poderia recusar, sem parecer cruel? — E também cuidarei para que o gatinho jamais o veja. Ele olhou para o interfone com expressão séria. — Muito engraçada. Está bem. É sua responsabilidade. Richard desligou, mas ainda podia ouvir a voz de Laura, vinda do alto-falante junto à escrivaninha. Estava ajudando Kelly a tirar a capa e os sapatos molhados. — É lindo! — disse Laura. — Posso ficar com ele? — perguntou Kelly, num sussurro. — É claro que pode. Ele precisa de uma casa. — Mas... o que papai vai dizer? — A voz da menina expressava medo, e Richard não gostou nem um pouco disso. Não queria que tivesse medo dele. — Seu pai acha a idéia maravilhosa. Mentirosa, pensou Richard. E embora não pudesse ver o sorriso de Kelly, pôde senti-lo, completamente. Laura estava decidida a fazê-lo parecer um herói diante da filha. — É um gato ou uma gata? — sussurrou Kelly. Houve uma pausa, uma risada, e então, a resposta: — É uma gata, querida. Três presenças femininas na casa. Como um homem podia suportar aquilo? Ainda assim, encostado no batente da janela, Richard desejou estar com elas. Queria ver o rosto de Kelly, segurando a gatinha. E a dor sufocou-o, mais uma vez. — Os olhos dela parecem os seus, srta. Laura. — Não acho que os meus sejam tão verdes, ou tão lindos. Mas eram, pensou Richard. Cor de esmeralda e misteriosos, como os de um felino. — Vamos mantê-la aquecida. Pobrezinha, está tremendo. Vamos para a sala, acender a lareira. Só tem que mantê-la enrolada na toalha e deixar que se acostume com você. — Como nós vamos chamá-la? Nós. Ela já estava apegada a Laura, pensou Richard, e quando as vozes desapareceram, não conseguiu ficar parado. Precisava ao menos ouvir o que diziam, já que não podia ver a menina, pensou, descendo

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pela escada de serviço. — ...mas nunca soube de um gato que atendesse quando chamado pelo nome — ouviu ele, alguns minutos depois. — Já teve gatinhos? — perguntou Kelly, e Richard deslizou pela porta escondida, entrando na cozinha e espiando. Laura acendia o fogo na lareira. — Sim. Quando eu era criança tínhamos pelo menos uns três, além dos cachorros e das cabras. — Ela sorriu para a menina, fazendo o sangue de Richard ferver nas veias. — Gado, galinhas e montes de amendoins. — Amendoins? — Meu pai é fazendeiro. Planta amendoins. O rosto de Kelly se iluminou. — Ele faz manteiga de amendoim? — Não. Ele vende a colheita para as fábricas. — A risada de Kelly encheu o ar, e Richard sentiu uma estranha emoção percorrê-lo. — O que acha? — perguntou, apontando a lareira. — Está gostoso, mas a gatinha ainda está tremendo. — Fale com ela com carinho, até acostumar-se com a sua voz e perceber que não vai machucá-la. Enxugue o pêlo dela devagar, enquanto vou buscar um pouco de leite. Sentada no canto do sofá, Kelly olhava para Laura, com olhos muito brilhantes. — Muito, muito obrigada, srta. Laura. — Por nada, querida — disse Laura, beijando-a, carinhosamente. Laura afastou-se, parando junto à porta para observar a menina e a gatinha. Animais eram uma das melhores coisas que havia para crianças que cresciam na fazenda. Na cozinha iluminada apenas pela luz do fogão, ela abriu a geladeira e tirou o leite, virando-se para o armário para pegar um pires. A mão parou no ar. — Há quanto tempo está aqui? — perguntou, suavemente, percebendo que ele estava ali, atrás dela, do outro lado do balcão. No silêncio, podia ouvi-lo respirar. Não tinham ficado tão perto desde o beijo na escada e Laura estremeceu ao lembrar. Imaginara que ficar longe dele apagaria as lembranças, mas estava enganada. O simples fato de sabêlo tão perto deixava seu corpo em chamas. — Tempo suficiente para saber que é filha de um fazendeiro. — Isso mesmo. Sou a mais velha. — Quantos irmãos tem? — Cinco. Três meninas e dois meninos. — Ela despejou leite no pires. — A diferença de idade é pequena. — Deve ter sido bom. Fui o único filho. Algumas vezes ela desejara ser filha única, mas não muitas. — Era barulhento, apertado, mas não trocaria minha família por nada. Richard sorriu, adorando quando o sotaque dela ficava mais acentuado. Tinha curiosidade em saber mais sobre o passado de Laura. — Então, por que entrou nos concursos de beleza? Além do óbvio.

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Quantas vezes ela ouvira isso? Era óbvio que uma mulher tão linda participasse de concursos. Era óbvio que os homens a desejavam apenas pela beleza. — Que importância tem isso? — Só queria saber mais sobre a mulher que cuida da minha filha. E também estou curioso para saber como saiu da fazenda e foi parar no Departamento de Estado. Tinha o direito de saber, admitiu Laura. Se fosse filha dela, faria o mesmo. — Minha família é muito pobre. Minha mãe percebeu que poderia conseguir algum dinheiro se me levasse a concursos, ou para trabalhar em comerciais. Comecei a trabalhar quando era pouco mais velha do que Kelly. — Ela deu de ombros. — Quando cresci o suficiente para entender, percebi que era um negócio impiedoso, com uma competição acirrada e injustiças. E decidi participar de concursos que me proporcionassem o melhor prêmio em dinheiro, ou bolsas de estudos, para poder ir para a universidade, e deixar a fazenda. — Admirável. Ela franziu a testa, tentando vê-lo melhor. Ele continuava parado entre duas portas abertas, uma que levava à frente da casa e outra que conduzia à escada, na parte de trás. A tentação de acender as luzes era grande, mas ela prometera, e costumava manter a palavra. — Estava tentando fugir das suas raízes? — Não. Só não queria ser mulher de um fazendeiro, com cinco filhos, economizando cada centavo e rezando todas as noites para que a chuva viesse, ou a colheita se perderia. A amargura na voz dela o surpreendeu, — Sinto muito... — Não sinta. — Ela suspirou. — Foi difícil, mas não sabíamos que éramos pobres. Todos à nossa volta viviam do mesmo modo. — Ela riu, mas o som não revelava alegria. — Hoje, mamãe e papai estão bem. Mas mamãe ainda remenda roupas velhas, economiza e aproveita todas as sobras de comida. — Laura sacudiu a cabeça. — Parece que algumas coisas nunca mudam. Pegando o pires de leite, foi para sala, sem saber se Richard estaria ali quando voltasse. Ou se iria voltar. Ao colocar o pires no chão de pedra, perguntou a Kelly se gostaria de chocolate quente. O sorriso da menina foi à resposta, e ao voltar para a cozinha, Laura percebeu que ele continuava lá. Parte dela vibrou de prazer, vendo que ele não se fora. A outra a lembrou de Paul e das lições que aprendera sobre os homens. Pegando o pacote de chocolate, virou-se para ele. — Quer uma xícara? — Não, obrigado. Como aquelas simples palavras podiam ser tão sedutoras no escuro? E como podiam fazer de conta que nada acontecera entre eles? Era mais fácil agir assim na semi-escuridão. Laura pigarreou, tentando afastar as lembranças eróticas. — E seus pais, sua família?

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— Kelly é tudo que tenho. Meus pais morreram, com seis meses de diferença, antes de eu me casar. Como devia ter sido triste viver sozinho, imaginou, sabendo que ele detestaria sua piedade. — Mais uma razão para conhecê-la melhor, Richard. Logo estarão sozinhos. Richard não podia sequer imaginar aquilo. Para ele, Laura tinha que ficar. E a tentação de tê-la por perto era algo com que teria de se acostumar. Não podia deixar que Kelly o visse. A menina já tinha uma imagem dele, e aos quatro anos de idade jamais poderia pensar no que o acidente fizera com ele. Ela o rejeitaria, e era exatamente isso que Richard queria evitar. Andréa não se importara de disfarçar o choque e a rejeição, quando as ataduras tinham sido retiradas. Com uma criança não poderia ser diferente. Laura talvez tivesse um pouco mais de tolerância, mas não podia arriscar. Não depois de tê-la abraçado. Não depois do beijo que o tocara tão profundamente. A rejeição seria insuportável. Era em Kelly que devia pensar, e não nas reações do seu corpo, no desejo por uma mulher. Era melhor continuar no escuro e ficar distante de Laura. Para evitar o perigo. — E a família da sua esposa? — Ex-esposa — corrigiu ele. — Ela também não tinha família. Pelo menos, nunca mencionou ninguém. Laura assentiu, curiosa sobre a mulher com quem ele se casara, mas sem querer tocar feridas profundas. O tom da voz dele era suficiente para mostrar como ainda estava magoado. O mais importante era que Kelly não tinha parentes e jamais saberia o que era ter avós, ou primos. Isso a deixou ainda mais decidida a fazer Richard sair da escuridão. Os dois precisavam um do outro. Não tinham mais ninguém. Depois de preparar duas canecas de chocolate, dirigiu-se para a porta. — Por que deixou de ensinar os filhos de diplomatas e foi trabalhar na Wife Incorporated? Ela virou-se para o lugar onde Richard continuava escondido nas sombras. — Por causa de um homem — respondeu, com sinceridade. — Um homem que amei de verdade. Richard sentiu a dor e a angústia na voz dela, e isso o feriu profundamente. — Oh, Laura. O que ele fez? — Mentiu, enganou, traiu. E o pior... Ele me queria só pela aparência. Como vê, Richard — continuou, amarga —, temos mais em comum do que você imagina. — Não concordo. — Não? Então não me quer apenas por minha beleza? — Droga, Laura, é muito diferente. Não tem idéia do que é ser tão medonho. — Não, não tenho. Mas sei muito bem o que é ser julgada pela aparência.

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De repente, Kelly apareceu correndo na sala de jantar, e Laura parou. — Está falando com papai? Ele está aqui? Posso vê-lo? — Ela aproximou-se, e ao olhar para a cozinha, Laura soube que ele tinha desaparecido. — Sim, querida, era ele. A menina ergueu o olhar, abraçando a gatinha contra o peito. — Ele não quer me ver? — Os lábios tremiam, e os olhos azuis encheram-se de lágrimas. O coração de Laura apertou-se. Como Richard podia fazer aquilo com a filha? — Sim, querida, ele quer. Só que não pode vê-la... ainda. — Quando vai poder? A tristeza na voz da menina era tão intensa que os olhos de Laura se encheram de lágrimas. — Logo — sussurrou, imaginando se Richard Blackthorne sairia do esconderijo para ficar com sua princesinha.

CAPÍTULO VI

R

ichard ouviu o caminhão, a campainha da porta, e imaginou

por que o entregador não deixara os pacotes na escada, como de costume. E então, entendeu. Laura. Os boatos deviam correr depressa na cidade, e todos estavam curiosos para ver a bela mulher que estava no castelo, com a fera medonha que se escondia na escuridão, pensou Richard, com um sorriso amargo. Mas Laura não se importava com admiradores. Ela mesma dissera que os homens se interessavam apenas por sua beleza. Até mesmo o homem a quem amara. O homem que a enganara, traíra, magoara-a a ponto de fazê-la abandonar o emprego na embaixada. E que era um idiota, decidiu Richard, e não merecia uma mulher como Laura Cambridge. Ela era carinhosa, generosa, e merecia um homem que a apreciasse. Ele vira a humilhação nos lindos olhos verdes, a vergonha e a raiva, que não tinham desaparecido. Há quanto tempo teria acontecido? Quem seria ele? Olhando para o pátio, logo abaixo, viu Laura sentada à mesa de piquenique, observando Kelly brincar e desenhando alguma coisa num bloco. Quando o entregador se aproximou, deixou o bloco de lado e assinou o recibo de entrega, indicando com um gesto os degraus dos fundos, onde poderia deixar os pacotes. Mas o entregador não foi embora. Em vez disso, sentou-se ao lado de Laura. Bem perto. Fitando-a intensamente. Richard rangeu os dentes quando ela riu de algo que o rapaz dissera, e ofereceu-lhe café da garrafa térmica que estava sobre a mesa. Será que ele não tinha mais nada para entregar? Dewey apareceu. Richard pensou que a expressão sisuda do amigo seria suficiente para afastar o rapaz. Mas se enganou. Laura serviu 40


café a Dewey, e embora ele tomasse o café depressa, olhando para o entregador com ar muito sério, o jovem, muito bonito, e no mínimo cinco anos mais jovem do que Laura, pareceu não perceber. Richard teve vontade de abrir a janela e gritar, dizendo ao sujeito para ir embora. Estava com ciúme. Louco de ciúme, admitiu, passando a mão pela cicatriz do rosto. Ótimo. Era exatamente o que precisava. Não parecia fazer diferença o fato e não tinha direito de ter ciúme de Laura. Ela não lhe pertencia. Tinha apenas Kelly, e sem Laura, até mesmo cuidar dela seria difícil. Laura, Dewey, Kelly... Eles eram a família que vivia na casa. Ele era apenas uma sombra. Um eco do homem que fora um dia. Oh, Deus, como a vida dele havia se transformado naquilo? Nunca pensara em si mesmo como um covarde, e era contra sua natureza agir assim. Só estava se escondendo para poupá-las. Não queria ser fonte de pesadelos para nenhuma delas. Uma batida soou na porta atrás dele, e Richard desviou o olhar da janela. Sabia que era a empregada, a sra. Coleson. Pedindo a ela que esperasse um minuto, entrou no hall da escada de serviço e dirigiu-se ao segundo andar. A empregada não demoraria muito, pensou, enquanto atravessava os corredores, parando entre o quarto de Kelly e o de Laura. Tinha vontade de entrar no quarto de Laura e espiar, mas não seria honesto. Entrando no quarto de Kelly, recolheu alguns brinquedos e checou a estrutura da cama alta. Logo ouviu risadas novamente e espiou pela janela. Kelly corria em círculos, enquanto a gatinha tentava pegar os laços dos tênis da menina. Agarrando a cortina, amassou o tecido delicado com força. Daria tudo para estar ali, rindo, com a filha, sorrindo para Laura, sentindo o sol no rosto. De repente, Laura virouse, o olhar dirigido exatamente para onde ele estava. Mesmo à distância, ele viu a fúria nos olhos verdes. Por que estava tão zangada? Era ela quem estava flertando com o entregador. O rapaz acompanhou o olhar dela e rapidamente devolveu-lhe a xícara, tocando o boné num gesto de despedida ao partir. Laura deu as costas para Richard, despediu-se do entregador e sorriu para Kelly, que engatinhava ao lado da gatinha. Era bom vê-la sorrir outra vez. A menina andava triste, desde aquela noite em que o pai estivera tão perto, na cozinha, mas se recusara a vê-la. Os sentimentos de Kelly tinham sido feridos, e quando perguntara por que o pai não a queria, a raiva de Laura tinha aumentado. Só que isso não a impedia de desejá-lo, cada vez que ouvia a voz dele. Tinha que parar de pensar nele, lembrou-se, mais uma vez. Paul a desejara pela beleza, e agora Richard fazia o mesmo. Era melhor cuidar de Kelly, ensiná-la a tratar da gatinha, que agora usava uma coleira verde, com um sininho que tilintava enquanto tentava agarrar os cordões dos tênis. O novo membro da família agora tinha um nome. Serabi. A própria Kelly o escolhera, assistindo a desenhos na tevê. Laura tornou a pegar o bloco e concluiu o desenho que fizera de

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Kelly. Desenhar fora seu hobby, quando era mais jovem, e embora ainda adorasse essa arte, nunca mais desenhara depois de deixar a faculdade. A empregada estava limpando a casa, e ela tinha pouco a fazer, além de cuidar de Kelly. Sorrindo, viu a menina colocar a gatinha dentro do casaco. O amor que sentia por aquela criança crescia cada vez mais. É tudo que tem, disse uma vozinha que não queria ouvir. Então, por que a semana passada tinha sido tão feliz, tão diferente dos dias ao lado de Paul? Afastando esses pensamentos perturbadores, voltou a desenhar, até que o vento forte obrigou-as a entrar em casa. Assim que entraram, Serabi correu para investigar todas as portas e frestas dentro de casa. Kelly já ia segui-la quando Laura a impediu. — Espere. Primeiro você vai se lavar, enquanto eu preparo o jantar. Kelly gemeu dramaticamente, mas obedeceu, entrando no banheiro. — Vou inspecionar suas mãos, senhorita. — Sim, senhora — respondeu a menina, e Laura sorriu, pegando uma frigideira e os ingredientes para fazer o macarrão cabelo-de-anjo especial que Kelly gostava. Quando a menina voltou do banheiro, Laura mandou-a para a sala para procurar a gatinha e assistir a um vídeo. O zumbido do interfone ecoou na cozinha. Virando-se, ela apertou o botão. — Chamou, meu senhor? — Está perdendo seu talento para a comédia nessa cozinha. Ela sorriu, sentindo que a raiva diminuía. — Incrível, não é? — Por que aquele entregador demorou tanto? Será que estava com ciúme?, pensou Laura. — Estava apenas sendo gentil. — É mesmo? — Sim. É um bom rapaz, que está estudando muito para terminar o mestrado. — Pouco me importa o que faz. Não quero estranhos perto da minha filha. — Entendo. Mas acho que Dewey e eu podemos protegê-la muito bem. — Pense um pouco, Laura. Sou um homem muito rico, e não quero que ninguém seqüestre minha filha por causa de um resgate milionário. — Não acha que está exagerando? — Não, não acho. — Então o que isso significa? Que não podemos ter visitas? Nem sair de casa? Espera realmente que Kelly se transforme numa eremita, sem motivo nenhum? — Ela ergueu o indicador, como se ele estivesse a sua frente. — Pois me deixe dizer-lhe uma coisa. Isso não vai acontecer! Não enquanto eu estiver por aqui. Ela precisa ir para a escola, brincar com outras crianças. Sente falta dos amigos, da casa e da mãe, e não se

