JORNAL CIDADANIA EM PAUTA - ADPEC - JUL-2010

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EDIÇÃO ESPECIAL COMEMORATIVA Ano de 2009 Ano 23 -- Número Número 56 -- Dezembro Julho de 2010

A HISTÓRIA E O FUTURO Em maio de 1980, nascia a Associação dos Defensores Públicos do Ceará, com o objetivo de lutar pelo fortalecimento da carreira de Defensor Público. Dentre as várias conquistas nessas três décadas, estão a criação da carreira de Defensor Público, a definição da instituição como órgão autônomo e a transformação da Defensoria Pública, muito mais um veículo de promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos do que de prestação apenas de assistência jurídica. O próximo passo é a isonomia com as demais carreiras jurídicas.

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O início do sonho: a trajetória Julho de 2010 - Número 6 da ADPEC de 1980 aos dias atuais

Linha do Tempo: a galeria dos ex-presidentes


RECONHECIMENTO

P A L AV R A D A D I R E T O R I A

Três décadas de mobilização, lutas e vitórias

H Em abril de 2008, o jornal O Povo dedicou uma página sobre a importância do fortalecimento da Defensoria Pública em nosso Estado. Os textos fizeram parte da edição histórica publicada no dia seguinte ao falecimento do presidente do Grupo O Povo de Comunicação, Demócrito Dummar. A publicação da página foi uma das últimas decisões do jornalista à frente do jornal, na véspera de seu falecimento.

Foto de capa - Defensores públicos na votação do subsídio da categoria, na Assembleia Legislativa, em setembro de 2008: primeiro passo da caminhada da Defensoria Pública do Estado rumo à conquista do mesmo tratamento dispensado às demais carreiras jurídicas

á 30 anos, a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará, através das várias gestões que se sucederam desde a sua criação, vem exercendo seu mister com maestria, promovendo ações que exaltam e fazem crescer a Defensoria Pública e a carreira de Defensor Público. Muitas foram as conquistas, iniciando-se com a criação da Defensoria Pública pela Constituição Federal de 1988, seguindo-se da regulamentação nacional da instituição pela LC 80/94; pelo nascimento da mesma no âmbito estadual, mediante a LC 06/97; pela Reforma da Previdência e do Judiciário, no ano 2000 e em 2004, respectivamente, e pela aprovação da LC 132/09, que reformulou a carreira e a estrutura da Defensoria Pública. Podemos citar, ainda, o Movimento pela Valorização e Fortalecimento da Defensoria Pública, em 2004, e o Movimento pela Dignidade Salarial do Defensor Público, em 2005; sem deixar de mencionar as várias vigílias, paralisações e manifestações durante esses 30 anos de luta da

ADPEC pela efetivação dos direitos do Defensor Público e pelo crescimento da Instituição. Além de todas essas lutas institucionais, a ADPEC, durante seu período de existência, não se olvidou de desempenhar também uma importante função social dentro da sociedade carente do Estado do Ceará, promovendo uma política de inclusão social, principalmente por meio do acesso à justiça, por meio de eventos e campanhas na capital e no interior, tais como a Semana do Defensor Público, que ocorre durante o mês de maio; a Campanha Defensor Perto do Povo; as Cartilhas da Criança e do Adolescente, do Idoso, da Mulher e da Moradia; dentre outras. Ressalte-se que cada gestão teve papel fundamental em todas as conquistas, assim como as que virão também o terão, pois há muito ainda a fazer para que a Defensoria Pública e seus membros alcancem o devido lugar determinado para si em nossa ordem constitucional democrática. Mas nada disso seria ou será possível sem a participação e o apoio de cada um dos associados da ADPEC, cuja atual diretoria desde já agradece e parabeniza por esses 30 anos de lutas e vitórias.

