Grand Theft Auto - Maxmen nº 99

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TEXTO DE GONÇALO BRITO "Os livros dizem-nos algo. Os filmes mostram-nos alguma coisa. Mas os videojogos deixam-nos fazer coisas", diz Dan Houser, um dos pais de Grand Theft Auto (GTA). É uma frase que resume na perfeição o espírito da sua obra: se existem jogos que de facto nos deixam fazer coisas, muitas coisas, são os da série GTA. O conceito não é complexo, mas a sua execução é brilhante. Tudo acontece numa cidade virtual, normalmente uma sátira a uma localidade norte-americana, como Nova Iorque, ou Los Angeles. A ideia é transmitir ao jogador a sensação de que este está num sítio real, logo, a cidade é sempre um organismo vivo, repleta de transeuntes que lá vão fazendo a sua vida, a pé, de avião, de barco ou de carro e mota, enfrentando as típicas filas de trânsito automóvel. A autenticidade é arrepiante, especialmente porque todos os habitantes aparentam ter de facto uma vida própria e estar absolutamente indiferentes à nossa presença – pelo menos enquanto não interferirmos. Polícias perseguem ladrões e resolvem acidentes de trânsito, casais discutem nos jardins, ambulâncias acodem os doentes, carros de bombeiros apagam os fogos ocasionais… Tudo é orquestrado para envolver o jogador e o sugar para dentro de um imprevisível mundo de pixéis. Esse é um dos principais factores para o sucesso de GTA: pode-se interagir com praticamente tudo o que se vê. A questão não é “o que posso fazer?”, mas sim “o que quero fazer?”. Ajudar o criminoso, ou o polícia? Puxar um desgraçado para fora do seu carro para conduzir a viatura por cima do passeio e atropelar toda a gente? Força. Roubar um tanque de guerra do museu e espalhar o caos pela cidade? Porque não? Furtar um helicóptero para um inspirador passeio por cima da cidade? Claro. Visitar as “meninas”? Obrigatório. Pegar num Táxi e ser taxista, ou num carro da polícia e ser vigilante? Um pouco choninhas, mas sim, é possível. Quase não existem limites para o que se pode fazer em GTA, nem uma ordem específica de acontecimentos: é como um parque de diversões para adolescentes e adultos. É claro que, por muito que tudo isto seja divertido, um videojogo não é digno desse nome se não oferecer objectivos concretos. Embora opcionais, os jogos GTA oferecem uma quantidade generosa de missões que apelam directamente ao espírito competitivo do ser humano. O jogador assume sempre o papel de um zé-ninguém criminoso que pretende subir na vida a qualquer custo. Para o efeito realiza tarefas tão díspares como servir de chauffeur, cobrar dívidas difíceis, participar em corridas de carros, assassinar inimigos… enfim todos os chavões que se consigam lembrar dos filmes de acção norte-americanos. Realizar trabalhos criminosos rende dinheiro, e o enriquecimento é sinónimo de crescente estatuto social e de melhores carros, casas e mulheres. A única real contrapartida são as forças de lei, que aumentam o seu

MAIS DO QUE UM VIDEOJOGO SOBRE O SUBMUNDO DO CRIME ONDE O ROUBO, O CONSUMO DE DROGAS ILEGAIS, A VIOLÊNCIA E A PROSTITUIÇÃO ESTÃO NA ORDEM DO DIA, GRAND THEFT AUTO É O SÍMBOLO DE UMA GERAÇÃO GLOBAL, ALIMENTADA DESDE OS ANOS 80 PELA CULTURA POP NORTE-AMERICANA. 62 / MAXMEN / MAIO 2009

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Os primeiros GTAs já tinham o espírito da série, mas com estes gráficos os irmãos Houser não iam lá...

número e dedicação conforme o jogador espalhe mais e mais caos, chegando ao ponto de se estar a ser perseguido por vários carros e helicópteros da polícia, carrinhas de agentes especiais e até tanques de guerra. Curiosamente, roubar um desses veículos e utilizá-lo para assassinar agentes da lei é uma das primeiras acções de quem experimenta o jogo pela primeira vez. Justiça poética? Ir para a prisão ou ser morto não é sinónimo de Game Over – duas palavras que não existem neste jogo. Em poucos segundos está-se de novo a palmilhar as ruas e a planear-se novas, criativas e sádicas formas de espalhar o caos.