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esqueça, sr. Blackthorne, fui contratada para cuidar dela. E se não confia em mim para protegê-la — disparou, num tom decidido —, trate de descer e cuidar dela sozinho! — Espere, eu... — a voz dele ressoou no interfone. — Está zangada comigo? Ela inclinou-se, falando bem perto do aparelho: — Não. Estou furiosa. Feriu os sentimentos de Kelly na outra noite. Estava a alguns metros dela e recusou-se a vê-la. — Laura respirou fundo. — Ela sentiu-se rejeitada, ferida. E acha que não a quer aqui. — O quê? — O que acha que uma garotinha de quatro anos pode pensar ao perceber que o próprio pai não quer vê-la nem falar com ela? Que estranho, não é? Como pode sentir-se rejeitada? — provocou Laura, sarcástica. — Droga! — Concordo. O que pretende fazer a esse respeito? — O que posso fazer? — Desça e venha falar com ela. — Acha que não quero isso? Mas não vou aterrorizar minha própria filha. — Ela o ama incondicionalmente. É algo que os pais conseguem dos filhos, sem precisar fazer nada em troca. — Laura desligou o interfone, recusando-se a continuar. Mas depois de alguns instantes, apertou o botão mais uma vez. — É sua vez de jogar. Faça-o agora, ou saia de campo. — O que quer dizer com isso? — A voz dele parecia ameaçadora, mas Laura não se importou. — Fique escondido até ela esquecer que tem um pai, até que aprenda a viver sozinha. Talvez seja melhor. — Ela desligou novamente, voltando a preparar o jantar. Richard chamou-a duas vezes, mas Laura não atendeu. Por fim, recostou-se na poltrona de couro, esfregando as mãos no rosto. Mulher teimosa. Quem ela pensava que era para ensinar-lhe como cuidar da filha? Era apenas a babá, mais nada. Ele estabelecia as regras. Kelly era sua filha, e iria criá-la como achasse melhor. Richard estava amarrando os tênis, quando viu a patinha preta sob a porta e ouviu o miado. Endireitando-se, abriu a porta. A gatinha espiou, erguendo o olhar para vê-lo. Era impossível não sorrir. A gatinha esfregou-se nos tornozelos dele, ronronando, e Richard abaixou-se, pegando-a no colo. — Está invadindo meu quarto, garota. Era tarde, a casa estava silenciosa. Kelly estava na cama, e ele imaginava que Laura estaria no quarto, ou no andar de baixo. Já fazia algum tempo que não ouvia qualquer ruído. A gatinha miou, e Richard apertou-a contra o peito, decidido a levá-la de volta para a filha, antes de sair para a corrida noturna. Mas a gatinha deslizou para cima, lambendo-o no pescoço. Ele estremeceu, ansioso pelo contato com outra criatura viva, e enterrou o rosto no pêlo macio, enquanto descia as es-

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cadas. Serabi ronronou mais alto. Richard entrou silenciosamente no quarto de Kelly, iluminado apenas pela pequena lâmpada num dos cantos. Ele colocou a gatinha na cama e observou-a, enquanto ajeitava o cobertor. A mão da menina imediatamente pousou nas costas do animalzinho. Ela pensa que você não a quer aqui, dissera Laura. Desde aquela manhã, ele tentava pensar num modo de fazer a menina entender que era a melhor coisa que acontecera em sua vida. Que precisava muito dela. Cuidadosamente, sentou-se na beirada da cama, observando-a dormir. Serabi ergueu a cabeça, lançou-lhe um olhar sonolento e voltou a dormir. Kelly espreguiçou-se e Richard ficou tenso. Os olhos dela se entreabriram e ele ficou imóvel, o coração disparado. Estava tão escuro que não podia ver mais do que a silhueta dele. Não queria que pensasse que havia algo estranho ali. — Papai? Ele ouviu a voz trêmula e rezou para que não estivesse com medo. — Sim, princesa? — Está zangado? — Não, querida. Por que achou que estaria? — Nunca vem me ver. — Estou aqui agora, não estou? Houve uma pausa, e então ela respondeu: — Sim, acho que sim. Richard fez o que não deveria. Inclinando-se, tomou-a nos braços. A gatinha protestou, e ele colocou-a sobre o travesseiro. Os braços de Kelly rodearam-lhe o pescoço, e ela aninhou-se. A garganta de Richard apertou-se, e ele sussurrou, junto ao ouvido da menina: — Eu te amo, Kelly. Te amo demais. Estou tão feliz por estar comigo agora... — De verdade? — É claro, meu bem. Eu te amo muito. Gostaria de poder ir lá fora, brincar com você, mas é impossível. — Por quê? — Porque... não posso ficar no sol. — Seus cortes ainda doem, papai? Mamãe disse que foram muito fundos. Richard fechou os olhos. Fundos? Eles tinham atingido até sua alma. — Sim, querida. Às vezes doem muito. De um modo que ele esperava que ela jamais sentisse. — Oh! — Kelly suspirou, aninhando o corpo quente e macio contra o peito dele. — Uma vez eu caí e machuquei o joelho. Doeu muito tempo. Richard sentiu a garganta seca. Ela tentava demonstrar que compreendia, e o coração dele apertou-se. — Eu estava tão sozinho até você chegar, Kelly! — Eu também, papai. — A mão delicada tocou a cicatriz na garganta dele, sem parecer notá-la. — Eu te amo — sussurrou, bocejando

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em seguida. Amor incondicional, dissera Laura. E perdão? Ele acariciou-a e ninou-a, sem vontade de deixar o presente tão precioso que a vida lhe dera. Os braços dela afrouxaram o aperto, e ele percebeu que adormecera. Afastando a gatinha, delicadamente colocou Kelly na cama. Serabi ajeitou-se, e as duas bocejaram. Richard afastou-se. — Não vá, papai. Ele sorriu ternamente e sussurrou: — Vou ficar aqui, meu bem. — E sentando-se na cadeira de balanço, pegou um livro de histórias. Os olhos de Kelly se abriram, e no escuro, ele começou, baixinho: — Era uma vez, numa terra distante, uma linda garotinha... Além da colina, além do muro de pedra que cercava a casa, Laura estava parada à beira-mar, os dedos dos pés enterrando-se na areia, as mãos enterradas nos bolsos da jaqueta. Sentia-se mal por pressionar Richard, mas nunca conhecera um homem tão teimoso quanto o senhor do Castelo Blackthorne. O vento levantava os cabelos macios e atravessava a calça de algodão, fazendo-a estremecer. Mais chuva, mais trovões, pensou, dizendo a si mesma que seria bom checar se havia previsão de furacões. Olhando para a casa, viu a figura que descia correndo o caminho às escuras. Era Richard. Ele desapareceu junto ao portão para ressurgir em seguida, correndo na direção dela, num passo firme. Imediatamente Laura recuou. Ele usava um capuz e um abrigo escuro, que o deixavam quase invisível na noite iluminada apenas pelas luzes de segurança que vinham da casa. Ao vê-la, ele parou. Por um instante, ela hesitou, mas logo se virou, andando na direção da casa. — Laura — disse ele, ao vê-la passar, sem fitá-lo. — Não quero que Kelly fique na casa sozinha. — Os alarmes estão ligados. — Isso não faz diferença se ela acordar e começar a me procurar. Por ela, não por ele, pensou Richard, sentindo a frustração dominá-lo. Mas era por isso que Laura estava ali. Para cuidar de Kelly e amá-la. Para fazer tudo que ele não podia. — Laura, espere. — O quê? Outra discussão? Já sabe o que sinto. — Sei? Uma noite se entrega nos meus braços, e na outra fica furiosa. — Com razão, nas duas situações — disparou ela. — O beijo não tem nada a ver com a sua filha e com o quanto ela deseja estar com você. — Eu sei — disse Richard, aproximando-se. — Só queria ter certeza se você sabia. Laura deu um passo para trás. — Não vamos falar sobre isso — disse, lutando contra o impulso

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de atirar-se nos braços dele e beijá-lo de novo. Como ele sempre conseguia arranjar um jeito de ficar na sombra? — Isso não fará com que desapareça — retrucou ele. Um silêncio pesado pairou no ar, e Laura podia ouvir-lhe a respiração, o vento contra as roupas dele, até que falou novamente: — Nem eu quero isso. Ela também não queria esquecer, mas precisava dizer o que sentia. — Não gosto que me usem. — Não sou aquele canalha que fez você sofrer, Laura. — Isso não importa. O beijo apenas mostrou como podemos perder a cabeça facilmente. — E como poderia ser maravilhoso, acrescentou, em silêncio. — Eu estava disponível, e quem eu era não fazia muita diferença. — Por que diz isso? — Gosto da verdade. É mais fácil encará-la. — Então está vivendo uma mentira. — De repente, ele aproximouse, e dessa vez, Laura não recuou. — Nunca usei uma mulher. E amei apenas uma vez na vida. — Ele respirou fundo. — E nada se compara ao que sinto quando você está perto. Laura sentiu os joelhos fraquejarem, o coração disparar. — É apenas atração. — Atração eu conheço. É algo apenas temporário. — E eu sou apenas temporária em sua vida, Richard — disse Laura, tentando manter a voz firme. — Meu Deus, o que esse homem fez com você? — perguntou ele, detestando aquela frieza, e querendo saber o que a causara. Ela ergueu o queixo, num gesto de desafio. — Ele me pediu em casamento, e cometi o erro de aceitar, acreditando que me amava. Dois dias antes do casamento, soube que iria casar-se comigo por causa de meus títulos de beleza, para me exibir para a sociedade. Richard murmurou, demonstrando compaixão, mas ela não queria piedade. Já bastavam as irmãs e os amigos, tentando confortá-la. — Paul pretendia continuar com a amante, e eu seria um troféu para mostrar aos amigos, receber visitas e gerar um lindo casal de filhos. — Ela sacudiu a cabeça, fitando o mar. — E eu não queria nada — disse, virando-se para Richard —, além de amor. — Ele foi um tolo, egoísta e arrogante. — Aquela mulher maravilhosa o amara e o idiota não reconhecera seu valor, pensou Richard. — Também prefiro pensar assim. Ele segurou-a pelo braço, e Laura estremeceu de expectativa. Mesmo assim, reagiu. — Não, Richard. Não posso me envolver com você. — Acho que não tem mais jeito. Está na minha casa, cuidando da minha filha... e me deixando louco. — Ele baixou a cabeça. O perfume dele a envolvia, e o calor do corpo forte aquecia a pele, protegendo-a do vento. Laura não podia mentir para si mesma. Apesar de saber que era arriscado, que poderia magoar-se outra vez, já que ele não sairia para a luz, nem por ela, nem pela filha, não pôde resistir.

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Queria que ele a beijasse novamente, precisava saber se o que havia sentido na escada era verdadeiro, se o toque dele realmente podia fazêla arder. Ou seria apenas o mistério do rosto e do corpo que não podia ver, a dor que escondia nas sombras? Ou seria apenas o erotismo daquela voz sedutora, que vinha das sombras e parecia enfeitiçá-la?

CAPÍTULO VII

R

ichard sentiu o gosto de Laura, antes mesmo de seus lábios

se tocarem. Ouviu o gemido abafado, pedindo mais. Então, a boca de Richard devorou a dela, e o calor espalhou-se por seu corpo, penetrando nos ossos, como um fogo incontrolável. — Laura — murmurou, e ela enterrou os dedos no peito dele, puxando-o para mais perto. — Não devíamos... — As mãos dela deslizaram pelo peito forte, mas Richard segurou-lhe os pulsos, prendendo-os atrás das costas de Laura. — Não — gritou ela, o desejo transformando-se em raiva. — Não posso — ofegou, afastando os lábios dos dele. — Não consigo viver assim. Se não confiar em mim, não pode haver nada entre nós. Ela lutou para livrar-se, e imediatamente Richard soltou seus pulsos. Laura não olhou para trás, enquanto corria para a casa, o corpo ansiando pelo dele, o coração partido. Richard viu-a afastar-se, tentando recuperar o fôlego. Aquilo não estava acontecendo, não podia ser, disse a si mesmo, o corpo ardendo de desejo. Mas, no mesmo instante, viu-se como uma imitação patética do homem que fora um dia. E detestou. Depois de uma corrida que testou até o limite seus músculos doloridos, Richard voltou para casa, pegando um copo de água antes de subir. Ao passar pela sala, encontrou um dos desenhos de Laura sobre a mesinha de café. Era um esboço de Kelly, dormindo na poltrona, com a gatinha. Havia outro, da casa, e mais um, de Kelly sorrindo graciosamente. O que o surpreendeu não foi apenas o fato de que eram muito bem-feitos, mas o amor que era possível detectar em cada traço. E tinham sido feitos num bloco simples, a lápis. Richard pegou um dos desenhos de Kelly e dirigiu-se ao quarto, quase sem se importar em ser descoberto vagando pela casa. Sabia que Laura faria de tudo para evitálo. Os dois dias seguintes provaram que estava certo. Laura deixava as refeições na porta da suíte, com uma batida na porta, e não mais do que duas palavras. Sabia que, se falasse com ele, às lembranças voltariam, e o desejo também. Também sabia que não iria adiantar, mas precisava de tempo para pôr a cabeça e o coração, no lugar. No entanto, cada vez que pensava nele, ficava mais confusa. Kelly parecia especialmente feliz naquele dia, e Laura tentou se concentrar na menina, para esquecer suas apreensões. Andaram na 47


praia, catando conchas, que lavaram e colaram na moldura de um espelho antigo que ela encontrara na garagem. Um dos lados da garagem estava todo desarrumado, enquanto o outro estava em ordem e limpo. Laura imaginou que muitas daquelas caixas deviam ter pertencido à exmulher de Richard, e guardavam lembranças do casamento. — Quer pintá-lo para combinar com seu quarto? — perguntou Laura, e Kelly negou, com um gesto de cabeça. — Quero dá-lo para o papai. Laura piscou, surpresa, mas logo sorriu. — Aposto que ele vai adorar. — Vou levar para ele. — Querida, não sei se é uma boa idéia. — Mas Kelly já corria para a casa, o tesouro apertado contra o peito. Laura seguiu-a, alcançando-a na escada. — Espere, Kelly. Precisa secar. Por que não põe em seu quarto, por enquanto? — Não! Quero dar para ele! Kelly soltou-se da mão de Laura e correu escada acima. Mas Laura foi mais rápida e alcançou-a, abraçando-a contra o peito. — Solte-me! — Querida, não pode vê-lo. Ninguém pode. Kelly começou a chorar e Laura sentou-se nos degraus, abraçando-a carinhosamente e pondo de lado o espelho. Algumas conchas caíram, e a menina passou os braços e pernas à volta de Laura, soluçando. — O que está acontecendo aí? Laura não respondeu à voz que soava no interfone, sussurrando palavras carinhosas para a menina e carregando-a escada acima, sem esquecer do tesouro. Os soluços de Kelly diminuíram quando Laura colocou-a na cama, tirando-lhe os sapatos. Embora fosse a hora em que costumava dormir, lutava contra o sono. — Quero Serabi. Afastando os cabelos do rosto da menina, Laura sorriu. — Vou buscá-la. Assim que saiu do quarto, Kelly sentou-se, desceu da cama, e empurrou a cadeira da escrivaninha até a parede. Equilibrando-se na ponta dos pés, apertou o botão do interfone. — Papai? Tenho um presente para você. Eu mesma fiz. É um espelho. Ele não respondeu. — Papai? — Foi muito gentil, querida. Tenho certeza de que é lindo. — Você não quer? — Quero, sim. Muito. — Então venha buscá-lo — disse Kelly, em tom de choro. — Não posso, querida. — Pode, sim! — gritou Kelly. — Vi você na praia. Pode, sim. Laura entrou, trazendo a gatinha. Ouvira o suficiente para saber o que estava acontecendo. O gemido doloroso de Richard ecoou no interfone. — Venha, querida — disse, tirando Kelly da cadeira e carregando-

