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Difícil Decisão (Country of the heart)

Robyn Donald Sabrina 674

Ele era rico, poderoso e a queria a qualquer preço Blake tinha tudo o que um homem podia ambicionar: riqueza, respeito, poder. Era também o que toda mulher sonhava encontrar em seu príncipe encantado: gentil, carinhoso, ardente. Sara se desmanchava cada vez que se encaravam com os olhos faiscando de desejo. Agora ela sabia o que era paixão. Seu coração lhe dizia para se entregar, mas como, se Blake não se desviaria nem uru milímetro de seus objetivos, enquanto ela teria de abandonar a medicina, algo por que lutara a vida toda?

Doação: Mana Digitalização: Alê M.


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald

Revisão: Cris Veiga

Copyright © 1987 by Robyn Donald Publicado originalmente em 1987 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada por acordo com a Mills & Boon Ltd. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: Country of the heart Tradução: Vitória Paranhos Mantovani Copyright para a língua portuguesa: 1991 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3? andar CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento no Circulo do Livro S.A. Foto de capa: Keystone

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald

CAPÍTULO I Verão! A palavra possuía uma magia toda própria. Sara MacMillan afastou os cabelos cor de chocolate de seu rosto miúdo e virou-se de bruços, estendendo o corpo esguio sobre a toalha. Os longos cílios pestanejaram levemente enquanto ela erguia os olhos, admirando a alta copa da árvore que a protegia do sol intenso. Um longo bocejo transformou-se num sorriso satisfeito quando ela fechou os olhos, quase tão verdes quanto as folhas que via. Um pouco antes de pegar no sono, pensou que houvera alguma vantagem na pneumonia e nas conseqüências debilitantes da doença. Em seu caso, a “vantagem” eram aquelas três semanas em Moturahoa. O nome do lugar era estranho, e significava “ilha do amor” na língua dos maoris, os nativos da ilha. Decidindo que iria descobrir a razão para tal nome, bocejou uma vez. O amor poderia esperar, já que não tinha tempo para ele. Estava mais que satisfeita em deitar-se à sombra e ouvir o ruído das ondas do mar, os pássaros cantando e as vozes abafadas dos incansáveis jogadores de tênis, que se extenuavam nas quadras do hotel. O início da tarde, no verão, era a hora da sesta. E, enquanto um sorriso preguiçoso permanecia em seu rosto, o sono a dominou. Acordou de repente, assustada. Era como se estivesse sendo atacada por algo estranho, e o barulho de uivos e rugidos fez com que sua mente adormecida despertasse era pânico, imaginando estar rodeada por uma matilha de lobos ferozes. Abriu os olhos e, ao ver o que havia a seu lado, sentou-se num salto, gritando: — Não! Não faça isso. Não! Dois cachorros, um spaniel preto e um beligerante pastor, reconhecendo o tom de autoridade, cessaram a luta, ambos com evidente expressão de raiva e irritação. — Sentados! — ela tornou a gritar, reforçando seu papel e, para sua surpresa, ambos obedeceram. Porém, o pastor, bem alimentado e arrogante, ignorou os restos de seu lanche, que jaziam sobre a toalha, enquanto os olhos do spaniel se fixaram num sanduíche com tal intensidade que fez o coração de Sara derreter-se. — Ah, coitadinho, está com fome — ela falou, notando que a pele do animal quase colava-se aos ossos das costelas. Os pêlos pretos estavam sujos e maltratados, e seus olhinhos escuros brilhavam, como se estivesse em dúvida sobre quem deveria temer mais, se a ela ou ao pastor. Ignorando o fato de que a parte de cima de seu biquíni escorregara quase até a cintura, Sara pegou um dos sanduíches, retirou o plástico que o envolvia e estendeu-o para o cachorro. O pastor continuava parado, imóvel e sem se 3


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald importar com a guloseima oferecida. O spaniel, no entanto, voou ao encontro do sanduíche, engolindo-o de um só bocado, numa clara demonstração de sua imensa fome. — Não sei se devo lhe dar mais um — Sara falou, pensativa. — Se você fosse uma pessoa, só esse sanduíche seria mais do que suficiente, mas acho que cachorros comem mais. Um grunhido choroso informou-a de que estava certa, mas, antes que pudesse fazer algo a respeito, ela ouviu um ruído de galope aproximando-se e virou-se para o lado. À distância de alguns metros, uma cerca marcava o limite do hotel e os pastos de ovelhas que ocupavam grande parte da ilha. Do outro lado, um cavaleiro aproximava-se dela e, a julgar pela expressão de seu rosto, apreciava a visão completa de seus seios e pernas expostos. — Ah, diabos — ela murmurou, puxando rapidamente a parte de cima do biquíni, enquanto ruborizava pelo corpo inteiro. Com alguma amargura, concluiu que deveria ser a única mulher do mundo que ficava vermelha dos pés à cabeça. Afinal de contas, era comum algumas mulheres fazerem top-less nas praias do mundo inteiro. Mesmo na Nova Zelândia! Não havia necessidade de aquele fazendeiro saber o quanto estava embaraçada pela sua nudez temporária. Esperou que ele fizesse algum comentário, ou um cumprimento, mas as primeiras palavras dele foram para o cachorro: — Aqui, Blue! O cão pastor levantou-se, lançou um olhar para Sara e, sem nenhum esforço, saltou por cima da cerca, caminhando até onde estava o cavalo. Sem saber que estava sorrindo, Sara olhou para cima, e para cima, e mais para cima. O cavalo era enorme, e o homem que o montava, também. Não exatamente “enorme”, no sentido de gigantesco ou assustador. Mas era grande. Com freqüência, Sara deplorava suas dimensões minúsculas, mas nunca tanto como agora. Com um ar de fascinação, ela observou o estranho desmontar do cavalo e amarrá-lo a um dos postes da cerca. Ele retirou o chapéu, revelando os cabelos loiros, tão claros como raios de sol, e veio se aproximando. — Aquele cachorro foi abandonado — ele informou, num tom amigável. — É o que parece. E está faminto, também. Os olhos cor de âmbar examinavam-lhe o rosto atentamente, brilhando com divertimento. — Não sou responsável por isso — ele tornou. — Não imaginei que fosse. — Sara sentiu que corava novamente. Ele a fazia sentir-se como uma tola! Tornou a falar, demonstrando uma paciência exagerada: — O que acha que devo fazer com ele? O homem olhou para o cachorro e depois para Sara, continuando: — Como está sem coleira, pode-se presumir que os donos não o queiram de volta. Imagino que não tinham intenção de matá-lo, por isso o soltaram aqui na praia. Ele deve ser sacrificado. Sara concluiu que não queria ter aquele homem corno inimigo. A voz profunda e incisiva demonstrara, quando falara sobre os proprietários do 4


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald cachorro, o quanto depreciava tal atitude. — Mas não pode fazer isso — ela protestou, ao perceber que a expressão dele se suavizara, transformando-se num sorriso que era puro charme. — Não é culpa dele ter sido abandonado, e veja como está aterrorizado! Inclinou-se para afagar os pêlos da cabeça do cachorro, ignorando os avisos do homem para que não o fizesse. Num instante, seu pulso foi agarrado e afastado por uma mão enorme e bronzeada. Sara ergueu os olhos, furiosa, mas antes que pudesse dizer uma palavra o estranho a soltou. — Nunca toque num cachorro abandonado — ele falou, num tom indiferente. — Alguns não possuem inibição alguma em morder a mão que os acaricia. Assustada, Sara olhou para o cão. — Você não faria isso, não é? O cachorro respondeu com um grunhido amoroso e com um vigoroso abanar de cauda. — Ele deve estar cheio de pulgas —- o estranho observou, zombeteiro. — E de sarnas. — Ugh! — Especialmente nas orelhas. Sara ajoelhou-se e se pôs a examinar as orelhas do cão, com a expressão interessada de quem sabe o que está fazendo. Continuou ignorando os protestos do estranho, até ter certeza de que não havia sarna ou qualquer outra forma de vida escondida nas orelhas do animal. — Você foi muito competente — ele observou, abaixando-se para alisar, com a mão morena, o pêlo estragado do cão. — Você tem cachorros? — Não. Sou médica — Sara respondeu distraída, os olhos fixos nos dedos longos que acariciavam o cachorro com habilidade e gentileza. — Médica? Ela suspirou baixinho, antes de encontrar os olhos que a perscrutavam. Eram mais dourados que cor de âmbar, pensou. Os cílios longos e curvos... Embora soubesse que o encarava, foi incapaz de se conter. O rosto que aqueles olhos iluminavam não era exatamente bonito, mas possuía uma força, como se fosse o espelho do caráter e da personalidade do homem. — Sim, médica — respondeu, afinal, embaraçada por ter agido como uma adolescente fascinada. — Meu nome é Sara MacMillan e, apesar das aparências, já saí da escola. — Há quanto tempo? — Tenho vinte e seis anos — ela informou, baixinho. Ele estendeu-lhe a mão, com um ar muito sério. — Muito prazer, dra. MacMillan. — Acabei de me formar — Sara explicou, dando-lhe a mão. — Ainda tenho alguns anos de estudo pela frente. — Pois não parece ter idade suficiente para ser médica. — O tom dele era 5


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald amigável. — Sou Blake Caird, moro aqui, tenho trinta e quatro anos. E não sou casado — acrescentou, com um brilho sorridente nos olhos. Um tanto embaraçada, Sara puxou a mão, desejando que a altura dele não a fizesse sentir-se tão inadequada. Tinha de erguer a cabeça para poder olhá-lo no rosto! — Não é preciso me chamar de “doutora”. — Fez uma pausa, envergonhada, e prosseguiu: — Mas é que, por eu ser tão baixinha, as pessoas costumam me tratar como se eu fosse uma criança. Então, procuro aproveitar de toda a dignidade que puder obter! — Sei como se sente. — Ah, mas certamente... — Se alguém tem quase dois metros de altura e o corpo parecido com um trator, as pessoas concluem que, mentalmente, ele também se parece com um trator. Será que você mencionou se há um marido por aí? Ela riu, ruborizando mais uma vez. — Não, ainda não tive tempo para pensar em um marido. Acha que há algo errado com o cachorro? — Não. Ele me parece muito bem, só um pouco maltratado. Tenho certeza de que comida e um bom banho logo o deixarão recuperado. O que vai fazer com ele? — Eu? Mas eu não posso... — Interrompeu-se, olhando para baixo, enquanto o cachorro encostava-se em seu joelho, fitando-a com adoração. — Não posso tomar conta dele — concluiu. — Ele está apaixonado por você. — Mas estou hospedada no hotel, não posso ficar com um cachorro. O estranho sorriu, mostrando uma fileira de dentes muitos brancos no rosto bronzeado. Tornou a colocar o chapéu e falou, distraído: — Diga a Mike Cloud para encontrar um lugar para ele. Se é tão maluco por rostinhos bonitos, deve se importar com animais abandonados, também. — Sim, mas... — De repente, ela se lembrou de ter visto alguns avisos no hotel. — Não se permitem cães soltos na ilha. Deve saber disto, se mora aqui. Os cachorros atacam as ovelhas e afugentam o gado. Alguém vai acabar atirando nele. — Se ele conseguiu se safar até agora, deve ser bastante inteligente para se manter afastado do perigo — o estranho tornou. — Pode prendê-lo numa correia. — Não tenho uma correia! E, mesmo se tivesse e se pudesse mantê-lo aqui, não poderia levá-lo comigo. Faz alguma idéia de quantas horas trabalho por dia? Cães são animais sociáveis, precisam de companhia. Moro num apartamento e não seria justo mantê-lo preso e sozinho. — Então desista e largue-o por aí. Pela primeira vez, desde a infância, Sara bateu o pé no chão. A calma dele a deixava enfurecida e humilhada por estar perdendo o controle. — Ora, você é um ... é um ... 6


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ele nada disse, apenas fitou-a com uma sobrancelha erguida. Sem perceber, Sara deu um passo para trás. O tamanho dele se tornara, de repente, intimidador. O homem era mesmo muito alto, mas não parecia um trator. Ao contrário, possuía um corpo bem-feito, os ombros largos iam se afilando até a cintura, as pernas longas e musculosas. Estava vestido com roupas de trabalho, uma calça caqui, e uma camisa com as mangas arregaçadas até os cotovelos, o que acentuava ainda mais a masculinidade que assaltava seus sentidos. Ele nem precisava ser bonito, no sentido convencional da palavra. Bastavalhe aquela aura de masculinidade, de poder e força, que era uma tentação para qualquer mulher. — Sou bem maior que você, mas só fico perigoso durante a lua cheia —- ele falou, estreitando os olhos. Sara sorriu, tentando reencontrar a facilidade com que normalmente tratava os representantes do sexo oposto. — Imagino que você seja tão inofensivo quanto um tigre — ela comentou, dando-se conta, tarde demais, de que soara um tanto provocativa. — É um fato bem conhecido que homens grandes demais são lentos — ele tornou, sorrindo. — É mesmo? — Ela franziu a testa, sorrindo também. — Pois creio que posso dizer que você é uma exceção. Desculpe-me por ter perdido a paciência, é que... — Olhou para o cachorro, grata por ele ter lhe chamado a atenção, pois não sabia mais o que dizer. — Não! — O animal enfiava o focinho na sacola de plástico onde ela trouxera o lanche. Ao ouvir-lhe o grito, afastou-se instantaneamente. — Ah, coitadinho — juntou, cheia de remorso, ajoelhando-se para acariciá-lo, abraçando-o como faria com uma criança. — Tenho certeza de que batiam nele... O cão gostou daquilo, lambendo-a no rosto e abanando a cauda. — O que vou fazer com você? — Sara tornou a perguntar, num suspiro. Blake intrometeu-se, brincalhão: — Se você não quer deixá-lo e nem pode ficar com ele, o melhor a fazer é encontrar alguém que o queira. — Você não gostaria de ter um spaniel? — ela indagou. — Veja como ele é bonzinho e afetuoso. Ele riu e, segurando-a pelo braço, ajudou-a a se levantar. — Não, eu não quero um cachorro, já tenho muitos. E, pelo que sei, spaniels não servem para trabalhar. A mão dele ainda a segurava, quente, firme, fazendo com que um ligeiro tremor lhe perpassasse o corpo. Indecisa, Sara afastou-se um pouco, quando ele finalmente a largou, e procurou o que dizer. — Mas os cães que trabalham não são de estimação, não é verdade? Não gostaria de ter um animal de estimação? — Receio que não. Como você, trabalho muito e não teria tempo para cuidar dele. Entretanto, se quiser, posso ficar com ele até você ir para casa. — Por três semanas? — Sara olhou para ele, esperando uma resposta, 7


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald porém nada viu em sua expressão. Num gesto inconsciente, mordeu o lábio, de leve. — É muito gentil de sua parte, obrigada. Sorriu impulsivamente, iluminando o rostinho miúdo e perfeito. Mas não houve um sorriso em resposta, da parte de Blake. Os olhos dele, semicerrados, examinavam-lhe a face com interesse. Engolindo em seco, Sara virou-se, sabendo exatamente o significado daquele olhar. Não estava preparada para aquilo, ainda não. Num reflexo rápido, pegou a camiseta que usava por cima do biquíni e vestiu-a. — Como vai levá-lo até sua casa? — perguntou, num tom um tanto mais ansioso do que o normal. — Ele vai seguir Blue. — Blake parecia indiferente e, num gesto impessoal, despediu-se dela. Sara ficou observando-o pular a cerca e montar novamente em seu cavalo. Podia, agora, admirar seus gestos precisos e másculos, a maneira sensual com que ele se movia, sem correr o risco de ser pega em flagrante. Porém, nada no mundo faria com que o cachorro abandonado saísse de perto dela. Já exasperado, Blake lhe falou: — Fique aí mesmo, até eu voltar. — E afastou-se a galope, com Blue em seu encalço. Também exasperada com a maneira como ele lhe dera aquela ordem, Sara sentou-se na toalha e olhou para o pequeno spaniel, fingindo-se zangada. — Você está causando muita confusão. Sei que todo esse amor foi causado pela comida que lhe dei, mas fique sabendo que ele também vai lhe dar comida. Venha, beba um pouco de água. Abrindo um copinho descartável, ofereceu-lhe a água mineral, que o cão bebeu avidamente. Depois, deitou-se ao lado dela e, descansando a cabeça em sua perna, pôs-se a dormir. Sara ficou observando o mar, com as mãos cruzadas nos joelhos, mas tudo em que conseguia pensar era em Blake Caird. Ele era, positivamente, o homem mais excitante que já conhecera. Aqueles olhos maravilhosos! E a boca, firme, autoritária, seria capaz de relaxar, curvar-se numa linha terna? Era difícil imaginar, mas podia apostar que ele era uma pessoa muito mais complexa do que o exterior revelava. O zunido soporífero das cigarras a deixou novamente sonolenta. Tentou resistir o mais que pôde, porém logo sucumbiu, deitando-se. O cãozinho mantinha-se próximo a ela, embora não tocasse em seu corpo estendido. O ruído distante de um motor fez com que o cachorro erguesse as orelhas, alerta, mas não conseguiu acordar Sara. Continuou adormecida, mesmo quando Blake aproximou-se observando, em silêncio, a figura delgada abandonada em seu sono.

e

ficou

Apenas quando ele a chamou pelo nome, repetidas vezes, ela acordou. Bocejando, espreguiçou-se e, ao vê-lo, tomou uma atitude de defesa, instintivamente. 8


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Era como olhar para uma montanha, ela pensou. Blake permanecia com as mãos na cintura, os pés calçados com botas ligeiramente afastados e olhando-a com um frio interesse, capaz de afastar qualquer sombra de autoconfiança que ela tivesse. Com um grande esforço, sentou-se, tentando manter uma atitude orgulhosa que pudesse esconder a confusão que sentia dentro de si. Por um instante, ambos ficaram olhando-se em silêncio, numa tensão súbita e profunda. De repente, como se nada houvesse acontecido, Blake estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se. Como se estivesse sendo desafiada a aceitar a ajuda, Sara estendeu-lhe a mão também, erguendo-se num movimento suave, sem qualquer esforço. Ele sorriu, um sorriso de reconhecimento e compreensão ante o espanto que ela não conseguia esconder. A pele dele era dourada, num contraste marcante com a pele muito clara de Sara, os dedos longos e fortes segurando-lhe o pulso frágil de maneira suave e possessiva ao mesmo tempo. Com aquele toque, uma onda de calor desconhecida, maravilhosa, espalhou-se pelo corpo dela, e a fez tremer, enquanto seus olhos prendiam-se aos dele. — Eu não... — ela balbuciou, mas interrompeu-se quando Blake ergueu-lhe a mão e beijou a parte interna de seu pulso, onde uma veia pulsava loucamente. — Eu também não — ele falou, enigmático, fitando-a intensamente. — Mas pretendo descobrir. Sara retirou a mão, afastando-se um pouco a fim de recobrar a compostura. — Não sei o que está dizendo — retrucou, virando o rosto a fim de esconder o embaraço. Blake nada explicou, apenas sorriu e abaixou-se para apanhar a toalha no chão. Para um homem tão alto, ele se movia com tal facilidade que a fez se lembrar de um animal predador, com total confiança em si mesmo. Afastando aquelas idéias Sara pegou a sacola onde trouxera o lanche e encaminhou-se para o jipe estacionado próximo à cerca. — Devo estar mesmo cansada — comentou tolamente. — Nem ouvi você chegar. — Esteve doente? — Ela o fitou, surpresa. — Sim — admitiu, relutante. — Tive pneumonia e não me recuperei como devia, voltando depressa demais ao trabalho. É por isso que estou aqui, deitada na praia sem nada a fazer além de recolher cães abandonados. — Foi o que pensei — ele comentou. — Você está magra demais. E confesso que fiquei admirado ao vê-la afagar um cachorro que nem conhece, sem se preocupar com pulgas e outras coisas. Sara riu, olhando para ele. Os olhos dourados possuíam um estranho brilho de cumplicidade, como se ambos compartilhassem um segredo cujo significado só eles compreendiam. Blake afastou os arames da cerca, para que ela pudesse passar e ajudou-a a levar o cachorro. Ao entrar no jipe, Sara imaginou que tal segredo seria uma profunda e inegável atração mútua. O cachorro acomodou-se a seus pés e, enquanto Blake se sentava à direção, ela o observou com o canto dos olhos. Sim, tinha certeza de que havia uma 9


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald atração, uma química estranha e desconhecida que os poetas do mundo inteiro e de toda as gerações não se cansavam de cantar. Chamavam-na de desejo, paixão, ou simplesmente luxúria. Porém, Blake era um homem atraente, com um corpo formidável e perfeito. Qualquer mulher saudável ficaria atraída por ele. E, se não bastasse a atração física, havia o fato de que ele possuía aquela espécie de autoridade e autoconfiança que significavam um permanente desafio. Além de ser bom e generoso, ela concluiu, pois do contrário teria deixado o cachorro e ela mesma abandonados à própria sorte. No entanto, ela era Sara MacMillan, com um futuro bastante promissor e totalmente planejado à sua frente e não poderia dedicar-se a tais desafios. Blake Caird era, com toda certeza, um amante habilidoso e gentil, mas também um homem perigoso, do tipo que seria impossível esquecer. Ainda assim, ela não poderia deixar de ser sociável. Procurou manter uma conversa afável, enquanto atravessavam o pasto, até alcançar a estrada que levava a uma baía. — Baía dos Colonizadores — ele informou. — O nome tem suas razões óbvias. — Ah, é lindo — ela falou, vendo ao longe a grande propriedade escondida atrás dos pinheiros que circundavam a baía. Ao ver a imensa casa, sufocou um grito de admiração. Blake parou o carro, e ela desceu, correndo até um mirante a fim de ter uma visão melhor; encaixada na baía, a casa debruçava-se sobre o oceano Pacífico, majestosa. — Eu não acredito! — ela murmurou. — Foi construída por sir James Reed, com os lucros que obteve nas minas de ouro. Como pode ver, ele esteve na Grécia. — É algo fora deste mundo! Construída num platô sobre a praia, a casa em estilo grego fora erguida em pilares imensos, da mesma pedra clara que recobria o restante da construção. Brilhava, serena e elegante, entre jardins extensos que davam para o mar. — Parece uma mistura do Partenon com um forte — Sara comentou. — Deveria parecer incongruente, neste lugar, porém adapta-se perfeitamente! E é imensa! Por que será que nunca vi fotografias desta casa? Quem é que mora ali? — Eu — ele respondeu. — É minha casa e, como gosto de privacidade, não permito que ninguém tire fotos. Depois do primeiro instante de surpresa, Sara virou-se para ele e começou a rir, balançando a cabeça. — Mas quem diria! Vendo-o vestido dessa maneira, nunca poderia imaginar que vivesse numa casa assim. Deveria estar usando uma camisa de seda com botões de brilhantes! Ele riu: — Sou grande demais para usar roupas desse tipo — brincou. — Diga-me, esta casa é tão incrível por dentro quanto por fora? — Venha comigo e verá por si mesma — ele respondeu. 10


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Bem, Sara pensou, aquilo explicava o ar de autoconfiança de Blake. Se ele era o proprietário da ilha Moturahoa, devia ser mais rico do que qualquer outra pessoa que conhecera. Forçou a memória, a fim de se lembrar de onde ouvira aquele nome antes. — Morgan Caird! — falou, triunfante, recordando-se. — É meu primo. — Blake lançou-lhe um olhar enviesado, desviando a atenção da estrada que, aparentemente, conhecia bem demais. — Você o conhece? — Encontrei-o uma vez, quando ajudei no parto da esposa dele. — Ah, sim — Blake comentou, a expressão do rosto suavizando-se. — Lembro-me de como Morgan estava grato ao pessoal do hospital. Foi um parto demorado, e ele é alucinado pela esposa. — E ela pelo marido — Sara concordou. Sorriu, lembrando-se de como havia gostado do casal, quase invejando sua total entrega. O bebê, uma pequena réplica do pai, havia sido mais que bem-vindo naquele círculo mágico. Pensou em algumas crianças de quem tratava, que não tinham a sorte de possuir pais tão amorosos, e suspirou. A seus pés, o pequeno spaniel estremeceu um pouco, pressionando o focinho contra sua perna. “Eu e você”, ela pensou, “estamos fora de nosso elemento, aqui. Mas será divertido conhecer o modo de vida dos ricos.” O jardim que rodeava a casa parecia uma fantasia subtropical. Imensas árvores frondosas, centenas de hibiscos coloridos, muitas espécies de flores lindas e perfumadas. — É fantástico! — ele murmurou, extasiada com tanta beleza. — É o único lugar em que me sinto bem — ele falou, desligando o motor do jipe. — Acho que, se tivesse de ficar longe desta ilha, preferiria morrer. Agora, vamos tratar de dar um jeito neste animal. Uma hora depois, o cachorro tinha sido banhado, tosado, alimentado e vacinado contra todas as doenças possíveis. Blake prendeu-o num canil cercado por uma tela alta e, ao ver Sara afastar-se, o cãozinho deixou escapar um ganido sentido, mas logo se acomodou à nova situação. Um tanto espantada pela pequena clínica veterinária que Blake possuía em seu canil, ela se deixou levar até os fundos da casa, sentando-se numa poltrona de vime muito confortável sob um jacarandá. Blake serviu-lhe chá, que havia preparado enquanto ela lavava o rosto e as mãos num lavabo próximo à porta dos fundos. — Você está sendo extremamente gentil — Sara agradeceu, tentando ignorar o olhar apreciador que ele lançava a suas pernas estendidas. — E tenho certeza de que, se o cachorro pudesse avaliar o que você fez por ele, ficaria muito grato também. — Ele riu, os olhos tornando-se ainda mais brilhantes: — Todos os cães ficam muito zangados quando confrontados com uma agulha de injeção. Mas quase tive inveja dele. A maneira como procurou abrigo em seu colo foi tocante. — Espero que não esteja tomando o seu tempo — ela falou, pousando a 11


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald xícara sobre a mesinha e tentando desviar o assunto. — Não tenho nada de muito importante a fazer, hoje. Fale-me sobre você. — Não há nada a dizer — ela tornou, encolhendo os ombros levemente. — O que a fez decidir tornar-se médica? — Acho que nunca quis ser outra coisa. Tinha mais ou menos cinco anos quando tomei a decisão. — Normalmente Sara não era muito comunicativa, preferindo ouvir do que falar, principalmente sobre si mesma. Porém, Blake era um ouvinte interessado e inteligente e, depois de alguns minutos, ela se deu conta de que lhe contara mais do que pretendia. Endireitando-se na cadeira, falou: — Devo estar aborrecendo você com minhas histórias. — Nunca permito que me aborreçam — ele retrucou, com uma ponta de sarcasmo na voz. — E sobre casamento? Não sente necessidade de um marido, nesta sua vida tão bem planejada? — Sim, gostaria de me casar, se for possível. — Já teve alguma desilusão amorosa, Sara? — ele perguntou, erguendo uma sobrancelha. Ela sorriu: — Já fui noiva, uma vez. Não deu certo. — Por quê? Ela mordeu o lábio, incerta. Queria mandá-lo parar de intrometer-se, de ficar fazendo perguntas que ela não desejava responder. Porém, cometeu o erro de olhá-lo, e a força que percebeu nos olhos dele a compeliram a prosseguir: — Ele era um homem muito inteligente e ambicioso — contou. — Queria uma esposa que o ajudasse na retaguarda, enquanto ele subia os degraus que o levassem ao topo de sua carreira. Não desejava uma estudante de medicina que passava o tempo todo com o nariz enfiado nos livros, e cujo tempo seria ainda mais consumido com o passar dos anos. Também sou incapaz de preparar um jantar de gourmet em quinze minutos, além de cair de sono ao ouvir qualquer conversa de negócios. Enfim, era totalmente inadequada para ele. — Você não sabe cozinhar? Ela sorriu, embora ainda estivesse um pouco zangada por ter sido obrigada a falar tanto de si. — Bem, consigo fazer o suficiente para não morrer de fome. Mas simplesmente não suporto a idéia de levar horas na cozinha, preparando um molho que combine com o camarão. Ele riu, divertido: — É quase um alívio encontrar uma mulher que não aspire ser uma cozinheira brilhante. Todas as jovens que conheço parecem passar metade de suas vidas fazendo os mais variados cursos de culinária e, quando preparam os seus pratos exóticos, exigem que a cada cinco minutos alguém vá até a vila buscar um ingrediente vital que está faltando. Sara olhou para ele, erguendo as sobrancelhas, com um ar irônico. Blake deu de ombros e juntou: 12


