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Uma Proposta Ousada The Playboy's Proposition

Miranda Lee Série Australian Playboys 1

Um playboy milionário... e sedutor! Tyler Garrison era incrivelmente bonito e herdeiro de uma imensa fortuna, mas trocava de namorada como quem troca de roupa! Michelle ficou feliz quando Tyler concordou em acompanhá-la ao casamento de seu exnoivo... Com uma condição: fazerem de conta que eram namorados! Ter um acompanhante bonito e charmoso como Tyler era motivo de orgulho para qualquer mulher. Porém Michelle ficou chocada quando ele fez uma outra proposta, ainda mais ousada: tornarem-se namorados de verdade! Será que o mais cobiçado solteiro de Sidnei estava interessado nela? Ou existiria um outro motivo atrás daquela proposta?

Digitalização: Alice Akeru. Revisão: Tatiane Ebooks.


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Austrália Playboys 1. The Playboy's Proposition (2000) BD 748.1 – Uma Proposta Ousada – e-book 2. The Playboy's Virgin (2000) – Julia PP 32 – A virgem e o Playboy – e-book 3. The Playboy in Pursuit (2000) – MI 103 – Beijos ao entardecer – e-book Australian Playboy Tycoons (omnibus) (2006) Antologia com os 3 livros da série.

Querida leitora, Não existe coisa mais gostosa do que ler, e nada mais gostoso de ler do que um romance. Os romances Bianca são uma delícia, porque vêm sempre com duas histórias fantásticas, divertidas, contendo sempre uma lição de vida e de amor. Patrícia Garcez Editora Copyright © 2000 by Miranda Lee Originalmente publicado em 2000 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: The Playboy's Proposition Tradução: Vera Limongi Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 – 10° andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2001 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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CAPÍTULO I

Michele deixou o escritório um pouco depois das seis e meia, com os votos de parabéns de seus colegas ainda ecoando em seus ouvidos. Havia passado o dia inteiro, mergulhada no trabalho, apresentando idéias para a nova campanha de publicidade que a empresa deveria apresentar para o cliente, dali a um mês e pouco. Modéstia parte, suas idéias haviam sido realmente muito boas. Mesmo assim, quase caíra da cadeira quando o dono da agência, Harry Wilde, a chamara e lhe dera uma promoção que jamais sonhara em obter: a chefia do departamento de criação. Então, ao sair do elevador e deixar o prédio, a sensação de euforia que invadira lhe a alma dera lugar a um outro tipo de sentimento: o pavor. É que sua agência ainda não havia ganhado a conta e a responsabilidade de obtê-la estava em suas mãos. Começou a andar pela calçada, tentando convencer-se de que estava mais do que pronta para aquele desafio. Tinha quase trinta anos e estava no ramo da publicidade há cinco, o que era uma vida naquele tipo de trabalho! Além disso, era uma mulher inteligente e capaz que, com certeza... — Oi, Michele. Ela estava tão distraída, que nem havia reparado na moça loira que caminhava quase ao seu lado. — Oi, Lucille. Eu nem tinha visto você. Acho que estou com a cabeça no mundo da lua! Lucille Jordan era sua vizinha, além de uma grande amiga. Na verdade, havia sido ela a corretora que lhe vendera o apartamento onde hoje morava. Seu ramo de trabalho agora, porém, era outro. Atualmente, Lucille fazia parte da Tudo Fácil Mudanças, uma empresa especializada em organizar a vida de executivos que deixavam suas cidades de origem e vinham morar em Sidnei. Era um bom emprego, o salário era bem razoável e ela parecia feliz e satisfeita. Provavelmente uma das mulheres mais bonitas da cidade, Lucille poderia ter qualquer homem que escolhesse. Mas acabara se casando com Roger Swanson, um fulano que não valia nada e que fizera de sua vida um verdadeiro inferno. O divórcio saíra há alguns meses e, desde então, ela não mostrara nenhum interesse pelo sexo oposto. Michele não achava que tal fato fosse durar para sempre. Sua amiga era muito jovem para abraçar o celibato definitivamente. As duas sempre saíam juntas para almoçar ou tomar um café. — Trabalhando até tarde de novo, Michele? Desse jeito você vai acabar tendo uma estafa! Michele deu um sorriso. — Olhe só quem fala. Você trabalha tanto quanto eu. Até mais, eu diria! Lucille fez uma careta. — Sabe de uma coisa? Trabalhar é bem melhor do que ficar em casa olhando pela janela, fazendo pedidos para as estrelas! — Pedidos para as estrelas? Será que você não estaria se referindo a... um homem? Vamos, Lucille, admita. Você não vai querer passar o resto de sua vida sozinha, vai? Ela deu um suspiro. — Talvez não. Mas a idéia de me casar de novo é assustadora demais. Na verdade, não tenho

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE o mínimo interesse sequer em conhecer qualquer homem no momento. Eles não valem o que comem. Nem o que bebem. Sabe o que eu queria num homem, Michele? Que ele tivesse sangue correndo nas veias, em vez de cerveja. Um homem que gostasse mais de mim do que do seu carro e de seus amigos! Michele caiu na risada. — É, acho que você realmente está querendo demais! Rindo e conversando, as duas amigas continuaram seu caminho. Moravam num prédio chamado Jardins do Norte e só Deus sabia o motivo daquele nome. O único verde que se via, vinha dos vasos de flores e plantas que alguns moradores haviam colocado em seus pequenos terraços. Era uma construção antiga, típica dos anos cinquenta. Mas, se a fachada era modesta, o mesmo não podia se dizer de seu interior. Todos os apartamentos haviam sido reformados e continham cozinhas planejadas e banheiros modernos. Não sobrara uma unidade à venda. O que, aliás, não era de se admirar. Eram apartamentos relativamente baratos para a região, talvez devido à falta de charme do próprio prédio. Sua localização junto ao centro era mais do que privilegiada, principalmente se o morador trabalhasse por lá, que era o caso de Michele e de Lucille. Caminhando com calma, Michele só levava dez minutos para chegar ao escritório. Sete, se andasse um pouco mais rápido. Ultimamente, ela vinha levando mais tempo para fazer o percurso de volta até sua casa. É que a pressa de chegar já não era a mesma. Como Lucille, também morava sozinha no momento. Mas esperava a volta de Kevin a qualquer momento. Ele sempre acabava aparecendo, implorando-lhe para aceitá-lo de volta. Isso sempre acontecia. Ela só precisava ter paciência. Chegando ao prédio, Michele abriu sua caixa de correspondência e virou-se para a amiga. — Não vi seu carro na garagem esse último fim de semana. Ele está no conserto? Lucille deu um suspiro desanimado. — Você não imagina o que me aconteceu. Estava voltando do supermercado na sexta-feira, quando um maluco bateu no meu carro. Tive de levá-lo à oficina imediatamente. Michele ficou tão preocupada com a notícia que a amiga havia acabado de lhe dar, que nem prestou muita atenção no envelope grande e branco que havia acabado de tirar da caixa de cartas, juntamente com folhetos de propaganda e anúncios de disk-pizza. — Que horror! Você se machucou? — Felizmente, não. E lhe garanto que a culpa não foi minha mesmo. Um filhinho de papai numa Ferrari quase arrebentou a traseira do meu carro. Estava em alta velocidade, é claro. Como esse fulano que vem vindo pela rua agora. Michele olhou para o reluzente Jaguar preto que se aproximava rapidamente e que parava junto à calçada do outro lado da rua, bem debaixo de uma placa que dizia: "Proibido Estacionar". O motorista desceu como se tivesse muita pressa e bateu a porta com força atrás de si. — Quem será que esse homem pensa que é? — comentou Lucille, revoltada. — Não contente em dirigir como um louco, ainda estaciona em lugar proibido! Vai ver que ele acha que está acima da lei e da ordem! Michele concordou com um gesto de cabeça. — Acertou em cheio. Sabe quem é ele? Meu querido amigo Tyler. Tyler Garrison, meu excolega de faculdade. Já lhe falei dele uma porção de vezes, não falei? Lucille levantou uma sobrancelha. — Ah, então esse é o famoso Tyler Garrison, figura obrigatória das colunas sociais de todos os jornais do país. Sim, você já me falou dele um milhão de vezes.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Gostaria de conhecê-lo? — Não, obrigada. Não gosto de playboys, não importa o quanto sejam bonitos. Esse tipo de gente realmente não faz meu gênero. Até mais, Michele. Nós nos vemos por aí, está bem? E tratou de sair dali rapidamente, deixando Michele a sós para observar o amigo que se aproximava. Não havia dúvida de que ele era um homem bonito. Bonito demais, se quisesse ser bem sincera consigo mesma. Na verdade, Tyler Garrison era demais em tudo. Inteligente demais. Charmoso demais. E, acima de tudo... rico, demais. Sim. Ele era, sem dúvida nenhuma, o melhor partido da cidade. Do país, talvez. E como se vestia bem... O terno que usava agora só podia ser Armani, assim como a camisa e a gravata de seda. Os sapatos também deviam ser italianos. A pele sempre bronzeada fazia um lindo contraste com seus cabelos loiros. Um homem simplesmente perfeito. Michele conhecia-o há mais de dez anos e, em todas as vezes que o via, ele estava vestido como se fosse ser fotografado para uma revista de moda masculina. Bem... houvera uma exceção. Acontecera durante o terceiro ano da faculdade. Tyler fora passar o fim-de-semana no haras da família e um acidente com seu cavalo o levara para o hospital. Depois de uma complicada cirurgia, viera o terrível prognóstico: havia o risco de ele nunca mais voltar a andar. Assim que soubera da notícia, Michele correra para visitá-lo. Tyler tentara ser forte a princípio, mas não conseguira manter a pose por muito tempo e acabara chorando em seus braços. Felizmente, tudo não passara de um susto e ele recuperara seus movimentos em pouco tempo. Os movimentos... e a pose também. Daquele momento em diante, voltara a ser o que sempre fora. O glorioso herdeiro da fortuna Garrison, o rapaz destinado a viver num mundo dourado de dinheiro e privilégios. Ele sorriu para ela. — Boa noite, Michele. Que coisa estranha. Tyler Garrison não costumava visitá-la sem avisar. — Oi, Tyler. — Ela apontou para o carro estacionado do outro lado da rua. — É novo? — Sim. Eu o comprei na semana passada. Grande novidade. Ele trocava de carros como trocava de namoradas. — O que aconteceu com o Mercedes prateado? Cansou-se dele? O fato de Tyler não ter caído na risada, como sempre fazia naquelas ocasiões, fez com que uma campainha soasse nos confins de seu cérebro. Havia um ar de preocupação muito estranho no rosto dele. Tyler nunca se preocupava com nada. Absolutamente nada! Foi aí então que ela compreendeu tudo. — Não! Aconteceu alguma coisa com Kevin, não é? Aposto que ele sofreu um acidente de carro! Também, do jeito como dirige! Até pior que você. Eu sempre lhe disse para andar mais devagar, senão alguma tragédia ainda ia acabar acontecendo e... — Nada de mau aconteceu a Kevin — interrompeu Tyler, encostando a mão em seu braço. — Mas, sim, eu vim até aqui por causa dele. Achei que talvez você fosse precisar de mim. — Precisar de você? Mas a troco de que eu iria precisar de você, Tyler? Ele deu um sorriso, que lhe pareceu estranhamente triste. Agora, sim, Michele estava assustada de verdade. Tyler, preocupado e triste? Muito estranho... — Bem, acho que sou o único de nosso grupinho que pode lhe emprestar um ombro para chorar. Todos os outros estão fora do país. Ou casados. — Tyler fez uma pausa. — Ou com

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE casamento marcado. Michele arregalou os olhos, lembrando-se do envelope branco que segurava nas mãos. Era uma moça inteligente. Pegava as coisas no ar. Agora, tudo ficava claro. Já sabia quem o havia mandado. Kevin. Kevin ia se casar. Mas não com ela, a garota que fora sua namorada firme durante os quatro anos da faculdade e com quem vivera debaixo do mesmo teto pelos três seguintes. A garota que, ao final de cada briga, observava-o partir com uma mala na mão, rezando para que tomasse juízo e voltasse logo. Bem, ele sempre havia voltado. Até aquele momento. — Meu convite estava na minha caixa de correspondência quando eu cheguei do trabalho agora a pouco — Tyler apressou-se em explicar. — Achei que você também fosse receber um igual, por isso resolvi vir. Ela sentia que o mundo girava à sua volta. Kevin, o seu Kevin ia se casar com outra pessoa... — F... foi muita gentileza, Tyler. — Você também me ajudou muito quando eu precisei. Algo que eu nunca me esqueci. Agora, gostaria de retribuir-lhe o favor. Michele levou um susto. Estranho Tyler mencionar aquele incidente, imediatamente depois de ter se lembrado dele. Então a cena no hospital não havia sido esquecida. Engraçado. Podia jurar que ele a tinha tirado da cabeça para sempre. Respirou fundo, sentido uma enorme angústia dentro da alma. — C... com quem ele vai se casar? Eu... conheço a noiva? — Acho que sim. Você já se encontrou com ela. Naquela festa de fim de ano que dei na minha casa. O nome dela é Dannielle. Dannielle Baker, mas todo mundo a chama de Danni. Michele sentiu-se como se tivesse levado um soco no estômago. Kevin e ela haviam rompido pela última vez logo depois daquela festa enorme na casa de Tyler. Agora entendia o porquê. Uma raiva insana apareceu para substituir sua angústia. — Ah, que maravilha! Então Kevin, o homem que eu amo, conheceu outra mulher na sua casa, Tyler. Você estragou minha vida! Ele ficou magoado, pois não esperava por aquela reação. — Você não está sendo justa, Michele. — Pode ser que não, mas é a verdade! Se você não ficasse nos chamando para as festas em sua casa a toda hora, nada disso teria acontecido! Sei que Kevin sempre foi fascinado pelo tipo de vida que vocês, milionários, levam! Agora ele vai se casar com uma moça linda e rica, alguém com quem eu jamais poderia competir nem em um milhão de anos! Ele levantou uma sobrancelha. — Acho estranho que pense dessa maneira, Michele. Na minha opinião, você poderia competir com qualquer mulher da face da Terra. Além de ser muito bonita, você também é culta e inteligente. Michele não estava com a mínima vontade de ouvir elogios. Nem paciência. — Ora, Tyler, vamos parar com essa conversa mole. Desde quando os homens dão algum valor à cultura e à inteligência? Além disso, já me olhei no espelho. Sei que sou uma morena comum, com um corpo comum. E ponto final! Tyler franziu a testa. — Não concordo com uma só palavra do que disse. Você é uma morena muito atraente, com um corpo mais atraente ainda. Tudo bem, Danni é um espetáculo de mulher. Concordo com você. E

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE sim, ela é muito rica. Mas, sinceramente, sinto pena da pobrezinha. Nós dois sabemos muito bem, que Kevin não a pediu em casamento por amor. — É claro que eu sei! — exclamou ela. — Porque ele ainda me ama! — Será que ama mesmo? — Claro que ama! A realidade, porém, apresentava-lhe uma história bem diferente. Se Kevin ainda a amava, por que ia se casar com outra pessoa? O pior de tudo é que havia lhe mandado um convite sem ao menos avisá-la! Por Deus, ela estivera com ele no mês anterior e nem uma só palavra fora dita a respeito de Danni Baker e do próximo casamento! O assunto durante o almoço havia sido trabalho. Kevin também estava no ramo de publicidade e vinha tendo problemas com um comercial para um novo cliente. Ela lhe dera uma porção de boas idéias e ele a chamara de "anjo" por tê-lo ajudado com tanta boa vontade. A dura constatação de que Kevin a convidara para almoçar naquele dia, apenas para usufruir de sua criatividade, fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas. Tyler voltou a encostar-se em seu braço. — A única pessoa que Kevin realmente ama é ele mesmo. Vamos, não comece a chorar no meio da rua. Vamos entrar, está bem? Aí na privacidade de seu apartamento, você pode dar vazão aos seus sentimentos. Aquelas palavras tiveram o dom de irritá-la. Quem Tyler pensava que era, para lhe dar ordens daquele jeito? Bem, ele só estava tentando ser gentil. Mas, na verdade, aquele homem sempre tivera o dom de irritá-la, desde o primeiro dia de aula na faculdade, quando ele fizera sua entrada triunfal na classe como se fosse o grande Gatsby em pessoa. Todas as meninas da sala ficaram loucas por ele. Menos ela própria, que só tinha olhos para Kevin, um rapaz bonito e simpático que parecia realmente interessado no curso que eles tinham acabado de começar. Apesar dos brilhantes resultados conseguidos por Tyler durante os quatro anos seguintes, Michele sempre tivera a impressão de que ele estava apenas se divertindo na faculdade, passando o tempo até que seu pai lhe entregasse a direção do império da família. Tyler já havia se formado em Administração de Empresas antes de entrar para o curso de publicidade, o que explicava o fato de ser quatro ou cinco anos mais velho do que o resto da turma. Se dependesse de Michele, ele nunca teria entrado para o pequeno grupo que ela havia formado. Porém, quando uma sexta pessoa fora necessária para a realização de um trabalho, Kevin resolvera chamá-lo e a amizade havia começado. Michele nunca entendera o que Tyler vira em seus cinco amigos menos privilegiados, nem por que fizera questão de manter contato com eles depois da formatura. Ele sempre convidava todo o grupo para as festas em sua mansão, embora nos últimos tempos, nem todos pudessem comparecer. Isso porque no ano anterior, Linda fora para Nova York, trabalhar na revista Time. Greta também se mudara para seu Estado natal, onde se casara e tivera um bebê. Jeff aparecia de vez em quando, mas vinha passando cada vez mais tempo em São Francisco, nos Estados Unidos, desde que decidira finalmente assumir sua condição de homossexual. O único motivo pelo qual Michele continuava a comparecer era a insistência de Kevin. A fortuna e o poder de Tyler tinham o dom de fasciná-lo. No fundo, ela não gostava dos sentimentos que o amigo milionário lhe despertava. Perto dele, ela se sentia inferior, uma verdadeira caipira. — Se quiser subir, é melhor tirar seu carro dali. Não sei se notou, mas estacionou num lugar proibido. Ele olhou para o Jaguar preto do outro lado da rua.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Ora, e qual é o problema? — O problema, é que você vai levar uma multa! — Pelo amor de Deus, Michele, você é mais importante do que uma multa de trânsito! Ela fez uma careta. — Ah, eu peço desculpas. Tinha me esquecido de que você era milionário. O que são poucos dólares perto de sua imensa fortuna, não é? — Pare de implicar com o meu dinheiro, Michele. Eu não tenho culpa de ter nascido rico! — Não estou implicando com o seu dinheiro. Só quis dizer que, nós, os simples mortais, precisamos nos preocupar com certos detalhes da vida, como multas de trânsito. Só isso. Ele deu um suspiro desanimado. — Tudo bem, tudo bem, eu estaciono em outro lugar. Seu prédio têm vaga para visitantes? — Tem. — Ótimo. Michele olhou para o rosto determinado de Tyler e chegou à conclusão de que as coisas só iriam piorar dali para frente, como sempre acontecia quando ambos ficavam sozinhos. O cenário estava se tornando depressivamente familiar. Tyler iria criticá-la por seu amor incondicional a Kevin. Aí, ela faria comentários desagradáveis a respeito de suas inúmeras namoradas, todas elas com rostos e corpos de modelos internacionais. A verdade era que eles vinham de mundos completamente diferentes e deviam ter se afastado há muito tempo. Não tinham nada em comum. Nada mesmo! — Olhe aqui, Tyler, por que não volta para sua casa? Eu agradeço muito, sua boa vontade em ter vindo até aqui, mas agora eu realmente gostaria de ficar um pouco sozinha. Estou bem, pode acreditar em mim. Não vou subir ao meu apartamento e pular pela janela. Ele deu um sorriso irônico. — Sei disso. Você mora no primeiro andar. Lembre-se daquele dia em que brigou com Kevin numa festa na minha casa e eu a acompanhei até a porta de seu apartamento? Michele se lembrava. Fora num aniversário de Tyler há mais ou menos dois anos Ele a levara para casa e ambos haviam discutido durante todo o caminho. Sabia que agira muito mal naquela noite. E vinha agindo da mesma forma agora. Bem, detestava ter de admitir, mas Tyler vinha sendo um bom amigo através dos anos. Fazia questão de ligar para saber como ela ia e sempre a convidava para um almoço ou um café, quando Kevin fazia as malas e saía de casa. Ele tinha razão. Não era sua culpa se nascera rico, bonito e brilhante. Um homem daqueles só podia mesmo ter alma de playboy. Que outro ser humano em sua posição agiria de forma diferente? Mas, de qualquer maneira, ele continuara a irritá-la. — Tudo bem, Michele. Se você quiser que eu vá embora, eu vou. É natural que queira ficar um pouco sozinha. Agora, ela se sentia envergonhada. O mínimo que podia fazer era convidá-lo para um uísque ou um café. Afinal, ele se dera ao trabalho de sair de sua casa com o único objetivo de levar-lhe um pouco de conforto. Bem, talvez o que ele quisesse mesmo era dar uma voltinha com seu carro novo. Ou quem sabe se sua namorada do momento morava por ali e ainda não estava pronta. Então, enquanto a beldade se arrumava pensando na gloriosa noitada que teria pela frente, ele matava o tempo em sua casa, tomando um ou dois drinques. Ou quem sabe se... Michele fechou os olhos. Deus do Céu, estava começando tudo de novo. — Michele? — ele chamou, com voz suave. — Você está se sentindo bem?

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Ela deu um suspiro e voltou a abrir os olhos. — Sim, Tyler, eu estou bem. E não, Tyler, eu não quero que vá embora. Vamos, estacione o carro na vaga dos visitantes e suba para tomar um café, um uísque ou qualquer outra coisa. Os olhos dele brilharam. — Gostei do qualquer outra coisa. Ela fez uma careta. — Pare de falar asneiras e trate de subir logo. Tive um dia cansativo, hoje, no escritório e estou louca para cair na cama. Ele deu um sorriso irônico. — Cair na cama? Hum... muito interessante. — Já disse para parar com isso, Tyler Garrison. Uma só gracinha a mais e eu o proíbo de subir ao meu apartamento! Ele levantou as duas mãos, num gesto de concordância. — Você manda, madame. Momentos depois, Tyler estacionava o carro na garagem e ambos tomavam o elevador. E foi aí que Michele percebeu que seus olhos estavam novamente cheios de lágrimas. Percebia que havia construído sua vida toda em torno de uma mentira. Tivera certeza, durante aqueles últimos dez anos, que Kevin a amava. Tanta certeza como ela própria ainda era apaixonada por ele. As lágrimas escorriam livremente por seu rosto agora. Bem, estivera errada o tempo todo. Completamente errada. Seu mundo havia acabado de desmoronar.

