A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA OBRA DE OITICICA.

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A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA OBRA DE OITICICA.


FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO HISTÓRIA DA PAISAGEM BRASILEIRA PROF. DR. EULER SANDEVILLE JR. GIUSEPE FILOCOMO ‘A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA OBRA DE OITICICA’ DEZEMBRO/2015

SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS A PAISAGEM A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA PÓS-MOVIMENTO MODERNO A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA OBRA DE OITICICA A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE ?

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Trata-se de um discurso acerca da Paisagem brasileira, tema central da disciplina AUH5837 “História da Paisagem Brasileira”, ministrada durante o segundo semestre de 2015 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. As ideias aqui apresentadas são, em parte, consequências das discussões e temáticas enfrentadas durante o período letivo e, em parte, consequências de processos pessoais, de interesse e aprofundamento em campos específicos do conhecimento. Busco, de maneira breve, estabelecer um panorama acerca de um campo que muito me interessa: a identidade, identificação e Paisagem brasileira. Hei de mencionar que, ao menos neste trabalho, o conceito Paisagem extrapola a definição comum (composição visual), classificando-se enquanto construção social e, até mesmo, enquanto objeto discursivo, impalpável e invisível. Não se trata de um artigo científico, onde todas as menções e afirmações estão devidamente comprovadas, uma opção específica a este momento: deixo claro a importância que atribuo à academia, enquanto espaço de discussão, inovação e, também, de comprovação. Acredito no tema aqui abordado, complexo e passível de aprofundamento e questionamentos. Dadas as considerações iniciais, apresento meu trabalho: A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA NA OBRA DE OITICICA.

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A PAISAGEM HUMPHREYS, Richard. Curador da exposição “A Paisagem na Arte: 1690-1998. Artistas britânicos na coleção da Tate”. Exposição organizada pela Tate em associação com a Pinacoteca do Estado de São Paulo durante o segundo semestre de 2015.

“O termo “paisagem” pode referir-se a um espaço natural (como montes e porções do mar), mas também pode referir-se à diversidade humana e também aos espaços construídos, como vistas de arquiteturas.” A citação acima, extraída de exposição organizada pela Tate Gallery em parceria com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, introduz, de maneira sutil, as transgressões referentes ao conceito de Paisagem apresentadas pelas artes artes plásticas ao longo de, ao menos, os últimos 5 séculos.

As transgressões às quais me refiro são, em realidade, um refinamento discursivo: as iconografias geográficas e de hábitos deixam de ser os principais elementos de definição de uma Paisagem. Na obra abaixo, de autoria de Seymopur (1702-1752), é possível notar a preocupação em representar fielmente o local e sua geografia, assim como o costume da caça, característica associada aos nobres ingleses durante o século XVIII. SEYMOUR, James. “A Kill at Ashdown Park”, Inglaterra, 1743. Óleo sobre tela, 180,3 x 238,8 cm. Acervo Tate Gallery, Londres, Inglaterra.

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Ao longo dos séculos, grandes momentos de ruptura marcam a história da sociedade ocidental, afetando diretamente a maneira como o homem se relaciona com a natureza e a maneira como o mesmo se enquadra e percebe-se diante do mundo selvagem. As expressões artísticas são reflexo direto da evolução humana, absorvendo as discussões estabelecidas pela intelectualidade em seus diversos campos. Especificamente, a interpretação e definição de Paisagem ganha novas nuanças, complexifica-se e associa-se aos avanços sociais estabelecidos historicamente. Adriana Veríssimo Serrão ilustra de maneira interessante tal refinamento discursivo: “A paisagem, subjectiva e colectiva, ‘cobre’ o solo, objectivo e físico, como repositório de sentido. Esfera de significações, uma paisagem formar-se-ia de sucessivos cruzamentos e interdependências entre as características concretas dos espaços físicos e a camada simbólica sobre eles depositada, o mesmo é dizer, entre os sujeitos (habitantes) e o mundo envolvente. [...] é por isso que se pode defender que a paisagem é uma criação cultural”. Ao longo do século XX, por exemplo, no campo das artes plásticas, é estabelecida, inclusive, a possibilidade de se representar a Paisagem unicamente através de palavras - não mais através de formas e cores (os quais compõem ícones). Richard Long, artista britânico, faz parte de uma geração de artistas que buscou na natureza respostas a suas inquietações, “de forma que transformações diretas e não destrutivas ao meio natural pudessem nos despertar para uma nova relação com o meio ambiente”. Na obra a seguir, o artista organiza conceitos que refletem suas sensações e experiências quando em contato com a natureza, uma síntese

SERRÃO, Adriana Veríssimo. “Filosofia da paisagem, uma antologia”. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011. Citação extraída de: SANDEVILLE JUNIOR, Euler. “Visões artísticas da cidade e a gênese da paisagem contemporânea”. Anais do Encontro Internacional de Antropologia e Performance, EIAP 2011, São Paulo.

