Na plateia do mundo

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Introdução Sábato Magaldi nasceu em 9 de maio de 1927, em Belo Horizonte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, participou, muito cedo, da revista O Edifício, ao lado de Jacques do Prado Brandão, Octávio Mello Alvarenga, João Etienne Filho, Francisco Iglésias, Wilson Figueiredo e outros. Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e o seu primo Hélio Pellegrino também colaboraram e se aproximaram do grupo mais jovem. Foram seus colegas na Faculdade de Direito, entre muitos, Francelino Pereira e Autran Dourado. Em 1949, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Cyro dos Anjos, no Ipase, hoje INSS. Tinha 21 anos. Mas logo acumulou essas funções, quando Paulo Mendes Campos o apresentou ao diretor do Diário Carioca, Pompeu de Souza, que o recebeu de braços abertos: “Se você é mineiro, sabe escrever”. E ele começou a assinar as críticas teatrais. Mas Sábato sentiu suas limitações e se candidatou a uma bolsa de estudos na França. Lá, um de seus professores era Étienne Souriau, autor do livro As duzentas mil situações dramáticas, fundamental para qualquer análise de teatro. Ele gostou tanto que não teve coragem de dizer que era crítico. Ficou no Diário Carioca de 1950 a 1953. Voltou com um certificado em Estética da Sorbonne, em 1953, ano em que foi convidado por Alfredo Mesquita para dar aulas na Escola de Arte Dramática. Transferindo-se para São Paulo, nesse ano, passou a lecionar História do Teatro na EAD, que mais tarde foi incorporada à ECA/USP, onde criou, em 1962, a disciplina de História do Teatro Brasileiro. Redator do jornal O Estado de S. Paulo, de 1953 a 1972, tornou-se, em 1956, titular da coluna de teatro de seu “Suplemento Literário”. Redator-chefe e crítico teatral da revista Teatro Brasileiro, publicada em São Paulo (nove números, de novembro de 1955 a setembro de 1956), foi crítico teatral da revista Visão, de 1968 a 1975, do Jornal da Tarde, desde sua fundação, em 1966, aposentando-se em fins de março de 1988. Doutorou-se na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, em 1972, com a tese O Teatro de Oswald de Andrade. Em 1983, fez

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livre-docência na ECA, defendendo a tese Nelson Rodrigues: dramaturgia e encenações. Ambos os livros foram publicados pela Global Editora. Prestou, em 1985, concurso para professor adjunto, tornando-se, em março de 1988, professor titular de Teatro Brasileiro e, logo em seguida, professor emérito da ECA/USP. Em 1978, eu e Sábato nos casamos, vindo de experiências anteriores, e o teatro passou a fazer parte da minha vida. Este ano completaríamos 39 anos de casados. Em 1982 dei para ele, de presente, cópia de tudo o que havia publicado nos jornais paulistas, de 1953 a 1981, graças ao arquivo da Biblioteca Mário de Andrade. Não fosse isso, a pesquisa para Amor ao teatro se tornaria quase inviável. Sábato, pelo acúmulo de funções, durante um período, além de professor da ECA era procurador do INSS, assistia aos espetáculos para fazer a crítica quase diária no JT, não tinha a menor ordem nos assuntos pessoais, pois, além de todos esses afazeres, acumulou as funções de primeiro Secretário Municipal de Cultura, no governo de Olavo Setúbal. Ele vivia rodeado de papéis e, às vezes, enlouquecia atrás de um documento ou de um livro. Aliás, neste particular, ele simplesmente saía e comprava outro volume. E, quando precisava consultar o arquivo que eu lhe dera, para escrever artigos longos, na pressa, ele se servia das críticas e jamais as devolvia ao arquivo. Esse foi o maior trabalho, talvez: ir atrás delas. Sábato, na verdade, nunca pensou em publicá-las em livro. Ele argumentava que as críticas eram datilografadas e os títulos eram dados no fechamento das páginas. Encontrei centenas delas anotadas à caneta, ao lado das colunas, com trechos modificados e/ou cortados pela redação, porque um anúncio entrara na página e o texto precisava ser diminuído ou, por outros motivos, aumentado, de repente, tarde da noite. Além disso, havia a colaboração do linotipista cansado que, do nada, modificava palavras, errava nomes, alterava frases. Qualquer jornalista conhece esses problemas. Enfim, ele não queria enfrentar as dificuldades que teria pela frente. Muita gente me pergunta por que eu, sendo escritora, largo meu próprio trabalho para fazer mais este livro do Sábato. Explico que ele não permitiria uma pessoa estranha consultando seu arquivo pessoal, seus originais, seus 48 ou 49 cadernos manuscritos de quatrocentas páginas cada um que ele intitulou Crônica teatral e que não quer que sejam publicados antes de trinta anos da sua morte: serão doados à Academia Brasileira de Letras.

