Fotolivro enquanto projeto de Design: análise da forma e desenvolvimento de um fotolivro autoral

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fotolivro enquanto projeto de design: anรกlise da forma e desenvolvimento de um fotolivro autoral



Trabalho Conclusão de Curso 1 Faculdade Arquitectura, Urbanismo e Design Universidade de São Paulo Junho 2019 Aluna: Giulia Fabbi Orientação: Clice Mazzilli

fotolivro enquanto projeto de design: análise da forma e desenvolvimento de um fotolivro autoral



agradecimentos

À professora Clice, pela orientação e sobre tudo pela paciência.

À Assessoria Técnica Peabiru e as familias do Hotel Lord, por terem aceitado, gentilmente, a minha presença durante os momentos de comemoração e os momentos de trabalho. Ai vecchi amici, ai miei amici di casa, i miei amici di sempre, per il sostegno, non importa dove e non importa come, per la comprensione nei momenti di assenza. Aos meus novos amigos, aos amigos que me fazem sentir em casa sempre, mesmo com um oceano de distância. Por todos os momentos compartilhados. Ào Victor que sempre está do meu lado, pela presença, pelo apoio costante, por toda a ajuda, por todo o carinho e companheirismo. As palavras não bastam. Alla mia mamma, al mio papà e ad Alle. Alla mia famiglia senza la quale niente di tutto ciò sarebbe possibile. Per tutto l’amore e il sostegno incondizionato nonostante la distanza e nonostante le difficoltà. Grazie.


resumo Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) se propõe a analisar o fotolivro enquanto projeto de design gráfico editorial, através de uma revisão bibliográfica, levantamento de referências e estudos de caso de seu formato, com o desenvolvimento de projeto e elaboração de um fotolivro autoral como produto desta pesquisa. O fotolivro é um formato de objeto comunicacional e estético, de grande relevância na produção fotográfica contemporânea. É um livro fotográfico temático, que tem a qualidade de contar uma narrativa através de uma composição de imagens e, em alguns casos, textos. É um livro em que as imagens protagonizam a comunicação da mensagem, e onde as fotografias não são consideradas individualmente, mas umas em relação às outras. Através da conjunção de imagens fotográficas, textos, design e materiais gráficos escolhidos, o fotolivro busca potencializar a experiência de uma narrativa poética no formato de um objeto único. palavras chaves: fotolivro, design editorial, narrativa, fotografia, produção gráfica.


abstract This TCC aims to analyse the photobook as an editorial and graphic design project, through the support of a bibliographic review, references and case studies; with the creation, development and production of a photobook project. The photobook is an object that has turned into a communication and aestethic phenomeno in the contemporary photographic production. It is a photographic thematic book that has the ability of telling a story with a narrative made out of images and sometimes through the ad of a text. Photobooks are books in which the images are the protagonists, or share the focus of the communication of the message and in which the photographs are not to be considered by themselves but to be connected and linked to one another. Thanks to the co-operation between photographic images, text, design, graphic materials, the photobook has the power to enhance the narrative poetic experience of the readerin the form of a unique object. key words: photobook, editorial design, narrative, photography, graphic production.



sumário Prólogo

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Introdução

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Objetivo

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Metodologia

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PARTE I

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O fotolivro

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Fotolivro na história

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Panorama atual

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Fotolivro como projeto de design gráfico

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Estudos de caso:

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→ Hidden Islam / Niccolò Degiorgis → Kodachrome / Luigi Ghirri → Bares Cariocas / Luiz Alphonsus → A Grande Seca / Ronald Ansbach

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PARTE II

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Próximos passos: proposta de fotolivro autoral para o TCC2

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Tema 1

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Tema 2

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Tema 3

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Considerações Finais

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Bibliografia

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prólogo Considero a oportunidade de poder desenvolver este tipo de projeto para o meu TCC um privilégio. Contos, historias e livros e são as minhas primeiras lembranças da infância. Lembranças da minha avó que me transmitiu o amor para leitura; lembranças das tardes de inverno frias na sala quente, ao lado dela, com livros nas mãos. Como leitora, mais tarde, graças ao meu percurso na formação em designer gráfico e de comunicação no Politecnico de Milano, eu tive a oportunidade de me aproximar do processo de desenvolvimento e criação de produtos editorias, tais como revistas e livros, e decidi realizar um “visual book”como projeto da minha Tesi di Laurea Triennale (tese final de graduação), (FABBI, 2017). Um visual book é um produto editorial graficamente e materialmente expressivo do conteúdo de um texto. É uma publicação editorial que possui a capacidade de expandir a legibilidade e a compreensão do leitor, sem modificar as características originais do texto e o sentido da obra. No curso de Sintesi Finale (tese final de graduação), projetei a reedição do livro L'importanza di essere Morrissey (Morrissey in Conversation: The Essential Interviews, 2010), (WOODS, 2010) do jornalista britânico Paul A. Woods, e decidi realizar uma série de fotografias que representassem a personalidade e a evolução do protagonista ao longo da sua vida, usando flores como metáfora. Comecei me interessar por fotolivros logo depois da realização da minha tese, e ao longo do meu intercâmbio de Duplo Diploma na Fau-Usp e no Polictecnico de Milano, pensei que um fotolivro pudesse ser a melhor forma de juntar aspectos de projeto que sinto mais afinidade para realizar o meu trabalho de conclusão de curso. O fotolivro apresenta um ponto de vista sobre a cidade de São Paulo, retratando parte da cotidianidade da capital paulistana, a maior cidade do Brasil.


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Figura 1: Livro L'importanza di Essere Morrissey (Morrissey in Conversation) Tesi Sintesi Finale, trabalho final de graduação desenvolvido pela autora em 2017 para a conclusão do curso Laurea Triennale in Desing della Comunicazione. fonte: acervo da autora.


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Imagens 2, 3 e 4: Livro L'importanza di Essere Morrissey (Morrissey in Conversation). tesi sintesi finale, trabalho final de graduação desenvolvido pela autora em 2017 para a conclusão do curso Laurea Triennale in Desing della Comunicazione. fonte: acervo da autora.