CAPÍTULO II

Tyler olhou em volta como se estivesse muito impressionado com o que via. — Seu apartamento é lindo. Meus parabéns. Ele só podia estar sendo gentil, é claro. Não que Michele não gostasse do local onde morava. Gostava, sim. E muito. Mas era evidente que Tyler não devia estar achando a mínima graça naqueles móveis comprados em lojas de departamentos e pagos em dez prestações. Na verdade, a ala de empregados de sua mansão devia ostentar maior sofisticação do que aquilo. — Obrigada. Sente-se, por favor. Vou preparar um café. Sentindo-se triste e desanimada, Michele foi para a cozinha. Colocou a bolsa em cima da mesa e foi só aí que percebeu que ainda segurava nas mãos o envelope branco, agora completamente amassado. Resolveu abri-lo. Antes não o tivesse feito, pois ao ler o convite, ficou sabendo que o casamento iria ser

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE realizado numa igreja. Uma nova onda de raiva explodiu dentro dela. Uma igreja, pelo amor de Deus! Kevin nunca fora um homem religioso e vivia rindo de seus amigos que se uniam diante de um padre ou de um pastor! Que hipócrita! Que canalha! Que... que filho da mãe! Jogou aquele pedaço inútil de papel no lixo, os soluços brotando de sua garganta. Dez anos de sua vida perdidos... Quanto desperdício... E agora, o que ia ser dela? Não sabia dizer. Só tinha certeza de uma coisa. As emoções que vinha segurando desde o momento que soubera da triste notícia não podiam ser mais sufocadas. O café que fosse para o inferno. Estava recostada na pia, chorando toda a sua dor, quando sentiu uma mão encostada em seu ombro. Momentos depois, Tyler a abraçava com força, oferecendo-lhe todo o conforto que tinha para dar. — Vamos, Michele, desabafe, se isso fizer com que se sinta melhor. Não há ninguém aqui, exceto nós dois. — Ah, Tyler! — ela soluçou. — E agora? O que vai ser de mim? Ele acariciou-lhe os cabelos. — Você vai superar tudo isso, Michele. Tenho certeza disso. — Mas... mas... ele vai se casar com outra mulher! Não dá para suportar, Tyler. Eu o amo mais do que minha própria vida! — Eu sei, Michele. Eu sei... Um certo ressentimento misturou-se à sua angústia. Então ele ia voltar a criticá-la por seu amor incondicional a Kevin. Mas que homem inconveniente! Por que não lhe dava uma folga, principalmente naquela hora tão difícil? Desvencilhou-se de seus braços e o encarou com olhos cheios de fúria. — E o que você sabe a respeito de amor? Você nunca amou ninguém, Tyler Garrison! Ele a encarou de volta, seus lindos olhos azuis não mais cheios de ternura e compreensão, mas duros e reprovadores. Tyler jamais a olhara daquela maneira. E o fato de fazê-lo naquele momento a incomodou mais do que gostaria de admitir. — Eu... sinto muito. Acho que fui muito agressiva com você. — E foi mesmo. — Ele tirou um lenço de seda do bolso, da mesma cor de sua gravata. — Vamos, enxugue seus olhos. Ela fez o que lhe foi mandado, feliz em poder escapar de sua fúria. Mesmo assim, não podia deixar que o assunto morresse. Era preciso justificar seu comentário. — P... pelo menos uma coisa você tem de admitir, Tyler. Seus namoros nunca duraram mais de uma ou duas semanas. Como ele não respondeu, ela o encarou novamente e ficou aliviada ao vê-lo sorrir, aquele sorriso lindo e sensual que era sua marca registrada. — É verdade. E sabe por que isso acontece? Porque nunca namorei uma garota que realmente me interessasse. Aquilo fazia sentido. — Vai ver que isso acontece por causa do tipo de moças que você escolhe para sair. Vamos encarar os fatos, Tyler. Elas não chamam exatamente a atenção por seus cérebros privilegiados. Ele levantou uma sobrancelha. — É verdade. Mas chamam a atenção pela beleza de suas pernas. Michele deu um suspiro desanimado. — Tyler, Tyler, você não tem jeito mesmo. Acho que é um caso perdido!

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Bem, você podia ter pena de mim e mudar a minha história. — Como assim? — Que tal sairmos agora para jantar e dançar? Assim eu terei uma companhia com pernas e cérebro privilegiados. Michele fez uma careta. Nada a irritava mais na vida do que as brincadeiras de Tyler. Que, aliás, eram muito frequentes e de mau gosto. Como é que uma garota podia ter pernas privilegiadas, quando tinha apenas um metro e sessenta de altura? — Ah, sim, é claro. Jantar e dançar com você. É pra já. Você manda, Tyler. Ele pareceu levá-la a sério. — Ótimo. Quanto tempo você demora para ficar pronta? Michele o encarou durante alguns instantes, depois caiu na risada. — Ora, Tyler, você só pode estar brincando. — Claro que não. Nunca falei tão sério na vida. — Ela ficou realmente surpresa. Tyler não parecia mesmo estar brincando. O inesperado convite fez com que sentisse um friozinho na barriga. Afinal de contas, não nutria secretamente o sonho de sair uma noite para jantar e dançar com ele? Mas o convite nunca viera. Nem uma vez. Até agora. Seu bom senso, porém, acabou falando mais alto. Acorde, sua boboca. Tyler só está lhe fazendo esse convite porque está morrendo de pena de você. Seu coração ferido foi atingido de novo, agora de forma ainda mais dura e brutal. Sentia-se não apenas mal amada e abandonada, mas totalmente não desejada como ser humano e como mulher. No final da história, se nem Kevin quisera ficar com ela, por que Tyler iria ficar? O brilhante, bonito e perfeito Tyler Garrison, sempre cercado pelas mulheres mais lindas do mundo... Não. Ela não tinha chance nenhuma. — Esqueça, Tyler. Se está com vontade de sair com alguém, abra sua agenda e convide uma das suas amiguinhas. De preferência alguém que tenha seios enormes e cinturinha bem fina. — Então você está recusando meu convite. Era estranho, mas parecia haver uma certa mágoa na voz dele. Será que ela havia sido muito dura em sua recusa? — Olhe, Tyler, você foi um amor em me convidar, eu realmente agradeço, mas é que eu estou muito cansada para sair agora. Tive um dia cheio e acabei de receber uma das piores notícias da minha vida. Acho que vou comer alguma coisa aqui mesmo e ir para a cama cedo. — Claro. Eu entendo. Então, que tal outra noite? Michele deu um suspiro. — Tyler, você não precisa fazer isso. Ele piscou os olhos. — Fazer o quê? — Você sabe a resposta. — Ah, sei. Você acha que eu a estou convidando por pena. — E não está? — Pelo amor de Deus, Michele, mas é claro que não! Qualquer homem iria se sentir honrado em levá-la para jantar. Aliás, se quiser saber minha opinião, Kevin é um tremendo imbecil por ter feito o que fez. Outra coisa que eu não entendo é como você conseguiu ficar com ele tanto tempo. Francamente, o sujeito nunca fez por merecê-la!

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Talvez Tyler tivesse mesmo razão. Ela sempre havia dado muito mais que recebera. Dedicaralhe um amor que chegava às raias do absurdo. E em troca... Em troca ganhara um enorme chute no traseiro. De qualquer forma, estivera ao seu lado durante dez anos, um terço de sua existência. Iria ser muito difícil esquecê-lo e levar a vida para frente. — Quando vai ser o casamento? — Michele perguntou, de súbito. Tyler pareceu surpreso. O que será que Michele tinha em mente? Estava bolando algum jeito de fazer o noivo mudar de idéia e voltar a seus braços? — Logo. No primeiro sábado de maio. Daqui a três semanas e meia. Por quê? Espero que não esteja querendo que ele rompa o noivado e volte para você! Tal pensamento jamais havia lhe passado pela cabeça. Mesmo que ele quisesse voltar agora, ela jamais o aceitaria novamente. Não de novo. Nunca, nunca mais. Então, pela primeira vez, desde o nefasto momento em que recebera o convite, sentia que estava retomando o controle de suas emoções. Era uma excelente sensação. — Tyler... — Sim? — Você está namorando alguém no momento? A pergunta o pegou de surpresa. — Hã... Não. Não tenho nenhuma namorada firme agora. — Ah, sim, é claro. Apenas suas amiguinhas de plantão, sempre prontas a atender todos os seus caprichos. Mas tenho certeza de que nenhuma delas fará qualquer objeção ao fato de você levar uma levar uma velha amiga a um casamento. Ele ficou de queixo caído. — Você... quer que eu a leve ao casamento de Kevin? — Sim. Você me faria esse favor? Tyler ainda não acreditava em seus ouvidos. — Mas a troco de que você quer ir a esse casamento, Michele? — Porque... porque... eu preciso. — Não estou entendendo sua decisão. — Ele passou a mão por entre os cabelos loiros. — Não estou entendendo mesmo. Ela deu um sorriso cheio de tristeza. — Minha mãe morreu de câncer quando eu tinha treze anos de idade. Eu já lhe falei a esse respeito? Ele franziu a testa. — Não... não. Eu não sabia disso. Quero dizer, sabia que ela tinha morrido, mas não como, nem quando. De qualquer modo, o que isso tem a ver com o casamento de Kevin? Michele respirou fundo. — No dia em que ela morreu, alguém me perguntou se eu queria vê-la antes do funeral, para lhe dar um último adeus. Eu não tive permissão para visitá-la no hospital durante a última semana. Meu pai dizia que eu não devia ir, porque ela estava em coma e não ia me reconhecer. Bem, de qualquer modo, eu acabei não querendo vê-la. Disse a mim mesma que era porque eu queria me lembrar dela bem e com saúde, mas a verdade era que eu tinha muito medo. Medo daquilo que eu poderia ver. Medo da morte. E me arrependi amargamente da decisão tomada. Eu... eu... Sua voz falhou e, antes que se desse conta do que estava acontecendo, Tyler a abraçava e ela voltava a chorar em seu ombro. — Ah, Michele... Não chore, por favor. Você era apenas uma criança na época. Acho que a

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE decisão de não ter ido vê-la, foi a melhor coisa que pôde fazer por você. É preferível que se lembre dela bem e com saúde, como você mesma disse. Ela se afastou dele. — Não, Tyler, você não está entendendo. O fato de eu ter ido vê-la faria com que sua morte parecesse real. Durante os anos que se seguiram, eu quase não acreditava no que tinha acontecido. Achava que ela estava viajando e que fosse voltar a qualquer momento. Impaciente, Michele fez uma pausa para respirar e continuou: — O casamento de Kevin também representa uma espécie de morte para mim. Eu preciso estar lá, preciso observar a cerimônia, saber que tudo aquilo é real, ver com meus próprios olhos que tipo de homem ele é de verdade. Daí então eu vou poder seguir minha vida sem ele. Tyler não disse nada durante muito tempo, limitando-se a secar, com carinho, as lágrimas que escorriam pelo rosto delicado de Michele. Quando, finalmente, ela pareceu um pouco mais calma, ele lhe sorriu. — Nesse caso, eu teria um imenso prazer em levá-la. Mas com duas condições. — Pode dizer. — Não confirme sua presença. Você irá como minha acompanhante. Michele arregalou os olhos ao imaginar o choque de Kevin ao vê-la ali, em seu próprio casamento, ao lado de Tyler. — Tudo bem. E a segunda condição? Os olhos dele brilharam. — Quero que você use algo bem sensual, de tirar o fôlego...

CAPÍTULO III

— Bem, que tal? — perguntou Michele, dando uma voltinha. — Quero sua opinião sincera! Lucille não conseguiu reprimir um assobio de admiração. — Uau! Com esta roupa, os cabelos arrumados assim e esta maquiagem, você está parecendo uma modelo francesa! Quando Lucille havia lhe mostrado aquele lindo vestido cor-de-rosa na vitrine, há três dias, ela meneara negativamente a cabeça, dizendo que era muito chamativo. Não costumava usar aquela cor, dando preferência aos tons neutros. Esses eram mais fáceis de combinar com outras roupas e podiam ser usadas muitas vezes, com diferentes acessórios. Mas Lucille pedira para que a vendedora lhe mostrasse o vestido e insistira que Michele o provasse. E agora ali ela estava pronta para o casamento, estudando a própria imagem no espelho, tentando adivinhar o que Kevin iria dizer quando a visse. Antes dele, porém, era preciso enfrentar Tyler. Engraçado, mas ela estava mais preocupada com a opinião do amigo a respeito de sua aparência do que com a do ex-noivo. Quero que você use algo bem sensual..., ele havia lhe dito. E o vestido escolhido por Lucille fazia jus a tal denominação. Era um tubinho de crepe acima dos joelhos, com um enorme decote nas costas. Michele nunca tivera uma roupa tão provocante na vida. Lucille continuava a observá-la com cuidado.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Sabe de uma coisa? Seu querido amiguinho playboy vai ter um ataque do coração quando chegar e vê-la. Olhe, Michele, eu realmente espero que você tenha consciência do que fez quando o chamou para acompanhá-la ao casamento de Kevin. Não importa o quanto tente se controlar, é claro que você vai acabar caindo no choro no final da festa. Daí ele irá abraçá-la e confortá-la com seus braços enormes de lobo mau e, antes que se dê conta, estará na cama com ele. Michele começou a rir. — Você diz isso porque não conhece Tyler. Ele nunca me deu a mínima. O sujeito é um dos maiores conquistadores do país e tem à sua disposição as mulheres mais bonitas do mundo. O que ele iria querer com uma morena sem graça como eu? Lucille fez uma careta. — Morena sem graça? Acho que não tem se olhado no espelho ultimamente. Você é uma mulher muito bonita. Acho estranho que não se dê conta do fato. — Seja lá como for, eu jamais terei qualquer chance com ele. Os Tyler Garrison da vida não se misturam com simples mortais como nós. Realmente, uma verdade incontestável. Lucille olhou para o relógio. — Bem, a que horas o playboy ficou de vir buscá-la? — Ele vai passar por aqui às três e meia. Vou esperá-lo na portaria. Tyler vinha lhe telefonando pelo menos três vezes por semana, desde aquela nefasta noite para saber se ela estava bem e se ainda continuava firme em seu propósito de ir ao casamento. O último telefonema acontecera há dois dias. Aí então ela já tinha comprado o vestido cor-de-rosa e nada nesta vida iria fazê-la mudar de idéia e recuar. Não tivera notícias de Kevin. Nem um telefonema, tampouco uma visita para se explicar. Então, já que não lhe dava a mínima, por que enviara o convite? Ele só podia estar sendo deliberadamente cruel. Havia pensado muito naquelas três semanas. E chegara à conclusão nada animadora de que seu ex-noivo havia se tornado um hábito pouco saudável que nunca havia conseguido quebrar, até que ele próprio se encarregasse de fazê-lo. O amor tinha o estranho dom de deixar as pessoas cegas para a verdade. Como ela fora tola e ingênua! Kevin a usara durante aquele tempo todo. E quando tivera uma chance de ascender socialmente através do casamento com uma milionária, jogara a fora como se ela fosse um saco de lixo. Será que ele tinha se dignado a lhe dirigir um só pensamento naquele dia? E se tivesse, o que teria pensado? Talvez a tivesse imaginado chorando pelos cantos, completamente desesperada! Bem, nesse caso, ele iria ter o maior choque de sua vida. Porque ela não iria estar em canto algum. Ao contrário. Estaria bem no meio da igreja, deixando claro para todos que poderia sobreviver perfeitamente sem ele. O melhor de tudo era a presença de Tyler Garrison a seu lado. O sempre lindo e charmoso Tyler, sonho de todas as mulheres... Foi aí então que uma idéia seguiu em sua cabeça. Uma excelente idéia, na verdade. Se Kevin achasse que ela estava mesmo namorando Tyler, as coisas poderiam ficar muito mais interessantes. — Michele? — chamou Lucille. — Já está quase na hora. São três e vinte e cinco. Você está se sentindo bem? Não sei não, mas sua expressão está me parecendo meio estranha... Ela sorriu para a amiga. — Não se preocupe, querida. Eu estou muito bem. Bem demais, até... — Tem certeza? — Tenho. Pode acreditar em mim. Meus olhos já estão bem abertos. Kevin não me merece. O filho da mãe não vale nada.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Lucille levantou uma sobrancelha. — Eu podia ter lhe dito tudo isso antes, se tivesse me perguntado. — Então pode abrir a boca e começar a me dizer agora. — Kevin não a merece. Ele não passa de um sujeitinho aproveitador que não vale o que come! Michele sorriu e deu uma última olhada no espelho. — Muito obrigada. Agora acho melhor ir andando... Até que, para um playboy, Tyler é bem pontual. As duas amigas desceram juntas até a portaria. Passava um pouco das três e meia, mas nem sinal de Tyler. As três e quarenta, Michele estava pensando em voltar ao apartamento e ligar para o celular dele, quando uma reluzente Ferrari vermelha estacionou em frente ao edifício em que elas moravam. — Misericórdia! — exclamou ela. — Ele comprou outro carro! Lucille, porém, pareceu pouco preocupada com a tal aquisição. — Quer saber de uma coisa, minha amiga? Ele poderia ter chegado em um Fusca, caindo aos pedaços, que eu teria ficado de boca aberta do mesmo jeito. Mas que homem bonito, Michele. Como é que alguém consegue ser assim tão atraente? Ela podia compreender perfeitamente o encantamento de Lucille. De terno, Tyler conseguia ficar ainda mais irresistível. De um modo ou de outro, aquela reação não deixava de ser um conforto. Então não era só Michele quem se derretia quando ele se aproximava. Tyler Garrison tinha o dom de mexer com as emoções de todas as mulheres do mundo. — É, ele é bonito mesmo. Mas não se esqueça daquilo que já comentamos. Os Tyler Garrisons da vida, não foram feitos para mulheres como nós... Lucille deu um beijo no rosto da amiga. — Bem, é melhor você ir andando. Eu lhe desejo toda a felicidade e sorte do mundo. Que Deus a ilumine! Michele lhe deu um abraço, então abriu a porta e deixou o prédio. Tyler desceu do carro ao vê-la se aproximar. — Meu Deus, Michele, você está linda! Este vestido é simplesmente deslumbrante! Ela deu um suspiro de alívio. Então ele aprovara sua escolha. Ou melhor, a escolha de Lucille. — Obrigada. — Bem, é melhor nos apressarmos, ou vamos perder o grande acontecimento. Peço desculpas pelo atraso. E que tive de dar uma passada no despachante para apanhar os documentos do carro. — Ele abriu a porta da Ferrari para que ela entrasse. — Gostou do modelo? Michele sabia que Tyler trocava de carros e de namoradas com a mesma frequencia. Talvez os carros durassem alguns dias a mais. Realmente, os Tyler Garrison da vida não foram feitos para uma moça do nível dela. — Claro. Ele é lindo. — Ela deu um sorriso irônico. — Já sabe qual vai ser o próximo? A Ferrari ganhou movimento e começou a deslizar pelas ruas de Sidnei. — Ora, Michele, quer parar de criticar meus hábitos extravagantes? Eu adoro comprar carros. É meu hobby favorito. — Um hobby muito caro, na verdade... — Talvez. Mas eu posso me dar a esse luxo. Bem, Michele, eu andei pensando muito nesses últimos dias e gostaria de lhe fazer uma proposta. Sei que você não costuma apreciar minhas idéias, mas pode ser que concorde com o que tenho em mente.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Michele olhou para ele, um pouco intrigada. — E o que exatamente você tem em mente, Tyler? Ele deu um sorriso. — Estamos indo juntos ao casamento de Kevin, certo? Que tal então fingirmos que estamos namorando? Isso daria ao seu querido ex-noivinho uma dose de seu próprio remédio. Michele não podia ter ficado mais surpresa com a feliz coincidência. — Você não vai acreditar, mas eu ia sugerir exatamente a mesma coisa. Tyler também pareceu surpreso. — Bem, pelo visto, mentes privilegiadas como as nossas têm sempre as mesmas idéias, não é? — Então você não se importa? — Se eu me importo? — Ele olhou para o lado e sorriu. — Vai ser um enorme prazer exibi-la ao mundo como minha namorada. Você está linda, Michele. Duvido que haja na festa uma moça mais bonita que você. Michele deu um suspiro desanimado. — Não precisa bancar o playboy galanteador comigo, Tyler. Você acha que eu vou cair em sua conversa mole? Pode guardar seus elogios e galanteios para suas amiguinhas. — Eu acho que você está com problemas de visão, minha cara Michele. Será que não se olhou no espelho antes de sair de casa? Você está linda de verdade! E quanto a mim, se está pensando que continuo o playboy de sempre, devo informá-la de que estou mudando. Um sorriso, com um toque de mistério, brincou nos lábios dele. — Você não está sentindo um cheiro de mudança no ar? A única coisa que ela sentia no ar era o cheiro de carro novo misturado ao caríssimo perfume masculino que ele sempre usara. — Não. Ele caiu na risada. — Ah, Michele, Michele... Você não acredita em uma só palavra do que eu falo, não é? Mas não tem problema. Um dia, vou lhe mostrar que homem sincero, sensível e verdadeiro eu realmente sou. Ela tentou manter o rosto sério, mas não conseguiu. A piada era grande demais. — Tyler Garrison! Você é o maior mentiroso que já conheci na vida! E continuou rindo durante todo o percurso até a igreja onde aconteceria a cerimônia.