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — A vida aqui na ilha pode ser bastante monótona, se alguém está acostumado com as facilidades da cidade. Apenas o hotel é suficiente para compensar a falta de opções. — Teve alguma desilusão amorosa, Blake? — foi a vez dela de perguntar. — E todos nós não tivemos? — ele respondeu, os lábios crispados ante a recordação desagradável. Sara arrependeu-se do tom de zombaria que usara, mas ao fitá-lo compreendeu que ele dispensava sua simpatia. Não parecia haver ninguém mais seguro no mundo do que aquele homem. — Um casamento — ele falou, afinal, sem qualquer expressão. — O isolamento foi o que acabou com ele. — Sinto muito — Sara falou, com sinceridade, apesar de ele não demonstrar nenhuma emoção. — Eu também sinto. — Ele hesitou um pouco, antes de explicar. — Ela se afogou, tentando escapar daqui. — Ah, meu Deus... — Sara levantara-se e estava ao lado dele antes mesmo de dar-se conta do que fazia. Inclinou-se um pouco, as mãos tomando-lhe a cabeça e recostando-a em seu peito, num abraço repleto de solidariedade. Podia sentir o espanto dele e, quando começou a se afastar, percebeu que ele lhe enlaçava a cintura. — Fique aqui — ele pediu, sem esconder a surpresa que sentia. — Em que pretende se especializar, na medicina? — Pediatria. — Acho que vai ser uma excelente pediatra. Você tem bom coração. Sara baixou os olhos para o brilho dos cabelos loiros de encontro a seus seios. Ele se moveu um pouco e logo nada mais havia de maternal ou amigável no gesto que ela oferecia e Blake aceitava. O ar, zunido com o cantar das cigarras, tornou-se mais espesso, como se algo mais o preenchesse. As mãos de Sara mergulharam na maciez dos cabelos de Blake, que moveu a boca sobre seu seio, fazendo com que uma sensação deliciosa se lhe espalhasse pelo corpo. Devagar, a mão dela deslizou até o pescoço de Blake, hesitou por um segundo, e prosseguiu sob o colarinho até encontrar o contorno firme do ombro. Ele murmurou alguma coisa e puxou-a de leve, posicionando-a entre seus joelhos. As mãos espalmadas em sua cintura contraíram-se, apertando-a até que ela mordeu o lábio, numa sensação dolorida e deliciosa ao mesmo tempo. Blake levou a mão por baixo da camiseta que ela usava, acariciando-lhe a pele macia das costas. Ele sorria, os olhos semicerrados e escondendo o brilho de desejo que continham. Os joelhos de Sara amoleceram e, num instante, estava no colo dele. Blake tirou vantagem e, de imediato, ergueu a mão, segurando-lhe o seio. Ela sentiu que o ar lhe faltava e, numa súbita explosão, todos os seus sentidos estavam atentos. Quando os lábios dele deslizaram por seu pescoço, ela estremeceu. Quase cega, levada apenas pelos instintos, Sara recostou o rosto entre os cabelos dele, aspirando o perfume másculo que exalavam enquanto 13


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald ondas sensuais lhe perpassavam o corpo. A paixão parecia irresistível e, apesar de as mãos experientes e hábeis de Blake estarem encontrando o caminho certo, Sara sabia que devia parar enquanto ainda tinha forças para isso. Blake não pareceu perceber que ela se enrijecera. Continuava a provar o sabor de sua pele, a boca ávida passeando-lhe pelo pescoço. Gentilmente, com as mãos trêmulas, ela segurou-lhe a cabeça, impedindo-o de prosseguir. Ficaram olhando-se por um longo instante, perdidos na profundeza daquela sensação. Sara percebia que os olhos dele, como dois lagos dourados, brilhavam inescrutáveis, sem deixá-la perceber o que se passava em sua alma. Finalmente ele a soltou e sorriu. — Não é “esse tipo de garota”, não é, Sara? — ele ironizou, novamente no controle de si mesmo. Ela reagiu à ironia levantando levemente a cabeça. — Desculpe, mas não costumo ir para a cama com alguém que acabei de conhecer. Ele se levantou e, de repente, seus olhos tornaram-se mais doces, suaves: — Talvez esteja certa em fazer isso. — É a maneira mais segura, e sou uma pessoa cautelosa — ela retrucou. — Eu também, normalmente — ele concordou, deixando transparecer outra vez a profunda ironia em sua voz. — Creio que somente um idiota se permitiria sofrer duas vezes. Não poderia ter sido mais claro e objetivo. E, como ele, Sara também não tinha intenção de embarcar num caso amoroso, embora fosse difícil esquecer as imagens que lhe surgiam na mente, tão tentadoras que, por alguns instantes, ela quase abandonou o bom senso e as decisões que tomara em sua vida. Não seria nada fácil esquecer a intensa reação de seu corpo ao toque de Blake.

CAPÍTULO 14 Mais tarde, no luxo impessoal de seu quarto de hotel, Sara tentou analisar por que, exatamente, ficara tão deprimida com sua última servação a Blake. Sempre se orgulhara da própria cautela e de sua derminação em não ceder a algo tão inadvertido quanto um caso passageiro. “Só não entendo por que isso deveria me deixar deprimida”, pensou. “A não ser que virgens de vinte e seis anos sofram dessas crises de adolescência temporária.” Naturalmente ela já acreditara que uma pessoa poderia ter tudo na vida: uma carriera brilhante, uma paixão ardente que, em seu devido tempo, levaria ao casamento, filhos. Enfim, o tipo de vida que apenas existia nos sonhos de juventude. Agora que se tornara mais racional, sabia que tudo era somente uma questão de opções. Depois de feita uma escolha, vive-se com os resultados dela. Além disso, as circunstâncias de seu noivado rompido revelavam-lhe que, para 14


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald ela, seguir sua vocação era tão importante quanto respirar. Se algum dia se casasse, seu marido teria de conviver com esse fato. Sua experiência também lhe mostrara que a paixão era apenas um outro nome para uma intensa atração física, que poderia resultar em qualquer coisa, menos em casamento. E quando acontecia, geralmente acabava em desastre. Blake havia agido com decência, ao deixar bem claro que o que tinha em mente era somente um caso sem consequências. Era inegável que, quando tivesse de se casar, procuraria alguma garota de seu próprio meio social, que se contentaria em ser sua esposa, tomar conta daquela casa maravilhosa e lhe dar herdeiros. E, com certeza, seriam muito felizes juntos. Sara gostaria de ter conhecido a casa por dentro. Porém, num acordo silencioso, ele a levava de volta para o hotel logo depois daquel abraço. Ela lhe agradecera por tomar conta do cachorro, e Blake respondera que não precisaria mais se preocupar pois arrumaria alguém que ficasse com o cãozinho definitivamente. Era adeus, e ambos sabiam que não havia outra saída sensata. No entanto, quando ela se virara para se afastar, Blake tocara de leve em seus cabelos e, fitando-a profundamente com aqueles olhos cor ouro, inclinara-se para beijá-la. Fora um beijo muito breve, mas o suficiente para deixar o sabor exótico da sua masculinidade em seus lábios ávidos. — Foi um prazer conhecê-la — ele dissera com suavidade, embora sua expressão permanecesse impassível. Sara dissera adeus com uma firmeza que a surpreendeu, antes de encaminhar-se diretamente para o hotel, sem se atrever a olhar para trás. Agora, lembrando-se, achou que se comportara tolamente, como uma garotinha nervosa em seu primeiro encontro. Não conseguia parar de pensar como seria ser iniciada por ele nos prazeres sensuais, que ainda desconhecia. Quanto mais tentava afastar as imagens eróticas que a lembrança dele lhe provocavam, mais elas surgiram, insistentes. Persistiram até a hora em que foi jantar, no salão do hotel, e o garçom aproximou-se com um jovem casal, obviamente em lua-de-mel. A garota adiantou-se um pouco, sorrindo amigavelmente: — Você parece um pouco solitária — falou — Mas, se não deseja companhia, podemos esperar por uma mesa. Sara olhou em volta, dando-se conta de que o restaurante estava lotado. Embora gostasse de ficar sozinha, não resistiu à simpatia da jovem e sorriu, concordando que lhe fizesse companhia. Logo descobriu que o casal chegara havia três dias e, apesar de nenhum dos dois dizer nada, era evidente que se sentiam um tanto fora de seus ambientes. — Mark ajudou na construção deste hotel — a garota informou, com uma ponta de orgulho na voz. — E então decidimos que iríamos passar nossa lua-demel aqui. É um lugar maravilhoso, não acha? Sara concordou, sentindo-se, de repente, muito mais velha do que os quatro ou cinco anos que a separavam do casal. Ouviu os detalhes da festa de casamento, contados pela garota, e soube que Mark trabalhava na construção de 15


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald um prédio de escritórios próximo ao porto de Auckland. Conversaram sobre amenidades, encontraram alguns pontos em comum, inclusive o gosto por viagens. Depois da refeição, foram juntos para o saguão do hotel, onde tomaram café. — Eles investiram um bom dinheiro neste lugar — Mark comentou, colocando duas colheres de açúcar em seu café. — Quando penso que, há uns cinco anos, tudo que existia aqui era uma baía com algumas árvores e uma pastagem para o gado! Mas, imagino que quando se é tão rico quanto Blake Caird não se tenha problema em investir muito, se o retorno é certo. Ele é proprietário do restaurante da ilha, também, e a família dele está neste lugar há séculos. É um grande sujeito! — Você diz isso porque ele é mais alto que você — a jovem esposa brincou. — Não que eu o conheça, mas, quando Mark trabalhava aqui, costumava vê-lo sempre, com a esposa. Todas as mulheres eram loucas por ele, mesmo sabendo que era casado. — Ele nunca se interessou por outras — Mark explicou. — E com razão, pois a mulher dele era um modelo de beleza. Parecia uma atriz de cinema. Pode parecer mentira, mas quando estavam juntos, ela aparecia mais do que o marido, com todo aquele tamanho. Passavam muito tempo juntos, aqui, dançando; jantando no restaurante recém-inaugurado. Ela gostava de se divertir. — Foi terrível a maneira como ela morreu — a jovem comentou, com um ligeiro ar de quem conta uma fofoca saborosa. — Havia uma tempestade horrível, e ela saiu com a lancha, dirigindo-se para o alto-mar. Acabou dando de encontro com as rochas que circundam a baía. Durante o inquérito, descobriu-se que eles haviam tido uma briga feia, e ela ficara histérica. Para impedi-la de sair, o sr. Caird trancou-a no quarto, mas ela conseguiu fugir. Tudo porque queria ir a uma festa! Devia estar fora de si para agir tão estupidamente. — Ela era impetuosa — Mark concordou, como se tal constatação explicasse o comportamento da mulher. Sara estava chocada. — Que coisa terrível! — murmurou, lembrando-se da expressão cínica de Blake, quando lhe falara sobre a mulher que encarara sua casa como uma prisão. — Isso serve para nos mostrar que dinheiro e beleza não trazem felicidade — a garota falou. — Na verdade, eu não a culpo. Este lugar pode ser maravilhoso no verão, mas imagine passar o inverno aqui, neste isolamento... O marido riu: — Ora, Vicki, você está exagerando. Também não é o fim do mundo. — Bem, eu não gostaria de viver tão longe das lojas — Vicki declarou. Um pouco depois, o casal se afastou, para dançar, e Sara tomou mais uma xícara de café, antes de seguir para seu quarto. Havia sido um dia cansativo e, embora passasse apenas um pouco das nove horas, ela estava exausta. Na manhã seguinte, foi acordada pelo ruído insistente do telefone. Enquanto estendia o braço para atender, foi assaltada pelos fragmentos do sonho que 16


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald tivera, no qual uma mulher fugia, gritando, de um homem alto e loiro. A voz de Blake, no outro lado da linha, parecia a continuação do pesadelo. — O que você quer? — ela perguntou com voz enrouquecida, num tom quase rude. — Você — ele respondeu. — Seu cachorro se recusa a comer e também não pára de chorar — informou-a. — Ah, meu Deus, sinto muito — ela respondeu, já desperta e sentindo uma pontada de culpa por ter se mostrado tão impaciente. Ele riu: — É bom mesmo que sinta muito, pois não tivemos um instante de sossego, esta noite. Pego você em meia hora. — Ei, espere, eu... — Não se preocupe com o café da manhã. Meia hora — ele repetiu, sem darlhe atenção, e desligou. Depois de pronta, usando um vestido de verão de um verde suave, que lhe realçava as pernas bem-feitas, Sara desceu para o saguão e encontrou-o conversando com o gerente do hotel, Mike Cloud. Ela esperou um pouco, afastada, sem querer interromper o que parecia uma conversa séria. Observando-os, imaginou o que Blake teria para fazer com que as atenções sempre se voltassem para ele. Mike Cloud também era um homem muito alto, mas o magnetismo de Blake era indiscutível e se irradiava pelo ambiente. Possuía uma aura de virilidade que se mostrava patente em cada centímetro daquele corpo imenso. Logo ele se virou e a viu. Então sorriu, os olhos brilhando. — Bom dia — cumprimentou-a, a voz suave, ao se aproximar. Sara se enrijeceu um pouco ao perceber o olhar sarcástico que o gerente do hotel lhe lançou, quando foram apresentados. Imaginou que Blake teria o hábito de escolher suas companhias femininas entre as hóspedes do hotel. Naquele exato momento, uma mulher bonita e provocante, num vestido muito justo, passou por eles e fixou os olhos em Blake, num convite inequívoco. Sara concluiu que talvez O gerente tivesse razão em julgá-la mal. No entanto, Blake não pareceu perceber os movimentos lánguidos e convidativos da mulher, embora fosse evidente que a tinha visto. Afinal, Sara pensou, com uma estranha ponta de ciúme, quem poderia culpá-la por aceitar ocasionalmente convites tão tentadores? — Espero que não tenha feito planos para hoje — ele falou, ao entrar no jipe. — Nada de especial — ela respondeu. — Enquanto estiver aqui pretendo ficar apenas descansando e tomando sol na praia. Blake, quero lhe pedir desculpas pela amolação que causei, com o cachorro. Ele chorou a noite inteira? — Não — Ao ver o sorriso de alivío que ela demostrava, juntou: — Só até a meia-noite. Foi quando desisti de ouvi-lo uivando e levei-o para o meu quarto. Dali em diante ele só choramingou. Ela o fitou, percebendo o ar divertido em seu rosto. 17


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Você está brincando, não é? — Sim, desculpe. — Mas agora, o que vou fazer? Se continuar assim, nem mesmo alguém com muita boa vontade desejará ficar com ele. E sabe que não seria justo levá-lo para meu apartamento e deixá-lo sozinho o tempo todo. — Você poderia ficar em minha casa — ele sugeriu — Quando terminarem suas férias, talvez já seja capaz de ter alguma idéia do que fazer. E, até lá, acredito que o cãozinho também já terá se acalmado. Imagino que ele esteja passando por algum tipo de esgotamento nervoso, mas deve se recuperar depressa, pois spaniels são muito alegres, normalmente. Sara abriu a boca para recusar, hesitou, mas acabou dizendo: — É muito gentil de sua parte, mas... — Não é gentileza — ele retrucou, interrompendo-a. — Acontece que preciso de seis horas de sono por noite, e também meus empregados. E presumo que os hóspedes do hotel, que, por acaso é de minha propriedade, também gostem de dormir em paz. Portanto, você não pode levar o cão para lá. Se os hóspedes forem embora e os funcionários se tornarem desatentos por falta de sono, vou perder muito dinheiro. Portanto, é de meu interesse oferecer-lhe um quarto enquanto estiver aqui. Blake falou num tom tão razoável que Sara quase levou a sério aquele discurso, até perceber que ele segurava o riso. Riu também, balançando a cabeça. — Você fez com que toda esta situação parecesse muito sensata — falou, ainda rindo. — Mas não acredito que deseje minha companhia. Seguiu-se um estranho silêncio àquelas palavras, durante o qual ela teve tempo de refletir se deveria ter usado outro termo para se expressar. — É claro que não — ele respondeu, afinal —, mas vou fazer o possível para esconder meu desagrado por tê-la em minha casa. — Então suponho que eu deva ir embora — ela tornou. — De acordo com a previsão do tempo, Auckland, a sua cidade, está sob uma densa névoa de umidade, esta manhã — ele informou, mantendo o tom falsamente sério. — Ah, meu Deus! — ela murmurou. — Exatamente. Não é um clima apropriado para uma convalescente. Mike me prometeu que suas coisas seriam embaladas e enviadas para minha casa, por isso sugiro que fique algum tempo com seu cachorro. Sara não sabia mais o que dizer. Ele havia preparado tudo! — Posso ser uma companhia bastante agradável — ele juntou, depois de uma pausa silenciosa. — E, quando estiver aborrecida e cansada de tanto sossego, sempre poderá ir até o hotel para passar algumas horas perto da civilização. Uma nota de frieza acompanhou essas últimas palavras, o que fez com que Sara franzisse a testa. Lembrava-se dos comentários sobre a morte da esposa dele, que ouvira na noite anterior, e temia que ele percebesse. Por menos que o conhecesse, já sabia que era um homem orgulhoso: devia ser terrível ter de 18


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald conviver com as fofocas sobre sua desgraça. Olhou pela janela, vendo o dia radiante que fazia lá fora, o céu de um azul intenso, o dourado sol de verão, e tentou ignorar a onda de excitamento que crescia dentro dela. — O Gramado está muito bonito — comentou, aceitando tacitamente o convite que ele lhe fizera. — Imagino que toda aquela chuva de primavera tenha ajudado. — É verdade. Além disso, tem chovido um pouco todos os dias, neste verão. E, com pouco vento, está sendo uma estação excepcionalmente boa. — Você deve ter dificuldades, quando há seca. Ele concordou, relaxando um pouco as mãos na direção. — Uma semana sem chuva já é considerado seca — informou. — As regiões costeiras secam muito depressa. — E como lida com o problema? Blake começou a contar-lhe sobre as técnicas que utilizava, na ilha, como a irrigação, a fim de se defender da seca. Sara ouvia com atenção sincera, pois, até os dez anos de idade, vivera numa pequena cidade rural e conhecia um pouco sobre o assunto. Continuou a fazer perguntas, sem tentar esconder sua ignorância em determinados detalhes. Ele respondia, às vezes brincando, às vezes sério, mas sempre com grande paciência e simpatia. Passaram por um conjunto de casas, que formavam uma pequena vila, encravada entre as pastagens e o mar. — Aquilo é uma escola? — Sara indagou. — Sim. — Blake acenou para um homem que dirigia um trator. — Acabamos de construir mais uma sala. Muitos dos funcionários do hotel têm família, e a população está crescendo. — Parece uma vila — ela comentou. — É mais um pequeno vilarejo — ele retrucou, pegando a estrada que levava à mansão. — Não possui muitas das amenidades que as pessoas costumam considerar essenciais. Apenas quando o hotel foi construído começamos a providenciar uma infra-estrutura mais apropriada, como a eletricidade. Porém, nos dias de inverno ainda se pode subir na colina mais alta e sentir o cheiro do mar. E, à noite, as luzes da cidade do outro lado da baía parecem tão distantes quanto o céu. Havia uma nota evidente de amargura na voz dele, e Sara imaginou se, no fundo, ele não odiaria a esposa. Não, pensou, ódio era uma palavra forte demais. No entanto, só podia ser a lembrança dela que trazia frieza a suas palavras. Parecia que, no final, tudo o que lhe restara fora um desprezo por ela. Quando Blake parou o carro, Sara pôde ouvir os uivos do cachorro, ao longe. — Seu lamento é de quem está sofrendo — falou, saltando do jipe. O cãozinho parecia mesmo estar sofrendo. Amarrado a uma cadeira, estava cercado por vários objetos que demonstravam uma vã tentativa de agradá-lo: uma tigela com comida, outra com água, ambas intocadas. Três gatos estavam sentados a uma distância segura, observando com interesse toda aquela 19


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald barulheira. Ao ver Sara se aproximando, parou de uivar imediatamente e começou a tremer, pulando e balançando a cauda. — Ah, meu amorzinho — ela murmurou, ajoelhando-se para abraçar o animal, que aos poucos, foi se acalmando, cedendo aos carinhos que ela lhe fazia. — Veja se ele come, agora — Blake sugeriu. Sara aproximou a tigela do cachorro, que a aceitou, embora ainda mantivesse um olhar atento à sua volta. Os gatos permaneceram em seus postos, olhando-o enquanto ele bebia a água com avidez, molhando as enormes orelhas felpudas e, quando ele as sacudiu, fugiram com toda a pressa, tentando escapar dos pingos que se espalharam por toda parte. Sara lançou um olhar divertido para Blake, mas nenhum dos dois falou até que o animal suspirasse, satisfeito, deitando-se aos pés dela. — Mas isso é ridículo! — ela riu, olhando para o cãozinho. Depois, ergueu os olhos para Blake, e seu sorriso desapareceu. De repente, via nos olhos dele aquele mesmo brilho de intenso desejo que vislumbrara no dia anterior, um desejo explícito, quase selvagem. Aquilo a fez estremecer, de medo e excitação, e sua resposta interior foi tão intensa que teve de fazer um grande esforço para se controlar. Jamais soube por quanto tempo ficaram ali, mudos e estáticos, tomados por uma paixão desconhecida. Talvez fossem apenas alguns poucos segundos e, neste momento, ela se sentia como se fosse uma outra pessoa. Uma agradável voz feminina quebrou o encanto, de repente: — Puxa, que alívio! — falou a atraente mulher, aparentando trinta e poucos anos. Estava vestida com uma camiseta e um short, e Sara piscou, confusa, tentando sorrir. — Ah, Phil — Blake sorriu também, enquanto apresentava a governanta da casa a Sara. — Pode acreditar em mim: estamos muito felizes em vê-la — Phil Allen comentou, num tom amigável. — Até as crianças já estavam começando a se aborrecer com o cachorro. Sara virou-se para o cão, que continuava enroscado em suas pernas: — Veja só o que arranjei — queixou-se, num tom brincalhão. — Tenho passado o tempo todo me desculpando pelo seu comportamento, e mal o conheço! Sem se incomodar com a reprimenda, o cachorro abanou a cauda alegremente. — Venha lavar as mãos — Blake comandou. — Vai servir o café no terraço, Phil? — Sim, e já está pronto. O desjejum estava delicioso, com café, leite, frutas frescas. Sobre a mesa, um vaso com flores perfumadas atraía as abelhas, cujo zunido confundia-se com os das cigarras. Arbustos colocados nos vasos do terraço produziam uma mistura de aromas de ervas e flores que a brisa marinha carregava, deixando o ar repleto de um perfume exótico e delicioso. 20


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Você vive no lugar mais perfeito do mundo — Sara comentou, maravilhada. — Neste momento, é mesmo. Mas creio que logo os encantos vão desaparecendo. Bem, ela não se importava que ele pensasse que todas as mulheres achavam a vida naquele pequeno paraíso monótona e desinteressante depois de algum tempo. Se ele não fora capaz de lidar com o fato de que a esposa havia sido uma mulher fútil, que não podia conceber a vida das lojas, certamente não seria Sara quem iria tentar convencê-lo. Lançou-lhe um sorriso luminoso e juntou: — Como é pouco provável que eu veja este lugar durante o inverno, posso manter todas as minhas ilusões intactas. E, neste momento, acho que Moturahoa é o próprio paraíso. Ele não fez nenhum comentário, apenas mostrou-lhe, ao longo, uma grande embarcação que atravessava o canal, em direção do porto de Auckland. Enquanto ela olhava com o binóculo que ele lhe dera, Phil aproximou-se para dizer que alguém desejava vê-lo. Blake desculpou-se e saiu, e a governanta perguntou a Sara se desejava mais alguma coisa. — Não, obrigada. Estava delicioso. — Obrigada. Sara percebeu que a governanta a hostilizava um pouco. Imaginou se a mulher pensava que ela seria mais uma das “companhias” de Blake. No entanto, não desejava ser afetada pela sutil antipatia que Phil lhe demonstrava. Se quisesse sair daquela ilha intacta, deveria manter-se na superfície dos acontecimentos e das emoções. Nenhum envolvimento e, principalmente, não ceder àquela luta sensual que se travava em seu interior, como acontecera um pouco antes. Era óbvio que Blake queria levá-la para a cama e, por menos experiência que tivesse, sabia que deveria ser extremamente excitante. No fundo, sabia que precisava ir embora, o mais rápido possível. Porém, fugir seria covardia e, se fosse sensata, nada de mal poderia lhe acontecer. Afinal, se havia algo de que se orgulhava, era sua sensatez. Ao ver Phil retirando os pratos da mesa, ofereceu-se para ajudá-la. — Não, obrigada — a governanta respondeu, com firmeza. — Por que não espera aqui, até Blake voltar? Ele não vai demorar muito. Continue observando o navio. Sara concordou e, quando Phil retirou-se, encaminhou-se para o jardim, sempre acompanhada pelo cachorro, que não saíra de perto dela por nenhum segundo. Desceu as escadas de pedra da varanda e ergueu o rosto para o sol, deixando os raios quentes aquecerem sua pele. Não pela primeira vez, pensou em sua recusa em aderir à revolução sexual. O fato de permanecer intocada até aquela idade nem sempre a incomodava muito, pois sabia que nunca havia encontrado um homem pelo qual valesse a pena correr os riscos. Desafortudamente, descobrira que era Blake quem possuía a chave para a paixão que permanecia adormecida dentro dela. Era evidente que não haveria futuro nenhum para eles: sua vida era a profissão, e seria incapaz de praticá-la ali, de onde Blake jamais sairia. — Devia ter vergonha de si mesmo — falou para o cachorro. — Estou aqui, 21


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald correndo perigo de me envolver e, quem sabe até de me entregar, tudo por uma culpa. E, afinal, qual será o seu nome? Sentou-se na grama e começou a dizer algumas sílabas, esperando obter alguma reação do animal que pudesse indicar qual seria o seu nome. Ele a olhava, com seriedade, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, parecendo estar compreendendo a série de sons que ela emitia. Um ruído baixo e um levantar de olhos do cão indicou-lhe que Blake estava chegando. — Acho que o nome dele é algo como Black — Sara informou-o, animada. — Veja como ele rege, quando digo a palavra: venha, Black, aqui! — Blackie — Blake sugeriu. — Isso mesmo! — ela concordou, ao ver que o spaniel atendia prontamente ao nome. — Nem um pouco original. — É verdade. Mas o descreve exatamente, já que é pretinho. — Agora que sabemos quem ele é, que acha de dar uma volta comigo? Preciso examinar algumas cercas nas pastagens. Sara permitiu que ele a ajudasse a se levantar, sentindo, como sempre acontecia, uma corrente elétrica perpassar-lhe o corpo quando Blake a tocava. — Não quero que se sinta na obrigação de ficar me distraindo — falou. — Sei que está me fazendo um favor e, bem.... estou muito grata. Mas, se estiver ocupado, ficarei satisfeita em apenas me deitar ao sol e ficar o menos possível no caminho das pessoas. — Ele sorriu e deslizou um dedo pela linha suave de seu nariz. — Não sei por que, mas não consigo imaginá-la fora do caminho das pessoas. Seria impossível deixar de notá-la, pois você possui o que minha mãe chamaria de “personalidade”. Aquele comentário fora feito com tal charme e naturalidade que produziu um efeito embriagador em Sara. Soltou-lhe a mão e deu um passo para trás, no instante em que todo sinal de brincadeira desaparecia entre eles. Fitando os olhos dourados que a encaravam, percebeu que estava numa situação com a qual não conseguia lidar. — Você me deixa nervosa — falou, baixinho. Ele riu, num tom baixo e enrouquecido: — Talvez seja porque você encoraja o caçador que existe em mim. — Isso me parece muito machista e cruel. — Ele ergueu uma sobrancelha, com ar irônico: — Então não sabe que todos os homens são, no fundo, caçadores? O ato de amor pode significar muitas coisas, mas basicamente, é um ritual de entrega e submissão, mistério e triunfo, para ambos os participantes. Porém, é o mais próximo que chegamos do paraíso ou do inferno. Portanto, se está se considerando como uma presa, minha linda doutora, está completamente certa. Chocada com tanto cinismo, ela tornou: — Se é assim que pensa, não me admira que sua esposa o tenha deixado! 22


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald As palavras duras ressoaram como um tiro, perturbando a paz, estalando no ar tranqüilo. Ela gelou, arrependida de sua impulsividade. — Isso não é de sua conta — ele afirmou, com uma indiferença que a deixou atônita. — É verdade — ela concordou, envergonhada. — Eu não devia ter dito isso. Porém, apesar de não acreditar nesse tipo de romance que freqüentemente é confundido com amor, conheço muitas pessoas felizes no casamento, que se gostam e se respeitam demais para agir da maneira como você descreveu. — Você é especialista em casamentos? — Não sei o que quer dizer com isso — ela retrucou, muito suavemente. — Mas tenho amigos casados e converso com eles. Quando um casal compartilha os mesmos interesses, o casamento tem uma base sólida. — E o amor? — ele indagou, mantendo o mesmo tom de ironia. Ela deu de ombros: — Se você perguntar o que é o amor a cem pessoas, terá cem respostas diferentes. Pois eu acho que o amor vem com o tempo, com a convivência. — Então você é mais cínica do que eu — ele falou, fitando-a profundamente. — Ao menos eu aceito a paixão como algo importante. Me parece que sua idéia de casamento é como a união de dois bons amigos! — E a sua me parece como a união entre dois animais irracionais, onde nenhuma emoção é desperdiçada, apenas vai-se em busca do prazer. O ar parecia denso a sua volta, e o ruído constante das cigarras começava a deixá-la com os nervos à flor da pele. Blake continuava olhando-a de tal forma que a despia de toda a dignidade, reduzindo-a à condição de simples fêmea. Por um instante, Sara achou que não conseguiriam mais se conter. A emoção transbordava nos olhos dourados, pronta para explodir, e ela estremeceu de leve. Respirou fundo, tentando controlar-se, enquanto ele dizia, tão calmamente como se estivesse comentando sobre o tempo: — Bem, discordo totalmente desta sua opinião. Meu convite para um passeio ainda está de pé. Não vamos demorar muito e gostaria de tê-la como companhia. Blake falou com tal suavidade que ela concordou: — Adoraria conhecer sua ilha. Obrigada. Minutos depois, seguiam por uma das estradas até o ponto mais alto da ilha, conversando amigavelmente. Era fácil conversar com ele, e agradável acompanhar-lhe o raciocínio rápido, as idéias inteligentes. Falaram sobre alpinismo, sobre treinamento de cães, sobre a história da ilha, com seus nativos da tribo maori, quase extintos desde a chegada da civilização.