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Sábato achava um privilégio poder sair e assistir a um espetáculo quase todas as noites, mesmo que, por exemplo, em Paris, a temperatura estivesse 17 graus abaixo de zero com o Sena congelado. Eu? Nem tanto. Mas descobri que algumas das minhas histórias que eram sempre contos e/ou romances, de repente me surgiam em diálogos, em peças de teatro. Escrever para teatro, sendo casada com um crítico, não é para qualquer um. É preciso ter coragem. Por isso, dos meus 29 títulos publicados, apenas seis são textos teatrais. Voltando ao Sábato, nos anos letivos de 1985-1986 e 1986-1987, lecionou como professor associado no Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle), e, nos anos letivos de 1989-1990 e 1990-1991, também como professor associado no Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Provence, em Aix-en-Provence. Uma das suas qualidades: sempre foi cúmplice do teatro, participando, entre outras atividades, como primeiro representante do Serviço Nacional de Teatro, em São Paulo, na administração Edmundo Moniz; foi membro da Comissão Municipal de Teatro de São Paulo e, várias vezes, da Comissão Estadual de Teatro; membro do Conselho Federal de Cultura de 1975 a 1985, licenciando-se, para lecionar em Paris; e membro do Conselho Cultural da Coordenadoria Cultural da Universidade de São Paulo. Durante toda a vida acompanhou de perto o teatro e estava seguro de que ele não é apenas um fenômeno estético, de gabinete. Uma pessoa que só lê textos e assiste a espetáculos não abarca de fato a extensão do fenômeno teatral. Ganhou inúmeros prêmios, que não vou contar aqui. Mas o site da Academia Brasileira de Letras, da qual era membro desde 1995, contém todas as informações. Confesso que, quando comecei a pesquisar as críticas, pensei em cotejar com os originais, que nunca foram realmente organizados. Estão todos jogados em caixas de papelão, sem nenhuma ordem. Eu levaria anos e talvez não conseguisse dar cabo da missão. Meu marido mesmo decidiu que eu deveria reunir as críticas como foram publicadas. E, não sei se foi boa a ideia, optei por publicar Amor ao teatro apenas com as relativas à sua grande paixão, o teatro brasileiro, e deixar para um outro volume as críticas do teatro estrangeiro, que acabo de selecionar para este Na plateia do mundo. São comentários de companhias de teatro que passaram pelo Brasil, das

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que vieram para os festivais internacionais de teatro, organizados por Ruth Escobar, e dos muitos espetáculos vistos em países como Alemanha, França, Itália, Espanha, Bélgica, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, além de vários países latino-americanos. Gostaria de encerrar este depoimento reproduzindo opiniões do Sábato em entrevista ou artigos sobre a profissão. Respondendo a uma pergunta sobre a importância que ele atribui à crítica para o sucesso ou o fracasso de uma montagem, Sábato foi categórico. Uma das razões por que sempre escreveu com absoluta liberdade é que nunca acreditou que a crítica tivesse a menor influência na bilheteria. Aliás, era violentamente contra o poder do crítico. Defendia, inclusive, o direito do crítico de errar, dizer besteira. Nos Estados Unidos a crítica é poderosa. Se há trezentos espetáculos simultaneamente em cartaz em Nova York, como é que o público pode escolher? Ele tem de confiar na opinião do crítico. Mas achava isso meio melancólico. Sobre a melhor forma de um crítico se formar, ele aconselhou que outros profissionais fossem lidos, como Décio de Almeida Prado, por exemplo. A função do crítico é muito objetiva: apesar de assistir à peça como um espectador normal, ele precisa de preparo técnico para explicar bem sua opinião. Um bom profissional deve também ser sensível às mutações contínuas da realidade teatral e, acima de tudo, exercitar escrevendo muito e bem. Isso, aliás, é essencial: um profissional precisa saber se expressar. Preferia um crítico que entendesse menos de teatro, mas que escrevesse bem, a um que não soubesse transmitir seu conhecimento. Sábato acreditava que os grandes criadores cênicos têm consciência de que só fazem o melhor teatro com fundamento na melhor literatura. Ele não se referia a uma literatura que dispensa a destinação do palco, porque ela, em geral, não se presta a montagens e, sim, a escritores que, sem abdicar de nenhuma exigência literária, dominam o instrumento da cena. Exemplos: Shakespeare e Molière. E, na nossa dramaturgia, entre outros, Martins Pena, Gonçalves Dias, Artur de Azevedo e Nelson Rodrigues. Na opinião dele, enquanto o espetáculo é efêmero, a dramaturgia aspira à perenidade. Os estudiosos contemporâneos, desejando documentar o novo fenômeno da encenação, desdobram-se em ensaios especializados que visam preservar a memória das grandes montagens. A imagem gravada, ainda que per-