EXPEDIENTE Cidadania em pauta - Edição Especial ADPEC 30 Anos - Informativo da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará - ADPEC Diretoria Biênio 2009/2010 - Presidente Mariana Lobo Albuquerque Botelho - Vice-Presidente Victor Manoel Esteves - 1ª Secretária Isabelle Menezes 2º Secretário Eduardo Villaça - Tesoureiro Adriano Leitinho - Presidente do Conselho Fiscal Valdenize Marques - Conselheiro Fábio Ivo Gomes Assessora de Comunicação Andréa Melo (MTE CE01428JP) - Estagiário Allan Santiago - Concepção Gráfica GMS Studio - Edição de Arte Glaymerson Moises Revisão Thiago Braga - Fotos Arquivo ADPEC - Impressão/Tiragem Expressão Gráfica/2.000 exemplares - Correspondência para Assessoria de Comunicação ADPEC Av. Santos Dumont, 1740 - Sala 1.008 - Aldeota - Fortaleza-CE - CEP: 60150-160 - Fone: (85) 3268 2988 - www.adpec.org.br - imprensa@adpec.org.br

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Cidadania em pauta


MANIFESTAÇÕES

Em busca do

Em 2008, defensores públicos pararam suas atividades por 24 horas para pressionar o poder público por melhor remuneração para a carreira

RESPEITO PROFISSIONAL Melhoria salarial, reforma administrativa, organização da Defensoria no Estado preenchem as três décadas da ADPEC com narrativas em que a persistência e a vontade dão o tom

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ão fosse a insistência dos defensores públicos com deputados e governadores, a Associação não teria trilhado trajetória ascendente. Uma das principais lutas aconteceu em abril de 2004. O primeiro a entrar no Palácio Iracema para tentar uma audiência com o ex-governador Lúcio Alcântara foi Carlos Augusto Medeiros (2003-2005), o décimo presidente da Associação. Na pauta, melhores condições estruturais e aumento dos salários. Apesar de ser uma manifestação saudável, a maioria dos 50 defensores foi impedida de entrar. “Nós Julho de 2010 - Número 6

estávamos lá como defensores. Imagine uma pessoa simples fazendo um movimento, que é democrático. Ficou na minha memória fotográfica: a gente em frente ao Palácio Iracema, e o pessoal do GATE, atrás, vendo o que estava acontecendo; se precisasse, eles iam agir”, acredita. No fim, o Procurador Geral do Estado e o Secretário da Fazenda receberam os defensores. A aparente tranquilidade que se seguiu não foi muito longa. Já no ano seguinte, o ex-governador fez a escolha errada: abdicou do defensor Renan Monteiro, aceito por 75% da classe, em favor de 3


No alto da página, população protesta contra decisão do governador Lúcio Alcântara, que rejeitou candidato mais votado na eleição para Defensor Geral em 2005; acima, em sua gestão, Carlos Augusto apresentou projeto de fortalecimento da Defensoria ao então candidato Lúcio Alcântara, em 2004

Abaixo, em 2005, defensores públicos acampam em protesto pela não aprovação do Defensor Geral mais votado pelo Poder Executivo; ao lado, governador Cid Gomes recebe ADPEC em 2008 para negociação

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Luciano Hortêncio, o menos votado, para o cargo máximo da Defensoria Pública. Com o episódio, a categoria esteve reiteradas vezes nas capas dos jornais. A vigília e a paralisação que vieram a reboque só potencializaram a visibilidade das reivindicações. No dia 13 de novembro de 2005, o Diário do Nordeste noticiava o inevitável: “Defensores lotaram as galerias do plenário da Assembléia para sensibilizar os deputados a rejeitarem a indicação feita pelo governador”. Uma manifestação em que se usava nariz de palhaço diante do Palácio Iracema ressaltava a insatisfação. Era momento em que o senso de união foi máximo; deixaram-se ali momentaneamente as divergências políticas em nome da Defensoria. Foram quase dois meses de queda de braço, com acampamentos, paralisações e destaque na imprensa. Se o Palácio Iracema não conseguiu esquecer os defensores ao longo dos anos 2000, com a