FALSA PARTIDA

Para melhor se perceber a essência e dimensão da obra GTA é necessário viajar até 1993, altura em que os londrinos Sam Houser, Dan Houser, e Terry Donovan decidem que está na altura de

transformar os videojogos em algo tão cool como o cinema ou música. Desde cedo que o grupo de amigos cultivava uma obsessão por marcas de streetwear como a Adidas ou a Nike e por outros elementos da cultura pop norte-americana: o Hip-Hop dos anos 80 e filmes de culto como Scarface, Bullit ou The Warriors (sobre o qual viriam a fazer um jogo). Sonhavam ser estrelas de rock e comportavam-se como tal. "Este grupo de londrinos tinha atitude e estilo para dar e vender e uma perspectiva culturalmente relevante e obsessivamente detalhada daquilo que poderia ser um videojogo", descreve o jornalista da Wired, David Kushner. Sempre com o imaginário de dinheiro fácil, mulheres bonitas e carros rápidos no horizonte, os amigos criaram uma produtora, apropriadamente baptizada Rockstar Games, e editaram para PC, em 1997, Grand Theft Auto (originalmente intitulado Race N’ Chase). Dan Houser recorda o espírito da equipa de produção dessa altura: "Sentíamos que os videojogos podiam apelar a uma audiência muito mais vasta e a pessoas mais velhas. Pessoas que se interessavam por filmes, música, livros e por cultura popular em geral". Não pretendiam vender apenas jogos, mas também um estilo de vida. Mas o arranque não foi fácil. Apesar de bem recebidos pelo público em geral, Grand Theft Auto e Grand Theft Auto 2, jogos semelhantes que incluíam parte dos elementos que descrevemos inicialmente, não foram propriamente sucessos comerciais. Numa altura em que a moda era o grafismo 3D de Lara Croft e a velocidade de shooters como Quake, jogos com o aspecto primitivo dos dois primeiros GTAs – onde a acção era vista de uma perspectiva aérea e tudo se assemelhava a formiguinhas –, estavam longe de apelar a um público mainstream. Já a polémica, que viria a acompanhar a série até aos dias de hoje, instalou-se ainda antes de o primeiro jogo chegar às lojas. As autoridades fizeram ouvir

Mulheres, carros e armas: uma receita quase infalível

as suas vozes de contestação em Inglaterra, França e Alemanha. O estado brasileiro nunca permitiu que o jogo chegasse às suas lojas. A crueza estilizada mas realista de jogos que permitiam explodir com esquadras de Policia e onde o sistema para se guardar a posição no jogo (save game) consistia em fazer doações monetárias à Igreja, claramente não era apreciada pelos adultos mais sérios e conservadores. A Rockstar sabia que estava no caminho certo.

A CRIAÇÃO DE UM MITO

"No verão de 2000 o nosso staff de génios tinha uma cidade 3D em pleno funcionamento. Podia-se já roubar um carro e conduzir estrada fora", refere Sam Houser que se recorda de dizer a si próprio na altura: "estamos a trilhar novos caminhos com este material… isto é a semente de algo extraordinário". "Isto", era Grand Theft Auto 3 (GTA 3). Agora a acção acontecia mesmo nas ruas, na terceira pessoa (com a câmara colocada atrás do protagonista) e tudo era assustadoramente mais realista. O jogo estava agendado para ser editado no final de Setembro de 2001, mas no dia 11 desse mês aconteceu algo que mudaria o nosso planeta para sempre: as torres gémeas são alvo de um ataque terrorista e desabam. A equipa da Rockstar, sediada em Nova Iorque, assiste à tragédia da janela dos seus escritórios. Desapareciam dois dos