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a para a cama. A menina começou a chorar outra vez, chutando as cobertas. — Não vou lhe dar Serabi, se continuar assim. A garotinha suspirou, fitando-a através da franja de cabelos escuros. Os lindos olhos azuis revelavam tristeza. — Desculpe-me — murmurou. — Não é sua culpa, meu bem. Sei que está zangada porque seu pai não veio até aqui. — E eu também, pensou Laura. — Mas precisa se acalmar. Prometo que darei o espelho a ele. — Como pode vê-lo, e eu não? — Também não o vi. — Mas ele estava na cozinha com você! — Estava escuro. Eu não o vi. — Oh! — Agora durma um pouco e descanse. Quem sabe mais tarde possamos dar uma volta de cavalo. — Está bem — respondeu ela, pegando a gatinha. Laura sacudiu a cabeça. — Acho que Serabi não está com sono. — E como se quisesse confirmar que ela tinha razão, a gatinha escapou para o chão e correu. Kelly pareceu subitamente muito só. Não podia deixá-la sozinha. Laura tomou-a nos braços, carregando-a para o próprio quarto, onde a colocou na cama. Tirando os sapatos, deitou-se ao lado da menina, que logo se aconchegou a ela. Colocando uma colcha sobre as duas, Laura continuou sussurrando palavras doces. — Eu gosto muito de você, Kelly — sussurrou, antes de adormecer. — Eu também de você — disse Kelly. Richard ficou parado no quarto de Laura, observando-as enquanto dormiam. Queria deitar-se na cama com elas, abraçá-las. E amaldiçoou o momento em que vidro e metal haviam dilacerado seu corpo e sua vida. Sentia-se como um monstro acorrentado, que magoava todos que gostavam dele, quando tentavam se aproximar. Estava tão feliz por ter as duas em sua vida, e só agora percebia como era solitário antes disso. A emoção, de repente, tomara conta do Castelo Blackthorne. Podia senti-la no ar. E sabia que, quando Laura acordasse, haveria silêncio total, ou palavras duras. E não estava ansioso por isso. Olhando para o espelho que segurava, observou a moldura coberta de conchas. Não havia espelhos no andar superior. Não precisava deles, nem mesmo para se barbear. Não queria recordar por que era melhor ficar longe dos outros, por que ninguém gostava de ver sua imagem. Mas iria guardá-lo, vendo refletidas nele as imagens de Kelly e Laura, abraçadas, como mãe e filha. E saberia que jamais poderia têlas. Deixando um bilhete para Kelly, agradeceu pelo presente e saiu do quarto, sentindo no ar o perfume de Laura, que parecia estar preso

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às suas roupas. Subindo a escada que levava à torre, fechou a porta atrás de si, deixando o mundo do lado de fora e desejando que pudesse fazer o mesmo com seu coração. Apesar de uma dor de cabeça insistente, Laura cumpriu a promessa e cavalgou com Kelly pela praia. A garotinha adorou e logo sorria novamente. Para ela, no entanto, sorrir exigia esforço. Depois de um jantar leve, um banho e algumas histórias, Kelly adormeceu e Laura ficou sozinha no andar térreo, na biblioteca de Richard. Tinha encontrado uma caixa na garagem, com papéis e fotos antigas, e esperava encontrar uma foto do pai e da mãe juntos para dar a Kelly. Tinha certeza de que isso daria à menina mais segurança e conforto. Enroscada na poltrona de couro, com um copo de vinho a seu lado, examinou as pilhas de fotos e papéis. Alguns eram muito velhos, estavam grudados e estragados pela umidade. Então encontrou um envelope plástico com recortes de jornal. Espalhando-os sobre a escrivaninha, pegou o maior deles. A manchete dizia: Empresário Richard Blackthorne envolvido em acidente de trem. Havia a foto de um carro, todo retorcido e ainda preso às ferragens dianteiras do trem. Ela podia imaginar que pedaços do carro tinham sido cortados para tirá-lo de lá. Então, leu o artigo sobre o acidente. Uma mulher grávida tinha sofrido um ataque epilético e o carro dela ficara preso nos trilhos. Richard tentara tirar a mulher, mas as pernas dela estavam presas, e não conseguiu. Testemunhas tinham relatado que ele voltara ao próprio carro, e com ele tentara empurrar o carro da mulher, para tirá-lo dos trilhos. Mas o tempo não fora suficiente para que escapasse. O trem tinha batido na traseira do carro de Richard com toda a força, e segundo as testemunhas, ele fora arrastado por mais de um quilômetro, até ser atirado pela janela. As mãos de Laura tremiam ao ler o artigo, que falava dos negócios de Richard, dos prêmios que recebera e das atividades filantrópicas que costumava realizar. No fim da página havia uma foto dele, incrivelmente bonito e atraente, de smoking, e ao lado, a foto da maca na qual fora transportado para a ambulância. O lado esquerdo e a cabeça estavam cobertos. O braço pendia, coberto de sangue, a na mão apenas era visível o anel de sinete. Laura pegou outro artigo. Richard Blackthorne gravemente ferido, dizia a manchete. Blackthorne sai do hospital, dizia outra. Cirurgiões plásticos dizem que os danos foram grandes demais. Blackthorne recusa-se a dar entrevistas. Havia outro artigo falando do prêmio que recebera da cidade de Charleston, com a foto da mulher e do bebê que ele salvara. Andréa recebera o prêmio por ele, e suas únicas palavras tinham sido: A recuperação de meu marido será lenta e difícil. Ele não estava pensando nas conseqüências ao salvar a sra. Argyle, mas apesar dos ferimentos graves, não está arrependido. Mesmo no jornal, o comentário de Andréa pareceu amargo para Laura. Olhando dentro da caixa, encontrou a placa de metal. Pelo gene-

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roso ato de bravura, esquecendo da própria segurança... a cidade de Charleston homenageia seu filho mais corajoso... Um herói. Havia mais prêmios e elogios nos outros recortes, e em nenhuma das ocasiões Richard aparecera para recebê-los. Quem teria guardado tudo aquilo? Nem por um segundo imaginou que Richard o tivesse feito. Achava que Dewey era o responsável, já que Andréa o deixara, incapaz de viver com o homem que vira quando as ataduras tinham sido retiradas. Ela suspirou, pensando que talvez não fosse bem assim. Talvez eles já estivessem enfrentando uma crise conjugal e o acidente fora apenas o pretexto final para separá-los. Mas tinha a sensação de que a atitude de Andréa o afetara tão profundamente que por isso escolhera viver nas sombras. Laura imaginou como teria sido a vida dele se a esposa o tivesse aceitado como era e permanecido a seu lado. Ela deveria ter orgulho da coragem e generosidade do marido. Mas preferira abandoná-lo. Pondo de lado os artigos, voltou à atenção para as fotos, tentando encontrar uma para Kelly. Por fim, achou uma que mostrava Andréa e Richard juntos, e ao fitar os olhos dele na foto, viu Kelly. Será que o sorriso também era igual? Ela vira apenas parte do rosto dele, naquele dia em que rachava lenha. De repente, sentiu que era observada. — Isso é assustador, Richard. Pare, ou um dia desses vai acabar me apavorando de verdade, e acabarei machucando você para me defender. Onde você está? — insistiu, incapaz de vê-lo no escuro. — Aqui. — Ele acenou, e ela o viu junto à armadura que ficava num canto. Era difícil dizer qual era o homem e qual era a estrutura de metal. — Prefere que eu apague todas as luzes para poder se esconder melhor? — Pelo jeito, hoje você está ainda mais sarcástica. — Bem, então não é tão tolo quanto pensei. — O que quer dizer com isso? — Que não vou precisar lhe dizer mais uma vez como magoou Kelly. Ele se mexeu, puxando uma cadeira de espaldar alto para a sombra e sentando-se. — Devia ter me ajudado, Laura. Sabe que eu não queria magoála. — Um suspiro pesado ecoou na sala, e Laura pôde sentir o sofrimento dele. — Parece que não consigo fazer nada direito ultimamente. — É porque ainda não se acostumou com intrusos no seu santuário. — Mas isso não me impediu de magoar minha garotinha. — Não foi de propósito, eu sei. Mas quero que entenda... — Está bem. Continue. — Esta rotina não está funcionando, e temos que pensar em outra coisa. Kelly vai perdoá-lo, Richard. Aliás, já perdoou. — Um espelho, Laura... Pelo amor de Deus. Laura piscou, surpresa.

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— Oh, Richard... Eu não tinha pensado nisso. Havia espelhos no quarto dela, nos banheiros, mas em nenhum outro lugar. — Era apenas algo que estava aprendendo a fazer. E desejou dálo a você. — Eu sei — disse ele, a voz revelando arrependimento. — Tenho que compensá-la de algum modo. — Sei que o fará. — Mas não sabia como. — Li sobre o acidente — declarou, indicando com um gesto os recortes. — Não gosto que fique mexendo nas minhas coisas — retrucou ele, tenso. — Poderia ter encontrado tudo na Internet, você sabe. Ele concordou, mas mesmo assim não estava feliz por vê-la revolver o passado. — O que você fez foi um ato generoso, cheio de coragem. — Poderia ter matado a nós dois — resmungou ele. — Pelo contrário. Sua ação rápida salvou vidas. Um ser humano por nascer e a mãe. — Soube que ele nasceu poucas horas depois do acidente. — Viu a sra. Argyle e o filho? — Não. — Ele sacudiu a cabeça. — Os médicos disseram que ela foi ao hospital, mas Andréa não permitiu que entrasse. Mais tarde ela me escreveu. Deu ao filho o meu nome. — O menino deve ser poucos meses mais velho do que Kelly — comentou, só então dando-se conta disso. — Andréa não permitiu que ela agradecesse a você pessoalmente? — Eu não estava com disposição para receber elogios. — Você ou Andréa? — O quê? O tom dele era defensivo, e deixava claro que era melhor parar por ali. Mas Laura insistiu. — Como se sentiu ao acordar depois do acidente? — Feliz por estar vivo. Feliz por eles estarem vivos. Mas estava tão dopado pelos sedativos, que mal me lembro das primeiras semanas. Alguns momentos se passaram. Laura bebericava o vinho, e Richard continuava sentado no escuro. Ela podia ver o contorno da cadeira, e o abajur na escrivaninha oferecia uma visão parcial dele, da cintura para baixo, revelando a calça de seda preta e o roupão. Estava descalço, com os pés cruzados nos tornozelos. Pés perfeitos, pensou Laura, com um sorriso. — E como Andréa se sentiu? — Ela não falava a respeito. — Foi o que imaginei. — O que esperava? O marido dela foi esmagado por um trem para salvar outra mulher. — Isso é o que ela pensou, Richard. Não precisa defendê-la. Você nem conhecia a mulher e teria feito a mesma coisa se se tratasse de um homem. Seu gesto foi instintivo. Andréa não se conformou por você ter arriscado sua vida. E mais ainda quando viu as conseqüências.

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Houve uma longa pausa, e então ele falou: — Tem razão. — As palavras foram acompanhadas por um longo suspiro. — Lembro-me de que perguntou como pude fazer aquilo com ela... conosco. Foi então que a fiquei conhecendo realmente. Ela começou a trazer os melhores cirurgiões do país, pedindo uma opinião após a outra, sem obter a resposta que esperava. — E qual era? — Que meu rosto voltasse a ser como antes. O egoísmo de Andréa tinha se revelado nessa única frase, e Laura sentiu o coração apertar-se ao imaginar a dor de Richard. — E então ela quis se separar? — Não — continuou ele, num tom amargo. — Ainda ficamos mais algum tempo juntos. Quero dizer, não exatamente juntos... Ela dormia no quarto de hóspedes, com a desculpa de que não queria bater nos meus ferimentos durante a noite. Os sinais da gravidez já deviam estar aparecendo, e ela queria escondê-los, pensou Laura. — E não deixou que a tocasse, não é? Ele estava quieto, imóvel, e ela podia sentir a dor e a humilhação. — Não. Mas não posso culpá-la. Não depois de ver minha imagem no espelho. — Mas eu posso. — Como? — Se ela o amasse de verdade, não teria se importado. — Eu não era exatamente o príncipe encantado. — E daí? Agora também não é. Ele riu, baixinho. — Essa é a franqueza que eu adoro. A última palavra fez Laura estremecer. — Continue, sei que não acabou. — Você estava sofrendo, se recuperando de um trauma terrível. Eu li os artigos. — A voz dela não escondia a raiva da mulher que o abandonara num momento tão difícil. — Ficou semanas no hospital, enfrentou tratamentos prolongados, fisioterapia. Pelo que sofreu, tem sorte de estar vivo. — O osso da coxa fora substituído por uma placa de metal, o quadril esquerdo estilhaçado, assim como todo o lado esquerdo do corpo. O ombro tinha sido esmagado, e havia pinos de metal no braço, nos dedos e nas costelas. — Sua determinação para curar-se foi admirável. Richard ergueu bruscamente a cabeça. Além dos médicos, ela era a primeira pessoa a dizer isso. Depois do acidente, ouvindo Andréa culpá-lo pelo que sofrera e pelo que tinha feito com a vida dela, decidira lutar. — Estava tentando provar a ela que nada mudara entre nós. Depois de algum tempo, percebi que não fazia diferença. Ela já me olhava de um modo diferente. — Como? — Como se eu não fosse um homem, mas uma criatura repulsiva. — Oh, Richard.

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A compreensão de Laura o atingiu, fazendo-o estremecer. Ainda assim, continuou: — Ela dormia sozinha, comia sozinha, até que, numa manhã, eu estava sozinho. Ela não conseguiu me encarar nem para dizer adeus. — Ele se mexeu na cadeira. — Deixou uma carta. Quanta frieza e crueldade, pensou Laura, mas não disse nada. — Percebi que eu a levara a agir assim. Não. Não me defenda. Por favor, Laura. Eu era o menino de ouro, que transformava em ouro tudo que tocava. E todos queriam estar perto de mim. — Era como se ele falasse de outra pessoa. — Tudo era fácil. A liberdade, o alto padrão de vida e o dinheiro. E só quando vi aquela mulher grávida presa nas ferragens, lutando para respirar, percebi quem realmente era. Naquele momento, percebi o que minha alma desejava. Era como se eu não tivesse vivido até então. — A voz tornou-se um sussurro. — Era a única coisa que eu podia fazer. A coisa certa. E Andréa me acusava por tê-lo feito, e tentava me fazer voltar ao que era antes, trazendo um cirurgião atrás do outro, deixando claro como sentia repulsa pelo que eu me transformara. Eu estava com raiva do mundo, por me mostrar um homem que eu não tinha certeza se queria ser. Discretamente ela enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto, tentando manter a voz firme: — E agora? — Sei que não mudaria nada que aconteceu naquela noite. — Ele riu, baixinho. — Exceto talvez, ter pisado mais forte no acelerador. Laura tomou o resto do vinho e recolocou tudo na caixa. Richard ficou tenso ao vê-la levantar-se e caminhar para ele, o roupão fino moldando o corpo esguio. — Não se aproxime — sussurrou ele, roucamente. Ela não obedeceu, e ele pôde sentir o perfume na pele, nos cabelos dela. — Laura... Estava imóvel, e quando ela ergueu a mão, segurou-a no ar. Com um gesto rápido ela soltou-se e acariciou o lado do rosto que não tinha cicatrizes. Os dedos deslizaram para os cabelos macios, e ele gemeu, baixinho. — Não sou Andréa, e você não é Paul. — Os lábios dela tocaram levemente os dele, e Richard lutou contra o desejo de colocá-la no colo e saboreá-la com a boca, as mãos. — Não tenho medo de você, dragão. — Ela se mexeu, os lábios tocando a orelha de Richard, a voz sedutora enchendo a noite. — Afinal, por que está sempre se aproximando de mim? Antes que ele pudesse responder, afastou-se, escapando para a escuridão do corredor. Ele sabia por que. Estava começando a confiar nela. Tinha lhe contado coisas que jamais dissera a ninguém. E essas duas coisas eram perigosas. Porque quando estava perto dela o que menos lhe importava era a imagem que vira no espelho.

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CAPÍTULO VIII

—S

rta. Laura? — chamou Kelly da sala. — O que é isto?