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Figura 5: Livro L'importanza di Essere Morrissey (Morrissey in Conversation). Tesi Sintesi Finale, trabalho final de graduação desenvolvido pela autora em 2017 para a conclusão do curso Laurea Triennale in Desing della Comunicazione. fonte: acervo da autora.


introdução Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) se propõe a analisar o fotolivro enquanto projeto de design gráfico editorial, através de uma revisão bibliográfica, levantamento de referências e estudos de caso de seu formato, com o desenvolvimento de projeto e elaboração de um fotolivro autoral como produto desta pesquisa. O trabalho se divide em duas partes; na primeira se encontra a definição de “Fotolivro”, as características essenciais e uma breve história deste tipo de publicação, com base nos livros The Photobook Vol.I,II,III (2004-2014, Phaidon) dos ingleses Martin Parr e Gerry Badger, o panorama atual das autopublicações e do mercado editorial. São apresentados quatro fotolivros de diferentes autores, italianos e brasileiros, como exemplo e referência para o desenvolvimento do futuro projeto do fotolivro autoral. Por fim, nesta primeira parte, apresentam-se os elementos que compõe um projeto de fotolivro: o livro; a narrativa; o tema; a montagem e a edição. Na segunda parte vão ser abordadas as diferentes fases do processo de criação do fotolivro autoral, como a realização do layout, da narrativa, a escolha das imagens, dos materiais, dos elementos textuais e gráficos.



objetivo Apresentar o formato fotolivro enquanto projeto de design gráfico editorial, e definir assim suas características, qualidades e especificidades. Ainda, compreender a produção contemporânea deste formato de objeto, por um levantamento de referências e estudos de caso. Por fim, desenvolver um projeto de fotolivro autoral, que será continuado no Trabalho de Conclusão de Curso 2, como produto desta pesquisa.


metodologia PARTE I: ESTUDOS SOBRE O FOTOLIVRO

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Levantamento bibliográfico existente sobre o tema do fotolivro, fichando textos relevantes, Levantamento de referências de fotolivros existentes; pesquisa de exemplares semelhantes, Escolher alguns exemplares já publicados para apresentar como estudo de caso, Mapeamento de tendências e linguagens de fotolivros Apresentação de resultados coletados da pesquisa, com definições sintéticas do que é o fotolivro, sua estrutura básica e sua contextualização histórica.

PARTE II: DESENVOLVIMENTO DE UM FOTOLIVRO AUTORAL

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Escolha e desenvolvimento do tema a ser tratado no fotolivro autoral; identificar a área e os lugares que se pretende relatar para desenvolver o tema do fotolivro autoral; Fotografar o(s) tema(s) escolhidos, com intuito de criar o acervo fotográfico para o desenvolvimento do fotolivro autoral Experimentar e escolher os recursos gráficos adequados parao projeto do fotolivro autoral; Selecionar e experimentar métodos de impressão e encadernação apropriados; Realizar a montagem sequencial do fotolivro autoral, de forma a criar a narrativa do fotolivro. Diagramar as páginas do fotolivro com as fotografias selecionadas e finalizar a produção do fotolivro autoral.


parte I ESTUDOS SOBRE O FOTOLIVRO


o fotolivro Stephan Mallarmé ¹ afirma que todas as coisas do mundo existem para acabar num livro, para Susan Sontag ² tudo existe para acabar numa fotografia; juntando estes dois pensamentos podemos afirmar que tudo existe para acabar num fotolivro. Os fotolivros são livros fotográficos temáticos, que contam uma história, um acontecimento, um fato,enfim são narrativas poéticas que buscam acender sensações e emoções através de sequências de imagens impressas. Diferem-se de coleções fotográficas ou reproduções de exposições, uma vez que sua narrativa poética tem autonomia própria, desenvolvida especificamente para ser e estar num fotolivro. As fotografias que se encontram impressas ao longo das páginas não têm um papel só expositivo, mas são as protagonistas de uma narrativa, ou ainda dividem o protagonismo da narração com texto, diagramação e elementos gráficos. Devem ser consideradas em relação com as demais fotografias, elementos gráficos, materialidade da impressão e textos. A narrativa visual nos fotolivros é uma experiência rítmica espaço-temporal. Espacial quando se considera que as imagens fotográficas são organizadas em páginas de um certo tamanho; temporal quando se considera a sequência de páginas, o passar das folhas.

1. Stephan Mallarmé, (1842-1898) poeta francês, um dos máximos representantes do simbolismo. 2. Susan Sontag (1933-2004) escritora e intelectual estadounidense

“O tempo do livro é ritmado pela forma, pela página, pelo seu tamanho” (MELOT, em: PARR; BADGER).

Junto com o espaço das páginas e a sequência das imagens, deve-se considerar também o peso e o tamanho, porque o fotolivro é um objeto tridimensional que será segurado, folheado e manuseado pelas mãos do leitor. Para compreender com maior clareza a definição do que é um fotolivro, este trabalho buscou definições que desenvolveram alguns autores, assim como fotógrafos que publicaram este tipo de edição. Em particular a definição que oferece Gerry Badger, crítico e autor do The Photobook Vol. I,II,III:


“Um fotolivro é um livro – com ou sem texto – no qual a mensagem principal do trabalho é carregada através da fotografia. É um livro cujo autor é um fotógrafo ou por alguém editando ou sequênciando o trabalho de um fotógrafo, ou mesmo um grupo de fotógrafos. Ele tem um caráter específico, distinto da impressão fotográfica [...]. O fotolivro é criado por um autor-fotógrafo, criando um trabalho de acordo com a sua visão artística e que trata o fotolivro como um suporte importante. Um fotolivro deve demonstrar que algo de mais ambicioso do que um livro ilustrado de fotografia comum foi tentado, e às vezes alcançado por seu autor mesmo que sem consciência.” (PARR, BADGER, 2005)

Complementando o pensamento de Badger, Jhon Gossage, fotógrafo e autor define os elementos de um fotolivro de sucesso: ele deve conter um excelente trabalho, precisa fazer que esse trabalho funcione com um mundo conciso dentro do próprio livro e, finalmente, precisa de um projeto gráfico que enalteça o que está sendo tratado. Em ambas as definições, pode-se notar a preocupação da construção de um contexto ou de uma narrativa para as imagens presentes no livro, criando assim uma unidade pensada pelo fotógrafo ou designer, para o projeto publicado como fotolivro.