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Assembleia Legislativa não foi diferente. Quando a Defensoria Pública Geral do Estado completava 11 anos, em 2008, numa das grandes manifestações da Associação, a atual presidente da ADPEC, Mariana Albuquerque (2007-2011), distribuía um vídeo institucional junto com uma flor aos parlamentares na entrada da Casa. Com faixas, os cerca de 100 defensores tentavam sensibilizar os deputados para as questões mais importantes da categoria. Algumas semanas antes, a classe já havia parado por 24 horas e promovido manifestação para reivindicar melhor remuneração. “Mas isso, na visão da nossa diretoria, não é suficiente. O que fez com que tudo acontecesse foi que nós fizemos várias atividades integradas ao mesmo tempo – isto é, as campanhas de responsabilidade social, os manifestos da sociedade civil, as paralisações. Fruto disso, conseguimos o início da readequação da Defensoria Pública às demais carreiras jurídicas e o lançamento da Frente Parlamentar de Apoio à Defensoria Pública”, afirma Albuquerque, que sempre credita as conquistas a um esforço conjunto da diretoria e da categoria. E não é apenas a história recente da Associação que está coalhada de exemplos de luta. Na década de 1990, há casos emblemáticos: a quinta presidente da ADPEC, Jacirema Moreira (1989-1995), esteve à frente em Brasília da regulamentação da Defensoria Pública na esfera nacional. Foi a primeira a sair do Ceará para divulgar o trabalho que a Associação começava a fazer por aqui. Depois dela, vieram as gestões de Nívea Rolim (1995-1997), que ajudou a organizar a Defensoria no Estado, e de Andréa Coelho (1997-1999), quando a Defensoria Pública é incluída, na Reforma Administrativa, como carreira típica de Estado, sendo assegurada a manutenção do regime estatutário. Uma vitória, porque se mantém no mesmo regime jurídico dos Magistrados e representantes do Ministério Público. “Ser presidente da Associação é ter um trabalho político”, resume Rolim.


COMUNICAÇÃO

Categoria em

Repórter grava matéria para telejornais da Rede Globo em uma das campanhas da ADPEC

EVIDÊNCIA

Desde que foi fundada, a ADPEC procurou dialogar com a sociedade para sensibilizar sobre a importância do crescimento da Defensoria Pública na construção de um Ceará mais justo

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em bem os primeiros membros deram à luz a Associação, nos anos 1980, já se pensava na necessidade de um aliado forte que pudesse, senão mobilizar, pelo menos chegar de maneira mais rápida à opinião pública. Na ata da primeira reunião, se falava, portanto, da imprensa – elemento fundamental para a democracia e sem a qual as causas da ADPEC teriam certamente menos visibilidade. De acordo com ex-presidentes, um relacionamento mais intenso com a imprensa se deu a partir da gestão de Nívea Rolim (1995-1997). Até então, o contato com jornais, rádios e TVs não era sistemático. Segundo ela, se não houvesse o contato mais intenso com a imprensa, a luta para instituir a Defensoria Pública Geral do Estado como órgão autônomo, uma batalha já considerada grande demais, teria sido mais dura. E a imprensa apoiou esta luta: no dia 3 de outubro de 1995, a extinta Tribuna do Ceará clamava para a Defensoria “autonomia e estruturação”, explicando

que o “órgão não consegue atender demanda no Ceará, salários são baixos e varas apresentam vagas ociosas”. Na editoria de Opinião, o jornal O Povo informava que a “criação da Defensoria Pública do Estado do Ceará voltou a ser reivindicada com ênfase pelos que reclamam da falta de cumprimento do artigo 134 da Constituição estadual”. Manteve-se também alerta às dificuldades depois de sua implantação: “A Defensoria Pública no Ceará ainda está em fase de organização e funciona em instalações precárias e com carência de pessoal. Ainda este mês o atendimento ao público está transferido do centro da cidade para o bairro Edson Queiroz”, como relata o Diário do Nordeste de 9 de novembro de 1997. Julho de 2010 - Número 6

Desde os anos 1990, o diálogo com a sociedade faz parte da história da Associação