CAPÍTULO III — Nunca pensou em se dedicar à clínica geral? — Blake perguntou. — Não. — A voz de Sara expressava uma serena autoconfiança, que recusava qualquer outra possibilidade. 23


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ele estacionou o jipe sob uma árvore e desligou o motor. Recostou-se no assento, as mãos ainda pousadas na direção, os olhos fixos no mar abaixo da colina onde se encontravam. — Sempre soube que deseja ser médica — ela prosseguiu, sem conseguir desviar os olhos das mãos morenas e bem-feitas que descansavam sobre a direção. Tentou afastar a imagem de como seria tê-las em contato com sua própria pele. — Minha mãe costumava dizer que nunca chorei ao tomar injeção, pois estava interessada demais no que acontecia para perder tempo com choradeira. Quando tinha cinco anos, caí de uma árvore e cortei o joelho, gravemente. — Distraída, passou um dedo pela cicatriz quase invisível em sua perna. — E então? Ela sorriu: — Lembro-me de tudo com exatidão. Estava absolutamente fascinada com o que acontecia no hospital e, enquanto limpavam e suturavam o ferimento, permaneci de olhos arregalados, observando tudo o que faziam. Blake pousou a mão sobre a dela, que continuava no joelho. O contato em sua pele a fez estremecer, como se fosse a coisa mais erótica que já lhe acontecera. Um arrepio subiu-lhe pela espinha, fazendo-a prender o fôlego. Não conseguia mover a mão que ele prendia e permaneceu imóvel, fitando-lhe o perfil contra o fundo azul do céu. Fez o possível para se controlar e continuou falando, tentando desfazer o nó que se formara em sua garganta: — Nos anos que se seguiram, nunca mais precisei ir ao hospital, pois fui uma criança bastante saudável. Mas já sabia o que seria quando crescesse. Ele lhe soltou a mão e tocou-lhe o rosto com suavidade. Depois, inclinou-se e deu-lhe um beijo rápido nos lábios, antes de sair do jipe. — É melhor cuidar logo desta cerca, antes que fique ainda mais quente. Tome, coloque este chapéu, o sol está forte demais. De fato, o calor lá fora era abrasador. Sara agradeceu e pôs o chapéu, sabendo muito bem o que o sol da Nova Zelândia era capaz de fazer numa pele clara como a sua. Blackie também parecia intimidado pelo calor e, depois de farejar em volta por um momento, deitou-se à sombra, perto do carro. — Covarde — Sara brincou. — Os animais são muito sensatos. Se podem ficar numa sombra, para que torrarem sob o sol? — Blake falou, distraído, enquanto examinava um dos postes da cerca, que se soltara no chão. Foi até o jipe e retirou um outro poste, novo, a fim de substituir o que estava quebrado. — Posso ajudá-lo? — ela perguntou, ao vê-la andar de um lado para outro carregando as ferramentas de que precisava. — Não, obrigado. Fique na sombra daquela árvore e descanse. Ela obedeceu, concluindo que seria incapaz de ajudar naquele tipo de trabalho. Ficou observando-o cavar a base do poste, a força com que movia os músculos. Depois de cinco minutos, a camisa dele estava molhada, colando-se à pele e deixando à mostra cada mínima flexão que ele fazia. 24


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Sara sentiu novamente a estranha excitação de si e engoliu em seco. Começou a identificar cada músculo, como fazia nas aulas de anatomia, tentando desviar a mente da imagem que persistia em dominá-la: como seria aquele corpo nu, reluzente como um guerreiro de bronze? Blake não lhe tornava as coisas mais fáceis, pois tirou a camisa, e ela mordeu o lábio, desviando o olhar. A imagem real de seu dorso nu era muito mais perturbadora do que qualquer idealização. A pele morena reluzia com a transpiração, os músculos que despertava toda a feminilidade que existia em Sara. Pela primeira vez, abandonou-se à maravilhosa sensualidade de uma fantasia erótica. Seus olhos verdes brilhavam, os cantos de sua boca curvaram-se levemente num sorriso inconsciente. Ondas de excitação perpassavam-lhe o corpo, enquanto fixava-se nos contornos poderosos do corpo dele, no vigor de seus movimentos. Passou a língua pelos lábios secos, mantendo as mãos cruzadas a fim de evitar que tremessem. Ela o desejava, como jamais desejara qualquer outro homem, com uma fome devoradora que se tornaria incontrolável, se não a refreasse. Blake continuava com o trabalho, sem saber que era alvo de seu olhar ávido. Os braços subiam e desciam, enquanto cavava a terra, num ritmo regular. Sara permanecia enlevada em seus sonhos, mas, ao ver que ele encerrava o trabalho, juntando as ferramentas, fez menção de se levantar. — Fique aí mesmo — ele pediu, encaminhando-se para o jipe, onde guardou as ferramentas e retirou uma pequena sacola. Voltou para a árvore onde ela estava e sentou-se ao lado dela. — Aqui está — falou, depositando a sacola no chão. Ali havia suco de uma fruta local, biscoitos e uma garrafa térmica com chá. Sara serviu-se, sentindo os nervos ainda tensos e alertas. Embora Blake já tivesse tornado a vestir a camisa, sua proximidade a perturbava tanto quanto antes. O odor másculo que ele exalava entrãva-lhe pelas narinas como um perfume embriagador. — Quer mais uma xícara de chá? — ela perguntou, ao ver que ele esvaziava a sua. Blake não sorriu àquele tom extremamente formal, apenas estendeu-lhe a xícara. Bebeu mais devagar, agora, e ao terminar recostou-se ao tronco da árvore e suspirou, satisfeito, admirando a vista abaixo deles. E era algo que valia a pena admirar. A ilha inclinava-se em suaves colinas para o mar, as pastagens muito verdes fazendo um contraste maravilhoso com os tons de azul do céu e da água. O sol proporcionava o brilho dourado, que dava a todo o cenário uma impressão de sonho. Do outro lado da baía, a cidade de Auckland reluzia, entremeada de pequenas embarcações em seu porto. — Já vi boa parte do mundo — ele falou. — Mas nunca uma paisagem como esta. As palavras casuais não escondiam sua total identificação com aquele lugar. Tentando esconder sua aguda curiosidade, Sara comentou: 25


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Você fala como se detestasse estar longe daqui. Ele encolheu os ombros, num gesto quase imperceptível. — Passei boa parte de minha infância e adolescência afastado daqui, primeiro para estudar, depois numa temporada nos Estados Unidos, e outro tanto na Europa. Quando voltei, decidi que nunca mais me afastaria. — Virou-se para ela, fitando-a fixamente. — Aqui é o meu lar. Apesar de Moturahoa não ser minha única responsabilidade, e de ter de passar longas temporadas viajando, às vezes penso que só sou feliz quando estou aqui. — Você tem muita sorte — Sara falou devagar, tocada pela emoção que percebera na voz dele. — Sorte? — Ele sorriu, irônico. — Pois eu acho que é uma espécie de praga. Qualquer tipo de idolatria é um pecado, e nós pagamos pelos nossos pecados. O pior é que, algumas vezes, outras pessoas têm de pagar por eles, também. Não creio que o homem de quem você esteve noiva ficou feliz quando você o trocou pela sua vocação. Estou errado? — Não. — Nós dois somos pessoas do mesmo tipo — ele prosseguiu, como se constatasse um fato imutável. — Talvez nos falte um pouco de humanidade, não sei. Meu mundo é mais importante para mim do que qualquer amor poderia ser. E você... bem, você não acredita no amor, não é? Embora um pouco chocada com a honestidade daquelas palavras, Sara teve de admitir que ele estava certo. Balançou a cabeça, negando, mas sua expressão revelava o contrário, pois Blake riu e passou o braço por seus ombros, puxando-a para si até que ela recostasse em seu peito. — Fique aqui — pediu quando ela tentou se afastar. — Ou será que estou muito pouco atraente, no momento? — É claro que não, — ela respondeu, confusa. — Mas está muito calor. — Sim, porém você permanece fresca e perfumada como uma flor — ele murmurou. — Tão frágil como um botão. Tenho a impressão de que, se tocá-la, poderei deixar marcas nesta pele de veludo. Respirando fundo, Sara tentou quebrar o encantamento com um comentário áspero: — Pareço frágil, mas não sou. Você teria de me beliscar com muita força para me ferir. — Mas quem disse que vou beliscá-la? Não é o que tenho em mente, minha querida. Sara manteve-se em silêncio por um instante, sabendo que não deveria perguntar o que ele tinha em mente. Não poderia prever a própria reação à resposta que Blake daria. Porém, havia algo que desejava esclarecer: — Você está errado ao dizer que eu não acredito no amor. Apenas um tolo afirmaria que o amor não existe. Apenas creio que não se deve confundi-lo com a paixão, já que deve ser conquistado, com o tempo. Até o amor maternal deve ser conquistado, pois a mãe não ama o filho automaticamente, mas sim com o tempo.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — E algumas jamais conseguem. Sabe que você tem um grande talento para mudar de assunto? — É mesmo? — ela tornou, com ironia. Ele riu alto: — Tudo que eu pretendia era alguns momentos de diversão entre nós, um pouco de carinho depois de um trabalho duro. Mas acho que é mesmo melhor irmos embora, você tem razão. Tenho algumas cartas para responder e está muito quente aqui. A raiva de Sara era tanta que ela não conseguiu dizer nada. Somente quando estavam encaminhando-se para o jipe, falou, num tom contido: — Você faz idéia de como sua observação foi machista? Tinha mesmo intenção de aproveitar-se de mim apenas por diversão? — Não fique tão zangada. É claro que eu não iria forçar nada que você não quisesse, e não entendo por que não podemos... — Não costumo ter casos passageiros — ela o interrompeu bruscamente. Blake fitou-a, os olhos semicerrados fixos em sua boca, apenas uma sombra de um sorriso iluminando-lhe a expressão. — Para você poderia ser algo passageiro — falou. — Porém, há muito tempo não me sinto tão atraído por alguém. Concordo quando diz que não devemos pintar o desejo, a paixão com as cores românticas do amor, por isso não precisa se preocupar com meus sentimentos. Aliás, é bastante agradável encontrar uma mulher que possua uma atitude tão racional em relação a isso. E incomum, também. — Ah, meu Deus! — ela exclamou, exasperada, erguendo os braços para o alto. — O último homem honrado da face da terra! — brincou. Ele riu, a expressão suavizada pelo divertimento. Sara percebeu que ele estivera apenas provocando-a todo aquele tempo. — Você é terrível — ela falou. — Aposto que não dava sossego às garotas quando menino. — Pergunte a Phil, nós crescemos juntos. De alguma maneira, Sara sentia que por baixo de todo aquele cinismo que ele aparentava havia um homem extremamente romântico. Imaginou que talvez o casamento frustrado fosse a causa daquele verniz de frieza. Enquanto voltavam para a mansão, observou-o com o canto dos olhos e estremeceu de leve. A mulher que se apaixonasse por ele certamente iria sofrer muito. Blake era do tipo que impunha limites, condições e, apesar de ser o homem mais atraente e agradável que já conhecera, possuía, sob a fachada carismática, uma personalidade férrea. O resto do dia transcorreu tranqüilamente. Depois de deixar Sara descansando no jardim, Blake foi para o escritório. Um pouco mais tarde, Phil apareceu trazendo uma bandeja com limonada gelada e deixou-a sobre a mesinha próxima à espreguiçadeira onde ela estava, juntamente com algumas revistas. — Blake falou que alguém traria minhas roupas do hotel — Sara quis saber, depois de agradecer a Phil. — Sabe se já chegaram? 27


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Sim, mais ainda não tive tempo de guardá-las — a governanta respondeu, com um ligeiro tom de frieza. Sara irritou-se um pouco com o que sentia ser uma delicadeza forçada da parte de Phil. Era óbvio que estava apenas cumprindo as ordens de Blake, sem nenhuma intenção sincera de agradá-la. — Não é necessário que faça isso — falou com um sorriso doce que escondia o quanto estava perto de perder o controle. — Se puder me mostrar onde fica meu quarto, eu mesma o farei. — Está bem — a governanta respondeu, inexpressiva, guiando-a através da casa. Sara já havia visto o hall de entrada, um ambiente luxuoso, com o piso de madeira polida quase totalmente escondido sob os imensos tapetes persas. Porém, ao subir as escadas que levavam aos dormitórios, não se cansava de admirar tanta beleza. Não era de se estranhar o ciúme evidente que lia em Phil, pois em todos os cantos da casa estava evidente um cuidado e um carinho que as pessoas só dispensam aos próprios lares. A governanta mostrou-lhe seu quarto, um enorme cômodo decorado em tons de pêssego, com uma lareira de mármore, duas poltronas e uma chaise-longue, além da cama de casal. Flores estavam colocadas em todos os cantos estratégicos, criando um clima de alegria e intimidade. A única coisa que destoava, ali, era a mala de Sara. — O banheiro fica nesta porta — Phil indicou. — E a outra, para onde leva? — ela perguntou, porém não obteve resposta. Hesitou um pouco, antes de atravessar o quarto até a porta, e abriu-a. Era óbvio que o cômodo ao lado era o quarto de Blake, decorado em tons escuros, nitidamente masculinos. Depois de uma ligeira passada de olhos pelo local, Sara fechou a porta novamente, dando-se conta de que estava tremendo. Ergueu a cabeça e sorriu para a governanta. — Sabe, eu gostaria muito de ter uma vista para o mar, se fosse possível — falou, surpresa ao ver que a voz lhe saía firme. — Seria muito trabalho mudar? Algo se modificou na expressão de Phil, suavizando-a um pouco. — Nãos seria trabalho nenhum — respondeu. — Há um quarto muito bonito, no fim do corredor, exatamente como você quer. E era mesmo bonito, Sara pensou, entrando no outro cômodo. Não tão grande quanto o primeiro, mas em tons de verde e branco, com uma cama ampla e confortável em latão e janelas que davam para o oceano. — É lindo — Sara elogiou, sorrindo. — Vou desfazer a mala, agora. A que horas é o almoço? — Ao meio-dia — Phil respondeu, também sorrindo. — O dia começa cedo aqui, por isso almoçamos cedo também. Blake costuma tomar o café da manhã antes das oito, mas posso trazê-lo para você às oito e meia. O jantar é servido às sete e meia e por volta de onze horas todos já se recolheram. — Não precisa trazer o café da manhã para mim — Sara falou com firmeza. — Estou acostumada a acordar cedo e posso descer para a refeição. Mas obrigada assim mesmo. 28


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ao que parecia, ela havia sido aprovada em algum tipo de teste, pois a atitude da governanta se modificara claramente. Depois que ela se foi, Sara começou a guardar suas roupas, imaginando de quem teria sido a idéia de acomodá-la num quarto tão próximo ao de Blake. Sem saber por quê, desejava que tivesse sido ele quem pensara nisso. Tomou um banho, admirando a quantidade de produtos de toalete que estavam à sua disposição no banheiro luxuoso, mas acabou usando os seus próprios. Não estava acostumada a tanto luxo. Blake Caird não era apenas rico, era excessivamente, extraordinariamente rico, e ela estranhava estar entre tantos objetos caros e deslumbrantes. Sabia muito pouco sobre antigüidades, mas podia perceber que tudo naquela casa possuía um valor incalculável. Não apenas os móveis, mas também as obras de arte, pinturas, esculturas, espelhos belíssimos com molduras luxuosas. Até aquele dia, imaginara que tal riqueza existisse apenas em países da Europa; era um choque dar-se conta de que havia pessoas na Nova Zelândia que viviam com tanta riqueza e magnificência. Não que isso fizesse alguma diferença em seus sentimentos. Não tinha nenhuma intenção de se tornar amante de Blake, e tomara tal decisão pensando apenas em sua própria segurança. Ele era um homem perigoso, e envolver-se significaria problemas. Depois de arrumada, atravessou a casa até os fundos, onde o cãozinho a esperava, feliz em revê-la. — Venha, Blackie! — ela chamou, voltando para a varanda e acomodando-se na espreguiçadeira. Trouxera um livro e planejava ler um pouco, mas em poucos minutos seus olhos se fecharam e ela dormiu. Foi um grunhido do cachorro que a acordou, além da sensação estranha de estar sendo elevada no ar. — O que é... — perguntou, meio zonza, percebendo que Blake a carregava no colo. Piscou os olhos, confusa e bocejou. — Pode voltar a dormir — ele falou com suavidade. Sara olhou para ele, tentando recobrar alguma dignidade, mas tudo o que conseguiu foi bocejar outra vez. — Eu posso andar — queixou-se. — Ponha-me no chão. — Pode mesmo? — ele indagou, colocando-a de pé. A despeito de suas palavras, Sara estava ainda um pouco zonza e teve de apoiar-se nele, grata pela força que a amparava. No entanto, a conhecida onda de excitação tomou conta de seu corpo, lembrando-a de sua vulnerabilidade, e ela se afastou. — Não sei por que me sinto tão mal quando durmo durante o dia — comentou, tentando esconder o embaraço. — Deve ser seu biorritmo — ele afirmou, sorrindo e inclinando-se para dar um leve beijo na ponta de seu nariz, ao mesmo tempo em que passava o braço em torno de seus ombros. A tentação de abandonar-se naqueles braços fortes era quase grande demais para resistir. Quase. Com um sorriso envergonhado, ela tornou a se afastar, 29


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald passando a mão pelos cabelos e suprimindo um novo bocejo. — Tem razão — falou animadamente. — Deve ser o biorritmo. — Esperava poder levá-la até seu quarto sem acordá-la. — Blake enlaçou-lhe os ombros e guiou-a para dentro de casa. — Você estava dormindo profundamente, mas o sol estava quase alcançando seu rosto. — Uma das coisas que a gente aprende, na minha profissão, é despertar depressa. Vou até lá em cima por um instante, lavar o rosto e dar um jeito no cabelo. Os dedos de Blake deslizaram levemente pela cascata sedosas dos cabelos dela, acariciando-lhe a orelha com sensualidade. Parou e, tomando-a nos braços, puxou-a para si. — Seus olhos são tão verdes que mais parecem dois lagos tranqüilos — murmurou, fitando-a com doçura. — Quando fecho os meus, vejo apenas seu sorriso, e desejo que você sorria apenas para mim. — Aproximou mais o rosto, procurando-lhe os lábios e, como que hipnotizada, Sara entreabriu-os, entregando-os a ele sem nenhuma resistência. Beijaram-se como se estivessem se despedindo para sempre, numa ânsia profunda e incontrolável. Era como se somente os dois existissem no mundo e a união entre eles fosse tão completa que nada os poderia separar. Sara mantinha os olhos fechados, sentindo o coração disparar em seu peito, enviando-lhe ondas de intenso calor. Gemeu baixinho, as mãos enlaçando as costas de Blake, querendo-o mais perto de si. Ardia sob o calor que ele irradiava, mas era algo de que não podia fugir; lentamente, começou a mover os quadris de encontro aos dele, num gesto instintivo. O corpo de Blake ficou tenso, e ele sussurrou alguma coisa, a voz tão enrouquecida que ela não conseguiu compreender as palavras. Apertando-a ainda mais, ele se inclinou até recostar a cabeça entre seus seios, enquanto Sara sentia-se desfalecer ante a sensação esmagadora que a invadia. O corpo dele, enorme, a envolvia por completo, e era maravilhoso. — Não entendo o que está acontecendo comigo — ela sussurrou, ofegante. — Blake, você me assusta... Ele ergueu a cabeça. Lentamente, a paixão que tomava conta de seu rosto foi substituída por uma leve ironia. — Isto é sexo — falou, afastando-se um pouco, embora não pudesse esconder a evidência física de sua ereção, o tremor de suas mãos e o brilho intenso dos olhos. — Sei disso — Sara falou, inclinando-se para afagar o cachorro que, a seus pés, choramingava como se estivesse com ciúme. — Então, o que é que não entende? O tom fora insolente e, sentindo-se ofendida, Sara voltou-se para ele, a cabeça erguida num gesto arrogante. — O que não entendo — disparou — é por que me sinto assim, quando nem tenho certeza se gosto muito de você. O ar irritado desapareceu do rosto dele imediatamente, dando lugar a um 30


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald sorriso irresistível: — Mentirosa. Você gosta de mim, sim. E muito. — Não conheço você! — E o que diabos isso tem a ver com o que sentimos? — Acho que tem muito a ver. — Sara estava quase cedendo à irritação. — Já lhe disse que não tenho intenção de me envolver num caso passageiro! — E num caso sério? — ele indagou com um sorriso irônico nos lábios. — Em nenhum caso, Blake — ela respondeu. Houve um instante de silêncio, no qual a expressão dele não se modificou nem um milímetro, porém Sara sabia que ele procurava digerir sua resposta. Não lhe dissera nada claramente, mas era óbvio que Blake percebera que ela nunca havia estado com um homem. Ao menos não deixara escapar nenhum comentário surpreso. — Espere um pouco, Sara — ele falou, afinal, segurando-a pelo braço. — Você nunca se envolveu com alguém? Ela não o encarou, sentindo o rosto queimar. Porém, o tom que ele usara era de interesse genuíno, sem nenhuma sombra de zombaria ou ironia, desta vez. — Nunca — falou, baixinho. — E há algum motivo para isso? — ele quis saber, escorregando a mão pelo seu braço até o pulso, enlaçando-o com carinho. — Pelo que pude perceber, não me parece que sexo seja algo de que você não goste. A evocação deliberada das carícias que haviam acabado de trocar deixou-a ainda mais embaraçada. Revelara a ele muito mais do que pretendia e não estava ali para lhe dar explicações sobre sua vida pessoal. Deu de ombros e disse: — E por que não? Ele lhe soltou o braço e, num tom que aceitava o fato de não ter direito de lhe fazer mais perguntas, falou: — É melhor irmos almoçar, antes que Phil fique brava. Sara duvidava que ele se importasse tanto assim com os sentimentos de Phil. Podia jurar que ninguém tinha qualquer influência sobre ele. Mesmo assim, seguiu-o para a sala de almoço, onde a refeição os esperava. A comida era deliciosa, pedaços de frango cozido com mel e especiarias, além de uma salada de tomates e ervas. Sara comeu com prazer, enquanto conversava com Blake a respeito de um livro que ambos haviam lido e fazendo comentários sobre as notícias mais recentes do jornal. Com uma certa surpresa, ela descobriu que Blake era extremamente inteligente. Ainda era difícil conciliar aquele corpo magnífico com uma mente brilhante e um modo de vida tão elegante e sofisticado. Naquela sala, ele nem parecia o mesmo homem que fincara as estacas da cerca, na mesma manhã. Dando-se conta de que o estivera encarando, Sara desviou os olhos para uma das pinturas que enfeitava a parede e fez um comentário gentil sobre a casa. — Quando meu avô a comprou estava em péssimo estado — Blake contoulhe. — Porém, permaneceu inalterada durante uns dez anos, até que uma tia 31


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald minha decidisse dar um jeito. Contratou decoradores e vasculhou todas as lojas de antigüidades da Europa, até deixar a mansão como queria. — E fez um ótimo trabalho — ela elogiou. — Você gostaria dela. Atualmente, mora com o marido numa villa, não muito longe daqui, do outro lado do canal. É uma pessoa de personalidade forte, e às vezes me assusta um pouco. Mas é amorosa e gentil, e o filho a adora, bem como a esposa dele. — Clary Caird? — Sara indagou. — Sim. Meu primo é um homem de sorte por tê-la encontrado. Você os conheceu, não é? — Conheci os dois, mas não foi numa ocasião que se possa chamar de social. Blake esboçou um sorriso. — Posso imaginar. O parto de Clary foi difícil, e Morgan me contou que foi uma das piores experiências de sua vida. Agora têm até receio de tentar novamente. — Eles vão superar — Sara respondeu, distraída. Sem nenhum aviso, uma onda de tontura, bastante comum em sua fase de recuperação da enfermidade, a estava atingindo. Pequenas gotas de suor surgiram sobre seus lábios, enquanto o rosto adquiria uma palidez mortal. Notando aquela súbita mudança, Blake aproximou-se, preocupado, perguntando-lhe o que acontecera. — Desculpe — ela murmurou. — É que estou ainda um pouco fraca, mas estarei bem em... Blake! Ele a tirara da cadeira, pegando-a no colo tão facilmente quanto o faria com uma criança. — Por que tem essa mania de ficar me pegando no colo? — ela protestou. — Estarei bem num instante. — Gosto de carregá-la — ele respondeu. — Não me tire esta oportunidade de me sentir protetor. Atualmente as mulheres são tão auto-suficientes que raramente um homem pode demonstrar sua força. — Estou certa disso — ela tornou, com uma ponta de ironia. Ele era mesmo forte, mas sabia disso e não precisava de ninguém que o elogiasse. Adorando a sensação de estar sendo protegida, acrescentou: — Não pretendia ser uma amolação para você. — Pois eu tenho uma estranha premonição de que você se tornará um perigo para mim, maior até do que o seu tamanho. — Eu, perigosa? Blake não respondeu, limitando-se a sorrir, enigmático. Levou-a para o quarto e depositou-a na cama, fitando-a com uma expressão divertida no olhar. — Durma um pouco — falou, beijando-a de leve na testa antes de sair, fechando a porta atrás de si.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald