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Figura 6: The Photobook A History, Volume I,II,III; Martin Parr e Gerry Badger (2004-2014) Fonte: editora Phaidon


fotolivro na história O livro como suporte de sequências de imagens, que são ligadas por autor ou tema central, é um importantíssimo recurso de formatação de ensaios fotográficos. Sempre foi ligado a fotografia como veículo de expressão desde os primórdios, no século XIX. A fotografia serviu para acompanhar e acabar as ilustrações de livros, jornais, álbuns, cotidianos, revistas, e conquistou seu espaço como protagonista em muitos meios de comunicação. Mas o livro em particular, apesar de ser um suporte de grande importância para a produção fotográfica, começa a ser estudado e analisado, nas suas várias formas e de maneiras, só nos últimos anos do XX século e em particular nos anos 2000. Ao longo dos primeiros anos do nascimento do processo fotográfico, as impressões mais frequentes, que dominavam a cena eram reproduções litográficas manuais feitas a partir de fotografias, ou, a própria imagem fotográfica que vinha reproduzida em papel fotográfico e em seguida, colada em um livro. A impressão direta de imagens só se tornou realizável a partir de 1870. No começo, a fotografia esteve presente nos livros principalmente com propósitos científicos e documentais (PARR, BADGER, 2005). Um exemplo pode ser representado pelo livro: The Moon: Considered as a planet, a World and a Satellite (1885) de James Nasmyth ¹ e James Carpenter ² (NASMYTH; CARPENTER, 1874). O livro é uma publicação cientifica sobre a lua e foi criado juntando desenhos e fotografias de “grandes maquetes de gesso da superfície lunar, tão exatas quantos possíveis” (PARR e BADGER, 2005 v. I). Por causa da impossibilidade física, naqueles anos, de poder tirar fotos diretas da superfície do satélite, esta opção de realização mostra um tipo de experimentação e um uso extremamente criativo da imagem fotográfica.

1. James Nasmyth, (1808-1890) filósofo e engenheiro escocês. 2.James Carpenter (1840-1899) astrônomo britânico.


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Foto 7,8,9: pag. 2-3, 56-57, 128-129 do livro The Moon: Considered as a planet, a World and a Satellite (1885). Acervo fotografico: Site da Universidade da California (EUA)


Graças a evolução das técnicas de impressão, à partir do século XIX, a fotografia começou a estar presente nos livros também com propósitos artísticos, e isso contribuiu também para a proliferação de um grande número de experimentações criativas, como sequenciamento de imagens junto com ilustrações, tipografia, layout, elementos gráficos, desenhos e textos. As revistas de fotojornalismo (como por exemplo revista americana Life¹, 1936 (PARR e BADGER, 2005 v. I), com as reportagens fotográficas sequênciadas nas páginas, são uma das primeiras mostras que as imagens em um conjunto podem formar narrativas visuais. Porém, mesmo nestes casos ainda não se pode falar de narrativa, como se entende a narrativa de um fotolivro, porque o ritmo da narrativa visual neste tipo de publicação é dado apenas e unicamente pela ordenação das imagens, principais e complementares, na melhor sequência, no melhor aproveitamento do espaço do layout e da página possível. Parr e Badger (The Photobook, 2005, vol I) consideram o livro American Photographs (1938) do fotografo americano Walker Evans, a primeira experiência e referência de fotolivro. American Photographs (Fotografias Americanas). O livro era originalmente o catálogo da exposição em solo de um fotógrafo no Museu de Arte Moderna MoMa de Nova Iorque, EUA. Os autores justificam isso falando da clareza da narrativa do livro.

“American Photographs” é uma grande obra de arte, pois ela mostra a todos, incluindo fotógrafos, aquilo que deve ser um livro de fotografias” (PARR e BADGER, 2005). Neste livro, as imagens ficam dispostas na página da direita, e o branco da página da esquerda forma uma moldura visual que envolve as fotografias. O livro quase não tem texto. Serviu de modelo para muitos livros de fotografias que vieram posteriormente, e teve o mérito de divulgar uma certa estética realista que predominou na fotografia nos anos seguintes.

1. Life Magazine foi uma revista de fotojornalismo, fundada em 1936 por Henry Luce (fundador da Time Magazine). A publicação periódica do Life Magazine terminou com a edição de maio de 2000.


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Figura 10: Capa da Life Magazine em 1969. Fonte: arquivo online Life Magazine. Figura 11: Capa da primeira edição do livro American Photographs. Fonte: MoMa - Museum of Modern Art, New York


“Ele não só deu uma ideia do que um fotolivro mas também do que a própria fotografia podia ser – um meio que não era apenas um método de documentação ou um acessório à arte ‘de verdade’, e sim, ele próprio, uma arte dotada de estrutura intricada e de coerência intelectual. Fotografias Americanas demonstrou, como pretendia Evans, que a fotografia era em essência uma arte literária, na qual fotos ordenadas em uma sequência específica podiam dizer algo mais que a mera soma de suas partes isoladas”. (BADGER, 2015)

era capaz de fazer,


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Figura 12: Livro American Photographs, páginas 22-33, com a fotografia "Alabama Tenant Farmer Family Singing Hymns" na página 33 . Fonte: acervo fotográfico: MoMa - Museum of Modern Art, New York Figura 13: Livro American Photographs, páginas 8-9, com a fotografia" Westchester, New York, Farmhouse" na página 9. Fonte: acervo fotográfico: MoMa - Museum of Modern Art, New York


É na década de 1960-1970 que se tem o advento de livros de artistas fotográfos, representando um novo interesse na fotografia por parte da classe artística. Muitos artistas pós-modernos se apropriam de imagens fotográficas para realizações de trabalhos conceituais e de colagem. Um exemplo dessa tendência é o artista norte-americano Ed Ruscha, que publica TwentySix Gasoline Stations em 1963 (PARR e BADGER, 2005, vol I). É um fotolivro importante para a produção da época porque, segundo os autores Parr e Badger, Ruscha “não usou as fotografias como um meio a ser saboreado para as suas qualidades formais, mas como um sistema, uma linguagem que descreve uma ideia ou um evento – um conceito - neste caso, a fabricação de livros de artista”. Ainda, segundo estes critérios, este fotolivro vai contra o lobby da fotografia fineart e sua tentativa de ser aceita dentro de museus e galerias de arte, mas, pelo contrário, vai no sentido da popularização do acesso à fotografia.

Figura 14: Livro TwentySix Gasoline Stations, com a fotografia "Knox Less, Okhlaoma City". Fonte: editora Phaidon Figura 15: Capa do livro TwentySix Gasoline Stations (1963) Fonte: editora Phaidon Figura 16: Livro TwentySix Gasoline Stations, com a fotografia "Union Needles". Fonte: editora Phaidon


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Um outro bom exemplo de fotolivro, é Amazônia, de 1978 dos fotógrafos Claudia Andujar e George Love, que retrataram a própria vivencia com os índios no estado brasileiro do Amazonas. Segundo Fernandez (2011) é “um fotolivro magnífico com um ritmo narrativo cinematográfico, que começa longe e acaba perto, vai do fora para dentro”. O livro começa com grandes planos aéreos da Amazônia que, enquanto se fecham, chegam até altura do solo e termina com fotografias de rituais indígenas. É um trabalho fotográfico que mistura a documentação e o experimentalismo fotográfico. Depois de Ruscha e até hoje muitos fotolivros forma produzidos. Uma boa parte de forma independente, através do self-publishing, sem o suporte das tradicionais editoras de arte acostumadas a publicações de luxo e de obras de artistas já famosos e consagrados.