HUMPHREYS, Richard. Curador da exposição “A Paisagem na Arte: 1690-1998. Artistas britânicos na coleção da Tate”. Exposição organizada pela Tate em associação com a Pinacoteca do Estado de São Paulo durante o segundo semestre de 2015.

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sensorial, um relato ao espectador, a percepção do que, para o artista, definiria a Paisagem em questão. LONG, Richard. ‘Two Straight Twelve Mile Walks on Dartmoor’, Inglaterra, 1980. Serigrafia sobre papel, 102,2 x 152,1 cm. Acervo Tate Gallery, Londres, Inglaterra.

As diferenças de percepção se dão ao largo de séculos, são mudanças lentas, frutos de processos históricos e sociais profundos, diretamente relacionadas ao avanço tecnológico e condições de vida dos seres humanos: a relação entre o selvagem e doméstico. As artes plásticas absorvem essas transformações, reformulando-se através de novas estéticas, influenciadas pelas conjunturas sociais, políticas e culturais às quais estão associadas. Dito isso, é interessante notar as possibilidades de discursos acerca do que

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hoje entendemos como Paisagem Tropical e brasileira.

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A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA SANDEVILLE JUNIOR, Euler. “A Paisagem Natural Tropical e sua apropriação para o turismo”. In: Eduardo Yázigi. Turismo e Paisagem, São Paulo. Contexto, 2002, págs. 141-159. BERNARDELLI, Rodolpho. “Moema”, 1894/1895. Bronze, 25 x 218 x 95 cm, Pinacoteca do Estado. (fundição feita na década de 1990).

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A América Centro-Sul passa por um grande processo de transformação a partir do século XV, processo associado principalmente à instauração de um novo poder: o domínio europeu. É interessante notar que não se trata apenas de um processo de dominação por parte dos ibéricos, mas também da necessidade de desenvolvimento de um novo campo imaginário, um campo capaz de abarcar os novos ícones e condicionantes (entre eles os culturais e geográficos) apresentados pelas colônias latinas: Trata-se de um processo extenso e complexo de construção social, intrinsecamente associado à natureza. “Esses olhares europeus para a natureza tropical em busca de parâmetros relacionais, catalogação e sistematização do conhecimento, exploração de riquezas, geraram conceitos sobre uma possível ‘condição tropical’, que persistem. [...] Conceitos que foram assimilados como elementos de identidade ou identificação, produzindo inúmeras investigações e justificações desde os românticos do século 19, [...] na busca ideológica de raízes da identidade nacional na realidade tropical [...]”.


A pintura ‘Moema’ (1866), de Victor Meirelles, e da escultura homônima de Rodolpho Bernardelli (1895), referem-se à personagem apresentada pelo poema épico Caramuru (1781). “Moema foi convertida num emblema da cultura brasileira. No processo de transformação, a obra de Meirelles tem um especial sentido. O corpo nu e inerte da índia, em meio à natureza do quadro, foi a adequação de um gênero pictórico à nação que adotou a imagem idealizada do índio como símbolo. O bronze de Bernardelli, mais provocante, acompanha as inquietações decadentistas do fim de século. Para além das duas obras, Moema inspirou outros autores, cujas visões e modos de abordagem contribuíram à permanência da personagem. Mas é a pintura de Meirelles, até hoje pouco compreendida, a sua versão mais brilhante, além de um poderoso comentário do seu tempo.” MIYOSHI, Alexander Gaiotto. “Moema é morta”. Tese de doutorado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, IFCH-UNICAMP. Campinas, 2010.

DE LIMA, Victor Meirelles. “Moema”, 1866. Óleo sobre tela, 129 x 190 cm, São Paulo, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP .

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Já a partir do século XX, restringindo-se ao caso brasileiro, o processo discursivo sobre a identidade nacional renova-se, estruturado, organizado e patrocinado pela elite agrária, atingindo um alto grau de refinamento: um movimento gerido pela intelectualidade. A natureza (sobretudo a Tropical) e o período colonial são evocados, fornecendo suprimentos à legitimidade nacional, particular até mesmo perante seus vizinhos sul-americanos: é constituído o Movimento Moderno brasileiro. Sobre este momento, também é interessante mencionar o fato de que a ideia de uma identidade brasileira associava-se à antropofagia, uma alusão, por parte da intelectualidade, à diversidade e formação heterogênea de nossa estrutura social - uma grande e disforme amálgama -, corroborando a genuinidade de todo o produto identitário.

ANDRADE, Oswald de. “O manifesto antropófago”. 1928.