Em 2001, com GTA 3, a revolução seria iniciada. Oito anos depois, este mundo 3D em constante evolução valeu aos Houser serem incluídos na lista das pessoas mais influentes do mundo feita pela revista Time.

principais símbolos do poder norte-americanos – exactamente o tipo de cena que poderia ter figurado num jogo da Rockstar. Mas a realidade tem um peso diferente quando nos bate à porta e, por respeito às vítimas do incidente, GTA 3 vê serem cortados os seus elementos mais chocantes. Liberty City – a cidade onde acontece a acção do jogo e que é baseada na arquitectura de Nova Iorque – é "limpa" de conteúdo inapropriado. Os carros de polícia são redesenhados e as missões com aviões eliminadas. Darkel, uma personagem muçulmana que pediria ao jogador para rebentar com um edifício através de um veículo atestado de explosivos, foi também retirado do jogo. Costuma dizer-se que "as coisas só têm piada até alguém se magoar. Depois passam a ser hilariantes". A Rockstar sentiu na pele que nem sempre assim é. GTA 3 chegou às lojas americanas a 5 de Outubro do mesmo ano, e apesar das modificações, continuava a ser uma obra admirável e polémica. Os autores encerraram no jogo tanta sátira social cáustica quanto conseguiram, com especial destaque para os geniais programas de rádio, onde

se podiam ouvir hilariantes anúncios comerciais e os mais surreais talk shows. Aqui estava o que um jogo podia realmente alcançar quando não existiam limites na sua concepção. Nunca se tinha visto nada assim. Para aqueles que já jogavam regularmente desde os anos 80, Grand Theft Auto 3 foi o realizar de um sonho e uma proeza técnica sem precedentes. Para o resto do mundo foi uma surpresa. Em apenas duas semanas tornou-se no jogo mais vendido do ano nos Estados Unidos (quando apenas existia para PlayStation 2) e foi um dos jogos mais vendidos em todo o mundo nesse ano. Em quatro meses as acções da sua editora, a Take 2, subiram de sete para 21 dólares, tornando a pequena empresa num dos principais players da indústria dos videojogos. Hoje, oito anos depois, GTA 3 já conta com mais de 15 milhões de unidades vendidas. Os irmãos Houser e companhia haviam conseguido o seu almejado sucesso, e isto ainda era apenas o início.

VIVER À GRANDE

Agora um novo desafio surgia perante

a Rockstar: como produzir uma sequela à altura das expectativas da critica e dos fãs. A resposta demorou uns escassos nove meses a chegar e estava, uma vez mais, executada de forma magistral. Ainda em 2002, a PlayStation 2 recebe Grand Theft Auto: Vice City, que basicamente pega no seu antecessor, amplia-o, e leva-o até aos anos oitenta. Desta feita a acção acontece em Vice City, uma cidade inspirada em Miami e Florida, e por todo o lado se vêem referências a Scarface, Miami Vice e aos anos oitenta em geral, claro. O néon ilumina a noite, poderosos iates passeiam meninas despidas e no carro conduz-se ao som de Michael Jackson, Blondie, Human League, Iron Maiden, Kim Wilde e tantos outros sucessos da época. Nos talk shows discutem-se alguns dos temas quentes de então. A personagem principal é Tommy Vercetti, mas bem se podia chamar Tony Montana, tal são as semelhanças dos seus percursos de ascensão ao poder. Até o final do jogo é uma recriação da célebre sequência de Scarface "Say hello to my little friend!". A obsessão pelo pormenor dos 

A personagem principal [de Vice City] é Tommy Vercetti, mas bem se podia chamar Tony Montana, tal são as semelhanças dos seus percursos de ascensão ao poder.