CAPÍTULO IV

O riso desapareceu dos lábios de Michele no momento em que Tyler estacionou a Ferrari em frente ao local da cerimônia. Foi como se a realidade do que estava acontecendo finalmente a tivesse atingido, deixando-a insegura e cheia de medos. Kevin, o seu Kevin, o homem que fora seu companheiro durante dez anos, ia se casar. Com outra mulher. Uma linda milionária, na verdade. Seria possível? Pressentindo alguma coisa, Tyler virou-se para ela, um pouco preocupado. — Michele? Você está se sentindo bem? Não. É claro que não estava. E duvidava que fosse estar um dia.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Estou. Não se preocupe comigo. A noiva estava atrasada, mas todos os convidados já tinham entrado na igreja e ocupado seus lugares. Michele aceitou o braço que Tyler lhe oferecia e juntos foram à procura de um banco vago onde pudessem acomodar-se. Não parecia haver muitos disponíveis. Finalmente, encontraram um lugar próximo ao altar. Michele teria preferido um banco mais afastado, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Agora que estava ali, prestes a testemunhar o pior acontecimento de sua vida, ela amaldiçoou o momento em que resolvera ir àquele casamento. Por que não ficara em casa? Agora, porém, já era muito tarde para aquele tipo de arrependimento. Uma música suave começou a tocar e o padre saiu da sacristia, seguido por Kevin e dois padrinhos. Michele olhou para o homem que havia amado durante todos aqueles anos e tentou vê-lo de modo objetivo, pelo menos uma vez na vida, sem ser iludida e enganada por velhos desejos e necessidades. Bem, até que ele era bonitão, ela precisava admitir. E tinha um corpo que não era de se jogar fora. Ao contrário. Seus braços eram fortes e musculosos. Quantas e quantas vezes eles estavam juntos no chuveiro, aí ele a segurava e... Pare com isso, ela ordenou a si mesma. Torturar-se desse jeito não vai levá-la a lugar nenhum. Talvez percebendo que alguém o observava, Kevin olhou em sua direção... e seus olhos se encontraram. Ele pareceu surpreso ao vê-la e mais surpreso ainda quando viu quem segurava lhe o braço. Mas então o órgão começou a tocar a Marcha Nupcial e Kevin voltou os olhos à nave central da igreja, onde a noiva envolta num sonho de rendas brancas e de pérolas parecia flutuar em sua direção. Imediatamente, sorriu para ela, um daqueles sorrisos que conseguiam fazer com que a alma de Michele se derretesse por completo. Só que ele nunca mais iria lhe sorrir daquele jeito. Nunca mais. Segurou o braço de Tyler com mais força. Será que iria aguentar o que estava para acontecer? Ouvir Kevin, o seu Kevin, prometer amor eterno à outra mulher? Oh, Deus... — Se você quiser, podemos ir embora — Tyler cochichou em seu ouvido. Ela bem que ficou tentada. Mas era impossível. Estava sentada num dos primeiros bancos da igreja e todo mundo iria reparar em sua fuga. — Não, obrigada. Vamos ficar. Estranhamente, as coisas melhoraram um pouco depois que a cerimônia começou. Era como se tudo aquilo não fosse com ela, como se estivesse apenas assistindo a um filme na televisão. Não piscou nem no momento em que Kevin beijou a noiva. Então, o casal deixou a igreja e foi receber os cumprimentos dos amigos lá fora. — Vamos indo? — sugeriu Tyler. — Vamos. Foi só no momento em que deu o primeiro passo, que Michele percebeu que suas pernas estavam bambas. Na verdade, pareciam ter se transformado em gelatina. O braço forte de Tyler em sua cintura acabou salvando a situação. — Muito obrigada — ela murmurou, sentindo que o mundo girava à sua volta. A sensação, no entanto, não era de todo desagradável. — Eu nunca vou me esquecer disso. Você é um amigo e tanto. Especial, mesmo. Ele limitou-se a sorrir e a conduziu para fora da igreja. Felizmente, os noivos estavam cercados por dezenas de convidados. Michele ainda não se sentia pronta para o tão temido

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE confronto. — Oi, Tyler. A voz feminina vinda lá de trás fez com que Michele se virasse e desse de cara com Cléo, a caçula da família Garrison, muito bonita e elegante num vestido cinza que devia ter custado uma verdadeira fortuna. Ambas já haviam se encontrado uma porção de vezes, na casa de Tyler, ao longo de todos aqueles anos. Estranhamente, Michele sempre tivera a impressão de que Cléo não gostava dela. O porquê daquilo, não fazia a mínima idéia. — Oi, querida irmãzinha — respondeu ele. — Estou surpreso em vê-la aqui. Não sabia que era assim tão amiga do velho Kevin. — Eu sou uma das convidadas da noiva — ela explicou, a voz um tanto fria. — Danni e eu fomos colegas de colégio. — A moça então virou se para Michele. — Oi, tudo bem? Engraçado, mas eu realmente jamais esperei encontrá-la aqui. Foi você quem a trouxe, Tyler? Michele não gostou de tal comentário. Nem Tyler, pelo estranho brilho que viu surgir em seus olhos. — Algum motivo pelo qual eu não devesse fazê-lo, Cléo? — Duvido que Danni fique satisfeita ao ver a ex de Kevin em seu próprio casamento. — Não seja ridícula. Michele foi convidada. Ela e Kevin terminaram tudo há meses. Foi tudo tão rápido, que Michele nem se deu conta do que tinha realmente acontecido. Num momento estava ali, conversando com Tyler e sua irmã. No momento seguinte, estava olhando para o ex-noivo, que fora se juntar ao trio. — Ora, ora, olhem só quem está aqui! Meus dois melhores amigos da faculdade! Que bom que vieram assistir ao meu enforcamento! — Ele caiu na risada e virou-se para Michele. — E eu aqui achando que você tinha me esquecido, garota travessa! Nem me mandou um cartãozinho confirmando sua presença! Eu não fazia idéia de que você viria com Tyler. Olhou-a de maneira apreciativa e falou: — Mas você está tão linda hoje, que acho que vou perdoá-la. Agora, quanto a você, Tyler, não pretendo ser assim tão generoso. Eu o convidei para minha festa de despedida de solteiro e você nem apareceu! Modéstia à parte, foi uma festança! Espero sinceramente que o motivo da sua ausência tenha valido a pena. Michele ficou surpresa com a súbita informação. Tyler não tinha lhe dito nada a respeito da despedida de solteiro do ex-noivo. — Pode apostar que valeu... — Tyler deu um sorriso. — Eu já tinha confirmado com Michele que ia levá-la para jantar e dançar num lugar bem badalado. Foi um programa e tanto, pode acreditar! Agora, quem pareceu surpresa de verdade foi Cléo Garrison. Virou-se para o irmão, claramente insatisfeita. — Então quer dizer que você e Michele estão mesmo namorando? — Estamos — foi a resposta rápida de Tyler. — Algum problema? Michele percebeu que a irmã de Tyler estava se controlando para não dizer nada que não devia na frente dos outros. — Não. Claro que não. É que eu fiquei surpresa, só isso. Você não tinha me dito nada a respeito. Ele deu um sorriso. — É que nosso namoro é um tanto recente. — Virou-se para Michele. — Não é mesmo, querida? Ela rezou para não ficar vermelha.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — É, sim. — Aliás, Kevin — continuou Tyler, dirigindo-se ao noivo. — Estou lhe devendo um sincero muito obrigado. Se você e Michele não tivessem terminado, eu não teria começado a namorá-la e jamais ficaria sabendo que mulher maravilhosa e fantástica ela realmente é. Veja só que engraçado. Todos esses anos de amizade e pensei que a conhecesse. Só que isso não era verdade. Ter uma amiga é uma coisa. Ter uma namorada é outra completamente diferente. E acho que ela pode dizer o mesmo a meu respeito. — Ele lhe deu um beijo no rosto. — Não é, meu amor? Michele sentiu um friozinho na barriga. Tyler Garrison, chamando-a de meu amor? A vida vinha lhe pregando cada peça! Mas o melhor de tudo era ver o ar apatetamento no rosto de Kevin. Era como se seu ex-noivo não estivesse acreditando no que via e ouvia. Ela o conhecia muito bem. E sabia que ele estava morrendo de ciúme. Talvez a vingança fosse realmente um prato que se comesse frio. Tyler parecia estar se divertindo com aquela história toda. — Meu amigo, parece-me que sua noiva está à sua procura. É melhor ir falar com ela. Agora você vai ter de andar na linha, já que acaba de se transformar num homem sério. Acabaram-se as orgias e as noites de bebedeira, não é? Assim que um atrapalhado Kevin se afastou, Michele percebeu que ainda havia outro problema para enfrentar: Cléo. Tyler, como sempre, tomou novamente o controle da situação: — Você viu, irmãzinha? Está tudo em ordem. Acho que se preocupou à toa, não é? A moça deu um sorriso amarelo. — Acho que não, Tyler. Ainda vejo problemas no horizonte. Bem, estou indo para a recepção. Até mais, pessoal. E, dizendo isso, se afastou. Michele levantou uma sobrancelha. — O que ela quis dizer com isso? — Nada, nada. Cléo só está agindo como uma típica irmã. Acha que sabe tudo, quando na verdade não enxerga um palmo diante do nariz. — Ela está achando que nós dois estamos namorando de verdade, não é? — Sem dúvida. — E quando pretende lhe contar que nós estamos fingindo? Tyler deu um sorriso maroto. — Vamos deixar para atravessar a ponte quando a alcançarmos, está bem? Michele deu um suspiro desanimado. — Essa é sua filosofia de vida, não é? Viver um dia de cada vez e deixar para lidar com os problemas quando eles aparecerem. Você não se preocupa com nada! — Eu não diria isso. Mas a preocupação não muda situação alguma. Apenas ações construtivas o fazem. Bem, como está se sentindo? Ela respirou fundo. — Um pouco melhor. — Ótimo. Está disposta a enfrentar a recepção? — Claro que sim. Logo que tiver tomado três ou quatro doses de uísque. — Beber não vai adiantar nada, Michele. — Eu sei. Mas ajuda a fazer com que os problemas pareçam menores. — Espero não ter de carregá-la para seu apartamento quando sairmos da festa... — Você concordou em me trazer aqui hoje. E foi idéia sua fingirmos que estamos namorando. Agora, trate de aguentar as consequências. — Hum... E que consequências seriam essas? Despi-la e colocá-la na cama? Devo confessar

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE que acho essa idéia muito interessante! Michele sabia que ele estava brincando. Não pôde, no entanto, deixar de ficar vermelha. E excitada também, se quisesse ser bem sincera consigo mesma. — Pare de falar bobagens e vamos sair logo daqui, Tyler. Ele tomou a mão dela nas suas. — Como quiser, madame. A senhora manda. Ela fez uma careta. — Você fala como se eu fosse uma megera. Ambos foram caminhando juntos até a Ferrari estacionada ali adiante. — Bem, eu não diria isso. Mas é que às vezes você tem atitudes de uma grande cabeça-dura, isso tem. Michele lançou-lhe um olhar furioso. — Por acaso está insinuando que não tenho nenhuma qualidade? — Ora, é claro que não, longe de mim querer dizer tal coisa! Você tem inúmeros pontos a seu favor. É inteligente, culta, capaz.... e tem um corpo sensacional. A conversa estava começando a se tornar perigosa. — Guarde seus elogios baratos para suas amiguinhas, Tyler. Eu não pretendo cair em sua conversa mole. Rindo, ele abriu a porta da Ferrari para que ela entrasse.

CAPÍTULO V

A recepção aconteceu numa magnífica mansão situada nos arredores da cidade, reformada há uma década para sediar as festas e os casamentos dos ricos e famosos. Uma imponente construção de pedra de dois andares cercada de terraços, tinha um enorme jardim e um estacionamento para duzentos carros. Tyler estacionou sua Ferrari vermelha entre um Mercedes prateado e um Volvo preto. Haviam sobrado poucas vagas, o que indicava que todos os convidados já haviam chegado. Momentos depois, eles subiram os degraus de mármore que levavam ao hall de entrada da linda mansão. Logo na sala da frente, havia uma exposição dos presentes recebidos pelos noivos. Tapetes persas, baixelas de prata, cristais e objetos de arte de valor inestimável enchiam os olhos dos que por ali passavam. Havia até um quadro a óleo retratando a noiva, assinado por um famoso artista plástico de Sidnei. Foi aí então que Michele engoliu em seco. Ela não havia mandado nenhum presente ao feliz casal, nem ao menos um cartão ou telegrama. — Não se preocupe — tranquilizou-a Tyler. — Eu pedi a minha secretária que mandasse um presente bem caro aos noivos. Uma bandeja de prata de lei que custou uma fortuna. Por isso, não há a mínima necessidade de sentir-se culpada. Ela parou de andar de súbito. — Hei! Como foi que você adivinhou o que eu estava pensando? Ele deu um sorriso. — Eu sempre sei o que passa por sua cabeça. Acho que você é a pessoa mais transparente que

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE eu conheço. Sinceramente, Michele, se você pretende continuar sua carreira em publicidade, sugiro que desenvolva a habilidade de disfarçar seus sentimentos um pouco mais. — Você está dizendo que eu deveria aprender a mentir? — Não. Mas um pouco de dissimulação não faz mal a ninguém. A vida pode ser muito cruel com pessoas honestas demais, que se entregam aos outros de alma e coração. O recado era bastante evidente. — Como eu me entreguei a Kevin, não é? — Exatamente. E devo confessar que estou preocupado. Um dia ele poderá aparecer de novo à sua porta. E aí, o que vai acontecer? Ela fez uma careta. — Ele que não se atreva a fazer uma coisa dessas! — Mas, e se ele lhe disser que está louco de saudade, que sua mulher não o compreende, que está infeliz até dizer chega, que é você quem realmente ama, qual seria sua reação? Michele voltou a engolir em seco. — Eu... eu... eu... Ele sorriu. — Ah, uma mulher decidida. Foi exatamente o que eu pensei. A ironia das palavras de Tyler a deixou louca da vida. — E muito fácil julgar os outros quando nunca se amou na vida. Você sabe o que é amar alguém como eu amei Kevin? — Eu posso fazer uma idéia. — Não. Você não pode fazer idéia nenhuma. Mas agora que já tive tempo para pensar, posso responder sua pergunta com toda a tranquilidade. Não. Eu não aceitaria Kevin de volta, nem que ele aparecesse à minha frente pintado de ouro. Chega de bancar a idiota. Ele já me fez de boba por muito tempo! Por dez longos anos, para ser mais exata! — Meus parabéns, Michele. Era exatamente isso que eu queria ouvir. Então, sem que ela esperasse, ele tocou seus lábios com muita suavidade. O coração de Michele disparou e sua mente foi tomada por uma porção de sentimentos confusos e desencontrados. De repente, era como se ela quisesse ser beijada de novo, mas não tão suavemente dessa vez. Sentiu vontade de sentir os lábios dele colados aos seus com paixão, não com pena. Desejou sentir aquele corpo musculoso contra o seu, fazendo com que toda a dor fosse embora, mostrando-lhe que ela não era um fracasso como mulher, que era bonita e sensual e que ele a desejava, mesmo que só por aquele momento. Deus do Céu, ela devia estar ficando louca! Quando Tyler de súbito enlaçou-lhe a cintura e a puxou para junto de si, Michele ficou tão surpresa que permaneceu ali, imóvel, olhando para ele com cara de apalermada. Será que ele lera sua mente? Será que... iria beijá-la? Então sua outra mão afastou-lhe os cabelos e tocou-lhe a nuca, deixando claro as suas intenções. Sim! Ele ia beijá-la! Mas o que estava acontecendo? — Kevin e a noiva acabaram de entrar no salão — ele sussurrou, abaixando a cabeça. — Você não acha que esse é um excelente jeito de convencê-los de que realmente estamos juntos, querida? Michele ficou tão desapontada, que sentiu vontade de chorar. Como havia sido ingênua! Devia ter desconfiado que tudo aquilo fazia parte do plano. Mas então os lábios de Tyler voltaram a tocar os dela e todos os pensamentos coerentes desapareceram de sua mente. Era como se só existisse aquele homem no mundo, um homem que mergulhava dentro dela como se tivesse passado um ano no deserto e acabado de encontrar um lago de águas plácidas e cristalinas.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Michele teria soltado um gemido... se tivesse conseguido. Mas era algo impossível, já que a língua de Tyler preenchia totalmente sua boca. Tentou dizer a si mesma que tudo aquilo não passava de puro fingimento, mas então o desejo que invadia lhe o ser acabou falando mais alto e ela se entregou a ele de corpo e alma. O que importava que os botões de seu terno estivessem pressionando seu ventre, ou que a fivela de seu cinto... Chocada e surpresa, ela percebeu que não era exatamente uma fivela que sentia contra o próprio corpo. Era outra coisa. Oh, Deus! De repente, teve consciência de que Tyler devia estar tão excitado quanto ela! — Está vendo, querido? — soou a voz da noiva, ali ao lado. — Você estava preocupado à toa com Michele. Pelo visto, ela não está nem um pouco abalada com o nosso casamento! Só foi aí então que ambos se afastaram e Michele pôde ver que Kevin a observava como se tivesse visto um fantasma. — Acho que você está coberta de razão, Danni — disse Tyler, com rosto sério. — Michele não está nem um pouco triste com o que aconteceu. Ela já esqueceu Kevin. Ou então, é a melhor atriz do mundo! — Michele nunca soube fingir na vida — observou Kevin. — Ela é transparente como água. Tyler abriu-se num largo sorriso. — Fico contente em saber disso. — Venha, Danni. — O noivo parecia muito nervoso. — Os fotógrafos estão nos chamando. — Virou-se para Tyler e Michele e lançou-lhes um sorriso amarelo. — Até mais tarde, pombinhos! Tyler olhou para ela. — Kevin tem razão? Michele mal conseguia encará-lo. — S... sobre o quê? — Sobre o fato de você não saber fingir. O que será que ele queria que ela respondesse? Seu desejo era que o chão se abrisse e a engolisse. — Ora, Tyler, pare com isso. Foi você quem veio com esta história de beijo, não foi? Não tenho culpa se você é um sexo-maníaco que fica excitado à toa! Ele deu um sorriso irônico. — Eu não diria que fico excitado à toa. Você beija magnificamente bem. Se isso foi uma amostra de suas habilidades, agora entendo perfeitamente por que o velho amigo Kevin ficou a seu lado durante todo esse tempo. Michele levou as duas mãos à cintura. — Mas então, se eu sou assim tão boa de cama, por que ele me abandonou e se casou com outra mulher? — Eu não consigo acreditar no que estou ouvindo. Será possível que ainda não descobriu a resposta? — Não, Sr. Sabe-Tudo. Não descobri coisa nenhuma! — Ora, Michele, o negócio é muito simples. Ele nunca conseguiu competir! Ela piscou os olhos, muito confusa. — Competir com quem? — Com você, ora essa! — Comigo? — Claro que sim. Pelo amor de Deus, será que nunca percebeu que é infinitamente superior a

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Kevin em todos os sentidos? Você é muito melhor do que ele como profissional, como ser humano... — Tyler tomou a mão de Michele entre as suas. — Bem, vamos indo. Estou louco de vontade de beber alguma coisa. Ela também estava. Um uísque duplo sem gelo, de preferência. A festa acontecia num imenso salão iluminado com candelabros de cristal Bacará, onde centenas de convidados circulavam com taças de champanhe nas mãos. Michele nunca tinha visto tanta gente chique e sofisticada junta na vida. Amigos de Danni Baker, é claro. Kevin não conhecia ninguém, além de seus colegas de faculdade e de trabalho. Garçons uniformizados serviam os melhores uísques e vinhos do mundo, além de canapés de caviar belga e de salmão. Após algumas taças de vinho branco, Michele pediu licença a Tyler e foi ao toalete. Ao retornar, minutos depois, encontrou-o no mesmo lugar onde o deixara. No entanto, ele não estava sozinho. Sua irmã Cléo encontrava-se a seu lado. Que ambos trocavam palavras pouco amistosas era algo um tanto óbvio, ao julgar pela expressão de seus rostos. Ao perceber que ela vinha se aproximando, a moça virou as costas e se afastou rapidamente. Michele fez uma careta. — Vocês estavam brigando por minha causa, não estavam? Ele ainda tentou disfarçar. — Olhe, Michele, é que... — Não precisa se justificar — ela o interrompeu. — Eu sei que sua irmã não ficou nem um pouco satisfeita quando você lhe contou que estávamos namorando. Ele passou a mão pelos cabelos. — É, mais ou menos isso. — Ela nunca gostou de mim. E eu não faço idéia do motivo. Por que você não lhe conta a verdade? Que não estamos namorando coisa nenhuma e que só estamos fingindo para que eu possa me vingar de Kevin? Ela também é mulher e vai me entender perfeitamente. — De jeito nenhum. Não tenho a mínima intenção de dar satisfações de meus atos a Cléo. O que eu faço ou deixo de fazer não é da conta dela! — Mas Tyler, ela é sua irmã e adora você. Até eu, que não tenho a mínima experiência no assunto, consigo enxergar isso! Aquilo pareceu pegar Tyler de surpresa. Ele franziu a testa, visivelmente confuso. — Como assim, você não tem experiência no assunto? Pensei que se desse bem com sua família. Michele deu um suspiro. Tinha dois irmãos que ainda moravam em sua casa, com o pai viúvo. Eram os típicos Três Mosqueteiros vivendo o dia-a-dia da vida, saindo juntos para tomar cerveja e conhecer garotas novas. Ela achava que seus pais só tinham se casado porque sua mãe estava grávida de Willian, seu irmão mais velho, hoje com quase quarenta anos. Michele nunca havia visto seu pai lhe dirigir uma só palavra de carinho, tampouco um gesto de amor. No momento em que sua mãe morrera, seu pai agira como se ela nunca tivesse existido, voltando ao estilo de vida dos tempos de solteiro. Não que o tivesse deixado algum dia. Ele era um homem egoísta, de difícil convivência. E Willian e Robert eram igualzinhos. Michele deu de ombros. Não tinha a mínima vontade de falar sobre a família naquele momento. — Vamos dizer que meu pai e meus irmãos nunca tenham feito muita questão de minha presença em suas vidas.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Mas... por quê? — É uma longa história. Eu lhe conto outra hora, está bem? — Vou fazer questão de ouvir. Ele falou aquilo com tanta firmeza, que Michele chegou a se assustar. Um susto agradável, na verdade. Kevin nunca quisera ouvir uma só palavra a respeito de sua família. Pois mães e irmãos não lhe diziam nada. Mas diziam, e muito, a Michele. O problema era que seus sentimentos a esse respeito não eram recíprocos. Talvez fosse aquela uma das razões pelas quais se ligara a Kevin durante tanto tempo. Ele tinha sido uma espécie de substituto para sua própria família, que jamais havia lhe dado a mínima atenção. — Você é uma mulher muito complexa — ele observou, com ar pensativo. Michele deu um sorriso. — Completamente diferente de você, não é? — Negativo. Sou muito mais complexo do que pode imaginar. Mas isso também é uma longa história. — Uma história que gostaria muito de ouvir. — E vai ouvir, sem dúvida nenhuma. Mas agora, acho que deveríamos procurar nossos lugares. Se não me engano, o banquete já vai começar. Michele mal conseguiu acreditar em sua falta de sorte ao perceber que os lugares dos convidados já estavam estabelecidos e que Tyler e ela deveriam ocupar a mesma mesa de Cléo Garrison e seu acompanhante. As horas que se seguiram foram muito difíceis, Michele tendo de fazer força para engolir a comida sem sentir o mínimo apetite, ouvindo intermináveis discursos e brindando à felicidade do casal de pombinhos. Só houve um jeito de suportar tamanha agonia: esvaziando taças e mais taças do caríssimo vinho branco servido, um Chardonnay que mais parecia um néctar dos deuses. Pelo menos assim ela podia fingir que estava feliz e que pouco estava ligando para o fato de que seu ex-noivo, o homem que ficara a seu lado durante dez anos, a descartara como se ela fosse uma roupa velha e se casara com outra mulher. Danni Baker, uma milionária estonteante, para dar nome aos bois. Michele passou o tempo todo grudada ao Tyler, sussurrando o que pareciam ser palavras de amor em seu ouvido. Quem os visse, os julgaria apaixonados e jamais alguém poderia imaginar que, na verdade, ela lhe fazia os comentários mais maldosos do mundo a respeito de tudo e de todos que circulavam por ali. Nada escapou. Nem a decoração, tampouco os vestidos de quase todas as convidadas. Na hora em que a sobremesa foi servida, ela estava completamente tonta, incapaz de aproveitar os deliciosos doces colocados em seu prato. Felizmente, Tyler estava bem sóbrio e o sorvete de creme com calda de framboesa juntamente com a deliciosa mousse de morango foram devidamente devoradas. Michele observou-o raspar seu próprio prato. — Sinto inveja de você, Tyler. Come feito um louco e não engorda um grama sequer. Além disso, pode se dar ao luxo de ter a pessoa que quiser... Ele colocou a colher de prata em cima do prato e olhou bem dentro dos olhos de Michele. — É mesmo? Será que eu poderia tê-la, se quisesse? Se Michele não estivesse tão bêbada, ela teria rido. Ou chorado. Em vez disso, deu um sorriso