“Só a A N T R O P O F A G I A nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. [...] Este movimento configura-se, então, como um grande marco discursivo, inaugura, ainda nos primórdios do século XX, inéditos padrões e parâmetros de estruturação cognitiva, trata-se de uma nova experiência diante da identidade e paisagem tropical e brasileira.

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ANDRADE, Oswald de. “O manifesto antropófago”. 1928.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler. “Visões artísticas da cidade e a gênese da paisagem contemporânea”.

“[...] no ocidente o olhar moderno inaugura o novo modo de ver e pensar a paisagem, a partir de uma experiência estética (que pra mim não pode ser reduzida ao imediato dos sentidos). O termo estese não comporta a segmentação artificial entre o sensível e o cognitivo [...]”.

Anais do Encontro Internacional de Antropologia e Performance, EIAP 2011, São Paulo.

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SEGALL, Lasar. “Bananal”, 1928. Óleo sobre tela, 87 x 127 cm., Pinacoteca do Estado de São Paulo.

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AMARAL, Tarsila do. “Abaporu”, 1928. Óleo sobre tela, 85 x 72 cm, Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires, MALBA, Argentina.

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A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA As discussões associadas ao Movimento Moderno brasileiro desdobraram-se, configurando-se como alicerces a momentos históricos de reflexão acerca da identidade (e também Paisagem) tropical e brasileira durante o restante do século XX. Claro, toda a abordagem, linguagem e estética apresentada pelos intelectuais sofreria uma grande renovação. Em particular durante a segunda metade do século, o Brasil esteve envolto em questionamentos sócio-culturais profundos, muitos deles desencadeados devido, principalmente, ao governo militar. A difusão de ideais elaborados por importantes Movimentos internacionais, tal como Maio de 68, apresentaram-se como grandes potencializadores da já existente efervescente discussão e intelectualidade local, grande contra-ponto ideológico ao governo anti-democrático aqui instituído. Um os slogans de Maio de 1968.

“O SER PRIVADO É POLÍTICO.” Por volta deste período, discursos e teses acerca da identidade e identificação brasileira se fortalecem e ganham grande visibilidade enquanto tema em toda produção artística nacional, com destaque às artes plásticas e música. Enquanto ícones, podemos mencionar Os Mutantes, Caetano, Gil e todo o movimento Tropicália.

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PÓS-MOVIMENTO MODERNO Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Os mutantes e Gal Costa. “Tropicália: ou Panis et Circencis”. Gravadora: Philips, 1968.

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No campo das artes plásticas, Hélio Oiticica destaca-se. O artista incorpora, de maneira inovadora, questões importantes associadas à discussão de uma realidade social brasileira, sendo entendido inclusive pela crítica europeia e norte-americana enquanto vanguarda intelectual. É de interesse destacar, por exemplo, sua exposição realizada no Moma, Nova Iorque. Estabelece-se, enfim, enquanto marco na formulação de um discurso acerca da brasilidade nas artes plásticas brasileira, consequência de um processo intelectual discursivo que ganha força desde o século XIX. OITICICA, 1968.

Hélio.

“Tropicália”,

“A conceituação da Tropicália, apresentada por mim na mesma exposição, veio diretamente desta necessidade fundamental de caracterizar um estado brasileiro. Aliás, no início do texto sobre Nova Objetividade, invoco Osvaldo de Andrade e o sentido da antropofagia (antes de virar moda, o que aconteceu depois de apresentado entre nós o Rei da Vela) como um elemento importante nesta tentativa de caracterização nacional. Tropicália é a [...] tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente brasileira ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional. Tudo começou com a formulação do Parangolé, em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e conseqüentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e principalmente das construções espontâneas, anônimas nos grandes centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios, etc.”

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A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA Dedico este trecho de meu trabalho à explanação de minha percepção acerca de Oiticica, sua obra e seu discurso acerca da brasilidade, entendendo-o como uma problemática ainda pouco estruturada, mas complexa e passível de aprofundamento. Oiticica advém de um contexto social, cultural e político complexo e crítico, uma época que presencia idealismos marcantes e dá margem a manifestações intelectuais interessantes, tal como o Situacionismo. Inclusive, em âmbito nacional, a própria Tropicália (título advém de obra de Oiticica) configuraria-se enquanto massivo símbolo nacional e internacional brasileiro, dando vazão a manifestações culturais que atingiriam multidões. Diante de tamanhos estímulos, de poderosos movimentos artísticos e de discussão acerca da liberdade e identidade, Oiticica consegue estabelecer um discurso claro e crítico, apresentando-o através de uma estética e linguagem inédita. Através de elementos de discurso como a representação de ícones culturais, da interpretação de elementos geográficos, de símbolos associados a hábitos populares e, claro, de uma crítica social, é construído um complexo imaginário capaz de sintetizar (através de sua percepção) a ideia de uma cultura, de uma nação, de uma Paisagem Tropical e Brasileira. É interessante notar que os elementos de maior potência em sua obra são, muitas vezes, elementos associados a uma percepção subjetiva: não se tratam de ícones gráficos, tampouco de símbolos materiais, como roupas ou objetos. Sobre isso, é pertinente estabelecer um breve paralelo às representações de Paisagem apresentadas logo no início deste trabalho, as quais estruturam-

