Introdução
Esta obra se propõe a facilitar uma aproximação da literatura infantil e juvenil a partir da reelaboração e atualização da obra publicada em 1999. Entendemos este tipo de literatura como a iniciação das novas gerações ao diálogo cultural estabelecido em qualquer sociedade por meio da comunica‑ ção literária. Nas sociedades ocidentais, esta porta de entrada passa em gran‑ de parte pelos livros criados especialmente para a infância e adolescência, ou ainda por aqueles que, em sua difusão social, demonstraram sua idoneidade para esse público, embora não tenham sido criados expressamente para ele. Dizemos “em grande parte” porque há outras formas de transferência que se superpõem à dos livros. A ficção narrativa, por exemplo, ocorre também através dos meios orais e audiovisuais; as funções de entretenimento e par‑ ticipação criativa estão encontrando uma nova via de desenvolvimento na multimídia e nos jogos de mesa; a iniciação teatral inclui muitos aspectos distantes do objeto editorial e a aquisição das convenções e códigos artísticos visuais se produz também nas historietas gráficas e no mundo digital. No entanto, limitamo‑nos aqui a tratar dos “livros”, e concretamente dos livros “literários”, deixando de fora também a produção de livros informativos. O interesse pela literatura infantil e juvenil se dá em setores sociais muito variados. Atualmente, há muitas profissões que se ocupam da edu‑ cação ou do tempo de ócio das crianças. Docentes, bibliotecários ou anima‑ dores culturais precisam conhecer a literatura dirigida a estas idades para poder cumprir sua missão. Os pais e a sociedade como um todo também po‑ dem buscar orientações tanto para utilizar este objeto cultural como para conhecer o tipo de proposta educativa que se veicula por meio dele.
Introdução ̵ 11
O fenômeno da literatura infantil e juvenil pode ser estudado de dife‑ rentes perspectivas. Há algumas décadas, seu interesse promoveu estudos específicos desde a psicologia, a história da alfabetização e da cultura, os estudos ideológicos e literários ou a educação escolar. A orientação adota‑ da aqui, além de seu caráter introdutório, é o de sua utilidade para todas aquelas pessoas que devem mediar as leituras literárias entre meninos e meninas. Trata‑se de um primeiro passo, ordenado e encaminhado a expor o que nos parece importante para cuidar da formação leitora das crianças. Este propósito presidiu a seleção de conteúdos da obra, o nível de detalhe com o qual estão expostos. Pretendeu‑se construir um quadro geral e, por‑ tanto, seu valor depende da coerência dos elementos que o configuram e não da profundidade com que se trata cada um. O leitor interessado na evolução histórica do livro infantil, na organização de uma biblioteca, nos recursos escolares de fomento à leitura ou nas características do folclore pode continuar a viagem através da bibliografia final, oferecida como um segundo passo neste itinerário de conhecimentos. Os conteúdos e a organização da obra respondem à nossa experiên‑ cia na formação inicial dos futuros docentes e nas atividades de formação permanente de diversos tipos de mediadores entre os livros e as crianças. Suas demandas e necessidades já guiaram anteriormente o desenvolvi‑ mento e a publicação de algumas das ideias que os leitores habituais destes temas poderão encontrar aqui reformuladas e sistematizadas. O propósito de divulgação faz que se tenha evitado a inclusão de pistas bibliográficas de ampliação na redação do texto, assim como a intenção de facilitar a leitura eliminou, exceto em casos pontuais, as referências e outros estudos e auto‑ res que podem desenvolver e apoiar as ideias expostas.