Laura enxugou as mãos numa toalha de papel e atravessou a sala de jantar, parando ao ver a pilha de caixas amarradas com fita verde. — Bem, querida, por que não descobrimos juntas? Parando ao lado da mesinha de café, viu o cartão preso na caixa maior. Era endereçado a ela. Gostaria que mostrasse mais dos seus talentos escondidos. Junto às caixas estava um dos esboços que fizera de Kelly, com um bilhete. É lindo, você conseguiu retratá-la perfeitamente. Richard. — De quem é? — perguntou a garotinha, saltitando em volta das caixas, na expectativa de ganhar um presente. — O bilhete diz que a caixa de cima é sua. — Soltando as fitas, entregou a caixa à menina, que sentou-se no tapete para abri-la. Dentro havia lápis de cor, purpurina, guache, lápis de cera, aquarelas e papéis. — É do seu pai — disse Laura, e Kelly ergueu o olhar, sorrindo. Laura também sorriu. Richard tinha pedido desculpas à filha do único modo possível no momento. Kelly perguntou se podia usá-los, e Laura assentiu, dirigindo-se à sala de jantar, onde colocou uma toalha velha sobre a mesa, para protegê-la das tintas. Em seguida, entregou à menina uma xícara de água, explicando como poderia pintar. Depois de ter acomodado Kelly, voltou à sala de estar e olhou as caixas. Com um suspiro, abriu a primeira e encontrou tudo que precisaria para desenhar, além de papéis especiais. A segunda tinha aquarelas, uma palheta e pincéis, a outra tinha um cavalete e um banquinho, além de um bilhete. O quarto amarelo, na ala oeste, é o que tem a melhor luminosidade, além da linda vista do rio e da cidade. As lágrimas encheram os olhos de Laura, que sentiu a garganta apertada. Ninguém nunca a elogiara por outra qualidade que não fosse a beleza. Mesmo tendo vários desenhos espalhados pelas paredes do apartamento, Paul nunca notara, nem fizera algum comentário. Ela adorava desenhar e pintar, mas desistira disso por coisas que julgara ser mais importantes, na época. Havia uma sensação de liberdade que apenas a arte podia lhe dar. Criar algo do nada era como uma mágica poderosa. E Richard lhe dera tudo isso novamente. — Também ganhou presentes — disse Kelly, aparecendo ao lado dela e espiando as caixas. Laura acariciou os cabelos escuros da menina e sorriu. — Não é lindo? Teremos de arranjar um lugar especial para trabalhar. Kelly concordou, voltando para a sala de jantar para terminar o que estava fazendo. Laura sentou-se no sofá e pegou o estojo com os lápis, imaginando o que desenharia em primeiro lugar. Queria agradecer, mas sabia que Richard não iria recebê-la. Além disso, tinha muito que fazer. Depois que Kelly terminou o primeiro desenho, pregou-o orgulhosamente na geladeira, antes de levá-la para o banho. Não foi fácil acalmar a menina, que queria experimentar tudo, mas depois do banho 55


e de uma história, conseguiu colocá-la na cama. A caixa com os presentes ficou na mesinha, ao lado da cama, como se isso deixasse o pai mais próximo. Deixando a porta de Kelly entreaberta, Laura parou no corredor, olhando para a escada que levava ao andar de cima, imaginando o que Richard estaria fazendo. Não falara com ele desde a noite anterior. Tampouco ele a chamara pelo interfone, nem aparecera nas sombras. Era como se tivesse revelado coisas demais e agora quisesse manter distância. Ainda assim, lhe dera um presente maravilhoso. Era um homem complicado, decidiu, e depois de tomar banho, vestiu o roupão e desceu, ansiosa para experimentar os novos lápis e crayons. Quando Richard ouviu Laura andando no andar de baixo, entrou no quarto de Kelly, impaciente para estar com a filha. Sentando-se na cadeira de balanço, observou-a enquanto dormia. O luar que se infiltrava através das cortinas banhava a menina com um brilho prateado. Serabi mais parecia à rainha da selva, deitada no fundo da cama, enroscada nos cobertores. — Papai — murmurou Kelly, como se percebesse que ele estava ali. Richard estendeu a mão, que ela segurou, meio adormecida. — Obrigada pelo presente — disse, sem abrir os olhos. — Fico feliz que tenha gostado, princesa — sussurrou ele. — A srta. Laura também gostou do dela — disse Kelly, bocejando, antes de voltar a adormecer. Uma onda de alegria o envolveu. Queria tanto ver Laura, falar com ela... Os momentos que passava ao lado dela eram os únicos em que se sentia humano outra vez, em que as cicatrizes pareciam não importar. Mas, esperando pelo momento certo, pegou o livro no criadomudo, abriu na página marcada e começou a ler para Kelly. Meio adormecida, ela sorriu. E aquele sorriso fez Richard sentir-se como um rei. Richard amaldiçoou o tamanho da casa e entrou na biblioteca, parando ao ver que estava vazia. Laura não estava no quarto, nem com Kelly. Deixando a biblioteca, foi para a ala oeste da casa, um lugar pouco usado, construído para abrigar hóspedes e empregados. Subindo a escada, começou a procurá-la, já entrando em pânico. E se estivesse machucada, se tivesse caído num dos corredores escuros? Começou a chamá-la, baixinho, e quando não obteve resposta, abriu uma porta atrás da outra, tentando encontrá-la. — Laura! — Estou aqui! — Aqui, onde? Que droga de lugar! Mais parece um labirinto! A risada dela era baixa e suave, e parecia encher o ar quando ele abriu a porta. — Disse que eu podia usar o quarto amarelo, não disse? Sentada numa cadeira, estava de costas para ele, com um cavalete a sua frente e o pincel sobre a folha de papel presa a um painel. — Não disse? — Sim, agora me lembro.

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— Não costuma andar muito pela casa, não é? — Não por aqui. Meu Deus, eu me senti um tolo. — Estava preocupado? — Sim. Este lugar é muito grande e antigo, e... — E sempre muito escuro — completou ela, virando-se levemente, mas sem fitá-lo. Ela olhava para o chão, e Richard percebeu que fazia isso por ele, embora houvesse pouca luz no aposento. As cortinas estavam afastadas e o luar entrava pelas janelas. — Está pintando no escuro, Laura. — Você é mesmo esperto, Blackthorne. Ele riu, balançando a cabeça e aproximando-se. Laura sentiu-o mover-se atrás dela, sentiu o perfume da loção pós-barba, e tentou imaginar como seus sentidos haviam se tornado tão apurados. O calor do corpo dele parecia tocar-lhe a pele, e subitamente ficou consciente do roupão fino e do pijama que usava. Queria vê-lo, não por curiosidade, mas para que ele confiasse nela o suficiente para deixar que se aproximasse. Tudo que conhecia de Richard era a imagem que vira nas fotos, tiradas cinco anos antes. — Não é uma vista incrível? — perguntou, fazendo um gesto na direção da cidade abaixo deles, brilhando ao luar. A casa de Richard ficava no alto, pairando sobre a vila como o castelo de um ogro, que aterrorizava a todos. Não era de admirar que tivessem medo dele, admitiu Laura. — Achei que você gostaria. Ela respirou fundo, sentindo-o mais perto. — Mas pintar no escuro? — Era a imagem que eu queria captar. A ilha adormecida — disse ela, assustando-se quando ele colocou as mãos nas costas da cadeira. Ele observou a pintura semi-acabada. — Bem, você conseguiu. A voz dele, tão perto do seu ouvido, suave e gentil, era capaz de prendê-lo em um encantamento poderoso. — As nuvens continuam a se mexer, encobrindo tudo. — Há uma tempestade tropical na costa da Flórida. Pode ser que tenhamos algum efeito dela por aqui. — A Mãe Natureza às vezes nos surpreende, mas aqui estamos seguros. A casa já resistiu a mais de vinte anos de tempestades. Um longo silêncio pairou entre eles, quebrado apenas pela respiração de ambos. — Obrigada pelas tintas, por tudo. Eu adorei. — Por nada. Você tem um talento extraordinário. — Obrigada — murmurou ela, comovida com aquelas palavras. — Então, Rainha da Beleza, foi esse o talento que mostrou nos concursos? Ela riu, não se importando pelo modo como a chamara. — Não, não foi. — E não vai me dizer qual foi, não é? — provocou Richard. Ela sacudiu a cabeça, negando, e ele continuou: — Gosto de desafios. — E depois de uma pausa, disse, baixinho:

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— Seu perfume é gostoso. — O seu também — sussurrou ela, mas quando virou o rosto ele se afastou depressa na direção da janela. Richard ficou de costas, as mãos apoiadas no batente da janela alta. O luar brilhava nos cabelos escuros, e mais uma vez Laura admirou-se ao ver como era alto e forte. Devia ter mais de um metro e noventa, e os ombros largos bloqueavam toda a luz. — Você é quase um gigante, Richard. Ele riu, mas o som pareceu estranho no silêncio da noite. — Tem medo de mim? — Não vê como estou tremendo? Sabe, não seria tão misterioso para as pessoas da cidade se não se escondesse deles. — Eles também não se aproximam. — Não é de admirar. Com a muralha ao redor do castelo e toda aquela floresta de carvalhos à volta da propriedade... Francamente, Richard, por que não planta flores? As velhas árvores são bonitas, mas ficam um tanto tenebrosas ao entardecer e... — Laura... — Sim? — Está fugindo do assunto. — Ele baixou os braços e virou-se, ficando de frente para ela, as costas apoiadas na janela. O coração de Laura batia disparado. Podia ver o rosto dele. O lado direito, sem cicatrizes, e era muito bonito, os cabelos um tanto longos, descendo até a gola da camisa imaculadamente branca. Como sempre, usava calça preta e camisa branca. — Você mesmo corta seus cabelos? Ele passou os dedos pelos fios escuros e riu baixinho. — Acho que dá para perceber, mesmo no escuro. — Posso cortar para você, se quiser. Costumava cortar os cabelos dos meus irmãos e irmãs. — Não, obrigado. Ninguém vê, mesmo. — Não é essa a questão. — Laura levantou-se. — Você vê, Richard... — Ela parou. — O que foi? — Não podemos continuar assim. Esconder-se nas sombras não faz bem a nenhum de nós. — É a sua opinião. — O que ganha com isso? — Minha privacidade, minha dignidade. Meu amor-próprio. Ela sacudiu a cabeça. — Não é verdade. Apenas mantém vivas as feridas que ela causou. Nem todos são como Andréa. — Faz muito tempo que superei o que aconteceu com ela. — Acredito. Mas ela deixou uma marca profunda, e não gosto disso. — Que pena — disparou ele. Laura sentiu as defesas dele se erguerem como uma onda gigantesca. — Então é assim? Pretende ficar escondido até transformar-se

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numa fera selvagem? — Não force a situação. Sabe que não é assim. — Ora, Blackthorne, pare com isso. Sei quem você é, não como aparenta ser. — Ela deu um passo à frente. — Deixe-me vê-lo. — Não. — Você me deu o presente mais precioso que já recebi — disse, apontando as tintas, telas e pincéis. — Você me viu como sou. Não a beleza que ganhou os concursos. Mas não me deixa lhe dar nada. Ele sabia o que Laura oferecia. Era a promessa de não rejeitá-lo, de não sentir repulsa. Mas não podia se arriscar. Não agora, quando começava a se sentir como um homem outra vez, não quando ela o fazia desejar ir para a luz, quando queria acima de tudo sentir o perfume dela. — Você me deu uma chance com minha filha. — E isso é suficiente? Ele não respondeu. — É? — Não! — ele quase gritou. — Não, desde que você entrou em minha casa. Laura respirou fundo, dando um passo à frente. Richard fitou-a da cabeça aos pés, o rosto lindo iluminado pelo luar, os longos cabelos brilhantes sobre os ombros, o corpo escondido pelo roupão fino e pelo pijama. — Mas é assim que tem que ser. — Não, não tem. Não comigo. Ele fechou os olhos, inclinando a cabeça para trás. Richard abria e fechava os punhos, enquanto o perfume de Laura o envolvia, enfraquecendo seu autocontrole. — Tenho que ir. Agora. Ela segurou-o pelo braço. — Deixe-me ir, mulher. O calor dela parecia atravessar sua roupa. — Por quê? Ele endireitou a cabeça e fitou-a. Laura estava a poucos centímetros dele. O desejo o envolveu, vivo e intenso, e ficou difícil respirar. Engolindo em seco, confessou: — Porque se tocá-la não poderei parar. O coração de Laura acelerou e ela ergueu a mão, tocando-o no rosto, acariciando de leve o lado sem cicatrizes. Ele se encolheu, e Laura sentiu toda a dor do isolamento, da solidão. — Oh, Laura — disse Richard, sem fôlego, aspirando o perfume da mão macia. — Não posso. Vou enlouquecer. — Não, não vai. — Sim — murmurou ele, segurando a mão macia e beijando a palma, os dedos. Todo o corpo de Richard tremia. Aquele homem forte, que sobrevivera à tragédia, que se escondera nas sombras, tremia por causa dela. E isso fazia com que se sentisse especial, querida. Naquele momento, Laura soube que seu coração estava perdido, e seu corpo também desejava a mesma coisa.

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Deslizando os dedos por entre os cabelos escuros, puxou-o para mais perto. — Se ficar louco, por favor, me leve com você. Num segundo ele aproximou os lábios dos dela, devorando, invadindo, ardente de desejo e paixão. Ele a desejava mais do que qualquer coisa, mais até do que à vontade de ficar sozinho. Laura abriu os lábios e a língua exigente penetrou mais fundo. Richard não conseguia respirar, nem pensar, só sentir, depois de um longo tempo em que não sentira nada além da enorme solidão e desolação. Laura era um raio de sol na escuridão que a vida dele se tornara, uma tentação à qual não podia resistir, não quando estava em seus braços, não quando ela o beijava loucamente. O braço másculo circundou-lhe a cintura, apertando-a, fazendo com que sentisse a excitação dele, mostrando-lhe o que um simples beijo podia provocar. Estava quase envergonhado ao ver como ela o excitava. Afastando-se um pouco, para respirar e fitá-la nos olhos, murmurou: — Não devemos. — É tarde demais... — gemeu Laura, antes de beijá-lo outra vez, apertando ainda mais o corpo contra o dele, acomodando-se entre as coxas fortes. A mão delicada tocou-lhe o pescoço e o ombro direito, descendo para o peito. Ele gemeu, deslizando a mão até os quadris arredondados e puxando-a para si. O calor de Laura atravessava as roupas, e Richard enrijeceu quando ela tocou o ombro esquerdo, cheio de cicatrizes, escondido sob a seda, e retirou sua mão, beijando cada dedo. Ele quase ficou decepcionado, mas ela continuava a acariciá-lo com a outra mão, e Richard percebeu que não queria magoá-la. Beijando-a com mais paixão, abriu o cinto do roupão, e tocou o seio macio, sentindo o mamilo enrijecer. Ele acariciou-a, fazendo-a gemer. E então ela desabotoou a blusa do pijama, e ele ajudou-a, puxando o tecido pelos ombros até expô-la totalmente. O olhar dele percorreu os seios nus e, abaixando a cabeça, tomou entre os lábios o mamilo ereto, sugando, lambendo. Ela inclinou o corpo para trás, numa oferta silenciosa, enterrando os dedos nos ombros dele. Ele mordia, sugava, traçando com a língua pequenos círculos ao redor dos mamilos, sentindo o gosto de limão e mel, admirando os seios perfeitos à luz da lua. Ela gritou, um grito de pura paixão, e o desejo de Richard cresceu. Queria lhe dar prazer, queria vê-la gritando no momento do clímax. Ele a desejava. — Preciso tocar você. É tão macia, quente. Tão doce... — Ele estremeceu quando os dedos de Laura lhe acariciaram o mamilo. Deixando-se cair sobre o tapete, puxou-a contra si. Laura abraçou-o, o corpo dele apenas um vulto contra o luar, enquanto ele a beijava com uma paixão selvagem. Ele queria mais, e ela estava pronta para lhe dar tudo que desejasse. — Se quiser parar, diga — sussurrou ele, afastando os lábios dos dela apenas alguns centímetros.

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Laura segurou a mão dele, que estava sobre o seio macio. — Se parar agora, bato em você. Ele riu, beijando-a novamente, deslizando os lábios pelo pescoço até chegar aos seios, beijando cada um deles antes de continuar descendo. Os músculos dela enrijeceram de antecipação quando a mão dele puxou o elástico da calça de pijama que ela vestia. Os dedos de Richard encontraram a pele quente e úmida, entre as coxas, e então ele introduziu um dedo, devagar, na fenda macia. Laura estremeceu, agarrando-se às mangas da camisa dele, puxando-o para si. Ele não parou, acariciando, penetrando mais fundo, levando-a até perto do clímax. Ela ondulava, gemia, e ele saboreava cada som, cada movimento. Era uma criatura selvagem, dizendo a ele como era bom, como o desejava, como queria mais e mais. — Vamos, minha bela, quero que se abra para mim — sussurrou ele, os lábios junto ao ouvido de Laura. — Sou sua — ela gemeu, guiando a mão dele. — Ainda não. Num minuto ele se afastava, puxava a calça do pijama de Laura e afastava-lhe os joelhos. Uma das mãos fortes deslizou sob os quadris dela, erguendo-a, a boca cobrindo a carne macia, os dedos mergulhando mais fundo. Laura gritou, movendo os quadris, e um turbilhão de desejo a envolveu. A língua dele se movia, provocando, excitando, fazendo o desejo crescer mais e mais. Richard podia sentir os músculos delicados enrijecerem, o corpo dela pedindo desesperadamente pelo clímax, e adorou cada sensação. Queria estar dentro dela. Mas nunca poderia ser assim. Não podia fazer amor com ela no escuro, como uma criatura das trevas. Laura merecia muito mais de um homem. Mas aquilo era tudo que ele podia lhe dar. Assim, sugou e lambeu o botão pulsante, os dedos mergulhando mais fundo, até que ela explodiu de prazer, gritando. A intensa onda de prazer que sacudiu aquele corpo delicado atingiu-o intensamente, ameaçando seu autocontrole. Laura apenas gemeu, baixinho: — Acho que vou morrer... Ela mal conseguiu respirar, pois Richard beijou-a novamente, ainda acariciando-a. Num impulso, ela passou os braços à volta do pescoço forte, beijando-o, ofegante, ignorando a tensão do corpo dele e o fato de que não queria que o tocasse. — Quero você... — Não. — Sim! — Ela abriu um botão da camisa, deslizando a mão para dentro. — Não. — Ele tirou a mão. — Não vou fazer amor com você no escuro. Se o fizer, vou querer luzes à nossa volta. — Então acenda as luzes, agora. Silêncio. — Você não quer vir para a luz? Ele não respondeu.

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— Entendo. — Ela respirou fundo. — Nem por mim? Nem agora? — Não. — Estou cansada de ouvir não, Richard — disse ela, tentando ficar calma enquanto seu corpo ainda tremia de prazer e a mão dele ainda a tocava. — Essa é a única resposta que posso lhe dar. Ela empurrou as mãos dele e afastou-se. — Pensei que confiasse em mim. Mas aparentemente é impossível. — Ela levantou-se, sem se importar em procurar a calça do pijama no escuro, e saiu correndo do quarto. Richard sentou-se, enterrando a cabeça nas mãos, e em seguida passando os dedos por entre os cabelos. Por que de repente parecia mais escuro do que antes?