UM A H I STÓR I A DE V IOL Ê NC I A 1997

1999

2001

2002

2004

2004

2005

2006

2008

2009

Grand Theft Auto PC, PlayStation, Game Boy UNID. VENDIDAS: 1 milhão

Grand Theft Auto 2 PC, PlayStation, Dreamcast, Game Boy UNID. VENDIDAS: 2 milhão

Grand Theft Auto 3 PC, PlayStation 2, Xbox UNID. VENDIDAS: 15 milhões

GTA VICE CITY PC, PlayStation 2, Xbox UNID. VENDIDAS: 20 milhões

GTA SAN ANDREAS PC, PlayStation 2, Xbox UNID. VENDIDAS: 25 milhões

GTA ADVANCE Game Boy Advance UNID. VENDIDAS: 100 mil

GTA LIBERTY CITY STORIES Sony PSP, PlayStation 2 UNID. VENDIDAS: 8 milhões

GTA VICE CITY STORIES Sony PSP, PlayStation 2 UNID. VENDIDAS: 5 milhões

Grand Theft Auto IV PC, PlayStation 3, Xbox 360 UNID. VENDIDAS: 13 milhões

GTA CHINATOWN WARS Nintendo DS UNID. VENDIDAS: 89 mil

64 / MAXMEN / JUNHO 2009

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AS CARAS DAS VOZES

GTA III

Michael Madsen

Toni Cipriani Kyle MacLachlan

Donald Love

Donald Love

Ray Liotta

Tommy Vercetti Burt Reynolds

GTA Vice City

Avery Carrington Dennis Hopper

Steve Scott Jenna Jameson

Candy Suxxx Danny Trejo

Umberto Robina Bill Fichtner

Ken Rosenberg

GTA San Andreas

Samuel L. Jackson

Agente F. Tenpenny Ice T

Madd Dogg Axl Rose Apresentador de uma estação de rádio

James Woods

Mike Toreno

GTA IV

Ricky Gervais Faz stand up comedy num clube nocturno

Iggy Pop Apresentador de uma estação de rádio

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GTA viajou para décadas e cidades diferentes, mas em evolução contínua, o que explica a subida das vendas.

irmãos Houser voltou a funcionar na perfeição. Nem um único detalhe foi descurado, nem um cliché foi deixado de fora. Vice City é uma sátira aos anos oitenta de Ronald Reagan (e não só) e fá-lo com a precisão de um relógio suíço e com a cólera mordaz de um pitbull. É considerado pela maioria a obra-prima da Rockstar. Mais do que capitalizar sobre o revivalismo da década de oitenta que se começava a sentir na altura, Vice City contribuiu largamente para esse regresso dos 80s – uma prova incontestável da influência da Rockstar na cultura popular. Um dos grandes responsáveis por isso foi Terry Donovan, que utilizou toda a sua experiencia de marketing – muita dela trazida dos seus tempos na BMG – para promover a Rockstar como quem conduz uma banda de garagem às alturas do sucesso. Autocolantes, flyers, festas… Terry encetou uma verdadeira campanha Punk do it yourself que contagiava tudo e todos. Um dos empregados que na altura trabalhava nos estúdios nova-iorquinos afirma que "aquele estúdio era um espaço apaixonante. Todos estavam comprometidos com a perfeição. Imaginem uma empresa em que perto de 100 pessoas estavam realmente convencidas de que integravam uma espécie de novos Beatles". Os tempos eram de jogos, sexo, drogas e rock n’ roll.