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE malicioso e levantando a mão, tocou-lhe o rosto. — É provável. Tyler limitou-se a encará-la, então tomou a mão dela e colocou-a em seu próprio colo. — Você bebeu demais, Michele. Por isso, não vou levar suas palavras em conta. Agora, se me dá licença, vou ao banheiro. Sugiro que tome uma xícara de café bem forte enquanto isso, já que a orquestra vai começar a tocar e eu gosto muito dos meus pés. Dizendo isso, ele se levantou e atravessou a sala. Michele aproveitou a oportunidade e tomou duas xícaras de café. Tinha de ficar sóbria e parar de bancar a idiota mais do que já o havia feito. Foi um alívio quando a música começou e Cléo e seu acompanhante foram para a pista de dança, deixando-a a sós com sua própria infelicidade. A súbita aparição de Kevin a seu lado foi um choque tão grande, que ele quase derrubou café no vestido. — Eu não tenho muito tempo — ele foi logo dizendo. — Por isso, vou ser bem rápido. Eu sei que magoei você não lhe contando a respeito do meu casamento naquele dia em que saímos para almoçar juntos e realmente gostaria de lhe pedir perdão. Eu... simplesmente não consegui abrir a boca. Foi falta de coragem mesmo. Ele lançou-lhe um olhar cheio de tristeza, como se estivesse implorando por um pequeno gesto de carinho, um sorriso talvez. Como este não veio, o noivo deu um suspiro e continuou: — Não fui eu quem lhe mandei o convite. Foi Danni. Ela queria ter certeza de que nosso relacionamento tinha mesmo chegado ao fim. Dos dois lados. Mas, para ser bem honesto com você, devo dizer que fiquei aliviado quando você não confirmou sua presença. Eu sabia que ainda não tinha superado o rompimento. Foi por isso que fiquei tão chocado quando a vi na igreja, ao lado de Tyler. E é por isso que vim até aqui falar com você. O rosto dele estava sério e preocupado. Sua voz baixa parecia carregada de sinceridade. — Estou preocupado até dizer chega, Michele. Esse seu namoro com Tyler não vai dar em nada. Ele vai se cansar de você e trocá-la por outra antes que possa se dar conta do que está acontecendo. Eu pensei sinceramente que você tivesse mais juízo. Olhe, posso entender que ele é ótimo na cama, mas por favor, não comece a alimentar ilusões. E, pelo amor de Deus, não se apaixone de jeito nenhum! Homens como Tyler, não se casam com garotas como você. Quando, e se eles se casam, o fazem com mulheres lindas e famosas, de preferência com corpos esculturais e milhões de dólares na conta bancária. Por tudo isso, minha querida Michele, eu... — Não precisa dizer mais nada — ela o interrompeu. — Não sou mais a imbecil que costumava ser. Sei muito bem que tipo de homem é Tyler. E sei também que tipo de homem é você. Agora, trate de voltar para sua querida mulherzinha milionária e me deixe em paz. Eu nunca mais vou querer vê-lo na frente, enquanto viver! O noivo apertou os olhos. — Sua raiva a está denunciando, minha querida. Eu bem que devia ter desconfiado! Você só está indo para a cama com Tyler porque quer me provocar! Foi por isso que veio até aqui hoje. Por pura provocação! Ela abriu a boca para negar tudo, mas nenhum som saiu de sua garganta. — Boa sorte — murmurou ele, antes de se afastar. — Acredite em mim, garota. Você vai precisar muito dela! Uma pálida Michele continuou ali, sentada feito uma tola, observando o ex-noivo voltar para sua mesa, onde deu um longo e apaixonado beijo naquela que agora era sua mulher. — O que aconteceu? Ela levantou a cabeça e viu Tyler de pé, a seu lado.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Nada. — Nesse caso, esse "nada" a deixou profundamente abalada. Venha, vamos dar o fora daqui. Vou levá-la para casa. Ela não protestou quando ele a ajudou a se levantar, nem quando a conduziu para fora do salão sem se despedir de ninguém. — Eu o odeio! — As lágrimas escorriam livremente por seu rosto agora. — Ele nunca valeu nada! — Eu sempre soube disso. — Tyler abriu a porta da Ferrari. — Vamos, entre. Há uma caixa de lenços de papel no porta-luva. Eu as comprei especialmente para esse momento, que eu sabia que viria, mais cedo ou mais tarde. Michele praticamente jogou-se dentro do carro e abriu o porta - luvas. Momentos depois, quando Tyler ocupou seu lugar, o rosto dela estava enterrado numa montanha de papel. — Eu... não... mereço um a... amigo como você... — Talvez não mereça mesmo. Mas, de qualquer maneira, você me tem. Agora, aperte seu cinto. Michele assoou o nariz e olhou para ele. — Você está sóbrio para dirigir? — Claro que sim. — Ele deu a partida no carro. — Não bebi nada, além de refrigerantes e água. Você não deixou nem um gole de vinho para os outros convidados. Secou a adega toda. Deve ter dado um prejuízo e tanto ao pai da noiva! — Hei! Eu não estou tão bêbada assim! — Minha querida Michele, você está completamente embriagada. Se eu quisesse levá-la para a cama agora, o faria sem a mínima dificuldade. Ele estava coberto de razão, como sempre. Claro. Haveria uma só mulher no mundo capaz de resistir aos encantos de Tyler Garrison? Era evidente que não. Nem ela própria. De repente, a idéia começou a ganhar corpo em sua mente. E, quando se deu conta, já estava falando: — Acontece que eu quero que você me leve para a cama, Tyler. Aliás, não vejo a hora que isso aconteça!

CAPÍTULO VI

Michele arrependeu-se de ter aberto a boca no momento em que as palavras saíram de sua garganta. Havia pedido a um homem que não lhe dava a mínima que fizesse amor com ela. Como podia se diminuir tanto assim? Era tudo culpa de Lucille, que ficava colocando minhocas em sua cabeça! Não. Sua melhor amiga não tinha nada com a história. O culpado de tudo era o próprio Tyler, por ser o homem mais bonito e irresistível que já conhecera na vida. E é claro que ela estava bêbada. Não havia dúvidas quanto a isso. Para que negar o óbvio? Finalmente, resolveu olhar para o amigo milionário, que a encarava como se ela fosse um ser do outro mundo, tamanha a sua surpresa. — Eu... sinto muito — ela murmurou. — Não tive a mínima intenção de chocá-lo, ou de

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE encará-lo. Você tem razão. Devo estar muito bêbada, tanto que nem sei o que estou falando. Ele balançou a cabeça. — Que pena. Se você estivesse no seu juízo perfeito, eu... eu... Michele franziu a testa. — Você o quê? — Nada, nada. Vamos conversar sobre isso mais tarde, está bem? Assim que você estiver um pouco mais sóbria. — Mais tarde? Isso quer dizer que você pretende subir ao meu apartamento? — Claro. E por que não? Ainda é muito cedo. São só dez horas. A noite é uma criança, você não acha? Michele não estava em condições de achar nada. — Além disso — continuou ele, com um sorriso nos lábios —, apesar desta sua súbita explosão de hormônios, duvido que vá arrancar minhas roupas e me estuprar. Até que a idéia não era tão má assim. Deus do Céu, ela devia estar mais bêbada do que tinha imaginado a princípio! — Eu... nunca fiz uma coisa como essa em toda minha vida. Bem, sempre havia uma primeira vez para tudo. Michele levou as duas mãos às têmporas. Aquela história ainda ia acabar muito mal. Resmungou baixinho, em seguida fez uma careta. Tyler olhou para ela, um pouco preocupado. — Michele? Está se sentindo bem? Ela continuou a massagear as têmporas. — Claro. Estou ótima. A mentira soou falsa até para seus próprios ouvidos. Não. Ela não estava ótima. Estava péssima. Tonta, enjoada... e confusa até dizer chega. Conhecia Tyler Garrison há dez longos anos. Durante esse tempo todo, ele havia feito parte de suas fantasias. Das fantasias, apenas. Porque era um homem inatingível, que não pertencia ao seu mundo. Só que ele a beijara com uma intensidade que chegara a assustar. E estava prestes a subir em seu apartamento e ajudá-la a se deitar. Ela fechou os olhos, sentindo que tudo girava à sua volta. Que Deus a ajudasse. Quando abriu os olhos novamente, percebeu que a Ferrari já tinha entrado na garagem e dirigia-se para a vaga dos visitantes. Mas como o percurso fora curto! Por que não haviam pegado um pouco mais de tráfico? Ela ainda não se sentia pronta para ficar a sós com Tyler em sua casa. Talvez não se sentisse nunca. Assim que abriu a porta de seu apartamento, tratou de inventar logo uma desculpa para esquivar-se dele. — Hã... Você se importaria se eu fosse tomar um banho? Talvez a água fria possa ajudar a pôr um fim nesse meu... estado, você entende. — Por favor, fique à vontade. E você, será que se importaria se eu fosse até a cozinha preparar um café? Não cheguei a tomar nenhuma xícara na recepção. — Claro que não. Fique à vontade. Acho que também vou precisar de mais um pouco de café. E, na sequência, tratou de entrar no banheiro rapidamente, antes de dizer mais alguma inconveniência. Tinha acabado de tirar o vestido quando percebeu que cometera um erro. Na pressa de se livrar de Tyler, nem se lembrara de levar uma muda de roupa consigo. Não havia suíte em seu apartamento e o banheiro dava diretamente para a sala, onde seu amigo milionário estaria sentado, à sua espera. E agora? Ela não tinha a mínima intenção de aparecer na frente dele enrolada numa

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE toalha. Olhou em volta, na esperança de encontrar alguma coisa que pudesse salvá-la. Respirou aliviada ao ver um enorme roupão pendurado na porta. O roupão de Kevin, na verdade. Michele o lavara e o colocara ali, porque havia esperado que seu dono voltasse um dia. Será que existia uma mulher tão imbecil no mundo quanto ela? Duvidava um pouco. Bem, de qualquer modo, tal peça inútil ao menos iria servir para alguma coisa. Grosso, enorme e desprovido de qualquer sensualidade, era o traje ideal para enfrentar Tyler Garrison mais uma vez. Sentindo-se um pouco mais tranquila, entrou no box do chuveiro, abriu as duas torneiras e deixou que a água morna lavasse seu rosto e levasse embora todos os traços da cara maquiagem, juntamente com o lindo penteado que o cabeleireiro havia feito em seus cabelos. Vinte minutos depois, o espelho lhe mostrava uma imagem muito reconfortante. Ali estava uma garota pela qual apenas um homem comum e mediano poderia se interessar! Um notório playboy como Tyler, acostumado às mulheres mais interessantes que Deus colocara sobre a Terra, jamais iria lhe dirigir um segundo olhar. Apanhou uma toalha, secou ligeiramente os cabelos e abriu a porta do banheiro. Tyler assistia televisão sentado no sofá, uma xícara de café certamente muito doce em suas mãos. Olhou para ela e deu um sorriso. — Está melhor? — Estou, obrigada. Mas que droga... Ele parecia calmo e relaxado, completamente indiferente ao fato de ela estar nua por baixo do roupão. — Alguma coisa de interessante na televisão? — Não sei. Na verdade, nem estava prestando atenção. É que me distraí. Estava pensando... — Pensando no quê? — Em levá-la para a cama. Você ainda me quer? Michele sentiu que o ar lhe faltava e especulou se estava tendo um infarto. Permaneceu ali, parada, o queixo caído, esperando a hora de se esborrachar no chão. Ele fez um meneio com a cabeça. — Bem, estou vendo pela expressão de seu rosto que já está bem sóbria e que não precisa mais dos meus serviços, na cama e fora dela. Ato contínuo, colocou a xícara de café em cima da mesinha e se levantou. Michele permaneceu onde estava, sem ainda conseguir respirar. Tentou falar alguma coisa, mas nenhum som saiu de sua garganta. — Talvez tenha sido melhor assim — continuou ele. — Se você tivesse tido uma reação um pouco mais positiva, acho que não teria conseguido resistir. Bem, já vou indo. Você está tão deliciosa e tentadora com esse robe que, se eu ficar aqui por mais dois minutos, não vou conseguir responder por meus atos. Boa noite, Michele. Posso ligar daqui alguns dias para combinar um almoço? Ou um jantar, quem sabe. Olhe, acho que nem vou lhe dar um beijo de despedida. É que você está tão irresistível, que o bom senso manda que eu me mantenha bem afastado. Você compreende, não é? O que ela compreendia, era que Tyler se dirigia agora para a porta, um estudo de elegância e de perfeição masculina em cima de duas pernas. Sim. Tyler estava deixando seu apartamento. E ela ia permitir que um absurdo daqueles acontecesse! Dentro de mais um ou dois segundos, o homem mais maravilhoso que conhecera na vida iria ter sumido de sua frente! O que ele dissera? Que ela era deliciosa, tentadora e irresistível.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Ao contrário de Kevin. Seu ex odiava vê-la de cabelos molhados. Dizia que ficava parecendo um gato afogado. — Espere! Tyler tinha a mão encostada na maçaneta quando ouviu o chamado de Michele. Lentamente, virou-se para ela. — Sim? — Eu... eu... — Até o ato de falar lhe era difícil. — Eu... não quero que você vá embora. O rosto dele mostrou surpresa e confusão. — Eu posso saber o que você está querendo dizer com isso? — O que eu estou querendo dizer é que... é que... — Vamos, Michele, estou esperando. — Eu... quero que você fique aqui comigo, Tyler. — A noite inteira? Bem, ela não tinha imaginado tanto tempo assim. Mas já que a sugestão havia sido feita, não havia motivo para não aceitá-la. — Sim. A noite toda. Ele apertou os olhos. — Você não está querendo que eu durma aqui no sofá, está? — N... não. — Você ainda está bêbada? — Não! — Então, por quê? — Por que o quê? Tyler voltou a sentar-se no sofá. — Minha cara Michele, nós nos conhecemos há dez anos. Durante esse tempo todo, você nunca me deu a mínima. Posso saber a troco de que mudou de idéia? Ela engoliu em seco. — Eu... eu... — Vamos, quero que me dê três boas razões pelas quais pretende ir para a cama comigo. Mas faço questão de deixar uma coisa bem clara. Se o negócio tiver algo a ver com o casamento de Kevin hoje à tarde, saio voando daqui antes que se dê conta do que está acontecendo! Michele ainda tentou protestar: — Hei! Mas isso não é justo! E difícil explicar como estou me sentindo agora, depois de tudo que aconteceu no dia de hoje! — Tente, pelo menos. Estou esperando. Ela jogou-se numa poltrona. — Olhe, Tyler... gostaria que você me entendesse... estou tão surpresa e confusa quanto você. A única coisa da qual tenho certeza é de que, desde que me beijou naquela recepção, venho tendo pensamentos pecaminosos a seu respeito. Estou morrendo de vontade de que me beije novamente. E, além disso, quero ver se... se... Ela parou de falar, seu rosto de súbito adquirindo um brilhante tom avermelhado. — Se o quê? Vamos, continue. Quero que você me diga toda a verdade. Mande a timidez e a vergonha para o inferno, está bem? — Tudo bem. Você venceu. Eu... eu... quero ver se você é tão maravilhoso na cama como em todas as outras coisas que faz na vida. Michele o assustou com suas palavras. Aquilo era mais que evidente. Tyler arregalou os olhos e, pela primeira vez na vida, ficou completamente mudo.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Ela então tratou de tirar vantagem daquela situação a fim de satisfazer sua própria curiosidade. — E você, Tyler? Posso saber por que quer dormir comigo? Você nunca me achou atraente, muito menos irresistível. Agora é a minha vez. Vamos, me dê três razões pela qual está com vontade de me levar para a cama. E vou alertá-lo do seguinte: se tiver alguma coisa a ver com o casamento de Kevin, você vai sair daqui voando antes que se dê conta do que está acontecendo, porque eu mesma terei o máximo prazer em colocá-lo para fora! Ele riu, mostrando que já tinha se recuperado de seu estado de choque. De qualquer modo, quando abriu a boca, sua voz saiu um pouco amarga: — O que você está esperando de mim, Michele? Uma declaração de amor? — Ora, não seja ridículo. Eu só quero a verdade. Por acaso acha que sou tão imbecil assim a ponto de acreditar numa asneira dessas? — Eu sei que não acreditaria. — Ótimo. — Ela fez uma pausa. — Bem, será que o gato comeu sua língua? Ou será que não consegue pensar em nenhuma razão convincente? Olhe aqui, Tyler, se você estiver querendo me levar para a cama como uma espécie de ato de caridade, só porque está morrendo de pena de mim, eu... eu... Ele caiu na risada. — Não, minha querida. Não estou com pena de você, acredite em mim. — Então abra a boca e desembuche logo. — Tudo bem, tudo bem. Eu quero dormir com você porque venho sonhando com isso há algum tempo. Muito tempo, na verdade. — Ele se levantou e aproximou-se dela. — Já perdi a conta das vezes em que sonhei que estava te despindo, que estava beijando seu corpo todo... E agora, gostaria que tudo isso se transformasse em realidade. Quem pareceu entrar em estado de choque foi a própria Michele. Mas que história maluca era aquela? Tyler, sonhando em levá-la para a cama há muito tempo? Não podia ser... Mas então ele a tomou nos braços e qualquer pensamento coerente sumiu de sua mente como poeira ao vento.