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Campanhas institucionais Mais tarde, os jornais fariam coro a outras causas da Associação. Numa longa entrevista ao O Povo, no dia 8 de setembro de 1997, a presidente Andréa Coelho (1997-1999) – que tinha uma coluna semanal no programa Na Boca do Povo, da TV Jangadeiro – define a isonomia salarial com as demais carreiras jurídicas como a principal bandeira da categoria. Em 2008, Demócrito Dummar, então presidente do jornal O Povo, chegaria, inclusive, a substituir a página de Opinião de uma edição do jornal, já fechada, por textos dos defensores nas comemorações de 11 anos da Defensoria Pública do Estado.

Além do apoio da imprensa, os defensores públicos também resolveram dialogar com a sociedade por meio de campanhas institucionais. Ao longo dos anos 2000, grandes campanhas veiculadas promoveram maior identificação entre Associação, associados e população. A primeira, o Movimento pela Valorização e Fortalecimento da Defensoria Pública, da gestão de Carlos Augusto Andrade (20032005), tentava sedimentar o papel do defensor. Na mesma linha, nasceu, anos depois, A Defensoria que Temos e a Defensoria que Queremos, na época de Francilene Gomes (2005-2007). A partir de 2008, na gestão de Mariana Albuquerque, as campanhas institucionais da ADPEC se intensificaram através de ações de responsabilidade social e educação em direitos. Neste ano, a cam-

Nos últimos três anos, a ADPEC vem promovendo campanhas de responsabilidade social. No alto da página, ação em prol das crianças, em 2008; acima, campanha voltada para o atendimento a idosos, em 2009

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Cidadania em pauta

panha Defensor Perto do Povo foi longe: em Tauá, por exemplo, distante 337km de Fortaleza, o evento reuniu duas mil pessoas para receber atendimento e orientação jurídica. A mesma ação passou pelas cidades de Ipu, Sobral e Caucaia. Após a campanha Defensor Perto do Povo, a ADPEC iniciou campanhas específicas em prol das crianças, mulheres e idosos. Em outubro de 2008, no bairro João XXIII, mais de 500 crianças foram assistir a palestras e receber cartilha infantil sobre direitos e deveres – em que se destacava, por exemplo, a importância do registro civil, além de informações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Era a educação jurídica da campanha Criança, Nós Defendemos. Antes dos pequenos, a ADPEC já havia se dedicado aos grandes: Idoso, Nós De-


fendemos, de julho de 2008. Também distribuiu cartilhas, proporcionou palestras em hospitais, capacitação jurídica e atendimento exclusivo para idosos na Defensoria. Dentro do prisma de ação, também estava a campanha Mulheres, Nós Defendemos. Deu tão certo que não findou quando o mês de março de 2009 chegou ao cabo. As defensoras públicas responsáveis pelo projeto capacitaram multiplicadores sobre os direitos das mulheres, em locais como universidades, centros comunitários e nos próprios núcleos da Defensoria.

Sucesso nacional A política de responsabilidade social da ADPEC fez tanto sucesso que virou referência nacional. A partir de 2009, a entidade passou a fazer campanhas com repercussão nacional, em parceria com a Associação Nacional dos Defensores Públicos e demais associações de defensores públicos estaduais, a exemplo da campanha Defensor Público para Quem Precisa: Justiça para Todos, em maio de 2009, que beneficiou 4 mil pessoas no Ceará e mais de 80 mil pessoas no Brasil. Em seguida, vieram as campanhas Defensor Público Agente da Cidadania, em junho do mesmo ano; Defensor Público Amigo do Idoso, em outubro; e a campanha Defensores Públicos pelo Direito à Moradia, em maio de 2010. Todas as campanhas foram lançadas simultaneamente em vários Estados do País, com ampla repercussão nacional.