CAPÍTULO IV Ao acordar, Sara concluiu que a pneumonia certamente produzira um efeito debilitante em seu organismo. Nunca dormira tanto na vida! Bocejando, foi até a larga janela e admirou a paisagem, as ondas do mar que quebravam tranqüilas na praia. Ouviu vozes de crianças e, sorrindo, inclinou-se a fim de ver onde estavam. Dois garotinhos conversavam animadamente, enquanto apanhavam flores num arbusto do jardim. Ela sentiu um aperto no coração: adorava crianças e fora este sentimento que a levara a escolher a profissão que seguia como um sacerdócio. Porém, esse garotos não estavam doentes. Ao contrário, pareciam muito saudáveis e divertiam-se naquela atividade que, com toda a certeza, lhes era proibida. De fato, logo a voz de Phil fez-se ouvir lá embaixo: — Saiam já daí! — a governanta ordenou, sem perceber que Sara os observava. — Sabem que não podem fazer isso. Além do mais, o sr. Caird tem uma visita que está descansando, e vocês vão acordá-la. Os, garotos obedeceram e correram até onde Phil estava, na lateral da casa. Um deles perguntou: — Por que a moça está dormindo de dia? Ela não é mais bebê! — Os risos das crianças encheram o ar, e Sara sorriu também. — Não, mas esteve doente — Phil explicou. — Agora, vão brincar em outro lugar. As vozes se afastaram, e Sara foi até o guarda-roupa, onde escolheu um vestido. Desceu as escadas e, depois de procurar por alguns cômodos, finalmente encontrou a cozinha, tão grande quanto um salão de baile. Os dois meninos estavam sentados à mesa, devorando biscoitos com suco de laranja. A chegada de Sara fez com que silenciassem de repente, e Phil olhou-a, surpresa. Porém, logo a fez sentir-se à vontade, apresentando-a aos garotos Jason e Mark, que admiravam a estranha convidada do sr. Caird com evidente curiosidade. — Posso servir-lhe alguma coisa? — Phil perguntou. — Você está ocupada. Gostaria de um suco de laranja, mas pode deixar que me sirvo. A governanta hesitou um pouco, mas concordou. — A jarra está na geladeira, e os copos, neste armário. Jason, mostre à srta. MacMillan onde guardamos os copos. Jason levantou-se e mostrou-lhe o armário, mas permaneceu de pé, fitandoa como se esperasse que ela desmaiasse a qualquer momento. — A senhora está doente? — perguntou. — Estive doente, mas agora estou bem melhor. A resposta deixou-os satisfeitos. Mark intrometeu-se: — Jason tem uma irmãzinha que dorme de dia, também. — Os bebês dormem muito mesmo, não acham? — Sara bebeu um pouco do suco e sorriu para eles. Podia sentir o olhar atento de Phil e imaginou por que a 33


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald governanta hesitava tanto em aceitá-la. Entretanto, os garotos não pareciam ter mais nenhuma dúvida, pois ela sabia lidar com crianças. Em poucos minutos, conversavam como se fossem velhos amigos, rindo, fazendo e respondendo perguntas, brincando com Blackie, que se juntara a eles. Era evidente que estavam se divertindo, até que Phil interrompeu, avisando que as mães dos meninos já deviam estar preocupadas com a demora. Depois, enquanto Phil amassava um pão, Sara lavou e enxugou os copos. — Não deve deixar que eles a aborreçam — Phil recomendou. — Se lhes der muita confiança, acabam seguindo-a por toda parte. — Não me incomodam — Sara respondeu. — Gosto muito de crianças. — E tem jeito com elas. Mark, principalmente, é bastante tímido, a gente mal consegue que ele diga uma ou duas palavras. Sara sorriu: — Faz parte do meu trabalho incitar as crianças a falarem — explicou. — Felizmente, tenho alguma facilidade para isso. Como fazem as crianças, quando atingem a idade para o segundo grau? — quis saber. — Bem, a maioria delas tem de partir. Quase todas estudam em Auckland, em regime de internato, e só voltam para casa nos fins de semana. Isso significa que, normalmente, perdemos a companhia de nossos filhos quando eles têm doze anos apenas. — Suponho que seja uma das desvantagens de se viver no paraíso — Sara tornou, querendo deixar claro a Phil que, embora Blake fosse um homem irresistível, ela não estava pensando em se casar com ele. — Sim, uma das desvantagens — Phil concordou. — Então nem me fale sobre as outras. — Sara decidira posicionar-se de uma vez. — Vou ficar aqui apenas algumas semanas e, quando voltar para Auckland, desejo que minha estada aqui se pareça com um sonho. Por isso, não me mostre as serpentes do paraíso — brincou. — Posso ajudá-la em mais alguma coisa? — Não, obrigada. Nem devia estar lavando os copos. Sorriram uma para a outra, ambas sabendo que uma amizade estava prestes a se iniciar. Nisso, Sara sentiu o focinho úmido de Blackie em sua perna. — O que foi? — perguntou ao cãozinho. — Será que quer dar uma volta? O que acha, Phil? — Acho que ele está precisando mais de comida do que de exercício — a governanta respondeu. — Bem, então vamos procurar uma cadeira e esperar o jantar. Por falar nisso, você é uma excelente cozinheira, Phil. — Obrigada, mas, se quiser me convencer de que o elogio é verdadeiro, trate de comer um pouco mais do que no almoço. Está muito magrinha. O sr. Blake deve chegar mais ou menos às seis e meia para jantar. — Acha que devo mudar de roupa? — Ah, não. Ele nem gosta de muitas formalidades por aqui. Sara concordou. Seu vestido era simples mas elegante, e serviria para o 34


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald jantar. Porém, ao menos calçaria sapatos de salto alto e colocaria um pouco de maquiagem. — Tenho algumas cartas para escrever, e acho que vou até aquele quiosque no jardim, que posso ver da janela do meu quarto — avisou, saindo sem seguida. Escreveu para o pai, contando-lhe de sua adoção recente de Blackie. Depois, alguns cartões-postais para os amigos e vizinhos, uma outra carta para a avó que morava no Canadá. Quando terminou, permaneceu sentada por um momento, as mãos pousadas na mesa, e olhou em volta. Normalmente, achava o entardecer a hora mais triste do dia, mas Moturahoa possuía algo diferente na atmosfera. Em vez da sensação de cansaço e tristeza, o sol se pondo dava-lhe um calor sensual, um encantamento dourado, que tornava a tarde tão excitante quanto o amanhecer. A distância, pôde ouvir vozes e o tropel de cavalos. Numa das casas do vilarejo, alguém tocava piano, e as notas lhe chegavam abafadas, sem que conseguisse distingui-las. O ruído das ondas, a brisa agradável que vinha do mar, tudo criava um clima de paz, de sonho. Sem saber por que, sentiu os olhos úmidos e, desde que não era do tipo sentimental, culpou a sua condição debilitada pela doença. Continuou imóvel, absorvendo os sons, perfumes e cores, querendo imprimi-los na memória para sempre. De repente, começou a pensar na esposa de Blake, em como ela se sentira aprisionada naquela ilha. Em qual dos quartos teria ficado trancada, antes de correr para a liberdade e para a morte? Seria no mesmo quarto que Blake ocupava, imenso e luxuoso, ou ele teria trocado de cômodo, depois de sua morte? Devagar, ela virou a cabeça e olhou para a casa. Não, pensou, ele não iria trocar de quarto. Não havia o menor sinal de amor no rosto dele quando falava da esposa, apenas um pequeno traço de arrependimento, amargura, temperados com o cinismo que ela achara tão chocante. Procurou as janelas do quarto dele e viu que estavam abertas. De repente, percebeu que havia uma sombra numa delas e deu-se conta de que era Blake, observando-a de longe. Estava quase invisível, e apenas o brilho dos cabelos dourados denunciava sua presença, que pareceu-lhe ameaçadora. Sentiu um arrepio que a deixou incapaz de se mover, nem mesmo para lhe enviar um aceno casual. Era como se tivesse sido apanhada desprevenida, e seus sentidos se aguçaram, fazendo desaparecer toda a tranqüilidade que sentira até aquele momento. Então ele desapareceu, como se nunca tivesse estado ali, deixando-a ofegante por um longo tempo. Irritada com sua própria reação, Sara levantou-se e começou a recolher as cartas que escrevera, dirigindo-se em seguida para a casa, na intenção de ir direto para seu quarto antes que Blake a visse. Mas não conseguiu. Quando abriu a porta do hall ele já estava no meio da escada, impecavelmente vestido com uma camisa de seda e uma calça que se ajustava a seus quadris com perfeição. — Pode deixar as cartas nesta bandeja — ele falou, indicando um console no hall. — Amanhã logo cedo elas serão enviadas pelo correio, através da balsa. — Obrigada — ela murmurou, a boca seca. Blake desceu mais alguns degraus, parando no final da escadaria e 35


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald observando-a com um meio sorriso. — Você está linda — falou suavemente, quando ela se aproximou, depois de deixar as cartas na bandeja. Surpresa com o elogio, Sara ergueu os olhos, encontrando os dele, dourados e sensuais. — Obrigada — respondeu. — Sua aparência também é excelente. — Fez menção de subir, mas Blake impediu-lhe a passagem. — Vou para meu quarto, me arrumar um pouco antes do jantar. — Não é necessário, você está ótima assim. — Ele a segurou pelo cotovelo, guiando-a para o centro do hall. — Vamos beber alguma coisa. Ela hesitou por um instante, mas acabou cedendo, com um ligeiro encolher de ombros. Foram para uma sala espaçosa, um tipo de jardim de inverno, decorada com móveis de cana-da-índia e muitos vasos de folhagens e flores. As portas e janelas abriam-se para o terraço, deixando entrar a brisa suave e perfumada que vinha do mar. — O que deseja? — ele perguntou, fazendo-a sentar-se numa poltrona confortável. — Suco de frutas, por favor. — Ao ver que ele franzia a testa, estranhando seu pedido, explicou: — Meu limite são dois copos de vinho na refeição e, talvez, um licor com o café. Se beber mais do que isso fico totalmente irresponsável. — Uma mulher sensível — ele comentou, juntando com um ar desolado: — Mas bem que eu gostaria de ver os efeitos de três copos de vinho. Ele entregou-lhe o copo com uma mistura de várias frutas e serviu-se de uísque com gelo. Sentou-se próximo a ela e começaram a conversar, descobrindo, mais uma vez, que havia uma infinidade de assuntos nos quais concordavam. Falavam animadamente, quando Phil surgiu na porta. — Desculpe, Blake, mas o sr. Oxten está no telefone. Ele saiu para atender e, minutos depois, retornava, com uma expressão um tanto preocupada. — Era um amigo meu — explicou. — Queria saber se poderia passar por aqui, pois está num passeio de iate com algumas pessoas. — Então vou voltar para o hotel — Sara falou prontamente. — Não seja tola — ele retrucou, sentando-se ao lado dela e tomando-lhe a mão entre as suas. — Minha única preocupação é que, se a encontrarem aqui, presumirão o de sempre. Afinal, de vez em quando eu tenho companhia feminina. Sara ergueu a cabeça, indecisa. Aquilo era bastante óbvio, pois Blake não era nenhum santo. Porém, não se preocupava com o que os outros poderiam pensar. Na verdade, sentia uma ponta de ciúme ao pensar naquelas “companhias femininas” que ele costumava ter. Querendo esconder o sentimento desagradável, ergueu o queixo e encarou-o: — E daí? — perguntou. — Qual é o problema? — Tem razão — ele respondeu, com um sorriso. — Acho que tive um ligeiro ataque de protecionismo em relação a você, mas é claro que foi desnecessário. Posso apenas julgar que será um ponto a meu favor se imaginarem que você é 36


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald minha amante. O tom profundo que ele usara, mais o olhar penetrante que lhe enviava a fizeram estremecer. No entanto, Sara balançou a cabeça e sorriu, com um ar de ironia. — Ah, tenho certeza de que a recíproca é verdadeira — falou, sem esconder o cinismo. — A modéstia e a discrição me impedem de responder a isso — ele tornou, segurando-lhe a mão e pousando um beijo suave em seu pulso, os olhos brilhando. A despeito da refeição deliciosa que Phil preparara, a noite já estava estragada para Sara. Depois daquela conversa, Blake assumira um ar protetor em relação a ela, que a irritava profundamente. No fundo, apreciava a atenção que ele lhe proporcionava, porém a mulher independente que existia nela relutava em aceitar qualquer proteção. Seria fácil demais ceder à tentação de ser protegida e amparada por alguém como ele, tão forte e poderoso, mas era algo que deveria evitar a qualquer custo. Observando-o enquanto conversavam, acabou concluindo que, apesar da arrogância que ele insistia em demonstrar, havia algo de muito vulnerável em seu interior. Por trás da máscara que Blake usava, certamente existia um homem sensível. — Estou aborrecendo você? — ele perguntou, de repente. Sara sorriu, sem tentar esconder a evidente zombaria: — De jeito nenhum — respondeu. — É maravilhoso saber como se trata de ovelhas. Ele sorriu, embaraçado: — Desculpe. Não tinha percebido que o assunto estava se tornando tão árido. Dando-se conta de que ele se ofendera sinceramente, Sara sorriu de volta: — Sou eu quem deve pedir desculpas. Acho que estou um pouco cansada. E continuo pensando no assunto que discutíamos antes do jantar. Estou certa de que poderei deixar claro aos seus amigos que não sou sua amante, sem nenhuma ajuda ou proteção de sua parte. — Acredito. Sei que é uma pessoa de personalidade e não permitiria que outros tomassem decisões por você. Minha única desculpa é lhe dizer que fui criado para pensar que as mulheres são o sexo frágil, que precisam de cuidados e proteção. Ela não pôde deixar de rir: — Sexo frágil?! — indagou. — Frágil em que aspecto? Mentalmente, na capacidade de suportar a dor? Ele riu, levantando-se e aproximando-se dela: — Nada disso — falou com suavidade, fazendo-a levantar-se também e puxando-a para si. — Neste momento, tudo o que conta é a força interior. — A força interior conta sempre — ela retrucou. Esperava que ele fosse beijá-la e cerrou os olhos, em antecipação. Porém, a 37


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald não ser pelo pulsar acelerado do coração dele junto a seu peito, nada aconteceu. Abriu os olhos e viu que ele observava a curva de sua boca com um olhar intenso, fascinado. Inconscientemente, Sara passou a língua de leve pelos lábios entreabertos e estremeceu ante o brilho de desejo que surgiu nos olhos dourados. Uma paixão crua e animal os uniu ainda mais. Sara ficou tensa, respondendo à rigidez imediata de cada músculo do corpo dele, que a apertava, e fechou os olhos novamente. Tornou a abri-los e encontrou a expressão dele totalmente modificada: fria, controlada, sem nenhum sinal de emoção. Atônita com tamanho autocontrole, afastou-se um pouco. Ele a soltou e voltou para a sala de estar, onde foi colocar um disco no aparelho de som. Logo a voz de Plácido Domingo encheu o ar, cantando uma ária de ópera. Encaminhouse então para a mesa de centro, onde estava a bandeja com as xícaras de café. — Adoro essa música — Sara comentou. — Que voz maravilhosa, não acha? Aceitando de bom grado a mudança de humor, Blake concordou, e o resto da noite transcorreu num clima de tranqüila amabilidade. Enquanto se preparava para dormir, Sara pensou naquela amabilidade. Blake não era o tipo de pessoa que achava que todos os minutos deveriam ser preenchidos com uma conversa, mesmo que banal. O silêncio que haviam compartilhado enquanto ouviam a música fora tão confortável e agradável que mais pareciam dois velhos amigos, em vez de um homem e uma mulher contidos em seu relacionamento. Blackie, o cãozinho, permanecia acomodado num canto do quarto, a cabeça pousada entre as patas, fitando-a solenemente. — Nada de choradeira esta noite — ela o avisou e, depois de fazer um carinho em sua cabeça, deitou-se na enorme cama de casal. Achou que iria demorar para pegar no sono, porém mal percebeu quando seus olhos se fecharam, para se abrirem somente na manhã seguinte. Era muito cedo quando despertou, mas pela primeira vez, desde que adoecera, sentia um fluxo de energia perpassando-lhe o corpo. Sem perder tempo, levantou-se e foi para o jardim, ao encontro do dia ensolarado. Encontrou Blake e, por alguns segundos, enquanto ele não percebia sua presença, observou-o de longe. Seus olhos seguiram o contorno daquele corpo que se recostava numa cadeira, e Sara concluiu que ele era um resumo de todas as fantasias femininas. Apesar de seu tamanho avantajado, possuía uma graça natural, uma sensualidade radiante. Embora ela não tivesse feito ruído algum, Blake notou sua presença e levantou-se, os olhos brilhando de prazer. Como se tivesse lido os pensamentos dela, comentou: — É raro encontrar alguém pequena como você com proporções tão perfeitas. As pessoas baixas normalmente parecem estar precisando de alguns centímetros nas pernas, mas as suas têm o tamanho ideal. Ela riu e sentou-se na cadeira ao lado dele. — Obrigada. Mas bem que eu gostaria de ganhar alguns centímetros, se pudesse. E creio que devo retribuir o elogio. Blake riu: 38


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Eu lhe daria alguns centímetros meus, de bom grado. — Você se ressente por ser tão alto? — ela indagou. — Não — ele respondeu prontamente. — Mas, apesar de ter me acostumado, desejaria, às vezes, que as pessoas não se intimidassem tanto com meu tamanho. — Pois acho que você deve agradecer à combinação genética que fez com que você fosse alto e tão ágil, ao mesmo tempo — ela falou, com um ar brincalhão. Ele riu e perguntou: — Fico imaginando se as mulheres pequenas, como você, não se preocupam em engravidar. O que aconteceria, por exemplo, se você tivesse um filho meu? Sara sentiu um calor estranho percorrer-lhe o corpo. Para disfarçar a agitação, pegou o guardanapo e abriu-o no colo, vendo que as mãos tremiam incontrolavelmente. Cruzou-as, escondendo-as sob a mesa. A seus pés, Blackie mastigava um biscoito para cachorros que Phil lhe dera. Respirou fundo, tentando recuperar o controle, e respondeu: — Você tem razão. Mulheres muito pequenas estão mesmo em desvantagem no que se refere à reprodução da espécie. — Então seria perigoso você ter um filho meu? — Novamente ela sentiu o estranho e doce ardor interior. — Ha cem anos, poderia ser — respondeu. — Mas, atualmente, já se pode lidar com esse tipo de problema. — Cesariana — ele afirmou calmamente. — E tal perspectiva não a deixa preocupada? — Não. — Sara enviou-lhe um rápido olhar e viu que a expressão dele era muito séria, sem a menor sombra de brincadeira ou zombaria. — Além disso, é muito pouco provável que isso aconteça, ao menos por enquanto. Ainda não encontrei um homem disposto a aceitar o tipo de esposa que eu seria. — Por quê? Ela deu de ombros: — Porque pretendo ser uma médica pediatra, o que significa que devo trabalhar como residente por cinco anos, antes de passar mais dois fazendo um estágio nos Estados Unidos. Ele franziu a testa. — Parece que o casamento está fora de seus planos imediatos — tornou, com uma ponta de frieza na voz. — Não pensou que algum imprevisto possa atrapalhá-los? Um caso de amor, ou um casamento inconveniente? Sara bebeu um gole do suco de laranja e pousou o copo na mesa. — Trabalhei como uma escrava durante anos, desistindo de coisas que jovens da minha idade costumavam considerar essenciais, apenas para seguir meu objetivo. E não pretendo desistir de tudo o que consegui até agora. Acha isso tão surpreendente? Você seria capaz de desistir deste lugar por um caso de amor, ou por um casamento inconveniente? Ao ver que o rosto dele se transformara com sua observação, adquirindo um aspecto doloroso, ela se deu conta do que acabara de dizer. 39


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Ah, meu Deus... — murmurou, desolada. Mas Blake simplesmente deu de ombros e respondeu, com toda a calma: — Certa vez não permiti que uma esposa inconveniente me pressionasse a desistir de Moturahoa, e ela morreu devido à minha intransigência. Posso entender sua determinação e a admiro por isso. O que me deixa surpreso é ver que tanta ambição pode caber numa embalagem tão pequena e delicada. Ela sorriu e balançou a cabeça: — Você é um machista incorrigível. — Acho que sim. — Blake tomou-lhe a mão e, levando-a aos lábios, beijou-a na palma. Seus lábios eram quentes e firmes, a potente masculinidade clamando por tudo o que havia de mais feminino em Sara. Ela mordeu o lábio, sentindo o tremor das mãos contagiar seu corpo inteiro. — Gostaria de poder mudar sua opinião sobre aquele caso de amor — ele murmurou, audacioso. Sara olhou-o diretamente, fazendo o possível para esconder o tumulto que se passava dentro dela. — Não tenho a menor intenção de me envolver com você — afirmou com firmeza. — Está com medo, minha querida? — Sim — ela respondeu. — Não preciso de complicações em minha vida. Gosto dela como está. — Ora, Sara, isto é covardia! — Pode chamar também de teimosia — ela tornou, sorrindo. — Você pode insistir, me forçar ou tentar me convencer a ser sua amante, mas eu... — E se eu persuadi-la? — ele interrompeu. A suave provocação que havia em sua voz a atingiu como uma onda quente, fascinante e perigosa. De repente, ela percebeu que estivera incitando-o a um desafio, e era o pior erro que poderia ter cometido. Era óbvio que Blake adorava desafios. — Espero que não tente, Blake. Não posso me permitir ficar envolvida com você. — É uma pena — ele falou, com ar sério. — Você não acredita em mim? Que tipo de arrogante é você? Apenas terá de aceitar que não estou fascinada pela perspectiva de ser sua amante! Ele sorriu, inclinando-se sobre a mesa e murmurando sugestivamente: — Mesmo assim, nós dois sabemos que você pode ser persuadida. Porém, posso lhe prometer que terei autocontrole suficiente para não me impor a você. Ao menos por enquanto. Ela sorriu e, embora sentisse uma pontada de excitação, tentou não demonstrar o que sentia. — Não sabe o quanto isso me deixa tranqüila — ironizou. — A que horas 40


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald chegam seus amigos? — Estarão aqui para o almoço. — Quantas pessoas virão? — ela quis saber. — E o que devo vestir para o almoço? — Seis pessoas. E o que você está usando agora está perfeito. — Blake olhou com prazer para o vestido leve e decotado. — Você parece sexy e inocente ao mesmo tempo. Eles também não estarão muito arrumados, pois o iate de Sam não é tão grande, e as pessoas ficam à vontade. Está nervosa com a perspectiva de encontrar meus amigos? — É claro que não — ela respondeu, um pouco incerta. — Por que deveria? Depois do café, ela o acompanhou numa inspeção às plantações, achando extremamente interessante as explicações que ele lhe dava sobre todos os detalhes. No entanto, em sua mente persistia aquela última pergunta que Blake lhe fizera. Era como se ele esperasse vê-la considerar o encontro com seus amigos importante o suficiente para deixá-la nervosa. Quando voltaram à mansão era quase meio-dia, e Sara teve tempo apenas de tomar um banho e trocar de vestido, antes de ouvir a buzina insistente, vinda do mar, anunciando que o iate chegara.

CAPÍTULO V

O Hauraki era um iate pintado de branco e azul, não muito grande, mas de proporções perfeitas e graciosas. Da sacada da varanda, Sara observou-o ancorar na baía, primeiro com as velas e depois com o auxílio do motor. — É o orgulho de Sam — Blake comentou, acompanhando a manobra com um olhar experiente. — Ele sai para o mar com qualquer tempo e tem total confiança na embarcação. Minutos depois, Sara ficou conhecendo o intrépido marinheiro, bem como sua esposa, Fay, e concluiu que, além de valente, era também um homem muito bonito. — Ei, nós já nos conhecemos! — falou Morgan Caird, ao chegar com a mulher e entregando o bebê para Blake, enquanto estendia a mão para cumprimentá-la. — Que bom encontrá-los novamente! — Sara respondeu com alegria. — E em circunstâncias bem mais agradáveis! Logo atrás do casal, uma mulher alta e esbelta olhou-a de cima a baixo, sem a menor discrição. Blake já havia alertado Sara de sua chegada: era Marie Dwyer, e não demorou muito para que descobrisse que não havia a menor sombra de amizade ou simpatia sob aqueles olhos escuros. A expressão de Clary Caird era um tanto divertida, surpresa por encontrá-la ali, e seu marido também não conseguia esconder a mesma sensação. Porém, a atitude de Marie foi bastante diferente e, apesar de não ter demonstrado 41


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald possessividade no trato com Blake, Sara podia sentir os olhares mortais que lhe enviava. Estava acompanhada de um homem de meia-idade, mas não lhe dava a menor atenção. — Tem um novo cachorro, Blake? — Clary perguntou, parando para fazer um agrado em Blackie. — Não é meu — ele respondeu, contando-lhe brevemente a história do cachorro abandonado, de tal forma que produziu uma reação divertida em seus convidados. Com a provável exceção de Morgan, nenhum dos outros acreditou na versão que Blake lhes dera para explicar a presença de Sara na casa. Ao final do relato, Clary riu, com uma espontaneidade contagiante: — Quer dizer que a Bela e a Fera tomaram conta de seu castelo! — ela brincou. — Cuidado, Blake, pois os contos de fada costumam se transformar em realidade! — Especialmente a história de Cinderela — Marie intrometeu-se, lançando um olhar significativo para Sara. Sam Oxten fez algum outro comentário e logo a conversa diversificou-se, e todos ficaram trocando idéias e fazendo comentários sobre o tempo ou sobre a casa. Sara manteve-se calada, apenas observando os rostos e expressões. Pela primeira vez em sua vida, sentia-se deslocada. Não pertencia àquele lugar, àquela ilha encantada, àquele pequeno reino tocado pela magia. Por “magia” entendia-se “dinheiro”, ela pensou com ironia, embora soubesse que, no fundo, estava errada. Aquelas pessoas eram elegantes, mesmo vestidas com roupas informais, os homens exalando autoridade e poder, que provinha da total autoconfiança. Falavam corretamente, trocando piadas familiares, sabendo de todas as ramificações de suas famílias, que sempre freqüentaram as mesmas boas escolas. A única exceção no grupo era Clary Caird, que estava ali unicamente porque Morgan se apaixonara por ela. Apenas Sara era uma estranha no grupo e, sentindo-se assim, mergulhava numa onda de autopiedade. Sabia que estava sendo observada. Blake a fitava como se a considerasse um problema que teria de resolver. Aproximou-se e, passando o braço por seu ombro, perguntou baixinho: — Está cansada? — Não, apenas um pouco atordoada. Ele riu, e a preocupação foi substituída por um brilho divertido em seu olhar, com aquele charme que a deixava transtornada. — Vamos almoçar um pouco mais tarde, hoje — continuou. — Por que não vai para seu quarto e descansa um pouco? — Acho que é uma boa idéia — ela concordou. — Estou me sentindo meio zonza. — Você está linda — ele falou, com uma sinceridade que a fez sorrir. Sara foi para o quarto e acabou ficando até depois do almoço. Pretendia deitar-se e descansar por uma hora, mais ou menos, mas pegou no sono e só foi 42


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald acordar quando ouviu batidas suaves em sua porta. — Desculpe incomodá-la — Clary falou, parecendo preocupada. — Mas já passa das cinco horas, e Blake estava ficando ansioso com sua ausência, então disse-lhe que viria dar uma espiada para ver como você estava. — Entre, Clary — Sara pediu, sufocando um bocejo. — Ah, meu Deus, não vejo a hora de passar um dia inteiro sem ter de me deitar. — Blake contou que você teve pneumonia. Deve ter sido bem grave. — Bem, acontece que fiquei cansada de estar na cama e mal podia esperar para recomeçar a trabalhar. Só que foi cedo demais. — Vocês, médicos, vivem num estado de exaustão crônica — Clary comentou, e sabia do que estava falando, pois havia sido enfermeira quando solteira. Sentou-se numa cadeira e fez um carinho em Blackie, que estava deitado no chão. — Mas você escolheu o lugar ideal para convalescer. Ambas riram quando Blackie levantou-se, procurando encostar-se na perna de Sara.