CAPÍTULO IX

K

elly não estava no quarto. Quando Laura a deixara, estava

quase dormindo, mas ao entrar para ver se estava bem, viu a cama vazia. E não respondeu quando ela chamou. Laura abriu uma porta, procurando no outro quarto, fechou-a e foi ao quarto seguinte. Chamou Kelly várias vezes, mas não obteve resposta. Tinham brincado muito naquele dia, já que não queria pensar em Richard. Mas não tinha funcionado. Mesmo depois da cavalgada, das horas brincando na praia, de fazer artesanato com Kelly, ainda sentia os lábios dele em sua pele. Nem mesmo o chuveiro frio, que imaginara amenizar o calor e o desejo que ainda vibravam em seu corpo, tinha adiantado. — Kelly? Querida? — O som ecoou no quarto vazio. O tom de voz foi ficando mais alto quando não conseguiu encontrá-la, e o pânico começou a dominá-la. Correndo de um quarto para o outro, chegou à ala oeste, e entrou no quarto amarelo. Ali estavam as telas e pincéis, exatamente como os deixara. Laura olhou para a calça de pijama caída no chão com expressão de desgosto, ao lembrar como havia se abandonado ao toque de Richard, esquecendo de tudo. Pegando-a com um gesto brusco, voltou ao corredor principal, abrindo armários, olhando atrás de portas. — Venha, Kelly! Isso não tem graça. Parou de repente, pensando ter ouvido um som abafado, na direção do corredor principal. Mas não encontrou nada ali. Laura saiu correndo de casa, encontrando Dewey na garagem. Ele limpava o carro e ergueu o olhar ao vê-la. — Ajude-me a procurar Kelly. Não consigo encontrá-la. Acho que deve estar se escondendo de propósito. Preocupado, Dewey largou tudo e saiu para procurar a menina nos jardins e nos outros locais fora da casa, enquanto Laura retornava 62


para dentro. Olhando pela janela do salão, procurou ver se havia pegadas na areia, na direção da água, mas não havia nenhum sinal de que Kelly tivesse passado por ali. Laura sentiu uma ponta de alívio, mas ainda assim, onde ela estaria? Por que não respondia? Laura continuou a chamar, checando todos os lugares onde uma criança poderia se esconder. O medo crescia dentro dela. Embora a casa fosse segura, protegida por alarmes, continuava pensando no que Richard dissera. Que alguém poderia seqüestrar a menina para pedir resgate. Não queria assustá-lo, mas Dewey entrou e disse: — Nada, nem sinal dela. Laura agradeceu, correu para a escada e subiu os degraus de dois em dois, na esperança de que Kelly tivesse voltado ao quarto. Mas a cama estava vazia. Voltou a chamar, sem obter resposta. Laura ouviu ruídos no quarto de Richard, e a raiva da noite anterior voltou. Subindo a escada, bateu na porta. — Sim? — Abra a porta! — Não. — Já disse que estou cansada de ouvir isso. Agora, abra, ou juro que vou derrubá-la com uma das suas preciosas espadas antigas. Richard olhou para a porta, desejando abri-la e beijar Laura. — Então decidiu apelar para a violência? — provocou. — Preciso de sua ajuda, Richard. Kelly desapareceu. Richard soltou os pesos com que se exercitava, e eles provocaram um baque surdo ao bater no chão. — O quê? — Ela está na casa, tenho certeza. Não há pegadas na areia, e Dewey não a encontrou lá fora. Estava dormindo no quarto e desapareceu. — E a gatinha? Laura franziu a testa. — Também não está em lugar algum. Ela ouviu um grito abafado. — Meu Deus, eu posso ouvi-la. Onde estará? Richard vestiu uma camiseta. — Vou encontrá-la. — Como pode fazer isso trancado aí dentro? Que droga, Richard, saia! Preciso de ajuda. Richard foi até a porta, sem abri-la. — Calma, querida. Eu vou encontrá-la. O tom da voz dele acalmou-a. Ele a encontraria. Mas não podia ficar parada, esperando. E decidiu prosseguir em sua busca. Agarrando uma lanterna, Richard deslizou para a escada de serviço escondida entre as paredes, e desceu um andar, dirigindo-se ao outro lado da casa. — Kelly? Kelly? — Papai?

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— Fique onde está, princesa. Já estou chegando. — Estou com medo... A gatinha miou. — Eu sei, querida. Continue falando comigo. — Richard subiu a escada estreita. — Pode ver a lanterna? — Não. — Era possível perceber o pânico na voz dela. — Está tudo bem, princesa. Papai está aqui. Nada vai acontecer. — Está bem. Richard sorriu, percebendo que ela tentava ser corajosa. Ele virou a curva seguinte, desejando que a passagem estreita tivesse alguma iluminação. A escada de serviço, entre as paredes, percorria todo o castelo, e embora ele conhecesse o caminho no escuro, Kelly poderia ficar presa ali durante vários dias, sem encontrar a saída. — Como achou a escada na parede? — Serabi passou por baixo da parede, no canto do meu quarto. Ele devia ter deixado parte do painel aberto na noite anterior. A culpa era sua! — Estou vendo a luz, papai. O alívio era evidente na voz da menina. Logo Richard desviava o facho de luz, localizando-a. Inclinando-se, abraçou-a e pegou-a no colo. Se alguma coisa acontecesse com ela... Kelly passou os braços à volta do pescoço dele, e Richard beijou-a no rosto, acariciando as costas da menina, que tremia e soluçava. — Está tudo bem, querida. Papai está aqui. — Eu estava com tanto medo... — Eu sei, meu bem, eu sei. Richard carregou-a de volta para a saída. Apertando a saliência na parede, a porta se abriu. Ele colocou-a no chão, e Kelly correu para o corredor. — Laura, Laura! — Oh, Kelly! — ela gritou, correndo para abraçar e beijar a menina. Kelly começou a rir. Richard ficou parado na soleira da porta entreaberta, vendo Laura abraçar a menina. O amor que sentia pela criança refletia-se nos olhos dela, misturado às lágrimas que tentava conter. — Querida, onde você estava? Fiquei tão preocupada! Agora ela saberia, pensou Richard. — Dentro das paredes. — O quê? — Há uma escada de serviço, com passagens escondidas dentro da parede, que percorre toda a casa — explicou Richard. Laura virou-se, olhando para ele. Semi-escondido, podia ver apenas que usava short e uma camiseta preta. A luz refletia-se nos músculos fortes das coxas, e imagens da noite passada voltaram de repente. Mas Laura afastou-as com raiva. — Passagens? — repetiu Laura. — Meu Deus, Richard! Ela podia ter caído, se machucado. Eu nunca iria encontrá-la! Você devia ter me avisado sobre isso. — Sinto muito, srta. Laura — disse Kelly. — Não é sua culpa — disse Laura, abraçando-a carinhosamente.

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— É assim que vem para o meu quarto, não é, papai? — Kelly olhava para os dois, com expressão preocupada. — Sim, princesa. Não era de admirar que ele pudesse andar pela casa tão facilmente. Colocando a menina no chão, Laura cruzou os braços. — Que notícia! — Só fui ao quarto dela — esclareceu Richard, sabendo o que ela estava pensando. — Jamais pensaria que fosse ao meu — disparou Laura. — Afinal, tem muitas luzes. — Papai lê para mim todas as noites. Laura olhou para Kelly, sem esconder a surpresa. — O quê? — Ela fitou Richard, os braços ao lado do corpo. — Você lê para ela? Vai até o quarto por trás das paredes? — Sim. Laura deu um passo à frente e colocou o dedo indicador no peito dele. — Isso é... é... — Ela suspirou, pousando a mão nos músculos fortes. — É maravilhoso, Richard. Fico feliz por vocês dois. — Isso muda muito pouco. — Mas me permite ver que pode se arranjar sozinho, se eu for embora. Ele inclinou-se e Laura sentiu o perfume que usava, o aroma masculino, e seus sentidos se aguçaram, desencadeando uma onda de desejo. — Você não vai embora — resmungou ele. Não podia nem pensar nisso. Não agora. — Por favor, srta. Laura, não vá! Por favor! — pediu Kelly, e o pânico na voz da menina cortou o coração de Laura. — Eu não vou embora, querida. Ainda não — disse, num tom mais baixo, só para Richard, imaginando como conseguiria deixá-los algum dia. — Eu já disse — murmurou. — Não posso continuar assim. Ele inclinou a cabeça, a boca a poucos centímetros dos lábios dela. — Mas vai continuar. Por Kelly. Era isso que ele queria dizer. Mas Laura não concordaria tão facilmente, sem discutir. — Continuaremos nossa conversa mais tarde, sr. Blackthorne — disse, virando-se para Kelly. — Sim, bela, tem razão. As palavras dele soavam como uma ameaça. — Está zangada com o papai? — perguntou Kelly, enquanto Laura segurava a mão dela. — Sim, querida. — Por quê? — Porque ele é... teimoso. — E orgulhoso, desconfiado. Queria que acreditasse nela, que confiasse nela. E que a beijasse, como na noite anterior. — Oh!

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Laura sorriu. Kelly não entendeu, mas segurou a mão dela. — Venha, querida. Ainda tem tempo de tirar uma soneca antes do jantar. — Kelly não pareceu muito animada, mas foi para o quarto, apertando Serabi contra o peito. — Quanto a você, Richard... — Sim? — retrucou ele, calmamente, observando o corpo delineado pela saia jeans justa e lembrando como era senti-la reagir ao toque de suas mãos. Ela parou na porta do quarto de Kelly e virou-se, olhando para ele, meio escondido nas sombras. — Tem pernas fantásticas — provocou, sem deixar de fitá-lo. Ele riu, sentindo que as palavras dela faziam seu corpo arder de desejo, lembrando a noite anterior. E então, o batente da porta lhe pareceu uma barreira. De um lado havia apenas solidão, rodeando-o como uma nuvem sufocante. Do outro, estava Laura, a esperança, a liberdade e a oportunidade de ter muito mais. Laura virava na cama, inquieta, e pela primeira vez o som de chuva e trovões não a reconfortava. Se não descansasse estaria exausta no dia seguinte, pensou, culpando Richard. Depois de dar banho e jantar para Kelly, tinha lido um pouco, desenhado, tomado chá de camomila. Mas nem mesmo o alívio de encontrar a menina sã e salva e a alegria de saber que Richard passava algum tempo com ela conseguiam aliviar a tensão que a dominava. Estava inquieta, agitada, consumida pela paixão, e o culpado era Richard. Os momentos que havia passado nos braços dele não lhe saíam da memória. Atirando as cobertas para o lado, levantou-se e foi até a janela. Puxando as cortinas, sentou-se na poltrona próxima e contemplou a tempestade. O mar estava escuro, e as ondas enormes explodiam numa espuma branca que se destacava à luz dos relâmpagos. Ela sentia-se exatamente como aquele mar, vivo, agitado, selvagem. Olhando para o roupão, sobre a poltrona, imaginou se deveria procurar Richard e tentar convencê-lo a confiar nela. Mas sabia que não adiantaria. Ele o faria quando estivesse pronto. Se algum dia estivesse... Se insistisse, tinha medo que ele recuasse, e pelo bem de Kelly não podia arriscar. Estava ali por causa da menina, lembrou a si mesma. A criança precisava de um pai de verdade, que pudesse encará-la, e ao resto do mundo, sem qualquer restrição. Parte dela sofria pelo homem gentil e terno, forçado a esconderse. Pelo homem que desejava poupar sofrimento aos outros, mas sofria sozinho, escondido nas sombras. Laura percebeu como gostava de Richard. E teve medo. Tinha sido muito magoada por Paul, mas reconhecia que Richard era capaz de enxergar além das aparências. De certo modo eram parecidos. O acidente mudara a vida dele por completo, alterando planos e prioridades. O noivado rompido mudara a sua vida, fazendo-a perceber que podia confiar em poucas pessoas. E que era difícil encontrar alguém que a visse como era realmente, e não apenas sua beleza. Richard achava que era bonita demais para querer um homem

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como ele. Mas não percebia que ela não enxergava as cicatrizes, não notava como ele procurava esconder que mancava levemente. Ela havia se encantado com a voz na escuridão, com os beijos ardentes que deixavam seu corpo em fogo, com o homem que conseguira ver nela a artista escondida. E imaginou como podia ter se apaixonado por um homem que não podia confiar nela, nem mesmo o suficiente para mostrar-lhe o rosto. Em seu quarto, Richard andava de um lado para o outro, como uma fera enjaulada. Além das paredes, a tempestade rugia, e ele sentia cada raio, cada trovão, ecoando em seu corpo. Passando os dedos nos cabelos, ainda molhados do banho, esfregou a nuca dolorida. Queria ir até ela, tocá-la, mesmo sabendo como era perigoso. Para os dois. A noite anterior provara isso. Bastara um toque e todo o autocontrole desaparecera. Laura queria o que ele não podia lhe dar. Permitir que outro ser humano, além de Dewey, o visse. Ela não entendia o que isso significava. Ele não podia correr o risco. E se ela o rejeitasse? Como ele se sentiria depois? Viver nas sombras estava acabando com ele, deixando-o mais infeliz a cada dia. Sentia falta do sol, de entrar numa sala com as luzes acesas. Sentia falta de Laura. Richard olhou para a grande porta em arco, percebendo que o vento rugia tão forte nos corredores que parecia querer abri-la. Andando até ela, colocou a mão na maçaneta decorada. Por um momento, viu as cicatrizes na pele e flexionou os dedos. Então, virou a maçaneta e abriu-a. Laura estava sentada na poltrona, junto à janela, com as pernas dobradas para o lado. Apenas uma pequena lâmpada brilhava no canto do quarto, e percebeu como se acostumara ao escuro. Um raio caiu bem perto, a luz tremeluziu, apagou e voltou em seguida. Naquele instante, soube que Richard estava ali. Seu corpo estremeceu de antecipação, e apertando o roupão contra o corpo, virou-se para a porta. — Por que está aqui? — Honestamente, não sei. Pelo menos, era sincero, pensou Laura. — Sente-se — convidou. Ele deu um passo na direção dela e parou. — Meu Deus, está gelado aqui dentro — disse, indo até a lareira e colocando mais lenha. — Não estou com frio. — Está úmido. Vai acabar doente. E talvez a luz acabe. Richard acendeu um fósforo e a pequena chama iluminou suavemente seu rosto. Laura viu as marcas no pescoço.

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— Não precisava fazer isso. — Eu sei. — Saia, Richard. — Já está cansada da minha companhia? — É claro que não. Mas sei que não é seguro. — Ela suspirou. — Você nem imagina o quanto eu desejo que me toque. Mas quero mais além de estar em seus braços — confessou, com sinceridade. — Quero tudo de você. Ele ficou parado, segurando um pedaço de madeira que ia colocar nas chamas. — Não quero apenas o homem nas sombras, a voz que me faz sentir viva quando diz meu nome. Não apenas o corpo, que não me deixa tocar por completo. — Ela parou, como se precisasse de coragem. — Já tive a metade do amor e da atenção de um homem antes. Já tive as migalhas... — Laura engoliu em seco, antes de continuar: — Não vou aceitar isso de novo. Quando ele não respondeu, o coração de Laura apertou-se e a dor foi quase insuportável. Por fim, ela falou, lentamente: — Não poderemos ter nada, se não confiar em mim. Tudo parece temporário, como se estivéssemos usando um ao outro. Por um longo momento, apenas fitou-a, travando uma batalha interna entre o que desejava e o que não podia ter. Richard ergueu a mão para ela e convidou: — Venha para mim, Laura. Enquanto ainda tenho forças. — A mão dele tremia. — Venha ver o monstro que deseja que a toque.

CAPÍTULO X

—V

ocê não é um monstro.

Laura levantou-se, olhando para a mão estendida no ar. Os dedos de Richard tremiam, e ela apressou-se para ele, segurando-lhe a mão e apertando-a contra o rosto. — Oh, Laura — gemeu Richard. Ela puxou-o para a sombra. — No escuro — sussurrou —, somos iguais. Não, shh... Não sou a antiga rainha da beleza. Você não tem cicatrizes. Somos apenas duas pessoas, Richard. Não existe nada além disso. — Não podemos ficar aqui, e na luz... — Na luz somos duas pessoas, cada qual com suas imperfeições. — Ela ergueu o olhar, vendo a silhueta das cicatrizes que ele escondera por tanto tempo, mas não com nitidez. — Me mostre. Richard respirou fundo, sabendo que aquele era o momento em que perderia tudo que tinha conseguido e que tanto desejava. Virou-se para o fogo, lentamente, levando-a consigo. A luz espalhou-se sobre o rosto de Richard, que se encolheu, num gesto instintivo, embora não deixasse de fitá-la. Ele esperou. Esperou pela repugnância, pela rejeição no rosto de Laura. 68


Mas nada aconteceu. Laura observou-o, lentamente, sentindo a tensão que o dominava, como se esperasse vê-la sair correndo dali. Mas não iria a lugar algum. Ele encontrara coragem para mostrar-se, e não iria decepcioná-lo. Aquele momento significava muito para ela, revelando-lhe coisas que Richard não conseguira dizer. E aquela confiança era o maior presente que poderia receber. Ele ainda era um homem muito bonito. Só de fitar aqueles lindos olhos azuis, iguais aos da filha, o coração dela disparou. — Seus olhos são maravilhosos — disse ela. — E parece que esperei décadas para vê-los. Por um instante, ela apenas saboreou o momento. Então, seu olhar voltou-se para as cicatrizes. Quanta dor ele devia ter sofrido, imaginou, tocando com a ponta dos dedos as marcas que tanto o faziam sofrer. Ele fechou os olhos, respirando pesadamente. Eram como marcas das garras de um animal selvagem. Duas tinham cortado a testa, próximo aos cabelos, uma descia pela sobrancelha. Havia outra no canto de uma pálpebra, perto do olho. Mais uma descia pelo rosto, até a mandíbula, continuando pelo pescoço, até desaparecer dentro da camisa. Richard continuava imóvel, como uma estátua de pedra, os braços ao lado do corpo, os punhos cerrados. O coração de Laura quase se partiu ao pensar nos anos de solidão, acreditando que a aparência o impedia de ser amado, esquecendo o ato de coragem que provocara as marcas. — Você sobreviveu a tudo isto — sussurrou ela, surpresa e emocionada. Ele fitou-a nos olhos, vendo que se aproximava ainda mais. — Laura... — Shh. — A mão dela deslizou para a nuca de Richard, puxandoo para mais perto. Ela beijou de leve as marcas na testa, nos olhos, no pescoço, ternamente, abrindo um a um os botões da camisa e continuando a beijar as cicatrizes que atravessavam o ombro. Ele gemeu, agarrando-a pela cintura e tentando afastá-la. — Laura, não! Ela abraçou-o, compreendendo o medo e a ansiedade. — Por favor, Richard, não me afaste. Você suportou tanta dor. Agora são apenas marcas na memória. — Ele sacudiu a cabeça, mas Laura continuou beijando cada cicatriz, e os lábios dela eram como um bálsamo. — Não vejo deformidade. O que vejo são sinais de sua coragem. Ferimentos de uma guerra à qual sobreviveu. O coração de Richard batia forte, e ele deslizou a mão pelas costas macias, enterrando os dedos nos cabelos sedosos. Com um gesto brusco, inclinou a cabeça dela para trás. — Não quero sua piedade. Os lábios dela curvaram-se num sorriso, antes de fitá-lo diretamente. — Minha maravilhosa fera — disse, num tom baixo e sedutor. — A última coisa que sinto por você é piedade.