“Ao promover campanhas de responsabilidade social, a ADPEC mostra à sociedade que suas lutas estão além de seus interesses corporativos. Reforça, ainda, que fortalecer o Defensor Público é o mesmo que fortalecer 85% dos brasileiros que dependem da Instituição para ter acesso à justiça”, explica a atual presidente da ADPEC, Mariana Albuquerque. Ainda em 2009, o reconhecimento do trabalho da ADPEC veio com o prêmio nacional Comunicação e Justiça, reforçando os esforços para tornar a Associação identificada não apenas pelas lutas institucionais, mas também por sua ênfase na defesa da cidadania. O projeto das Cartilhas sobre Direitos da População mereceu o prêmio maior na categoria Publicação Especial, concorrendo com grandes instituições, como Supremo Tribunal Federal e Associação Nacional de Magistrados do Trabalho. A partir dos anos 2000, a ADPEC veicula, anualmente, campanhas em outdoors A campanha Defensor na Praça, no alto da página, foi para a cidade de Sobral em 2008. Em 2007, estava em Caucaia, ao lado

Atendimento e orientação jurídica Cada campanha de responsabilidade social da ADPEC era acompanhada por atendimento e orientação jurídica em diversos bairros de Fortaleza. O atendimento era realizado com a distribuição de cartilhas orientadas para cada público atingido. O mais interessante é que a orientação jurídica não se restringia apenas aos assistidos da Defensoria Pública, mas também a agentes multiplicadores, como assistentes sociais, psicólogos etc.

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TRAJETÓRIA

INÍCIO do SONHO Conheça a trajetória da ADPEC, desde os anos 1980, quando tudo começou, até a Associação combativa e sólida de hoje

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década de 1980 ainda nem tinha visto a queda do Muro de Berlim ou a nova Constituição Brasileira quando 20 pessoas se apinharam na sala de reuniões do Clube dos Advogados. Era o início não apenas da noite daquela quinta-feira, 8 de maio, mas também da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará (ADPEC). Trinta anos depois, agregou-se à sigla as imagens de combativa e sólida. E não foi à toa – as três décadas tratam de provar. No princípio, não havia cadeiras, mesa, telefone ou mesmo sede fixa. As reuniões aconteciam onde desse – na casa de um, no escritório de outro. “Até a nossa época, não havia uma atividade mais intensa da diretoria, porque as reuniões eram realizadas de maneira precária”, lembra Francisco Bezerra de Oliveira (1986-1988), o quarto nome a ocupar a presidência da Associação. “Como uma criança que nasce pobre e sem nada, a gente começou do zero. Tínhamos de fazer cota para comprar papel”, acrescenta Tânia Mamede (1980-1984), a primeira vice-presidente.

Cidadania em pauta

Os poucos advogados de ofício, nome que se dava à categoria na época, refletiam na baixíssima arrecadação. Em 1987, cada associado contribuía com módicos Cz$ 10, o equivalente a R$ 0,85 – tomando como base a cotação do dólar no mês de março daquele ano. Mas esses tempos de dificuldades começavam vagarosamente a ser varridos para longe: o concurso de 1993 dava fim a uma década e meia sem preenchimento substancial das vagas ociosas na Defensoria; um ano antes, a gestão de Jacirema Moreira (1989-1995), considerada pelos presidentes anteriores a primeira a cravar espaços maiores na sociedade com as causas da categoria, comprava a sala 1.008 na avenida Santos Dumont – de onde a Associação está prestes a se mudar para um outro edifício na mesma avenida, com antessalas, auditório e garagens, próximo a bancos, livrarias e restaurantes. Mais do que colocar termo aos anos de nomadismo da ADPEC, a aquisição da sede definitiva indicava uma mudança igualmente gradual nos rumos da própria Defensoria Pública – de uma condição ainda incerta e frágil, subordinada à Secretaria de Justiça, para uma instituição efetivamente existente, autônoma, muito mais aproximada ao Ministério Público e à Magistratura. A pressão naci-


onal da classe deu corpo à Lei Complementar 80, de 1994, organizando a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal, e deixando a cargo dos Estados a criação de uma instituição própria.