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mita guardar certos aspectos da apresentação, falseia o choque emocional, porque suprime o contato direto entre o ator e o público, essência do teatro. Sábato preferia pensar que, embora não restitua a corporeidade cênica, a análise crítica ainda é a mais convincente forma de manter no tempo uma arte que foi feita para o instante. Quanto mais perfeito o estilo do analista, mais viva a presença do espetáculo. Ao mesmo tempo, ele dizia: se eu tiver acertado 10% da minha opinião, me dou por satisfeito. A modéstia era uma das suas características. Que falta Sábato faz. Edla van Steen Quero fazer aqui um agradecimento especial a Beatriz Albuquerque e Naninha Borges, que me ajudaram na revisão final dos textos, e a Alexandre Ramos pela digitação.

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Sábato Magaldi: o prazer da crítica Em 2014, a escritora Edla van Steen reuniu as críticas teatrais publicadas por seu marido Sábato Magaldi no Jornal da Tarde, entre 1966 e 1988, num volume de impressionantes 1 223 páginas, intitulado Amor ao teatro. Nesse trabalho notável, feito com carinho e cuidado, selecionou os textos que comentavam os espetáculos feitos por artistas brasileiros, possibilitando ao leitor acompanhar o dia a dia de 22 anos da história recente do nosso teatro. Edla deixou para um segundo volume as críticas teatrais que tratavam dos espetáculos apresentados por companhias e artistas estrangeiros em São Paulo e no Rio de Janeiro, ou a que Sábato assistiu no exterior. E o resultado é este livro surpreendente, no qual nos deparamos com praticamente todos os grandes nomes do teatro moderno europeu, notadamente os encenadores, cenógrafos e intérpretes que realizaram seus trabalhos na segunda metade do século XX. Ponto positivo a se destacar neste volume é que reúne não apenas os textos escritos para o Jornal da Tarde, mas também os que foram publicados no Diário Carioca, entre 1950 e 1953. É preciso esclarecer que Sábato iniciou sua carreira aos 23 anos nesse jornal do Rio de Janeiro e que logo de imediato escreveu sobre espetáculos dados por várias companhias estrangeiras, sem muito entusiasmo, porém. A única que o impressionou foi uma companhia italiana encabeçada por Vittorio Gassman. E a razão para isso é que viu nas montagens uma concepção moderna da cena. O conjunto dos artistas não girava em torno do grande astro, como no velho teatro que se vinha combatendo no Brasil. Sob a batuta do diretor, buscava-se a harmonia, o equilíbrio, a unidade do espetáculo. Nosso teatro vinha dando os primeiros passos na direção da modernidade desde a encenação de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943. Mas a resistência ao novo era muito grande no Rio de Janeiro. Sábato posicionou-se a favor da renovação, defendendo já nos primeiros textos a atualização estética do palco brasileiro. No final de 1952, o jovem crítico foi estudar em Paris. Ao mesmo tempo que aprimorava a formação acadêmica, ao longo de dez meses escreveu um expressivo número de textos para o Diário Carioca, dando conta do