A organização da obra A obra se divide em cinco capítulos. No primeiro se aborda o sentido da iniciação literária por meio da literatura infantil e juvenil. Refletir sobre “para que servem” estes livros não é supérfluo, já que, da resposta dada, depende a orientação que configura a tarefa da mediação. A experiência
12 ̵ Introdução à literatura infantil e juvenil atual
nos diz, também, que existe uma escassa informação sobre este ponto e que, dessa imprecisão, derivam muitos dos problemas práticos da seleção e do desenvolvimento das atividades de mediação. O segundo capítulo aborda a atividade de mediação, isto é, “como facilitar o contato” entre os livros e seus destinatários nos diferentes con‑ textos em que esse encontro ocorre. É especialmente conveniente recordar aqui que a intenção da obra é criar algumas coordenadas e estabelecer alguns critérios. As atividades propostas são citadas exclusivamente como exemplos, já que não se trata de uma obra sobre recursos de formação lei‑ tora, mas sim de uma introdução à literatura infantil e juvenil. No terceiro e no quarto capítulos se estabelece um panorama ge‑ ral sobre as características da literatura que se oferece para a infância e adolescência. Trata‑se, pois, de saber “como são” os livros. O texto segue certo critério cronológico, de maneira que, no capítulo três, se expõem a passagem da literatura de tradição oral para um destinatário infantil e o nascimento de uma produção específica para este público nas sociedades modernas, enquanto que, no capítulo quatro, se descrevem os traços da produção a partir do último quarto do século XX até agora. Estabelecida uma certa caracterização do corpus, o quinto capítulo propõe critérios de seleção. Pretende facilitar a tarefa de “como escolher os livros” e oferece formas de análise dos distintos aspectos das obras que podem contribuir para isso. Todos os capítulos se encerram com um conjunto de “Atividades sugeridas” pensadas para que o leitor volte aos conteúdos expostos, espe‑ cialmente pelas reflexões e ações realizadas com livros infantis e que, em geral, encontram seu sentido no quadro de uma formação compartilhada. Dentro do esquema do livro, os conteúdos se dividem de modo que se complementam mutuamente, tanto quanto possível. Por exemplo, a expo‑ sição sobre a função socializável dos livros se realiza por meio do exemplo dos modelos de gênero masculino e feminino, o qual acumula maior desen‑ volvimento no trecho sobre a transmissão de valores sociais na literatura infantil e juvenil atual. Ou a descrição dos livros infantis como aprendiza‑ gem narrativa se concentra nos primeiros anos de infância, o que permite dar por conhecidos esses traços ao tratar do nascimento de uma literatura Introdução ̵ 13
especialmente dirigida a esta idade. Ou ainda, a evolução do folclore à li‑ teratura escrita como a de Chapeuzinho Vermelho funciona como um pre‑ núncio da evolução da literatura infantil, que se relaciona com a descrição da produção atual no quarto capítulo. No interior deste “quebra‑cabeça” deliberado, deu‑se maior peso aos exemplos centrados nos livros destinados aos mais pequenos. Procedeu ‑se assim, por um lado, porque sendo mais curtos facilitam a leitura dos exemplos e das atividades dos capítulos. Por outro, porque, provavelmente, a época em que se aprende a ler e a amar os livros é a que desperta maior atenção no público em geral.
As seleções bibliográficas Ao longo da obra aparece uma série de quadros com títulos de obras in‑ fantis e juvenis. A ideia que rege estas seleções é a de oferecer ao leitor um bom horizonte de expectativas sobre o que se supõe ser a produção de qualidade de livros para meninos, meninas e adolescentes. Este convite à leitura pode ampliar‑se por meio da lista final de títulos que forem sendo citados ao longo do texto, já que se utilizam exemplos de obras que são consideradas de qualidade indiscutível em quase todos os ca‑ sos aludidos. A seleção realizada também aumenta substancialmente com as obras incluídas nas “Atividades sugeridas”. Tanto os livros inseridos nes‑ ses trechos quanto aqueles recomendados nos quadros são acompanhados de sua referência bibliográfica, de modo que não aparecem na lista final de referências, a não ser que também tenham sido citados no texto. A consul‑ ta aos livros nas bibliotecas infantis pode ser muito pertinente para poder entender melhor o fenômeno descrito, especialmente em todo aquele que fez referência à imagem ou à parte material do livro. As obras são citadas no texto em sua tradução em espanhol, exceto no trecho histórico sobre as obras clássicas. Nas referências bibliográficas, no entanto, são citados os tí‑ tulos originais em catalão, euskera e galego, acrescentando‑se o título em espanhol. Por outro lado, não são feitas referências sobre a edição das obras clássicas universais, dada sua publicação em várias editoras.
