EN CLAU SU RA DA L AU R A N AVA R R O
Dedicatória
Para Donny Correia Para Bruno Galvão Para Anna de Vitto Para Camilla Assad Para Amanda Vital
e para outros poetas anônimos.
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Diário de uma detenta Esta é uma plaquete elaborada em uma noite turbulenta & furiosa por uma estudante de jornalismo que queria saber como era a noite no primeiro dia frio do ano enquanto isso ela se senta em frente à janela, portando máscara na cara escrevo de luva na mão eu deixei a flânerie de lado agora caminho os invólucros da minha própria mente.
ainda há esperança em apenas um mês porque eu não enlouqueci completamente
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o jeito certo de ler este livro é colocar Isolation do Joy Division ao máximo
porque é só isso que dá pra escutar nesses dias
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Esboços pós Anka Kowalska Talvez sentisse falta dos teus abraços mas não consigo avistar tua morada de um avião por isso escrevo
não há nada de diferente agora apenas um caminho a ser fixado eu moro perto do vento há um cheiro de nostalgia dentro do meu corpo pelo menos a poeira é espanada e regurgitada em bolotas o ouro não porque senão não permaneceríamos
o telhado azul me fez apreciar pequenas liberdades como Lux Lisbon, mas não como numa tragédia embora histórias de saudade terminassem sempre com o dissabor de um aguardente descendo pela garganta à noite 4
a solidão é tão gélida para me aquecer, abraço árvores e até os prédios feios da capital tudo isso pela janela esperando um pouco daquilo que é onírico
enquanto isso eu tento segurar um pouco a boca das lágrimas eu não choro porque é prudente
estamos vivos mais um dia a estrela fria de Capricórnio não se ocupa dessas frivolidades ⁃ não vai além de um tudo bem sim -
e eu espero aprender esse modus operandi o amor é sincero e eu sei que estás bem talvez isso me faça ter menos vontade de violar a minha pena
ao fim dela tiraremos nossas fardas e tossiremos até nas bocas uns dos outros como ratos, é por isso que não choro mais à noite. 5
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COVID-19 há um pouco de sangue saindo dos narizes e falas e bocas e falos em conjuntura, uma grande faca monstruosa passou pela garganta do mundo e então estavam todos à beira de um precipício - quando na verdade estávamos sempre à beira dele e então havia ferimentos demais e nós gritamos ai ai ai eu não acredito como bois dentro do açougue
mas a efusão supera todos os cortes
há um susto dentro do sangue de nós mesmos incapacidade fortuita
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o fardo que eu carrego ao levantar da cama é maior do que a ponta da lança?
fobia social dorme de consciência tranquila
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Sem Título A casa toda dorme Menos eu Ronco em rodízio Estou na Janela Contando os carros Cadê seu ônibus Que saiu do interior de um estado que não é meu? Quer dizer, eu não moro perto da rodoviária Mas o encéfalo de amores díspares tem A estrutura E a sutura Do aeroporto de Guarulhos
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Corro de ponte em ponte A galope Não existe mais essa merda De cavalo branco. “Sem necessidade, baby Minha internet é banda larga eu uso 4G” Da minha casa posso soltar Festim de mil festas techno Regadas a Fischerspooner Eu sei que você odeia, mas vejamos a possibilidade O mundo é grandioso Felizmente, 10
o sistema Android jรก o criptografou
- graรงas a Deus -
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Os Enforcados (para Marcelo e outros desesperados )
A voz do absurdo foi alçada à razão
Um foda-se esculhambado gritado pela Torcida do Flamengo e do Corinthians Toda junta
Enquanto ainda houverem cordas Os homens de gravatas continuarão
Apertando Todos Os Nós
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De quem não é surdo
(E talvez de quem seja Um pouco mais do que isso)
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Sem Título Alucinação coletiva É o último sonho Que eu colocaria Fora da gaiola
Queria me sentar Nua à mesa de jantar Um jantar comigo mesma Numa casa de vidro
Queria abrir os pedaços do meu corpo Jogar pra você o que você precisa Colete salva-tripas
As terras cheiram à ácido lisérgico
O tempo passou mas
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NinguĂŠm esqueceu-se do surrealismo Dos anos 20
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Metalinguagens VI metáfora o professor dizia era meta fora bola caindo longe do campo de futebol ou talvez aquela técnica rudimentar << escriptum coitus interruptus >> meta fora, anda logo foda-se o que disseram = incógnita 16
x não é igual a y nunca foi x é igual a bala meta bala << a gente é feito para ser atirado dos canhões de guerra >> talvez se fôssemos palavras se VOCÊ fosse uma palavra eu poderia capturá-lo de uma vez e decifrá-lo e entortá-lo uma pequena tortura vale a pena? imagina só ter mil significados fora do dicionário
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não dá. << denso demais para isso >>
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Estimulantes Para Sarah
1) Drogas estimulantes: são de substâncias que aceleram (estimulam) a atividade do Sistema Nervoso Central (cérebro), que passa então a funcionar mais rapidamente. A pessoa então anda + corre + fala + e dorme - e come etc. 2) adjetivo feminino: Que estimula; excitante: uma conversa estimulante; uma bebida com propriedades estimulantes 3) adjetivo masculino: Que encoraja ou incentiva; encorajador: um debate estimulante . As crianças de nosso tempo foram todas agraciadas com a receita dos Mutantes antes de conhecerem as músicas porque a sensibilidade de quem corre anda pula privilégio para quem fica sentado por