afastando-se

de

Clary e

— Ele é muito dedicado — Clary observou. Sara olhou para o cãozinho com um ar desolado: — Eu devia tê-lo levado para minha casa. — Clary riu: — Se conheço Blake, tenho certeza de que não lhe deu muita chance de decidir — falou. — Os homens da família Caird tendem a ser um pouco ditadores no que se refere a suas vontades. Tem certeza de que ele não a raptou? Rindo, Sara olhou-se no espelho e arrumou os cabelos. — Não — respondeu. — Não fui raptada. Mas ele me convenceu de que ficar aqui seria a única coisa lógica a fazer. — É um comportamento típico dos Caird. Já nasceram arrogantes. Mas o que acha da geração mais nova? — Acho que pode salvar o que há de melhor na família — Sara respondeu, no mesmo tom brincalhão, referindo-se ao filho de Clary e Morgan. — Sou muito orgulhosa de ter participado de seu nascimento. Ela gostava de Clary, e de Morgan também. Mais tarde, naquela noite, colocou seu vestido mais elegante de seda, do mesmo tom de verde de seus olhos, e, observando Blake conversar com seus amigos, concluiu que poderia vir a gostar de todos eles. Exceto de Marie, que se mostrava claramente antipática, evitando qualquer sugestão de amizade. Os outros eram bastante agradáveis e gentis, demonstrando um interesse e uma inteligência evidentes em todos os assuntos que conversavam. E todos tão distantes da vida de Sara quanto aquela sala era diferente de um quarto de hospital. — Você fica muito atraente quando está pensativa assim — Blake falou, aproximando-se dela. — Mais parece um modelo de pintura clássica. Aposto que adorariam pintá-la. Ela sorriu, fitando-o profundamente: — Acho que prefeririam uma mulher mais alta — brincou. — Azar o deles. Venha, deixe-me encher seu copo. 43


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ela obedeceu e, ao segui-lo, percebeu que Marie a olhava com raiva, o que a deixou atônita. Querendo provocá-la, recostou a cabeça no ombro de Blake, num gesto íntimo. — Tenho a impressão de que sua amiga, a srta. Dwyer, não gosta de mim — falou calmamente. — Será que devo pôr um fim ao sofrimento dela e dizer-lhe que não somos amantes? — Por quê? Aposto que ela está se divertindo muito, imaginando o pior. Marie adora um pouco de drama. — Blake fez uma pausa e tornou a falar, mais seriamente: — Além disso, ela não acreditaria em você. Não confia em pessoas do mesmo sexo. Sara olhou para ele: — Por que diz isso com tanta certeza? — Marie era amiga de Liza, minha esposa. A expressão dele se tornou ainda mais fria quando Marie aproximou-se, juntando-se a eles. Dirigiu-se a Sara, embora seus olhos se mantivessem fixos em Blake, como se quisesse testar suas reações. — Clary me contou que você trabalha num hospital — Marie falou, sorrindo falsamente. — Deve ser muita responsabilidade lidar com doentes, medicamentos, estas coisas. Você deve ser muito inteligente. — Sou brilhante — Sara respondeu, com um largo sorriso. Era óbvio que Marie não estava acostumada a respostas tão diretas, pois ficou muda por um instante, fitando-a com um ar escandalizado. — Que gracinha! — falou, afinal, lançando um sorriso zombeteiro para Blake. — Parece impossível levá-la a sério, não acha? Ela é tão pequena para ser médica, mais parece uma bonequinha. Blake virou-se para Sara e ficou um longo tempo contemplando-a, como se estivesse considerando as palavras de Marie. Era evidente que apreciava o que via, deixando-a embaraçada e inquieta. — Não acho que se pareça com uma boneca — respondeu, afinal. — É mais parecida com uma fada, perigosa porque parece real, mas está fora de alcance. — Fadas podem se transformar — Sara tornou, num tom meio brincalhão. — Mas sempre correndo o risco de perderem a própria identidade. Se isso acontece, perdem os poderes mágicos, e o que é uma fada sem magia? Ele concordou, a expressão impassível. — Os mortais podem viver no reino das fadas, mas perdem suas almas. E, de repente, nenhum dos dois brincava mais, fitando-se com uma intensidade que excluía tudo e todos a sua volta. Marie quebrou o silêncio pesado, dizendo futilmente: — Que conversa mais maluca! Vocês costumam falar sempre sobre fadas? Blake lançou-lhe um sorriso forçado: — Sempre que tenho vontade — respondeu, num tom de desafio. Marie recuou um pouco, sabendo que estava sendo dispensada de maiores explicações, e Sara teve de morder o lábio para não rir. Marie virou-se para ela, novamente 44


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald com aquele ar de superioridade, voltando ao ataque: — Espero que faça idéia da sorte que tem de estar aqui, Sara. Apesar de Moturahoa ser o lugar perfeito para festas e diversão, Blake é muito isolado, mais parece um ermitão. E não sei se você está ciente de que a família Caird é uma das mais antigas deste lugar. — É mesmo? — Sara tornou, sem ousar olhar para Blake a fim de ver qual seria a reação dele àquela demonstração de esnobismo. Porém, pôde ouvir-lhe o suspiro resignado, antes de dizer: — Vejo que não está bebendo nada, Marie. Venha conosco e lhe providenciarei um drinque. O jantar foi servido no terraço, na longa mesa enfeitada com flores e frutas, que criava um clima tropical. Sara comeu devagar e, apesar de a comida estar deliciosa, logo ficou satisfeita, terminando bem antes dos outros. — Tem certeza de que não quer mais nada? — Clary lhe perguntou, olhando para o seu prato cheio. —- Phil é uma cozinheira maravilhosa! Eu não devia estar comendo tanto, mas ainda estou amamentando o bebê e tenho um apetite insaciável. Ah, meu Deus, veja este pimentão, está recheado com carne de porco! A expressão de Clary era tão desolada que Sara sorriu: — Você não gosta de carne de porco? — perguntou. — Adoro! Mas bem que preferiria estar ingerindo algo que engordasse um pouco menos. Sara examinou-a, com um ar profissional: — Não me parece que você esteja precisando de dieta. — E não precisa mesmo — Morgan intrometeu-se, inclinando-se ligeiramente em sua cadeira, ao lado da esposa. — Está sempre a postos, não é, doutora? Deve ser um mal da profissão, pois Clary também nunca se esquece de que é enfermeira. — Ah, esqueço, sim! — Clary sorriu para o marido, com tal adoração e confiança que Sara sentiu-se oprimida por um estranho sentimento. — Desde que o bebê nasceu, venho agindo como uma perfeita tola. Se ele espirra, tenho de me controlar para não sair correndo à procura do médico! Era uma noite agradável, se se pudesse ignorar a presença de Marie, que continuava enviando-lhe olhares de desprezo. Sara divertia-se, embora vez por outra sentisse uma pontada de ciúme, ao ver Blake conversando com qualquer outra mulher. Porém, tentou não demonstrá-lo e manteve uma discussão animada com Fay Oxten a respeito de uma exposição de arte que ambas haviam visto, em Auckland. Mais tarde, Blake aproximou-se, sentando-se ao lado dela e examinando-lhe o rosto atentamente. — Está tudo bem? — perguntou. — Sim, obrigada, estou ótima. Ele aceitou a resposta, mas com um ar de quem estava disposto a levá-la para o quarto, carregando-a como a uma criança, ao menor sinal de cansaço de sua parte. Embora achasse que deveria se zangar com aquele protecionismo 45


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald exagerado, Sara sentiu um nó na garganta, tocada pela preocupação dele. “Para o inferno com estes homens protetores”, pensou, procurando dentro de si uma pequena fagulha de revolta. A independência dela era preciosa demais para ser enfraquecida pelo desejo de ser protegida por alguém. Depois disso, Sara tentou apagar a intimidade que eles pareciam ter adquirido tão depressa. Sorria sem fitá-lo nos olhos, evitava estar sozinha com Blake e até brincou com a idéia de ir embora para Auckland. No entanto, os visitantes a informaram de que o tempo na cidade continuava muito úmido, e ela decidiu que era melhor ficar mais um pouco. Por volta da meia-noite, Clary foi buscar o bebê, que dormia num dos quartos, e todos voltaram para o iate, onde passariam a noite. O céu lembrava um veludo escuro, pontilhado de estrelas brilhantes e multicoloridas. Ao longe, reluziam as luzes da cidade do outro lado da baía. O perfume marinho misturava-se com os odores que vinham do jardim, das plantas, da grama recém-cortada. Fay elogiou a beleza da noite, juntando: — É perfeita para os amantes. Sara estava a alguma distância, mas pôde perceber que Marie estremecera ante o comentário, dando de ombros em seguida, como se o achasse tolo. Depois que todos se foram, Blake e Sara retornaram para a casa, num silêncio confortável, sentindo a beleza da noite. — Devia haver um rouxinol cantando — ela falou suavemente. — Você é uma romântica — ele brincou. — Pois desafio alguém a ser realista, numa noite como esta — ela tornou, indicando com a mão o jardim sob a penumbra, a casa iluminada, tendo ao fundo as escuras encostas das colinas e, acima de tudo, a presença brilhante da Via Láctea. — Nas noites de inverno, o vento bate aqui com uma força incalculável, gemendo por entre as árvores... — ele falou, num tom brincalhão. Sara riu: — Ah, não seja dramático! — E, na primavera, chove durante semanas seguidas, deixando tudo úmido e pegajoso. — E quem se importa? — ela tornou. — É verão, agora. E você também é romântico. Por que não admite que adora este lugar? — Tem toda a razão. Sara pôde sentir a determinação que havia naquelas palavras, apesar do tom distraído que Blake usara. — Acho que está na hora de me recolher — falou. — Boa noite, Blake. Gostei muito de seus amigos. — Até de Marie? — Acho que tive pena dela. Parece que o que sente por você faz com que aja de maneira tão ríspida e fria!

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Duvido que Marie seja capaz de um sentimento honesto — ele retrucou, deixando transparecer um certo desprezo. — Na verdade, ela gostaria mesmo era de ser dona desta casa e me causar um pouco da dor que imagina que eu tenha causado a Liza. Mas Sara não desejava ouvir mais nada, especialmente se ele fosse lhe falar sobre a esposa. Fingindo um bocejo, virou-se para se afastar. Blake riu baixinho e a fez parar, segurando-a pelo ombro. — Boa noite — murmurou, puxando-a de encontro ao peito forte e cobrindolhe os lábios antes que ela pudesse protestar. Por um instante, Sara permaneceu rígida, mas o ardor do desejo logo lhe perpassou as veias, e ela relaxou nos braços de Blake, derretendo-se como gelo sob o fogo. — Você é tão linda, tão doce... — ele sussurrou. — Como uma pequena sereia... Blake beijou-lhe as pálpebras cerradas, explorando os contornos de seu rosto, os lóbulos das orelhas, até retornar à boca, num outro beijo ávido. O mundo girava em torno de Sara, e ela prendeu as mãos com mais força nas costas de Blake, a fim de se firmar. Aceitou o beijo com todo o ardor, oferecendo-lhe tudo que jamais oferecera a outro homem. Através do fino vestido de seda sentia-lhe a ereção e moveu os quadris levemente de encontro a ele, num gesto instintivo. Ardendo com um desejo crescente, Blake acariciou-a, e Sara ergueu-lhe a camisa, até sentir a maciez e o calor de sua pele. Apertou-se mais de encontro a ele ao sentir que a alça de seu vestido era baixada, expondo-lhe o ombro nu. A boca de Blake em sua pele era quente e úmida, provocando-lhe uma sensação indescritível, e a língua que passeava, explorando-lhe os contornos, prometia-lhe prazeres que ela jamais soubera que poderiam existir. — Ah, meu Deus! — ele ofegou. Pegou-a no colo e atravessou o gramado até o quiosque onde ela estivera escrevendo as cartas naquela tarde. O perfume dos lilases deixou-a zonza, e ela não protestou quando ele a acomodou na espreguiçadeira, entre as almofadas, e deitou-se a seu lado, pousando uma das pernas sobre as dela, impedindo-a de se mover. E Sara não queria mover-se. Sentindo-lhe os lábios sobre os seus, desejava apenas perder-se no redemoinho de sensações que a invadiam. Estremeceu e, gemendo baixinho, virou a cabeça a fim de beijar a mão que lhe puxava o vestido pelos ombros. — Você é tão linda... — As palavras soaram como num sonho, e Sara abriu os olhos, vendo que ele admirava os contornos pálidos de seu corpo, parcialmente escondidos pela fina seda de sua combinação. — Tão perfeita... — ele prosseguiu, inclinando-se para tomar o bico do seio entre os lábios. O corpo de Sara arqueou-se, num espasmo de prazer, e ela gemeu, sem conseguir se controlar. Blake ergueu a cabeça, fitando-a: — Este foi o som mais erótico que já ouvi — murmurou, antes de tornar a 47


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald pousar a cabeça entre os seios macios. As mãos dela acariciaram-lhe as costas, subindo até encontrar os cabelos macios. Blake deslizou a mão até a cintura de Sara, concentrando-se em seu seio, estimulando-o com a língua e os lábios, enquanto segurava o outro, produzindo um calor intenso e insuportável. Sara desabotou-lhe a camisa, puxando-a para baixo e, num segundo, explorava aquele dorso poderoso, apreciando, com uma alegria sensual, o contraste de sua pele clara com o bronze dos músculos rijos. Sentiu-o estremecer sob suas carícias, e Blake abraçou-a com mais força, posicionando o corpo sobre o dela. Embora fosse um homem grande, era extremamente gentil, beijando-a sem parar, no pescoço, nas orelhas, até que ela se acostumasse com o peso de seu corpo. Uma energia forte e doce a fez estremecer, intensificando-se mais e mais até se transformar numa febre que lhe ardia em cada nervo. Ela suspirou alto, rendendo-se, movendo-se sob ele. A boca de Blake tornou a cobrir seus lábios, desta vez tomada de uma paixão avassaladora, transformando cada gesto num espelho de seu desejo intenso, que deveria tê-la amedrontado. Sentindo que poderia perder o controle totalmente, Sara emitiu um “não” abafado e quase chorou de frustração ao ver que ele acatava seu pedido. Num movimento rápido, ele tornou a se deitar ao lado dela, tomando-a nos braços e recostando-lhe a cabeça em seu ombro. Sara tentou se mexer, a fim de puxar o vestido e cobrir os seios nus, mas ele a impediu com um gesto. — Não, por favor... Fique aqui um pouco. Estou tão excitado que, se você se mover, não confio em mim mesmo para não abraçá-la novamente. Ela ficou imóvel por alguns instantes, até que o fogo da paixão se transformasse numa lassidão silenciosa. Estiveram muito próximos de um limite perigoso e apenas o autocontrole que ele demonstrava havia impedido que ambos se entregassem a paixão. — Sinto muito — ela murmurou, um tanto envergonhada pela própria impetuosidade. — Eu também — ele respondeu, tomando-lhe a mão e pousando-a em seu peito. — Nunca havia me sentido assim — ela confessou, sentindo que estava revelando algo que seria melhor se mantivesse em segredo. — Nem eu. — A voz dele estava repleta de emoção sincera. — Mas um caso não significa apenas sexo. Seria muito fácil, e muito bom, também, se pudéssemos ficar juntos. Mas sei que você se arrependeria, ao acordar em minha cama, amanhã de manhã. Ela mordeu o lábio, tentando sufocar o impulso irresistível de entregar-se a ele. Sabia que um mínimo gesto seu os levaria de volta à paixão. Mas Blake estava certo: ela se arrependeria depois. — Não estou preparada para um relacionamento passageiro — falou, com alguma dificuldade. — Não posso me permitir... gastar tanta energia mental.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ele riu, e retrucou com amargura: — Ou energia física, neste momento. Você seria uma amante maravilhosa, Sara. — Não diga isso... — ela pediu, baixinho, sentindo-se derreter ante as imagens eróticas que voltavam a lhe povoar a mente. — Desculpe. — Fez uma pausa, e acrescentou gravemente: — Acho que é melhor entrarmos. Sara puxou o vestido, ajeitando-o novamente, e falou: — E eu acho que é melhor eu ir embora para casa. — Por quê? — ele indagou. — Prometo que não vou agarrá-la cada vez que estivermos sozinhos, se é disso que tem medo. Ela não respondeu, e seguiram em silêncio até a casa. Quando chegaram à escada, Blake segurou-a pelo ombro, forçando-a a encará-lo. — Não vá embora — pediu. — Gosto muito de sua companhia. — Você parece surpreso. Ele suspirou, parecendo muito cansado, de repente. — E talvez esteja — confessou. — Respeito e afeto não são sentimentos que costumo dedicar às mulheres, e é o que sinto por você. Pode ser que seja pelo fato de sermos tão parecidos. Nós dois sabemos o que queremos e estamos preparados para lutar por isso, e pagar o preço necessário. Sob a luz dos candelabros, os cabelos dele reluziam como ouro puro. Sara fitou-o, percebendo o quanto estava diferente do homem que, havia alguns momentos, estremecera de paixão junto a seu corpo, olhando-a de maneira perturbadora. Já em seu quarto, não foi direto para a cama. Vestiu a camisola e permaneceu à janela, pensando. Estava com medo. Com medo porque se sentia como uma estrangeira num país desconhecido, o país do coração, onde os perigos eram bem maiores do que ela jamais imaginara. Nunca havia sentido seu corpo abrir-se para uma emoção como a que sentira nos braços de Blake, e sabia que suas defesas não seriam uma proteção contra o perigo que ele significava. Devagar, ainda possuída pela fome que a fazia prisioneira de seus sentidos, deslizou os dedos pelo próprio corpo, segurando os seios entre as mãos, imaginando o que teria feito Blake desejá-la. Ele era tudo o que uma mulher poderia sonhar como primeiro amante. Gentil, delicado, repleto de ternura e, ao mesmo tempo, cheio de paixão genuína e contagiante. Porém, com um autocontrole impressionante, atributo raro na maioria dos homens que conhecera. O que aconteceria se cedesse a seus instintos?, pensou. Ninguém jamais a avisara de como era perigoso pensar num homem, imaginar os detalhes de mergulhá-lo numa emoção intensa demais para que ele pudesse se controlar. No entanto, algum instinto de preservação muito primitivo a fez parar de pensar e, desolada, ela suspirou: — Você é mesmo uma boba — disse a si mesma, virando-se na direção da cama. 49


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Mas um pequeno movimento através da janela chamou-lhe a atenção. Estremeceu de leve e, inclinando-se um pouco, tentou enxergar quem estaria no jardim. Estreitou os olhos, visualizando apenas uma sombra que, aos poucos, foi tomando forma: Marie Dwyer. Com uma pontada de raiva, puxou as cortinas e chamou: — Está com algum problema, srta. Dwyer? A mulher virou-se, assustada, mas logo ergueu a cabeça com um ar de desafio, respondendo com firmeza: — Não. Estava só dando uma volta. Boa noite. — Boa noite. Na cama, Sara sentiu as mãos ainda trêmulas por algum tempo. No entanto, aos poucos, foi relaxando e, como sempre, dormiu profundamente.

CAPÍTULO VI Sara dormiu demais e só acordou por volta das dez horas. O cãozinho Blackie passeava impaciente pelo quarto, parando vez por outra defronte à janela, de onde vinham sons de risos e conversas. — Puxa vida... — ela falou, sentindo-se culpada, e usou toda sua prática para se vestir e descer em quinze minutos, que incluíram levar Blackie até os fundos para comer. Sabia que não havia motivos para que se sentisse embaraçada, mesmo assim aproximou-se do grupo reunido no terraço corada de vergonha. Porém, foi acolhida alegremente, todos fazendo comentários brincalhões sobre seus hábitos de sono, deixando uma ligeira implicação de que ela demorara para acordar por ter passado a noite em claro, na cama de Blake. Sara pensou que talvez estivesse se mostrando sensível demais, porém o olhar que Marie lhe enviara através da mesa confirmou suas suspeitas. Tentando disfarçar o embaraço, Sara sorriu e olhou para Blake, cujo olhar afetuoso devolveu-lhe a autoconfiança. Serviu-se de café e pegou um pedaço de melão, maduro e doce, pondo-se a comer com apetite. Numa cestinha de vime, o bebê de Clary permanecia deitado, brincando com as próprias mãozinhas e sorrindo docemente para qualquer um que se aproximasse, inclusive Blackie. — Venha aqui, Blackie! — Blake ordenou, fazendo com que o cachorro voltasse ao seu lugar, aos pés de Sara. Mas o bebê não gostou de se ver afastado de algo tão interessante quanto o animal e pôs-se a chorar. — Ah, este gênio dos Caird! — Clary suspirou, levantando-se para pegá-lo no colo. — Quando você estiver maior, poderá ter um cachorrinho só seu. Está com fome, não é? Vamos dar um jeito nisso, já, já. Entrou na casa, acompanhada de Morgan. Um momento depois, Sam Oxten apontou para a praia e exclamou: — Veja, os pássaros estão se aproximando da baía! 50


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Era o sinal que todos esperavam para a chegada dos peixes e, com isso, os pescadores em potencial se levantaram e saíram juntos, num êxodo geral. Blake virou-se para Sara. — Não quer vir também? — Não, obrigada. Vou ficar aqui e observá-los. Não sou uma boa pescadora. — Vou ficar também, e faço-lhe companhia — Marie falou docemente. Blake ergueu uma sobrancelha, preocupado, mas ao ver o sorriso de Sara, indicando-lhe que saberia se cuidar, concordou e seguiu com os outros. Houve um instante de silêncio, quebrado com a chegada de Phil. — A senhorita... isto é, Sara, ainda não terminou — Marie disse à governanta, num tom autoritário. Sara ficou atônita com aquela atitude e olhou para Marie e, em seguida, para Phil. Tranqüilizou-se ao ver o sorriso sereno no rosto da governanta, enquanto retirava os pratos, demonstrando que não dera a menor importância àquelas palavras. — Será que podemos ajudá-la? — Sara perguntou, antes que Marie pudesse falar novamente. — Não, obrigada. Fique sentada aí mesmo e aproveite o sol. Vou terminar num instante. E, de fato, não demorou, mas Marie permaneceu com um ar mal-humorado até que ela saiu. Com uma voz que Phil certamente ouviu de longe, comentou às costas dela: — Se Liza estivesse viva, Phil não se atreveria a comportar-se como se fosse a dona da casa! Não houve resposta para o seu comentário. As palavras ficaram soltas no ar, enquanto Sara se servia de mais café, determinada a não se deixar abalar pelo comportamento da outra. — É evidente que ela está apaixonada por Blake — Marie prosseguiu, num tom maldoso. — Até me admiro de que o marido dela ainda permita que trabalhe aqui. E Blake também é esperto, pois Phil faz um bom trabalho, e ele não seria tolo em despedi-la. Sara demorou um pouco a falar, como se estivesse pesando as palavras. Não queria demonstrar o quanto estava revoltada com aquilo. — Acho que você está sendo um pouco apressada em seu julgamento — falou, afinal, com a maior calma que conseguiu. — Estou certa de que Blake não gostaria de ouvir esse tipo de fofoca. Uma rápida sombra de medo passou pelo rosto impassível de Marie. — Bem, eu não disse que havia algo entre eles — falou, incerta. — Afinal, Blake pode ter qualquer mulher que deseje! — A afirmação afetada deixou Sara ainda mais irritada, e ela murmurou, docemente: — E talvez ele tenha, mesmo. Marie inclinou-se sobre a mesa, fazendo uma expressão de sinceridade.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Sara, você deveria saber algumas coisas sobre os Caird. Parece-me um pouco inexperiente, por isso ouça o que lhe digo: quando os homens são criados como eles foram, cobertos de mimos e privilégios, tornam-se arrogantes e frios. O fato de serem tão atraentes só piora tudo! — Por que diz “eles”? — Sara indagou. — Ora, estou me referindo a Blake e Morgan! — Mas Morgan é casado — Sara objetou, piscando, confusa. — Não entendo por que... — Ah, mas esse casamento não vai durar! — Marie interrompeu, com desdém. — Ela nem é bonita. E não têm nada em comum. Até Morgan se casar com ela, era uma perfeita desconhecida! Sua expressão indicava a extrema consternação que o casamento de Morgan causara nos meios sociais. Sara recostou-se na cadeira e preparou-se para se divertir um pouco. Aquela demonstração de esnobismo era algo a que não estava acostumada, e queria ver até onde Marie era capaz de chegar. — Está afimando que Clary pertence ao lado errado da sociedade? — perguntou. Porém, Marie era esperta o suficiente para captar seu tom de zombaria e tornou: — É claro que não! Apenas que ela não é ninguém! — Deu de ombros, como se aquilo não tivesse a menor importância, e acrescentou: — Não se pode entender por que Morgan se casou com ela. É só bonitinha, enquanto os homens sofisticados como os Caird exigem que suas mulheres sejam maravilhosas. São muito mimados, e com motivo, pois possuem tudo: posição social, dinheiro, poder, além, é claro, da aparência física. Exigem a beleza a fim de se manterem interessados. — De repente, seu rosto foi tomado por uma sombra que fez com que Sara estremecesse. — E mesmo a beleza não lhes é suficiente. Blake não foi capaz de ser fiel a Liza, e ela era a mulher mais bonita que já vi em minha vida. Sara estava atônita diante de tanta maldade e amargura que via naquela mulher. Se Marie não enxergava que Clary e Morgan estavam sinceramente apaixonados, certamente era porque estava cega pelo preconceito. E, quando à infidelidade de Blake, era impossível acreditar. Qualquer um veria que ele era um homem íntegro demais para se entregar ao adultério. — Ela possuía cabelos cor de cobre escuro — Marie prosseguiu. — E os olhos muito azuis. Parecia uma modelo! Todo mundo a adorava, pois ela era viva, alegre, cheia de energia. Blake estava louco por ela, fez de tudo para conquistá-la, até que conseguiu convencê-la a se casar. O casamento foi uma festa linda, a cerimônia mais comentada dos últimos anos... Eu fui a dama de honra principal. E apaixonada pelo noivo, Sara pensou, indagando: — Se eram tão apaixonados, o que deu errado? — Este lugar a sufocava. Blake dizia que o lugar da esposa era aqui, ao lado dele, mas Liza não era do tipo de acatar ordens com facilidade. E então eles brigavam... Meu Deus, como brigavam! Às vezes, acho que ela até gostava, pois dizia, que, se não podia atingi-lo, ao menos poderia fazê-lo perder a paciência. Porém, no final, nem isso acontecia. Blake estava enjoado dela e a deixava aqui sozinha, com os empregados para vigiá-la, enquanto viajava tranqüilamente. E 52


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald ela odiava isso. Marie mantinha as mãos cruzadas no colo, numa atitude claramente tensa. Sara estava inclinada a acreditar que a outra a considerava uma ameaça e estava tentando assustá-la. Marie continuou falando, nervosa, observando cada reação de Sara a suas palavras: — Liza costumava me telefonar, chorando tanto que eu mal compreendia o que dizia. Os pais dela não ajudavam em nada, limitando-se a dizer que ela sabia muito bem onde iria morar ao se casar com Blake! Sara achou que era uma opinião bastante sensata. “Pobre Blake! pensou. E pobre Liza, que deveria ter tido o bom senso de se casar com algum rico habitante de uma cidade grande. — Ela era tão infeliz! — Marie prosseguiu. — Sempre foi muito popular, centenas de homens desejavam se casar com ela, e Liza os descartou, a fim de escolher um homem que, depois de um ano de casamento, recusava-se a dormir com ela. Sentindo-se mal, e não querendo ouvir mais nada, Sara levantou-se. Marie fitou-a, assustada, como se não tivesse se dado conta do que dissera e, mesmo assim, um brilho em seu olhar revelava a mentirosa que existia nela. Sara concluiu que Marie podia ter amado Liza, mas também a odiara e, com toda a certeza, desejara o marido da amiga. — É uma história muito triste — falou, num tom frio e impessoal. — Blake tornou a vida dela um inferno. O tom repleto de ódio fez com que Sara sentisse um arrepio. — Suponho que nenhum deles tenha sido muito feliz — ela falou, surpreendendo-se ao perceber que, no fundo, sentia pena daquela mulher que, de uma estranha maneira, havia amado ambos os participantes do triste drama familiar. — Feliz?! Meu Deus, você seria feliz ao lado de um homem que se recusasse a fazer amor? — Ouça, Marie, acho que você não deveria estar me contando essas coisas. Marie riu alto, cinicamente: — E por que não? Liza contava a qualquer um que estivesse disposto a ouvir! Eles tiveram uma briga feia, e Liza avisou-o de que não fariam amor até que ele cedesse. Quando foi para o quarto, naquela noite, descobriu que todos os seus pertences haviam sido retirados da suíte principal. Tudo! Liza imaginara que Blake iria implorar para que ela voltasse a dormir com ele, mas aconteceu justamente o contrário. Blake numa mais se aproximou dela, agia como se a esposa nem existisse. Sara não queria ouvir mais nada e arrependeu-se por ter permitido que a conversa se estendesse tanto. Mas, quando estava prestes a encerrar o assunto, Marie voltou a falar, com tal desespero que ela nada disse. Tentou encará-la como uma paciente difícil e percebeu que não estava muito longe disso. Embora Marie estivesse tentando assustá-la, no início, era evidente que, agora, se 53