CAÇA ÀS BRUXAS

Os jogos GTA eram chocantes, e embora permitissem embarcar em profissões legais, como taxista, entregador de pizzas, entre outras, incitavam à violência. É suficiente dizer que para se conseguir energia extra era necessário recorrer a prostitutas, sendo possível assassiná-las após consumado o acto, para conseguir um reembolso automático. Ao fim de algumas horas as pessoas haviam testado exaustivamente as regras do jogo e descobriam que não existiam nenhumas. Passadas muitas mais horas de jogo já conheciam detalhadamente cada rua, cada beco, e cada truque para iludir a lei e fazer com o crime compensasse… sempre. E toda a gente o estava a jogar. Era apenas uma questão de tempo até que o "senão" batesse à porta da Rockstar e da Take 2. Enquanto a conta bancária de ambas as empresas crescia a um ritmo alucinante, o cerco da "caça às bruxas" apertava. Políticos, advogados, associações e particulares encontraram nestes jogos adultos o bode expiatório perfeito para os seus problemas

Apesar de normalmente acabarem por sair para a Xbox, quando saiam os GTAs eram sempre um exclusivo PlayStation. Até esta geração, onde um lançamento simultâneo foi só o início da revolta.

sociais, em especial para a delinquência juvenil. Em 2003, dois jovens são alvejados mortalmente por dois outros adolescentes que dizem à polícia terem sido influenciados por GTA 3. A família das vítimas move um processo judicial contra a Rockstar e a Take 2. O advogado contratado é Jack Thompson, um nome que viria a assombrar a indústria dos videojogos até aos dias de hoje, apesar de nunca ter vencido um único caso nesse campo. No mesmo ano, grupos de cubanos e haitianos residentes na Florida alegam racismo junto do tribunal federal e conseguem com que Vice City seja reeditado sem os diálogos que ofendiam as minorias étnicas. A caça prosseguiu. "Simulador de homicídios" foi apenas uma das expressões utilizadas pelos mais conservadores para definir os jogos GTA. A Rockstar conseguiu sempre desviar-se das balas, mas o pior ainda estava para vir.

ESTRELA (DE)CADENTE

Em 2004 a Rockstar edita Grand Theft Auto: San Andreas. O jogo seguia a mesma lógica dos antecessores, uma vez mais mudando de localização (desta feita a inspiração foi Los Angeles, São Francisco e Las Vegas), de personagens, enredo, e injectando ainda mais veículos e actividades "extracurriculares". Em termos técnicos e de dimensão ultrapassa largamente todos os trabalhos anteriores. Foi até então a obra mais completa da Rockstar, um sucesso instantâneo, vendendo cerca de cinco milhões de unidades em pouco mais de dois meses.

Foi mantida toda a provocação e violência dos títulos anteriores e as contestações continuaram, mas sem consequências de vulto. No entanto, existe uma regra "invisível" na indústria dos videojogos: sangue e violência a rodos suscita polémica, mas cenas de sexo explícito trazem a casa abaixo. A Rockstar ultrapassou esta linha, ironicamente, por acidente. Em Junho de 2005 um fã holandês descobre que San Andreas escondia nas suas linhas de código um mini-jogo onde o protagonista demonstrava o seu talento sexual em troca de pontuações por parte das suas parceiras. A notícia chegou rapidamente à Internet e alastrou-se por todo o mundo. Uma vez que tudo começava quando elas perguntavam se ele queria entrar para beber um café, o mini-jogo ficou conhecido como Hot Coffee e é, até hoje, o mais controverso caso da história dos videojogos, tendo trazido para a mesa velhas discussões sobre moral e censura. Os céus cobriram-se de nuvens negras e os processos judiciais começaram a chover. Hillary Clinton vem a público afirmar que jogos como GTA estão a "roubar a inocência às nossas crianças". A produção de San Andreas parou, e o jogo foi retirado das lojas e reeditado sem o material ofensivo. O congresso norte-americano ordena à Federal Trade Comission (FTC) que investigue exaustivamente a Take 2, incluindo a vida pessoal e profissional dos irmãos Houser e companhia. Um ano depois, ao mesmo tempo que a Take 2 e a FTC chegavam a um acordo e trabalhadores chave da Rockstar deixavam a empresa (como Terry Donovan), San Andreas era o jogo mais vendido de sempre para uma consola Sony. Mas os seus criadores nunca mais seriam os mesmos.

