Análise da música “oração ao tempo”, de Caetano Veloso. Givas Demore
Compreendemos o tempo como a noção de presente, passado e futuro, como a sucessão de dias. Se não envelhecêssemos não haveria tempo. Através dessa canção, que expressa métrica organizada e poesia, o compositor revela sua percepção do tempo, sua admiração, faz pedidos e principalmente reconhece o quanto sua existência se submete à ação do tempo! Caetano veloso afirma que esta canção, do LP Cinema transcendental, na época da composição, por volta de 1979, foi uma das únicas que ele escreveu a letra primeiro: Escrevi umas estrofes e bolei, em seguida, uma melodia para a primeira estrofe. Depois, resolvi repetir essa melodia para o resto do texto, queria tudo com a mesma métrica, o mesmo ritmo. Foi a única, portanto, que eu escrevi no papel. (Caetano em entrevista a Régis Bonvicino, Revista Código 4, 1980)
Vamos à poesia! “És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido Tempo, tempo, tempo, tempo”
Caetano inicia a música afirmando o quanto ele admira a sucessão de dias e a ação do tempo. Ele materializa e afirma os poderes e a velhice do tempo poeticamente ao atribuirlhe uma característica: a beleza — ao fazer um pedido e ao chamá-lo de senhor. A fim de confirmar essa beleza ela a compara com a beleza de seu filho. A música se desenvolve em 10 estrofes. Logo na primeira estrofe Caetano invoca e clama ao tempo, deixando clara a sua comunicação e sujeição com o tempo: fazer um perdido! Durante todas as estrofes o compositor conclama o tempo. “Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos (...) Entro num acordo contigo (...)” Caetano afirma a supremacia do tempo e o coloca como criador, compositor, de todos os acontecimentos futuros. O tempo tem características únicas. Por compreender esse poder o autor deseja uma relação favorável em relação às consequências da ação do tempo.
Por seres tão inventivo E pareceres contínuo (...) És um dos deuses mais lindos (...)
A expressão inventivo e compositor — expressa na 2ª estrofe — são sinônimos, portanto têm-se aqui mais uma afirmação do potencial criador do tempo. O centro da mensagem nesta estrofe é o elogio à beleza afirmada na primeira estrofe. O autor afirma que acha o tempo um dos “deuses” mais lindos, no sentido estético, por ele ser muito criativo e por não ter fim. Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho (...) Ouve bem o que te digo (...)
Na 2ª estrofe Caetano utiliza a palavra entro e não desejo entrar. Ele afirma que vai entrar em acordo sem depender da resposta do tempo. Caetano, indiretamente reconhece que sua vida se passa dentro da noção do tempo, mas nesta estrofe ele se vê de fora dessa relação dialética, pois ele fala, neste estribilho (estrofe), como compositor. Ele expressa seu desejo de que o tempo seja percebido dentro da poética de sua canção e que o próprio tempo escute e guarde a informação de que ele será ainda mais lembrando por ser tema de sua canção. Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso (...) Quando o tempo for propício (...) De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido (...) E eu espalhe benefícios (...)
Prazer legítimo pode estar dentro de vários contextos, mas neste caso pode significar o prazer livre de a gentes que alteram a consciência, pois em algumas entrevistas Caetano já afirmou que fez uso de muitas drogas, mas não gosta delas. Caetano é um sóbrio. Ele não gosta de perder o controle sobre si. O prazer legítimo seria aproveitar o que o tempo tem de melhor. O movimento preciso pode se referir ao tocar, à excelência na execução. O autor revela paciência ao deixar subentendido que aguardará o tempo compor a sua história para que ele, no momento certo, mostre o resultado de sua evolução. O que usaremos pra isso Fica guardado em sigilo (...) Apenas contigo e comigo (...)
Caetano revela seu desejo de ter uma confidencialidade com o tempo. Ele pediu o prazer legítimo e pelo visto não está disposto a revelar como o tempo lhe proporcionará esse prazer pleno! E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo (...) Não serei nem terás sido (...) Ainda assim acredito Ser possível reunirmo-nos (...) Num outro nível de vínculo (...)
Caetano tem consciência de sua finitude e, embora deus seja o tempo, contínuo e inventivo, segundo o autor, este deus também encontrará seu término quando ele, Caetano, morrer. Pois ele não conseguirá mais perceber o tempo. Embora Caetano seja ateu declarado ele parece afirmar que haja um lugar posterior a essa vida onde pode ser possível estar, novamente, envolvido pela noção de tempo. Portanto, peço-te aquilo E te ofereço elogios (...) Nas rimas do meu estilo (...) Finalmente Caetano reforça seu pedido do prazer legítimo e do movimento preciso, reforçando os elogios que fez ao tempo no seu poema/canção.
Brasília, 2018. Givas.demoremusic@gmail.com Ao se basear nas ideias dessa análise semântica, por favor, cite a fonte.