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald consumia numa mágoa muito antiga e não esquecida. — Blake ficou arrasado quando ela morreu — Marie falou, num fio de voz. — Haviam brigado, porque Liza queria ir a uma festa, e ele se recusava a pegar o barco, pois estava uma noite horrível, de tempestade. Liza argumentou que Blake já havia saído com tempo pior e que, se estivesse com medo, ela não estava, que iria pegar a lancha de qualquer maneira. Blake a trancou no quarto, a fim de impedir que saísse. Liza, então, me telefonou, aos gritos, enlouquecida de raiva, e tentei persuadi-la a não fazer nenhuma tolice. Mas ela não me ouviu. Pulou a janela e pegou a lancha. É óbvio que Blake estava certo, ela não conseguiu manejá-la, o tempo estava péssimo, e Liza não tinha nenhuma experiência. Foi direto na direção das pedras, do outro lado da ilha, e afogou-se... Fiquei sabendo através do rádio, pois ele nem me telefonou para avisar... Lágrimas surgiram nos olhos de Marie, que engoliu em seco, estremecendo. Em seu colo, as mãos cruzavam-se e descruzavam-se, tensas. Depois de um momento, ela murmurou: — Seria necessário ser uma mulher muito especial para aceitar que, para Blake, uma esposa sempre virá depois de Moturahoa. — Sim — Sara falou gentilmente. Clary chegou naquele instante e, deparando-se com a cena, começou a falar sobre o filhinho, que só dormia ouvindo canções de ninar. Marie voltou-se para ela e, sem tornar a olhar para Sara, contou-lhe sobre os sobrinhos, que tinham o mesmo hábito. Era evidente que ficara embaraçada por ter desabafado, revelando tanto sobre si mesma a alguém de quem não gostava e em quem não confiava. Mas Sara respeitou seus sentimentos e nada disse, limitando-se a ouvir a conversa com um sorriso. Logo os homens retornaram da pescaria, carregando orgulhosamente uma cesta com vários peixes. Phil preparou-os para o almoço, assados à moda do Taiti, e todos comeram com apetite, entre comentários sobre a pesca. Mais tarde, os amigos de Blake retornaram ao iate, que partiu rumo à ilha de Kawau, um pouco acima da costa, onde pretendiam passar mais alguns dias. — Vá nos visitar assim que puder — Clary disse a Sara ao despedir-se. — Não desejo perder contato com você. — É claro que sim — ela respondeu, embora não tivesse intenção de cumprir a promessa. Quando deixasse Moturahoa, iria esquecer tudo o que acontecera ali. — Aqui está o número de nosso telefone — Clary juntou, entregando-lhe um cartão. — Não vá esquecer. — Obrigada. — Sara achou que era muito gentil da parte de Clary tomar a iniciativa para uma amizade. Depois que o iate partiu, ela deu um suspiro e murmurou: — Ah, novamente a paz e o silêncio! — Blake, a seu lado, riu do comentário: — Então gosta disso, não é? O que quer fazer, durante a tarde? — Ela deu de ombros: 54


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Não sei. Sugira alguma coisa. — Sabe montar a cavalo? — Bem, consigo ficar em cima de um cavalo. Mas já fui informada, por aqueles que entendem, que isso não é exatamente “montar”. — Humm... Nesse caso, acho que vou ensiná-la a praticar windsurf. Ela riu: — Não sei fazer isso, também. Mas adoraria aprender. Os dias que se seguiram foram como que extraídos de um sonho maravilhoso. Chovia pouco, apenas à noite, e as manhãs surgiam douradas, resplandecentes, a expressão exata de toda a magia que a palavra “verão” nos faz recordar. Eram dias em que o céu mantinha-se azul, salpicado com as espessas nuvens muito brancas, e o calor era tão tangível que se podia desejar segurá-lo entre os dedos. Sara passava o tempo a tomar sol e, aos poucos, sua pele foi adquirindo um tom dourado e saudável. Nadava, praticava windsurf, fazia longas caminhadas na companhia de seu cachorro por toda a costa da ilha. Em outros dias, ficava com as crianças do vilarejo, empinando pipas na praia, pescando, e logo sabia o nome de todos os moradores do lugar. Estava completamente feliz. À medida que a lassidão provocada por sua doença desaparecia, dava-se conta de quanto tempo perdera mergulhada nos estudos e no trabalho, quase nunca permitindo-se uns poucos momentos de lazer. — Estou adorando esta vida! — comentou, certo dia. — Vivendo para o prazer — Blake tornou com um sorriso, examinando-a de cima a baixo. — E isso lhe faz muito bem. Está com outra aparência, sem aquelas olheiras que tinha quando a conheci. E engordou um pouco, também. — Olhou para Blackie, que permanecia ao lado dela, como sempre, e acrescentou: — Posso dizer o mesmo desse cachorro, embora ache que ele está um pouco gordo demais. Você e Phil vão acabar estragando-o, com tantos mimos. Já decidiu o que fazer com ele, quando voltar para casa? Sara suspirou, ao se lembrar de que o dia de sua partida não estava muito longe. — Acho que vou tentar ficar com ele. Tenho uma vizinha que é um amor, e gosta muito de animais. Quem sabe ela concorde em tomar conta de Blackie enquanto estou trabalhando. — Parece uma boa solução. Por uma decisão mútua e silenciosa, eles jamais falavam sobre o trabalho dela. Mas, a não ser por este assunto proibido, conversavam sobre quase tudo, descobrindo o quanto se entendiam e criando uma sólida intimidade, mesmo que não se tocassem Blake não fizera mais nenhuma tentativa de se aproximar, e ela também se mantinha a distância. Agiam como dois velhos amigos, embora a lembrança daqueles momentos sensuais que haviam partilhado surgisse vez por outra, quando seus olhos se encontravam de repente. Haviam sido as duas semanas mais felizes da vida de Sara, e ela lhe sorriu, 55


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald repleta de gratidão. Blake retribuiu-lhe o sorriso, com uma expressão doce e terna, irradiando afeição. — Vamos nadar um pouco — ele convidou. Quando estavam na piscina, que ficava nos fundos do imenso jardim, ouviram chegar Betty Marchant, a esposa do administrador de Blake. Estava muito agitada e feliz, embora se desculpasse pela intromissão repentina. — Blake, acabei de receber um telefonema de Ian, e ele vem passar o fim de semana conosco! É o aniversário dele, você sabe. Vinte e um anos! Vamos comemorar com um grande churrasco! — Que bom, Betty, fico muito contente! — Blake respondeu, sincero. — Já falou com Phil? — Ainda não. Achei melhor consultá-lo primeiro. Incomoda-se se ela for me ajudar, neste fim de semana? — É claro que não! — Obrigada, Blake — Betty despediu-se alegremente e foi em direção à casa, para conversar com Phil. Blake e Sara saíram da piscina, e ela se enrolou numa toalha. — Por que ela quer falar com Phil? — Sara perguntou curiosa. — Sempre que há uma festa, por aqui, todo mundo está automaticamente convidado. E todos se reúnem para ajudar nos preparativos também. Estou certo de que você vai gostar. Venha, vamos entrar antes que se resfrie. Naquela noite assistiram juntos a um programa de entrevistas na tevê, sobre um assunto de agricultura que interessava muito a Blake. Ao terminar, ele desligou o aparelho e voltou-se para Sara: — Deve ter achado muito aborrecido, não é? — Não, pelo contrário. Gostei. Também aprendi bastante sobre como cuidar de peras japonesas. Pode ser útil, algum dia. Ele riu: — É bom encontrar uma mulher tão interessada. Ficaram em silêncio por alguns instantes, ambos pensando na mesma coisa que aquelas palavras significavam. Blake fitou-a, com um ar zombeteiro, e falou, afinal: — Confesse, Sara, que você está morrendo de curiosidade por saber por que eu me casei com Liza. Ela arregalou os olhos, fingindo-se inocente, embora estivesse surpresa com sua perspicácia. — Você é terrível! — Acontece que conheço Marie e sei que ela deve ter lhe contado alguns dos detalhes desagradáveis. Sou grato a você por não ter tocado no assunto, mas sei que deve estar curiosa por saber a minha versão. Casei-me com Liza porque estava convencido de que ela me amava e seria feliz, vivendo aqui. Já havia me 56


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald decidido a permanecer na ilha, e achei que poderia formar uma família... Além disso, Deus sabe que uma mulher como ela aguçaria a libido de qualquer homem. — Pobre Liza... Ele concordou, fitando-a profundamente. — Sim — falou. — Pobre Liza. Descobriu que a vida aqui era monótona e desinteressante, e eu descobri que o sexo sem amor acaba se transformando num sacrifício insuportável, com o tempo. E não fazia idéia de como ela era fútil, vazia. Por trás de toda aquela beleza, não existia mais nada. Mas jamais desejei que morresse. — E eu nunca pensei que você desejasse. — Sei que não. Você tem uma alma pura, bondosa. Só gostaria que não fosse tão dedicada e ambiciosa, também. Quando tornar a me casar, será com alguém que não se mate de aborrecimento e tédio, como Liza fez. Já em seu quarto, antes de adormecer, Sara permaneceu um longo tempo repensando aquelas palavras. Blake era um homem complexo, mas sob a fachada gentil e charmosa, havia lhe dado um aviso muito claro, com uma honestidade que fora quase brutal. Chorou ao pensar no desperdício de sentimento em relação a um homem que, ela sabia, jamais seria seu. “É só desejo”, tentou se convencer, embora seu coração lhe sussurrasse uma outra palavra, bem mais profunda e comprometedora.

CAPÍTULO VII — Não — disse Phil, com firmeza. — Ouça, Phil, sei que não sou a melhor cozinheira do mundo, mas sei seguir instruções! — Sara insistiu. Sem se deixar convencer, a governanta pôs as mãos nos quadris e fitou-a: — Você ainda está fraca, cansa-se com facilidade. Não vou permitir que fique o dia inteiro em pé, na cozinha, senão não terá forças para aproveitar a festa, à noite. — Mas... — Não. Blake disse que você deve descansar. — Ah! E quando Blake fala, todos obedecem, não é? — Exatamente. E fique sabendo que ele pode querer se certificar de que você obedece também. — Como? Amarrando-me numa cama? — Sara tornou, erguendo a cabeça com um ar arrogante. Phil enviou-lhe um sorrisinho malicioso: — Bem, se ele a amarrasse numa cama, com certeza não seria para 57


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald “descansar” — falou, e começou a rir, ao ver que Sara corava violentamente. — Você tem uma mente suja! — ela retrucou, embaraçada. — Suja, não. Realista, prática, isso sim. Agora, porque não vai nadar um pouco, tomar um banho e descansar? Até lá estará quase na hora de começar a se arrumar para a festa. — Estou me sentindo uma inútil. Parece que você não percebe que tenho vinte e seis anos, e não dez. — Então comece a agir como adulta que eu a tratarei como tal — Phil afirmou serenamente. — E é melhor sentir-se inútil do que exausta. Pense que poderá estragar o divertimento dos outros, caso se sinta cansada e queira voltar para casa mais cedo. — Este foi um golpe baixo, Phil. Decidindo que não adiantaria discutir mais, Sara foi para a piscina e passou algum tempo dando braçadas vigorosas, até sentir que seus músculos começavam a reclamar. Depois deitou-se ao sol, ouvindo os sons da natureza que a envolviam: o canto de um pássaro, o ruído surdo do mar ao longe, o coro das cigarras enchendo o ar. Quando sentiu que a pele começava a arder, levantou-se e foi para o quarto, seguindo o plano que Phil lhe sugerira. Tomou um banho, lavou os cabelos e secou-os, antes de se deitar. Estava quase escurecendo, quando acordou, e a deliciosa preguiça do dia fora substituída por uma agitação interior, uma expectativa que sempre antecede uma festa. Porém, enquanto escovava os cabelos, tentou descobrir por que se sentia tão agitada. Ela nem mesmo gostava de festas! No entanto, seu corpo e seu coração sabiam o que a mente se recusava a reconhecer e, sob o brilho de seus olhos, havia uma determinação que a deixaria horrorizada, se pudesse compreendê-la. Depois de pronta, examinou-se no espelho e, com um ligeiro dar de ombros, afastou-se. O vestido lhe caía bem, feito de seda fina, realçando o seu recémadquirido bronzeado. Blake a esperava no hall, recostado no batente da porta com uma graça indolente que parecia paradoxal num homem de suas dimensões. Sara pôde sentir o calor de seu olhar, enquanto descia as escadas para encontrá-lo. Aproximou-se devagar, sentindo-se engolfada pela onda de desejo que sentia, aprisionada dentro daqueles olhos. Ele lhe tomou a mão e murmurou: — Você me deixa louco, Sara... As palavras foram proferidas quase num suspiro, involuntárias. — Não, por favor... — ela sussurrou, lutando contra as sensações tumultuadas que a invadiam. Blake levou a mão dela até os lábios, beijando primeiro os dedos delicados e depois a palma. Sara estremeceu, mantendo os olhos fixos nos dele, como se estivesse hipnotizada. — Você é uma tentação que não consigo resistir — Blake falou. — E proibida, impossível de se alcançar, e está nos meus sonhos mais loucos, todas 58


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald as noites. A sinceridade de sua voz fez com que ela se deixasse levar por um impulso irresistível. Sem deixar de fitá-lo, ergueu a mão dele, colocando-a sobre seus lábios, e murmurou simplesmente: — Sim. Por um longo instante, o ar entre eles vibrou, repleto de tensão, até que Blake retirou a mão e, sem necessidade de mais palavras, ambos saíram da casa. Betty e Don Marchant os receberam com entusiasmo. Junto a eles estava um rapaz alto e magro, que foi apresentado como Ian, o aniversariante. Ele enviou um olhar apreciador para Sara e, em seguida, apertou a mão de Blake, demonstrando grande respeito e afeição. A festa foi extremamente agradável. Os Marchant possuíam um lindo jardim e um terraço espaçoso, além de uma hospitalidade inata. Todos os presentes ali estavam determinados a se divertir, e foi o que fizeram. Enquanto o céu se transformava de vermelho-escuro para o profundo azul da noite, houve conversa e risos suficientes para satisfazer o mais exigente dos anfitriões. Depois do farto jantar, todos começaram a dançar, até o momento de cortarem o bolo de Ian, quando exigiram que Blake fizesse um discurso. Mais tarde, as crianças foram postas para dormir e música tornou-se mais suave e romântica. Blake largou o copo e, com um sorriso que não admitiria recusas, tomou Sara nos braços. Suspirando, satisfeita, ela recostou o rosto no ombro dele e deixou-se levar pela música. Estar ali era tudo o que sempre desejara. O calor que emanava do corpo de Blake a envolvia como uma manta confortável, e ele a tocava como se a considerasse algo extremamente valioso. Porém, ao encontrar-lhe os olhos, Sara percebeu que havia uma ligeira névoa neles, apagando qualquer expressão. Quando a música terminou, ele a soltou, sem encará-la e, pelo resto da noite, limitou-se a conversar com os outros convidados. Quanto a Sara, aproveitou para divertir-se o mais que pôde, dançando com outros rapazes, conversando, rindo e até flertando um pouco. E, embora não olhasse mais para Blake, sabia que a atenção dele se dirigia a ela, da mesma maneira que Sara só se concentrava na presença dele. Finalmente as pessoas começaram a se retirar, pegando as crianças meio adormecidas e despedindo-se ruidosamente. Blake e Sara resolveram caminhar na volta para casa, que ficava bem perto, e estavam sozinhos na pequena estrada. À sua volta um coro estridente de grilos substituíra as cigarras, e uma brisa suave brincava por entre as folhas das árvores. De repente, Sara tropeçou, e estendeu o braço, em busca de proteção. Num instante Blake amparou-a e, sem que percebesse, ela já estava em seus braços. — Cuidado... — ele murmurou gentilmente, impedindo-a de protestar. — Posso sentir seu coração batendo — ela falou, surpreendendo-se com sua ousadia. Por que pronunciara as palavras num tom tão provocante? — Eu me admiro de que não esteja ensurdecida com o barulho que ele faz — Blake tentou brincar. 59


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Vou embora amanhã. Ele a abraçou com mais força. — É tarde demais. Se desejava mesmo escapar, deveria ter ido logo no primeiro dia. — Houve um instante de silêncio tenso, antes que ele voltasse a falar: — Mesmo assim, naquele dia, provavelmente eu a teria seguido. Aconteceu no primeiro minuto em que a vi. — Eu sei. Sara fechou os olhos, ouvindo o pulsar do coração dele junto ao rosto. Sabia o que iria acontecer, soubera desde que descera as escadas e o encontrara esperando. Concluiu que toda sua vida havia sido uma mera preparação para aquele momento e sentiu o sangue correndo mais rápido em suas veias. Ele a tomou no colo e a levou para dentro de casa, subindo para o quarto como quem levava algo precioso. Sara manteve os olhos cerrados mesmo quando foi colocada na cama, sentindo o frescor perfumado dos lençóis. — Você está dormindo? — ele perguntou, retirando-lhe os sapatos. — Não. Estou envergonhada. Sentiu que os dedos dele lhe tocavam os seios gentilmente. — Prefere que eu a leve para sua cama? — Não — ela respondeu, num sussurro, abrindo os olhos. Apenas uma fraca lâmpada estava acesa, às costas dele, e Sara pôde perceber os contornos de seu corpo másculo contra a luz dourada. Blake não sorria, apenas olhava para a própria mão, ainda pousada sobre o seio dela. Sara cobriu-lhe a mão com a sua, o coração disparando enlouquecido. Nada disse, mas em seus olhos estava a permissão que ele parecia estar esperando. — Eu sempre soube que seria assim — ele murmurou, inclinando-se para encontrar-lhe os lábios. Ela esperava uma demonstração de desejo selvagem, mas Blake beijou-a com suavidade, até que ela mesma entreabrisse os lábios, num convite explícito para que ele aprofundasse o contato. Foi apenas então que Blake a abraçou, a língua explorando-lhe a boca com uma intensidade apaixonada. Por um breve instante Sara permaneceu passiva, até que seu desejo explodiu, numa ânsia de compartilhar. Com um gemido que brotava do fundo de seu ser, entregou-se ao prazer de senti-lo, de fazer suas próprias descobertas. Quando Blake ergueu a cabeça, ela o segurou e beijou-o no pescoço, sentindo o sabor daquela pele bronzeada. Com as mãos trêmulas, abriu a camisa dele e retirou-a, fascinada ao ver o peito largo e musculoso. — Você é maravilhoso — sussurrou, sentindo-lhe os músculos com a ponta dos dedos. Ele riu baixinho e a fitou intensamente, enquanto Sara passeava a língua pela pele macia de seu dorso, fazendo-o estremecer. — Tire o vestido — ele pediu. Devagar, ela retirou o vestido de seda, deixando à mostra os seios, cujos mamilos intumescidos saltavam sob a lingerie delicada que usava. Num gesto 60


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald inconsciente, deslizou a mão pelo corpo, desde a cintura até os seios, dando-se conta de como aquele gesto era erótico apenas quando o ouviu ofegar, num soluço contido. Instantes depois, ele se despiu, rapidamente, e Sara acompanhava cada gesto com um olhar ávido. Cada célula de seu corpo ardia, clamando pelo dele. Blake deitou-se a seu lado, então, e ela o chamou pelo nome, baixinho, com uma voz que lhe parecia muito estranha e distante. Aos poucos Blake foi fazendo desaparecer qualquer vestígio de receio ou vergonha que ela ainda poderia ter e, ao ver que estava pronta, moveu-se sobre ela. Sara abriu-se para ele, esquecida de tudo o mais, e Blake a penetrou vagarosamente, com carinho, como que queimando-a por dentro, com um fogo delicioso que a fez pensar em como pudera temer aquele instante. — Sara... — Blake sussurrou, e ela abriu os olhos, prendendo-o mais junto a si, enlaçando os braços em suas costas, adorando o peso sobre si, o odor que ele exalava, o sabor de sua boca. — Não posso... Não consigo mais me controlar — ele gemeu. — Não quero que se controle — ela murmurou, ofegando e acompanhandolhe o ritmo dos quadris. Os braços dele a envolviam por inteiro, levando-a a um clímax de prazer, desejando que ela compartilhasse cada sensação. Seguiram juntos, num ritmo perfeito, até que o corpo de Sara descobriu a essência do prazer, engolfando-a em ondas sucessivas, até o êxtase final. Então houve um momento de saciedade, numa doce espiral de volta à realidade, e foi quando ela percebeu que lágrimas lhe molhavam a face, silenciosas e sem sentido. Blake enlaçou-a, como se fosse uma criança, acariciando-lhe os cabelos que se espalhavam pelo travesseiro. Adormeceram juntos, abraçados, e quando Sara acordou o quarto estava mergulhado na suave luminosidade que antecede o amanhecer. Virou-se, à procura de Blake, mas ele não estava ali. Um súbito temor a dominou, e ela ergueu a cabeça, percebendo, com alívio, que ele estava de pé, parado junto à janela. — Blake? — chamou. Ele se virou. Estava vestido apenas com a calça e fitou-a, sorrindo. — Bom dia — ele falou, voltando para a cama. Deitou-se novamente ao lado dela, olhando para o teto, as mãos cruzadas, numa atitude distante e pensativa. “Eu amo esse homem”, Sara pensou de repente. — Sara, quer se casar comigo? — O quê?! — Quero que você se case comigo — ele repetiu, sem nenhuma expressão ou ênfase. Mas ela nem precisava pensar na resposta. — Não — falou, num fio de voz. — Não daria certo, Blake, você sabe disso. — 61


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Quando ele não respondeu, acrescentou apressadamente: — Sei que virgens são muito raras atualmente, mas não é preciso pagar tão caro por isso. Sua intenção era brincar, dissolver a tensão que parecia estar se formando, mas Blake levou a sério sua afirmação, olhando-a com raiva. — Não estou tentando pagar sua virgindade com um anel de casamento! Ela sentiu uma pontada dolorida no coração, o peito enchendo-se com uma dor indescritível. — Estou lisonjeada com seu pedido, mas... — Lisonjeada?! — ele quase gritou, virando-se e aprisionando-a com o peso de seu corpo, pousando um braço de cada lado de seus ombros. — Lisonjeada... — repetiu, com ironia. Sara permaneceu imóvel, presa sob o peso dele, os olhos procurando desculpar-se. Sem dizer mais nada, ele se levantou. — Você vai embora? — ela perguntou, aflita. — Não — ele respondeu, sorrindo, e, tirando a calça, tornou a deitar-se ao lado dela, tomando-a nos braços com sensualidade. Sara beijou-lhe o queixo e a orelha, seguindo com os lábios a linha irregular de seu rosto; explorou o esplendor viril de seu corpo com uma clara fascinação, o que fez com que a respiração dele se acelerasse. Lá fora, a madrugada transformava-se em dia, e os grilos recolhiam-se, dando espaço para as cigarras, enquanto que naquele quarto, por trás das cortinas, eles coabitavam seu próprio mundo noturno. Sara murmurava palavras repletas de amor, enviando-lhe mensagens eróticas. Blake permanecia deitado, sentindo-a tocar as partes íntimas de seu corpo, estremecendo a cada toque. — Ah, como sabe que gosto disso, amor? — ele sussurrou. Ela sorriu, um sorriso secreto e feminino. “Eu amo você”, seu coração gritava, mas Sara nada disse, apenas deslizava as mãos e os lábios pelo corpo dele, que se abria para ela na imensa cama. — Nunca me senti assim, com ninguém — ele murmurou, erguendo a mão a fim de tomar-lhe o seio. Sara estremeceu e aconchegou-se a ele, esperando que Blake a tomasse novamente. Ele repetiu seu nome, várias vezes, e depois nenhum dos dois disse mais nada, até alcançarem a exaustão e encontrarem refúgio no sono, mais uma vez. Ela acordou, mais tarde, encontrando-se enroscada em Blake, na mesma posição em que dormira. — Preciso me levantar, amor — ele falou baixinho. — Eu também. — Sara escondeu a cabeça no ombro dele, beijando-o de leve. — Não sabia que seria assim — falou. Porém, o cinismo que ela tanto detestava estava presente na voz dele, quando respondeu: 62


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Acredito quando dizem que tudo tem seu preço. E tenho a impressão de que, para nós, o preço vai ser bem alto, e apenas começamos a pagar. Depois do café, Blake saiu para cuidar do gado, um trabalho que não poderia ser adiado. Sara não lhe pediu para ficar, pois sabia que, para ele, a disciplina era tão importante quanto para ela. Depois de arrumar as malas, deu uma volta pelo vilarejo a fim de se despedir de seus amigos, surpresa com a tristeza sincera com que eles acataram sua decisão de partir. — Mas é claro que você vai voltar sempre, não é? — Betty Marchant lhe disse, os olhinhos brilhando. Sorrindo com uma determinação dolorosa, Sara murmurou algumas palavras distraídas, mas ao voltar para a mansão sabia que era muito pouco provável que tornasse a ver Moturahoa. Aquela ilha, e todos que nela habitavam, logo pertenceriam ao passado. Sabia o quanto Blake adorava o lugar, suas terras, seu gado e seu trabalho. Jamais abandonaria aquele paraíso para ficar com ela. E ela, por sua vez, também não abriria mão de seus próprios objetivos. Assim como ele não viveria em Auckland, ela também não poderia passar seus dias na ilha. Lágrimas quentes escorriam de seus olhos e, sob o olhar preocupado de seu cãozinho, Sara desabou numa cadeira do terraço e chorou amargamente. — A última mulher que vi chorando nesta casa foi encontrada morta, horas depois — Phil falou suavemente, aproximando-se. — Parece que Blake não tem muita sorte. Sara enxugou os olhos. — Não precisa se preocupar — respondeu. — Não sou do tipo suicida. — Liza também não era. Mas adorava gestos grandiosos, chamar atenção. Por isso morreu. — Phil sentou-se, observando Sara com atenção. — Você não faz ideia de como ela era tola. Vivia queixando-se por não poder desfrutar de uma vida luxuosa entre a sociedade. Chorava, gritava, pensando que Blake lhe devia alguma coisa, apenas pelo fato de ela ser bonita. Por que decidiu ir embora? — indagou. — Pensei que iria ficar mais uma semana. Sara não respondeu. Depois de um instante de silêncio, Phil desabafou, exasperada: — Mas isso não é justo! — A vida nunca é justa — Sara tornou, com amargura. — Não posso ficar aqui, meu trabalho é importante demais para mim. Eu acabaria ficando como... bem, como Blake ficaria, se fosse obrigado a viver em Auckland. — Fez uma pausa, lembrando-se das palavras dele, sobre o preço a pagar. Ela estava dando sua cota. — Não há nada de mais. Tive umas férias maravilhosas e ainda vai me sobrar uma semana para organizar minha vida, antes de voltar ao trabalho. Preciso arrumar uma babá para este meu amigo aqui. — Acariciou a cabeça de Blackie, que abanou a cauda alegremente. — Eu gostaria de que tudo desse certo entre vocês — Phil falou, com tristeza. — Conheço Blake desde criança e, acredite, um homem como ele merecia que... Ah, esqueça! 63


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald A balsa que a levaria para Auckland saía às três horas, do hotel. Quando eram duas e quinze, o marido de Phil apresentou-se a Sara. — Não creio que Blake vá chegar a tempo — ele falou. — Deve ter surgido algum imprevisto. Se quiser, posso levá-la para o hotel. — Sim, obrigada. Já estou pronta. Ao chegarem ao hotel, enquanto esperava a balsa, Sara foi acometida por dúvidas e indecisões. Foi recebida pelo gerente, que também demonstrou seu pesar em vê-la partir. — Parece que Blake esteve por aqui, procurando-a. Ah, lá está ele! Ela ergueu a cabeça, vendo-o aproximar-se. Parecia uma figura incongruente, com as roupas de vaqueiro naquele saguão luxuoso do hotel. Caminhava para ela com passos firmes e decididos, e a visão fez com que seu amor a inundasse. Cumprimentaram-se brevemente, os olhos dizendo mais que mil palavras jamais conseguiriam dizer. — Vou acompanhá-la até a balsa — ele falou. — Sara, se eu lhe telefonar você concorda em sair comigo? — Acho que seria melhor você não me procurar — ela respondeu. — Não concorda? — Sim, é claro. Acho que seria muito mais sensato não nos vermos. Mas, se eu telefonar... — Não, — ela disse rapidamente. Se permitisse que aquela situação prosseguisse, o sofrimento jamais teria fim. Sabia que tomara a decisão certa, só teria de manter-se firme. A expressão dele não se modificou, embora em seus olhos a dor da rejeição fosse patente. Porém nada disse, e permaneceram em silêncio até chegar à balsa. Ajudou-a com as malas e, depois que a viu acomodada, disse apenas: — Cuide-se. Saiu, apressado, parando por alguns segundos no cais, antes de lhe dar as costas e caminhar rapidamente de volta para o hotel. Sentando-se, Sara manteve os olhos fixos no horizonte, mas nada enxergava. Blackie deitou-se a seus pés e dormiu instantaneamente.