Figura 17: Capa do livro Amazônia (1978) Fonte: Instituto Moreira Salles Figura 18: Livro Amazônia (1978) Fonte: Instituto Moreira Salles Figura 19: Livro Amazônia (1978) Fonte: acecrvo fotografico Instituto Moreira Salles Figura 20: Livro Amazônia (1978) Fonte: Instituto Moreira Salles


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panorama atual O processo de popularização do fotolivro começa efetivamente em 2004 com os livros The Photobook: A History Vol. I,II,III, publicados pelos críticos e fotógrafos Martin Parr e Gerry Badger. Esta trilogia tem o mérito de ter valorizado e consolidado o fotolivro como forma de expressão artística. Os três volumes são publicados pela editora Phaidon. Martin Parr, fotógrafo ingles da agência Magnum, é uma das principais referências na discussão sobre a produção de fotolivros na contemporaneidade. Gerry Badger é fotógrafo, arquiteto e crítico de fotógrafa, também ingles. A coleção montada pelos críticos é uma proposta de recuperação histórica da área dos fotolivros, um esforço também de trazer obras pouco conhecidas, porém, essenciais para o entendimento da história da fotografia e dos fotolivros.

“Não há um consenso acadêmico exato sobre quais livros existem na atualidade e não há uma lista extensa dos livros de fotografia mais importantes da história. Foi à partir disto que a ideia para esta publicação surgiu. Ela não só iria fornecer essa informação básica, mas também narraria uma nova história da fotografia através da história especifica dos fotolivros.” (PARR, BADGER, 2004) Outro ponto pertinente relacionado à popularização do fotolivro como forma de expressão, é o fato da facilidade de impressão, que vem junto com as tecnologias digitais. Martin Parr fala diretamente sobre isso:


“Outra surpresa foi o efeito da morte do mercado das revistas como um dos principais caminhos para os fotógrafos sustentarem sua produção. Hoje raramente as revistas tem orçamento para encomendar trabalhos documentais ou de fotojornalismo. Fotógrafos tem que ser mais astutos na maneira de escoar sua produção e trazer suas imagens para suas audiências utilizando diferentes plataformas além da internet. A pequena publicação, como livro ou zine ou jornal; é o modo favorito e este é um dos principais fatores por detrás da infinita variedade e número de novas publicações disponíveis hoje.” (PARR; BADGER 2004) Giovanni Peresson, diretor da associação italiana de editores (AIE), afirma: “O livro de fotografia foi valorizado, não ameaçado da chegada da editoria digital”. Segundo entrevista realizada com Peresson, a produção italiana de fotolivros e livros de fotografia no último ano de 2018 aumentou do 40 por cento a mais do ano anterior. É possível dizer que este número representa um aumento significativo da procura por fotolivros no mercado italiano atual. Ainda mais que os livros ilustrados, os fotolivros parecem demonstrar ter uma razão de existência forte e difícil de substituir para ser visualizado através de uma tela de display. “O reflexo da luz em cima da página. O prazer da imagem como objeto tátil. A sensação de poder ver uma obra exactamente como o autor pensava nela ser vista (...)” elenca Mario Peliti, editor fotográfico. Como acontece na história das revoluções tecnológicas, as novas mídias podem renovar as velhas, e isso tocou o livro fotográfico em varias formas. Mais pessoas possuem meios para tirar fotografias e isso cria interesse por volta do ambiente fotográfico em


geral. Em seguida, a tecnologia digital baixou os custos de produção e hoje em dia é fácil achar nas livrarias fotolivros com um preço próximo ao último best seller com capa dura. As co-edições, são outro jeito dos editores para baixar os custos de produção, ou seja, a colaboração entre autores de diferentes países para produzir o mesmo livro, colocando em comum as instalações das ilustrações e só mudando a língua dos textos e das siglas editoriais. É preciso falar também do movimento da auto-publicação (selfpublishing), que teve um papel fundamental na facilidade de criação e divulgação de fotolivros nos últimos anos, graças às novas formas de impressão digital. O self-publishing é uma oportunidade criativa inédita. Um exemplo de auto-publicação que teve um enorme sucesso é o livro Hidden Islam, do italiano Nicolò Degiorgis, uma investigação sobre a comunidade muçulmana no nordeste da Itália: “Ninguém acreditava no projeto, então decidi imprimir o livro sozinho. Agora está na terceira edição, com mais de cinco mil cópias vendidas, e ganhou os três mais importantes prêmios europeus para livros fotográficos.” Depois desta experiência Degiorgis lançou Rorhoi, uma pequena editora, com a intenção de publicar livros auto-produzidos de outros autores. Um fato curioso é que o fenômeno do self-publishing não parece preocupar os grandes editores, porque, segundo o crítico e fotógrafo Koch “Os fotolivros auto-produzidos renovam o interesse do publico, experimentam técnicas novas (...)”. Efetivamente a história do fotolivro é, desde sempre, um entrelaçamento entre indústria cultural e experimentações de vanguarda. Hoje, é comum encontrar fotolivros em espaços de circulação próprios como feiras, mostras, exposições e eventos de discussão focados nesta área, criando um circuito próprio e independente para seu consumo. Esta possiblidade, em conjunto ao fenômeno do self-publishing, tornaram o ambiente do fotolivro um ambiente mais democrático, que une nestas ocasiões vários artistas em diferentes momentos das próprias carreiras, construindo diálogos e criando um catálogo do que está sendo produzido em fotografia na contemporaneidade.



o fotolivro como projeto de design gráfico Aqui pretende-se discorrer acerca dos elementos estruturantes de um projeto de design gráfico de um fotolivro, a saber: o livro; a narrativa; o tema; e a montagem e edição.

O LIVRO Produzindo fotolivros, o autor experimenta, mistura, combina imagens, papéis textos e elementos gráficos juntos. Cada elemento tem um papel fundamental no processo de produção dessa combinação que se tornara um fotolivro. Produzir fotolivros se pode considerar como um percurso que passa por varias fases e as atividades que fazem parte do processo não estão isoladas, mas pelo contrario, estão em constante interação entre si. Segundo Jorg Colberg, no livro Understanding Photobooks (2017), existem 4 grandes actividades relacionadas à produção de fotolivros:

→ → → →

Definição do conceito central de fotolivro. Edição e sequenciamento de imagens. Produção do componente do texto. Desenvolvimento do projeto gráfico do fotolivro.