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NA OBRA DE OITICICA -se, principalmente, em torno da observação da geografia local e representação de costumes específicos de uma elite: houve a complexificação da representação da Paisagem nas artes plásticas. É notório, também, que Oiticica pode ser encarado como um dos primeiros artistas brasileiros a fundamentar sua obra numa pré-existente percepção de nação e identidade, e não de sua construção e formulação, tal como se dava durante o Movimento Moderno ou Romantismo. Assim sendo, poderia-se dizer que Oiticica sim se nutre de uma percepção de Brasil, consequente de um longo processo discursivo, mas também reformula tais estímulos e apresenta-os através de projetos e estética muito característicos. Por fim, o que gostaria de apresentar é: se a Paisagem passa então a ser considerada como algo muito além à geografia local e costumes específicos de uma elite, incorporando ao seu próprio entendimento aspectos subjetivos e não representáveis, tida como construção social, como ela (a Paisagem Tropical e Brasileira) evidencia-se na obra de Oiticica? Sugiro a percepção através de quatro elementos de discurso, já mencionados anteriormente: a incorporação de ícones culturais, a interpretação (não representação objetiva) de elementos geográficos, a representação de hábitos populares e a presença de uma crítica social. A seguir algumas pontuações sobre os elementos de discurso acima identificados.

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Exemplificação de elemento discursivo associado à ideia de Paisagem Tropical e Brasileira na obra de Oiticica: Interpretação de elementos geográficos. Obra: “Tropicália”. Ano: 1967.

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Exemplificação de elemento discursivo associado à ideia de Paisagem Tropical e Brasileira na obra de Oiticica: Ícones Culturais. Obra: “Parangolé”, P04 vestido por Nildo da Mangueira. Ano: 1964.

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Exemplificação de elemento discursivo associado à ideia de Paisagem Tropical e Brasileira na obra de Oiticica: Crítica Social. Obra: “Seja Marginal Seja Herói”. Ano: 1968.

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Exemplificação de elemento discursivo associado à ideia de Paisagem Tropical e Brasileira na obra de Oiticica: Representação de Hábitos Populares, O dormir em redes. Obra: “Block Experiments in Cosmococa”. Ano: 1973.

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A PAISAGEM TROPICAL E BRASILEIRA Há a percepção de que o momento de produção intelectual apresentado por Oiticica e seus companheiros já não mais existe: transformações sociais, culturais, políticas e econômicas imensas nos levam à identificação de outra conjuntura. Surgem agora novas vertentes intelectuais que estruturam a percepção da sociedade como um todo, sendo, então, a percepção da Paisagem revisada, orientada pelos discursos, sobretudo filosóficos, vigentes. Está claro que ainda não é possível o completo entendimento de todos os desdobramentos de tais evoluções, assim como tampouco é possível o completo entendimento do presente, de questões como as consequências da globalização e dos grandes avanços tecnológicos. Como símbolo dessas novas vertentes intelectuais, apresento trecho de Guatarri: GUATTARI, Félix. “Caosmose: Um novo paradigma estético”. São Paulo: Editora 34, 1992. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão.

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“O ser humano contemporâneo é fundamentalmente desterritorializado. Com isso quero dizer que seus territórios etológicos originários – corpo, clã, aldeia, culto, corporação – não estão mais dispostos em um ponto preciso da terra, mas se incrustam, no essencial, em universos incorporais. A subjetividade entrou no reino de um nomadismo generalizado. [...] As terras natais estão definitivamente perdidas. Mas o que podem esperar é reconstruir uma relação particular com o cosmo e com a vida, é se “recompor” em sua singularidade individual e coletiva. A vida de cada um é única. O nascimento, a morte, o desejo, o amor, a relação com o tempo, com os elementos, com as formas vivas e com as formas inanimadas são, para um olhar depurado, novos, inesperados, miraculosos.” A percepção dos indivíduos enquanto grupos sociais, grupos identitários é posta em cheque por Guatarri: estamos ameaçados


NA CONTEMPORANEIDADE ? pela informação, por um falso nomadismo, precisaríamos reconstruir nossas relações e vínculos. Como procederemos diante de tal inquietação? Quais os desdobramentos deste discurso? A ideia de uma Paisagem Tropical e Brasileira ainda faz sentido?

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