Defensoria Pública E quem encampou a briga para materializar as palavras da Lei Federal em algo palpável no Estado, o que apenas aconteceu três anos depois, foi a gestão de Nívea Rolim (1995-1997), a sexta presidente da Associação. Na primeira reunião com o governo, houve batidas na mesa e alteração de ânimos. Mas a exaltação inicial não inviabilizou a negociação que se seguiria. “Cada artigo era uma luta. Eu saía da Procuradoria Geral do Estado de noite, à exaustão. Quando voltava de manhã, eles tinham desmanchado o que havia ficado combinado na noite anterior”, pontua. E completa, emocionada: “O foco naquela época não era outro. Porque essa luta já era grande demais; era maior do que a gente”. Quando, em 1997, a Assembleia Legislativa aprova e o governador sanciona a criação da Defensoria Pública Geral do Estado, Associação e Instituição deixam de ser tão imbricadas. “Mas a gente está ainda forjando nossa identidade institucional. Não somos juízes nem promotores. Somos defensores. E, como estávamos lutando até bem pouco tempo por nossa sobrevivência política institucional, não tivemos oportunidade de criar nossa identidade própria. Agora estamos dizendo quem somos, como trabalhamos, qual é nossa cara”, analisa Mônica Barroso (1999-2001), a oitava presidente da Associação. “Hoje, a grande maioria da população sabe o que é ADPEC. Os deputados fa-

lam ADPEC com muita propriedade, sem precisar explicar a sigla. Hoje também se sabe melhor o que é a Defensoria Pública”, avalia Francilene Gomes (2005-2007), atual Defensora Pública Geral e a penúltima a presidir a Associação.

A escolha de Lúcio Mas a consciência desses dois polos, individuais e potencialmente complementares, segundo Mônica Barroso, apenas se dá para a categoria a partir do abalo provocado pela escolha do governador Lúcio Alcântara em 2005. “A gente só entende como é possível estar junto quando há um rompimento brusco como foi o choque do doutor Luciano (Hortêncio)”, acredita Barroso. Do imbróglio, a classe voltou fortalecida e adquiriu maturidade institucional. A partir desse momento, as disputas políticas dentro da categoria saíram da esfera pessoal e começaram a se travar no plano da estratégia. “Até então, nós não tínhamos essa ideia de movimento, de paralisação, de reivindicar de uma forma mais contundente, agressiva”, afirma Carlos Augusto Medeiros (2003-2005), o antepenúltimo presidente. Em 30 anos de ADPEC, a maturidade para compreender o papel da Associação e da Instituição, além da necessidade de se lutar com firmeza por melhores salários e condições estruturais de trabalho, reforça “a conscientização do papel social que o defensor público desempenha, que é essencial para a sociedade”. “Percebemos que, se não fizermos juntos um trabalho de fortalecimento e valorização da Defensoria, não vamos conseguir sozinhos. E cada um deu uma contribuição para que essa conscientização fosse formada”, considera Medeiros.

As três décadas de história da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará são marcadas por várias manifestações, encontros, participação e organização de eventos e campanhas, conquistas e vitórias. Boa parte dessa luta está registrada e pode ser conferida na galeria de fotos ao lado

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LINHA DO TEMPO

OS EX-PRESIDENTES Entenda a evolução da ADPEC através de seus presidentes

• José Vinícius Pinheiro in memoriam (1980-1984) Foi um dos responsáveis por materializar o que, até então, parecia somente um sonho. A primeira reunião da ADPEC foi na terça-feira, 8 de maio, às 18 horas. • Luciano Sobreira (1984-1985) A Associação engatinhava: não tinha sede própria. As reuniões aconteciam principalmente na sede da Caje. Por motivos pessoais, Sobreira teve de renunciar antes de concluir o mandato. • Antônio Caetano Rios (1985-1987) A Defensoria Pública e a Associação chegavam por vezes a se confundir: uma das principais bandeiras foi atender a reivindicações de defensores do interior.