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movimento teatral nessa grande cidade que ainda se recuperava do trauma da Segunda Guerra Mundial. Escritores como Sartre, Gide e Camus dominavam o panorama literário, com incursões no teatro, enquanto dramaturgos como Claudel, Anouilh e Giraudoux ainda tinham prestígio junto ao público. Mas era o teatro de boulevard que fazia realmente sucesso, com suas fórmulas e convenções que todos conheciam e aceitavam. Por outro lado, nesse início dos anos 1950 surge um teatro de vanguarda que se opõe tanto ao teatro político quanto ao realismo psicológico e ao teatro comercial, e que muitos anos depois será rotulado de “teatro do absurdo”. Sábato teve a sorte de ver e comentar as primeiras peças de Ionesco e Adamov. Também pôde conhecer o repertório da Comédie Française e assistir a espetáculos dirigidos por grandes encenadores, como Jean Vilar e Jean-Louis Barrault. Uma breve estada em Londres permitiu-lhe constatar a qualidade dos intérpretes ingleses e o trabalho do diretor como marcas do teatro moderno. Em alguns textos, a comparação com a realidade teatral brasileira é inevitável, mas isso é feito sem nenhum complexo de inferioridade. Ao contrário, em pelo menos duas oportunidades Sábato pôde verificar que duas montagens do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) lhe pareceram superiores às que viu em Paris: a de Seis personagens à procura de um autor, de Pirandello, e a de A dama das camélias, de Dumas Filho. O que se depreende da leitura do conjunto das críticas teatrais desse início dos anos 1950 é que a temporada em Paris foi decisiva para a formação cultural de Sábato e para o seu aprimoramento como crítico – um crítico bastante rigoroso, como poderá comprovar o leitor. Ao voltar para o Brasil, ele poderia ter continuado seu trabalho no Diário Carioca, mas optou pela mudança para São Paulo, onde, a convite de Alfredo Mesquita, tornou-se professor de História do Teatro na Escola de Arte Dramática (EAD), que vinha formando artistas para as companhias teatrais ligadas à modernização cênica então em curso. Concomitantemente, dedicou-se ao jornalismo cultural, escrevendo matérias sobre teatro para o “Suplemento Literário” d’O Estado de S. Paulo e críticas teatrais para a revista Teatro Brasileiro, de efêmera duração (nove números publicados entre novembro de 1955 e setembro de 1956). Em 1966, com a criação do Jornal da Tarde, Sábato volta à atividade crítica, já como intelectual maduro e plenamente preparado para dar conta

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do movimento teatral de São Paulo, trabalho que realizou num nível de excelência reconhecido unanimemente em nosso meio cultural. As críticas reunidas neste livro complementam o panorama que se encontra em Amor ao teatro. São Paulo – palco das principais realizações cênicas brasileiras – acolheu os grandes artistas estrangeiros dos anos 1960-1980, que aqui se apresentaram em festivais internacionais (notadamente os organizados pela atriz e empresária Ruth Escobar) ou em temporadas de uma ou mais semanas. Para que o leitor tenha uma ideia da abrangência de nomes, espetáculos e tendências abordadas, vale a pena destacar uma parte de tudo o que Sábato viu e comentou: as interpretações shakespearianas de dois monstros sagrados do palco inglês, John Gielgud e Michael Redgrave; encenações importantes da Comédie Française, como a de O Cid, de Corneille; a montagem de Tartufo, por Roger Planchon; as tragédias Hipólito e Ifigênia em Áulis, pelo Teatro do Pireu, da Grécia; espetáculos dados pelo mímico Marcel Marceau. Entre tantos trabalhos apresentados em São Paulo, Sábato pôde apreciar alguns mais experimentais que marcaram o período, como The life and times of Dave Clark, de Bob Wilson, representado no Teatro Municipal de São Paulo, em 1974. Em dois artigos, ele faz uma descrição minuciosa do espetáculo, que tinha doze horas de duração e um ritmo lento, compensado pela beleza plástica, pelo encantamento em que envolvia o espectador. Os principais artistas do teatro brasileiro foram assistir ao espetáculo, compreendendo a importância do acontecimento, registrou Sábato, para observar com acerto: “A obra de Bob Wilson parece uma síntese de todas as pesquisas artísticas do século XX, que, reunidas numa só concepção, formam uma linguagem nova e reveladora”. Não é preciso dizer o quanto o trabalho desse artista foi decisivo para a reconfiguração da cena contemporânea. No final de 1985, Sábato está de novo em Paris, para dar aulas na Sorbonne. Ao longo de dois anos, envia ao Jornal da Tarde mais de trinta textos críticos acerca dos espetáculos que escolheu ver. Numa cidade com cerca de três estreias por dia e que “acolhe todos os valores internacionais, dos clássicos gregos aos contemporâneos de qualquer país”, era preciso selecionar com bons critérios, entre eles a consideração de que o teatro é “uma arte superior, questionadora dos problemas fundamentais do homem”. Os comentários sobre espetáculos de Ariane Mnouchkine, Peter Brook, Jorge