NOVO COMEÇO, VELHA HISTÓRIA

O regresso da Rockstar aos escaparates foi feito

quase sem riscos, através de uma visita ao passado: GTA: Liberty City Stories e GTA: Vice City Stories são os dois jogos GTA para a consola portátil da Sony, a PSP, e visitam as famosas cidades que brilharam nos seus antecessores. Com uma qualidade acima da média, foram bastante bem recebidos pela crítica e fãs. Mas o surgimento das então novas e potentes consolas PlayStation 3 e Xbox 360 tornava ainda mais evidente o vazio da série. Estava na altura de um novo GTA, mas o que chegou foi mais polémica. Em 2007 descobre-se que a Take 2 praticava evasão fiscal. Foram despedidos cinco dos seis membros da administração. Como que indiferente a isso, Grand Theft Auto 4 invadiu em 2008 as novas consolas como um furacão, marcando uma nova era para a série, não só em termos gráficos e técnicos, mas também porque findou uma longa história de exclusividade com as consolas da Sony. Desta vez é a América de hoje que é satirizada, com o jogador a assumir o papel de um emigrante de Leste que chega algo atrasado à corrida pelo Sonho Americano. O jogo demorou perto de quatro anos a ser concluído, empregou mais de mil pessoas e custou aproximadamente 100 milhões de dólares, o que o tornou no videojogo com a produção mais cara de sempre. No dia em que chegou às lojas vendeu 3.6 milhões de unidades e numa semana já tinha rendido 500 milhões de euros. Isto significa que é a peça de entretenimento que mais lucro rendeu em menos tempo (música e cinema incluídos). É também um dos jogos mais bem cotados pelos críticos. Para isso terá contribuído o facto de ter sido amplamente falado, discutido e satirizado nos maiores canais de comunicação do mundo, incluindo sites de Internet, televisão, jornais e revistas mainstream. GTA 4 pegou moda como nenhum antes dele. Este ano,

Tudo acontece de forma natural e cool, sem parecer forçado e esse tipo de veracidade não tem preço, nem pode ser fabricado. Ou se tem ou não se tem.

A Microsoft pagou 50 milhões de dólares pelo exclusivo de dois episódios de GTA IV, só para download na Xbox 360.

Grand Theft Auto: Chinatown Wars chegou com pompa e circunstancia à Nintendo DS, e apesar de ser fenomenal e de proporcionar as actividades mais variadas de que há memória na série, não está a ser um sucesso de vendas, muito porque a DS é uma consola direccionada para um público mais feminino. As razões para o sucesso avassalador desta série não são fáceis de atestar. Centenas de especialistas das mais diversas áreas defendem que o segredo é a liberdade de escolha, os actos e as consequências que apelam ao lado mais básico do ser humano. Igualmente apontado como importante é o facto de o jogo permitir descarregar emoções e stress sem magoar ninguém e a autenticidade que transpira dos jogos GTA é também determinante na forma como o jogo ressoa junto das pessoas. Tudo acontece de forma natural e cool, sem parecer forçado e esse tipo de veracidade não tem preço, nem pode ser fabricado. Ou se tem ou não se tem. De certa forma os irmãos Houser não só o tinham, como o viveram. Transmitiram os seus valores para o trabalho, subiram à glória, caíram à "sarjeta", levantaram-se e seguiram em frente, tal como os protagonistas dos seus jogos. Ironicamente, prevê-se um grande futuro para Grand Theft Auto, pois não são só a morte e os impostos que estão certos nesta vida: políticos corruptos, minorias étnicas, prostituição, injustiça social, filmes e músicas memoráveis, sarjetas, estradas e cidades existirão sempre. E é algo reconfortante saber que poderemos contar com a sátira cruel mas honesta da Rockstar e saltar para um qualquer carro que passe por nós e utilizá-lo para o que entendermos. Porquê? Porque podemos. M JUNHO2007 2009 / MAXMEN / 67 ABRIL / MAXMEN / 67


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