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— Há muito mais — murmurou Richard. — Minhas costelas, meu quadril... a perna. — Eu não me importo. Quando vai entender isso? — Eu nunca... Isto é, nenhuma mulher me tocou... Ela sorriu, suavemente. — Nossa... é quase virgem, então? Ele riu baixinho, mas ficou imóvel quando Laura encostou o corpo ao dele. Sentia cada curva, os seios macios sob o roupão, percebendo que ela estava nua sob o tecido fino. Cada célula de seu corpo vibrava, clamava por Laura. Murmurou o nome dela, as mãos percorrendo o corpo perfeito. Arrancando a camisa dele de dentro da calça, Laura expôs o corpo musculoso. Pelo jeito, as horas de solidão tinham sido dedicadas a muito exercício, e o resultado era impressionante. Ele era mesmo muito bonito, e só a visão bastava para deixá-la louca de desejo. Por um instante, encontrou o olhar dele, e então fechou os lábios sobre um dos mamilos, fazendo-o estremecer. Agora ele gemia, abraçando-a com mais força. Deslizando as mãos pelas costelas, Laura sentiu as cicatrizes. A cada beijo dela, a alma de Richard se abria. Ele a desejava cada vez mais. Mergulhando os dedos nos cabelos sedosos, puxou-a para si, beijando-a com paixão. Era um beijo faminto, sem controle. A língua dele provocava, exigia, os lábios saboreavam, e Laura correspondia, com paixão. Abraçando-a com força, Richard ergueu-a do chão. Ela era tão pequena, tão leve, e conseguia tirar-lhe o fôlego, tocar-lhe a alma. Mas não era o bastante. — Toque-me — sussurrou Laura. — Não posso mais esperar, Richard. E ele obedeceu, descendo as mãos para as coxas, acariciando os quadris. Sem interromper os beijos, caíram de joelhos, abraçados, e Richard desabotoou o roupão, cobrindo com as mãos os seios nus. Ela gemeu, inclinando a cabeça para trás, numa oferta silenciosa, e ele tomou um mamilo entre os lábios. Laura gritou o nome dele, as mãos enterradas nos cabelos macios, os quadris ondulando contra ele. E então Richard intensificou as carícias. O corpo de Laura estremecia em ondas de prazer, e logo estava úmida, pronta para recebê-lo. As roupas dele não podiam mais conter o membro ereto. E ela queria mais. Queria senti-lo dentro dela, preenchendo-a totalmente, até explodir de prazer. Com gestos rápidos, arrancou-lhe a camisa, rasgando-a nos braços e atirando-a no chão. As mãos percorreram o peito, os braços fortes, o abdômen liso. — Você é tão bonito — disse, e ele sabia que era sincera. Sabia que aquela mulher via o homem, não as cicatrizes. Ofegante, Richard não parava de acariciá-la. — Vou fazer amor com você. — Não era uma pergunta, nem havia qualquer hesitação.

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— Era o que eu estava esperando. Ele tirou o roupão que ela vestia, e o olhar ansioso percorreu o corpo perfeito, as coxas nuas, abertas no colo dele. — Vou precisar da noite inteira — murmurou. Laura arqueou as sobrancelhas, desabotoando o cinto da calça de Richard e abrindo o zíper. — Não vou a lugar nenhum. Engolindo em seco, Richard segurou a mão dela. — Precisamos de proteção. — Posso cuidar disso — retrucou Laura, deslizando a mão para dentro da calça com um sorriso malicioso. Ele tentou detê-la, mas Laura explorou-o lentamente, tocando o membro ereto, sentindo-o enrijecer ainda mais sob seu toque. O corpo forte e musculoso de Richard estremecia ao toque das mãos dela. — Vai me deixar louco — gemeu, baixinho. — Você disse a noite inteira. Quero ter certeza disso. Ela riu, beijando-o de novo, antecipando o prazer de senti-lo dentro de si. Mas ele a deitou no chão, saboreando cada parte do corpo perfeito, os seios, as coxas, a barriga lisa. E quando se inclinou entre as pernas dela, Laura tremeu de antecipação. Afastando-lhe as pernas, ele introduziu dois dedos na fenda úmida, e ela arqueou as costas, como uma gata selvagem. — Olhe para mim — pediu, e Laura obedeceu, abrindo os olhos devagar. Richard provocou, excitou, observando o rosto dela, as reações, o prazer que sentia e, sem desviar o olhar, cobriu com os lábios o centro de sua feminilidade. Ela gritou seu nome, roucamente, e Richard percebeu cada movimento, cada músculo, enquanto a saboreava. Então empurrou os dedos mais fundo, sentindo o corpo dela pedir mais, percebendo que o desejo pulsava cada vez mais forte. O prazer de Laura também era seu. E quando mordeu os lábios e estremeceu, no auge do prazer, sentiu o quanto era importante para ele. Ela agarrou-se a ele com força. — Richard! — E por fim, deixou-se cair no chão, esgotada. Ele riu, e antes que ela pudesse descansar, levantou-se e tirou o resto das roupas. Laura abriu os olhos. Ele era lindo, as coxas firmes, os quadris estreitos, parado à frente dela, o membro ereto e pulsante. E quando deu um passo para trás, ela ajoelhou, abraçando-o pelas coxas e percorrendo com os lábios a cicatriz que descia pela perna, até o joelho. A língua de Laura subiu pela perna, pelas coxas, enquanto as mãos o acariciavam. E então, ela segurou o membro rígido e fitou-o, diretamente. Richard balançou a cabeça, segurando a mão dela e deixou-se cair no chão, deitando-a de costas. — Ainda não. Quero sentir você. — E abrindo as pernas dela sobre as suas, acomodou-se entre elas, provocando, tocando de leve. — Venha, agora — disse Laura, tentando puxá-lo.

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— Não quero machucá-la. — Você não poderia, Richard. Nunca. De repente ela se ergueu, acomodou-se no colo dele, e guiou-o para dentro de si. — Eu disse agora. — Não posso negar nada a você — gemeu ele. Agarrada aos ombros de Richard, o olhar perdido no dele, Laura moveu o corpo, ajudando-o a penetrá-la mais fundo. Ele era grande, rijo, e ela estremeceu, movendo-se sensualmente. — Oh, Laura... é tão... — Eu sei — disse ela, beijando-o carinhosamente. — Eu sei. Era perfeito. Laura sabia que nenhum outro momento em sua vida seria igual àquele. Nada tão íntimo poderia acontecer. Seu coração já estava entregue. Era dele. E agora sua alma também. Os lábios de Richard cobriam os dela, ansiosos, famintos. E então ela se mexeu. Richard prendeu a respiração, cerrando os dentes, e Laura deliciou-se com a expressão do rosto dele enquanto se mexia, flexionando os músculos femininos para lhe dar mais prazer. As mãos fortes agarraram seus quadris, ajudando o movimento. Ela parecia tão pequena nos braços musculosos, as coxas esguias flexionando-se cada vez que se erguia e descia sobre ele. Com golpes cada vez mais fundos, ele a penetrava, e afastando do rosto dela os longos cabelos, fitou-a diretamente. Nunca haveria outra mulher em sua vida. Nenhum momento seria mais precioso que aquele. Não era a paixão que compartilhavam, nem o desejo que lhe roubava o controle. Era ela. Laura, que conseguira tocá-lo como nenhuma outra pessoa. Que abrira seu coração, sua alma, para lhe dar a salvação. Ela o fizera desejar ser um homem melhor, um pai melhor. E o forçara a ver o próprio valor, do qual chegara a duvidar. A felicidade de Richard expressava-se nos beijos, na vontade de lhe dar mais prazer. Deitando-a sobre o tapete, as coxas presas aos quadris dele, observou o rosto perfeito, o sorriso sensual, e penetrou-a ainda mais fundo. As chamas iluminavam o corpo dela com uma luz dourada. A chuva batia nas janelas e nas paredes de pedra. Colocando a mão sob ela, Richard arremeteu, vendo-a gemer de prazer, a pele brilhante, o rosto iluminado. — Oh, Richard... Ela abraçou-o, enquanto o desejo pulsava dentro dela. Ao fitá-la, Richard refletia como Laura o fizera sentir-se feliz, desde o dia em que ali chegara. Como o tornara novamente um homem. Como lhe proporcionara ali, naquela noite, muito mais do que prazer físico. Muito mais. Á luz da lareira, no castelo de pedra, os dois tinham renascido. A tempestade rugia lá fora, enquanto Richard a amava, perdido na maciez que o acolhia, encontrando esperança e liberdade. Laura ondulava o corpo, os músculos delicados prendendo-o co-

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mo um punho aveludado. Ela enrijeceu, os dedos agarrados ao peito dele, e isso o fez perder o controle totalmente. As pernas dela apertaram ainda mais os quadris de Richard ao atingir o êxtase. Inclinando a cabeça para trás, ele gritou. A fera presa dentro dele tinha sido libertada. O som encheu o ar. Richard mergulhou mais fundo dentro dela, e Laura puxou-o contra si, como se nunca fosse suficiente. Ele estremeceu, a expressão do rosto tensa, e ela acariciou-o, ternamente. Richard respirava ofegante. As mãos dela acariciavam as costas cobertas de cicatrizes e esse gesto o comoveu. Nunca se cansaria do toque de Laura. Nunca. Roçando os lábios nos dela, soube que toda a dor e toda a solidão tinham desaparecido. Nela encontrara a liberdade. E recuperara o coração. Por um longo momento permaneceram imóveis. Então, Richard apoiou-se nos braços e fitou-a. Laura sorriu, traçando com a ponta dos dedos os lábios dele, o queixo. — Bem — ela suspirou —, com certeza você não perdeu a prática. Ele riu, mostrando os dentes brancos e perfeitos. O sorriso dela alargou-se, ao puxá-lo para um beijo. — Está com frio? — Não... — respondeu ela, deslizando a mão pelo ombro largo. — Acho que a luz acabou outra vez. — E daí? Ele riu, sacudindo a cabeça. — Agora sei como deixar você preguiçosa. Ela abriu um olho, olhando-o de lado. — Você não pára um minuto! — Não gosto de perder tempo. Laura... — Ele hesitou. — Não imagina o que significa para mim você aceitar... Ela colocou dois dedos sobre os lábios dele. — Não. Eu não tive que aceitar nada, Richard. Só tive minha curiosidade satisfeita. Apenas isso. O rosto dele endureceu. — Você precisou fazer mais do que me aceitar, Richard. Precisou confiar em mim. Não era como Andréa, era o que queria dizer. E estava certa. As marcas que Andréa tinha deixado em sua mente, anos atrás, tinham desaparecido quando ela o acolhera. Sorrindo, ele deitou-se de costas, levando-a consigo. — Quero fazer amor com você em cada quarto desta casa. — Bem, você disse que queria a noite inteira. E a casa é muito grande. Ele riu baixinho, e de repente ficou em pé, erguendo-a nos braços. Mas quando pensou que ia colocá-la na cama, abriu a porta e saiu, subindo a escada que conduzia a seu quarto. Ele abriu a porta com um empurrão.

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— Se temos que começar por algum lugar... Ele entrou no banheiro enorme, revestido de mármore, e logo o som de água borbulhando encheu o ar. Ele entrou na banheira de hidromassagem, e colocou-a na água. — Oh! — É para minha perna e meu quadril. Com a massagem não ficam rígidos. — Mas há outras coisas que continuam bem rígidas — provocou Laura, e debaixo da água fechou a mão sobre o membro ereto. Ele gemeu, apoiando-se na borda da enorme banheira. Laura sorriu, maliciosamente, deslizando por baixo da água. Richard piscou, e logo gemia, agarrado à borda, quando ela tomou-o na boca, sugando, manipulando. E então ergueu a cabeça da água, tirando os cabelos da frente do rosto e sorrindo. — Você é uma feiticeira. Uma feiticeira sedutora. Segurando-a pela cintura, ergueu-a até a borda, afastou as pernas firmes e devorou-a com os lábios. O riso de surpresa desapareceu diante do desejo que a invadiu. Ondas de prazer se espalhavam por todo o seu corpo. Agarrando-se aos cabelos dele, sentia-se livre e selvagem, e quando ele virou-a, colocando-se atrás dela, gritou: — Agora, Richard! Por favor! E ele penetrou-a de uma vez. Ela nunca sentira nada tão maravilhoso. O desejo era enlouquecedor, aumentando e pulsando cada vez que ele investia. Richard agarrou-a pelos quadris, a rigidez dele golpeando cada vez mais forte. Ela adorava o modo selvagem de fazer amor. E então ele colocou a mão entre as coxas dela, fazendo-a gemer. O controle de Richard desapareceu diante da paixão avassaladora. Com os braços à volta dela, penetrou-a mais e mais, até que o corpo forte estremeceu, entregue ao clímax da paixão. Laura era perfeita em seus braços, e os gemidos de prazer misturavam-se ao borbulhar da água. Ela virou-se para beijá-lo, sussurrando que ele a fazia sentir-se livre. Mas Richard sabia que era ele quem tinha sido libertado da prisão torturante em que vivera. A fera dentro dele tinha sido domada pela bela.

CAPÍTULO XI

R

ichard mexeu os ovos na frigideira, assobiando.

— Que bom humor! Imagino o que provocou isso! Ele sorriu, olhando-a de lado e adorando o sorriso sensual. Laura o provocava desde o amanhecer, e depois da noite anterior estava surpreso ao ver como tinha energia para acordar tão cedo. — Posso levá-la para cima e mostrar, se quiser. — Para cima? Mas há pelo menos uns vinte quartos que ainda não visitamos. — Laura sorriu, o corpo antecipando o prazer do toque 74


dele.

— Vinte é pouco — retrucou ele, com um olhar cheio de segundas intenções na direção da mesa. Laura achou a idéia perfeita. — Além de sugerir essas coisas — provocou —, quais são seus planos para hoje? — Além de olhar para você? — Puxa, que elogio! Richard levou a frigideira até a mesa e colocou os ovos numa tigela. Então levou a frigideira e todos os utensílios que usara para a pia, lavou-os e enxugou-os, guardando tudo. Laura piscou, surpresa, e quando ele fechou a porta do armário percebeu a expressão dela. — O que foi? — perguntou, olhando para o jeans e os pés nus para ver se estavam respingados de ovo. — Um homem que arruma a cozinha. Espere até minhas irmãs saberem disso. Ele fez uma careta. — Vivi sozinho por muito tempo. Se não o fizesse, ninguém faria. — Continue assim, Blackthorne. Gosto de homens que sabem que seu lugar é com uma esponja de lavar louça na mão. Ele riu, agarrando-a por trás quando passava com um prato de bacon. Ela colocou o prato sobre a mesa, e ele enterrou o rosto no pescoço macio. — Você cheira tão bem. — Deve ser a gordura do bacon. Dá um toque de mistério. Ele riu, virando-a e beijando-a bem devagar. O corpo de Laura reagiu de imediato e ela puxou-o, acariciando o peito largo coberto pela camiseta azul. Ao afastar-se estava sem fôlego, e meio zonza de desejo, e afastou os cabelos dele da testa. — Se quiser, posso cortar seus cabelos. — Não gosta do estilo pirata? — provocou ele. — É bonito demais para se esconder atrás dos cabelos. Ele sorriu. Toda vez que ela dizia que era bonito, queria acreditar. — Hoje à noite, então. — Ele beijou-a de leve, e afastaram-se para preparar o café. Mastigando uma fatia de bacon, Richard colocou pão na torradeira, enquanto Laura pegava pratos e talheres no armário, arrumando quatro lugares. Dewey aparecia toda manhã para tomar café, mas Kelly ainda ia dormir pelo menos mais uma hora. Richard abriu a geladeira para pegar a manteiga, e ao fechá-la viu Laura imóvel, fitando a porta. Franzindo a testa, acompanhou o olhar dela. Kelly estava parada ali, os cabelos despenteados pelo sono, o ursinho pendurado numa das mãos. O pânico o envolveu. Oh, Deus! Ela veria as cicatrizes. O olhar dele voltou-se para Laura, e ela reconheceu o pedido de socorro. Uma coisa era ela aceitá-lo, sem restrições. Mas uma criança de quatro anos era diferente. — Bom dia, Kelly — disse Laura, e só Richard notou o tremor na voz.