Essas atividades não se configuram como etapas ordenadas, separadas, e podem inclusive coincidir temporalmente.


A NARRATIVA A experiência na frente de cada imagem é única. Sentidos diferentes são construídos para o que as imagens mostram, dependendo da experiência pessoal vivida por cada leitor. Por exemplo: uma imagem que afeta uma pessoa com uma determinada intensidade, pode não suscitar nada numa outra. Segundo Tim Ingold, antropólogo britânico, em Being Alive: Essays on Movement, Knowledge and Description (Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição, Editora Vozes, 2015, p.7) “Histórias não vem com seus significados já anexados, tampouco significam a mesma coisa para pessoas diferentes. O que elas querem dizer é algo que os ouvintes têm de descobrir por si mesmos, colocando-se no contexto de suas próprias histórias de vida”. O leitor sente e atribui sentido às histórias contadas. Nos fotolivros, pode-se entender a narrativa como o percurso percorrido pelo leitores ao longo das páginas, onde se permite também a possibilidade de ocupar os espaços vazios com a própria imaginação. Como um dos primeiros exemplos de narrativas construídas com fotos, pode-se citar Country Doctor (1948) do americano W. Eugene Smith (PARR, BADGER, 2004) publicado na revista Life que, com o apoio de um texto, narra um dia na vida de um médico de uma cidade rural. Nestas imagens, vê-se o médico conduzindo diversas atividades; pescando, atendendo um paciente e entrando num veiculo. As imagens são encadeadas não só para mostrar uma linearidade temporal, mas também para provocar um efeito dramático e uma empatia pelo médico. Pelo título e pelo posicionamento das imagens, somos levados a entender que alguma coisa que aconteceu interrompeu a normal rotina do médico. O tamanho das imagens enfatiza também uma hierarquia existente entre elas no entendimento da narração, e revela um ponto de clímax da história.


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Figura 21: Pรกgina do fotoreportage Country Doctor (1948) Fonte: acervo fotografico online Life Magazine Figura 22: Pรกgina do fotoreportage Country Doctor (1948) Fonte: acervo fotografico online Life Magazine


Na publicação A Margem (Editora Madalena, 2013) do Coletivo Garapa, apresentam-se imagens de uma pessoa saltando, dispostas em posições diferentes ao longo das páginas, do mesmo tamanho e em preto e branco. O posicionamento dessas imagens deixa ao leitor a sensação de que o salto está acontecendo naquele momento e dentro do livro. Esta micro narrativa se torna como uma experiência de presenciar uma ação, algo que está acontecendo no mesmo momento em que o leitor se aproxima ao livro e que torna a acontecer cada vez que o leitor folheia as páginas. 23

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Figura 23: Página do livro A Margem (2013) Fonte: Livraria Madalena Figura 24: Página do livro A Margem (2013) Fonte: Livraria Madalena


O TEMA A primeira e mais fundamental atividade do processo de produção de um fotolivro, é a definição do “tema do fotolivro”, porque é o mesmo tema e conceito central que guia a produção do livro inteiro, como a escolha do material, formato, tamanho, peso, tipografia, edição e sequenciamento, texto ou ausência de texto, layout, impressão e encadernação. Os fotolivros comunicam a própria historia através de todos estes elementos, não só das imagens. Colberg recomenda quem quiser fazer fotolivros faça estas quatro perguntas:

→ O que este livro faz? → O que ele está me dizendo? → Como ele está me dizendo? → O que as imagens me dizem e o que a forma como o livro agrupa me diz? (COLBERG, 2017)


MONTAGEM E EDIÇÃO A montagem envolve a combinação de todos os materiais que participam do livro: imagem, texto, papel, tinta, elementos gráficos. É por meio dessa combinação que a narrativa se forma e o livro acontece. A montagem, portanto, envolve um trabalho com materiais e um ato de escolha de imagens, porque de cada encontro entre imagens pode-se criar uma narrativa diferente. Selecionar as imagens é uma escolha estética e também ética ao mesmo tempo. Uma vez escolhida a sequência das imagens (ou das imagens com a presença do texto), é preciso realizar uma primeira versão impressa do livro (um protótipo ou boneco), para testar a narrativa. O formato do mesmo livro implica diretamente na sequência de imagens, valorizando algumas e desvalorizando outras. Os bonecos e protótipos de livros ajudam a visualizar melhor e testar a materialidade destes objetos e, na maioria das vezes, os autores e fotógrafos contam com a ajuda da figura de um designer para isso.


estudos de caso HIDDEN ISLAM (2014) / NICCOLÓ DEGIORGIS Hidden Islam (2013) é a primeira obra do fotógrafo italiano Niccolò Degiorgis com a qual ganhou o prêmio da Fundação Aperture à Paris Photo, o prêmio mais importante do campo dos fotolivros e livros de fotografia. O livro foi auto-produzido pelo mesmo Degiorgis, com a própria editora Rorhof, e é acompanhado por uma introdução do fotógrafo e crítico inglês Martin Parr. O livro é uma pesquisa e uma investigação sobre os lugares de culto dos imigrantes islâmicos na Itália, precisamente no Nordeste do país. São pequenas mesquitas colocadas em espaços e edifícios nas regiõesperiféricas das cidades, ou em centros históricos abandonados, muitas vezes em condições abusivas em um pais que não reconhece a existência deste culto, e nem o trata com a mesma dignidade que outras religiões são tratadas. A maioria das fotografias foram tiradas em Trentino, Veneto e Friuli Venezia Giulia, um trabalho de 5 anos. A estrutura narrativa do livro é dividida em duas seções complementares: fotografias dos ambientes externos, em preto e branco, com um corte fotográfico rigoroso; em seguida uma página dupla em cores que mostra o interior dos espaços, com os fiéis muçulmanos rezando em direção à Mecca, sempre em grupos. Os lugares de culto são sempre obtidos em lugares comerciais, armazéns, ex edifícios industriais, supermercados, enfim, lugares a princípio não construídos nem planejados para atender a cultos religiosos. Os ambientes externos, representados com cliques em preto e branco evidenciam a o caráter marginal dos lugares em que se encontram: zonas periféricas, sítios industriais, espaços abandonados.