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Lavelli, Antoine Vitez, Giorgio Strehler, Jean-Pierre Miquel, Jacques Lassalle, entre outros grandes encenadores, dão uma densidade ímpar a este livro, que nos ensina muito sobre as inovações estéticas incorporadas pelo teatro na segunda metade do século XX e sobre o próprio ofício da crítica teatral – que Sábato exerceu sempre como atividade intelectual prazerosa, dando o melhor de si para chegar ao leitor com clareza e sólidos pontos de vista. João Roberto Faria É professor titular de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo. É pesquisador do CNPq e autor de vários livros, com destaque para Ideias teatrais: o século XIX no Brasil (2001), Do Teatro: textos críticos e escritos diversos (reunião da produção crítica de Machado de Assis sobre teatro, 2008) e História do Teatro Brasileiro (org.), em dois volumes (2012/2013).

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A floresta petrificada Robert Sherwood • Teatro Nacional da Bélgica 26 de abril de 1953

A floresta petrificada, de Robert Sherwood, apresentada pelo Teatro Nacional da Bélgica, está entre as melhores encenações a que assisti na Europa. Quando se teve oportunidade de aplaudir as boas realizações do teatro francês, algumas do inglês e o Piccolo Teatro de Milão, essa verificação inicial se torna bastante expressiva. Através de um só espetáculo, eu não poderia ajuizar o mérito do elenco. Examinando o desempenho com a mente voltada para todo o repertório e a destinação do Teatro Nacional, não tenho dúvida em afirmar, porém, que a aventura belga está entre as mais importantes do mundo. Um bom texto, uma boa encenação e um público numericamente vasto – eis o que resume o fenômeno do teatro. Eis o que sintetiza, também, o caminho que vem percorrendo o Teatro Nacional da Bélgica. A peça de Robert Sherwood guarda um saldo positivo. O autor, homem do tempo, consciente da missão histórica americana, jornalista, político de renome, autor de muitos discursos da campanha eleitoral democrática, participa a fundo do crescimento nacional dos Estados Unidos. Poderíamos chamar a sua peça a epopeia de um país que nasce de uma grande nacionalidade que se afirma? Creio que seria atribuir a A floresta petrificada uma importância além de sua pretensão. Mas, em sua fatura, está presente a ideia de um povo que acredita nos seus valores, confia na civilização que instaura, afasta as primeiras crises e os primeiros temores característicos de um organismo que vai encontrar plenitude. Num posto de gasolina, num recanto deserto do Arizona, a jovem de cotidiano prosaico sonha com a Europa libertadora. Um poeta fracassado e vagabundo passa por ali. Esboça-se o romance. Entrementes, uma quadrilha de gangsters famosos assalta o posto-restaurante, até que a polícia, ali

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mesmo, vai caçá-la. Afasta-se o perigo, mas o poeta havia pedido ao chefe para assassiná-lo, e é atendido. Qual a significação dessa trama? Aquele intelectual simboliza o mundo decadente, saturado, sem perspectiva, que se suicida ante a força jovem que nasce. Tem bastante romantismo, ainda, para deixar à jovem a sua herança, único bem que carrega. Na caça aos gangsters pela polícia, sente-se que o país zela pela segurança dos seus habitantes, sabe manter a ordem. O aparecimento episódico e ridículo de um banqueiro é uma crítica ao capitalismo inconsciente e pernicioso, mas sabe-se que ele será corrigido. Não importa que o autor ridicularize também um membro da Legião Americana e aceite algumas críticas extremistas. Depois que a morte sacode aquele deserto, vê-se que Sherwood fez reinar a soberania americana, o grande destino para se inscrever na história. A liberdade do cidadão está assegurada. O pesadelo não atrapalhará o sono tranquilo e reconfortante da próxima jornada. É verdade que os personagens são um pouco ingênuos; a estrutura, em tons esquemáticos, simples e algo demagógica. Mas não será isso mesmo o nascimento de um povo? Jacques Huisman, como encenador, exprimiu todo o realismo vigoroso da história, de onde não está ausente um sopro poético. Marcações precisas, uma cena de tiroteio (explorada geralmente com recursos superiores pelo cinema) que convence. O espetáculo cresce de acordo com o ritmo interior do texto. Não há desníveis no desempenho. Jacqueline Huisman (esposa do diretor), a jovem; Marcel Berteau, o poeta; Michel Ghaye, o chefe dos bandidos; bem como todos os outros, traçam com firmeza os respectivos personagens. Cenário sugestivo de Freddy Michels, completando a harmonia do espetáculo.

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