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Ela estendeu a mão, detendo-o onde estava, ao perceber que ia dar as costas à filha. Kelly esfregou os olhos e bocejou. — Bom dia, srta. Laura. Bom dia, papai. — Ela subiu na cadeira, colocando o urso na cadeira ao lado, olhando para os adultos. — Vai tomar café conosco, papai? Kelly o olhava, ansiosa. Cheia de inocência e confiança. Sem medo. Richard pigarreou antes de conseguir falar: — Vou, princesa. — Que bom — disse Kelly, pegando uma fatia de bacon e começando a comer, enquanto Laura se inclinava sobre o balcão para lhe servir suco. Laura olhou para Richard, que parecia congelado, fitando a filha com os olhos cheios de lágrimas. Esquecendo a jarra, aproximou-se. Richard não tirava os olhos de Kelly. — Ela nem notou — disse, num tom rouco. Laura sorriu. — Mais uma mulher que você subestimou, não é? — provocou, acariciando o rosto dele com a ponta dos dedos. — Sim. — Ele riu, segurando-lhe a mão, e Laura sentiu o coração se encher de alegria. Richard virou-se para Kelly, mas Laura colocou a mão no braço forte. — Vá com calma. Ele assentiu, sem querer assustá-la, e quando a torrada saltou, virou-se para o balcão para cobri-la de manteiga. — Gosta de geléia, Kelly? A menina riu, feliz. — Amora é minha favorita. — Sei — disse Laura. — Ontem era uva, anteontem, pêssego. — Ela beijou a menina no rosto, enquanto Richard colocava o prato na frente da filha. Então, sentou-se ao lado de Laura, vendo a filha tomar o café da manhã. O dia não poderia ser melhor. O vento batia no casaco de Laura, e embora a chuva tivesse estiado um pouco, não havia sinal de que o tempo iria melhorar. — Venha conosco — convidou Laura. — Vão vocês duas. Assim podem fazer um programa de mulheres. — Por favor, papai — pediu Kelly, sentada no banco do passageiro. Laura colocou a mão no braço da menina, interrompendo os pedidos. Tentava entender a apreensão de Richard. Fazia cerca de uma semana que viviam fora das sombras. Mas estar com outras pessoas era um passo que Richard ainda hesitava em dar. Por enquanto. Os moradores da cidade não foram receptivos desde o início e, para eles, Richard ainda era a fera escondida no castelo. Ainda comentavam sobre ele e precisariam de algum tempo para se acostumar. — Está bem — disse ela. — Não vamos demorar.

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— Quero ir — disse ele, baixinho. — Mas não com Kelly por perto. Não sei o que faria se ela ouvisse os comentários que fazem sobre mim. — Nem eu — concordou Laura, com os lábios apertados. Ele segurou o queixo delicado, adorando o modo como estava sempre pronta para defender Kelly e a ele. — Quer dizer que não pretende aparecer para outras pessoas, só para Kelly e para mim? — Não posso. Ainda não. — Isto não pode durar para sempre, Richard. Haverá reuniões de pais na escola, aulas de balé, festinhas... Vai negar a Kelly e a si mesmo uma vida normal por causa dos outros? — Não. Mas preciso de tempo. Ela suspirou, tentando controlar-se. — Está bem. Vou tentar entender. — Ela olhou para a menina que não estava interessada nos adultos e brincava com os botões do painel, antes de fitar Richard novamente. — Eu me preocupo com vocês — disse baixinho, e ele sorriu. — Quero que sejam felizes, e esconder-se não será bom para Kelly. — E para você? — Também. Richard respirou fundo. Sabia que isso iria acontecer. Mas não queria discutir o assunto naquele momento. — Podemos conversar hoje à noite, está bem? — Ótimo. Richard gostou da determinação que viu nos olhos verdes, quando Laura ergueu o queixo, balançando o rabo-de-cavalo. Mas não se arriscaria a fazer um papel ridículo na rua principal. Quanto ao futuro, pensou, não podia prever o que aconteceria. Mas tinha certeza de que ela roubara mais do que o seu coração. E queria que esse sentimento durasse para sempre, sem interferência do mundo exterior. Tendo ao redor apenas ela, Kelly e Dewey. — Hoje à noite — disse, inclinando-se para beijá-la. Kelly riu e Richard piscou para ela. A menina o aceitara, e também o relacionamento com Laura, com toda naturalidade. Eram uma família, Laura era sua namorada, e todas as manhãs, quando acordava com ela em seus braços, experimentava um sentimento de paz e realização que jamais imaginara ser possível. Não deixaria que nada ameaçasse essa felicidade. Nunca. — É melhor irem antes que a chuva comece outra vez. — Mais uma vez beijou a filha, dando a volta no carro junto com Laura. Ela sentou-se atrás da direção e colocou o cinto, checando o cinto de Kelly. — Volte logo — sussurrou, ao beijá-la nos lábios. — Não vamos demorar mais do que uma hora. Laura ia buscar ovos e leite, e alguma guloseima para manter Kelly entretida durante as próximas chuvas. A mercearia não podia entregar nada naquele dia, e estava ansiosa para sair um pouco. Não que se cansasse de estar com Richard, dormir com ele, fazer amor... A cada manhã, ia para o próprio quarto, antes de Kelly acordar, e

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embora ele tivesse protestado, não queria ver a menina fazendo perguntas que não poderia responder. Além disso, Richard nunca dissera que desejava que o relacionamento fosse duradouro. Nem ela poderia insistir, perguntando se ele queria se casar. Ou mesmo perguntar se a amava ou se via nela apenas uma amante, que também cuidava bem de Kelly. Era melhor parar de pensar naquilo, ou ficaria maluca. Richard deu um passo para trás e Laura fechou o vidro, dando a partida. Da primeira vez o motor falhou, mas logo em seguida pegou e ela afastou-se na direção dos portões. Parecia que estava saindo de um mundo e entrando em outro. Saindo do castelo e entrando na terra dos súditos, pensou, sorrindo sozinha. Olhando pelo retrovisor, viu que Richard acenava e fez o mesmo. Então ligou o rádio. Nos últimos dias, Laura aprendera muito sobre Richard. Além de um amante fantástico, pai carinhoso e atento, era um homem de negócios muito bem-sucedido. Embora soubesse que tinha algumas empresas de informática, que dirigia de casa, não imaginava que ele mesmo, tivesse criado os softwares. Programas de segurança, jogos, antivírus. Não havia nada que não pudesse criar, decidiu, depois de vê-lo trabalhando. Tinha ganhado uma fortuna, sem sair de casa. Estavam entrando no estacionamento do supermercado quando a música do rádio parou. Laura franziu a testa quando ouviu a interrupção para uma notícia urgente. A tempestade tropical na costa da Flórida tinha se transformado num furacão e vinha na direção da ilha. Richard afastou a cortina, olhando a escuridão que cobria a ilha. O vento soprava furiosamente, mas havia pouca chuva. Mas ela viria, e forte, pensou, imaginando por que Laura ainda não chegara. Já fazia muito tempo que tinham saído. Tentara ligar para ela no celular, mas estava na caixa postal. Como sempre acontecia, pensou, decidindo que realmente os celulares eram algo que ele não conseguia entender. Estava impaciente para vê-las em casa, seguras, e já discara o número da polícia, sem resultado. A linha estava ocupada, e com o furacão a caminho não iriam procurar uma mulher e uma criança perdidas. Sem pensar duas vezes, Richard pegou um casaco e saiu, pedindo a Dewey que lhe emprestasse a picape. Entregando-lhe a chave, Dewey ofereceu-se para acompanhá-lo, mas Richard recusou, pedindo-lhe que cuidasse da proteção da casa. Minutos depois dirigia pela estrada principal, numa velocidade excessiva, a chuva batendo forte no teto e no pára-brisa. Acendendo os faróis, tentou enxergar na escuridão. Areia e lama já tinham atolado alguns carros, e ele imaginou se aquilo teria acontecido com Laura. Então ele as viu. Aliviado, parou e desceu. Acima do ruído da chuva e do motor ouviu alguém cantando e aproximou-se da janela. Laura abaixou o vidro, surpresa. — Richard! O choque no rosto dela revelava que nunca imaginara que saísse do castelo para resgatá-la. Inclinando-se, beijou-a. — Graças a Deus!

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— Olá, papai. — Vocês estão bem? — Ele abriu a porta do carro e fechou o vidro. — Sim. O motor morreu e parou de vez — explicou ela, saindo e pegando Kelly. — Tentei ligar do celular, mas a bateria acabou. Richard tirou Kelly dos braços dela, ajudando-as a entrar na picape aquecida, antes de voltar ao carro para pegar os pacotes. — Puxa, Laura — resmungou, arrumando os pacotes no chão, à volta dos pés deles. — Precisava de tudo isso? — Ouvi a notícia sobre o furacão e achei melhor nós estarmos preparados. Nós, pensou ele. Será que ela também pensava neles como uma família? — Talvez não chegue até aqui, como da última vez. — Furações eram um pesadelo para quem vivia no litoral, mas eram terríveis para quem morava na ilha. Era o preço da solidão e da linda paisagem, pensou ele. Depois de fechar o carro, entrou na picape e olhou para as duas. Não queria nem pensar no que faria se algo acontecesse a elas. De repente, Kelly atirou-se em seus braços. — Eu sabia que viria nos buscar, papai. Ele abraçou-a, olhando para Laura. O sorriso dela era cheio de ternura. — Você saiu de casa por nossa causa. — Laura ainda estava surpresa. — Não podia deixar minhas garotas enfrentarem a tempestade sozinhas. Ela estendeu a mão, acariciando os cabelos molhados. Estava orgulhosa dele, mas não precisava dizer. Ele sabia. Tinha dado mais um passo na direção do mundo exterior. Segurando a mão dela, Richard beijou-a carinhosamente. — Serabi está bem, papai? Richard soltou a mão de Laura e sorriu para a filha. Só mesmo uma criança ficaria tão alheia ao perigo. — Estava dormindo perto do fogo quando saí — respondeu, dirigindo para casa. — Acho que vamos ter uma noite de chocolate quente, pipocas e desenhos animados — disse Laura, enquanto Kelly batia palmas, sentada entre os dois adultos. Mas a conversa daquela noite não aconteceu. A tempestade foi ficando cada vez pior e havia muito que fazer. Vestindo jeans e camiseta, Laura ajudou Dewey e Richard a proteger o pátio e os estábulos. Dewey já rebocara o carro para a garagem, insistindo que iria consertá-lo, já que era responsável por sua manutenção. Richard alimentou os cavalos e abrigou-os nas cocheiras, reforçando as portas. Tinham sorte, já que a casa e as demais construções ficavam no alto da colina, e a enchente não poderia alcançá-las. Mas quando Richard disse a Laura para arrumar uma valise, já que ela e

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Kelly partiriam na próxima balsa, ela fingiu não ouvir. Não partiria sem ele, de jeito nenhum. E ele não iria. Assim, ela se preparou para enfrentar a tempestade. Já tinha colocado lanternas e velas por toda a casa. Embora Richard tivesse um gerador, no caso de a luz acabar, achava melhor estar prevenida. O furacão ainda não estava perto, mas já podiam sentir seus efeitos. Kelly tinha sua própria lanterna, e Laura precisava insistir para que a desligasse, ou acabaria sem pilhas. Por fim, colocou-a sobre a geladeira. Ao voltarem para dentro de casa, Kelly assistia a um vídeo, com Serabi no colo, e nem prestou atenção neles. Laura pendurou os casacos molhados e preparou um bule de café. — Quero que pegue a próxima balsa e saia da ilha. Fique num hotel. — Não há mais quartos de hotel disponíveis. Todos estão saindo da ilha. — E virando-se para ele, perguntou: — Você irá conosco? — É claro que não. — Então, esqueça. — Laura, você precisa sair daqui. — Não vou deixá-lo sozinho, Richard. — Sou bem crescido. O olhar dela percorreu-o dos pés à cabeça. — Eu sei. Mas não vou assim mesmo. — Vai, sim! Eu já disse. Ela cruzou os braços o enfrentou-o. — Então me obrigue. — Que droga, Laura. Será que não vê o perigo? — Não grite comigo, Blackthorne. Se Kelly e eu formos, você e Dewey terão que ir conosco. — De jeito nenhum. — Ele pegou o telefone e discou. — Nem que eu tenha de amarrá-las e colocá-las no barco, irão para um lugar seguro. — Estamos seguras aqui. Muito mais do que dirigindo nessa chuva para encontrar um hotel. E com certeza mais seguras do que o resto da ilha. Richard falava com os policiais responsáveis pela balsa, perguntando quando partiria a próxima, e quase gritou com o homem, pedido desculpas em seguida. — Conseguiu o que queria. Não há mais balsas. — Não me admira. Olhe a água. Richard olhou pela janela. As ondas enormes batiam no cais, e o vento soprava cada vez mais forte. — Você fez de propósito. Discutiu comigo, inventou coisas para fazer, até que fosse tarde demais. Ela deu de ombros, disfarçando um sorriso. Ele franziu a testa, muito sério. Laura foi até ele e abraçou-o pela cintura. — Estou exatamente onde quero estar, Richard. Se estivéssemos separados, você passaria o tempo todo sem saber se Kelly e eu estaría-

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mos a salvo. — Acho que tem razão — admitiu, sem sorrir. — E, além disso — continuou ela, sorrindo ao ver que continuava sério —, ainda temos muitos quartos para percorrer. Ele sorriu. — E eu adoro tempestades. — É mesmo? — Os trovões abafam meus gritos quando você faz... você sabe o quê... — Oh, Laura — ele gemeu, beijando-a e deslizando as mãos sob a camiseta. Ela puxou-o para mais perto. — Já é hora de ir para a cama? — sussurrou ele. — Falta pouco. — Que droga! Laura riu, e quando Kelly chamou, os dois se separaram. Richard deu um passo para trás, encostando-se no balcão. — E melhor ir ver o que está acontecendo. — Já estou vendo — respondeu Laura, com um sorriso malicioso, saindo para atender à menina. Richard também sorriu, imaginando como tinha conseguido viver sem aquela mulher até então. Na enorme cama da torre, Richard a penetrava, cada investida levando-a para mais perto do clímax. Ele fitava o rosto perfeito, observando cada reação. Lá fora a tempestade rugia. Dentro do quarto, a paixão era avassaladora. Laura forçou os calcanhares contra o colchão, erguendo-se para recebê-lo, num ritmo intenso, perfeito. Logo o êxtase refletia-se no rosto dela, e Richard também atingiu o clímax, abraçado a ela, os músculos femininos prendendo-o. Nunca havia se sentido tão vulnerável. Nem tão poderoso. Laura estremeceu de prazer, entregue às sensações deliciosas e à felicidade que inundava sua alma. — Oh, Richard — gemeu, passando as pernas à volta dele. Ela beijou o pescoço, o rosto marcado, enquanto a paixão lentamente se acalmava, trazendo-os de volta a terra. Nenhum deles falou. Nem saberiam que palavras usar. Mas Laura admitiu, em silêncio, que estava loucamente apaixonada por ele. A fera terna e gentil, o príncipe ferido. E tinha medo de sofrer de novo. Porque, se isso acontecesse, sabia que, dessa vez, nunca mais se recuperaria.