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Figura 25: Capa do livro Hidden Islam (2014) Fonte: editora Rorhoi Figura 26: Pรกgina do livro Hidden Islam (2014) Fonte: editora Rorhoi Figura 27: Pรกgina do livro Hidden Islam (2014) Fonte: editora Rorhoi

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Figura 28: Pรกgina do livro Hidden Islam (2014) Fonte: editora Rorhoi Figura 29: Pรกgina do livro Hidden Islam (2014) Fonte: editora Rorhoi


KODACHROME (1978) / LUIGI GHIRRI Luigi Ghirri é um fotografo italiano que faleceu prematuramente em 1992. Começou a trabalhar como designer gráfico e topógrafo em Scandiano, uma pequena cidade do norte da Itália, antes de de se tornar fotógrafo em 1970. Ghirri é considerado um dos maiores fotógrafos italianos da segunda metade do século passado, e colaborou também com escritores como Gianni Celati e o arquiteto Aldo Rossi. Para Ghirri, o mundo é um espetáculo que o fotógrafo deve decifrar, interpretar e traduzir. Com influências tão distintas como o neorrealismo italiano, os pintores renascentistas, Ghirri reinventou os modos de olhar e expandiu os limites do fazer fotográfico. “Suas fotos impressionam por mostrar objetos cotidianos como se estivessem sendo vistos pela primeira vez ou paisagens banais como se fossem lugares oníricos, onde temos vontade de viver”, afirma a pesquisadora Marina Spunta (2014) em matéria publicada na revista ZUM #3 (ZUM, Vol. 3, 2014). Ghirri contribuiu, na década de 1970, para que a fotografia ganhasse importância artística na Itália. O fotógrafo teve a coragem de perseguir uma linha de trabalho conceitual sem nunca aceitar ser considerado “artista conceitual”, como outros no mesmo período. Os próprios projetos fotográficos são baseados em pesquisas fotográficas extremamente preparadas, mas depois impressas como qualidade comum, simples. Fotografias que saíam do laboratório com tratamento standard, sem procedimentos que as deixassem mais acabadas. Kodachrome é um livro auto-publicado pelo mesmo Luigi Ghirri, em 1978. O livro apresenta fotografias que tem um formato pequeno, imagens cortadas e envolvidas em grandes molduras brancas. A estética do livro lembra as pinturas metafísicas de Morandi e De Chirico. O espaço vazio e a extrema regularidade do layout do livro, realça a simplicidade das fotos, que tratam de coisas do cotidiano, imagens comuns de todos os dias, como plantas, janelas, paredes, publicidades, cartas e pessoas. O livro, como as fotografias, tem um tamanho pequeno.


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Figura 30: Capa do livro Kodachrome (1978) Fonte: editora Punto e Virgola Figura 31: p.22-23 do livro Kodachrome (2014) Fonte: editora Punto e Virgola


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Figura 33: p.26-27 do livro Kodachrome (2014) Fonte: editora Punto e Virgola Figura 34: p.66-67 do livro Kodachrome (2014) Fonte: editora Punto e Virgola


BARES CARIOCAS (1980) / LUIZ ALPHONSUS DE GUIMARAENS Luiz Alphonsus de Guimaraens nasceu em Belo Horizonte, em 1948. É um pintor, fotógrafo e artista brasileiro. Suas obras, em grande parte, remetem às tensões vividas durante a Ditadura Militar Brasileira. Bares Cariocas é um fotolivro auto-produzido, publicado em 1980 e é um relato de um aspecto da vida nocturna de Rio de Janeiro. É um roteiro afetivo de botequins da cidade, da zona Sul à Norte, com registros de fotos e filmes. “Muito antes de a importância do botequim ser reconhecida como é hoje, o fotógrafo teve a sensibilidade de perceber estes lugares como espaços essenciais da cultura carioca. [...] o livro é uma antropologia de um espaço, onde emergem alegrias e tristezas, policiais e croquetes.” destaca Daniela Name. (NAME, Daniela 2015) Bares Cariocas é uma documentação, um arquivo sistemático de imagens e textos. Segundo o crítico de arte Frederico Morais, esse é um livro “sóbrio”, um jogo de palavras referido a como o próprio fotografo fala das fotogra as como tiradas com um “olhar etílico”. Quanto à intenção do autor, Luiz Alphonsus expôs seus procedimentos no próprio fotolivro: “escrito no ritmo do olho e da fala, sem correções”. A diagramação das imagens é simples e bastante regular; as fotografias foram tiradas durante uma década, mas a narrativa do livro parece propôr, com ordem da montagem, a história de uma noite: a chegada num bar, encontros, conversas, copos, até ao final da noite. A primeira edição do livro è do 1980, seguida por uma re-edição de 2015 pela Editora Beirute.


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Figura 35: Capa do livro Bares Cariocas (1980) Fonte: acervo fotografico Luiz Alphonsus Figura 36: Pรกginas do livro Bares Cariocas (1980) Fonte: acervo fotografico Luiz Alphonsus


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Figura 37: Pรกginas do livro Bares Cariocas (1980) Fonte: acervo fotografico Luiz Alphonsus Figura 38: Pรกginas do livro Bares Cariocas (1980) Fonte: acervo fotografico Luiz Alphonsus


A GRANDE SECA (2015) / RONALD ANSBACH Ronald Ansbach nasceu em Ponta Grossa, Paraná, em 1961. Depois de se formar em arquitetura pela Universidade de Toronto, trabalhou por muitos anos como arquiteto e incorporador, envolvido em projetos no Brasil, Canadá, México e Malásia. Desde 2006 se dedica à fotografia de arquitetura e de cidades, focando em particular nas transformações da paisagem urbana e rural deste início de milênio. De 2006 a 2014, Ronald Ansbach percorreu São Paulo em busca de espaços e lugares que revelassem a essência da cidade. O resultado é “A Grande Seca”, composto por 64 fotos, um percurso circular e imaginário pela cidade, do centro em direção às suas bordas e vice-versa, construído a partir de justaposições que revelam sua natureza em constante mutação. O fotolivro é publicado pela Editora Madalena. Segundo o autor, “A imagem e a memória da cidade se constroem a partir de percursos. Na medida em que internalizamos a cidade pelos olhos e também por outros sentidos, vamos construindo um mapa mental em constante atualização. A cidade vivida oscila constantemente entre o mapa ou a abstração da cidade e a realidade concreta dos percursos”. (OLIVA, 2015) O título tem um sentido metafórico: “A Grande Seca não é somente a seca de nossa crise hídrica - que também se percebe pelas imagens - mas é ainda a ausência por trás do abandono de nossos espaços públicos, da negação da cidade como locus coletivo”, afirma Ansbach. (OLIVA, 2015) A diagramação deste livro é interessante porque o autor decide não deixar nenhum espaço vazio, nenhum espaço em branco; as imagens tomam o espaço da página inteira e não deixam respiro para leitura, como metáfora da densidade da capital paulistana. Além disso, o autor promove um inteligente jogo fotográfico ao sobrepôr páginas com fragmentos de duas imagens. Assim, uma imagem de frente na página esquerda se une a imagem de fundo, que fica na página direita. Deste conjunto de imagens sobrepostas, surge então uma nova e dinâmica arquitetura que instiga o leitor a tentar compreender esta articulação urbana a qual, apesar de não se mostrar tão bela, se torna inquietante vista desta maneira.