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muitas horas . E então nós crescemos com um rasgo no nosso estômago ele pede por um pouco mais meio esfomeado . A Ritalina tem um nome engraçado eu pensei talvez por isso seja aceita dentro dos confins sociais . Mas o que é mais engraçado: . O H de TDAH significa Hiperatividade e estamos todos hiperativos & hiperalertas & hipervigilantes & hiperprodutivos durante oito ou doze horas, não me recordo enquanto we mind our own business . A Ritalina quando abusada acelera em excesso o pensamento humano 20
e de repente estamos todos pulando a fase de existir . Afinal estar moldado por anfetaminas ou metilfenildato é somatória apenas do que precisamos no momento porque ela abraça um pouco do Capital batendo na bunda feito água e de repente estamos todos quimicamente conectados & dependentes . Operar, o dia inteiro, como um computador de última geração durante 30 dias inteiros pagar as contas - e a ritalina . Enfim, uma utopia autorrealizável e magnífica! a ponto de caber dentro do bolso e das gargantas . (abuse com moderação, diz a prescrição)
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Sem Título Azulejos azuis tão brilhantes Tão nossos algum dia a esperança não Cala Há um cheiro no solo que eu tento Guardar dentro do meu corpo estatelado igual aos das bonecas Preenchi com os cílios caíram do nada
Mais um dia Reinvenção rotineira Não vou esquecer As tuas mordidas no pão
Elas ganharam um verso
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Bulimia (para Carol Policarpo) À beira do mar O meu reflexo parecia tão
Distorcido
Meu corpo de hoje não era mais O mesmo de três anos atrás Quem sou eu? Quero engolir Todas as pedras que você me deu Uma a uma Para depois vomitar
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em êxtase Ao espelho, penso que verei as tripas os músculos os órgãos a alma e um peso a menos. Existir é de uma grandeza que eu ainda não compreendo
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Pierre Bordieu para Giovanna S. e prof Luís Mauro
1. Dentro do corpo um corpo imunizado & imuno deficiente dependente de oxitocina por que digo oi sem nem lembrar o teu nome ou o meu nome de batismo? 2. 25
Dentro do corpo um corpo o meu corpo carcaça desprovida dos anticorpos pequenas rodinhas em volta do encéfalo servil 3. de repente acione o botão à nós ratos de Pavlov que repetiu a experiência (estamos presos nas ratoeiras sociais desses conceitos complicados)
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Plath Cabeรงa sob o forno vou me curar algum dia?
Sonhei muitas vezes os pedaรงos do seu corpo estavam dentro de mim e eu te paria uma parte do meu sangue
a noite derradeira nรฃo acaba mas tentaram arrancar tudo que havia por ali
e conseguiram roubar metade do meu corpo
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a metade que se ergueu a cabeรงa do forno.
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Endoscopia da Miss Lexotan 6mg postumamente à Júpiter Maçã Para Carol Policarpo O que é um corpo Quando ele cai? Há um significado em se – espatifar as tripas os pulmões as pedras (dos rins) que deixaram o sangue cair O estômago da Miss Lexotan Sem gravidade - ela finalmente fica leve? – Que importa tocar o sangue dela agora? Ou o corpo - não pesa nada – O futuro comporta
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O seu, o meu, o nosso corpo? Putrefato. Ou não. Imagine Um monte de máquinas em vez de 216 ossos. Para termos o formato que tínhamos dentro Do Photoshop Sou medrosa demais para reconhecer a minha perfeição Prefiro despencar de um elevador E não reconhecer a meleca que se tornou A minha forma
A cada andar
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Sem Título I
eu caio dos céus mas não tirei os pés das nuvens e não senti dor eu pari mil filhos iguais a mim e meu corpo se mantém o mesmo eu brilhei como meus cabelos de fogo e engoli todos os homens
até que o carro bateu numa placa ela dizia PARE a fuga é sempre uma arte e eu a faço muito bem depois que me enrolei em canos de esgoto
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do fundo do poรงo cada vez mais fundo
tudo bem, porque era silencioso demais o gosto de viver na cambalhota do mundo
pelo menos uma hora eu parei quieta
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Breath of the Wild – notas de solidão Para Bruno Galvão
Você me enviou uma partitura Eu não era talentosa à ocarina Mas o som era confortável o suficiente para ela soar MINHA
Pois eu podia sentir as células do meu e do seu sangue se curvarem À melodia E as nossas fotografias ilustravam, saudosas, cada nota Som dos pássaros em Visconde de Mauá
Uma pequena substituição da voz, da voz, da voz que eu sentia falta de encostar e de pegar e de guardar em caixas escondidas dentro de casa.
Meus ouvidos sibilaram
Talvez porque disfarçasse o odor de ave que se forma
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No interior dos ossos. Isto ĂŠ ser humano
Eu gosto de recusar
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colagem I
sonhar: escapismo social levemente aceito e realista
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Colagem II- LVCO 4
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Colagem III - o corpo
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Colagem IV - medo
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Colagem V - o vĂrus
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Colagem VI psicotrรณpicos
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Sobre a autora Laura Navarro (2000) Ê estudante de jornalismo e poeta por vocação mais poeta do que as outras coisas
gosta de se fingir de emburrada mas precisa de 5 pessoas para segurarem enquanto toma vacina.
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