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• Francisco Bezerra de Oliveira (1987-1989) Foi chamado para compor chapa depois de oito anos na Procuradoria-Geral do Estado. Além da luta por melhores vencimentos, havia ainda a necessidade de que os defensores começassem a se identificar como classe.

se conseguisse uma sede definitiva. Neste ano, a ADPEC está prestes a se mudar para um lugar mais amplo. Foi na época de Jacirema que começaram a se intensificar as viagens para Brasília, fundamentais para a aprovação das leis nacionais em prol da Defensoria.

• Jacirema Moreira (1989-1995) A placa de inauguração da sala que a Associação ocupa atualmente na Av. Santos Dumont prova que foram necessários 12 anos até que

• Nívea Rolim (1995-1997) A Lei Complementar No 80, que determinava aos Estados a composição imediata da Defensoria Pública, completava aniversário de um ano Cidadania em pauta

quando Rolim entrou na diretoria. No fim da gestão, a Lei No 06, aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador, instituía a Defensoria no Estado. • Andréa Coelho (1997-1999) Não foi só época da primeira Semana do Defensor Público, um dos eventos mais longevos da Associação. É tempo também da reforma administrativa que colocou a Defensoria Pública como carreira típica de Estado.


Leis capital a partir de fevereiro de 2002. Apesar da arrecadação irrisória, segundo o presidente, ampliou o plano de saúde da Unimed para os associados. • Carlos Augusto Medeiros de Andrade (2003-2005) A primeira das grandes campanhas – o Movimento pela Valorização e Fortalecimento da Defensoria Pública – tentava avançar numa via de mãodupla: sedimentar o papel do defensor e, com isso, manter a população identificada com ele. Em seu mandato, aconteceu a Reforma da Previdência e a Reforma do Judiciário, que trouxeram diversos avanços para a carreira, como a autonomia administrativa e orçamentária e a vinculação do piso de defensor público aos ministros do STF. • Francilene Gomes (2005-2007) O governador Lúcio Alcântara não promoveu um abalo institucional ao indicar como Defensor Público Geral o nome menos votado pela categoria. Ao contrário, fez a classe se unir contra o descalabro da escolha.

• Mônica Barroso (1999-2001) Fazia oposição à Defensoria Pública Geral por acreditá-la centralista. Realizou assembleias e eventos públicos no sentido de democratizar a Associação. “Vários deputados não sabiam nem o que era a Defensoria Pública”, afirma. • Humberto Heitor Ribeiro (2001-2003) A Defensoria Móvel passa a atuar na

• Mariana Albuquerque (2007-2011) A ADPEC chega às três décadas amadurecida. Pensar a Defensoria como vetor da transformação social nos próximos 30 anos começa a partir de hoje. Em sua gestão, foi aprovada em Brasília a Lei Complementar No 132, que reformou a Lei Orgânica da Defensoria Pública. Também foi implementada uma nova política salarial da Defensoria Pública e deram-se início às campanhas de educação em Direito para a população. Julho de 2010 - Número 6

Conheça as principais leis que deram corpo à Defensoria Pública • Decreto número 1.560, de 1935 A Assistência Judiciária do Estado é criada pelo Interventor do Estado, o coronel Felippe Moreira Lima, subordinada à Secretaria dos Negócios do Interior e da Justiça. • Lei número 3.609, de 1957 Nesta lei, os profissionais que trabalham na área são denominados de advogados de ofício. • Lei número 10.764, de 1982 Criavam-se 38 cargos de advogados de ofício, variando do nível A ao D, para a Coordenadoria de Assistência Judiciária do Estado (Caje), subordinada à Secretaria do Interior e Justiça. • Lei número 12.388, de 1994 O Plano de Cargos e Carreiras firmou a denominação hoje usual de defensor público. Mais que isso, criou uma trajetória funcional da categoria. E surgem os defensores substitutos de 1ª Entrância, 2ª Entrância, 3ª Entrância, Entrância Especial e 2º Grau de Jurisdição. • Lei Complementar Federal 80,

de 1994 O texto determina a criação da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados. • Lei Complementar Estadual 06,

de 1994 Cria a Defensoria Pública Geral do Estado, como órgão autônomo. Este é o primeiro e mais forte passo em direção à equiparação entre a Defensoria e as outras carreiras jurídicas. • Emenda Constitucional 19,

de 1998 Através de uma reforma administrativa, a Defensoria Pública foi enquadrada como carreira típica de Estado, portanto fora da CLT. • Lei Complementar Federal 132,

de 2009 A lei reformula o que havia sido pensado para a Defensoria em 1994. Agora, a ideia é fazer uma instituição muito mais um veículo de promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos que de prestação apenas de assistência jurídica.