14 ̵ Introdução à literatura infantil e juvenil atual
Os quadros de títulos se referem a três tipos de obras literárias 1. Clássicos da literatura infantil e juvenil. No capítulo três, ao tratar da história da literatura infantil e juvenil, se oferece uma seleção de per‑ sonagens “clássicos”, restrita às obras publicadas até 1950. Tratam ‑se de personagens de tamanha importância que às vezes superam a fama de suas histórias concretas e que com frequência as crianças (e muitos adultos) conhecem sem poder precisar sua origem. A seleção se oferece, pois, com a intenção também de ser um instrumento de localização para os mediadores. A primeira seleção trata de personagens positivos, heróis de aventu‑ ra, a iniciação ou o mistério, com quem se espera que os leitores se identifiquem. Não foram incluídos os personagens da tradição oral europeia, como Chapeuzinho Vermelho, O gato de botas, O Pequeno Polegar, Barba Azul ou A gata borralheira (todos eles presentes nos contos de Perrault), nem outros, como João e Maria, Rapunzel etc., in‑ corporados também aos contos dos irmãos Grimm. Vale lembrar que muitos desses personagens possuem aspectos distintos e até nomes nas diferentes tradições populares. Em uma segunda subdivisão aparecem algumas obras nas quais são os personagens negativos, ou também os negativos, que ficaram famosos. Visto que esses trechos são longos, não se pode deixar de constatar a maior inconsistência histórica dos personagens adver‑ sários. Quando estes se tornaram uma referência compartilhada é porque sua maldade não é tanta, ou não é absoluta, nem é unicamen‑ te funcional. Tratam‑se, efetivamente, de malvados com um grande componente humano de ambiguidade ou de infortúnio que lhes per‑ mite ser apreciados pelos leitores. Como no caso dos personagens positivos resenhados, frequentemente sua força levou seu nome até o título da obra, o que indica sobre quem recai, na realidade, o prota‑ gonismo da narrativa. No capítulo seis se oferece uma seleção cronológica de obras da li‑ teratura infantil e juvenil universal. Uma seleção deste tipo reme‑ te ao problema dos limites entre literatura adulta e literatura para Introdução ̵ 15
adolescentes, já que a lista poderia aumentar enormemente com ou‑ tras narrativas, em especial novelas de detetives ou históricas que foram lidas pelos jovens sem que o gênero tivesse sido desenvolvido pensando neles e também porque alguns dos títulos, geralmente cha‑ mados de clássicos juvenis, tocam nos limites do que se entende como literatura juvenil, destinada aos leitores de quinze ou dezesseis anos. 2. Literatura de tradição oral. Alguns quadros do capítulo dois se refe‑ rem a obras da literatura de tradição oral (contos populares, canções, adivinhas etc.). Os títulos foram aqui reduzidos ao mínimo. Também não quer dizer que sua leitura é imprescindível para os meninos e meninas de hoje, mas optou‑se por essa drástica limitação porque existe uma produção de grande qualidade nesses campos em que não é difícil orientar‑se. Foram incluídas algumas referências às qua‑ tro línguas oficiais da Espanha com a intenção de fomentar a inter ‑relação e o conhecimento das distintas tradições. 3. Obras infantis e juvenis atuais. A maioria dos quadros de recomen‑ dação é constituída por títulos de obras infantis e juvenis atuais que foram escolhidas por sua representatividade com relação ao trecho em que aparecem. Não se pode dizer que qualquer seleção supõe sempre uma pista de por onde começar a investigar especialmente quando foi feita sem um con‑ texto de leitores determinado. Também se acha aqui enormemente limita‑ da por critérios de extensão, o que implica ausências evidentes para qual‑ quer conhecedor da literatura infantil e juvenil. Como se costuma dizer, não estão todos os que deveriam, mas acreditamos que merecem figurar todos os que estão. Contando, pois, com estes problemas a escolha realizou ‑se com os critérios expostos em seguida. Refere‑se a obras publicadas ou reeditadas na Espanha nas duas úl‑ timas décadas. Dividem‑se em contos, narrativas, livros de poesia e obras teatrais. A poesia apenas inclui autores que não escrevem para crianças, já que, em geral, as seleções “para crianças” apresentam muitos problemas. 16 ̵ Introdução à literatura infantil e juvenil atual
Por outro lado, os adolescentes podem ler algumas obras escritas para adultos, o que torna desnecessária uma seleção específica. O mesmo pode ‑se dizer, desde logo, no caso da narrativa, mas aqui existe uma edição juve‑ nil moderna. Também optou‑se por apresentar uma pequena lista de obras teatrais, já que dependem muito do uso que se fará delas e a referência a bibliografias específicas pode orientar o mediador adulto. Deixou‑se fora as histórias em quadrinhos, obras audiovisuais e mul‑ timídias, já que não são tratadas neste livro. Finalmente optou‑se por incluir uma indicação das idades nos qua‑ dros de recomendação. Figura ao lado de cada título e divide as obras em três grandes segmentos: *até os oito anos; **até os doze anos; ***até os de‑ zesseis anos. A prioridade dada à leitura dos mais pequenos pelos critérios observados fez que fossem citados mais livros para o primeiro segmento. É preciso lembrar que nosso propósito não é orientar a leitura de meninos e meninas, mas sim criar um quadro de referências para os adultos.
Introdução ̵ 17