CAPÍTULO VII

O quarto de Michele era espaçoso, apesar da enorme cama de casal que dominava o ambiente. A cabeceira dourada era uma aquisição nova, uma surpresa que havia pretendido fazer a Kevin quando ele voltasse para casa. Bem, seu ex-noivo não iria ficar nem um pouco surpreso, porque não ia voltar nunca mais. Quem iria se surpreender era o próprio Tyler, com a notícia que estava prestes a lhe dar. Ela estava apavorada. Tão apavorada, que talvez fosse melhor desistir de toda aquela loucura e esquecer que um dia aquilo tivesse acontecido. Tyler a deitara na cama agora e sentava-se ao seu lado. O momento apropriado para acabar com aquela farsa de uma vez por todas.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Eu... eu... acho que ainda estou um pouco bêbada. Quero dizer, talvez seja melhor deixarmos isso para outro dia e... Ele, porém, não parecia nem um pouco inclinado em ouvir sua sugestão. — Tarde demais, minha querida. Tarde demais. Então o inevitável estava mesmo prestes a acontecer. Ia fazer amor com Tyler Garrison. Seria possível? Ele abriu seu robe de maneira delicada e beijou- lhe os lábios com tanto carinho, que ela sentiu um nó na garganta. — Você não sabe o quanto eu sonhei com esse momento, Michele. Meu Deus, como seu corpo é lindo! Naquele momento, todos os seus medos e inseguranças desapareceram. Não importava o que fosse acontecer no futuro, desde que ele continuasse a beijá-la e a tratá-la com tanto carinho. Tyler estava fazendo com que ela se sentisse bonita, especial e desejada. Era tudo que ela precisava aquela noite. Um lindo sorriso iluminou seu rosto, mostrando que havia se entregado totalmente ao momento presente. — Que bom — ele murmurou em seu ouvido. — Você está mais relaxada... Os beijos continuaram. Na testa, nas pálpebras, no nariz, no queixo e novamente na boca. A intensidade, porém, mudou por completo. Em lugar do carinho, veio o ardor. Em vez da suavidade, a paixão. Tyler fazia coisas tão incríveis em sua boca, que ela sentiu que estava prestes a pegar fogo. Exatamente como ele. Ela sentiu então que seus lábios desciam, tocando-lhe o pescoço, os ombros e os seios. O quarto começou a girar à sua volta. Nunca havia sentido tanto prazer na vida. Nem tamanha excitação. Era uma sensação diferente, não à vontade de agradar, mas sim de ser agradada. Os lábios de Tyler passeavam com leveza por seu corpo, explorando a pele macia, explorou seu ventre e naquele momento pareciam prestes a... — Não! — ela exclamou tentando se esquivar dele, ao tomar consciência do que ia acontecer. Ele olhou para ela, surpreso e confuso. — O que foi, Michele? Você não gosta disso? Se ela gostava? Como poderia saber, se nunca tinha experimentado? Ficou vermelha como um pimentão. — Eu... eu... não sei. Kevin não... Ele não gostava... Tal declaração não correspondia exatamente à verdade. Não era que seu ex-noivo não gostava de sexo oral. Ele simplesmente detestava. Então Michele resolvera esquecer o assunto. Ela só havia vivido a experiência em suas mais loucas fantasias. Mas sonho era sonho e realidade era realidade. Não dava para misturar as coisas. — Bem, eu não sou Kevin — comentou Tyler, com um sorriso nos lábios. — E acontece que adoro fazer isso. Pensei que você também gostasse... Não quer ao menos tentar? Se não gostar, eu juro que paro na hora. Combinado? Michele sentiu um friozinho na barriga. Seria possível que tudo aquilo estivesse mesmo acontecendo? Primeiro, o casamento de Kevin com alguém que, obviamente, não era ela. Depois, a tempestuosa decisão de ir para a cama com Tyler. E agora... — C... combinado. — Ótimo. Ele abaixou a cabeça e continuou a fazer o que tinha começado. Nem que vivesse por mais mil anos, Michele teria condições de descrever o que se seguiu. Como captar com palavras a variedade e a complexidade das sensações sentidas? Será que o

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE negócio era puramente físico ou haveria alguma espécie de necessidade emocional dentro dela que precisava ser satisfeita aquela noite? Impossível de saber ao certo. Só tinha certeza de uma coisa. Tyler havia lhe despertado um lado que nem sabia que existia. Sob suas carícias ousadas e provocantes, ela se tornara uma nova Michele, uma fêmea no cio, pronta para viver as mais loucas aventuras. Gemeu, gritou, soltou-se de uma maneira como nunca tinha feito na vida. O orgasmo delirante não a satisfez. Ao contrário. Deixou-a ainda mais acesa, mais ansiosa pelo amor de Tyler. Ele se afastou dela, despiu-se rapidamente e tirou um preservativo do bolso. Michele mal podia esperar pela penetração, sabendo que aí e só aí se sentiria satisfeita de verdade, a carne dele preenchendo a sua, fazendo-a sentir-se inteira de novo. Então, corpos, corações e almas unidas, Tyler e Michele iniciaram sua viagem rumo ao paraíso. — Vamos, acorde, Bela Adormecida... Michele cobriu a cabeça com o lençol, recusando-se a atender ao chamado. Não queria acordar de jeito nenhum. Aquela cama estava tão gostosa... — Me deixe em paz, Tyler — ela murmurou, no exato instante que uma campainha soava em sua mente, dissipando a névoa que parecia envolver seu cérebro. Tyler? A realidade então a atingiu em cheio, cenas da noite anterior passando-lhe diante dos olhos com uma nitidez impressionante. Tinha feito amor com Tyler Garrison. Havia se entregado a ele como um animal no cio. Fizera coisas que jamais pensara em fazer com quem quer que fosse. Oh, Deus! — Já é quase meio-dia — continuou ele, sua voz soando muito próxima ao ouvido dela. — Temos um dia glorioso pela frente! Michele desejou que a Terra se abrisse e pudesse engoli-la para todo o sempre. Fechou os olhos com força e rezou por salvação. Mas aquilo não era cinema e a Sétima Cavalaria não ia chegar no último minuto a fim de resgatá-la. Tinha de enfrentar a situação, por mais difícil que ela fosse. Lentamente, descobriu a cabeça e abriu um olho. Conforme previa, Tyler estava ali, a seu lado, encarando-a com um sorriso malicioso nos lábios. Morta de vergonha, olhou para o lado... e arrependeu-se amargamente da decisão tomada. É que seu olhar pousou em cima da mesinha-decabeceira, onde uma embalagem vazia de preservativos lhe mostrava que nada do que havia acontecido fora imaginação sua. Sim. Tudo aquilo realmente acontecera. A primeira vez havia sido fantástica. A segunda, melhor ainda. A terceira, então... Que coisa incrível! Dez anos ao lado de Kevin e ela nem sabia que aquela posição existia. E que posição... Fechou o único olho que tinha aberto. O que será que tinha na cabeça? Como tivera coragem de deixar que Tyler fizesse todas aquelas coisas em seu corpo? Era evidente que ela não o amava. E a recíproca era verdadeira. O que acontecera não tivera nada a ver com amor, mas sim com sexo, sexo em sua forma mais primitiva e selvagem. Luxúria, desejo, paixão... não amor. Mas mesmo assim, havia sido inacreditável! Reprimiu um gemido. Que coisa estranha! Ela sempre achara que precisaria sentir amor para gostar de sexo! E, embora tivesse amado Kevin durante todos aqueles anos, o ato sexual com ele nunca tinha sido tão bom. — Vamos, acorde, não finja que está dormindo. — Tyler parecia um pouco mais sério agora. — Sei que pode estar tendo problemas com a síndrome do dia seguinte, mas posso lhe assegurar

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE que é uma incrível perda de tempo. Duvido que Kevin esteja em seu leito nupcial à uma hora dessas, se arrependendo de ter se casado com Danni Baker e dirigindo-lhe um único pensamento. Michele ficou ali, parada durante alguns instantes, analisando as palavras de Tyler com uma certa surpresa. Kevin? Não, ela não estava pensando nele. A não ser para compará-lo ao homem que estava agora a seu lado. Com toda a honestidade, ela não estava nem um pouco interessada no que seu ex-noivo poderia estar pensando naquele momento. Seu único problema era arranjar coragem para enfrentar Tyler e tentar descobrir o que ele estaria achando daquilo tudo. Porque, sinceramente, ela não fazia idéia! Abriu os olhos, tentando manter a calma e encarar a situação com naturalidade. Tarefa um pouco complicada, já que a visão de Tyler, vestindo um robe de Kevin e parecendo um autêntico deus grego já era o suficiente para deixá-la completamente atordoada. Ele havia feito cada coisa em seu corpo... E ela permitira! Tyler a havia deixado tão louca, que Michele teria se pendurado no lustre, se ele tivesse pedido. Só fora às cinco da manhã que, exausta e saciada, caíra num sonho profundo. Agora, porém, ela não se sentia nem uma coisa, nem outra. Sentiu um friozinho na barriga ao constatar tal fato. Mas o que estava acontecendo com ela? Teria se transformado numa autêntica sexomaníaca? Michele sempre fora uma mulher batalhadora, até um pouco obsessiva em determinados aspectos da vida. Mas a última coisa que queria agora era qualquer forma de obsessão no que dissesse respeito a sexo, ou ao próprio Tyler. Estava cansada de saber como ele agia quando o assunto eram mulheres. Passara aqueles últimos dez anos observando centenas de garotas irem e virem com uma facilidade espantosa, na vida dele. Como a maioria dos homens muito inteligentes, Tyler precisava de novos desafios para manter seu interesse tanto em negócios, quanto nas pessoas. Adorava ser bem-sucedido onde os outros tinham falhado. Aliás, aquele era seu lema de vida. Agora, Michele lembrava-se daquilo que ele tinha dito na noite anterior, a respeito de sua vontade de levá-la para a cama há muito tempo. Naquela hora, ela havia se sentido feliz e lisonjeada. Tanta felicidade agora, porém, parecia um pouco fora de propósito. Durante todos aqueles anos, ela fora à única mulher em toda a Austrália que não havia se jogado a seus pés. E se ele só a tivesse encarado como uma espécie de desfio? Sua alma foi invadida por uma porção de sentimentos confusos e conflitantes. Recusava-se a ser mais uma das conquistas do grande playboy Tyler Garrison! Ele a encarou de uma forma meio estranha. — Ah, não senhora! Michele franziu a testa. — Não senhora, o quê? — Você está se preparando para uma briga. Posso ler isso nos seus olhos. Mas desista, minha querida. Não estou com a mínima vontade de brigar. Não agora. Sabe o que pretendo fazer? Satisfazer todos os seus desejos e vontades, para que não tenha absolutamente nada a reclamar durante o dia inteiro. Estou às suas ordens. Você manda e eu obedeço. Que tal? Bem que Michele queria ficar brava com ele. Mas era algo impossível. Além disso, uma briga agora só iria servir para deixá-la ainda mais estressada e ela já estava tendo problemas em conter seus próprios nervos... e suas próprias vontades. Os cabelos de Tyler ainda estavam molhados, o que significava que tinha acabado de tomar um banho. Isso queria dizer

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE que, por baixo daquele roupão, sua pele ainda devia estar úmida e apetitosa, esperando por beijos e carícias. Que vontade de acariciar cada pedacinho daquele corpo firme e musculoso, então abaixar a cabeça e... — Michele? Está se sentindo bem? Era Tyler que a observava com olhos cheios de preocupação. Ela engoliu em seco. Era melhor parar com aqueles pensamentos indecentes o quanto antes. — E claro que estou, Tyler. E acho que tem toda a razão. Já está na hora de sair desta cama! Levantou-se rapidamente e, abrindo o armário, apanhou o primeiro robe que viu na frente. Não queria ficar nua diante dos olhos dele um minuto a mais do que o necessário. Ele observou-a se vestir. — O que pretende fazer agora? — Eu... acho que vou tomar um banho. — Você quer que eu prepare alguma coisa para o café da manhã? — perguntou ele, antes que ela pudesse fugir do quarto. — Estou morrendo de fome. Excesso de atividade física, você entende. Ela viu muita malícia em sua voz. Oh, Deus, no que será que ele estava pensando agora? Ou se lembrando? Ou querendo? Ou esperando? — P... pode preparar o que quiser, Tyler. Sinta-se como se estivesse em sua própria casa. Ela já estava na porta do quarto, quando o som da voz dele se fez soar novamente: — Fugir não vai adiantar nada, Michele. Aconteceu. E foi maravilhoso. Claro. Tinha sido mesmo maravilhoso. Mais do que isso, até. Fora sensacional, fantástico, glorioso, mágico. Mas não pretendia confirmar o fato a Tyler. O ego dele já era grande o bastante sem mais aquele elogio adicional. Virou-se para ele lentamente. — É verdade. Aconteceu. Só que eu não estou fugindo. Pretendo apenas tomar um banho. Algum problema? — Mas, e depois do banho? — Vamos tomar nosso café da manhã. — E depois? — Depois você vai se vestir, voltar para sua casa... e tudo ficará como era antes. Certo? — Errado. — E... errado? Ele deu um passo à frente. — Não podemos voltar a fingir que somos amigos e ignorar a enorme atração física que sempre existiu entre nós. Eu tive a prova ontem à noite, Michele. Você me quer. Como eu sempre te quis. Eu lhe disse isso e estava falando sério! Ela respirou fundo. Estava uma pilha de nervos. — Por quê, Tyler? Ele deu de ombros. — E quem é que pode explicar o que existe por trás da química entre um homem e uma mulher? Eu sempre a achei incrivelmente sensual e tinha certeza absoluta de que era um verdadeiro furacão na cama. E estava certo, não estava? Ela sentiu o coração disparar. — Eu... eu... não sabia que era assim tão boa na coisa. Tyler deu mais um passo à frente e, estendendo a mão, tocou-lhe os cabelos. Foi o suficiente para que o desejo voltasse a atormentá-la com uma força assustadora. Como sempre, Tyler estava coberto de razão. Ela era um furacão na cama. Por obra dele. — Não podemos voltar a ser o que éramos antes — continuou ele, enlaçando-lhe a cintura. —

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE O que aconteceu ontem à noite não foi apenas uma aventura e você sabe disso. Quero continuar esse relacionamento. Quero sair com você, quero levá-la para jantar, para dançar, e por que não dizer, quero levá-la pra cama outras vezes. Pretendo trazer a alegria de volta à sua vida. Riso e alegria. Que tal? — Riso e alegria? — Michele repetiu, como se não tivesse entendido direito. — Claro. Você se lembra o que são essas coisas? — Eu... eu... — Acho que não se lembra. O velho Kevin deve ter sugado todos os sentimentos de felicidade de sua alma. Ah, mas não se preocupe. Você vai ter tudo de volta ou não me chamo Tyler Garrison! Michele olhou para ele. Bem, namorar aquele homem até que ia ser mesmo muito divertido. Desde que, é claro, não houvesse um grande envolvimento emocional. Porque, tão certo quanto a noite depois do dia, o relacionamento ia chegar ao fim dentro de algum tempo. Todo mundo sabia que os namoros de Tyler Garrison não duravam mais do que um ou dois meses. Então ele perdia o interesse e ia atrás de novos desafios. Sim. O negócio todo podia mesmo ser muito divertido. Desde que não perdesse a cabeça e começasse a criar fantasias e expectativas sem sentido. — Então, querida Michele, você quer ser minha namorada? Aquilo tudo era tão incrível, que era mais provável que estivesse sonhando. — É... eu quero — ela ouviu sua própria voz responder. — Ótimo. Isso merece uma comemoração. — C... comemoração? Que tipo de comemoração? Ele a tomou nos braços e levou-a de volta pra cama. — Já vou lhe mostrar.

CAPÍTULO VIII

— Você não fez isso! Michele deu um suspiro. — Fiz, sim. — Não pode ser! Era uma tarde de segunda-feira. Michele ligara para Lucille e implorava para que a amiga fosse almoçar com ela. Precisava conversar com uma pessoa sensata e responsável, alguém que a ajudasse a manter os pés firmes sobre o chão, uma tarefa um pouco difícil de se realizar quando se estava namorando Tyler Garrison. Agora, as duas comiam sanduíches num café com mesinhas na calçada junto ao centro da cidade. Lucille tinha os olhos esbugalhados. — Eu bem que lhe disse que o lobo mal ia seduzi-la e levá-la para a cama! Michele engoliu em seco. — E... ele não me seduziu. — Não? — Não. Fui eu que pedi para que ele ficasse comigo. — Meu Deus! Você não fez isso!

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Fiz, sim. — Eu não acredito em uma só palavra do que está me dizendo. Não acredito mesmo. Você não costuma fazer isso. Aposto que só está tentando protegê-lo! Michele tomou um gole de seu suco. Estava com a garganta seca. — Bem, eu diria que estava um pouco tonta naquele momento... Excesso de vinho, você entende. — O que eu entendo é que você devia estar bêbada até dizer chega e aquele playboy irresponsável tirou vantagem da situação! — Não, Lucille. Não foi nada disso. Tyler já estava na porta indo embora, quando eu... quando eu o chamei e pedi para que ele ficasse. Lucille Jordan caiu na risada. — Ora, Michele, isso é o que ele quer que você pense. Esse playboy sem coração deve ter planejado tudo desde o princípio. Afinal, não foi ele mesmo que lhe pediu para usar um vestido bem sexy no casamento de Kevin? Michele passou a mão nos cabelos. — Eu não sei mais o que pensar, Lucille. Sinceramente, não sei mesmo. Estou tão confusa... Só tenho certeza de uma coisa. Quando acordei no domingo de manhã, achei que fosse morrer de tanta vergonha. Meu Deus, se você soubesse as coisas que eu deixei que ele fizesse comigo... E o que eu fiz nele, então?! Você nem pode imaginar. Os olhos de Lucille ficaram mais esbugalhados ainda. — Vamos, me conte. Quero saber dos detalhes. De todos eles! — falou, curiosa. Michelle recostou-se na cadeira. — Não posso. Não tenho coragem. — Claro que tem. Já se esqueceu de que sou sua melhor amiga? Vamos, trate de abrir logo a boca, que estou morrendo de curiosidade. E Michele contou. Tudo. Ao terminar, Lucille estava muda. Foi preciso um copo de suco de laranja com bastante açúcar para que ela se acalmasse um pouco. — Meu Deus do Céu, esse homem é um verdadeiro tigre na cama — foi seu comentário, quando conseguiu articular algumas palavras. — Tigre? Ponha tigre nisso, minha amiga. Quando ele encosta a mão em mim, eu paro de raciocinar. É como se outra pessoa se apoderasse do meu corpo e me fizesse sentir coisas incríveis. Às vezes, eu tenho vontade de comê-lo vivo ou de enterrá-lo tão fundo no meu corpo, até que nós dois pudéssemos nos transformar em uma só pessoa! Lucille parecia realmente preocupada. — Hum... Não estou gostando nada disso, Michele. Você se apaixonou pelo miserável, não é? — Não — ela respondeu, com voz não muito convincente. — Não, acho que não. É que eu estou... um pouco assustada só isso. Afinal de contas, não é todo dia que passamos horas e mais horas na cama, fazendo amor com um homem que sabe das coisas e que tem o equipamento adequado para realizá-las. Lucille levantou uma sobrancelha. — É mesmo? Você não tinha feito nenhuma menção a essa... parte dele. Vamos, me conte tudo! Michele caiu na risada. — Vamos dizer que finalmente percebi a troco de que todos os homens do mundo se sentem tão inferiores a Tyler. E o negócio não tem nada a ver com o dinheiro dele! Lucille apanhou o guardanapo e começou a se abanar. — Esse tal de Tyler Garrison está me parecendo bom demais para ser de carne e osso...

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Michele franziu a testa. — Você não está sendo de muita ajuda. Eu pensei que fosse me dizer para parar de bancar a idiota e nunca mais tornar a vê-lo! — Bem, eu diria isso, se fosse me ouvir. Mas nós duas estamos cansadas de saber que você vai continuar a sair com esse sujeito, até o momento em que ele se cansar e lhe der o fora. E também estamos cansadas de saber que você vai sair machucada dessa história, até mais machucada do que ficou por causa de Kevin. Isso porque Tyler Garrison não é um homem que se possa esquecer com facilidade. E por falar nisso, como você está se sentindo a respeito de Kevin agora? Michele franziu a testa. — Kevin? Quem é Kevin? — Meu Deus! As coisas estão piores do que havia imaginado! Lucille sorriu. — Ora, Lucille, eu só estava brincando. Ninguém esquece dez anos da vida assim com tanta facilidade. De qualquer forma, tenho certeza de que ele já faz parte do meu passado. E uma página virada da minha vida. — Espero que sim. Mas, se não estou enganada, você já me disse isso uma ou duas vezes. Até três, se não me falha a memória. — Dessa vez, estou falando com toda sinceridade. Lucille chamou a garçonete e lhe pediu mais um copo de suco de laranja. — Mas pode ser que você esteja falando isso agora. O que será que aconteceria se um dia Kevin aparecesse à sua porta dizendo que sua mulher era uma megera e implorando para voltar? — Sabe de uma coisa? Tyler me fez a mesma pergunta. E eu vou lhe responder o que disse a ele. Que o mandaria embora sem nem ao menos pestanejar! — Tem certeza de que faria isso mesmo? — Minha amiga, depois de ter conhecido Tyler Garrison do jeito como conheci, você acha que dá para ver alguma graça em homens como Kevin? O suco de Lucille chegou e ela tomou um gole bem grande. — Bem, você passou com Tyler a noite toda de sábado. Posso saber o que fez no domingo? Michele deu um sorriso. Ambos não haviam saído da cama durante o dia inteiro. Na segundafeira de manhã, Tyler reclamara que não conseguia andar e que estava inutilizado para o trabalho. — Você acabou comigo — ele lhe dissera. Agora, Michele recostava-se na cadeira e olhava para a amiga. — Adivinha! — Não! Você não fez isso! — Lucille exclamou de novo. — Bem, fizemos sim. Mas não o tempo todo, é claro. Numa hora, nós levantamos para comer alguma coisa. Ah, e depois passamos uns dez minutos conversando. — Ah, é? E posso saber sobre o que conversaram? Posições do Kama Sutra, talvez? — Não. Ele quis saber coisas a respeito da minha família. E eu lhe contei tudo. — Ah, mas é claro. Muito inteligente da parte dele. Quem não gosta de um homem que nos estimula a falarmos sobre nós mesmas? Michele levantou uma sobrancelha. — Então você acha que Tyler não está sendo sincero comigo. — Olhe, Michele, não é uma questão de sinceridade. Tyler, como todos os playboys do mundo, só está jogando de acordo com suas próprias regras. Conquista a garota, a leva para a cama e, quando se cansar dela, descarta-a como se ela fosse uma roupa velha e parte em busca de novas aventuras. Bem, quando foi que vocês ficaram de se ver de novo? Michele lembrou-se da despedida naquela manhã. Tyler lhe dissera que estava cheio de

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE trabalho durante a semana inteira e só estaria livre para vê-la sexta-feira à noite. Será que era verdade? Ou apenas um preparo para o adeus final? Será que o namoro já estava prestes a acabar? Meu Deus, e ele ainda não tinha nem bem começado... Sentiu uma dor forte no peito, como se tivesse levado uma facada. Lucille percebeu que havia algo de errado com a amiga. — Michele? Você está se sentindo bem? Aconteceu alguma coisa? Ela encarou a amiga com olhos cheios de tristeza. — Não. Está tudo bem. Mas Lucille não era boba. Michele era transparente como água e não sabia mentir. Era evidente que estava se apaixonando por Tyler Garrison. E era evidente também que iria acabar se dando muito mal. Mas o que ela própria podia fazer, senão ajudá-la a colar os pedaços de seu coração, quando ele lhe desse o fora? — Tem certeza? Ela deu um sorriso triste. — Tenho. Não se preocupe. Claro. Tanta certeza quanto dois mais dois eram cinco. Michele voltou a escritório cheia de desânimo. Sentia-se incapaz de se concentrar no trabalho, embora aquilo fosse uma necessidade. A campanha para um novo cliente estava a todo o vapor e ela não podia nem pensar em atrasar o andamento do projeto. — Como estão as coisas, Michele? Ela quase deu um pulo da cadeira ao ver seu chefe ali, de pé à sua frente, encarando-a de uma forma meio estranha. — Hã... Está tudo bem, Harry. Mas aquele homem não costumava ser enganado com muita facilidade, era arguto por demais, afinal não fora à toa que conquistara sua reputação profissional. Harry Wilde era uma pessoa difícil e exigente, um trabalhador perfeccionista e incansável, guiado por uma porção de demônios que só ele devia conhecer. Ninguém sabia de muitos detalhes a respeito de sua vida pessoal, a não ser o que se comentava na imprensa. Até meados dos anos oitenta, havia trabalhado como diretor de criação numa agência de publicidade de médio porte na cidade de Sidnei. Então, pedira demissão e abrira seu próprio negócio na garagem de sua casa. Sua única funcionária havia sido uma secretária eletrônica. A princípio, a concorrência não havia lhe dado à mínima importância. Não tardaram, porém, a perceber que o haviam subestimado. Cinco anos depois ele estava multimilionário, dirigindo uma das maiores agências de publicidade do país. Empregava centenas de pessoas, pagava-lhes generosos salários e exigia dedicação e eficiência em troca. — Está tudo bem mesmo, Michele? Não dava para enganar o astuto Harry. Ninguém jamais conseguira tamanha proeza. — Eu... quero dizer... acho que não estou conseguindo me concentrar direito no trabalho hoje. — Será que eu posso ajudá-la em alguma coisa? Aquilo não deixava de ser irônico. Harry, ajudando-a em seus problemas com Tyler? Uma grande piada! Os dois eram farinha do mesmo saco. Playboys milionários, totalmente voltados aos prazeres da carne! Não adiantava pedir conselhos a seu chefe. Ele iria lhe dizer para aproveitar o momento, divertir-se bastante, então ter inteligência suficiente para cair fora, antes que Tyler o fizesse. — Não, obrigada, Harry. E que... fui ao casamento de um amigo no sábado e acho que