CAPÍTULO VIII A viagem até o porto de Auckland transcorreu tranquila, e Sara passou o tempo admirando a paisagem. Uma brisa calma soprava, enquanto cruzavam com veleiros e outras embarcações. Ao desembarcar, ela tomou um táxi, tendo sempre o cãozinho a seu lado. Depois da paz que experimentara na ilha, Sara achou que a cidade, mesmo naquela tarde de domingo, parecia estranhamente agitada. Não importava que as pessoas na rua estivessem vestidas de maneira simples, conversando e rindo sem a tensão característica dos dias de semana, todas elas pareciam estranhas e 64


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald ameaçadoras. Tudo o que ela desejava era estar com Blake. Quando o táxi parou em frente a sua casa, numa rua que não ficava muito distante do hospital, ela sentiu um cansaço mesclado com uma profunda depressão. Sua casa parecia pequena demais, depois de ter visto os cômodos luxuosos e imensos da mansão. Pequena e pobre. Sem nenhum entusiasmo, abriu as janelas e olhou para fora. O jardinzinho minúsculo estava precisando de cuidados, pois as poucas folhagens estavam quase secas. Batidas rápidas na porta anunciaram a chegada de Sue Browning, sua vizinha do lado. — O que aconteceu? — ela perguntou, os olhos castanhos alarmados enquanto examinavam Sara atentamente. —Você iria ficar mais uma semana! Lembre-se do que aconteceu quando quis voltar depressa demais para o trabalho. Você está bem? Sara sorriu: — Eu me apaixonei — respondeu simplesmente. — E fugi. Sue ficou boquiaberta. O cãozinho aproximou-se dela, que, sem desviar os olhos da amiga, fez um carinho distraído em sua cabeça. — Venha tomar um chá de menta — Sue falou, afinal. — Você está com uma aparência horrível. Pode trazer seu amigo. Ela e o marido eram professores e estavam economizando tudo o que podiam para comprar uma casa, adiando os planos de formar uma família até que estivessem com as finanças em ordem. Ela era adepta de um tipo de alimentação natural e decidira que a cafeína era um dos piores venenos do mundo. Por isso, servia a todos os amigos os mais diversos tipos de chá. Alguns eram até gostosos. Mas outros apenas agradavam aos mais fanáticos. — Brett foi velejar — Sue informou, quando entraram em sua casa. — Você deve tê-lo visto quando veio para cá. — Ele e mais uma centena, talvez. — Quero que conheça Pippa, o mais novo membro da família Browning! Um gato branco e marrom surgiu por detrás de uma poltrona, olhando a todos com evidente desprezo. — Blackie, não! — Sara gritou ao ver que o cachorro se aproximava do gato perigosamente. Mas, ao chegar mais perto, ele parou e ficou olhando-o, pendendo a cabeça para o lado, sem qualquer ação. Ao mesmo tempo, o gato siamês deu alguns passos, a cabeça erguida e o pêlo ligeiramente eriçado. Para surpresa geral, recostou-se no cachorro e ficaram juntinhos, como se fossem velhos amigos. Sara e Sue olharam-se, espantadas, e desataram a rir. — Mas veja isso! Sempre pensei que cão e gato se odiassem! — Sue falou. — Pois eu acho que ambos acabaram descobrindo que são almas gêmeas! Bebericando o chá, as amigas ficaram observando os dois animais brincando e correndo pela sala. Sara contou-lhe tudo o que acontecera em seus dias na ilha, num breve resumo das últimas duas semanas. 65


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Puxa, mas você foi escolher logo um dos grandes! — Sue brincou. — Blake Caird é muito conhecido, li a respeito da morte da esposa dele. O que deu errado entre vocês, querida? — Ah, Sue, não haveria futuro para nós. Ele não sairia daquela ilha por nada, e eu tenho minha vida toda planejada, você sabe. Sue franziu a testa, preocupada. — Quer dizer quechegaram a pensar num futuro? Mas foram apenas duas semanas, Sara. Você não pode aprender a amar alguém em tão pouco tempo. — Eu sei — Sara concordou, pousando a xícara na mesa. — Já me disse todas essas coisas sensatas, mas de nada adiantou. Foi incrível, Sue! Apenas nos olhamos, como acontece nos filmes, e pronto, aconteceu. — Isso foi atração física. — Foi um reconhecimento — ela retrucou. Depois, com um sorriso amargurado, completou: — Seja o que for, é impossível. Se eu desistisse da minha carreira, acabaria enlouquecendo. — E nem pode fazer isso! Depois de tanto trabalho duro, tantos sacrifícios. E quanto a ele? Certamente não precisa viver naquela ilha; sendo tão rico e poderoso, possui propriedades no mundo inteiro... Será que não pode comprar uma fazenda aqui mesmo em Auckland e tomar conta dos negócios? Sara balançou a cabeça: — Ele precisa daquela ilha. Privá-lo disso seria como tentar amarrar uma águia. Além disso, não posso exigir que Blake faça um sacrifício que eu mesma não estou preparada para fazer. — Entendo — Sue murmurou, deplorando o estado depressivo em que a amiga se encontrava. — Neste caso, só lhe resta esquecê-lo. Mas tenho a impressão de que não será fácil. — Assim que voltar ao trabalho vou me sentir melhor. — É claro que sim. Agora, tome mais uma xícara de chá, enquanto eu lhe conto como fez bem em escolher a carreira de médica, em vez de querer ser professora. Sue começou a lhe contar sobre seus alunos, tentando distraí-la, até que Brett chegou. Resolveram então sair um pouco e comer uma pizza e, com a ajuda dos amigos, e de um pouco de vinho tinto, Sara conseguiu esquecer sua tristeza por algumas horas. De alguma forma, foi capaz de sobreviver àquela semana em casa. Escreveu cartas, fez compras, começou a redecorar seu quarto, trocando o papel de parede e pintando os móveis. Os dias passavam com uma lentidão irritante, mas a presença constante de Sue, sempre a lhe dar apoio, e, às vezes, ralhando com ela por não se alimentar direito, ajudavam-na a prosseguir. Sara sofria todas as agonias do “mal de amor”. E o que a fazia se sentir ainda pior era imaginar que Blake estaria sentindo o mesmo. Além disso, em nada ajudou descobrir que sua carreira, pela qual ela o abandonara, falhava totalmente em preencher sua vida. 66


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald “Tem de haver um fim para isso”, disse a si mesma enquanto os dias passavam e o verão ia transformando-se em outono. As lembranças das semanas na ilha começavam a esmaecer, diante das realidades do dia-a-dia. Certa tarde, ao chegar em casa, Sue avisou-a de que o telefone tocara várias vezes, naquele dia. Ela deu de ombros, afirmando que, fosse quem fosse, tornaria a ligar. No entanto, à noite, permaneceu inquieta, fitando o telefone mudo como se pudesse fazê-lo falar de repente. Podia ser irracional, mas tinha quase certeza de que fora Blake quem tentara entrar em contato com ela. Pensou no cartão que Clary lhe dera. Se ligasse para ela e... Não! Não poderia fraquejar, pois, se soubesse notícias de Blake, estaria destruindo todos os esforços dispendidos até aquele momento. Se já chegara ali, tinha de continuar. — Estou achando que você ainda não se recuperou totalmente da pneumonia — um dos cirurgiões residentes lhe disse certo dia. Sara estava começando a se acostumar com esse tipo de comentário. — Talvez eu devesse me receitar um fortificante — respondeu, num tom brincalhão. Ele riu: — Sei de algo melhor. Por que não vai à festa que daremos amanhã à noite? — Desculpe, Tim, mas eu... — Precisa de alguma distração, Sara — o colega insistiu. Ela hesitou um pouco, mas, concluindo que não tinha nada a perder, acabou concordando. Normalmente teria se divertido bastante, pois as festas de Tim eram conhecidas pela animação e fartura. Todos os seus amigos estavam presentes, e Theresa, a esposa de Tim, era a personificação da simpatia. Porém, embora tivesse bebido um pouco de vinho branco e conversado sobre os mais variados assuntos com seus colegas, uma sombra de tristeza ainda lhe toldava o olhar. Assim mesmo, concluiu que deveria sair um pouco mais de casa. Dirigindo de volta, concluiu que solidão demais só deixava as coisas piores. Dias depois, quando o telefone tocou, ela atendeu e, de início, não reconheceu a voz. — Sara? — Sim, quem... ah! — Quer jantar comigo, na semana que vem? Ela agarrou o fone com mais força. Precisava recusar, tinha de recusar. Mas havia limites para a força de vontade. — Sim — respondeu, num sussurro. Não houve nenhuma mudança na voz dele, nem de alívio, nem de prazer. — Pode ser na sexta-feira? — ele indagou.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Sim. — Ótimo. Tem alguma preferência por restaurante? — Não. Não importa o lugar. — Contanto que eu esteja com você, ela pensou. — Então passo para apanhá-la às sete horas. Até lá. Sara teria bastante tempo para se recriminar pelo impulso de aceitar o convite. Nos dias que se passaram, movia-se como uma sombra, embora uma aura de felicidade irradiasse em cada movimento. Na sexta-feira teve de se controlar para não explodir de excitação. Começou a se arrumar mais cedo do que o necessário, experimentando várias roupas e fazendo e desfazendo o penteado. Acabou decidindo-se por um coque baixo e um vestido de seda rosa, muito simples, colocando por cima um blazer de veludo um tom mais claro. Calçou sapatos de salto alto, mostrando-se completamente diferente daquela Sara que passava os dias de short e sandálias baixas na ilha. Quando a campainha tocou, teve de se segurar para não sair correndo para atendê-la. Mas quem estava ali era Sue. — Oi — a amiga falou, sorrindo. — Passei para ver se não quer deixar Blackie em casa. Sabe que Pippa já está com saudades? Puxa, mas você está linda! — Obrigada, Sue, mas acho que não é preciso... — Deixe disso. Estou certa de que pelos de cachorro não vão combinar com essa sua toalete. — Sue ergueu a cabeça e olhou na direção da porta, que deixara aberta, exclamando: — Ah, meu Deus! Com o coração aos saltos, Sara virou-se e deparou com a figura alta, imensa, de Blake, vestido com toda a elegância. Se algum dos dois percebeu sua voz trêmula, quando os apresentou, não deram demonstração. Já no carro, ele comentou: — Parece uma boa amiga, esta Sue. — E é mesmo — ela respondeu, fitando-o com adoração. Jamais se cansaria de olhá-lo, pensou. Foram para um pequeno restaurante e, depois de um aperitivo, Sara começou a relaxar um pouco. Conversaram sobre assuntos amenos, sem dar grande importância às palavras, pois tudo o que lhes importava era estarem juntos, olhando um para o outro, aproveitando os momentos de felicidade. — Você está mais magra — ele observou. — Estou de volta ao trabalho — ela respondeu, como se isso pudesse explicar. — Mas você também não me parece em sua melhor forma. Ele esboçou um sorriso, os olhos pousando nos lábios dela. — Tenho sentido sua falta. — Que bom! — ela tornou, com ousadia. — Fico satisfeita em saber que não fui a única a sofrer.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Mas já sabia que isso iria acontecer quando me deixou, não é? — Não queria ter me apaixonado por você. — Não há nenhuma possibilidade de você estar grávida, Sara? — ele perguntou de repente. — Não tomamos precauções naquela noite, e fiquei imaginando... Teria sido aquele o motivo do convite para jantar? ela pensou, quase em pânico. Porém, ao ver a expressão dele, apaixonada e sincera, deu-se conta de que nada havia a esconder. — Não — respondeu. — Eu tomo a pílula, por outras razões de saúde, e felizmente estava protegida. Você esperava que eu estivesse grávida? Ele ergueu um ombro, ligeiramente. — Bem, isso ao menos tornaria mais fácil nossa decisão. — Ela balançou a cabeça: — Blake, já lhe disse que não há como nos casarmos. Não vou abandonar minha profissão — ela afirmou e tratou de mudar de assunto, contando-lhe alguns fatos pitorescos de seu trabalho. Continuaram conversando tranquilamente, e Sara não se cansava de pensar no quanto se davam bem. Era tão bom ouvi-lo falar, expor suas ideias. Blake era fascinante, inteligente, era o homem que ela amava. Depois de terminarem o café, voltaram para o carro e ele indagou: — Gostaria de ir para algum lugar? Uma boate? — Não. — A resposta veio rápida, sem tempo para pensar. Nenhum dos dois disse mais nada, até que ele parou o carro em frente à casa dela. — Quer tomar um café? — ela perguntou. Ele sorriu: — Por que não? Sara fez o café e, enquanto o tomavam, continuaram a conversar, mas ondas magnéticas fluíam entre eles, cada vez mais visíveis e embriagadoras. Então Blake retirou-lhe a xícara das mãos, num gesto delicado, e puxou-a para si, enlaçando-a com os braços fortes. Não a beijou imediatamente, ficou apenas fitando-a por um longo tempo, examinando os traços de seu rosto, até que a paixão não pudesse mais ser controlada. — Eu amo você — Sara sussurrou, erguendo a cabeça para encontrar-lhe os lábios. Ele a abraçou com mais força, entreabrindo-lhe a boca com a língua, num beijo intenso e profundo. Então, pegou-a no colo e, sem dar importância ao seu leve protesto, levou-a para o quarto. — Adoro carregar você — falou, sorrindo. — Isso o faz se sentir forte e poderoso? — Bem, acontece que sou forte e poderoso — ele brincou, colocando-a no chão devagar, fazendo-a deslizar ao longo do próprio corpo a fim de que ela sentisse sua ereção. Ajudou-a a se deitar, enquanto puxava-lhe o vestido delicadamente, beijando-lhe a nuca e o colo. 69


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Sara sufocou um gemido, segurando-o pelos cabelos, desejando-o mais do que nunca. Seu corpo ardia de desejo quando ele lhe tocou o seio com a boca ávida. — Amo você, minha querida — ele murmurou. — Tanto, tanto... — Despiuse rapidamente e aproximou-se dela, o corpo nu reluzindo, exalando a paixão profunda que desejava compartilhar. Amaram-se com mais paixão que da primeira vez. Aos poucos Sara era introduzida na arte mágica que ele lhe ensinava. Levada pela emoção e pelas sensações que a ausência tornaram ainda mais aguçadas, ela se entregou totalmente, com uma paixão que beirava a loucura. Mais tarde, quando estavam abraçados, respirando num mesmo ritmo de cansaço e satisfação, ela pensou que jamais sentira tanto prazer em sua vida. Era como se tivesse sido capaz de alcançar a lua com as mãos. — Como conseguiu permanecer virgem por tanto tempo? — ele perguntou. — É a pessoa mais sensual que conheço. Ela riu: — É porque eu não sabia que era tão bom. — É mesmo? Pois eu tive a impressão de que havia sido uma opção moral. — Bem, no fundo foi mesmo. Sempre tive medo de me envolver num caso sem amor. — E o seu antigo noivo? Não havia amor entre vocês? — Acho que não... Pensando bem, talvez o único motivo de ele querer se casar comigo era justamente para me levar para a cama, pois sempre me recusei. — Este sujeito me parece um grande tolo. — E era mesmo — Sara riu, lembrando-se. — Ele nada dizia, no início, mas, assim que começou a falar em casamento, iniciou uma sutil pressão para que eu largasse a medicina, a fim de que pudesse ajudá-lo a subir na carreira dele. Era egoísta demais e, felizmente, consegui enxergar a tempo o erro que iria cometer. — Tenho pena dele — Blake afirmou. — Por quê? — Porque foi o primeiro a ser despachado por essa sua ambição. E penso que o motivo de você não querer se casar é o mesmo que usou para não ir para a cama com ele: você tem medo da intimidade, e usa sua profissão para encobrir este medo. Sara achou que deveria discutir aquele assunto, mas estava cansada demais. Bocejando, perguntou, sonolenta: — Então, o que acha que estou fazendo aqui? — Está aqui porque conheceu alguém que não oferece perigo — ele respondeu, acomodando-se ao lado dela. — Como não há expectativa de casamento comigo, você pode aproveitar nosso relacionamento sem temer o futuro. Afinal, não se espera que as amantes desistam de tudo, como acontece com as esposas. Ela sabia que deveria lhe dizer o quanto estava errado, mas, antes que 70


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald pudesse formular uma resposta, já estava dormindo.

CAPÍTULO IX Na manhã seguinte, Sara acordou com um raio de sol entrando pelo quarto, o cheiro de café espalhando-se pela casa e sem nenhuma lembrança daquelas últimas palavras da noite anterior. Através da porta entreaberta, pôde ouvir as passadas ligeiras de seu cachorrinho aproximando-se e, embora não percebesse nenhum outro ruído, viu que Blake estava à frente do cão, carregando uma bandeja. Subitamente envergonhada, puxou as cobertas a fim de cobrir seu corpo nu e sorriu-lhe. Ele vestia apenas a calça e estava maravilhoso. Blake inclinou-se para deixar a bandeja e deu-lhe um beijo no nariz. — Por que não tem comida em sua cozinha? — indagou. — Ah, eu não como muito. — Foi o que percebi. Consegui encontrar um pão de fôrma e fiz algumas torradas. E tem um pouco de mel, também. A bandeja estava arrumada com todo o cuidado, inclusive com um botão de jasmim que ele encontrara no jardinzinho. O aroma do café era embriagador, e Sara sentiu uma onda de bem-estar como havia muito tempo não sentia. — Como foi que Blackie entrou? — quis saber, olhando para o cãozinho que já se acomodara num canto do quarto. — Ouvi sua vizinha saindo, há meia hora mais ou menos, e fui buscá-lo. Ele parecia ansioso para vê-la. — Ah, meu Deus... Lá se vai minha reputação! — Sara brincou. — Isso a incomoda? — ele perguntou, num tom quase frio. — Não — ela respondeu, suavemente. — É claro que não me incomoda. Você não vai comer? Blake relaxou e sentou-se ao lado dela e, sob o olhar atento do cãozinho, serviu-se de torrada e café. Depois que Sara tomou um banho e vestiu-se, foi para a cozinha e viu que ele já havia lavado os pratos. Blake havia trazido uma pequena maleta com roupas, e também tomou banho e trocou-se, enquanto ela preparava mais um pouco de café, que tomaram sentados à pequena mesa no terraço. — Estarei livre até as duas e meia, mais ou menos — ele falou, ajudando-a a levar as xícaras para a cozinha. — E você? — Também estarei livre, neste horário. — E o que gostaria de fazer? Sara enlaçou-lhe o pescoço e recostou-se no peito firme. — Qualquer coisa — respondeu. — Contanto que fiquemos juntos. — Gostaria de visitar Clary e Morgan? 71


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Um pouco desapontada, ela ia concordar, mas Blake percebeu sua hesitação e segurou-lhe o queixo, fitando-a. — Não? — Eu gostaria muito, mas... — Mas prefere ficar sozinha comigo — ele completou, com ar satisfeito, e beijou-a longamente. — Você está com o sabor de mel e amor nos lábios. Venha, vamos dar uma volta. O que ela realmente queria fazer era ficar ali mesmo, na intimidade de sua casa. Porém, percebeu que ele começava a ficar inquieto por estar num espaço tão pequeno e fechado, e concordou com o passeio. Foram de carro até um parque e, depois de estacionarem, fizeram uma longa caminhada através das trilhas abertas na floresta, admirando a beleza selvagem do lugar. Sara adorava cada instante ao lado dele, embora se sentisse um pouco inquieta. O que Blake esperaria dela? Seria somente um caso, no qual ele teria direitos adquiridos à sua cama, cada vez que viesse para Auckland? Na noite passada ele dissera que a amava, mas não havia repetido mais a declaração. Blake certamente adivinhava seus pensamentos, pois era um homem sensível e inteligente. E, em determinado momento, ele a encarou, perguntando: — O que está acontecendo, amor? Já estavam novamente no carro, a caminho de casa, e ela olhou pela janela, tentando encontrar palavras para explicar o que sentia. — Estive pensando que não sei o que você pretende fazer — respondeu, afinal. — Quando você foi embora de Moturahoa, tomei a decisão de não vê-la novamente — ele falou, sem tentar esconder seus sentimentos. — Achei que seria a atitude mais sensata e racional. Infelizmente, foi mais fácil decidir do que fazer. O que você deseja? — Eu não sei — ela respondeu, os olhos baixos, querendo que Blake tomasse a decisão, deixando-a livre de qualquer responsabilidade. — Você quer ter um caso? — Ele sorriu: — Bem, acho que nós já temos um caso. Mas você estaria disposta a permanecer como minha amante, Sara? Seria capaz de me receber em sua cama, sempre que eu viesse para Auckland em horários que não coincidissem com seus plantões no hospital? Ela mordeu o lábio, aflita. — Parece que é a única solução para nós, não acha? — Antes que ele pudesse responder, acrescentou: — Você estava errado, ontem à noite, quando disse que tenho medo do casamento. — Então você estava acordada. Mas não foi isso o que eu disse, exatamente. Afirmei que você temia a intimidade com outra pessoa. Mas não estou querendo culpá-la por isso. Talvez pelo fato de ter vivido muito tempo sozinha, lutando para alcançar os objetivos que se impôs, em sua carreira, você tenha adquirido esse medo de se entregar. 72


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Se é como você diz, então como posso estar tão envolvida com você? — Porque achou que eu era seguro, isto é, não lhe ofereceria perigo. Para dizer a verdade, eu também pensava assim, antes que o destino nos pregasse esta peça. Quando fizemos amor pela primeira vez, nenhum de nós estava pensando sensatamente. — Ele estendeu a mão, tomando as dela e apertando-as gentilmente. — Acha que devemos tentar, e ver o que acontece? Sara sentiu as lágrimas enchendo-lhe os olhos. — Desculpe-me, Blake, por eu não ser a mulher que você queria que eu fosse — falou baixinho. — Minha querida — ele murmurou —, eu não devia tê-la aborrecido com minhas queixas. Há muito tempo descobri que o mundo não gira por minha causa, mas parece que às vezes volto a incorrer no mesmo erro. Blake estacionou o carro em frente a um mercado. — Vamos comprar alguma coisa para o almoço. — Escolheram vários tipos de queijos, patês, pão fresco e uma garrafa de champanhe. Ao voltarem para a casa de Sara, arrumaram tudo e comeram novamente no pequeno terraço, enquanto o tempo passava despercebido. — Venha aqui — Blake pediu, ao vê-la terminar sua taça de champanhe. — Acho que estou embriagada — ela falou, sonolenta, sentando-se em seu colo. — E o que está achando? — É engraçado. — Ela deu de ombros. — Mas você não precisa me fazer beber. Sabe que estou pronta para qualquer coisa que deseje fazer. Ele riu suavemente: — Agora entendo por que disse que não se tornava responsável depois de alguns copos a mais. O que eu desejo fazer é levá-la para o quarto e ficar com você durante dias, semanas... meses! — Até ficar satisfeito... — Acho isso muito pouco provável. Nunca me senti assim antes, Sara. Ela o fitou com intensidade, perdendo-se naqueles olhos dourados. — Eu amo você, Blake — sussurrou, inclinando-se para beijá-lo. Ficaram ali, sentados ao sol, deixando que a sensualidade que os envolvia dispensasse as palavras, isolando-os num mundo particular. “Se eu nunca mais puder vê-lo”, ela pensou, “já terá valido a pena, pois agora sei o que é o amor.” O que sentia por ele transcendia aos termos muito gastos, usados para descrever o amor; precisava de novas palavras que pudessem expressar um sentimento tão profundo e completo. Blake estendeu a mão e, com a ponta do dedo, delineou os traços delicados de seu rosto, até alcançar a boca. Sara entreabriu-a e tomou-lhe o dedo, beijando-o langorosamente. Sentiu o corpo dele retesar-se junto ao seu, e seus braços o apertaram com mais força. Abriu os olhos e leu o intenso desejo estampado no rosto dele.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Sara, você sabe do que é capaz, não é? — ele sussurrou, ofegante. — Queria poder tê-la em meus braços para sempre... Segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a com tal paixão que a deixou enlouquecida. Depois levantou-se, e ela falou baixinho: — Está na hora de ir embora, não é? Ele riu, balançando a cabeça, com um ar desolado: — Eu havia decidido que tomaria a balsa da tarde, pois pensei que provaria a mim mesmo que poderia deixá-la no instante em que quisesse. Mas isso não tem mais importância. Bem mais tarde, depois que ele já havia partido, Sara lembrou-se da amargura que aquelas palavras continham. Como ela, Blake pensara estar a salvo das armadilhas do amor, e agora ambos se encontravam desprotegidos. No dia seguinte, encontrou-se com Tim num dos corredores do hospital. — Você parece bem melhor — ele falou. — Seu namorado apareceu? — Machista! — ela o repreendeu, brincando. — Por que acha que era por causa de um homem? — Porque, geralmente, é o que acontece — ele respondeu, num tom sombrio. — Sempre é um homem, ou uma mulher. Tim não deu mais nenhuma explicação para aquelas palavras enigmáticas, mas, nos dias que se seguiram, Sara observou o quanto ele parecia distante e abatido. Imaginou se estaria com algum problema no casamento, mas descartou a ideia, pois sabia que ele e a esposa viviam felizes como ninguém. Ao voltar para casa, naquela tarde, encontrou Sue na porta, voltando do quintal, acompanhada do gato e do cachorro. — Já reparou como eles se dão bem? — Sue perguntou, sorrindo, enquanto olhava os dois animais. — Entre um pouco — Sara convidou. — Tome um suco de laranja, enquanto eu bebo um café. — Como foi seu fim de semana? — Sue indagou, com um arzinho malicioso. — Muito bom, obrigada. — Isso é tudo o que tem a dizer?! Meu Deus, mas ele é absolutamente encantador! Quando sorriu para mim, cheguei a sentir cócegas nos dedos dos pés! Sara riu alto, mas logo uma sombra de tristeza surgiu em seus olhos. — Ah, Sue, está tudo tão confuso... Sinto tanta falta dele, e não sei o que fazer. Começo a pensar que é injusto fazer com que meu trabalho me impeça de estar com o homem que amo. — Não é o trabalho que a impede — Sue afirmou. — A decisão de continuar trabalhando foi toda sua. É você quem não quer desistir. — Bem, mas isso também é injusto. — Está dizendo que é injusto que seja você a fazer o sacrifício? Pois eu 74