A nova formatação supera as imagens originais, que podem ser vistas integralmente caso o leitor abra o livro e retire as lâminas que estão soltas, presas apenas por um elástico preto. A proposta de ensacar o livro a vácuo no plástico, em uma espécie de zip, é outra metáfora, neste caso do ar da própria cidade.

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Figura 39: Capa do livro A Grande Seca (2015) Fonte: acervo fotografico editora Madalena


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Figura 40: Pรกgina central do livro A Grande Seca (2015) Fonte: acervo fotografico editora Madalena


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Figura 41: Pรกgina central do livro A Grande Seca (2015) Fonte: acervo fotografico editora Madalena


parte II PRÓXIMOS PASSOS: PROPOSTA DE FOTOLIVRO AUTORAL PARA O TCC2


“Criatividade não significa improvisação sem método: essa maneira apenas se deixa confudir, e se cria nos jovens a ilusão de se sentirem artistas livres e independentes. A série de operações do método projetual é feita de valores objectivos que se tornam instrumentos de trabalho nas mãos do projectista criativo. Como se reconhecem os valores objectivos? São valores reconhecidos por todos como tal. Por exemplo, se eu afirmar que misturando, amarelo- limão com o azul-turquesa se obtém um verde, quer se use têmpera, óleo, acrílicos, ou pastéis, estou afi rmando um valor objectivo. Não se pode dizer: para mim o verde obtém-se misturando o vermelho com o castanho. Num caso desses consegue-se um vermelho sujo, em certos casos um teimoso dirá que para ele isso é um verde, mas será apenas para ele e para mais ninguém.” (MUNARI, 1981) O designer italiano Bruno Munaria explica que para encontrar uma solução a um problema de projeto é necessário se afastar um momento da solução e se concentrar e focar no problema (MUNARI, 1981). Como primeira coisa, segundo Munari, é preciso definir qual seja o “problema”, no caso do fotolivro isto coincide com o mesmo projeto do livro; identificar as componentes do “problema”, que são os elementos pelos quais o fotolivro se compõe: capa, páginas, tamanho, tipografia, fotografias, diagramação, elementos gráficos, cores e materiais. Em seguida, coletar dados, e para isso pesquisar outros exemplares de livros de fotografia, e analisar o que se pode aprender entre estes exemplos. Além disso, existe a etapa criativa, ou seja encontrar a melhor forma de conjugar todos os elementos. É preciso definir os materiais e as tecnologias adequadas, o papel que se pretende usar (lúcido ou opaco, grosso ou fino, entre outras variáveis), as ferramentas de projeto certas. São necessárias experimentações,


impressões e várias provas com protótipos, para entender qual será a melhor forma a ser adotada; produzir os modelos finais e verificar se a solução encontrada corresponde com a demanda ao problema inicial. O fotolivro autoral que aqui se pretende realizar é um fotolivro com base em temas relacionados à vida cotidiana da cidade de São Paulo, que expresse de alguma forma a maneira como grupos de pessoas se apropriam e vivem a cidade. Para tanto, esta autora desenvolveu três possibilidades de temas, com propostas diferentes, e que foram ensaiados já nesse Trabalho de Conclusão de Cuso 1 (TCC1). Para a continuidade do trabalho, um destes três temas será escolhido como proposta a ser desenvolvida e aprofundada, com o objetivo de desenvolver um fotolivro autoral no Trabalho de Conclusão de Curso 2 (TCC2).

Figura 42: Diagrama do modelo de metodologia proposta pelo designer Bruno Munari no livro Da Cosa Nasce Cosa (1981). Fonte: Bruno Munari, Das Coisas Nascem Coisas.


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P

Problema

DP

Definição do problema

CP

Componentes do problema

CD

Colecta de dados

AD

Análise de dados

C MT

Criatividade Materiais e tecnologias

E

Experimentação

M

Modelo

V

Verificação

Desenho Final

S

Desenhos constitutivos Solução


TEMA 1: LANCHONETES PAULISTANAS DO CENTRO A lanchonete é um lugar com usos diversos ao longo de um dia. Ao amanhecer, oferece café da manhã, pão na chapa, pingado (café com leite), pão de queijo, por vezes até mesmo vende-se pão francês e frios, como uma padaria. Então, no almoço, serve-se refeições, pratos feitos (PFs) que variam de acordo com o dia da semana (picadinho, feijoada, virado à paulista, filé de peixe empanado com purê de batatas, entre outros). Ao longo da tarde, vende-se salgados diversos (coxinha, “bolovo”, asinha de frango, kibe, ovo colorido). De noite, viram bares, com pessoas tomando cervejas e drinks, comendo porções (calabresa, batata frita com carne-seca), por vezes até mesmo com música ao vivo. Alguns destes lugares funcionam 24 horas seguidas, sem nunca parar, como o Estadão Lanches, a Lanchonete Souza e o BH Lanches. Esta autora considera esse tipo de comércio um fenômeno muito peculiar, próprio da capital paulistana. A proposta deste tema é desenvolver uma narrativa, através de imagens, destes lugares típicos de convivência da cidade, durante diferentes momentos e várias horas do dia. Relatar os momentos de pausa das pessoas no meio do trabalho, ao final da noite, de manhã muito cedo, e explorar como o uso desses lugares mudam com o passar do tempo.


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Figura 43: Lanchonete Estrelha do Centro - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 44: Figura 43: Lanchonete Estadão - São Paulo Fonte: acervo da autora Figura 45: Lanchonete Estrelha do Centro - São Paulo Fonte acervo da autora


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TEMA 2: FEIRAS DE RUA As feiras de rua paulistanas revelam uma dinâmica muito interessante da cidade. Durante um dia da semana, algumas ruas se enchem de barracas, cores, cheiros, sabores, barulhos, vozes, gritos, pessoas, encontros. Um caos ordenado, uma confusão que tem horário para começar e terminar, e que volta a acontecer toda semana na mesma rua. Mesmo com o avanço dos supermercados, as feiras continuam a ocupar as ruas da capital paulistana, com grande participação da população. Este tema busca explorar uma narrativa desse fenômeno urbano, temporal e territorial, que ocupa a cidade. Os detalhes, retratos destes encontros, o trabalho e ações que acontecem durante as feiras.