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE exagerei na bebida. Mas prometo voltar a ser Michele de sempre amanhã de manhã, está bem? Festas e ressacas eram algo que Harry Wilde compreendia muito bem. — Combinado. Mas trate de não fazer nenhuma extravagância no próximo fim de semana, porque pretendo marcar uma reunião com meus funcionários mais importantes na segunda-feira de manhã. E a quero bem sóbria, está bem? — V... vou estar. Pode ficar tranquilo. — Ótimo. Se quiser falar comigo, estou na minha sala. Até mais, querida. Michele observou-o se afastar. O fato de ele a chamar de querida era algo comum, que não tinha nenhum significado especial. Outras funcionárias recebiam o mesmo tratamento. Foi o que começou a aborrecê-la. Tyler passara o tempo todo a tratando de doçura, meu amor e meu bem. Ficara feliz com tamanha demonstração de carinho. Agora, porém, compreendia que tais palavras podiam significar a mesma coisa que o "querida" de Harry Wilde. Playboys! Bah! Eram todos iguais! Quantas outras mulheres Tyler tratava daquele modo? Dezenas? Centenas? Um desânimo profundo tomou conta do seu ser no momento em que o telefone tocou. — Alô? — ela atendeu, a voz carregada de irritação. — Será que estou chamando numa hora imprópria? Era Tyler. Tyler Garrison, o playboy da voz sedutora e do corpo irresistível. Michele segurou o fone com mais força. — Bem, eu diria que depende. — Depende do quê? — Do motivo pelo qual me ligou. Talvez nem tivesse mais de se preocupar com aquele homem. Era provável que tal chamado fosse apenas a despedida final. Sinto muito, querida, mas acho melhor deixarmos as coisas como estão. Não temos nada em comum, não é mesmo? Além disso, pertencemos a mundos tão diferentes... Bem que sua amiga Lucille tinha razão. Tyler tinha se aproveitado de sua fragilidade e agora estava prestes a descartá-la como se ela fosse um traste inútil. Maldito! — Eu liguei a respeito de sexta-feira — respondeu ele, interrompendo-lhe os pensamentos. — Lembra-se de que ficamos de nos encontrar? Ela ficou tensa. — Lembro, sim. — Eu tinha me esquecido completamente da festa dos meus pais. Eles estão completando quarenta anos de casados e vão oferecer um jantar lá em casa. Que desculpa esfarrapada! Michele sentiu vontade de gritar de tanta frustração. — Sim, e daí? — Michele perguntou, cheia de agressividade. — E daí que eu achei que devia avisá-la com antecedência, para que você possa providenciar o que vestir. Minha mãe vai estar arrasando, pelo que ouvi falar. E Cléo também. O vestido do casamento de Kevin é perfeito para a ocasião, mas não sei se vai querer usá-lo de novo, porque Cléo já o viu com ele. Vocês, mulheres, costumam se incomodar com esse tipo de coisa, não é? A alegria que Michele sentiu ao ser convidada para aquele tipo de festa desapareceu diante da necessidade de ter de gastar outra fortuna numa roupa capaz de competir com os modelos milionários que lotavam os armários da mãe e da irmã de Tyler. Já tinha gastado mais do que podia no vestido que usara no casamento de Kevin e não estava com a mínima vontade de ter outra

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE despesa extra. — Talvez seja melhor você ir sozinho, Tyler. — Ainda havia uma certa agressividade em sua voz. — Quero dizer, Cléo não vai ficar nem um pouco satisfeita com minha presença na casa de seus pais. É provável que sua mãe também não fique. Olhe, você pode me chamar de orgulhosa, ou seja lá o que for, mas só costumo comparecer onde sou bem-vinda. Fez-se um pesado instante de silêncio do outro lado da linha. — Tyler? — Vou lhe repetir mais uma vez, Michele. Estou pouco ligando para o que Cléo pense ou deixe de pensar. Agora, quanto à minha mãe, devo dizer que está completamente enganada. Ela era uma garota comum, de classe média, quando se casou com meu pai. Tenho certeza de que não vai torcer o nariz quando você chegar. Posso lhe prometer isso. Claro, a mãe de Tyler podia ter sido uma moça comum, mas seu casamento com um milionário há quarenta anos certamente a transformara de um modo ou de outro. Na verdade, Michele nunca havia falado com ela. Fora somente apresentada muito rapidamente na cerimônia de formatura da universidade e a vira de longe uma ou duas vezes, nas festas de Tyler. Loira, bonita e muito bem conservada para seus sessenta e tantos anos de idade, a sra. Garrison possuía aquele glamour que apenas muito dinheiro poderia proporcionar. Michele tinha certeza de que seus dias e hábitos de moça de classe média haviam terminado décadas atrás, sendo substituídos pelo sofisticado estilo que separava os integrantes da alta sociedade de Sidnei, do resto dos mortais. — Pode ser — respondeu ela, por fim. — Mas não estou com a mínima vontade de gastar outro mês de salário num vestido que só vou usar uma vez. Ao contrário do pessoal de sua família e de seus amigos, eu tenho de trabalhar para comer! Tyler deu um suspiro cheio de desânimo. — Escute uma coisa, Michele, você vai à festa comigo, nem que eu tenha de lhe dar este vestido de presente! — Ah, você não vai me dar nada, não senhor. Por acaso pensa que pode comprar todo o mundo com seu dinheiro? Não, Tyler. Eu não estou à venda! — Estou cansado de saber disso. Ora, Michele, eu não tenho a mínima intenção de comprar ninguém. A única coisa que quero é sua companhia na festa de meus pais na sexta-feira à noite. Droga, já vai ser muito duro ter de esperar tanto tempo para vê-la. Você não acha que eu conseguiria aguentar até sábado, acha? Então ele realmente estava a fim de vê-la de novo. A hora da despedida não tinha chegado. Ainda não. Mas acabaria chegando, é claro. Enquanto isso, que tratasse de aproveitar os momentos passados a seu lado da melhor maneira possível. — Eu... acho que também não conseguiria esperar tanto tempo — confessou ela, sentindo, de repente, seu coração pulsar mais leve e feliz. — Então você aceita meu convite? — Aceito. A que horas você passa em casa para me buscar? — Às oito e meia. Está bom para você? — Está ótimo. O que você acha que eu devo usar? — Qualquer coisa, desde que seja bem sexy! Michele olhou para o próprio reflexo no espelho... e quase soltou um grito. Ali, encarando-a de volta, havia uma estranha. Uma estranha sexy e sedutora, que ela mal reconheceu.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Na segunda-feira à tarde, depois do trabalho, percorrera várias lojas e shopping centers da cidade, à procura do vestido para a festa dos pais de Tyler. Não tivera sucesso. Nenhum modelo havia lhe agradado. Tampouco os preços exorbitantes. A terça-feira fora igualmente improdutiva. Só na quarta o problema se resolvera. Uma loja de roupas usadas nas proximidades de seu escritório lhe trouxera a salvação. Havia entrado lá sem muitas esperanças, apenas para dar uma olhada. Imediatamente, avistara um vestido preto numa vitrine e compreendera que havia achado o que estivera procurando o tempo todo. Um legítimo Valentino... por um décimo do preço. Com a economia feita pela ótima compra, ela pudera marcar uma hora no melhor e mais sofisticado salão de beleza da cidade. Naquele momento, olhando-se no espelho, Michele mal acreditava no que via. Com os cabelos presos no alto da cabeça e uma linda maquiagem, parecia uma atriz recém-saída de um filme erótico. O vestido tomara-que-caia deixava seus ombros à mostra e realçava suas curvas bem-feitas como se o famoso costureiro o tivesse desenhado pessoalmente para ela. Michele nunca se sentira tão bonita na vida. A campainha tocou, arrancando-a de seus devaneios. Olhou para o relógio digital em cima da mesinha-de-cabeceira. Dez para as oito. Tyler ficara de ir buscá-la às oito e meia. Tinha chegado cedo. Isso é, se fosse ele mesmo. De súbito, Michele foi tomada pelo estranho pressentimento de que pudesse ser Kevin. Não. Aquilo era um completo absurdo. Seu ex-noivo ainda devia estar em lua-de-mel. De qualquer modo, um certo nervosismo a acompanhou até a porta da frente. Antes de girar a maçaneta, resolveu perguntar: — Quem é? — Um homem morto de saudade. Michele não conseguiu reprimir um suspiro de alívio. A voz de Tyler era inconfundível. Abriu a porta... e quase caiu para trás. Ele estava tão bonito naquele terno azul-marinho, que ela sentiu um nó na garganta. Como alguém nesse mundo conseguia ser tão bonito daquele jeito? Não era justo! Mal sabia ela que Tyler estava pensando exatamente a mesma coisa. Havia conhecido e namorado centenas de garotas através dos anos. Mas será que alguma delas chegaria aos pés daquela verdadeira deusa à sua frente? — Michele, como você está linda... — Ele entrou e fechou a porta. — Olhe, ainda nem são oito horas. Será que você consideraria a possibilidade de... de... irmos para a cama antes da festa? Acho que não vou conseguir esperar até o final da noite. Por favor, diga que sim! Michele não havia apenas considerado a mesma possibilidade, como também estava seriamente tentada a aceitá-la. O orgulho, porém, falou mais alto. O orgulho... além do velho hábito de nunca concordar com Tyler de primeira. Era fácil fazer aquilo desde que, é claro, não estivesse em seus braços. — E arruinar meus cabelos e minha maquiagem? Negativo! Gastei mais de cem dólares no salão de beleza! Isso sem falar no vestido! Tyler olhou-a de cima a baixo. — E por falar em vestido, você escolheu algo deslumbrante! Aposto que deve ter gastado uma fortuna! — Não. Comprei-o numa loja de roupas usadas e paguei um décimo do preço. Por isso, meu caro Tyler, se está pensando que eu gastei um mês de salário só para impressionar os Garrison, pensou errado! — Eu jamais pensaria uma coisa dessas. — Ele olhou para o relógio. — Bem, vamos indo? — Vamos. Espere um minutinho que vou apanhar minha bolsa.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Então aproveite e apanhe uma roupa para amanhã de manhã. Você gostaria de passar a noite comigo? É que pretendo tomar vinho no jantar e não tenho o hábito de dirigir depois de beber... Acho perigoso. A idéia lhe pareceu brilhante. Michele sabia que Tyler ocupava um apartamento numa ala independente da mansão de seus pais e o fato de dormir ali era simplesmente magnífico. — Claro. — Ela sorriu. — Vou apanhar uma camisola também! Ele franziu a testa. — Camisola? Para quê? Garanto que não vai precisar dela. Aliás, estou louco de vontade que esse jantar acabe logo, para que eu possa desfrutar da sobremesa. — Sobremesa? — Sim. Uma linda morena, de corpo espetacular, que tem me tirado noites de sono... Ela sentiu um friozinho na barriga. — Pare com isso, Tyler. Se você continuar a falar desse jeito, acho que nem iremos ao jantar. — Ah, bem que eu tinha imaginado. Você está com tanta vontade quanto eu. Olhe, ainda temos alguns minutos. Eu prometo que não vou estragar seus cabelos, nem a maquiagem. Você não vai nem precisar tirar os sapatos! Michele não levou dois segundos para decidir. — Feito!

CAPÍTULO IX

A mansão dos Garrison ficava situada no melhor bairro da cidade, uma imponente construção de pedra cercada por um jardim enorme, que mais parecia um bosque. Nos fundos, além da piscina e da quadra de tênis, havia também um campo de golfe onde o Sr. Garrison treinava nos finais de semana. Era a casa mais chique que Michele já entrara na vida. Tyler dirigiu-se diretamente pra a garagem coberta com vagas para dez carros e estacionou entre um BMW azul e um Mazda vermelho. — O carro de Cléo? — perguntou Michele, apontando para um Aston Martin prateado mais adiante. A porta estava toda amassada. — Exatamente. Eu nunca deixo minha Ferrari perto dele. Aquela garota dirige como uma lunática! Ela deu um sorriso. — Conheço alguém que é igualzinho. — Ora, Michele, quer parar de implicar comigo? Não percebeu o quanto tenho mudado ultimamente? Não recebi uma única multa por excesso de velocidade nesse mês! Ela abriu a porta e desceu do carro. — Meus parabéns! Foram caminhando de mãos dadas até a entrada principal da mansão. O desejo que ambos haviam sentido no apartamento de Michele não fora satisfeito com o rápido ato sexual acontecido ali mesmo, na sala. Ao contrário. Só servira para deixá-los ainda mais acesos e famintos. Tyler percebeu que não estava mais conseguindo se controlar. E, antes de abrir a imponente porta de carvalho da frente, tomou Michele nos braços e a beijou com todo o ardor que havia dentro

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE dele. Foi uma experiência fantástica. Michele agarrou-se a ele com mais força, colocando o corpo contra seu peito forte e musculoso, sentindo coisas que nem sabia que existia. E ela que pensava que já tinha experimentado as sensações mais gloriosas do mundo ao lado de Tyler! Que nada. Pelo visto, seus dias de aprendizado estavam apenas começando. Ele a beijava com uma fúria animal que ia muito além de um simples desejo físico, atiçando-lhe os sentidos de uma forma inacreditável. Eram duas pessoas, mas naquele instante, pela estranha magia do amor, seus corpos haviam se fundido num só. — Posso saber o que está havendo por aqui? Michele teria fechado os olhos ao ouvir o som daquela voz... se eles já não estivessem daquela maneira. Perversamente, porém, quis o destino que tivesse de abri-los. Cléo estava em frente à porta aberta, as mãos na cintura, uma expressão de poucos amigos no rosto. E, quando falou, o fez com a voz gelada: — Eu sinto muito interromper essa comovente cena de amor, meu irmãozinho querido, mas mamãe me mandou verificar por que motivo vocês estavam demorando tanto. Devo lhe dizer que ainda vão demorar mais um pouquinho? Michele quis que o chão se abrisse e que pudesse engoli-la. Nunca havia sentido tanta vergonha na vida! Tyler, porém, reagiu de forma bem diferente. — Não seja hipócrita, Cléo. Eu mesmo já peguei você em situações bem mais constrangedoras. — Virou-se para Michele e lhe deu um beijo no rosto. — Não ligue para ela, doçura. Minha querida irmãzinha adora se meter onde não é chamada. Bem, vamos entrar? Cléo, porém, impediu sua passagem. — Não! Michele não pode ver nossos pais desse jeito! — Como não? — reclamou Tyler. — Ela está maravilhosa! — Pode ser. Mas, e este batom todo borrado? Vai dar muito na vista! Michele levou a mão à boca, sentindo-se ainda mais envergonhada. Estranho como ser pega em flagrante causava a mesma sensação aos trinta ou aos dezessete anos. Tyler estudou o rosto dela. — Nossa, é mesmo. Eu nem tinha reparado. E agora? — Eu posso dar um jeito nisso — a própria Cléo ofereceu, a voz cheia de impaciência. — Um bom creme de limpeza e alguns retoques na maquiagem darão conta do recado. Vamos, Michele, venha comigo. Quanto a você, Tyler, devo dizer que também está com a boca um pouco rosada. Dê uma passadinha no toalete antes de entrar na sala, depois trate de ir salvar o pobre Hugh. O coitado está nervoso até dizer chega! Momentos depois, Michele acompanhava Cléo através de um corredor lateral que levava aos quartos. — Quem é o pobre Hugh? — Meu namorado. O homem com o qual eu estava pensando em me casar. Só que agora não estou assim tão certa depois do triste espetáculo que ele está dando essa noite. — Triste espetáculo? — Sim. Não há nada que me desanime mais do que um namorado que se intimide na frente dos meus pais. Ele começou a suar frio só porque minha mãe fez uma pergunta a respeito de seu trabalho. — Ela abriu uma porta. — Chegamos. O quarto de Cléo Garrison era completamente diferente do que Michele tinha imaginado. Bem, ele era enorme. Seu apartamento inteiro cabia ali dentro. Tirando o tamanho, porém, imaginação e realidade eram estranhas. Em vez de luxo e sofisticação, laços de fitas cor-de-rosa e cortinas de florzinhas. Realmente, uma grande surpresa.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Já sei o que está pensando — disse a dona do quarto, percebendo o espanto no rosto de Michele. — É tudo horrível, não é? Minha mãe o decorou pessoalmente quando eu tinha dez anos de idade. Eu estava de férias, num acampamento de verão com o pessoal do colégio e, quando voltei, levei o maior susto da minha vida. Acho que fiquei em estado de choque. Bem, é claro que nunca tive coragem de lhe contar a verdade. Ela me disse que esse era o tipo de quarto que ela sempre sonhara em ter quando criança, mas nunca pudera ter. Então eu a abracei e disse que tinha adorado. Hoje em dia, não troco essa mobília por nada desse mundo. Esse lugar fala da minha infância, que foi um verdadeiro conto de fadas. Michele mal conseguia acreditar no que ouvia. Nunca imaginava que a tão esnobe Cléo pudesse assumir uma expressão tão doce ao falar da mãe e de sua própria vida. A doçura, porém, teve curta duração. Percebendo que era olhada de uma maneira meio estranha, seu rosto endureceu de novo. — Bem, já que estamos aqui sozinhas, gostaria de lhe falar uma coisa. Michele levantou uma sobrancelha, pressentindo problemas graves. — Sim? — Tyler me falou de maneira clara e objetiva para que eu não me metesse na vida de vocês de jeito nenhum, mas mesmo assim gostaria de lhe dizer que, se machucar meu irmão, eu... eu... — Machucar Tyler? — interrompeu Michele surpresa com o aviso e mais do que um pouco brava. — Será que você ouviu bem o que falou? Não sei não, mas me parece que está invertendo a situação. Tyler é o playboy da história. Não eu. Se alguém for dar o fora em alguém, esse alguém é ele! Cléo fez uma careta. — Duvido muito. — Como assim, você duvida muito? — Nada, nada. Esqueça o que eu lhe disse, está bem? — Ela abriu a porta do enorme banheiro e começou a escolher os cremes necessários. — Acho que já abri a boca mais do que devia. Michele a seguiu. — Está coberta de razão. Você falou demais. O meu relacionamento com seu irmão não diz respeito a mais ninguém, como ele mesmo tão bem salientou. Mas já que o assunto foi iniciado, também tenho uma perguntinha a lhe fazer. Por que não gosta de mim? Não adianta disfarçar, porque eu sei que não gosta mesmo. Desde a época que eu era namorada de Kevin. Cléo virou-se para ela um pouco assustada, com um vidro de creme nas mãos. — Você quer mesmo saber? — Sim, eu quero mesmo saber. Cléo recostou-se na pia de mármore. — Bem, você sempre me pareceu uma moça muito segura de si, muito confiante no próprio talento... Aparecia nas festas de nariz meio empinado, sempre vestida de qualquer jeito... Mas agora parece que as coisas mudaram, não é? Reconheço perfeitamente um Valentino quando vejo um. Isso sem mencionar os cabelos e a maquiagem... Ao que parece, seu plano de ação está mudando, não é? — Meu... plano de ação? — Ora, não tente bancar a inocente comigo. Você é uma mulher muito inteligente. Sabe do que estou falando. Decidiu fisgar Tyler, não é? Só não consegui descobrir se está fazendo isso por pura ambição, por causa do nosso dinheiro, ou apenas para se vingar de seu querido ex-noivo Kevin, porque ele a trocou por Danielle Baker. O queixo de Michele caiu. Jamais havia esperado ouvir tanto desaforo de uma só vez. — Pelo amor de Deus, o que você ganha me insultando desse jeito? Fique sabendo que, quando eu me casar, vai ser apenas por amor a meu futuro marido e não por vingança ou por

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE interesse. Garotas ricas e fúteis como você podem se casar por esse tipo de motivo, mas eu não! Olhe, pode esquecer essa droga de maquiagem. Estou dando o fora daqui agora mesmo! O pânico fez com que todos os traços de animosidade desaparecessem do rosto de Cléo. — Não, não vá embora, por favor. Tyler vai me matar! — Então você acabou de se meter num enorme problema porque, se eu não sair daqui agora mesmo, quem vai matá-la sou eu! Agora, se quiser que eu fique, sugiro que se desculpe com profusão e prometa que será muito, muito gentil até o final da noite! Os olhos azuis de Cléo mostraram uma porção de emoções indefinidas, antes de finalmente aceitar a derrota. — Você tem razão. Eu... sinto muito. Falei uma porção de bobagens. Mas é que... — Continue. — Não, não é nada. Bem, vamos arrumar logo este batom borrado antes que as pessoas comecem a estranhar a nossa ausência. — Cléo apanhou o creme e um pedaço de algodão e começou a fazer o serviço. — Não sei o que Tyler tem na cabeça para lhe dar um beijo desses, momentos antes de apresentá-la a nossos pais. — Bem, tenha certeza de que o amor não entra nessa história. Como vê, você está se preocupando a troco de nada. Sinceramente, pensei que conhecesse melhor seu irmãozinho. Não importa o que pense a meu respeito, o casamento não está nos planos de Tyler. Tudo o que ele quer de mim é o que você viu agora há pouco. Como eu já lhe disse, se alguém sair machucado dessa história maluca, esse alguém será eu, e não Tyler. Cléo a encarou com certa desconfiança. — Por acaso está dizendo que... gosta mesmo dele? — Mais do que devia. Mas por favor, fique de boca fechada. — Mas... por que? Por que não lhe diz isso? Michele caiu na risada. — Ora, Cléo, porque amor é a última coisa que Tyler quer na vida. Será que nunca se deu conta do fato? Bem, vamos andar logo com isso, antes que alguém apareça por aqui.