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald concordo. É muito fácil para ele dizer que não pode viver em Auckland nem abandonar aquela ilha que tanto adora. Parece até um pouco de chantagem o que está fazendo com você. Sara olhou para a amiga, estarrecida com tal afirmação. — Está enganada, Sue. Sei como ele se sente e o compreendo. Eu o vi ali; a ilha é tudo para ele. — Sara suspirou com ar resignado. — As pessoas dependem dele; é tratado como um rei, e adora isso. Só precisa de uma esposa que esteja preparada para adorar, também. — Ele a pediu em casamento? — Sim, mas isso é impossível. — Bem, não vou lhe dizer que acho que tomou a decisão certa, porque sei que você está ciente disso. Trabalhou e estudou tanto, por tantos anos, e não pode abandonar tudo de repente, por mais fascinante que ele seja. Sara tomou um gole de café, que parecia subitamente amargo em sua boca. — Você não é nada romântica, não é, Sue? — Acho que sou uma romântica prática. Acredito na paixão, no desejo e no amor à primeira vista. Só não creio que estes sentimentos sejam uma base sólida para um casamento. Para mim, o casamento significa a união de duas pessoas que possuam um mesmo objetivo, seja ele qual for. No meu caso, o objetivo é formar uma família, ter filhos que possam ser muito amados. — Sorriu, um pouco embaraçada. — Desculpe, Sara, como sempre, acho que estou falando demais. — Gosto de ouvi-la — Sara respondeu, sorrindo para a amiga. — Só acho que está sendo um pouco dura demais com Blake. — Se ele a quiser, de verdade, acabará dando um jeito nessa situação. Os homens sempre conseguem, minha querida. — Levantou-se e deixou o copo sobre a mesa. — Bem, agora, tenho de ir embora, antes que meu amo e senhor chegue do trabalho e não encontre nada para comer. Ao voltar para o hospital, na manhã seguinte, Sara tornou a encontrar-se com Tim. Sentado a uma escrivaninha, na sala dos residentes, ele examinava alguns papéis com um ar distante e amedrontado. Sem poder se conter, ela se aproximou. — Tim, o que está acontecendo? Ele ergueu os olhos, fitando-a como se não a reconhecesse. Depois de um segundo, balançou a cabeça e respondeu: — Não aconteceu nada. Apenas não me sinto muito bem. — Então é melhor ir para casa — ela sugeriu. — Não há nada para fazer em casa, nem ninguém para me acolher... Theresa me deixou. — Ah... Sinto muito, Tim. — Eu também sinto. — Ele franziu a testa, com ar desolado, e tentou sorrir. — Não quer sair comigo esta noite, para tomarmos um drinque? 75


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Sara não queria, mas, ao ver a imensa tristeza nos olhos dele, não foi capaz de recusar. — Está bem — respondeu. Naquela noite, saíram juntos do hospital e foram para um bar nas proximidades. Conversaram um pouco, evitando cuidadosamente tocar no assunto da separação. Depois, ele sugeriu que fossem a um cinema, assistir a um filme que Sara estava ansiosa para ver. Sabia que Tim procurava sua companhia a fim de dissipar a imensa tristeza e solidão que lhe enchiam a alma, e preocupava-se em ajudá-lo. — Tenho de passar em casa e mudar de roupa — falou, aceitando a sugestão. — Estou horrível com este uniforme. — Então passo para apanhá-la. Não há necessidade de irmos com dois carros. Dez minutos, está bem? — Dez minutos? Bem, vou levar um pouco mais de tempo para me vestir, mas você pode tomar um drinque, enquanto me espera. Tim chegou quase imediatamente depois dela, e Sara serviu-lhe uma xícara de café, deixando-o na sala enquanto ia para o quarto mudar de roupa. No decorrer da noite, ele parecia bem mais aliviado e tranquilo, consolado com sua companhia. Ao levá-la de volta para casa, depois do cinema, perguntou apressadamente: — Será que poderíamos conversar um pouco, Sara? Quem sabe você pode me dar um ponto de vista feminino para esta questão. Ela não teve coragem de recusar, embora soubesse o que aconteceria: Tim iria lhe contar sua versão daquele drama, esperando que ela pudesse concordar em que todas as mulheres faziam os homens sofrer. — Está bem — respondeu. — Mas você tem de ir embora cedo, pois estou exausta. Sara preparou uma omelete e uma salada, que ambos comeram com pouco apetite. Depois, segurando uma xícara de café, ele lhe contou que Theresa havia ido embora porque ele não desejava filhos. — Não os quero agora — ele explicou. — É claro que pretendo formar uma família, mas acho que ainda não é o momento certo. Sara logo percebeu que o motivo real para ele não desejar filhos era o temor de perder a liberdade. — Quantos anos tem Theresa? — indagou, sabendo que a esposa de Tim era um pouco mais velha que ele. — Vinte e nove. E está muito ansiosa por ter um bebê, embora eu lhe diga que muitas mulheres esperam até os trinta. — E quanto tempo mais você quer que ela espere? Ele não sabia. Murmurou alguma coisa ininteligível, tornando a culpar a esposa por ser tão teimosa. Sara começou a sentir uma certa impaciência. Será que ele não percebia o quanto estava sendo egoísta? 76


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — Quando acha que será a época certa para terem um filho? — ela insistiu. — Bem, não sei. Pretendo viajar e... — Ora, Tim, isso não é impedimento! Diga-me, você acha que seria mais infeliz com Theresa e um bebê do que está sendo agora, sem ela? — Está certo, já entendi a mensagem. Só que vou continuar não entendendo por que ela quer acabar com uma situação tão confortável como a que temos, desejando ter um filho. — É óbvio que, para ela, a situação não é tão confortável assim. — Ele riu e levantou-se. — Eu devia saber que, como confidente, você é uma pessoa terrivelmente racional — brincou. — Obrigado por ter me ouvido, e desculpe se a aborreci com meus problemas. Depois que ele se foi, Sara ficou pensando em como todos tinham seus problemas. De repente, ouviu tocar a campainha e imaginou que Tim esquecera alguma coisa. Porém, o homem parado à porta era Blake, com gotas de chuva escorrendo pelos cabelos e os olhos frios.

CAPÍTULO X Sara disse o nome dele, num sussurro, pois a expressão gélida que Blake mantinha a deixava apavorada. — O que aconteceu? — perguntou, tentando retirar a mão que lhe segurava o pulso como se fosse uma garra. — Blake, o que está fazendo? — Descobri que não gostei nem um pouco de ficar lá fora por quase uma hora, imaginando se você estaria na cama com o homem com quem a vi entrando — ele respondeu friamente. — É, de fato, não gostei nem um pouco. Sara gelou. Olhou rapidamente para ele, que continuava com uma expressão de raiva controlada. Ergueu a cabeça, falando entre dentes: — Pois tudo o que precisava fazer era bater na porta, eu o teria deixado entrar. Não havia necessidade de ficar de plantão lá fora, como se fosse um detetive ou um bandido. A pressão em seu pulso aumentou, e ele nada disse, enquanto a empurrava para o quarto. — Prefiro descobrir por mim mesmo — ele falou, afinal. — Como? Pretende examinar a cama? — Não. Pretendo examinar você. Em pânico, ela tentou se desvencilhar, mas pela primeira vez se deu conta do quanto ele era forte. Não a machucava, mas, definitivamente, impedia que ela se movesse. — Não! — ela falou, num grito contido. — Não quero você! — Mas ele já lhe retirava as roupas: 77


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald — É uma pena, porque eu quero você. Empurrou-a para a cama e prendeu-a contra o colchão com seu corpo imenso. Procurando alguma defesa, Sara mordeu-lhe o pescoço, mas ele não se importou, penetrando no corpo dela, que incrivelmente já estava pronto para recebê-lo. O que se seguiu dificilmente poderia ter sido chamado de ato de amor. Tudo o que existia de mais primitivo dentro deles foi trazido à tona, numa ânsia louca e feroz. Finalmente, Sara murmurou o nome de Blake, o corpo tomado por tremores convulsivos. Algum tempo depois, ela murmurou: — Não fui para a cama com ele. — Ah, meu Deus, eu sei disso. — Um arrependimento sincero lhe toldava a voz. — Meu amor, o que fiz com você? Abraçou-a com delicadeza, tocando-lhe os lábios suavemente, como se pudesse apagar a dor que lhe causara. — Não faz mal — ela sussurrou, embalada em seus braços e sentindo seu perfume adorado. — Não posso nem dizer que realmente acreditava que você estivesse com ele. Esperei você chegar durante uma hora e, quando apareceu acompanhada por um homem, fiquei sem ação, parado lá fora como um marido enganado. O ciúme foi tomando conta de mim, até me fazer perder a razão. Não me atrevia a entrar antes que ele tivesse ido embora. Sara, nunca precisei tanto de alguém quanto preciso de você... Não consigo ficar longe de você. — Você tem raiva de mim, por isso — ela afirmou com tristeza. Blake fitou-a, assustado, e a abraçou mais forte. — Não queria me sentir assim — falou. — É como se tudo o que fui, até agora, estivesse desaparecendo por causa desta necessidade que sinto de você. Jamais machuquei uma mulher em minha vida, e olhe o que fiz com você... Olhou-a, com desespero, vendo as marcas avermelhadas na pele clara, a boca inchada. — Por favor, me perdoe. Mesmo amando-a tanto, fui capaz de feri-la. Isso não tornará a acontecer... — O que quer dizer? — Se não posso confiar nos meus atos, é melhor não vê-la, nunca mais. — Inclinou-se para beijar cada uma das manchas, com toda a suavidade. — Isso não faz mal — ela repetiu, sem esperança. Mas ele nada mais disse, embalando-a nos braços, repleto de amor e consternação. Ternamente, Sara acariciou-lhe os cabelos e, sem mais palavras, sem lágrimas, eles disseram adeus. As lágrimas surgiram depois que ele se foi, lágrimas amargas e desesperadas, pois sabia que nada mais existiria para ela. Olhando para trás, ela nunca mais se lembraria dos dias que se seguiram. Só seria capaz de sobreviver se pudesse se livrar da mulher que amara Blake 78


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Caird. Continuava com seu trabalho no hospital, dando tudo de si, e, porque sabia que ficaria doente se não comesse, alimentava-se como uma autômata. Embora pensasse que as horas que passava longe do trabalho se tornassem terríveis, acabou por preenchê-las estudando com afinco e fazendo longas caminhadas com seu cachorro, forçando-se a falar com outras pessoas, a cultivar os amigos, de maneira que houvesse muito pouco tempo para ficar sozinha. Ninguém parecia perceber que, aos poucos, ela morria por dentro. A única exceção talvez fosse Sue, que a observava de perto, mas nunca dizia nada. De certa maneira, era até fácil apagar a porção dolorosa que existia nela. Na maioria das vezes, dava certo. Porém, quando se encontrava sozinha, era impossível apagar da mente e do coração a terrível necessidade que sentia da presença de Blake. Era como se um pedaço dela mesma lhe houvesse sido retirado, e a saudade era tão imensa que não podia suportar. Era nessas ocasiões que se pegava chorando, levada por ondas de desespero, sem ver saída para sua situação. Aos poucos, foi se dando conta de que jamais poderia sentir por qualquer outro homem o que sentia por Blake. Ele havia sido seu primeiro amor e, talvez, o único. Se algum dia se casasse, poderia até encontrar a felicidade, mas nunca mais teria aquele êxtase que sentira com ele. O outono ia devagar dando lugar aos dias sombrios de inverno quando, certo dia, Tim lhe disse casualmente: — Já lhe contei que Theresa está grávida? — E mesmo? E como você se sente a respeito? Tim já havia lhe contado, havia cerca de um mês, que ele e Theresa estavam juntos novamente. E, agora, ele parecia um tanto resignado. — Acho que me sinto bem — ele respondeu. — Fomos procurar um conselheiro de casais, e foi meio estranho. No final, conseguimos conversar e nos comunicar de verdade. — Foi muito difícil para vocês? — Bem, às vezes a gente pensa que sabe tudo sobre a pessoa a quem ama. Mas, de repente, a gente se vê frente a frente com alguém cuja personalidade é totalmente desconhecida. “Sei bem como é isso”, ela pensou, com amargura. Tentou esconder seus sentimentos com um sorriso, que foi retribuído por Tim. — Acabei descobrindo que Theresa andara lendo alguns artigos sobre maternidade e que estava com medo de não poder engravidar depois que passasse dos trinta. “Mas que diabos”, eu falei. “Tudo o que ela precisava fazer era me perguntar, pois, afinal, sou médico”. — Talvez ela temesse que você não se mostrasse neutro, nessa questão. — E talvez estivesse certa — ele admitiu. — Bem, você está ou não feliz com a gravidez? — Não posso dizer que esteja vibrando, mas acho que estou contente. Sempre desejei ter filhos, e estava me comportando como um egoísta infantil. Afinal, todos têm de assumir alguma responsabilidade algum dia, não acha? 79


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald As palavras dele caíram em cheio na mente de Sara. A verdade que continham a fez pensar novamente em sua situação. Mas como poderia conciliar alguma coisa, assumir responsabilidades? Blake deixara claro que não se afastaria da ilha, e ela, por sua vez, não abandonaria seu trabalho. Num sábado pela manhã, sem saber o que faria com seu dia livre, Sara pegou o carro e foi até o centro de Auckland. Precisava fazer algumas compras, cortar um pouco o cabelo e, além disso, tentaria se distrair. Estava numa livraria, à procura de um romance sobre o qual era lera comentários favoráveis, quando se encontrou com Clary Caird. Cumprimentaram-se efusivamente, conversaram sobre os livros que estavam escolhendo e, depois de feitas as compras, saíram juntas da loja. — Não quer almoçar comigo? — Clary perguntou. — Posso ligar para Morgan e avisá-lo. Ele vai adorar ter o bebê só para ele por mais algum tempo. Tem um restaurante bem agradável, no fim desta rua. Ela parecia tão entusiasmada que Sara não teve como recusar. Além disso, o que faria em casa? Cinco minutos depois, acomodavam-se a uma mesa do restaurante, um garçom dirigindo-se a Clary como se ela fosse uma princesa. — Parece que eles já a conhecem aqui — observou Sara. Clary sorriu, parecendo estar divertindo-se. — E conhecem mesmo. A primeira vez em que estive aqui, estava grávida e, não sei por quê, me senti mal e desmaiei. Acho que, agora, os garçons têm medo de que isso torne a acontecer, e só depois que esclareço que estou em perfeita saúde eles sossegam. Sara comeu com um apetite que não sentia havia tempos, apreciando a companhia de Clary e conversando animadamente até o café ser servido. Clary inclinou-se sobre a mesa e sorriu: — Agora, vamos tocar num assunto que ambas estivemos evitando. O que você e Blake estão tentando fazer um com o outro? Sara sentiu-se gelar. Toda a tristeza e desespero que sentira nos últimos meses surgiram de repente, formando um nó em sua garganta e impedindo-a de falar. Apenas balançou de leve a cabeça, mantendo os olhos baixos a fim de evitar o olhar arguto de Clary. Mas esta, tendo encontrado coragem para iniciar a conversa, não queria desistir: — Ele esteve em nossa casa na semana passada. Apareceu de repente e estava... bem, acho que horrível é uma palavra branda para descrevê-lo. Depois que o alimentei, saí da sala e deixei-o a sós com Morgan. — Deu um sorriso fraco. — Ele e Morgan são muito unidos, você sabe, como se fossem mais amigos do que primos. Blake bebeu quase uma garrafa inteira de uísque, coisa que não está habituada a fazer. Morgan está muito preocupado e disse que ele não estava embriagado, ficando apenas meio selvagem, entende? Blake está terrivelmente infeliz, Sara, e você também. Pela sua expressão, parece que o mundo acabou. 80


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Será que vocês não podem encontrar uma solução para esse sofrimento? Sara bebeu o café devagar, tentando apagar a obstrução em sua garganta. Com a voz enrouquecida, perguntou: — Acha que já não tentamos? — Acho que vocês estão muito envolvidos com a situação para ser capazes de pensar claramente. Não há nenhuma forma de estabelecerem um compromisso, de ficarem juntos? — Como? — Sara perguntou, olhando-a fixamente. — Bem, se por exemplo você se dedicasse à clínica geral, em vez de se especializar... — E trabalhar em Moturahoa? — Não. Sei que você não conseguiria viver na ilha. Sara pensou por um instante, considerando aquela sugestão. — Está bem. Se por acaso eu desistisse da especialização, talvez fosse uma solução. Mas não daria certo... É impossível! Moturahoa é o grande amor da vida de Blake! — Pois eu acho que ele está descobrindo que não é — Clary tornou sabiamente. Deixaram morrer o assunto e despediram-se. Depois de alguns dias, Sara conseguiu esquecer a conversa, ou melhor, conseguiu empurrá-la para o fundo de sua memória. Porém, a esperança que Clary lhe mostrara não seria tão facilmente esquecida. Os dias se passaram lentamente, trazendo com eles o inverno inexorável, e Sara esperava. Até que, de uma forma dolorosa, toda sua esperança se desvaneceu. Moturahoa havia vencido. Forçou-se a continuar vivendo, encontrando-se com amigos, saindo de vez em quando, satisfeita de poder conversar sobre assuntos relacionados a seu trabalho. Depois de uma festa na casa de Tim, onde encontrara Theresa radiante com sua gravidez, ela dormiu até tarde, até ser despertada pelo ruído insistente da campainha. Estava tão sonolenta e desorientada que abriu a porta sem perguntar quem era. Para o homem parado ali, todo molhado pela chuva, ela parecia exausta, as profundas olheiras sob os olhos revelando os maus bocados por que passava. Sara quase gritou ao vê-lo, mas ele sorriu, parecendo impaciente: — Deixe-me entrar, Sara. Está um frio danado aqui fora! As lembranças da última vez em que o vira, de seu comportamento bárbaro e selvagem, atravessaram-lhe a mente como um raio, arrancando-a de sua letargia. Tentou fechar a porta, mas com um simples gesto ele a impediu, entrando e fechando a porta atrás de si. Os olhos dele brilhavam, insolentes, enquanto um sorriso frio repuxava-lhe os lábios. — Pode entrar — ela falou, sem expressão, sabendo que de nada adiantaria lutar contra ele. Nunca mais lutaria, pois estava presa na armadilha de seu 81


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald coração. Blake entrou na pequena sala de estar, percorrendo os olhos pelo cômodo com evidente desgosto. Percebia-se claramente que ela não arrumava a casa havia muitos dias: uma camada de poeira cobria os móveis, as flores permaneciam secas num vaso, e o ambiente estava úmido e frio. — Quer uma xícara de café? — ela perguntou. Ele balançou a cabeça. — Você está horrível — falou. — Vá tomar um banho e se vestir. — Encabulada, Sara tentou esconder seu desapontamento, atacando-o: — Quem você pensa que é para entrar aqui me dando ordens?! — Ele deu de ombros: — Sou assim mesmo. Agora, faça o que eu disse. — Os olhos dele brilharam enquanto examinavam-lhe o corpo delgado e encantador. — É melhor obedecer, minha querida, senão eu mesmo vou ajudá-la... Sara mordeu o lábio, reconhecendo o perigo. Demorou no banho muito mais tempo que o necessário e depois vestiu uma calça comprida de lã, uma blusa de seda e um suéter, imaginando o que ele estaria fazendo na sala, de onde ouvia um barulho. Quando abriu a porta, sentiu o aroma do café inundando-lhe as narinas. Blake acendera o fogo da lareira, e chamas suaves aqueciam a sala, que fora limpa e arrumada. Vagamente, ela pensou que Blake possuía aquela capacidade de sempre surpreendê-la com uma nova faceta de sua personalidade. — Fique aí mesmo — ele comandou, da cozinha. Minutos depois, surgiu com uma bandeja e serviu-a de ovos, torradas e café fresco. Nos momentos em que parecia distraído, Sara o observava com olhos ávidos. Ele havia perdido o ar irritado de sua última visita, mas suas feições ainda pareciam tensas, e linhas profundas sulcavam-lhe a testa. Blake ergueu os olhos e encontrou os dela. — Tem sido difícil, não é? — ele perguntou. Sara fez que sim, deixando de lado qualquer pretensão de negar. — Conseguimos mesmo criar um inferno para nós dois. Bem, está pronta para ir? Confusa, ela indagou: — Ir aonde? — Você verá. Podemos deixar Blackie com sua vizinha, como é mesmo o nome dela? — Blake, como você sabia que eu estaria em casa hoje? — Da mesma maneira como sei que Blackie está com a vizinha — ele respondeu, levantando-se. — Telefonei para ela, a fiz jurar segredo, e lhe perguntei se você estaria aqui. Vai precisar de uma capa e um guarda-chuva. Será que não tem um par de galochas? Ah, ótimo, traga-as também, vai precisar delas. Certifique-se de que está bem agasalhada. 82


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Ele se recusava a responder qualquer pergunta, mantendo um silêncio enfurecedor até que Sara perdeu a paciência, recusando-se a acompanhá-lo. Então Blake sorriu, pegou-a no colo e levou-a para o carro, ignorando completamente todos os seus protestos raivosos. Furiosa, ela se sentou em silêncio, enquanto Blake dirigia pelas ruas tranquilas até alcançar a auto-estrada onde tomaram a direção norte. — Fale comigo, minha querida — ele pediu, afinal. Sara acabou cedendo, percebendo naquele pedido os meses de solidão e desespero que haviam passado. Falaram sobre a ilha, sobre as pessoas que ela havia conhecido, e, enquanto o carro seguia em alta velocidade, voltaram a ficar em silêncio. Sara estava satisfeita em estar ao lado dele, observando a chuva cair nas janelas. A chuva parou quando chegaram a uma estrada secundária, coberta de pedras, que levava na direção das colinas. Já estavam bem distantes da cidade, e o campo parecia mais verde, embora as pastagens que cercavam a estradinha se mostrassem malcuidadas, com touceiras de mato e arbustos aqui e ali, além das cercas estragadas e quase caindo. Era evidente que careciam do mesmo cuidado dispensado aos campos de Moturahoa. Finalmente subiram uma colina, vislumbrando um vale muito mais extenso. As mãos experientes de Blake dirigiam o veículo com precisão, mesmo no caminho acidentado. Logo ele virou para uma trilha muito estreita, que contornava a colina, e parou defronte a uma casa abandonada. Sara olhou para ele, sem dizer nada. Blake segurou a direção com força, e logo depois relaxou. Com algum esforço, disse: — Muito bem, vamos dar uma olhada. O lugar inteiro estava abandonado. Havia um celeiro, que parecia estar havia anos sem uso, implementos agrícolas, ferramentas espalhadas e afundando na grama alta. A casa mais parecia o refúgio preferido de morcegos. — Usavam este lugar apenas como depósito — ele explicou, em resposta à pergunta muda de Sara. — Tudo isto, mais as terras que vimos lá embaixo, pertenciam a um homem que morreu recentemente. A família estava hesitando em vender, por motivos sentimentais. — Mas não parece que se importavam muito com o lugar. — Acho que a terra tem um grande potencial — ele continuou, olhando em volta, distraído. — Há uma boa mistura de solos, que permite plantações diversas, um pomar, uma horta... E há bastante água, também. Sara concordou, convencida de que ele a levara até ali por alguma razão específica, embora tivesse medo de perguntar qual era. A cerca de dois quilômetros adiante do vale, podia-se ver os telhados de um pequeno vilarejo, uma igreja, um campo de futebol e uma grande construção que, provavelmente, seria uma escola. — Apesar de este ser o lugar ideal para uma casa, esta aqui está estragada demais para sofrer uma reforma. Talvez seja melhor demoli-la e construir outra em seu lugar. 83


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald Enchendo-se de coragem, Sara decidiu perguntar: — Você comprou estas terras, Blake? — Ainda não — ele respondeu. Tirou a mão do bolso do casaco e segurou-a pelo braço, levando-a na direção do carro. — É você quem vai decidir. Sara abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele a ajudou a entrar no veículo, que estava aquecido. Voltou-se para ele, a fim de dizer que não poderia, que era impossível... Prevendo aquela reação, Blake falou primeiro: — Precisam de um médico aqui na vila. O médico atual deverá se aposentar, mas não deseja abandonar totalmente seus pacientes, por isso dispõe-se a atendê-los durante a noite e nos fins de semana. Ao que parece, não tem mais muito o que fazer. O hospital mais próximo fica a cerca de vinte quilômetros daqui, mas atendem principalmente na parte de maternidade. O vale esteve meio adormecido nestes últimos trinta anos, mas está bem próximo de uma mudança. Vários agricultores começam a investir neste lugar, e garanto que, em cinco anos, você não reconhecerá mais esse vilarejo. Logo estarão precisando de mais médicos. — Mas, e Moturahoa? — ela quis saber, ainda incapaz de aceitar totalmente o que ele sugeria. — Posso deixar Moturahoa — ele respondeu simplesmente. Seus olhos fixaram-se nos dela. — Não vou negar que será difícill, mas quando um homem fica ligado demais a um lugar, torna-se escravo. Posso me adaptar aqui, se você também puder. Sara baixou a cabeça, pensativa. À volta deles, sob as árvores mortas, ramos de junquilhos brancos floriam, enchendo o ar com um doce perfume. Ela olhou para cima, mas não para Blake, e sim para o vale à frente. Se decidisse viver com ele naquele lugar, estaria se perguntando como teria sido trabalhar como pediatra. No entanto, sabia que nunca iria se arrepender da decisão. Devagar, virou a cabeça para encará-lo, encontrando os olhos dourados que a fitavam, ansiosos, esperando a resposta. — Sim — ela falou. Por um longo momento, Blake nada disse. Depois, suspirou baixinho e murmurou: — Graças a Deus. As mãos que estiveram rigidamente cruzadas relaxaram e ergueram se para abraçá-la. — Eu amo você — ele murmurou, o rosto frio tocando o dela. Sara tocou-lhe o rosto suavemente, até alcançar-lhe a boca, deslizando o dedo pelos lábios. — Blake? — sussurrou, trêmula. — Amo você — ele repetiu. — Passei um inferno longe de você, achei que nunca mais iria vê-la. E descobri que o que sentia por você era maior do que tudo no mundo. Seria capaz de abandonar tudo por você, mas não sabia se você também me amava o suficiente para desistir de seus sonhos. — Acho que acabei aceitando o fato de que meus sonhos nada significavam 84


Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald sem você — ela falou, recostando-se em seu peito. Os lábios dele deslizaram pelo rosto de Sara numa lenta ansiedade, demonstrando-lhe o quanto a queria. Só que, agora, não havia mais pressa nem urgência nem o desespero que marcara tanto o amor deles. — Podemos nos casar em três dias — ele falou. — É só o tempo de conseguirmos uma licença. Mas, depois, teremos de nos contentar com um casamento a distância, até que você possa se organizar no hospital. De qualquer maneira, quero que se case comigo. — A voz dele demonstrava quantas vezes havia planejado aquele esquema. — Está bem — ela respondeu. Ele a fitou, um tanto surpreso, e riu: — Puxa, mas quando você decide, é para valer! Não se importa com um casamento tão apressado? — Não, contanto que você também não se importe de ter uma noiva que vai sair para o trabalho no dia seguinte ao casamento. — Não vou gostar muito disso, mas apenas porque desejaria ficar na cama com você durante semanas seguintes. E as roupas? — Que roupas? — ela indagou. — Você não quer usar um vestido de noiva? Ela riu e abraçou-o mais forte, beijando-o com paixão. — Já tenho um vestido de noiva — respondeu, um tanto encabulada. — Só não sabia se algum dia chegaria a usá-lo. Quando o comprei, um mês atrás, disse a mim mesma que seria um vestido de festa. Mas, no fundo, sabia que era meu vestido de casamento. — Minha querida... — Blake murmurou, beijando as lágrimas que escapavam dos olhos dela. — O que vai acontecer a Moturahoa? — ela quis saber, enxugando o rosto. — Está pensando em vendê-la? — Não. Ela sempre estará lá. Terei de viajar para a ilha, algumas vezes, como faço com meus outros negócios. Ela sorriu, fazendo uma carícia suave em seu peito, procurando-lhe a pele sob a camisa. — Amo você — murmurou. — Quer me mostrar agora o quanto me ama, ou prefere esperar até que chegarmos em casa? — Agora — ela respondeu, num sussurro ofegante. Ele a abraçou com força, demonstrando-lhe o quanto estava excitado com a perspectiva. Lá fora, a chuva recomeçou, formando uma cortina natural para o inesperado ninho de amor. O calor e felicidade que irradiava deles demonstrava que, para aquele amor, sempre seria verão.

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Sabrina 674 – Difícil decisão – Robyn Donald

Fim

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