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ENTREVISTA

“Não vejo como não chegarmos às mesmas estruturas do MP e do TJ” Para o defensor público Luciano Sobreira, primeiro presidente vivo da ADPEC, não dá como não nivelar a Defensoria Pública com as demais carreiras jurídicas, tanto pela força da Constituição quanto por questão de Justiça Cidadania em Pauta - Como foi fundada a Associação dos Defensores Públicos do Ceará? Luciano Sobreira - Em 1980, o primeiro presidente da ADPEC, José Vinícius Pinheiro, chegou para mim e disse que tinha o sonho de fundar uma Associação para defensores públicos. Eu disse a ele que isso era um sonho mesmo, que era difícil realizar naquele momento, por causa das dificuldades de reunir o pessoal, em razão da questão financeira, dentre outras questões. Um mês depois, em oito de maio de 1980, ele voltou e disse: taí o início do sonho. CP - E onde a Associação começou a funcionar? LS - A Associação começou a funcionar em uma sala do Fórum cedida pela Associação Jurídica do Necessitado. Mas ela chegou a funcionar na casa da defensora pública Francisca Neli de Sousa, além de vários locais alugados. Até que, em 1995, a defensora pública Jacirema Moreira comprou a atual sede. CP - Quando foi o primeiro concurso para a carreira? LS - O primeiro concurso da Defensoria 12

Pública foi em 1978. Antes, para fazer parte do quadro, o que contava era prestígio político. Lembro-me de que na época do primeiro concurso não quiseram dar posse a um colega que havia se envolvido em ideologias políticas no Piauí. Fui pessoalmente explicar ao governador que ele havia passado em um concurso público e que, independentemente de sua posição política, deveria ser nomeado. E o governador nomeou. CP - Qual a primeira manifestação política que vocês fizeram? LS - Foi no dia da aprovação da lei que desvinculou a Defensoria Pública da Secretaria de Justiça. Todos os defensores públicos compareceram em peso à Assembleia Legislativa. Também me lembro de uma carreata que fizemos na década de 90, no Palácio do Cambeba. Como não podia entrar em carreata, fomos entrando de um por um, sem alarde. De repente, éramos vinte carros. Ninguém entendeu. CP - O que vocês reinvidicavam? LS - Lutávamos pela Lei Complementar No 06, que reestruturou a Defensoria Pública à Constituição Federal, e a Lei Cidadania em pauta

Complementar No 80/94, lei orgânica da Instituição que organizou a Defensoria Pública e prescreveu normas gerais de sua organização nos Estados. Nessa época, o Defensor Público Geral passou a ter o mesmo nível de Secretário de Estado, uma grande conquista. A Instituição passou a ter orçamento anual e uma certa independência financeira. CP - Para o futuro, o que o senhor imagina para a Defensoria Pública? LS - Não vejo como não chegarmos às mesmas estruturas do Ministério Público e da Magistratura. Não só por força constitucional, mas por questão de justiça, para o equilíbrio nas forças das ações judiciais. CP - Como o Sr. acha que a Defensoria Pública conseguirá isso? LS - Acho que só com pressão política, como sempre foi. O Ministério Público tem 100 anos. A Defensoria Pública tem só 40 e conseguiu grandes avanços, inclusive com a criação formal da Instituição, há 15 anos. Tenho certeza de que não dá como não nivelar a Defensoria Pública com as demais carreiras jurídicas. É um contexto igual.


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