CAPÍTULO X

Cléo conduziu Michele à enorme biblioteca da mansão, onde a família tomava drinques antes do jantar. Era uma sala belíssima repleta de estantes, quadros e objetos de arte. Em frente à imponente lareira que dominava a parede oposta à porta de entrada, estavam Tyler e o rapaz que acompanhara Cléo no casamento de Kevin. O pobre Hugh, com certeza. O sr. Garrison preparava um drinque no bar localizado num canto e sua mulher, sentada num sofá ali perto, bebericava um dry martíni. Michele não sabia reconhecer uma roupa à primeira vista, mas podia ter certeza de uma coisa. Seja lá quem tivesse desenhado o vestido que a mãe de Tyler usava, tinha um bom gosto fenomenal. E uma conta bancária mais fenomenal ainda, é claro. Era o tipo da roupa que devia custar milhares de dólares. Tyler sorriu ao vê-la entrar e aproximou-se dela, com o braço estendido. — Venha, minha querida. Gostaria de apresentá-la aos meus pais.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE E foi naquele momento que ela se deu conta do que seu coração já sabia há muito tempo. Tinha se apaixonado por Tyler Garrison. Exatamente o que Lucille a havia aconselhado a não fazer! De repente, a biblioteca pareceu girar à sua volta. A voz da sra. Garrison a trouxe de volta à realidade. — Que bom que veio, Michele. Venha, sente-se aqui do meu lado. Quero descobrir por que nunca nos falamos antes, já que Tyler me contou que frequenta nossa casa há anos. Ela parecia simpática. Muito simpática, até. Completamente diferente da filha. A mãe de Tyler não parecia nem um pouco esnobe. Enquanto conversava com ela, Michele tentava compreender o que se passara dentro de sua cabeça... e de seu coração. O que Tyler fizera com ela? Tudo bem que o desejasse com loucura. Qualquer mulher que tivesse um pingo de sangue nas veias desejaria um homem charmoso e atraente como ele. Mas de onde viera aquele amor maluco e sem sentido? Não importava. A única coisa que interessava no momento era que ele não sentia a mesma coisa. Mais uma vez, sua vida pessoal iria sofrer um baque. Novamente, o fracasso. A dor. O que Lucille havia dito outro dia? Que Tyler era um homem inesquecível. Era aquilo mesmo. Riscar Kevin da memória era uma coisa. Fazer o mesmo com Tyler Garrison era algo completamente impossível. Olhou disfarçadamente para ele, analisando de maneira discreta aquela figura envolvente. Como alguém nesse mundo conseguia ser assim tão perfeito? Não era justo! A sra. Garrison estava lhe dizendo alguma coisa e ela forçou-se a prestar atenção em suas palavras. — Tyler me disse que você trabalha numa agência de publicidade e que ocupa um cargo de enorme responsabilidade. Você deve ser muito inteligente! — Mais do que inteligente, mamãe — disse ele aproximando-se de ambas, entregando um copo de champanhe a Michele. — Ela é um verdadeiro gênio! Michele sentiu uma pontada no coração. O que seria de sua vida no momento em que Tyler se cansasse dela e partisse para novas aventuras? Será que conseguiria suportar tanta dor? Bem, como não houvesse nada que pudesse fazer a respeito naquele exato momento, ela continuou ali, sentada, sorrindo e sorrindo. Sorrindo tanto que sua boca até começou a doer. Ao contrário do que tinha imaginado, percebeu, nas horas que se seguiram, que o sr. e a sra. Garrison eram pessoas extremamente simpáticas, além de excelentes pais. Que diferença de sua própria família... — Meu querido menino vem realizando um trabalho fantástico nas empresas da família — comentou o sr. Garrison na hora da sobremesa. Ele era um homem atraente, com o rosto bronzeado, falava de horas passadas em seu iate ou à beira da piscina. — Graças a Deus, vou poder me aposentar com toda a tranquilidade! Tudo que ele precisa agora é encontrar a mulher certa e aí eu ficarei completamente feliz! Todos à mesa voltaram os olhos para Tyler, que quase engasgou com a mousse de chocolate que havia acabado de pôr na boca. — Tudo bem, tudo bem, eu sei que não devia ter tocado nessa palavra tão controversa começada com a letra C — continuou o sr. Garrison, com um sorriso nos lábios —, mas eu não seria um pai normal se não quisesse ver meu filho feliz, ao lado de uma pessoa muito especial. O que você acha disso, Michele? Tyler me contou que vocês são amigos há mais de dez anos, portanto tenho certeza de que não vai se incomodar com a minha pergunta. Você não acha que já está mais do que na hora de ele se casar? Agora, todos os olhares se voltaram para a própria Michele. Ela esperou que as batidas do seu coração diminuíssem um pouco, então respondeu:

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Eu acho, sr. Garrison, que Tyler vai começar a pensar em casamento e em filhos quando a hora certa chegar. Ele sempre soube o que quer da vida e nunca teve problemas em atingir seus objetivos. Tenho certeza de que, no momento apropriado, ele vai convencer uma linda garota a ser sua mulher e mãe de seus filhos. — Muito bem dito! — exclamou o sr. Garrison. — E você está coberta de razão. Acho que eu deveria ter mais fé no meu menino! — "O seu menino" — disse Tyler — está sentado aqui, bem à sua frente, e pode falar por si próprio! — Então fale — desafiou seu pai. — Conte-nos qual é seu ponto de vista a esse respeito. — Minha visão de casamento não deixa de ser um reflexo pelo qual estamos aqui hoje reunidos. — Ele se levantou e apanhou uma taça de vinho. Uma das muitas que tinha esvaziado durante o jantar, Michele bem notou. — Gostaria de fazer um brinde que ilustraria meus sentimentos no que diz respeito a esse assunto. Ergueu sua taça e continuou: — A meus pais maravilhosos, no dia de seu quadragésimo aniversário de casamento. Vocês são o exemplo de como uma união deveria ser. Uma parceria baseada no amor, respeito e objetivos mútuos. Até não encontrar tudo isso numa mulher, não ousarei entrar nesta complicada relação. Seria um verdadeiro desastre. Mas isso não me impede de admirar um homem que teve a sorte de encontrar sua alma gêmea e que teve o bom senso de lhe demonstrar seu amor durante todos os dias de sua vida. Ao meu pai, Richard, à minha linda e adorável mãe, Marion! Michele olhou para Tyler desapontada com aquelas palavras. O que ele dissera? Que até não encontrar a mulher certa, não entraria numa união tão complicada e cheia de problemas. O recado era mais do que claro. Ela própria não era a mulher certa para ele. Recostou-se na cadeira, sentindo raiva dele. Tyler não a queria como esposa. Ela não servia para ser a futura sra. Garrison. Bem, grande novidade. Estava cansada de saber daquilo. Quando, e se, ele um dia subisse ao altar, o faria com uma mulher do seu nível. Uma linda milionária do tipo de Daniella Baker. De repente, toda a noite pareceu perder sua graça. — Agora, eu gostaria de fazer outro brinde — ele estava dizendo. Michele fez o possível para se concentrar no momento e não na tragédia pessoal que teria de enfrentar em breve. — A Hugh, que tem de aguentar o mau humor de minha irmã Cléo! Todos caíram na risada. Foi naquele momento que Michele desconfiou que talvez Tyler estivesse um pouco embriagado. Sua mãe devia ter percebido a mesma coisa, já que se levantou da mesa e sugeriu que fosse tomar café na biblioteca. Logo após, o sr. e a sra. Garrison se retiraram para o quarto e Hugh e Cléo foram terminar a noite numa boate. Então, abraçados, Michele e Tyler se dirigiram ao apartamento dele, situado numa ala independente da mansão. — Gostou do jantar? — ele perguntou, dando-lhe um beijo nos cabelos. Não. Tinha detestado. Na hora do café, havia tomado sua decisão. Seu romance com Tyler ia terminar. Quanto mais prolongasse aquele relacionamento, pior seria o momento da despedida. Aquela seria sua última noite com ele. Então, que fosse uma noite inesquecível. Pretendia fazer amor com seu corpo... e com seu coração. — Hã... Gostei, sim. — O que achou dos meus pais? — Eles são maravilhosos.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — E Cléo? — Bem, eu diria que ela está melhorando... — Eu acho que aquela mal-humorada da minha irmã está começando a gostar de você. Tenho certeza disso. O rosto de Cléo é o espelho de sua alma. Vocês duas ainda vão ser grandes amigas, acredite em mim. Não. Aquilo não ia acontecer. Porque com certeza nunca mais a veria de novo. Na manhã do dia seguinte, toda a farsa chegaria ao fim. E ela voltaria a ser apenas Michele, a publicitária de sucesso, a profissional respeitada e conhecida. Amanhã, somente. Não agora. Então, entrando no luxuoso apartamento de Tyler, tirou rapidamente o vestido e tratou de fazer daquela noite a melhor e mais quente de sua toda vida. Michele acordou com a estranha sensação de estar sozinha na cama. Estava coberta com uma manta, que certamente havia puxado durante a noite. Ou talvez o próprio Tyler houvesse feito aquilo para ela. Olhou para a mesinha-de-cabeceira. O relógio lhe dizia que eram seis da manhã. O dia começava a amanhecer e os primeiros raios de sol entravam pelas frestas da janela. Levantou a cabeça... e aí o viu. Sentado numa poltrona, usando um robe de seda, uma xícara de café nas mãos. — Tyler? O que aconteceu? Perdeu o sono? — Eu sempre perco o sono. Nunca lhe disse isso? Havia uma certa agressividade na voz dele. Aquilo era inegável. Completamente desperta agora, Michele recostou-se na cabeceira da cama. — A... aconteceu alguma coisa? — Não. O que poderia ter acontecido? — Não faço idéia. Mas que aconteceu, é claro que aconteceu. Por que não volta para a cama e me conta o que está havendo? — Durma, Michele. Ainda é muito cedo. — Mas... — Pelo amor de Deus, volte a dormir e me deixe em paz! Embora magoada com aquela súbita explosão, era evidente que Michele não podia fazer o que lhe fora mandado. Que mulher nesse mundo faria? Enrolando-se na manta, ela levantou-se e aproximou-se dele. Havia um brilho estranho em seu olhar, algo que só tinha visto uma vez, quando fora visitá-lo no hospital, tanto tempo atrás. Por incrível que pudesse parecer, era como se ele estivesse mais assustado agora do que naquele dia. Ele sentou-se numa cadeira a seu lado. — O que está acontecendo, Tyler? Ele deu um suspiro cheio de desânimo. — O que está acontecendo é algo que eu não conseguiria explicar nem que eu vivesse mil anos. Vamos dizer apenas que eu pensei que as coisas pudessem mudar, mas acabei de perceber que não podem. Michele não tinha a mínima idéia do que ele estava falando. — Eu... acho que não estou entendendo, Tyler. Você... poderia ser mais claro?

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Ele se levantou e foi andando até a janela. — Eu... estou me sentindo um pouco inseguro. Tyler? Inseguro? E desde quando um homem como ele conhecia aquele tipo de sentimento? Então, um pensamento horrível passou-lhe pela cabeça. Será que ele estava doente? Ela também se levantou. — Eu... eu gostaria que você falasse a esse respeito comigo. Estou a seu lado, sempre pronta a ajudá-lo no que for. Ele se virou para ela lentamente. — Posso lhe fazer uma pergunta? — Claro. Pergunte o que quiser. — Você ainda sente alguma coisa por Kevin? Se ela sentia alguma coisa por Kevin? Por Deus, será que Tyler ficara maluco de pedra? Ela nem se lembrara mais do rosto de seu ex-noivo. Todos os homens do mundo empalideciam quando comparados ao playboy milionário que estava agora à sua frente. Depois das noites passadas a seu lado, tinha cabimento lembrar-se daquele sujeito sem graça e mediano que estivera em sua vida por dez longos anos? Talvez as garrafas de vinho que Tyler esvaziara na noite anterior tivessem derretido seus miolos. — Não. Nada. Nada mesmo. Por quê? — Tem... certeza? — Absoluta. Mas olhe, Tyler, eu realmente não estou entendendo onde quer chegar e... — Graças à Deus! — Tyler! Por favor, o que deu em você? Ele parecia aliviado. — É que eu fiquei apavorado... pensando que talvez você tivesse me amado com tanto carinho e abandono... imaginando que estivesse com Kevin, não comigo... E eu queria tudo aquilo para mim! Será que ela ouvira direito? Tyler Garrison, o famoso playboy, sentindo ciúme de um homem insignificante como seu ex-noivo? Não era possível! — Mas é claro que foi tudo para você, Tyler! Será que não percebeu, seu bobo? Será que é tão cego, que não vê quando uma mulher se apaixona por você? Ele não teria ficado mais surpreso, se tivesse sido esbofeteado. Tendo dito o imperdoável, ela virou as costas para que ele não visse o brilho de desespero em seus olhos. — Eu... sinto muito. Não quis dizer isso. Também não queria ter me apaixonado. Eu não queria mesmo. Mas... aconteceu. Ficou tensa ao sentir a presença dele atrás dela. Então, Tyler colocou as mãos em seus ombros e fez com que se virasse novamente. — Você tem certeza de que o que sente por mim... é mesmo amor? Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Ora, e o que mais poderia ser? — Uma porção de coisas... Ela esquivou-se dele. — Por acaso está dizendo que não acredita em mim? — O que eu estou dizendo é que talvez você esteja enganada. As pessoas podem pensar que estão apaixonadas, mas às vezes o sentimento não é verdadeiro, embora pareça ser no momento. Ela se atirou na poltrona. — Ora, e que diferença faz se eu o amo ou deixo de amar? Você não retribui o sentimento

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE mesmo! — Ah, retribuo sim. Agora, quem ficou de boca aberta foi ela. — O quê? — Eu te amo, Michele. E quero me casar com você. O choque inicial deu lugar à raiva e ao ressentimento. — Não seja ridículo, Tyler. Você não me ama coisa nenhuma! — Está vendo? E difícil acreditar numa coisa dessas. A ironia disso tudo, Michele, é que eu acho que você ainda está apaixonada por Kevin e você acha que eu ainda estou apaixonado pelos meus dias de playboy. Que coisa incrível, não é? Michele não respondeu. Estava muito surpresa para fazê-lo. — Bem — continuou ele —, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. — Proposta? Você vai me pedir em casamento de novo? — Não. Ainda não. Não sou tão idiota assim. Mas gostaria de lhe pedir para continuarmos nosso namoro, até que possamos descobrir a verdade. — A respeito do que sentimos um pelo outro? Ele fez que sim com a cabeça. — Exatamente. Então, quando tivermos certeza do nosso amor, eu farei realmente o pedido. Será que Tyler realmente a amava? Um brilho de esperança surgiu em seus olhos. — Gostei da proposta. Acho que vou aceitá-la. Ele deu um sorriso. — Você é uma garota inteligente. Sabia que ia tomar essa decisão. Ato contínuo, abraçou-a com força e levou-a de volta para a cama.

CAPÍTULO XI

Lucille tomou um gole do seu cappuccino e recostou-se na cadeira. — Meus parabéns, você está realmente numa maré de sorte. Não só se saiu muito bem na reunião de hoje de manhã, como também encontrou o grande amor de sua vida. Ou melhor, pensa que encontrou. Olhe, gostaria de lhe dar um conselho. Procure um advogado e faça um contrato prénupcial. Assim que Tyler começar a pular a cerca depôs da lua-de-mel, trate de processá-lo e arrancar-lhe uma fortuna! Michele caiu na risada. — Não adianta, Lucille. Nem você com todo esse pessimismo em relação ao sexo masculino, vai conseguir estragar o meu bom humor. Se estivéssemos tendo essa conversa antes do fim de semana, você ainda poderia me convencer. Mas não agora! Lucille deu um suspiro. — Meu Deus, será que dois dias passados na cama foram o suficiente para convencê-la? Esse Tyler Garrison deve ter meios muito convincentes para persuadir as pessoas. Aliás, posso muito bem imaginar que meios sejam esses... Olhe, Michele, eu não estou dizendo que ele não gosta de você. Longe disso. Mas não acha meio estranho que ele a peça em casamento no mesmo dia em que o sr. Garrison anuncia, em alto e bom som, que quer ver seu filho e herdeiro transformado num homem sério?

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Michele tomou um gole de seu suco de laranja. — Eu entendo o que está querendo dizer. Aliás, isso também me passou pela cabeça. Mas, se Tyler está querendo se casar para agradar a família, por que eu? Por que eu e não uma linda modelo de corpo deslumbrante? Ou quem sabe alguém de seu próprio meio? Depois de uma pausa para respirar, Michele continuou: — Não, Lucille, ele realmente me ama. Ainda não consegui entender como nem por que, mas isso é mesmo verdade. Tenho certeza absoluta. Ah, se você tivesse visto como ele me tratou bem durante todo o fim de semana... Até o sexo foi diferente! — Diferente? Mas diferente como? Não deve ter sido melhor, é claro. Como melhorar aquilo que você me contou na segunda-feira passada? — É, eu não diria que foi melhor. Mas cheio de carinho e sentimento, talvez. — Olhe, minha amiga, eu não quero jogar um balde de água gelada em seu entusiasmo. Não quero mesmo. Longe de mim uma maldade dessas. Mas é que... — Lucille fez uma pausa, tentando encontrar as palavras certas para expressar sua opinião. — Eu realmente não creio que Tyler esteja assim tão apaixonado. Claro, não estou dizendo que ele não gosta de você. Não é isso. Quem em sã consciência pode não gostar de alguém tão meiga e doce? Bem, ele precisa casar para agradar o pai, não é? Então, por que não escolher como noiva sua velha amiga Michele, conhecida de tantos anos? Uma moça bonita, inteligente, agradável... Alguém que nunca esteve interessada na fortuna da família. Você sabe como esse pessoal não suporta gente interesseira. Aí, ele a convenceu de que está apaixonado, a pede em casamento e tudo está resolvido. Com um sorriso triunfante, finalizou: — O papai Garrison fica feliz da vida e a continuidade da família está assegurada. Muito conveniente, não é? Michele respirou fundo. — As coisas não são bem assim, Lucille. — É claro que são. Esse tipo de casamento não costuma dar certo. Assim que voltar da lua-demel e o entusiasmo acabar, Tyler estará de volta à antiga vida de playboy. Não creio que aguente esse tipo de coisa, Michele. Por isso, pense bem antes de dizer o "sim". Michele levou o almoço inteiro tentando convencer Lucille de que ela estava enganada, de que Tyler realmente havia mudado e que a amava de verdade. Não teve muito sucesso na tarefa em questão. Quando chegou ao escritório, meia hora depois, percebeu que sua segurança e que sua certeza já não eram as mesmas. Lucille havia conseguido plantar a semente da dúvida em sua mente. Mas que droga! Será que sua amiga estava certa? Será que Tyler queria apenas um casamento de fachada, uma barriga que pudesse gerar um herdeiro para o império dos Garrison? Quando o telefone tocou, momentos depois, seu humor não estava dos melhores. — Alô? Michele falando. — Oi Michele, sou eu, Tyler. Você está me parecendo um pouco aborrecida. O que aconteceu? A reunião não correu conforme esperava? — Não, foi tudo bem. — Mas então por que está com essa voz tão estranha? — Acho que estou um pouco cansada, só isso. — Harry Wilde é um homem de muita sorte. Ter você como funcionária deve ser a melhor coisa do mundo! — Você não me compra com seus elogios, Tyler. Fez-se um longo silêncio do outro lado da linha, que o próprio Tyler se encarregou de

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE quebrar: — Vamos jantar juntos essa noite? Ela foi pega de surpresa. O que será que Tyler estava pretendendo? Deixá-la viciada em sua companhia, para que nunca mais conseguisse passar sem ele? — Eu... não sabia que queria me ver hoje. — E claro que quero. Esta semana está sendo mais livre para mim. — Sorte sua! — Você não está muito bem-humorada, hoje, não é? Olhe, eu gostaria de levá-la para jantar e esticar a noite numa boate. Um lugar bem especial, na verdade. Você tem alguma sugestão? — Eu não gosto de sair durante a semana, Tyler. Não sei se percebeu, mas costumo me levantar muito cedo de manhã! — Tudo bem. Podemos jantar no seu apartamento. Que tal se você me mostrar seus talentos culinários? — Para quê? Por acaso está querendo ver se eu sou mesmo capaz de preparar um jantar digno de um membro da família Garrison? Outro momento de silêncio do outro lado da linha, que, novamente, o próprio Tyler se encarregou de quebrar: — O que está querendo, Michele? Provocar uma briga? Olhe, acho melhor tomar cuidado, porque pode conseguir o que está querendo! E dizendo isso, desligou. Michele ficou durante muito tempo olhando para o fone em sua mão, a vergonha consumindolhe a alma. Mas o que estava dando nela? Tudo culpa de Lucille, que ficava pondo um monte de minhocas em sua cabeça! Tyler havia sido a melhor coisa que já acontecera em sua vida. Não podia deixar que sua amiga plantasse a semente da dúvida em sua mente. Com dedos trêmulos, ligou para seu celular. Durante alguns terríveis instantes, achou que ele não fosse atender. Quando finalmente ele o fez, sua voz era fria e distante: — Alô? — Tyler, sou eu. Por favor, me desculpe. Não sei o que deu em mim. Falei uma porção de bobagens. Adoraria sair para jantar e dançar com você hoje à noite. É verdade. Por favor, diga alguma coisa. Não desligue na minha cara de novo... Ele hesitou. O coração de Michele começou a bater com mais força. — Muito bem. — A voz dele continuava gelada. — Quando? — Quando o quê? — Quando é que eu posso passar pelo seu apartamento a fim de apanhá-la para o nosso compromisso? Ela deu um suspiro de puro alívio. — Que tal às sete? É muito cedo para você? — Não. Nunca é cedo demais para vê-la, Michele. Graças a Deus. A voz dele estava bem mais suave agora. Os traços de agressividade tinham desaparecido por completo. — Estarei pronta, à sua espera. — Ótimo. Como sempre, use algo bem sexy. Foram jantar no Le Soleil, o melhor restaurante da cidade de Sídnei, ponto de encontro dos milionários, artistas e famosos em geral. Michele só o conhecia de nome. Ela e Kevin jamais haviam estado lá, o que não era de se admirar. As contas costumavam ser equivalentes a um mês de seus salários.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE Foi uma das noites mais gloriosas da vida dela. Os camarões flambados no conhaque estavam magníficos, assim como a torta de chocolate amargo de sobremesa. Depois do café e do licor, foram esticar numa boate igualmente sofisticada, famosa por tocar músicas românticas dos anos sessenta. Tyler e Michele passaram horas dançando agarradinhos, sentindo o calor de seus corpos, ouvindo as batidas de seus corações. Estavam tão excitados quando chegaram em casa, que nem conseguiram chegar ao quarto. Amaram-se ali mesmo no chão da sala, as paredes absorveram seus gritos de paixão e de desejo. No dia seguinte, ao acordar, Michele sentia-se nas nuvens. Porém, tal sentimento de bem-estar começou a desaparecer assim que se despediu de Tyler e chegou ao escritório para mais um dia de trabalho. Ainda não havia conseguido uma solução para o seu problema. Longe disso. As dúvidas que assombravam sua mente estavam ali, no mesmo lugar, tirando-lhe o sossego e a concentração. Tyler a amava de verdade? Ou queria apenas uma esposa, uma espécie de barriga de aluguel que pudesse dar um herdeiro à família Garrison? Ela não fazia idéia. E quanto mais pensava no assunto, mais distante parecia estar a resposta. Michele evitou Lucille nos dois dias que se seguiram. Sua melhor amiga a convidou para almoçar na terça e na quarta-feira, mas, naquela altura da história, a recusa pareceu ser a melhor pedida. Não podia se deixar levar pelo pessimismo de alguém que, por azar do destino, havia sido profundamente infeliz no casamento. Na quinta-feira de manhã, ela estava a ponto de explodir. Passava da euforia à depressão em questão de segundos. Tyler a ama de verdade, uma vozinha soava em seu ouvido direito. Ele vai fazer de você a mais feliz das mulheres. Tyler não a ama coisa nenhuma, soava outra vozinha em seu ouvido esquerdo. Tudo o que ele quer é alguém que se preste a representar o papel da futura sra. Garrison e da mãe do herdeiro que venha a tomar conta dos negócios da família. Na hora do almoço, ela chegou à conclusão de que, se não fosse dar uma volta a fim de esfriar a cabeça, acabaria ficando maluca. Apanhou o casaco e saiu a pé pelas ruas da cidade, deixando que o vento do início de junho batesse em seu rosto e em seus cabelos. Pouco depois, como estivesse começando a chover, procurou abrigo num dos shopping centers das proximidades. Passeou pelos corredores cheios de lojas, parou em frente às vitrines, entrou numa lanchonete e pediu um refrigerante. Tudo para ver se conseguia pôr um pouco de ordem em seus pensamentos. — Seu refrigerante, senhorita. — Obrigada. Ela apanhou o copo e sentou-se a uma mesa. Um dia, há muito tempo, uma cartomante lhe dissera que seria mãe de uma menina linda, uma verdadeira boneca de cabelos loiros e olhos azuis. Na época, presumira que o pai seria Kevin. Claro, quem mais poderia ser? Agora, porém, via claramente que tal hipótese estava fora de cogitação. Ela jamais teria uma filha com o ex-noivo. Mas... e se o pai fosse Tyler? Ele sim era loiro de olhos azuis. Sim. Aquilo fazia sentido. Pensou em procurar novamente a tal cartomante e pedir-lhe um conselho. Ora, aquilo era uma enorme bobagem. Ninguém poderia ajudá-la naquele instante, a não ser ela mesma. Será? — Olá, Michele. Ela estava tão perdida nos próprios pensamentos, que nem tinha reparado que alguém havia se sentado a seu lado. Por um instante, pensou que os problemas dos últimos dias haviam feito com