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CAPÍTULO XII

O

furacão foi chamado de “Helen” e era devastador. As ondas

erguiam-se a mais de cinco metros de altura, arrebentando na praia e subindo para o vilarejo. Era como se a natureza punisse aqueles que ousavam viver tão perto do oceano. Laura admirava aquela força, mas sabia que seria diferente se não estivesse segura no castelo. A chuva estava cada vez mais forte e a previsão era de que iria piorar. Assim, não desviava a atenção das notícias do rádio. As portas e janelas balançavam com o vento. Os vidros tinham sido reforçados e protegidos. Do lado de fora, sacos de areia alinhavam-se junto às portas do salão. Do lado de dentro, Laura colocara toalhas para absorver a água que o vento jogava por baixo das portas. Aquele era o único lugar da casa que os preocupava. Kelly via tevê e brincava com as bonecas, enquanto Richard percorria a casa, checando tudo, verificando o telhado para garantir que não haveria vazamentos. Laura entrou no quarto amarelo, sem acender as luzes, e como a energia já tivesse ameaçado acabar várias vezes, acendeu a lanterna. Olhando pela janela, observou a cidade deserta. A última balsa partira no dia anterior, levando todos, exceto os policiais. Um relâmpago clareou o céu, iluminando a cidadezinha abaixo. Meu Deus, pensou Laura. — Richard! — chamou. — Venha depressa. Ele entrou correndo no quarto. — Não devia ficar perto da janela — disse, aproximando-se. — Não está protegida. Ela ainda olhava atentamente para a vila. — O vento vem do outro lado — observou, olhando-o por cima do ombro. — Mas ainda há gente lá embaixo. — O quê? — Ele correu para a janela. — A cidade está inundada. Quando o relâmpago clareou tudo, vi os policiais tentando colocá-los em segurança. — Ela apontou, mas não era possível ver nada no escuro. — Precisamos fazer alguma coisa. — Pensei que todos tivessem ido para o continente. A cada furacão, durante os últimos cinco anos, a ilha era completamente evacuada, com exceção dos policiais. E dele próprio. Richard não podia ficar de braços cruzados, na segurança do castelo, vendo-os lutar contra a tormenta. Tirando do bolso o rádio que usava para se comunicar com Dewey, explicou-lhe a situação. — Pegue a picape. Ainda tem aquele rádio para comunicar-se com a polícia? — Sim. E ouvi que a casa da sra. Demmer está debaixo d’água, e a enchente já chegou à rua Magnólia. — Então precisamos ser rápidos. Chame os policiais. — Certo. Vou buscá-los. Richard guardou o rádio e virou-se para Laura. — Venha. Precisamos de travesseiros e cobertores. — Ele saiu do 82


quarto, caminhando para a escada. — E alguns medicamentos. Faça café, também. — Ele parou, virando-se para fitá-la. — Ainda temos comida para mais uns dias? — Sim, e posso fazer com que dure bastante. — Que bom. Não tenho idéia de quantas pessoas estão lá. — Ele continuou a descer a escada. — Eu me sinto um tolo por não ter pensado nisso. — Nem poderia. Pensávamos que todos tivessem partido. — Isto aqui vai ficar uma confusão por uns dois dias. — Querido, você nunca teve que manter um bode na sua cozinha, tentando evitar que comesse as melhores toalhas de mesa de sua mãe. Laura passou por ele, dirigindo-se para a cozinha. Ele riu, baixinho. — Um bode, Laura? O que o pessoal dos concursos diria, se soubessem? — Acho que pegariam de volta as minhas coroas. — Ela parou, virando-se e beijando-o na boca. — E acha que eu me importaria? Ele sorriu, dando um tapinha nas nádegas firmes. Ela olhou-o intensamente antes de entrar na cozinha, acendendo as luzes. — Há cobertores e travesseiros no armário lá em cima. E mais alguns no meu quarto. — Talvez haja mais alguns na biblioteca — disse Laura, começando a fazer sanduíches. Richard foi buscar lanternas e velas. Não tinha coragem de dizer a ela que quando as pessoas chegassem cuidaria delas sozinha. Laura serviu o café olhando para Lisa Tolar, uma jovem adorável que chegara à ilha com o marido, para passar a lua-de-mel. Não tinha sido uma boa escolha, pensou. Mas pelo menos teriam algo diferente para contar aos filhos. Lisa logo começou a ajudar, assim como o marido, um jovem oficial da Marinha, servindo café e bebidas, ajustando o vídeo e acalmando a todos. No chão, Kelly brincava com a única criança do grupo, Christhopher Austi, um garotinho de cabelos ruivos. Os pais sentavam-se num sofá próximo, enquanto as crianças coloriam uma revista. Havia mais três pessoas, incluindo os dois policiais, Andrew e Mark, que saíam periodicamente para checar em volta da casa, embora não houvesse, de fato, necessidade, uma vez que a ilha estava deserta e os poucos que haviam restado se encontravam no castelo. As pessoas se dividiam entre o salão, a sala de jantar e a cozinha. Com exceção de Richard. Era a oportunidade que ele precisava. Tinha aberto a casa para eles, e por certo não zombariam dele. Não na frente de Kelly. Ninguém seria tão insensível. Mas Laura estava tensa, imaginando por que ele demorava tanto. — Onde está o sr. Blackthorne? — perguntou Mark Lindsey, o policial. Laura deu de ombros. — Em algum lugar da casa. — Você já o viu?

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— É claro. — E como ele é? Kelly ergueu o olhar, fitando os dois. — Bonito, muito alto — respondeu Laura, aproximando-se e enchendo de café a xícara de Mark. — Tente não ser rude, policial Lindsey. Ele é um homem como qualquer outro. Aliás, um homem que abriu a própria casa para acolhê-los. Ele corou, tomando um gole do café. Então Kelly largou os lápis de cor e levantou-se, indo até o corredor e depois para a escada. Laura ouviu a voz dela e o sussurro de Richard. Kelly entrou correndo e parou. — Aqui está ele — disse, olhando por sobre o ombro. Mas Richard não apareceu. Kelly voltou para as sombras e poucos minutos depois retornava, puxando Richard pela mão e trazendo-o para a claridade. Richard olhava para a garotinha, tão emocionado com esse gesto que não conseguia falar. Respirou fundo e ergueu a cabeça, deixando que todos vissem o rosto da fera. Laura deixou a garrafa na mesa e foi até ele, ficando a seu lado e segurando a mão forte. Juntos esperavam a demonstração de horror ou de piedade. Mas nada disso aconteceu. — Olá, sr. Blackthorne — disse Mark, aproximando-se devagar. — É um prazer conhecê-lo finalmente. — Os dois apertaram-se as mãos e Mark apresentou o parceiro e todos os outros. Richard sorriu, imaginando quando começaria. Mas nada aconteceu. E quando Mark chegou aos recém-casados, esqueceu os nomes. — Gary e Lisa Tolar — disse a jovem. — Estamos em lua-de-mel. — Que bela recepção — brincou Richard, e o casal sorriu. De repente, a grande janela do salão espatifou-se, espalhando vidro à volta deles. Richard correu, puxando as cortinas sobre a abertura e segurando-as contra a força do vento. — Mark, na despensa tem martelo, pregos e algumas placas de madeira. O policial correu, e logo ele e Richard vedavam a janela, decidindo que seria melhor fazer o mesmo com as outras. Laura varreu os cacos de vidro, enquanto os policiais afastavam os móveis da janela. Richard aproximou-se, mas ela recolheu os cacos, levando tudo para a cozinha, sem fitá-lo. Havia algo errado, pensou, apreensivo. Mas não tinha como ficar sozinho com ela naquele momento. Havia muitas pessoas ali. E não estava sendo fácil para ele ficar no meio delas depois de tanto tempo. Disfarçadamente, escapou para a biblioteca, encontrando Mark no sofá, lendo um livro. O jovem policial levantou-se, com o rosto muito corado. — Sinto muito ter entrado sem pedir licença. Mas sua biblioteca é incrível. — Ele fez um gesto na direção das prateleiras. — Pegue emprestado o que quiser, Mark. De que adianta ter tantos livros, se ninguém aproveita? Richard foi até o pequeno bar, serviu uma dose de conhaque e o-

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fereceu-a ao jovem. Mark agradeceu mas recusou, alegando estar em serviço. Sentando-se na poltrona de couro, atrás da escrivaninha, Richard lembrou-se da noite em que encontrara Laura ali. Queria que a tempestade acabasse logo, para poder levá-la para a cama. Ao pensar nisso, mexeu-se na cadeira, desconfortável. — As pessoas tinham medo de você. — Eu sei. — E sem motivo. Richard arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada. De repente, Mark afrouxou a gravata e desabotoou a camisa, mostrando as terríveis cicatrizes de queimaduras que lhe cobriam o peito e o ombro, e que mal podiam ser vistas sob o colarinho. Richard largou o copo sobre a mesa. — Estava curioso para saber se eram piores do que as minhas — disse Mark. — Acho que são iguais — disse Richard, apontando com um gesto a cadeira a sua frente. — Se não se importa de me dizer, como aconteceu? O jovem policial sentou-se, abotoou a camisa e começou a contar. — Naquele tempo eu era casado. Tinha terminado a academia militar fazia dois anos e estava servindo em Orangeburg quando fui chamado para ajudar num incêndio. Era num orfanato para crianças com problemas emocionais. Fui o primeiro a chegar e... O furacão continuou por mais dois dias, antes de deslocar-se para o norte, deixando um rastro de destruição. Na manhã ensolarada e fria, os hóspedes despediram-se. Laura tinha feito novas amizades e Richard parecia ter criado um forte laço com o jovem policial Mark. Ela estava contente por isso. Ao acordar na manhã seguinte e encontrar Richard preparando o café de Kelly, sentiu uma onda de tristeza invadila. Richard não precisava mais dela. Nem Kelly. A menina estava vestida e penteada, e parecia muito feliz. — Bom dia — disse Richard, e sua expressão mudou ao fitar os olhos dela. Laura forçou um sorriso. — Bom dia para os dois. Kelly virou-se na cadeira, com um pedaço de bacon na mão. Laura roubou-o com um gesto rápido, beijando o rosto da menina. — Dormiu bem? — perguntou Richard, enquanto ela se servia de café. Ela adormecera assim que tinham se deitado e, pela manhã, como sempre fazia, tinha voltado ao próprio quarto. Richard gostaria de poder acordar com ela nos braços. — Sim. Não percebi que estava tão cansada. — Você foi incrível — disse ele. Ela fitou-o por cima da borda da xícara. — Você também. Por que os olhos dela estavam tão tristes?, imaginou ele, ao colo-

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car as torradas na frente de Kelly. Laura forçou-se a terminar o café, embora sua bagagem já estivesse arrumada. Não queria ir, não queria dizer adeus. Mas agora Richard podia cuidar de tudo. O trabalho dela terminara. Katherine Davenport telefonara no dia anterior, avisando que tinha conseguido um novo trabalho. Era hora de partir. Laura estava arrasada. — Kelly e eu vamos à cidade. Não quer ir conosco? — Não. Tenho muitas coisas para arrumar e estou um pouco cansada. Richard aproximou-se, passando os braços à volta dela. — Senti falta de você ontem à noite. Laura apenas assentiu, e ele tentou entender a expressão desolada no rosto dela. — O que foi? — Nada que um bom sono não possa curar. — Por que não volta para a cama? São só oito horas. — Quem sabe?! — respondeu ela, incapaz de dizer mais nada. Alguns minutos depois, Richard e Kelly saíam, prontos para enfrentar as outras pessoas e desfazer qualquer boato, de uma vez por todas. Laura lavou a louça do café, preparou algo para o jantar e chamou um táxi. Laura estava parada no cais, lutando contra as lágrimas. Estava dividida. Não queria deixar as duas pessoas que mais amava, mas não tinha escolha. Parte dela lhe dizia para ficar e continuar como estava. Mas seu coração advertia que Richard nunca lhe pedira para ficar, nunca falara sobre o futuro. Depois da experiência com Paul não queria se arriscar. Richard sabia que era temporário. Seu trabalho terminara. — Aonde pensa que vai? — disse uma voz atrás dela. Ela endireitou-se, sem se virar. — Para casa. — Pensei que estivesse em casa. A raiva era muito clara na voz dele. — Não, Richard. Vim para ajudá-lo com Kelly, para integrá-la em sua vida. — Só isso? E vai me abandonar? O coração de Laura se apertou ao perceber a dor na voz dele. — Tenho que ir. Ele agarrou-a pelo braço, forçando-a a encará-lo. — Por quê? — Meu trabalho acabou. Ele mal podia controlar a raiva. — E o que Kelly e eu significamos? Apenas mais um emprego? — Não! — Então entra em nossas vidas e de repente vai embora? É o que pensa de mim? Um pobre-coitado que precisava de um pouco de ternu-

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ra? — Ele baixou o tom de voz: — É isso que sentia quando eu a tocava? — É claro que não. — Uma lágrima escorreu-lhe do rosto. — Então por que está agindo assim? — Porque nunca saberei se o que sente é apenas gratidão! — Por Deus, Laura! — Ele soltou-a, dando um passo para trás. — Sou um homem adulto. Sei o que quero. E quero você. Ela balançou a cabeça e fitou-o. O coração dele apertou-se ao ver as lágrimas nos olhos dela. — Como vou saber se não está confundindo suas emoções? Estava sozinho, escondido. Agora está livre, tem sua filha e pode ser um pai de verdade. Como posso ter certeza? — Porque não preciso mais da sua ajuda. E continuo a sentir a mesma coisa. Laura piscou, afastando as lágrimas. De repente ele estava bem perto. — Como pôde duvidar? Preciso de você no meu coração. — Ele acariciou os braços dela, fitando os olhos muito verdes. — Sempre precisarei. Não posso respirar, não posso viver sem você. Por favor, fique. Ela soluçou, as lágrimas escorrendo pelo rosto. — Eu te amo! Desde que a vi pela primeira vez. Desde que gritou comigo por me esconder, desde que acarinhou minha filha. Eu estava aprisionado, Laura. Mas amá-la é minha verdadeira liberdade. Por favor, não me mande de volta para a prisão. Laura sussurrou o nome dele, procurando os olhos azuis e vendo o futuro descortinar-se diante deles. — Eu te amo — disse, baixinho. — Graças a Deus. — Richard fechou os olhos e suspirou, e ao fitá-la de novo, pediu: — Case comigo, seja minha mulher, minha melhor amiga. Receba o meu nome, tenha uma porção de filhos comigo e me faça o homem mais feliz do mundo. Preciso de você, minha bela. Ela fitou-o nos olhos. — Diga sim. — Está mandando ou pedindo? — Suplicando. — Ah, súplicas e esponja de lavar louça, é isso que gosto num homem! Ele riu, e o som encheu o ar, livre de qualquer dor do passado. — Eu te amo, Richard Blackthorne — sussurrou, os lábios quase tocando os dele, e então se entregou ao beijo apaixonado. — Ela disse sim, papai? Laura virou-se e viu Kelly sair do carro e correr para eles, os cabelos escuros flutuando ao vento. Richard pegou a filha no colo, e os dois olharam para Laura. — Agora vai ser minha mãe? Laura olhou para Richard e corou. — Sim, querida, acho que vou. Kelly sorriu, feliz. — Viu, papai, você não precisou ir ao fim do mundo para achá-la.

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Laura sorriu, lágrimas de alegria inundando-lhe os olhos, enquanto Richard a abraçava, encostando a testa na dela. — Não, querida. Mas eu teria ido. Com toda certeza.

EPÍLOGO

U

m ano depois

Laura estava fechando a Galeria Blackthorne quando ouviu Richard chamar seu nome. Sorrindo, viu que ele descia do carro e caminhava até ela. Tirando a chave da fechadura, ergueu o olhar para ele. — Olá, querida. Parece cansada. — Ele beijou-a de leve. — Ah, querido... — Ela apertou-lhe os braços. — Está na hora. — Na hora de quê? Ela olhou-o diretamente, apontando a barriga enorme. Richard piscou, confuso. — Agora? — Bem, do jeito que tive contrações o dia todo, acho que temos uns trinta minutos. O pânico dominou-o completamente. — Laura, por que não me chamou? — Para fazer o quê? Sentar em casa e ficar me olhando? Com minha mãe e minha irmã grudadas em mim? Era verdade, pensou ele. Aquele bando de mulheres à volta não seria fácil de agüentar. — Pode andar? — E até dançar. Quer ver? — provocou ela, ensaiando uns passos. — Cuidado! Pare com isso. Ela riu ao vê-lo tão apavorado. — Venha. Vamos buscar Kelly. — Não. O médico primeiro. Dewey pode pegá-la na escola. — Mas nós prometemos. — Ela terá que entender. Vamos. — Ele pegou-a pelo braço, mas Laura não se mexeu. — Não vai discutir comigo agora, vai? — Nós prometemos. — Por Deus, Laura! Vai ter o meu... o nosso bebê. Temos que ir. — Algum problema, sr. Blackthorne? — perguntou o dono da loja vizinha. Richard olhou-o e respondeu: — Ela está em trabalho de parto e não quer ir ao médico. — E apontando para Laura, concluiu: — Suas irmãs vão me matar. — Eu vou. Mas não precisa ter tanta pressa. — Um segundo depois, dobrou-se de dor com mais uma contração. — Acho que é melhor ir. Pelo jeito, seu filho é tão impaciente quanto você. Richard não esperou mais e erguendo-a nos braços, colocou-a no 88


carro. Do outro lado da rua, o policial Lindsey ligou a moto e se aproximou. — Que tal uma escolta policial, Richard? — ofereceu. Sentado atrás do volante, com as mãos trêmulas, Richard respondeu: — Obrigado, Mark. — Não seja ridículo! — disse Laura, sem saber se sentia vergonha ou achava engraçado o policial abrindo caminho para eles, com a sirene ligada. Muitos amigos acenavam da calçada, desejando boa sorte. Menos de uma hora depois, na pequena clínica, Richard segurava o filho nos braços. Laura praticamente dera à luz na porta do hospital, e agora se sentava na cama, com Kelly ao lado. Colocando o bebê nos braços dela, acomodou-se também na cama, beijando-a na testa. Kelly contava os dedinhos do bebê. — Eu te amo — sussurrou ele, beijando-a apaixonadamente. — Obrigado. — Ele colocou um anel na mão direita de Laura, com diamantes, e em seguida um outro igual, com pedras azuis. — Por que outro anel? — É por Kelly. As lágrimas inundaram os olhos de Laura, e ao beijá-lo, repetiu quanto o amava, e como jamais poderia ser tão feliz. Os sonhos dela haviam se tornado realidade, e a prova estava ali, naquele quarto. Richard abraçou sua família, os longos momentos de escuridão afastados para sempre. Tinha sido um homem amargo, triste, isolado em sua torre. Laura entrara pela porta, forçando-o a viver novamente e a agradecer por todos os presentes que a vida podia dar. Olhando para a mulher e os filhos, ele reconheceu como o amor podia ser maravilhoso e agradeceu pelo dia em que ela entrara em sua jaula e o resgatara. Ao amá-la, ficara livre... A fera tinha sido salva pela bela e recompensada com seu amor.

FIM

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