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Figura 46: Feira de Rua Santa CĂŠcilia - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 47: Feira de Rua Santa CĂŠcilia - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 48: Feira de Rua Santa CĂŠcilia - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 49: Feira de Rua Santa CĂŠcilia - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 50: Feira de Rua Santa CĂŠcilia - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


TEMA 3: OCUPAÇÕES E MOVIMENTOS DE MORADIA - LORD HOTEL O Lord Hotel, localizado na esquina da Rua Helvétia com a Rua das Palmeiras, zona central de São Paulo, foi desapropriado pela gestão Kassab em 2012, se tornando propriedade municipal. À princípio, sua desapropriação estava dentro do programa Renova Centro, com o intuito de trazer moradores de classe média e média-alta para a região central, e especificamente para o Hotel Lord. Sabendo disto, foi ocupado por movimentos de moradia em outubro de 2012, inicialmente por mais de 300 famílias. Desde então, as famílias organizadas reivindicam a reforma do edifício e a permanência destas famílias no centro. Depois de um longo processo, neste ano de 2019 iniciou-se a obra de reforma deste edifício, com o objetivo de destinar 176 apartamentos para as famílias ocupantes. A obra, financiada pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV-E), é uma conquista para os movimentos de moradia do centro, e representam uma afronta à proposta segregacional inicial, possibilitando que esta população permaneça na área central, uma vez que as famílias pertencem à faixa 1 do programa MCMV-E, com renda familiar mensal de até R$ 1.800,00, que atende às famílias de menor renda do país. Este tema busca uma narrativa da vida das famílias nesse momento histórico, durante a reforma do Hotel Lord, participando de celebrações, assembleias do movimento de moradia, retratando quem são essas famílias ocupantes. Isto seria possível pela aproximação estabelecida desta autora ao acompanhamento do Trabalho Social da obra, desenvolvido junto à Assessoria Técnica Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais, onde técnicos sociais (assistentes sociais) desenvolvem atividades mensais junto às famílias do movimento, enquanto a obra acontece. As ocupações de edifícios na área central da cidade são um fenômeno instigante para a autora, uma vez que representa o abismo social e os diversos conflitos que têm como sua consequência.


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Figura 51: Reunião das familias do Hotel Lord com a Assessoria Técnica Peabiru na Ocupação 9 de Julho - São Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 52: Reunião das familias do Hotel Lord com a Assessoria Técnica Peabiru na Ocupação 9 de Julho - São Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 53: Reunião das familias do Hotel Lord com a Assessoria Técnica Peabiru na Ocupação 9 de Julho - São Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 52: ComemoracĂŁo do inicio da obra da reforma do Hotel Lord - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


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Figura 53: ComemoracĂŁo do inicio da obra da reforma do Hotel Lord - SĂŁo Paulo Fonte: acervo da autora


considerações finais Durante a primeira parte deste Trabalho de Conclusão de Curso, foi analisado o fotolivro enquanto projeto de design gráfico editorial, foram levantadas referencias e estudos de caso através de uma revisão bibliográfica. A pesquisa inteira trouxe importantes reflexões sobre as diferentes e varias etapas de produção deste tipo de projeto e ao longo do semestre foram desenvolvidas três propostas fotográficas diferentes para ser escolhidas como tema central do fotolivro autoral. Para o desenvolvimento da segunda parte deste TCC, pretende-se ampliar a pesquisa no campo do fotolivro, analisando outros exemplares existentes como estudos de caso. Estaria no escopo de essa etapa chegar a entender de maneira mais aprofundada os recursos gráficos e materiais que os autores ou os designer utilizaram para alcançar determinados efeitos visuais, e como estes enriquecem a experiência do leitor na frente do livro. Segundamente, as fotografias do tema escolhido seriam analisadas em relação uma a outra na tentativa de criar uma narrativa visual que dialogue com materiais, texto, elementos gráficos, layout, diagramação com o objetivo de realizar um fotolivro autoral. Para concluir, uma vez criado o projeto digital, serão desenvolvidos vários protótipos e bonecos, para verificar como as fotografias e a narrativa dialogam com o layout e o papel e para infim experimentar a forma de impressão e encadernação mais adequada.



bibliografia ALPHONSUS, Luiz. Bares cariocas. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. ANSBACH, Ronald. A Grande Seca. São Paulo: Editora Madalena, 2015. ANDUJAR, Claudia; LOVE, George. Amazônia. São Paulo: Práxis, 1978. BADGER, G. Por que os fotolivros são importantes. São paulo: Revista Zum, 2015. COLBERG. Jörg. Understanding Photobooks: The Form and Content of the Photographic Book. Routledge, 2017. DIGIORGIS, Nicoló. Hidden Islam: Islamic Makeshift Places of Worship in North East Italy, 2009-2013. Itália: Rorhof, 2014. EVANS, Walker. American Photographs. 1938 GARAPA, Coletivo. A Margem. São Paulo: Editora Madalena, 2013. GHIRRI, Luigi. Kodachrome. Italia: Punto e virgola, 1978. GRIGOLIN, Fernanda. Livro de fotografia como livro de artista. Experiências de artistas: aproximações entre a fotografia e o livro. São José dos Campos: Publicações Iara, 2013. FABBI, Giulia. L’Importanza di Essere Morrissey (Morrissey In Conversation). Trabalho de edição para Sintesi Finale. Corso di Laurea Triennale in Design della Comunicazione do Politecnico di Milano. Milão, 2017. INGOLD, Tim. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Editora Vozes, 2015 JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Editora Papirus, 2007 MACHADO, Arlindo. A ilusão especular - introdução à fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense e FUNART, 1984.


MUNARI, Bruno. Da Cosa Nasce Cosa. Itรกlia: Editora Laterza, 1992 NASMYTH, James; CARPENTER, James. The Moon: Considered as a planet, a World and a Satellite. 1874 PARR, M.; BADGER, G. The Photobook: A Photobook: A History Volume I. Londres: Phaidon 2004. PARR, M.; BADGER, G. The Photobook: A Photobook: A History Volume II. Londres: Phaidon 2004 PARR, M.; BADGER, G. The Photobook: A Photobook: A History Volume III. Londres: Phaidon 2006 ROTH, A. The open book: A History of the Photographic book from 1878 to the present. Gotemburgo: Hasselblad Center, 2014. RUSCHA, Ed. TwentySix Gasoline Stations. 1963 SPUNTA, Marina. Luigi Ghirri and the Photography of Place : Interdisciplinary Perspectives. Londres, Peter Lang 2014 WOODS, Paul. MORRISSEY IN CONVERSATION: The Essential Interviews. Plexus Publishing, 2010.


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