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE que visse miragens. Piscou os olhos... mas a miragem não desapareceu. Ao contrário. Continuou bem firme onde estava, causando-lhe um arrepio de puro horror. — Kevin! Como ousa se aproximar de mim? Eu falei que não queria vê-lo nunca mais! E minha raiva não significa que ainda sinto alguma coisa por você. Longe disso! — E por acaso acha que eu tenho alguma dúvida a esse respeito? É claro que não! Kevin respirou fundo: — Você pensa que eu sou tão imbecil, a ponto de achar que tenho condições de competir com Tyler? Aquilo que falei no dia do meu casamento foi apenas um monte de besteira, causada por meu ego ferido... mais uma boa dose de ciúme! É isso aí, garota. O fato de ter visto vocês dois se beijando naquela festa quase estragou minha noite de núpcias! Ele deu um sorriso. — Acho que fez uma ótima troca, Michele. Tyler é o homem ideal para você. Não eu. Espantada demais para abrir a boca, ela ficou ali, parada com o copo de refrigerante na mão, ouvindo-o falar. — A verdade é que eu nunca me senti bem ao seu lado. Claro que gostava de você, de sua companhia... mas o problema é que jamais consegui lidar direito com o fato de você ser tão mais inteligente e brilhante do que eu. Perto de você, tinha de me esforçar ao máximo para tentar ser algo que eu não era. No final, senti que já não estava mais conseguindo fingir. E fui embora. Kevin respirou fundo, como se aquelas lembranças ainda lhe causassem um pouco de dor. Mas então, seu rosto recuperou um pouco de alegria. — Agora com Dannielle, tudo muda de figura. Tanto na parte sexual como intelectual, sou superior a ela. Sob toda aquela aura de moça de sociedade, existe uma garota doce e simples. E ela simplesmente me adora. A seu lado, não preciso fingir ser o que não sou, você entende? Danni levantou minha auto-estima como ninguém. E, apesar de você, talvez, não acreditar, eu realmente gosto dela. De verdade. Posso dizer mesmo que estou apaixonado. Ela é um amor de pessoa. Quem sabe um dia vocês até se tornem amigas. Surpreendentemente, Michele sentiu um certo alívio ao ouvir aquilo. Ela não desejara nenhum mal ao ex-noivo, nem a Dannielle Baker. A vida era muito curta para perder tempo com sentimentos inúteis de vingança. Desejava que todos fossem felizes... assim como desejava a própria felicidade. — Então, como vai o namoro entre vocês dois? — continuou ele. — Já estão pensando em alguma coisa mais séria? Finalmente, Michele conseguiu abrir a boca para falar alguma coisa. — Ele... me pediu em casamento. O rosto de Kevin mostrou uma porção de emoções confusas e desencontradas. Alegria, ciúme, insegurança, nostalgia. — E mesmo? Meus parabéns! Já marcaram a data? Faço questão de ser convidado para a cerimônia! Michele engoliu em seco. — A data ainda não foi marcada, Kevin. Na verdade, nem sei se vou aceitar o pedido. Seu ex-noivo não podia ter ficado mais surpreso. — Como assim não sabe se vai aceitar o pedido? Mas eu pensei que você estivesse apaixonada por ele! Também, com aquela cena que vi no dia do meu casamento... Vocês pareciam Ali Mac Graw e Ryan 0'Neil interpretando Jennifer e Oliver no filme Love Story! Ela recostou-se na cadeira. — Eu sou louca por ele, Kevin. Nunca pensei que pudesse sentir coisa igual por qualquer ser humano. É um sentimento tão forte, que às vezes acho que vou explodir!

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE O rosto apalermado de Kevin ficou mas apalermado ainda. — Mas eu não estou entendendo nada! Se você o ama tanto, se está assim tão apaixonada, por que não aceita logo seu pedido e acaba com essa confusão de uma vez por todas? Michele fez uma pausa, decidindo-se se devia se abrir ou não com seu ex-noivo. A angústia que sentia dentro do peito fez com que se decidisse pela primeira alternativa. — Eu tenho certeza de que amo Tyler, Kevin. Certeza absoluta. Mas não tenho tanta certeza assim quanto aos sentimentos dele em relação a mim. Estou com medo. Aliás, estou apavorada, achando que ele talvez só tenha feito o pedido por causa de sua família. Kevin franziu a testa. — Mas que família? A que ele já tem ou a que talvez queira ter no futuro? — A que ele já tem. Seu pai quer vê-lo casado de qualquer jeito. Kevin ficou pensativo, então balançou a cabeça. — Não. Não, Michele. Eu não acho que Tyler se case só para agradar o sr. Garrison, ou seja lá quem for. Disso eu tenho certeza. Ele é um homem que toma suas próprias decisões. Olhe, eu acho sinceramente que você está preocupada à toa. Se Tyler disse que te ama, então é porque ama mesmo. Se a pediu em casamento, então é porque é à vontade dele, só dele e não a do sr. Garrison. Michele endireitou o corpo. Estranho como a ajuda às vezes vinha dos lugares e das pessoas mais estranhas. — Você... acha mesmo? — Claro. Não se esqueça de que conheço Tyler. Somos amigos há dez anos. A alegria que lhe invadiu a alma foi tão grande, que ela se atirou nos braços do ex-noivo e o beijou. — Obrigada, Kevin! Obrigada mesmo! Ele a apertou com força. — Por que não liga para Tyler agora e diz que aceita seu pedido? — Acho que vou fazer isso mesmo! Kevin então se afastou e olhou para o relógio. — Bem, preciso ir andando. Minha hora de almoço já acabou. Boa sorte, garota. E cuide-se! Abraçaram-se novamente, então Michele observou-o deixar a lanchonete. Momentos depois, abria a bolsa e apanhara seu telefone celular. Mal podia esperar para dar a notícia a Tyler! Ela sentia que podia explodir de tanta alegria. Estava começando a discar, quando uma voz gelada vinda dali de perto fez com que levantasse a cabeça. Imediatamente, o sangue fugiu-lhe do rosto. — Se é para Tyler que está ligando, sugiro que mude de idéia. Ele não vai se dar ao trabalho de atendê-la, sua falsa de uma figa!

CAPÍTULO XII

Cléo Garrison, de pé, na porta da lanchonete, a encarava com olhos cheios de raiva e ressentimento.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Que cena comovente, não é? Um encontro entre dois ex-pombinhos que ainda se amam... Há quanto tempo Kevin está casado? Duas ou três semanas? E já está pulando a cerca! Pobre Danni. Não merecia isso. E pobre do meu irmão também, que merecia menos ainda! Michele se levantou rapidamente. Uma súbita tontura, porém, fez com que ela voltasse a se sentar. — Cléo, eu... — Você nunca me enganou, Michele. Eu sabia que isso ia acabar acontecendo mais cedo ou mais tarde! E pensar que estávamos comprando um presente para você! Tyler inventou de lhe dar um vestido novo e me pediu ajuda para escolher o modelo. Estávamos aqui andando pelo shopping center com toda a calma, quando vimos você... nos braços de Kevin! Meu Deus, que cena deprimente... Tyler saiu correndo como se esses corredores estivessem em chamas! Ignorando a tontura, Michele se levantou de novo e começou a procurá-lo. — Onde está ele? Onde está ele? Preciso lhe dar uma explicação! Preciso lhe dizer o que realmente aconteceu! — Desista, mocinha. Ele já foi embora. E duvido que possa ter alguma chance de explicar o que quer que seja. Ah, se você visse a cara dele quando Kevin a beijou... Pânico e desespero invadiram o coração de Michele. — Mas não foi nada disso que vocês estão pensando! — Não adianta, Michele. Você não engana mais ninguém. Nem Tyler, muito menos eu. Sempre pude jurar que você não o amava e que voltaria correndo para os braços de Kevin se ele pedisse. Disse isso mil vezes para o pobrezinho do meu irmão, mas ele nunca me escutou. Acho que o amor que sempre sentiu por você falava mais alto. Meu Deus, ele a esperou por tanto tempo! Michele fez uma careta. — Como assim, o amor que sempre sentiu por mim? E que história é essa de ter me esperado por tanto tempo? Cléo parecia estar muito impaciente. — Pelo amor de Deus, garota, será que é tão cega assim quando o assunto é amor? Tyler é apaixonado por você há tanto tempo, que chega a ser irritante. Provavelmente se apaixonou no primeiro dia da faculdade! Michele mal podia acreditar no que estava ouvindo, Tyler, apaixonado por ela há dez anos? Quanta loucura! Porém, era uma loucura que fazia sentido. Agora, tudo ficava claro em sua mente. Os convites para as festas em sua casa, a insistência em manter a amizade, mesmo tanto tempo depois da formatura. Os telefonemas quando Kevin a abandonava. Os almoços para distraí-la, quando se sentia solitária e deprimida. Começou a se lembrar de tudo que fora dito e feito depois daquela terrível noite em que o convite de Kevin chegara... e seu coração sangrou por ele. E sangrou por ela mesma porque só agora percebia que o amor sempre estivera lá, sem que o tivesse visto. — Eu... eu não sabia. Ele nunca... Disse-me nada. — Nunca disse nada, porque você jamais lhe deu qualquer oportunidade de fazê-lo. Sei que o vivia criticando, só porque ele tinha dinheiro! Dizia que ele não passava de um playboy mimado, que só sabia comprar carros de luxo e sair com mulheres bonitas. Você pensa que é fácil nascer milionário? Pois não é! Ele podia ter se transformado num viciado em drogas ou num alcoólatra, como muitos dos nossos amigos! Mas não. Ele estudou, cursou duas faculdades e sempre foi um sucesso em tudo que fez. E você reconheceu isso? Claro que não! Passou todos esses anos cobrindo-o de críticas e mais críticas!

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE — Por favor! — exclamou Michele. — Pare com isso! Não posso suportar mais! Cléo, porém, não estava a fim de mostrar misericórdia à mulher que tinha destruído seu irmão. — Por que você acha que ele saía com tantas mulheres diferentes? Loiras, morenas, altas, baixas... Para esquecer você, ora essa! Mas é claro que nada funcionava. Como poderia funcionar, se elas não eram sua tão preciosa Michele? Com as faces transtornadas pela fúria, Cléo continuava a falar: — Quando você me disse outro dia na casa dos meus pais que gostava dele, eu comecei a ter esperanças. Mas que esperanças vãs, meu Deus! Você o destruiu, sabia disso? Se tivesse visto a cara dele quando Kevin a beijou! Michele sentiu que as lágrimas escorriam por seu rosto. — Será que não entende, Cléo? Eu não amo Kevin! Deixei de amá-lo há muito tempo! Sou absolutamente apaixonada por Tyler! — Ora, garota, você acha que vou acreditar numa conversa mole? Não nasci ontem! — Mas é verdade! Eu é que tinha medo de que ele não me amasse! Achava que... Bem, isso não importa agora. Encontrei Kevin por acaso aqui nesta lanchonete e ele me perguntou como ia meu namoro. Eu disse que, apesar de ter sido pedida em casamento, ainda não tinha certeza dos verdadeiros sentimentos de Tyler em relação a mim. Com um arremedo de sorriso, tentando mostrar uma calma que não sentia, Michele continuou a explicar-se para a implacável Cléo: — Foi então que ele me respondeu para eu não duvidar da palavra de Tyler Garrison e que, se ele havia falado que me amava, então aquilo era realmente verdade. Finalmente aí consegui enxergar a verdade. Foi por isso que me atirei nos braços dele e o beijei. Por alívio e agradecimento. Nada mais! Cléo levou a mão à testa. — Mas que tamanha confusão! Sim. Uma confusão enorme, que precisava ser desfeita o mais rápido possível. — Você tem alguma idéia de onde Tyler pode ter ido? Meu Deus, ele deve estar pensando que eu voltei para Kevin! Quanto absurdo! — Acho que ele foi para casa. Nessas horas, Tyler prefere ficar sozinho. Meu irmão é muito reservado no que diz respeito às emoções. Ele esconde os próprios sentimentos. Finge que está tudo bem. Mas duvido que possa fingir sobre isso agora. Eu nunca o vi daquele jeito! — Bem, eu preciso ir trás dele agora mesmo. Você acha então que ele está em casa? — Provavelmente. — Estou indo para lá agora. Se ele não estiver, pretendo revirar a cidade toda até encontrá-lo! — Você está de carro? — Não. Estou sem condições de dirigir, vou tomar um táxi. — Não será preciso. Eu lhe dou uma carona. — Ótimo. Vamos lá. De repente, sentiu-se como uma ré à espera de julgamento. Dando a volta no carro, abriu a porta do lado do passageiro e entrou. Sentou-se ao lado de Cléo, pesadamente, como se carregasse o mundo nos ombros. Tinha certeza de que se Tyler não quisesse ouvi-la, sua vida já não teria o menor sentido. Ao seu lado, Cléo mantinha-se em silêncio, como se soubesse que nada do que dissesse poderia ajudar, no estado de espírito em que Michele se encontrava. Em silêncio, as duas percorreram os quilômetros que as separavam da casa de Tyler.

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE O carro de Tyler estava na garagem. Ainda bem, pensou Michele. Ela entrou na casa correndo e encontrou-o exatamente no lugar onde tinha imaginado. No terraço que dava para a piscina. Ali estava ele, no mais completo silêncio olhando para o nada, um copo de uísque nas mãos. Era a própria imagem da decepção. — Tyler... — Michelle começou a falar com voz vacilante. Ele se virou rapidamente ao som de sua voz. Cléo tinha razão. O rosto do homem de sua vida era uma máscara que falava de dor e de sofrimento. Sentiu uma vontade imensa de abraçá-lo com força, de poder mudar aquela expressão do rosto amado. — O que veio fazer aqui, Michele? Decidiu, enfim, me contar que descobriu que ainda ama Kevin? Bem, minha querida, não precisa, não precisa se incomodar. Eu mesmo vi com os meus próprios olhos. É ele quem ainda manda em seu coração. É ele quem sempre mandará em seu coração. Agora pode ir embora. Tyler olhou-a. Michele viu em seus olhos todo o sofrimento que ele sentia. Em voz baixa, continuou: — Não há motivos para prolongar esse sofrimento. Fique tranquila, não vou me matar, embora tal pensamento tenha me passado pela cabeça quando vi o beijo que deu em Kevin. — Pelo amor de Deus, Tyler! Você viu tudo errado! Entendeu tudo errado também! Não é nada disso que está pensando! Ele deu um sorriso triste. — Eu vi tudo certo, Michele. Não há nada de errado com meus olhos. Agora, se não se incomoda, gostaria de ficar um pouco sozinho. Ela levantou a cabeça. — Não pretendo sair daqui, enquanto você não ouvir tudo o que tenho a dizer! Tyler deu de ombros. — A velha Michele de sempre, que adora ter a última palavra em tudo. Bem, pode falar e quando terminar, vá embora, me deixe sozinho e não volte nunca mais. Ela não sabia por onde começar. Quando se deu conta, estava tropeçando nas próprias palavras. — Eu... Encontrei-me com Kevin por acaso. Aí ele me perguntou como estava indo nosso namoro e eu lhe disse que ainda não tinha certeza de seu amor por mim. Então ele me falou para parar de duvidar, que, se você tinha dito que me amava, era porque me amava de verdade. Respirou fundo e com um meio sorriso, tentou continuar com sua explicação: — Daí eu fiquei tão feliz, que me atirei nos braços dele e o beijei. Aí... aí... Ora, daí ele nos desejou felicidades e foi embora. No instante seguinte, Cléo estava diante de mim, dizendo aquele monte de desaforos, parada na frente da porta da lanchonete. Outra pausa. Ela não queria acreditar, mas algo na expressão de Tyler, um fugaz brilho nos olhos, indiciou-lhe que talvez nem tudo pudesse estar perdido. Michele contou: — Ela quase acabou comigo e me contou que você... que gostava de mim há anos. F... foi a maior surpresa da minha vida. Eu... realmente não sabia. — A boa e velha Cléo... — Sim, a boa e velha Cléo. Porque era exatamente isso que eu precisava ouvir. Eu te adoro tanto, Tyler, que acho que vou explodir. Mas ainda tinha dúvidas a respeito de seus sentimentos. Também, o que você queria que eu pensasse? Durante esses anos todos, conheci centenas de

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE namoradas suas. Uma mais bonita do que a outra. Para mim, você não passava de um grande playboy. Mas agora, graças a Kevin e a Cléo, não duvido mais de seu amor. Então, com um suspiro, Michele finalizou: — Mudei completamente de idéia. Você não é um playboy sem coração. É o homem mais maravilhoso do mundo. E, se me pedir em casamento de novo, vou dizer "sim" tão depressa, que você vai ficar tonto! Tyler levantou uma sobrancelha. — Você... você está falando sério? — Nunca falei tão sério em toda a minha vida, Tyler. — Então você não ama mais Kevin? — Claro que não, seu bobo! A troco de que você acha que estou aqui de pernas bambas, morrendo de medo de ser mandada embora? Se eu ainda sentisse alguma coisa por Kevin, é claro que nem teria vindo até aqui, sua casa! Não, Tyler. Kevin é página virada na história da minha vida. Ah, e sabe o que ele me disse? Que realmente gosta de Dannielle. E eu acreditei. Ele me pareceu muito sincero. Ou tão sincero quanto ele consegue ser! Tyler continuou a observá-la por mais alguns instantes, então um sorriso apareceu em seus lábios. — Eu me apaixonei por você no instante em que entrei naquela sala de aula e a vi. E levei dez anos para conquistá-la. Esperaria mais mil, se fosse necessário. Michele sentiu um nó na garganta, queria dizer tantas coisas, mas conseguiu balbuciar apenas: — Oh, Tyler... — Case-se comigo e me faça um homem inteiro. Inteiro... Aquela era a palavra certa. Ela dizia tudo. Porque, sem Tyler a seu lado, Michele também seria apenas meia pessoa. E ele sentia a mesma coisa a seu respeito. Podia ler aquilo em seus olhos. — Sim! Sim! Sim! Um milhão de vezes, sim! E jogando a bolsa em cima de uma cadeira, atirou-se nos braços do homem que amava. O dia do casamento de Michele e Tyler amanheceu claro e ensolarado. Os jardins da casa dos Garrison estava todo enfeitado, preparado para a maior cerimônia que a sociedade local já vira. No altar que havia sido montado no jardim central, um Tyler elegantíssimo e extremamente nervoso aguardava pela chegada do amor de sua vida. Ao seu lado, no altar, estavam sua mãe, Cléo e o pobre Hugh. Nisso, a Marcha Nupcial se fez ouvir. Depois de alguns instantes de expectativa, viu Michele caminhar em sua direção. Vinha andando de braço dado com o sr. Garrison. Parecia uma figura etérea, naquele vestido branco enfeitado com flores de laranjeira. Tyler sentiu uma emoção tão grande, que quase não conteve um suspiro. Quem diria! O maior exemplo de amor e responsabilidade, lealdade e segurança, carinho e proteção de sua vida trazia para ele a mulher amada... Realmente, ele e Michele, agora tinha certeza, teriam uma vida feliz e plena de realizações. Com um sorriso a embelezar ainda mais o rosto bonito, foi de encontro à sua noiva. De encontro à felicidade. MIRANDA LEE é australiana e mora perto de Sidnei. Nascida e criada no interior, foi educada em colégio interno e dedicou-se brevemente à carreira de música clássica antes de

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BIANCA 748.2 - UMA PROPOSTA OUSADA – MIRANDA LEE mudar-se para Sidnei e abraçar o mundo dos computadores. Casada, mãe de três filhas, ela começou a escrever quando os compromissos familiares a retiveram em casa. Miranda gosta de criar histórias plausíveis, modernas, envolventes e sensuais. Seus interesses incluem a leitura de sagas substanciais, palavras cruzadas e cinema.

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